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II – Análise e fundamentação
A medicina compreende a busca pela saúde e manutenção da vida sem, contudo, violar a
dignidade da pessoa humana, que engloba, entre outras coisas, a liberdade de escolha por meio
da manifestação de sua vontade, garantindo-lhe autonomia e consequentemente, sua
autodeterminação.
Dada a importância da autonomia do paciente que se construiu ao longo da história, o
próprio juramento de Hipócrates vem sofrendo atualizações, visto às transformações da
compreensão da ética médica, como nos Estados Unidos e alguns países europeus, como a
França, cujas modificações comtemplam essa autonomia.
Tal relevância ainda foi motivo para a elaboração do documento Carta do
Profissionalismo Médico, elaborado em conjunto por diversas instituições médicas norte-
americanas e a Federação Europeia de Medicina Interna, tendo sido divulgado,
simultaneamente, em fevereiro de 2002 nas revistas Lancet e Annals of Internal Medicine,
respectivamente, que não substitui o juramento de Hipócrates, mas é um código de conduta
médica baseado em três princípios: a) Prioridade ao bem-estar do paciente ; b) Autonomia do
paciente; e c) Justiça social.
Temos assim, muito mais que exclusivamente a saúde e a vida, o foco central da própria
medicina é o ser humano em si, como um fim em si mesmo, que precisa ser ouvido e respeitado,
vez que este é a fonte de todos os valores que a humanidade perpetua.
Nesse sentido, o Conselho Federal de Medicina publica em 2012 a resolução CFM nº
1.995, ante a inexistência de disciplina do tema no ordenamento jurídico prático (é prático ou
pátrio), sobre as diretivas antecipadas de vontade do paciente no contexto da ética médica, que,
devem ser atendidas, prevalecendo sobre qualquer parecer, inclusive, sobre os desejos dos
familiares, consoante seu artigo 2, §3º: “As diretivas antecipadas do paciente prevalecerão
sobre qualquer outro parecer não médico, inclusive sobre os desejos dos familiares.”
(grifos nossos).
Entende-se como diretivas antecipadas da vontade o conjunto de desejos manifestados e
expressados previamente pelo paciente e, que compreendem o testamento vital, que é realizado
ante a diagnóstico de terminalidade da vida, e o mandato duradouro que nomeia terceiro para
tomar decisões em nome do paciente quando estiver impossibilitado de manifestar sua vontade,
portanto, ambos são utilizados quando o paciente não puder se expressar livre e
conscientemente, ainda que de maneira temporária.
Ressalta-se que, ainda se faz necessária a elaboração de legislação específica,
principalmente quanto à capacidade do outorgante que, nesses casos, vai além da mera
capacidade civil, necessitando-se que haja seu discernimento claro e objetivo, vez que o
paciente pode estar sob efeito de medicamentos que afetem suas faculdades mentais, por
exemplo, ainda que seja civilmente capaz.
Recentemente, no ano de 2019, o CFM publicou a resolução nº 2.232 que estabelece as
normas éticas ante a recusa terapêutica, e assegura em seus artigos 1º e 2º, o direito do paciente
à essa recusa:
Art. 1º A recusa terapêutica é, nos termos da legislação vigente e na forma desta
Resolução, um direito do paciente a ser respeitado pelo médico, desde que esse
o informe dos riscos e das consequências previsíveis de sua decisão.
Art. 2º É assegurado ao paciente maior de idade, capaz, lúcido, orientado e
consciente, no momento da decisão, o direito de recusa à terapêutica proposta em
tratamento eletivo, de acordo com a legislação vigente.
Parágrafo único. O médico, diante da recusa terapêutica do paciente, pode propor
outro tratamento quando disponível. (grifos nossos).
Para este grupo social, a importância do mandamento bíblico é tão relevante, que as
carregam documento pessoal consigo, denominado "Diretivas Antecipadas e Procuração para
Tratamentos de Saúde", no qual reafirmam a oposição à transfusão de sangue em tratamento e
procedimentos médicos. Inclusive, o enunciado 528 do Conselho Federal de Justiça reconhece a
validade desse tipo de documento:
É válida a declaração de vontade expressa em documento autêntico, também
chamado "testamento vital", em que a pessoa estabelece disposições sobre o
tipo de tratamento de saúde, ou não tratamento, que deseja no caso de se
encontrar sem condições de manifestar a sua vontade.
Nossa Constituição Federal, em seu artigo 5º, garante a todos a liberdade de crença com
direito fundamental, sendo, portanto, cláusula pétrea, que faz parte da autodeterminação do
indivíduo, garantindo-lhe a autonomia e dignidade da pessoa humana.
Nesse sentido, a crença religiosa das Testemunhas de Jeová engloba a abstenção de
sangue como mandamento divino, e, dessa forma devem ser respeitados e não sofrer imposições
ou quaisquer formas de preconceito, sendo esse último, inclusive, um dos objetivos
fundamentais da república no artigo 3º, III, da Constituição Federal.
Importante se faz ressaltar que a recusa à transfusão de sangue não significa que as
Testemunhas de Jeová desejam morrer ou assegurar o direito à morte, mas somente que sua
convicção religiosa não permite tal procedimento, pois estariam desagradando a Deus, de
maneira que querem e aceitam tratamentos alternativos como o uso de alguns componentes
sanguíneos preparados para hemofílico.
Sendo assim, a decisão do relator Min. Gilmar Mendes no Recurso Extraordinário
1212.272, mostra-se acertada, de maneira que admite a possibilidade da paciente de submeter-se
a tratamento cirúrgico sem a opção de transfusão de sangue, visto estar diretamente ligada a
direito fundamental, conforme suas palavras: “[...] em respeito à sua autodeterminação
confessional, é questão diretamente vinculada ao direito fundamental à liberdade de consciência
e de crença [...]”.
III – Conclusão
Conforme a análise acima, fica explícito que a priorização da vontade do paciente tem
se mostrado relevante no âmbito da medicina, conforme as resoluções citadas do próprio
Conselho Federal de Medicina.
De igual modo, o Código Civil, os enunciados das Jornadas de Direito Civil e os
princípios balizadores da Bioética e Biodireito enfatizam que a escolha do paciente deve ser
priorizada, ao mesmo tempo que impõem limites à decisão médica, e mesmo jurídica, uma vez
que devem sempre almejar a beneficência, a não – maleficência, a autonomia e a justiça.
Por fim, a nossa Constituição, ao garantir direitos fundamentais a todos, direitos esses
que afastam a intervenção Estatal, está garantido também o direito à liberdade de recusar
tratamento médico pelo paciente, ainda mais quando essa escolha faz parte do direito
fundamental de liberdade à sua crença religiosa, que conforme o texto constitucional é
inviolável.
Dessa forma, ante todo exposto, a conclusão do grupo é que a decisão do Ministro
Relator Gilmar Mendes é acertada e, assim, concordamos com o Ministro em que, a recusa a
tratamento médico é um direito do paciente.
Contudo, entendemos que tal direito não é absoluto, e, portanto, deve se reportar
afastada a recusa a tratamento ou procedimento médico quando esta manifestação de vontade
não for feita por pessoa capaz, consciente, lúcida e orientada no momento da decisão; bem
como quando tal decisão não for exclusivamente sobre a pessoa do paciente e puder afetar a
terceiros.
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Cláudia Hermersdorff
32042671
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Daniela Pereira Fernandes
32042264
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Paula Serafim Gomes
32066228
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: