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Unigranrio Nova Iguaçu - Noite - 7° Período - TA 3 - Direito das Sucessões

Isaque Samuel
Pedro Henrique Hortêncio
Taís Gonçalves Portugal Corrêa
Yasmin Teixeira

PARECER JURÍDICO:
DIRETIVAS ANTECIPADAS DE VONTADE NO BRASIL

Neste parecer busca-se explanar como deve ser tratado o direito à morte no
Brasil, trazendo pontos importantes do debate sobre esse tema e buscando defender,
sempre respeitando o ordenamento jurídico vigente, o direito a uma morte digna.
Primeiramente, antes de tratar do direito à morte digna, é necessário que se faça
algumas considerações sobre o direito à vida, uma vez que só se pode falar em morte de
pessoa que se encontra em vida. Tal direito está previsto no caput do artigo 5º da
Constituição Federal de 1988 como uma garantia fundamental. Contudo, há diversos
debates versando acerca da relativização deste direito, tendo em vista que, assim como
qualquer outro direito previsto no ordenamento jurídico pátrio, o direito à vida não é
absoluto. Por mais que o direito à vida tenha um peso maior que os demais direitos, por
ser a vida uma pré-condição para o exercício da maioria dos demais direitos, tal direito
não pode ser considerado absoluto, nem mesmo hierarquicamente superior aos demais
direitos.
Além disso, o direito à vida, bem como qualquer direito previsto no
ordenamento jurídico brasileiro, não pode ser concebido ou interpretado de forma
isolada, como um direito que deva existir independentemente de qualquer coisa. Há, na
Constituição da República de 1988, princípios fundamentais e que, no entender deste
time de aprendizagem, devem ser considerados ao analisarmos o direito à vida. O
Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, é um fundamento da República Federativa
do Brasil e, por isso, norteia todo o ordenamento jurídico brasileiro, devendo toda
norma jurídica ser enxergada à luz de tal fundamento. No nosso entender, o direito à
vida, principalmente quando se tratar de seres humanos, deve ser entendido como o
direito de viver de forma digna, buscando-se não apenas a preservação de vida, mas
também, a preservação da dignidade do indivíduo que vive. Dessa forma, busca-se
extirpar da sociedade qualquer modo de existência degradante, sofrida, lastimável, cruel
e torturante. Isto, é importante esclarecer, não quer dizer extinguir toda vida em que
esteja presente a ausência da dignidade da pessoa humana. Tal ideia é esdrúxula, e
incompatível com a própria ideia da dignidade humana. O que se busca dizer é que é
necessário que haja empenho da sociedade e do Estado para que as pessoas, não apenas
vivam, mas vivam com dignidade. A busca de uma existência digna, passa sobre um
sério debate sobre a liberdade dos indivíduos para disporem sobre alguns aspectos da
sua própria vida. A preservação da autonomia da vontade do indivíduo e fator essencial
para uma vida digna. Porém, como se sabe, é importante ressaltar que a vida, no
ordenamento jurídico vigente, é tratada como um bem indisponível, não podendo o
indivíduo dispor dela como quiser, não podendo dela abrir mão, por exemplo.
Porém, quando se trata de casos em que uma pessoa se encontra com doença
grave em estágio terminal, em estado vegetativo irreversível ou em grande sofrimento,
entendemos que cabem questionamentos quanto à indisponibilidade do direito à vida.
Como dito anteriormente, o direito à vida está indubitavelmente relacionado ao
princípio da dignidade da pessoa humana. Ora, não se pode alegar que uma pessoa que
viva com constantes dores, angústias pelo estado em que vive, e que em muitas das
vezes se estende a seus familiares e amigos, está a viver uma vida digna. Assim, deveria
o indivíduo, se assim entendesse, com o objetivo de cessar o sofrimento seu e de sua
família, poder interromper sua vida, nos casos em que não haja mais alternativas na
medicina que possam reverter seu quadro de dor e sofrimento que se encontra. Não é
compatível com o princípio da dignidade da pessoa humana exigir, por exemplo, que
uma pessoa continue em vida contra a sua vontade, nos casos em que essa se encontre
em estágio terminal de grave doença, com fortes dores e perturbações, prolongando
assim seu sofrimento e sua angústia, bem como a de seus familiares. Deve-se buscar
afastar uma vida de dor, sofrimento e agonia, e se a morte for o único meio viável para
tal, deveria o indivíduo, se assim deseja-se e com fundamento no princípio da
autonomia da vontade, ter a possibilidade de dispor da sua própria vida, podendo abrir
mão dela por meio de atos unilaterais de vontade, devidamente disciplinados.
Como dito, no ordenamento jurídico brasileiro atual, não se admite uma grande
margem de disposição do direito à vida. Atualmente, no Brasil, se discute as diretivas
antecipadas de vontade. Documento regulamentado apenas administrativamente pela
por uma resolução expedida pelo Conselho Federal de Medicina. Trata-se de documento
em que o paciente manifesta, prévia e expressamente, o seu desejo de, ao se encontrar
em estado no qual seja impossível manifestar sua vontade, se submeter ou não se
submeter a determinados tratamentos médicos. Por meio desse documento, poderia
alguém previamente desejar, por exemplo, caso se encontre em estágio vegetativo
irreversível, não ser mantido em vida por aparelhos. Tal resolução administrativa
viabiliza a prática chamada de ortotanásia, a qual consiste em deixar que a morte se
desenvolva em seu curso natural, sem o emprego de tratamentos médicos incapazes
melhorar a situação do paciente e que apenas prolongam o sofrimento e a angústia do
paciente e de sua família. A Resolução CFM n. 1.995/2012, já foi alvo de ações
judiciais que questionavam a sua constitucionalidade, porém, não há, segundo parte da
doutrina, qualquer ilicitude em tal ato normativo. É o que preleciona o professor Dimas
Messias de Carvalho:
“Assim, não constitui qualquer ilícito acolher a vontade do paciente expressa no
testamento vital, pois a pessoa humana tem o direito de liberdade em não querer se
submeter a tratamentos desnecessários para prolongar a agonia e o sofrimento da vida
meramente vegetativa. Além do sofrimento causado à própria pessoa, violando a
dignidade, também sofrem os familiares. Portanto, perfeitamente possível e legal a
disposição de vontade expressada em testamento vital, por pessoa capaz e consciente,
quanto aos procedimentos médicos que aceita ou rejeita em caso de enfermidade
terminal, quando já estiver impossibilitada de manifestar sua vontade. O testamento
pode ser efetuado na forma pública, perante o tabelião de notas, mediante escritura
declaratória, ou escrito particular autêntico, já que, como não é previsto legalmente, não
se exigem os mesmos requisitos dos testamentos comuns” 459.
Contudo, apesar de as diretivas alternativas de vontade serem um grande avanço
para o ordenamento jurídico brasileiro, defendemos uma autonomia maior do indivíduo
para dispor de seu direito à vida em casos de doenças graves incuráveis em estágio
terminal ou vegetativo. Práticas como a eutanásia e o suicídio assistido já são utilizadas
em outros países, deveriam, desde que haja uma regulamentação detalhada e feita de
forma cuidadosa, serem permitidas no Brasil. Busca-se dar ao indivíduo não apenas uma
vida digna, mas também uma morte digna, com menos dor e sofrimento possível. Não
havendo a possibilidade do indivíduo permanecer em vida sem sofrer, nada mais justo
que se proporcione para este indivíduo uma morte honrosa e sem sofrimento.
Por isso, é importante que haja a possibilidade, no ordenamento jurídico
brasileiro, de se poder pactuar sobre o direito da própria vida, nos casos em que o
indivíduo se encontre em situação de grande enfermidade, passando por dores,
sofrimentos e angústia, não sendo tal situação capaz de ser revertida pela medicina. O
indivíduo deve ter o direito de usufruir de uma morte digna, evitando que se prolongue
seu sofrimento.
Por fim, e no mesmo sentido do presente parecer, vem se posicionando a
jurisprudência, a qual, apesar de escassa (tendo em vista tratar-se de um tema
relativamente novo no Brasil), reflete, em suas decisões, de maneira uníssona a defesa e
“o reconhecimento da autonomia do paciente acerca do tratamento ao qual ele deseja se
submeter” (ANGELUCI, 2019, p. 50). Seguem dois julgados a título de exemplo:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO.
DIREITO À SAÚDE. AUTORIZAÇÃO PARA REALIZAÇÃO DE
PROCEDIMENTO CIRÚRGICO. NEGATIVA DO PACIENTE. NECESSIDADE DE
SER RESPEITADA A VONTADE DO PACIENTE. 1. O direito à vida previsto no
artigo 5º da Constituição Federal não é absoluto, razão por que ninguém pode ser
obrigado a se submeter a tratamento médico ou intervenção cirúrgica contra a sua
vontade, não cabendo ao Poder Judiciário intervir contra esta decisão, mesmo para
assegurar direito garantido constitucionalmente. 2. Ademais, considerando que ‘não
se justifica prolongar um sofrimento desnecessário, em detrimento à qualidade de
vida do ser humano’, o Conselho Federal de Medicina (CFM), publicou a Resolução
nº 1.995/2012, ao efeito de dispor sobre as diretivas antecipadas de vontade do paciente,
devendo sempre ser considerada a sua autonomia no contexto da relação médico-
paciente. 3. Hipótese em que o paciente está lúcido, orientado e consciente, e mesmo
após lhe ser explicado os riscos da não realização do procedimento cirúrgico, este se
nega a realizar o procedimento, tendo a madrasta do paciente, a seu pedido, assinado
termo de recusa de realização do procedimento em questão, embora sua esposa
concorde com a indicação médica. 4. Por essas razões, deve ser respeitada a vontade
consciente do paciente, assegurando-lhe o direito de modificar o seu
posicionamento a qualquer tempo, sendo totalmente responsável pelas
consequências que esta decisão pode lhe causar. NEGADO SEGUIMENTO AO
RECURSO. (TJRS, 1ª Câmara Cível – Comarca de São Leopoldo. Agravo de
Instrumento nº 70.065.995.078. Rel. Des. Sergio Luiz Grassi Beck, Julgado em
3.9.2015)
Disponível em: <https://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/230669134/agravo-de-
instrumento-ai-70065995078-rs>. Acesso em: 01 de maio de 2022.

APELAÇÃO CÍVEL. ASSISTÊNCIA À SAÚDE. BIODIREITO. ORTOTANÁSIA.


TESTAMENTO VITAL. 1. Se o paciente, com o pé esquerdo necrosado, se nega à
amputação, preferindo, conforme laudo psicológico, morrer para ‘aliviar o sofrimento’;
e, conforme laudo psiquiátrico, se encontra em pleno gozo das faculdades mentais, o
Estado não pode invadir seu corpo e realizar a cirurgia mutilatória contra a sua
vontade, mesmo que seja pelo motivo nobre de salvar sua vida. 2. O caso se insere
no denominado biodireito, na dimensão da ortotanásia, que vem a ser a morte no seu
devido tempo, sem prolongar a vida por meios artificiais, ou além do que seria o
processo natural. 3. O direito à vida garantido no art. 5º, caput, deve ser combinado com
o princípio da dignidade da pessoa, previsto no art. 2º, III, ambos da CF, isto é, vida
com dignidade ou razoável qualidade. A Constituição institui o direito à vida, não o
dever à vida, razão pela qual não se admite que o paciente seja obrigado a se
submeter a tratamento ou cirurgia, máxime quando mutilatória. Ademais, na esfera
infraconstitucional, o fato de o art. 15 do CC proibir tratamento médico ou intervenção
cirúrgica quando há risco de vida, não quer dizer que, não havendo risco, ou mesmo
quando para salvar a vida, a pessoa pode ser constrangida a tal. 4. Nas
circunstâncias, a fim de preservar o médico de eventual acusação de terceiros, tem-se
que o paciente, pelo quanto consta nos autos, fez o denominado testamento vital, que
figura na Resolução nº 1995/2012, do Conselho Federal de Medicina. 5. Apelação
desprovida (TJRS, 1ª Câmara Cível. Apelação Cível nº 70.054.988.266. Rel. Des. Irineu
Mariani, julgado em: 23.11.2013).
Disponível em:
<http://www1.tjrs.jus.br/site_php/consulta/consulta_processo.php?
nome_comarca=Tribunal+de+Justi
%E7a&versao=&versao_fonetica=1&tipo=1&id_comarca=700&num_processo_mask=
70054988266&num_processo=70054988266&codEmenta=5557320&temIntTeor=true>
. Acesso em: 01 de maio de 2022.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ANGELUCI, Cleber Affonso. Considerações sobre o existir: as diretivas


antecipadas de vontade e a morte digna. In: Revista Brasileira de Direito Civil. Belo
Horizonte, MG: RBDCivil, v. 21, p. 39-59, jul./set. 2019.

COSTA, Guilherme. Testamento Vital. Jusbrasil, 2016. Disponível em:


<https://guilh.jusbrasil.com.br/artigos/305242650/testamento-vital>. Acesso em: 01
maio de 2022.

FREITAS, Vladimir Passos de. As diretivas antecipadas e o sofrimento nas doenças


incuráveis. Consultor Jurídico, 2018. Disponível em: <
https://www.conjur.com.br/2018-abr-01/segunda-leitura-diretivas-antecipadas-
sofrimento-doencas-incuraveis#:~:text=O%20mandato%20duradouro
%20%C3%A9%20a,puder%20mais%20manifestar%20sua%20vontade.>. Acesso em:
01 de maio de 2022.

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