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DEPARTAMENTO DE DIREITO

MESTRADO EM DIREITO
ESPECIALIDADE EM CIÊNCIAS JURÍDICAS
UNIVERSIDADE AUTÓNOMA DE LISBOA
“LUÍS DE CAMÕES”

EUTANÁSIA

Trabalho realizado no âmbito da unidade curricular Direito Constitucional Avançado

Autora: Catarina Melão Guedes


Número de aluna: 30003227
Professor: Doutor Pedro Trovão do Rosário

Novembro de 2023
Lisboa
Índice
Introdução..............................................................................................................................................3
1. Desenvolvimento...............................................................................................................................4
1.1. Termo e Conceito de Eutanásia...................................................................................................4
1.2. Eutanásia e suicídio assistido.......................................................................................................6
1.3. Eutanásia e as suas diferentes aceções.......................................................................................8
2. Referências Históricas.....................................................................................................................10
3. O regime jurídico da eutanásia em outros ordenamentos...............................................................12
3.1. A eutanásia na Alemanha..........................................................................................................12
3.2. A eutanásia na Holanda.............................................................................................................13
3.3 A eutanásia no Brasil..................................................................................................................17
3.4. A eutanásia em Portugal............................................................................................................18
4. O princípio da dignidade da pessoa humana....................................................................................22
Conclusão.............................................................................................................................................24
Bibliografia...........................................................................................................................................25
Introdução

No contexto da unidade curricular de Direito Constitucional Avançado,


ministrada pelo docente Prof. Doutor Pedro Trovão do Rosário, propôs-se a
elaboração de um relatório, no qual o assunto selecionado, após uma análise
cuidada e minuciosa, foi a eutanásia.

O conceito de eutanásia deriva de duas palavras gregas, o prefixo “eu” que


significa bom, e “thanatos” que por sua vez significa morte, ou seja, significa “boa
morte” ou “morte suave” 1. Houve também um significado distinto daquele que
atualmente é interpretado, ou seja, “provocar morte indolor aos que sofrem” 2.
A eutanásia é, conforme algumas pessoas afirmam, um ato que encurta a vida de
outra pessoa que esteja a enfrentar dores insuportáveis devido a uma doença
incurável, e em que não há perspetiva de sobrevivência.
Em fase terminal, mas consciente, i) a pessoa tem de o querer; ii) é uma questão de
possibilitar uma “morte digna”3.

A eutanásia, é um tema complexo e controverso e o tema ainda é, nos dias


de hoje, um assunto tabu. Abordar este assunto implica confrontar as nossas
convenções sociais, religiosas, culturais e éticas. Por um lado, se é verdade que os
avanços da tecnologia mudaram e melhoraram significativamente a prática da
medicina – devido aos médicos atualmente possuírem uma tecnologia tão avançada,
que são capazes de manter as pessoas vivas, durante anos, onde noutros tempos
não teriam hipóteses de sobrevivência – por outro lado, as pessoas preocupam-se
em que circunstâncias estas novas tecnologias não poderão apenas adiar a vida
humana, mesmo que associadas ao sofrimento físico ou psicológico.

1
BRITO, António José dos Santos Lopes de; RIJO, José Manuel Subtil Lopes – Estudo Jurídico da
Eutanásia em Portugal. Direito sobre a Vida ou Direito de Viver? Coimbra: Almedina, 2000, p.25
2
Idem, p.46
3
GODINHO, Inês Fernandes – Eutanásia, homicídio a pedido da vítima e os problemas de
comparticipação em Direito Penal, Coimbra: Coimbra Editora, 2015, p. 244 e s.
3
1. Desenvolvimento
1.1. Termo e Conceito de Eutanásia

O conceito de eutanásia, a prática de pôr fim intencionalmente à vida de uma


pessoa para aliviar o seu sofrimento, é uma questão inerentemente complexa que
transcende as barreiras de disciplinas como a medicina, a ética e o direito. O seu
significado desencadeia reflexões profundas sobre a natureza da vida, a autonomia
individual e a responsabilidade moral. Há quem defina a eutanásia como uma forma
de acabar com a dor que o doente está a sentir, todavia, também por ser
interpretada como uma forma de ajudar alguém a cometer suicídio.

A propósito da “forma de acabar com a dor que o doente está a sentir”, é


comum dizer-se que o doente que solicita a eutanásia encontra-se numa situação de
sofrimento intolerável. Mas como é que é possível sabermos que o doente se
encontra nesta fase de sofrimento?
Como esta dor não pode ser observada, todos os sintomas têm de ser fornecidos
pelo próprio doente. Por se tratar de uma doença pessoal, o medico deverá, após
ouvir o paciente tomar todas as medidas possíveis para garantir que a eutanásia,
feita pelo paciente, não foi precipitada.4

Os defensores da eutanásia são aqueles que acreditam na importância da


mesma como forma de evitar dor e sofrimento às pessoas em fase terminal ou sem
qualidade de vida. Enfatizam a defesa da autonomia, o direito absoluto de cada um,
o direito à autodeterminação, o direito a escolher a vida e a morte.

A eutanásia não defende a morte, mas sim a escolha da morte por quem a
abriga como a melhor opção. Dito isto, conseguimos entender que não é uma
escolha que não pode ser tomada de ânimo leve.
Contra a eutanásia existem razões de ordem religiosa, ética, social e política. Do
ponto de vista religioso, a eutanásia é uma violação dos direitos humanos à vida,
que pertence apenas a Deus. Do ponto de vista da ética médica, alguns questionam

4
COUTO, Gilberto – A Eutanásia Descodificada. Um Guia para o debate/referendo. Lisboa:
Pártenon, 2016, p. 19 e 20.

4
o Juramento de Hipócrates 5, que exige que os profissionais de saúde respeitem a
vida do paciente.

O debate sobre a prática da eutanásia, embora controverso, tem duas


implicações muito diferentes. Em primeiro lugar, pela liberdade de escolha do
paciente para poder terminar a sua vida sem sofrimento, e em segundo lugar pelos
direitos associados ao egoísmo, pelo facto de nos ter sido dado o direito à vida.

A eutanásia é muito mais do que uma questão de ética ou moralidade, trata-


se de liberdade, consentimento e informação. Esta prática é uma questão de
liberdade de escolha, independentemente de quem pertença, desde que haja
consentimento e atenda todos os requisitos necessários para a prática do mesmo.

1.2. Eutanásia e suicídio assistido

5
JURAMENTO de Hipócrates – [Em linha]. [Consultado. 10 de novembro de 2023]. Disponível em:
http://ordemdosmedicos.pt/wp-content/uploads/2017/08/Juramento_de_Hipócrates.pdf
5
O suicídio assistido é um termo derivado do latim Sui + Cídio = Raiz de
6
Caedere = Matar , ou seja, o próprio conceito já demarca as presunções
necessárias para que o suicídio se possa concretizar.

O termo “suicídio assistido” refere-se em ajudar outra pessoa a acabar com a


sua vida, com o objetivo de aliviá-la da dor que está a sentir. No suicídio assistido, o
paciente controla a supressão da sua vida, ou seja, podemos dizer que é o próprio
que tem o domínio da decisão da sua morte, juntamente com a ajuda de um médico.
Quando decide tomar tal decisão, tem de estar em plena capacitância da sua
decisão, isto é, tem de estar consciente e ciente do pedido que está a efetuar ao
médico, não podendo estar sob a influência de terceiros. O paciente que pede o
suicídio assistido deseja morrer voluntariamente e conscientemente, efetua esse
pedido a um terceiro, que por sua vez, realiza-o levando o paciente à morte7.

Relativamente a esta ajuda, o artigo 135º do Código Penal 8, diz-nos que:


“1 - Quem incitar outra pessoa a suicidar-se, ou lhe prestar ajuda para esse fim, é
punido com pena de prisão até 3 anos, se o suicídio vier efetivamente a ser tentado
ou a consumar-se.
2 - Se a pessoa incitada ou a quem se presta ajuda for menor de 16 anos ou tiver,
por qualquer motivo, a sua capacidade de valoração ou de determinação
sensivelmente diminuída, o agente é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos”.

O suicídio assistido, considerado como uma forma de eutanásia, é entendido


como um ato onde o médico ou outra pessoa age com o objetivo de permitir ao
paciente o acesso a uma substância que o levará à morte. 9 A diferença entre a
eutanásia e o suicídio assistido reside na forma como ocorre o ato. Na eutanásia,
um terceiro ajuda o doente a tomar a substância, deixando-o incapaz de o fazer,

6
CARDOSO, Álvaro Lopes – O Direito de Morrer Suicídio e Eutanásia, círculo de Leitores, 1993,
p.11. MANSO, Luís Duarte – Direito Penal, Casos Práticos Resolvidos, Volume I, 4.ª Ed., Lisboa:
Quid Juris, 2011, p. 171.
7
Januário, Rui; Figueira, André́ - O crime de Homicídio a Pedido. Eutanásia. Direito a Morrer ou
Dever de Viver. Lisboa: Quid Juris, 2009, p. 308
8
DIÁRIO DA REPÚBLICA – DL n.º 48/95, de 15 de março. [Em linha]. [Consultado. 10 de novembro
de 2023]. Disponível em: https://dre.pt/web/guest/legislacao-consolidada/-
/lc/107981223/201708230100/73474034/diploma/índice
9
MANSO, Luís Duarte – DIREITO PENAL, Casos Práticos Resolvidos, Volume I, 4.ª Ed., Lisboa:
Quid Juris, 2011, p. 185
6
enquanto no suicídio assistido o doente é o responsável por administrar a
substância.10

10
SILVA, Fernando – Direito Penal Especial, Crimes Contra as Pessoas, Quid Juris, Lisboa, 2011,
p. 129
7
1.3. Eutanásia e as suas diferentes aceções

Antes de prosseguirmos mais, é muito importante distinguirmos eutanásia


ativa de eutanásia passiva. O termo eutanásia é usado para descrever condutas
diversificadas, portanto é necessário esclarecer a terminologia para evitar
confusões.

Existem muitos tipos diferentes de eutanásia, mas listaremos apenas os


termos que são relevantes para a realização desta tarefa.

Existe duas formas de praticar a eutanásia:

1. A eutanásia ativa, que provoca a morte a outro por ação11, esta implica
a utilização de processos que visam diretamente levar à morte da pessoa. Este
comportamento é punível em Portugal, pelos artigos 133º, 134º e 135º do Código
Penal Português (CP)12, dependendo ou não do consentimento do paciente para se
saber o seu enquadramento penal do crime.

2. E a eutanásia passiva, que é a morte natural em que não exige o


prolongamento da vida de forma artificial, executada pelo aparato próprio da
tecnologia médica13, segundo o ilustre Pícolo G.
por outras palavras, é quando ocorre a falta de recursos necessários para manter o
funcionamento dos órgãos vitais.

A eutanásia ainda se pode distinguir entre:

A eutanásia ativa direta, que é provocada de forma intencional, em que o


doente deu o seu consentimento (presumido) para a provocação da morte, podendo
esta ser praticada através das medidas supressoras de respiração, ou por injeção
letal.

Miguel Oliveira da Silva14 descreve a eutanásia ativa direta enquanto “efetiva


antecipação do momento da morte natural por administração de fármaco ou conjunto
11
JANUÁRIO, Rui; FIGUEIRA, André – O crime de Homicídio a Pedido. Eutanásia. Direito a Morrer
ou Dever de Viver. Lisboa: Quid Juris, 2009, p. 61
12
PEREIRA, Victor De Sá; LAFAYETTE, Alexandre – Código Penal Anotado e Comentado:
Legislação Conexa e Complementar. 2.ª Ed. Lisboa: Quid Juris Editora, 2014.p. 380-389.
13
PÍCOLO, Guilherme Gouvêa – O direito de morrer. Em linha. Brasil. p. (não consta).
Consultado. 11de novembro de 2023. Disponível em: http://www.egov.ufsc.br/portal/conteúdo/o-
direito-de-morrer-eutan%C3%A1siaortotan%C3%A1sia-e-distan%C3%A1sia-no-direito-comparado

8
de fármacos letais, em satisfação de um pedido voluntário”. Esta prática é punível,
corresponde ao Homicídio a Pedido da Vítima, previsto no artigo 134º do Código
Penal Português.15

E pela eutanásia ativa indireta, esta forma de eutanásia não tem como fim
provocar a morte à pessoa, o que se pretende é sim atenuar o sofrimento do doente,
mitigação essa que possa conduzir à morte. 16 Os autores defendem o carácter não
criminoso deste ato porque não há culpa em quem administra algo para aliviar o
sofrimento de outro, e não há intenção de matar, mas sim de aliviar o sofrimento e a
dor. Portanto, não se enquadra na legislação penal acima referida.17

2. Referências Históricas

A Eutanásia é atualmente um dos temas muito falados, e em Portugal, como


sabemos, foi recentemente debatida na Assembleia da República, semelhante ao
14
SILVA, Miguel Oliveira da, – Eutanásia, Suicídio Ajudado, Barrigas de Aluguer: Para um debate
de Cidadãos, Editorial Caminho, 2017, p. 92
15
ANDRADE, Manuel da Costa. Código penal e legislação Complementar. 11.ª ed. Lisboa
16
GODINHO, Inês Fernandes, - Eutanásia, Homicídio a Pedido da Vítima e os Problemas de
Comparticipação em Direito Penal, Coimbra Editora, 2015, p.245 e ss.
17
Idem- Ibidem.
16

17

9
que se tem ocorrido em outros países na Europa e fora dela. Como já vimos, trata-
se do pedido feito por uma pessoa, por norma a um profissional de saúde, para que
este ponha fim à sua vida18. A origem da prática remonta aos tempos antigos, e a
discussão sobre a mesma tem acompanhado a humanidade desde esses
longínquos tempos.

No seculo XVII é proposto pela primeira vez por Francis Bacon na sua obra
“Historia vitae et mortis” o termo eutanásia, e segundo o mesmo:

“…a função do médico é restituir a saúde e mitigar os sofrimentos e as dores,


não só quando essa mitigação possa conduzir à cura, mas também quando serve
para alcançar uma morte tranquila e fácil... Na minha opinião os médicos deviam
conduzir-se para essa prática e dar a sua assistência para facilitar e aliviar os
sofrimentos e agonias da morte”19

Mais tarde, no século XVIII, a eutanásia passou a ser vista como uma ação ou
conduta no modo de conseguir ou provocar a morte sem dor, pacífica e
confortavelmente. Subsequentemente, no século XIX, foi estipulada como um ato de
compaixão pelos enfermos20; Isto é, um ato para acabar com a vida de uma pessoa
por misericórdia, “morte piedosa”21 .

Foi a partir do século. XX, que se verifica o surgimento de diversas


organizações pró-eutanásia, que atestam o próprio ato e a intensificam os esforços
para promove-lo. Temos como exemplos a “Voluntary Euthanasia Legalisation
Society”, em Inglaterra, a “Euthanasia Educational Fund”, nos EUA, e a constituição
da Federação Mundial de Sociedades para o Direito à Morte.
Ainda durante o séc. XX, a prática da eutanásia foi amplamente discutida ao nível
do público em geral, em vários parlamentos e nos meios de comunicação social,
nunca esquecendo os debates sucedidos na Comissão das Nações Unidas para os
Direitos do Homem.

18
OSSWALD, Walter - Sobre a Morte e o Morrer, Coleção Ensaios da Fundação, Editor: Fundação
Francisco Manuel dos Santos, p.51
19
BACON, Francis- Historia Vitae et Mortis, 1636
20
SANTOS, Sandra Cristina Patrício dos - Eutanásia e suicídio assistido: o direito e liberdade de
escolha. Coimbra: 2011, p. 23
21
BRITO, António José dos Santos Lopes de; RIJO, José Manuel Subtil Lopes – Estudo Jurídico da
Eutanásia em Portugal. Direito sobre a Vida ou Direito de Viver? Coimbra: Almedina, 2000, p. 26
10
Desde então, alguns Estados alteraram as suas leis penais e promulgaram
leis que regem esta prática e regulamentam os direitos dos pacientes terminais. O
panorama atual da eutanásia também se centra na ideia dos direitos individuais, no
princípio da autonomia e na liberdade de decidir sobre o próprio ato de morte.

11
3. O regime jurídico da eutanásia em outros ordenamentos

É muito importante compreendermos quais os países que permitem a prática


da eutanásia, que tipo de procedimentos são utilizados, que controlos existem, entre
outros. Os países que permitem esta prática desempenham um papel importante e
têm uma grande influência em outros sistemas jurídicos. Existem regulamentos
abertos tanto à eutanásia ativa como ao suicídio assistido. Existe também outros
países que são apenas tolerantes com este último, como também a outros em que
ambras as atividades estão proibidas. Com isto, eu não quero dizer que temos de
seguir todos as soluções adotas por outros países, o mais importante é “estar atento
aos sinais dos tempos.”22

3.1. A eutanásia na Alemanha

Após a Segunda Guerra Mundial, em 1939, a Alemanha nazista criou o Aktion


T4, que foi projetado para erradicar os doentes incuráveis ou em idade avançada,
doentes mentais ou fisicamente deficientes, pessoas que não descendessem ou não
detivessem cidadania alemã, nomeadamente os negros e os ciganos.23

Por volta de 1973, uma pesquisa realizada, pelo Emnid Institut, descobriu que
53% dos alemães entrevistados não apoiavam a legalização da eutanásia 24
Em 1984, deparamos com o caso da prática de suicídio assistido por um médico,
após o Tribunal Superior de Munique ter pronunciado “o direito a autodeterminação
do paciente inclui a autodeterminação da morte”.25

Hoje em dia, no que diz respeito ao tema eutanásia e suicídio assistido, estão

22
COSTA, José de Faria – «O fim da vida e o Direito Penal». In Liber Discipulorum para Jorge de
Figueiredo Dias. Coimbra: Coimbra Ed., 2003. pp. 778 e ss.
23
NINI, Ana Catarina Sardinha – Eutanásia. Uma visão Jurídico - Penal. Lisboa: Universidade
Autónoma de Lisboa, 2012. 96 f. Tese de Mestrado em Ciências Jurídico - criminais.
24
BRITO, António José dos Santos Lopes de; RIJO, José Manuel Subtil Lopes – Estudo Jurídico da
Eutanásia em Portugal. Direito sobre a Vida ou Direito de Viver? Coimbra: Almedina, 2000, p. 89.
25
BRITO, António José dos Santos Lopes de; RIJO, José Manuel Subtil Lopes – Estudo Jurídico da
Eutanásia em Portugal. Direito sobre a Vida ou Direito de Viver? Coimbra: Almedina, 2000, p. 89
12
modelados, na própria Constituição as disposições por que nos podemos nortear.
No que diz respeito aos princípios fundamentais para a perceção da eutanásia e do
suicídio assistido, estes encontram-se tipificados nos artigos 1.º n. º1, relacionado à
inviolabilidade da dignidade da pessoa humana, que o Estado tem o dever de a
salvaguardar e respeitar e, consequentemente, respeitar o direito da personalidade,
consagrado no art.º 2.º n. º 2 da Constituição alemã26

O artigo 216º do Código Penal alemão criminaliza a eutanásia ativa e


prescreve uma pena de prisão entre seis meses e cinco anos. É requisito para este
tipo de crime que a vítima expresse um desejo claro e sério de acabar com a sua
vida. Isto porque, na ausência de tal desejo, o autor do crime pode ser acusado de
cometer homicídio simples. A tentativa de fazê-lo é punível com prisão perpétua
entre 5 ou mais anos, a tentativa também é consagrada crime. 27
No entanto, a eutanásia passiva é permitida, porque não só́ quaisquer tratamentos e
medicamentos que se pretendam ministrar a uma pessoa carecem da sua
autorização, como ainda qualquer doente tem o direito de recusar cuidados de
saúde e um paciente que sofra de doença incurável tem o direito de abdicar de
tratamentos que se destinem a mantê-lo vivo.

3.2. A eutanásia na Holanda

Em 2002, os Países Baixos tornaram-se o primeiro Estado a nível


europeu a descriminalizar a eutanásia e o suicídio assistido com a entrega em
vigor em 2002 da Lei sobre o Termo da vida a pedido e o suicídio assistido,
aprovado em 2001.
No entanto, para que isso acontecesse, foram necessários quase 30 anos de
debate sobre a implementação de uma lei que permitisse a pratica da

26
ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA – Eutanásia e suicídio assistido. Legislação Comparada. [Em
linha]. Lisboa: Divisão de Informação Legislativa e Parlamentar – DILP, abr. 2016. [Coleção Temas,
60]. [consultado 12 novembro de 2023]. Disponível em:
https://www.parlamento.pt/ArquivoDocumentacao/Documents/Eutanasia_Suicidio_Assistido_1.pdf
27
Versão em inglês retirada de http://germanlawarchive.iuscomp.org/?p=752. No original, sob a
epígrafe “homicide upon request,” diz-se, no nº 1 do artigo 216º, o seguinte: “If someone is induced to
homicide by the express and earnest request of the person killed, then imprisonment from six months
to five years shall be imposed”. O nº 2 estabelece: “An attempt shall be punishable”
13
eutanásia nos Países Baixos. Tudo começou na década de 1970 e terminou
após o evento Postma.28

Foi no ano de 1982, a pedido do Parlamento, que foi criada a Comissão


Nacional da Eutanásia, com o objetivo de fornecer informações ao governo sobre a
viabilidade de legislação a este respeito.29

Já no ano de 1985, depois do episódio de Schoonheim 30 , a Comissão emitiu


um parecer onde apoia à legalização da eutanásia, sujeito a certas condições que
abordarei posteriormente.31 O início do processo legislativo começou somente em
1998 após as eleições, e foi debatido no Parlamento holandês de fevereiro de 2000
a abril de 2001.32 A eutanásia e o suicídio assistido foram legalizados em 2001 e
entraram em vigor em 1 de abril de 2002. Até então, a eutanásia na Holanda era
considerada crime, punível com pena de prisão até 12 anos.33

No n.º 1 do art.º 294 do Código Penal Holandês diz-se que, quem incitar
outrem, intencionalmente, a cometer o suicídio, será punido com pena de prisão até
3 anos ou com pena de multa. O n.º 2 acresce que quem, intencionalmente, assistir
o suicídio de outrem e lhe prestar auxílio material para a realização do ato, é punido
com pena de prisão até 3 anos, caso o ato venha a concretizar-se. 34
28
Caso em que uma médica, Geertruida Postma, acedeu aos pedidos da mãe de setenta e oito anos
de idade que sofria de forma insuportável devido a uma hemorragia cerebral, o seu estado de saúde
tinha deteriorado muito. O caso foi levado ao Tribunal Penal de Leeuwarden e a médica foi
condenada a uma pena de prisão de uma semana, suspensa por um ano. Após o caso o Tribunal
decretou três cláusulas que conjugados, levariam à não punição do médico: a) o paciente tem de ser
um doente incurável e terá de ser comprovado pela ciência médica; b) o paciente terá de dar o seu
consentimento, oral ou escrita relativamente a interrupção da vida, de forma a libertar do sofrimento ;
c)o paciente tem de sofrer, física ou psicologicamente de forma grave.
29
GODINHO, Inês Fernandes – Eutanásia, Homicídio a Pedido da Vítima e os Problemas de
Comparticipação em Direito Penal, Coimbra Editora, 2015, p. 270
30
“Caso em que o médico (Schoonheim) administrou uma injeção letal a uma senhora de noventa e
cinco anos que sofria de uma anca fraturada e tendo esta recusado a operação a sua situação era
cada vez pior, o que a levou a pedir ao médico o término à vida, tendo este consentido. O caso
seguiu para o Supremo Tribunal Holandês e o médico foi absolvido.”
31
GODINHO, Inês Fernandes – Eutanásia, Homicídio a pedido da Vítima e os problemas de
Comparticipação em Direito Penal, 1.ª Ed., Coimbra: Coimbra Editora, 2015, p. 270 – 271
32
Idem, p. 271
33
BRITO, António José́́ dos Santos Lopes de; RIJO, José Manuel Subtil Lopes – Estudo Jurídico da
Eutanásia em Portugal. Direito sobre a Vida ou Direito de Viver? Coimbra: Almedina, 2000, p. 86.
34
ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA – Eutanásia e suicídio assistido. Legislação Comparada. [Em
linha]. Lisboa: Divisão de Informação Legislativa e Parlamentar – DILP, abr. 2016. [Coleção Temas,
60]. [consultado 12 de novembro de 2023]. Disponível em:
https://www.parlamento.pt/ArquivoDocumentacao/Documents/Eutanasia_Suicidio_Assistido_1.pdf
Section 294 1 – “Any person who intentionally incites another person to commit suicide shall, if suicide
follows, be liable to a term of imprisonment not exceeding three years or a fine of the fourth category”.
2 – “Any person who intentionally assists in the suicide of person or provides him with the means
14
O suicídio assistido tem de cumprir os requisitos presentes no artigo nº 2 da lei da
eutanásia e para a conduta ser justificada o médico tem de cumprir as seguintes
regras:

O médico tem de estar convicto de que o pedido efetuado pelo doente é um


pedido sério e voluntário;
• Tem de estar convencido de que o sofrimento do paciente é intolerável e
permanente;
• Informar os pacientes sobre a sua situação e perspetiva;
• O médico e o paciente devem chegar à conclusão de que não existe outra solução
aceitável para a sua situação;
• O médico que assiste deve discutir os requisitos acima com outros colegas e
fornecer a sua opinião por escrito.;
• Decidir encurtar a vida da pessoa, ou assistir o suicídio com extrema cautela.

A lei ainda estabelece outras situações em que a eutanásia é aceite:

a) De acordo com o nº4 da lei, os menores entre os 12 e os 16


anos podem solicitar a eutanásia, desde que compreendam razoavelmente os
seus interesses. O medico pode atender ao pedido do paciente, com o
consentimento dos pais ou responsável legal, aplicando-se mutatis mutandis
ao disposto no nº2 da lei;
b) De acordo com o artigo 2º, nº3, entre os 16 e os 18 anos, podem
tomar decisões de forma independente, desde que tenham uma ideia
razoável dos seus próprios interesses. No entanto, os pais ou representantes
legais tem de estar envolvidos no processo;
c) No caso de uma pessoa com mais de 16 anos que já não
consiga provar a sua vontade, o artigo 2º, nº2 prevê que o médico só pode
decidir administrar a sua vida se tiver uma opinião fundamentada dos seus
interesses no momento. Desde que, sejam cumpridas as obrigações previstas
no referido nº1;

Segundo a Lei Holandesa, os médicos podem realizar a eutanásia em recém-


nascidos, mas apenas em casos excecionais quando não há mais réstias de

thereto shall, if suicide follows, be liable to a term of imprisonment not exceeding three years or a fine
of the fourth category. Section 293(2) shall apply mutatis mutandis.”
15
esperança para estes. Eduard Verhagen, neonatalogista e diretor clínico da área
pediátrica do Centro Médico da Universidade de Groningen, é um grande pioneiro no
uso da eutanásia em recém-nascidos com anomalias graves35 .
O médico pode recusar a prática da eutanásia mesmo que o paciente solicite por
escrito, se entender que não deve praticar o ato. Isto porque, segundo a Lei
Holandesa, os médicos não são obrigados a praticar a eutanásia, visto que, a
cessação da vida não é considerada um procedimento médico recorrente.

De acordo com uma análise realizada pela Universidade de Gōttingen, o tema


da eutanásia está a tornar-se cada vez mais popular. Esta análise conclui, que dos
sete mil casos de eutanásia na Holanda quarenta e um por cento (41%) destes
pedidos foram solicitados pelas famílias, para encurtar a morte do doente, sendo
que catorze por cento (14%) destes pacientes não tinham nenhuma incapacidade. 36
Também foi descoberto que é possível o uso de um cartão “não ressuscite” que os
pacientes terminais podem carregar, caso venham a ter problemas mais graves,
pedindo à não reanimação. Agregado ao cartão vêm identificado o nome, a idade,
fotografia e a vontade do doente.37

3.3 A eutanásia no Brasil

Embora as discussões sobre a legalização da eutanásia no Brasil ainda


estejam em aberto, esta está classificada como um crime de homicídio privilegiado,
punível com pena reduzida, fixada entre um sexto e um terço da pena aplicável ao
35
SANTOS, Laura Ferreira dos – ajudas-me a morrer? a morte assistida na cultura ocidental do
século XXI. Lisboa: Sextante Editora, 2009, p.67 e s
36
JANUÁRIO, Rui; FIGUEIRA, André – O crime de Homicídio a Pedido. Eutanásia. Direito a
Morrer ou Dever de Viver. Lisboa: Quid Juris, 2009, p. 290
37
ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA – Eutanásia e suicídio assistido. Legislação Comparada. [Em
linha]. Lisboa: Divisão de Informação Legislativa e Parlamentar – DILP, abr. 2016. [Coleção Temas,
60]. [consultado em 13 de novembro de 2023]. Disponível em:
https://www.parlamento.pt/ArquivoDocumentacao/Documents/Eutanasia_Suicidio_Assistido_1.pdf

16
homicídio simples, que é de 6 a 20 anos, de acordo com o artigo 121º do Código
Penal Brasileiro.

Depois do artigo 121º do mesmo código determinar as penas aplicáveis por


homicídio simples, o parágrafo 1º do mesmo artigo estabelece as seguintes
disposições sob a epigrafe “caso de diminuição da pena”, o seguinte: “Se o agente
comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o
domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz
pode reduzir a pena de um sexto a um terço”.

No caso de homicídio culposo, punível com pena de prisão de 1 a 3 anos, o


juiz pode “deixar de aplicar a pena se as consequências de a infração atingirem o
próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária”

De acordo com o artigo 121º da lei, quem induzir alguém a suicidar-se ou a


prestar-lhe auxílio, é punido com pena de prisão de 6 meses a 2 anos. Esta pena
será de 2 a 6 anos se o suicídio se consumar, ou de 1 a 3 anos se dessa tentativa
de suicídio resultar lesão corporal grave. Este crime agrava em dois casos: se o
crime for praticado por motivos egoístas, ou se a tiver for menos ou tiver diminuída,
por qualquer causa, a capacidade de resistência.

Há por sua vez, um agravamento se o crime for praticado contra um menor de


14 anos, ou contra quem não tenha capacidade de discernimento para cometer o
facto ou que não pode oferecer resistência, sendo que o mesmo é punido com pena
de prisão de 6 a 30 anos, se o resultado por a morte; ou com pena de prisão de 2 a
8 anos, se o resultado, por sua vez, por uma lesão corporal de natureza muito grave.

3.4. A eutanásia em Portugal

Portugal seria o quarto país na Europa, a legalizar a eutanásia, se o


Presidente da República tivesse promulgado a lei aprovada na Assembleia da
República, e se esse entrasse em vigor seria o sétimo no mundo. No entanto, até à

17
data no ordenamento jurídico português, ações e práticas, como o caso da
eutanásia e do suicídio assistido, são tratadas e regulamentadas particularmente a
partir de normas que salientam a importância, o respeito e a salvaguarda da vida em
todas as situações.

A prática de morte medicamente assistida prejudica os direitos fundamentais


da pessoa, como o direito a vida, os princípios da dignidade humana. O Código Civil
deixa claro o devido reconhecimento do valor inviolável da vida humana e da sua
dignidade. O artigo 70º n.º 1, determina que «a lei protege os indivíduos contra
qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral»38

Em Portugal a eutanásia é considerada crime, embora esteja configurável ou


como homicídio privilegiado, previsto e punido pelo artigo 113º do Código Penal, ou
como homicídio a pedido da vítima, previsto no artigo seguinte do mesmo código.

No primeiro caso, homicídio privilegiado o motivo é reduzir significativamente


a culpa do agente, a pena de prisão é reduzida, quando esta é comparada com a
que se aplica ao homicídio simples, para 1 a 5 anos, se ocorrer um dos motivos
determinantes do autor que esteja previsto, nomeadamente o agente ter sido
dominado ao cometer a conduta, por e passo a citar: “compaixão, desespero ou
motivo de relevante valor social ou moral”

No que se refere ao homicídio a pedido da vítima, que constitui um tipo


específico de homicídio com uma atenuação ainda maior da pena abstrata, o agente
é “determinado por pedido sério, instante e expresso” da vítima, sendo punível com
pena até 3 anos de prisão. Neste caso considera-se que a culpa é irrelevante,
justificando a boa vontade do legislador.

Temos quem defenda, como por exemplo o advogado criminal Manuel Lopes
Maia Gonçalves, que a eutanásia está incluída nas disposições do artigo 133º do
Código Penal, sendo de assinalar a posição de autor do projeto inicial do Código
Penal manifestada a este respeito, na seguinte transcrição das atas da respetiva
comissão revisora: “Em relação a esta (a eutanásia ativa) segue-se, portanto, uma

38
Ministério da Justiça, «Decreto-Lei n.º 47344, Aprova o Código Civil e regula a sua aplicação -
Revoga, a partir da data da entrada em vigor do novo Código Civil, toda a legislação civil relativa às
matérias que o mesmo abrange», Diário do Governo n.º 274/1966, Série I de 1966-11-25,
https://dre.pt/application/conteudo/477358.

18
solução intermédia: nem se pune como homicídio nem se deixa de punir. Aliás, este
crime privilegiado tem também por função impedir que os tribunais deixem de punir a
eutanásia ativa por meio de recurso ao princípio da não exigibilidade. Pretende-se a
sua punição, mas só dentro dos limites do artigo.”

Este penalista entende que a distanásia não é punível e a ortotanásia, pese


embora a sua sofisticação, tem sido considerada um ato legítimo e como tal sem
implicações criminais. Por ser ético interromper tratamentos desequilibrados e
ineficazes, principalmente se causarem desconforto e sofrimento ao paciente, esta
interrupção, ainda que vá encurtar o tempo de vida, não pode ser considerada
eutanásia ativa, ou seja, eutanásia passiva ou por omissão, assim como também é
ética a aplicação de medicamentos destinados a aliviar a dor do paciente, ainda que
possa ter, como efeito secundário, redução do tempo previsível de vida (eutanásia
indireta ou eventual).

No entanto, há outros juristas que acreditam que certas situações de


eutanásia são passíveis de se reconduzir aos casos referidos no artigo 35º nº 2 do
Código Penal, isto é, estado de necessidade desculpante, que pode determinar a
atenuação especial da pena, ou mesmo, excecionalmente, a dispensa de pena).

Por fim, encorajar outra pessoa a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para esse
fim, estabelece crime de incitamento ou ajuda ao suicídio, previsto no artigo 135º do
Código Penal, “se o suicídio vier efetivamente a ser tentado ou a consumar- se”.
Estes crimes são puníveis com penas de até 3 anos, ou pena de prisão até 5 anos,
“se a pessoa incitada ou a quem se presta ajuda for menor de 16 anos ou tiver, por
qualquer motivo, a sua capacidade de valoração ou de determinação sensivelmente
diminuída”.

Podemos destacar que, não havendo Portugal descriminalizado a prática da


eutanásia e do suicídio assistido em relação a pessoas em estado de doença
terminal, já reconhece o testamento vital, que corresponde na formulação em vida
de um “documento unilateral e livremente revogável a qualquer momento pelo
próprio, no qual uma pessoa maior de idade e capaz, que não se encontre interdita
ou inabilitada por anomalia psíquica, manifesta antecipadamente a sua vontade
consciente, livre e esclarecida, no que concerne aos cuidados de saúde que deseja

19
receber, ou não deseja receber, no caso de, por qualquer razão, se encontrar
incapaz de expressar a sua vontade pessoal e autonomamente”.

Perante o estipulado nas alíneas a) a c) do nº 2 do artigo 2º da Lei nº


25/2012, de 16 de julho, sobre o contexto do testamento vital, afigura-se evidente
que, no caso português, as diretrizes antecipadas da vontade cobrem a ortotanásia.

Estabelece o nº 2 desse artigo 2º o seguinte:

“2 - Podem constar do documento de diretivas antecipadas de vontade as


disposições que expressem a vontade clara e inequívoca do outorgante,
nomeadamente:

a) Não ser submetido a tratamento de suporte artificial das funções


vitais;
b) Não ser submetido a tratamento fútil, inútil ou desproporcionado
no seu quadro clínico e de acordo com as boas práticas profissionais,
nomeadamente no que concerne às medidas de suporte básico de vida e às
medidas de alimentação e hidratação artificiais que apenas visem retardar o
processo natural de morte;
c) Receber os cuidados paliativos adequados ao respeito pelo seu
direito a uma intervenção global no sofrimento determinado por doença grave
ou irreversível, em fase avançada, incluindo uma terapêutica sintomática
apropriada;
d) Não ser submetido a tratamentos que se encontrem em fase
experimental;
e) Autorizar ou recusar a participação em programas de
investigação científica ou ensaios clínicos.”

Os utilizadores de serviços médicos tem o direito a aceitar ou a recusar a


prestação destes mesmos serviços. Este direito, expressamente consagrado,
tem uma importância crucial para a compreensão da questão da eutanásia
passiva, permitida nos casos em que o paciente não pretende continuar com os
tratamentos

20
4. O princípio da dignidade da pessoa humana

O ser humano, tem direito à vida e à dignidade, e estas referem-se aos


cuidados necessários que a sociedade deve assegurar, em termos de zelar pela
vida dos indivíduos. Estes são consagrados como direitos fundamentais, bens a
serem, condicionando todos os demais direitos dos indivíduos.

21
Como direito fundamental prioritário, o direito à vida está na essência de
todos os outros direitos; isto é, aqueles existem por causa dela e para lhe conceder
proteção.39 Em todo o caso, a própria disposição 40, que assegura e estatui esse
direito à vida, define que não se trata do direito de a dispor a bel-prazer 41. Da mesma
maneira, diz-se que o direito à vida é intransferível e indisponível, abrangendo isso,
o direito de não ser morto e o direito a uma vida com dignidade.42

O princípio da dignidade da pessoa humana diz respeito a um dos princípios


primordiais, máximo do estado democrático. A dignidade da pessoa humana
encontrasse consagrada na Carta das Nações Unidas, na Declaração Universal dos
Direitos do Homem e na Constituição da república portuguesa artigo número 1º e
art.º 9.43 Tais direitos apareceram através da inevitabilidade da proteção do Homem,
sendo que os mesmos são “gozados” pelo simples facto do titular do direito – o
indivíduo – se tratar de uma pessoa humana44, pelo simples facto de ser humano,
este é detentor da sua dignidade. Sendo o homem dotado de consciência e
vontade45, cabe a ele o poder de querer e poder agir de acordo com as suas
conceções sociais, culturais, morais e jurídicas, de forma que tenha proteção e que
proceda em conformidade com as mesmas. A dignidade da pessoa humana é
utilizada como argumento em diversas áreas, com o intuito de resolver questões, ou
como contra-argumento

No 1º Capítulo, II título da Constituição da República Portuguesa, , referente


aos Direitos, Liberdades e Garantias Pessoais, no art.º 24 n. º1 da CRP 46, que “a

39
Na Constituição da República Portuguesa, o direito fundamental à vida está claramente entroncado
noutros direitos e princípios, de entre eles a dignidade da pessoa humana (artº 1º), a identidade
pessoal e o desenvolvimento da personalidade (artº 26º n.º 1), a universalidade (artº 12º n.º 1), e a
igualdade (artº 13º). MOREIRA, J.J. Gomes Canotilho Vital , Constituição da República Portuguesa
Anotada (Coimbra: Coimbra Editora, 2014), p. 448
40
JANUÁRIO, Rui; FIGUEIRA, André, O crime de homicídio a pedido - Eutanásia: direito a morrer
ou direito de viver (Lisboa: Ed. Quid Juris Sociedade Editora, 2009), p. 217
41
RAPOSO, Mário, «Eutanásia. Alguns Problemas Envolvidos», Brotéria: cristianismo e cultura
182, n. 3 (2000): p. 297.
42
SERRÃO, Daniel, «Ética das atitudes médicas em relação com o processo de morrer», em
Ética em Cuidados de Saúde, ed. Daniel Serrão e R. Nunes (Porto: Porto Editora, 1998), p. 15.
43
JANUÁRIO, Rui; FIGUEIRA, André – O crime de Homicídio a Pedido. Eutanásia. Direito a
Morrer ou Dever de Viver. Lisboa: Quid Juris, 2009, p. 233 e seguintes.
44
ANDRADE, André Gustavo Corrêa de – O Princípio Fundamental da Dignidade Humana e sua
Concretização Judicial. Revista da EMERJ, v.6, n.23, 2003, p. 317.
45
. JANUÁRIO, Rui; FIGUEIRA, André – O crime de Homicídio a Pedido. Eutanásia. Direito a
Morrer ou Dever de Viver. Lisboa: Quid Juris, 2009, p. 237

46
Constituição da República Portuguesa, 4ª Ed., Coimbra: Almedina, 2017, p. 16. 77
22
vida humana é inviolável” e o n.º 2 declara que “em momento algum pode ser
permitido a pena de morte”. A nossa Constituição declara o direito à vida, portanto,
direito a viver e não o direito de escolher viver ou não viver, tendo o legislador como
propósito a proteção da vida. O art.º 24, harmonizado com o art.º 1 da CRP 47,
determina que “Portugal é uma República Soberana, baseada na dignidade da
pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma
sociedade livre, justa e solidária”, pretendendo reafirmar e estabelecer que o
conceito de vida, não podendo o mesmo comprometer os princípios da dignidade
humana.

De acordo com Inês Godinho, a dignidade da pessoa humana não pode ser
comtemplada como um fundamento decisivo, visto não se tratar de uma norma
concreta, mas sim vaga, não estando a mesma definida e concretizada, representa
vários princípios e direitos. Contrariamente censo seria no caso de estarmos diante
de uma norma juridicamente concretizável, ou seja, um conceito concreto e definido,
nestes termos já seria válida uma discussão fundamentada na dignidade da pessoa
humana. Sendo este princípio compreendida de forma abstrata, não é possível a
prática de atos eutanásicos, devendo “valorar a pessoa como ser humano e não
como objeto,” evitando que o mesmo possa ser instrumentalizado pela medicina
intensiva.48

Conclusão

Em modo de conclusão, conseguimos perceber que há um progresso


técnico e científico registado nos últimos anos, mas mesmo assim as questões
sobre a morte e o fim da vida continuam a ser muito difíceis de abordar, não

47
Idem, p. 9
48
GODINHO, Inês Fernandes – Eutanásia, Homicídio a Pedido da Vítima e os Problemas de
Comparticipação em Direito Penal, Coimbra Editora, 2015, p. 101 a 102
23
sendo acolhidas pacificamente pelos cidadãos. Conseguimos verificar que,
quando abordamos os direitos fundamentais, o tema da eutanásia não é visto
com bons olhos, pois ela interfere com os mesmos. As nossas convicções éticas
e religiosas são postas em causa, e isso gera descontentamento.

Igualmente, acontece com o tema da vida e da dignidade humana,


sobretudo perante situações, um tanto quanto desagradáveis, como a doença e a
velhice. Não obstante, são questões muito importantes, que necessitam da nossa
reflexão. Entretanto, são questões importantes que agregam as grandes
preocupações do homem, sendo fontes de muita reflexão. Não restou dúvidas
que a vida humana é um bem jurídico, que a nossa Constituição da República
Portuguesa considera a mesma inviolável, e que cabe ao Estado o dever de a
proteger. Ainda assim, e como podemos analisar anteriormente, quando o
individuo decide desfazer-se dela, deparamo-nos com um conflito entre os
princípios da dignidade, da autonomia privada e da proporcionalidade.

Cabe a cada um deliberar se quer viver com dor ou acabar com o mesmo.
Porém, é impossível viver uma vida inteira sem qualquer dor ou sofrimento. “A
grandeza da humanidade determina-se essencialmente na relação com o
sofrimento e com quem sofre” (Bento XVI).

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Concretização Judicial. Revista da EMERJ, v.6, n.23, 317. ISSN 1415 – 4951

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