Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Princípios Éticos
. Necessidade de reafirmar que, se por um lado a medicina tem cada vez mais e
melhores meios para tratar, por outro, o tratamento não é um bem em si mesmo. É um
bem enquanto meio necessário à concretização de outro bem: a possibilidade de viver a
vida. Ao médico incumbe a obrigação de decidir em função do “bem” do doente e, no
caso de terapia intensiva, terá sempre que equacionar a proporcionalidade dos meios;
Fundamentação Legal
2
3. No caso do acto médico têm, assim, especial relevo o direito à integridade física
e moral (tutelado pelo art.º 150º Cód. Penal) e o direito à liberdade (tutelado pelo
art.º 156º Cód. Penal).
3.1. Daí que, numa primeira situação, o legislador tivesse determinado que «As
intervenções e os tratamentos que, segundo o estado dos conhecimentos e da
experiência da medicina, se mostrarem indicados e forem levados a cabo, de
acordo com as "leges artis", por um médico ou por outra pessoa legalmente
autorizada, com intenção de prevenir, diagnosticar, debelar ou minorar doença,
sofrimento, lesão ou fadiga corporal, ou perturbação mental, não se consideram
ofensa à integridade física.» (Código Penal, art.º 150º).
3.2. Mas, não se bastando com isso, o legislador português sentiu necessidade de,
numa segunda situação, dizer ainda: «o consentimento só é eficaz quando o
paciente tiver sido devidamente esclarecido sobre o diagnóstico e a índole, alcance,
envergadura e possíveis consequências da intervenção ou do tratamento» (vd. art.º
157º Cód. Penal). Ou seja, sem essa eficácia de consentimento há crime, outro tipo
de crime (vd. art.º 156º Cód. Penal que prevê o crime de “intervenções e tratamentos
médico-cirúrgicos arbitrários”).
3
4.1. A questão do consentimento informado:
4.1.1. Tal consentimento não carece normalmente de ser dado por escrito, salvo
quando a lei o preveja (como é o caso do ensaio clínico – art.º 10º do DL n.º 97/94,
de 09.04). Mas nada há que proíba que seja obtido por escrito.
Não basta, porém, um consentimento qualquer, pois que ele pressupõe uma
informação, razão por que se costuma adjectivar falando-se em consentimento
informado ou esclarecido.
4
permitam concluir com segurança que o consentimento seria recusado» (art.º 156º
nº2 Cód. Penal).
4.1.3.1. Tem, pois, de ser encarado nesta base o conflito que surja entre o não
consentimento paternal (no sentido legal, de pai e/ou de mãe) e a necessária
tomada de uma decisão médica de acordo com as “leges artis”.
A resposta tem de ter em conta as normas atrás transcritas e o espírito que as inspira.
Todo o poder paternal é, por natureza, instrumental, ou seja, é estabelecido e deve
ser exercido no interesse do filho e não como "direito" dos Pais sobre o filho, e isso
mais ainda quando é certo que «os Pais não podem renunciar ao poder paternal nem
a qualquer dos direitos que ele especialmente lhes confere» (art.º 1882º do Código
Civil):
5
Ainda que com o perigo de algum casuísmo, mas no sentido de esclarecer dúvidas
relevantes, o médico não só pode como deve intervir contra aquele não-
consentimento.
Diremos mais: não lhe basta, nem o defende jurídica ou eticamente, exigir uma
declaração escrita de não consentimento ou um qualquer termo de responsabilidade.
Em caso de urgência e de perigo iminente, o médico deve agir imediatamente, sem
outro apoio à decisão médica, comunicando à Direcção Clínica;
Com efeito, se é inquestionável que os Pais não têm "direito sobre" o filho, por
maioria de razão o não têm sobre a vida do filho. Se cumprir essa vontade, comete
crime(s) punível(is) (art.os 152º nº1-a) e 200º Cód. Penal).
B) Solução menos drástica deverá ser seguida em caso de menor urgência. Situação
típica, mas até não tão rara como isso, será a do desejo de ser obtida "alta hospitalar"
do menor contra o que é medicamente exigível. Afigura-se-nos, mais uma vez, que
não deve imaginar-se útil cobertura na assinatura de um termo de responsabilidade.
O médico deve antes evitar a “alta”. Recomendamos que, porque há tempo, ele
comunique o caso à Direcção Clínica e que, por si ou por aquela Direcção, isso
mesmo seja dado a conhecer ao Curador de Menores para que este promova com
urgência a providência ajustada.
6
ele, pertence. Nele faz a lei confiança técnica bastante, mesmo que tenha de se fazer
coadjuvar por colega mais especialista nessa área.
Por outro lado, se o acto médico em princípio é excluído da lei penal, por outro, pode
constituir um crime de ofensa à integridade física uma intervenção ou
tratamento que não obedeça (1) à autoria, ou (2) às "leges artis", ou (3) às
intenções atrás referidas (vide o transcrito art.º 150º)
Aqui faz sentido abordar, ainda que de um modo muito esquemático, uma série de
delicadas questões que se põem no Intensivismo a propósito deste outro direito
fundamental: o direito à integridade física.
4.2.2. E, em segundo lugar, se essa prática for realizada em desacordo com as "leges
artis", segundo o estado dos conhecimentos e da experiência da medicina.
O que desde logo resulta daqui, como é óbvio, é a punição, tanto no plano penal
como no civil, da má prática médica. De facto, está em causa a obrigação legal, e
deontológica, de uma actualização permanente face à evolução da Ciência Médica,
para que não venha o médico a ser responsabilizado por antiquada e desajustada
prática médica, que não atingiu por isso o seu fim curativo, ou tendo-o atingido, o fez
com custos, físicos, morais ou económicos, evitáveis.
Desta forma exige-se, por exemplo, o não recurso ao uso indevido de meios de
diagnóstico invasivos, ou ao uso indevido de cirurgia.
4.2.3 No que respeita ao terceiro aspecto, assinalamos que a falta da dita intenção
ainda é mais evidente, podendo dar lugar a frequentes erros e ilícitos, que só a
bonomia portuguesa não tem levado a que tenham maiores consequências:
7
B) Paralelo é o caso de distanásia, ou obstinação terapêutica.
Tanto num, como noutro caso, existe comportamento médico ilegal. O médico
não só não é obrigado a tal, como não deve prossegui-lo:
. Não é eutanásia, e é preciso dizê-lo claramente (face aos art.os 133º e 134º
do Cód. Penal), a omissão de tratamentos inúteis, e antes isso constitui
obrigação do médico, sob pena de agir contra o atrás transcrito art.º 150º do
Cód. Penal.
Mas já é ilícito (contra o art.º 150º Cód. Penal) a obsessão (com o tal
encarniçamento terapêutico) de debelar patologias parciais (ex. cirurgias
sucessivas), perante a convicção científica (o dever ser da competência e
actualização médicas) da sua inutilidade face ao estado do doente
(mormente em casos oncológicos).
8
Executivo da Ordem dos Médicos de 01.09.94 (D.º Rep.ª Iª série-B de
11.1.94).
Não deixaremos de realçar que, no caso de morte cerebral, que como
vimos, não pode nem deve suscitar quaisquer reservas, a manutenção de
"intervenção" inútil em cadáver representa até acto ilícito de ofensa ao
respeito devido aos mortos (o crime do art.º 254º-1-b) do Cód. Penal).
Isto, claro, salvo a intervenção admitida cientificamente para a eficaz
colheita de tecidos ou órgãos para fins terapêuticos ou de transplantação
(em conformidade com a Lei n.º 12/93, de 22.04).
Mais ainda, a privação de "máquina" para quem dela precise, por ocorrer
ocupação abusiva devido a obstinação terapêutica, ou ocupação por
cadáver, pode ser considerada ofensa à integridade física ou homicídio
negligente por omissão ou até o crime de omissão de auxílio (Cód. Penal
art.º 200º).
9
não deve o médico condicionar-se pela concordância da família nos demais
casos, pois que esta não pode impor-lhe a prática ou a omissão ilícita. Isso
não significa, obviamente, que a boa prática médica, nomeadamente no que
respeita à medicina de acompanhamento, não deva incluir aqueles
familiares que são atingidos psicológica e emocionalmente pelas situações
dolorosas em causa e não imponha diálogo respeitoso e compassivo.
É uma questão delicada, mas não há consentimento (não consentimento) válido que
não seja o actual, ou seja, o outorgado no momento em que ocorre a circunstância
pre-figurada no tal testamento. A vontade relevante e livre da pessoa exige a sua
actualidade em casos, como estes, em que ninguém pode afirmar «com segurança»
que, colocado perante a situação vivida e se então pudesse emitir vontade própria, o
então saudável, e agora doente, mantivesse a sua determinação testamentária. De
modo que, por princípio, não deve o médico acatamento àquela determinação, se
puder concluir cientificamente que a sua intervenção será útil à preservação da vida,
ainda que só mitigadora de parte da saúde.
Excepcionam-se os casos em que o doente por se encontrar em estado de doença
crónica, irreversível e terminal, manifesta a sua vontade, ainda que previamente à
perda de consciência, de não ser reanimado ou de ser tomada a decisão de suspensão
terapêutica, pois essa manifestação de vontade considera-se, livre, actual e portanto
legítima.
4.4.1. Trata-se de uma questão tanto jurídica como bioética. Nos casos de ocupação
integral dos meios médico-cirúrgicos disponíveis, perante uma nova solicitação,
não é sustentável a possibilidade de decisão médica, mesmo que com a cobertura da
Direcção Clínica, de suspensão do apoio para o dar à nova solicitação. Mas já
constitui responsabilidade do Estado a não disponibilidade dos meios médico-
10
cirúrgicos, sobretudo face às exigências razoáveis de uma Política de Saúde com os
recursos disponíveis, pois que, então, o Estado terá procedido (mesmo que só por
omissão) contra os princípios da igualdade e do “direito à saúde”. Sendo óbvio que
assim não será nos casos de força maior (ex. catástrofe).
4.4.2. Nos casos de ocupação alternativa de "máquina" perante mais do que uma
solicitação para o mesmo meio de apoio, é premente a necessidade de tomada de
decisão médica, com apoio da Direcção Clínica, usando os princípios gerais da Ética
Médica (opção pelo “mal menor”, utilizando o critério do “bom pai de família”). Mas
manter-se-á responsabilidade do Estado pela não disponibilidade.
30 Outubro de 2008
11