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Aula 17
Direito à saúde
Professor
Luís Henrique Linhares Zouein
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Introdução:
Fundamento constitucional:
O direito à saúde deve ser tido como um direito fundamental autônomo, que
encontra fundamentos constitucionais no art. 6º, que traz os direitos sociais em espécie,
menciona em seu rol (não exaustivo) o direito à saúde como um importante direito
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fundamental e é melhor regulamentado a partir do art. 196 da Constituição. Então, em
questões discursivas tem que mencionar o art. 196.
Do ponto de vista legal, a lei mais importante é a lei 8080, a Lei do SUS.
Alguns editais vêm trazendo o direito à saúde como matéria autônoma. Caso essa seja a
realidade do seu edital, a leitura da Lei 8080 é obrigatória. Em outros casos, ela é
recomendável.
Fundamento convencional:
Mas o direito à saúde não está apenas no direito interno. Também está
positivado no direito internacional. No sistema interamericano, o principal dispositivo
convencional que envolve o direito à saúde é o art. 10 do Protocolo de San Salvador:
1. Toda pessoa tem direito à saúde, entendida como o gozo do
mais alto nível de bem-estar físico, mental e social.
2. A fim de tornar efetivo o direito à saúde, os Estados Partes
comprometem-se a reconhecer a saúde como bem público e,
especialmente, a adotar as seguintes medidas para garantir este
direito:
a. Atendimento primário de saúde, entendendo-se como tal a
assistência médica essencial colocada ao alcance de todas as
pessoas e famílias da comunidade;
b. Extensão dos benefícios dos serviços de saúde a todas as
pessoas sujeitas à jurisdição do Estado;
c. Total imunização contra as principais doenças infecciosas;
d. Prevenção e tratamento das doenças endêmicas,
profissionais e de outra natureza;
e. Educação da população sobre prevenção e tratamento dos
problemas da saúde; e
f. Satisfação das necessidades de saúde dos grupos de mais
alto risco e que, por sua situação de pobreza, sejam mais
vulneráveis.
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Por falar em sistema interamericano, o precedente da Corte IDH mais
importante sobre o direito à saúde é o caso Poblete Viltes vs. Chile. O Estado chileno foi
condenado em 2018 por violar o direito à saúde de uma pessoa idosa. Até então havia
dúvida e divergência sobre a aplicabilidade direta e imediata do direito à saúde no sistema
interamericano de direito humanos. Isso porque a CADH, em seu art. 26, fala em
implementação progressiva desses direitos. Desde o caso Poblete Viltes a Corte IDH vem
reconhecendo que é possível exigir, ao menos, prestações mínimas com relação ao direito
à saúde e condenar os Estados signatários em caso de violação deste mínimo, que
independe de eventual regulamentação progressiva.
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Dentro desse contexto de facetas, de abstenção e facetas prestacionais, trago
as lições, novamente, de André de Carvalho Ramos. Para o autor:
“Do ponto de vista da faceta de abstenção, há o direito individual
de não ter sua saúde colocada em risco, bem como há o direito de
não ser obrigado – em geral – a receber um determinado
tratamento. Assim, a pessoa tem o direito à autodeterminação
sanitária, que consiste na faculdade de aceitar, recusar ou
interromper voluntariamente tratamentos médicos. Esse direito
exige que seja dada ao indivíduo toda a informação necessária,
para que a recusa ou o consentimento seja livre e esclarecido.
Excepcionalmente, o direito de recusa de tratamento pode ser
superado, em uma ponderação de direitos, com o direito à saúde
de outros, como se vê em casos de epidemias. Do ponto de vista
prestacional, o direito à saúde habilita a pessoa a exigir um
tratamento adequado por parte do Estado, podendo, inclusive,
pleitear tal serviço de saúde judicialmente.”1
1
RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva Educação, 2020, p. 890.
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ordenamento jurídico brasileiro há muito permite, que foi reforçado pelo STF é a
vacinação compulsória.
A vacinação compulsória consiste na vacinação obrigatória. Caso o indivíduo
não se vacine ele pode receber sanções. Ou ele pode ser estimulado a se vacinar por meio
de medidas coercitivas indiretas. Por exemplo, se o indivíduo não se vacinar pode ser,
eventualmente, multado. Ou se ele não se vacinar pode ser proibido de frequentar
determinados locais. A gente tem todos os debates sobre passaporte vacinal que tem sido
entendido como constitucional pelo poder judiciário nas mais diversas instâncias.
Vacinação compulsória não se confunde com vacinação forçada e a vacinação
compulsória é legítima e constitucional.
E mais, em outro julgamento também publicado no informativo 1003, o STF
entendeu que é ilegítima a recusa dos pais à vacinação compulsória do filho menor, por
motivo de convicção filosófica. O pai pode deixar de se vacinar: não vai poder frequentar
determinados locais, por exemplo; pode ser demitido por justa causa. Mas isso é um
problema dele, pelo menos a princípio. Agora, o filho não pode deixar de ser vacinado
porque o pai, em pleno 2022, é antivacina.
Visto isso, podemos avançar para o que efetivamente cai em todas as etapas
do certame de todas as carreiras: aspectos teóricos e práticos sobre a judicialização do
direito à saúde. Quando a gente fala em judicialização do direito à saúde, ainda mais a
judicialização individual, geralmente a gente pensa na Defensoria Pública ajuizando uma
demanda em favor de João ou de Maria e de um magistrado decidindo. Mas, é importante
destacar que o Ministério Público também tem legitimidade ativa para ajuizar uma ação
individual em favor de indivíduo certo e determinado, exigindo prestações de direito à
saúde: um medicamento, uma cirurgia, um tratamento. Isso porque se trata de um direito
fundamental, mais especificamente de um direito individual indisponível. Está tanto na
Constituição, quanto na Lei Orgânica do Ministério Público, Lei 8.625, a possibilidade
de atuar em favor de beneficiários individualizados no caso de direito individual
indisponível. Portanto, o MP também tem essa legitimidade ativa.
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Necessidade de prévio requerimento e exaurimento das vias administrativas?
Imaginem que um indivíduo te procura no seu gabinete. Maria tem um laudo
médico circunstanciado e ela precisa de um medicamento, essencial para sua vida digna,
ou uma cirurgia. Vocês, na qualidade de promotores de justiça ou de defensores públicos,
o que fariam? É preciso lembrar que a judicialização dificilmente será a primeira opção.
Aliás, prevalece na doutrina e na jurisprudência que, nesse caso, a judicialização como
primeira opção implica em ausência de condição de ação, mais especificamente, de
interesse de agir, porque não houve negativa administrativa ou extrajudicial. Por isso, os
senhores, primeiro, devem oficiar a Secretaria de Saúde, do Município, do Estado ou
mesmo da União, requerendo aquele tratamento, medicamento, cirurgia. Em havendo
negativa, surge o interesse de agir como condição da ação, para judicializar aquela
demanda envolvendo direito à saúde. Portanto, sobretudo em questões discursivas,
deixem claro pela primazia da solução extrajudicial da controvérsia.
Mas, claro, que há exceção, que se dá, sobretudo, em casos de urgência. Se o
enunciado te dá um contexto que a questão é de vida ou morte e que o indivíduo precisa
agora, vocês não vão expedir ofício à Secretaria para em 5 dias a Secretaria negar e depois
judicializar. Se você está num plantão de domingo, você vai judicializar de pronto, correr
no juiz, despachar, ligar para o oficial de justiça e tentar implementar o quanto antes
aquela decisão judicial. A negativa pode ser suprimida em caso de urgência, presente no
caso o interesse de agir.
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mesmo os tribunais superiores entendem que o chamamento ao processo, nesse casso, é
medida meramente protelatória e, por isso, não admissível. Comumente, Municípios e
Estados chamam ao processo a União, única e exclusivamente, para deslocar a
competência para a Justiça Federal e, com isso, ganhar tempo, o que, em regra, não é
admitido. Veremos que tem algumas questões importantes envolvendo a necessidade da
União no polo passivo da demanda. Mas essa é a regra geral.
Todos aqueles debates na nossa aula de teoria geral dos direitos sociais devem
ser aqui aplicados. Debates sobre uma violação ou não da separação de poderes, o fato de
serem ou não, normas meramente programáticas, o custo dos direitos. Todo aquele
arcabouço teórico e argumentativo trabalhado na aula de teoria geral dos direitos sociais
deve ser aqui trazido.
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concreto, pode-se exigir que a União seja colocada no polo passivo da demanda, ou ainda
reconhecer a possibilidade da objeção da reserva do possível.
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exemplo Dirley da Cunha Júnior, e na jurisprudência do STF, recentemente, o
informativo 1032. Geralmente, na prática, a parte requer constrição patrimonial, o
bloqueio de valores nas contas da Fazenda Pública, do Município, do Estado; é expedido
mandado de pagamento pelo Cartório ou aqueles valores são depositados na conta da
parte, que vai custear o tratamento, o medicamento ou a cirurgia e depois deve prestar
contas no processo.
Isso é perfeitamente possível e admitido pela jurisprudência, bem como pela
doutrina. Portanto, em questões discursiva e em provas orais, em peças, não se esqueçam
do pedido subsidiário de custeio de tratamento, medicamento ou cirurgia na iniciativa
privada.
Para que o medicamento seja vendido por uma farmácia ou mesmo fornecido
no SUS ele precisa de registro na ANVISA. A questão do registro na ANVISA foi muito
debatida nesse momento com a importação das vacinas e a ANVISA foi colocada como
uma protagonista nesse processo de vacinação em território brasileiro. É possível que o
poder judiciário determine que a Fazenda Pública forneça um medicamento não
registrado na ANVISA? No informativo 941, o STF fixou a primeira camada: o Estado
não pode ser obrigado a fornecer medicamentos experimentais, aqueles medicamentos
que ainda não têm a sua segurança ou efetividade atestados pela comunidade científica.
Mas, medicamento experimental não se confunde com medicamento sem
registro na ANVISA. É possível que o medicamento já esteja consagrado pela
comunidade científica, mas a nossa autarquia federal com atribuição ainda não registrou
o medicamento. Nesses casos, em regra, a Fazenda Pública não pode ser obrigada a
fornecer o medicamento sem registro na ANVISA. Isso porque o processo de
internalização de registro de medicamento na ANVISA tem importância gigantesca para
a saúde pública.
Mas não vai cair a regra na sua prova, vai cair a exceção. Excepcionalmente
é possível que a Fazenda Pública seja compelida a fornecer medicamento sem registro na
ANVISA, desde que preenchidos 3 requisitos cumulativos:
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1. Deve haver pedido de registro do medicamento na ANVISA, bem como
mora irrazoável por parte da agência reguladora em apreciar o pedido.
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incorporado aos atos normativos do SUS. Esses medicamentos incorporados são
chamados de medicamentos padronizados. Aqueles que não estão previstos nos atos
normativos do SUS são aqueles não padronizados.
Essa parte final foi acrescida pelo STJ à tese após embargos de declaração e
teve um objetivo muito específico: impedir, como regra geral, que o poder público seja
compelido a fornecer medicamentos com uso off label. E esse entendimento foi reforçado
no informativo 717 do STJ, que entendeu que, em regra, a Fazenda Pública não pode ser
obrigada a fornecer medicamento off label. Só para recapitular, medicamento off label é
aquele em que ele é prescrito para um uso diverso do previsto na bula. Com o passar do
tempo, é possível perceber que, um medicamento antes criado para uma finalidade, tem
outras tantas.
Ainda que o medicamento seja off label, ele pode ser, eventualmente,
fornecido pela Fazenda Pública, desde que seja autorizado expressamente pela ANVISA.
Cuidado com prova objetiva. O que eu estou falando aqui é que a Fazenda Pública, em
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regra, não pode ser compelida a fornecer medicamento para uso diverso da bula, salvo
autorização expressa da ANVISA.
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medicamento sem registro na ANVISA e outra coisa é medicamento não previsto em atos
normativos do SUS. Quanto a estes (medicamentos não previstos em atos normativos do
SUS), não há necessidade de presença da União no polo passivo da demanda.
Esse tema, a princípio, não pode ser exigido em provas objetivas, a não ser
que numa maldade tremenda, seu examinador exija “de acordo com STJ”; “de acordo
com o STF”. Mas é um tema sensacional para cair em questões discursivas.
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de substituição por outro similar constante das listas oficiais de
dispensação de medicamentos e os protocolos de intervenção
terapêutica do SUS.”2
À época, em 2021, o STF entendeu que a União não precisava estar no polo
passivo da demanda. Mas, com base no novo entendimento que eu acabei de mencionar,
a maior parte dos tribunais tem exigido a União no polo passivo nesses processos.
Pra gente fechar a aula de hoje, não há como não falar da decisão do STJ em
julgamento concluído em 08 de junho de 2022 pela 2ª Seção que, estudando direito à
saúde no âmbito dos planos de saúde, fixou a posição quanto ao rol da ANS. O Superior
Tribunal de Justiça entendeu que o rol da ANS de tratamentos que deve ser
obrigatoriamente custeados pelos planos de saúde, é um rol taxativo. Temos duas
posições: aqueles que defendiam o rol taxativo e aqueles que defendiam o rol
exemplificativo.
Nas redes sociais vimos a #roltaxativomata, e mata mesmo. Mas prevaleceu
o voto do Ministro Luís Felipe Salmão que defendeu que o rol é taxativo, seguido pela
maior parte dos ministros. Um rol taxativo com temperamentos. Por isso, é possível falar
que o STJ decidiu pela taxatividade mitigada, comportando, assim, exceções. Vamos ver
como os tribunais vão se comportar para apreciar essas questões.
As teses fixadas foram as seguintes:
1. O rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar é, em regra,
taxativo;
2. A operadora de plano ou seguro de saúde não é obrigada a arcar com
tratamento não constante do rol da ANS se existe, para a cura do paciente,
outro procedimento eficaz, efetivo e seguro já incorporado ao rol;
3. É possível a contratação de cobertura ampliada ou a negociação de aditivo
contratual para a cobertura de procedimento extra rol;
2
STF. Plenário. RE 1165959/SP, Rel. Marco Aurélio, redator do acórdão Min. Alexandre de Moraes,
julgado em 18/6/2021 (Repercussão Geral – Tema 1161) (Info 1022).
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4. Não havendo substituto terapêutico ou esgotados os procedimentos do rol
da ANS, pode haver, a título excepcional, a cobertura do tratamento
indicado pelo médico ou odontólogo assistente, desde que (i) não tenha
sido indeferido expressamente, pela ANS, a incorporação do
procedimento ao rol da saúde suplementar; (ii) haja comprovação da
eficácia do tratamento à luz da medicina baseada em evidências; (iii) haja
recomendações de órgãos técnicos de renome nacionais (como Conitec e
Natjus) e estrangeiros; e (iv) seja realizado, quando possível, o diálogo
interinstitucional do magistrado com entes ou pessoas com expertise
técnica na área da saúde, incluída a Comissão de Atualização do Rol de
Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar, sem deslocamento da
competência do julgamento do feito para a Justiça Federal, ante a
ilegitimidade passiva ad causam da ANS.3
3
EREsp 1886929 e EREsp 1889704, da 2ª Seção, com julgamentos concluídos em 8 de junho de 2022.
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