Você está na página 1de 38

APOSTILA 1 DIREITO PENAL – PARTE ESPECIAL - 4° SEMESTRE

________________
DIREITO
PENAL
________________ 
4º SEMESTRE
________________
2021.2
________________
PROFESSOR: LUIZ QUIRINO ANTUNES GAGO

EMAIL: professorluizquirino@gmail.com 

1)PÓS-GRADUAÇÃO LATU SENSU EM DIREITO TRIBUTÁRIO PELO IBET –


INSTITUTO BRASILEIRO DE ESTUDOS TRIBUÁRIOS.

2)PÓS-GRADUAÇAO EM DIREITO PÚBLICO MATERIAL PELA


UNIVERSIDADE GAMA FILHO.

________________ 
 
PLANO DE ENSINO
Professor Especialista Luiz Quirino Antunes Gago

Ementa DOS CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO

1) Do Furto;
APOSTILA 1 DIREITO PENAL – PARTE ESPECIAL - 4° SEMESTRE
2) Do Roubo;

3) Da extorsão;

4) Da extorsão mediante sequestro;

5) Da extorsão indireta;

6) Da Usurpação;

7) Do dano;

8) Da apropriação indébita;

9) Do estelionato e outras fraudes;

10) Da receptação;

11) Das disposições gerais.

DOS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL

1) Do Estupro;

2) Da Violação sexual mediante fraude;

3) Da Importunação sexual;

4) Do Assédio Sexual;

5) Do Registro não autorizado da intimidade sexual;

6) Dos Crimes sexuais contra vulnerável;

7) Do lenocínio, prostituição ou outra forma de


exploração sexual;

8) Tráfico de pessoas;

9) Disposições gerais.

Objetivo O presente curso da disciplina Direito Penal - Parte


Especial tem o objetivo de estudar a parte especial do
Código Penal, em especial os crimes contra o
patrimônio e os contra a dignidade sexual, sempre
com uma perspectiva multidisciplinar das vertentes
material e processual, bem como com ênfase nas
principais inovações legislativas e jurisprudenciais, a
fim de permitir ao aluno a visão integrada necessária à
resolução dos conflitos do cotidiano. Busca-se expor o
conteúdo contextualizando-o, ao fazer com que o
aluno, analisando situações concretas, aprenda a
aplicá-lo, desenvolvendo o que se costuma chamar de
APOSTILA 1 DIREITO PENAL – PARTE ESPECIAL - 4° SEMESTRE
raciocínio jurídico.

A metodologia será de aulas expositivas, com envio de


material antecipadamente, para que o acadêmico
possa fazer a leitura. Durante a explanação, são
Metodologia trazidas situações problemas para que os acadêmicos
apliquem o que está sendo ministrado e é reservado
tempo para questionamentos e exposições por parte
deles.

A avaliação será feita por meio da realização de duas


provas escritas (uma em cada bimestre conforme calendário
a ser divulgado pela Universidade), sem consulta, com a
resolução de questões práticas, de múltipla escolha e
dissertativas, valendo 7,0 (sete pontos) cada prova.

Será ainda, no decorrer de cada bimestre, realizada em sala


Forma de de aula, avaliação no valor de 3,0 pontos, normalmente em
Avaliação grupos, onde serão apresentadas questões-problemas cuja
solução será debatida e apresentada pelos grupos aplicando
o conteúdo ministrado.

 Total da avaliação por bimestre: 10,0 pontos

Caso as aulas não retornem para a forma presencial, será


realizada uma única avaliação, por bimestre, no valor de
10,0 pontos.

BITENCOURT, CEZAR ROBERTO. TRATADO DE DIREITO PENAL:


PARTE ESPECIAL - VOL. 3 (ARTS. 155 A 212) CRIMES CONTRA O
PATRIMÔNIO ATÉ CRIMES CONTRA O SENTIMENTO RELIGIOSO E
CONTRA O RESPEITO AOS MORTOS. 17ª ED., SÃO PAULO: SARAIVA,
2021. (VIRTUAL)
Bibliografia
Básica BITENCOURT, CEZAR ROBERTO. TRATADO DE DIREITO PENAL:
PARTE ESPECIAL - VOL. 4 (ARTS. 213 A 311-A) CRIMES CONTRA A
DIGNIDADE SEXUAL ATÉ CRIMES CONTRA A FÉ PÚBLICA. 14ª ED.,
SÃO PAULO: SARAIVA, 2020. (VIRTUAL)
CAPEZ, FERNANDO. CURSO DE DIREITO PENAL: PARTE ESPECIAL
ARTS. 213 A 359-H. 19ª ED., SÃO PAULO: SARAIVA, 2021.
(VIRTUAL)
Bibliografia ESTEFAM, André. Direito Penal: parte especial arts.
complementar 121 a 234-B. 8ª ed., São Paulo: Saraiva, 2021.
(Virtual)

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte


especial arts. 121 a 212. 21ª ed., São Paulo: Saraiva,
2021. (Virtual)

ANDREUCCI, Ricardo. Manual de Direito Penal. 14ª


ed., São Paulo: Saraiva, 2020. (Virtual)
APOSTILA 1 DIREITO PENAL – PARTE ESPECIAL - 4° SEMESTRE

GONZAGA, Christiano. Manual de Criminologia. 2ª ed.,


São Paulo: Saraiva, 2020. (Virtual)
JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz; VANZOLINI,
Patrícia. Manual de Direito Penal. 6ª ed., São Paulo:
Saraiva, 2020. (Virtual)

DOS CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO

Sob a rubrica “Dos crimes contra o patrimônio” tutela o Código Penal no


Título II, o patrimônio da pessoa física e jurídica.

O patrimônio abrange:

a) a propriedade material e outros direitos reais (CC, art.1.225- a


propriedade, a superfície, as servidões, o usufruto, o uso, a habitação, o
direito do promitente comprador do imóvel, o penhor, a hipoteca e a
anticrese);

b) a propriedade imaterial (no tocante à propriedade imaterial- direito


autoral, privilégio de invenção, direito de marca etc.-, em que pese integrar
o patrimônio, está regulada no Título III, que cuida especificamente dos
crimes contra a propriedade imaterial, bem como na Lei n.9279, de 14-5-
1996;

c) os direitos obrigacionais;

d) a posse.

DO FURTO (artigo 155 do Código Penal)

Furto – previsão legal

        Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:
        Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
        § 1º - A pena aumenta-se de um terço, se o crime é praticado
durante o repouso noturno.
        § 2º - Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa
furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção,
diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa.
        § 3º - Equipara-se à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra
que tenha valor econômico.
        Furto qualificado
        § 4º - A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é
cometido:
        I - com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa;
        II - com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou
destreza;
        III - com emprego de chave falsa;
        IV - mediante concurso de duas ou mais pessoas.
APOSTILA 1 DIREITO PENAL – PARTE ESPECIAL - 4° SEMESTRE
        § 4º-A A pena é de reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos e multa, se
houver emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo
comum. (Incluído pela Lei nº 13.654, de 2018)
§ 4º-B. A pena é de reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa, se
o furto mediante fraude é cometido por meio de dispositivo eletrônico ou
informático, conectado ou não à rede de computadores, com ou sem a
violação de mecanismo de segurança ou a utilização de programa
malicioso, ou por qualquer outro meio fraudulento análogo.  (Incluído pela
Lei nº 14.155, de 2021)
§ 4º-C. A pena prevista no § 4º-B deste artigo, considerada a
relevância do resultado gravoso:      (Incluído pela Lei nº 14.155, de 2021)
I – aumenta-se de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), se o crime é
praticado mediante a utilização de servidor mantido fora do território
nacional;      (Incluído pela Lei nº 14.155, de 2021)
II – aumenta-se de 1/3 (um terço) ao dobro, se o crime é praticado
contra idoso ou vulnerável.   (Incluído pela Lei nº 14.155, de 2021)
        § 5º - A pena é de reclusão de três a oito anos, se a subtração for de
veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para
o exterior. (Incluído pela Lei nº 9.426, de 1996)
        § 6o  A pena é de reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos se a subtração
for de semovente domesticável de produção, ainda que abatido ou dividido
em partes no local da subtração.  (Incluído pela Lei nº 13.330, de 2016)
        § 7º  A pena é de reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos e multa, se
a subtração for de substâncias explosivas ou de acessórios que, conjunta
ou isoladamente, possibilitem sua fabricação, montagem ou
emprego.   (Incluído pela Lei nº 13.654, de 2018)

Conceito: Furto é a subtração, para si ou para outrem, de coisa alheia


móvel.

Objeto jurídico: Tutela-se o patrimônio, não apenas a propriedade, mas


também a posse. Em regra, estas se confundem em um mesmo titular,
entretanto nada obsta que estejam dissociadas. É o que ocorre, por
exemplo, na locação, no usufruto, no penhor. O tipo penal protege
diretamente a posse e, indiretamente, a propriedade.

Elementos do Tipo - Ação Nuclear

Consubstancia-se no verbo subtrair, que significa tirar, retirar de outrem


bem móvel, sem a sua permissão, com o fim de assenhoramento definitivo.
A subtração implica sempre a retirada do bem sem o consentimento do
possuidor ou do proprietário. Ela pode acontecer até mesmo à vista deles.

Por exemplo: sujeito que entra em uma loja e sob a vigilância do


comerciante se apodera da mercadoria, saindo em fuga depois.

Trata-se de crime de ação livre.


APOSTILA 1 DIREITO PENAL – PARTE ESPECIAL - 4° SEMESTRE
OBS: O emprego de violência, grave ameaça ou qualquer outro recurso que
diminua a capacidade de resistência da vítima caracteriza roubo (CP,
art.157).

Objeto Material: A tutela penal no delito de furto tem por objeto material
a coisa móvel.

Coisa: É toda substância material, corpórea, passível de subtração e que


tenha valor econômico. Uma ideia, enquanto entidade imaterial, não pode
ser furtada, salvo se estiver corporificada em um documento.

As coisas de uso comum, como a luz, o ar, a água do mar ou dos rios, em
princípio, também não podem ser objeto material desse delito, salvo se
houver a possibilidade de seu destacamento e aproveitamento de forma
individual.

Por exemplo: Água encanada para uso exclusivo de alguém. O desvio ou


represamento, em proveito próprio ou alheio, de águas correntes alheias
constitui crime de usurpação previsto no art.161, § 1º, I, do Código Penal.

Relativamente ao cadáver humano ou parte dele, é possível que sejam


objeto de furto, desde que, segundo a doutrina, haja a disponibilidade do
corpo em virtude de imposição legal, convenção ou testamento.

Por exemplo: Destinar o cadáver para fins de pesquisa científica a


determinado centro de pesquisa. O furto do corpo humano para posterior
venda poderá configurar o delito em estudo. Se não houver o intuito de
lucro, a subtração de cadáver poderá configurar o delito previsto no art.
211 do CP, que cuida dos crimes contra o respeito aos mortos.

Móvel: É tudo aquilo que pode ser transportado de um local para outro,
sem separação destrutiva do solo. Os animais e os semoventes estão
sujeitos à apropriação por terceiros.

Por exemplo: Furto de gado (denominado abigeato). Os bens imóveis, por


sua vez, não podem ser objeto do delito furto.

• Elemento Normativo:

• Coisa alheia: É o patrimônio que se encontra na posse de outrem,


proprietário ou possuidor. Não pode ser objeto de furto, por não
constituir propriedade nem estar sob a posse de alguém:

a) a res nullius - é a coisa sem dono;

b) a res derelicta - é a coisa abandonada;

c) a res deperdita - é a coisa perdida.

Neste último caso, a propriedade da coisa perdida não é renunciada


espontaneamente pelo dono (ao contrário do que ocorre com a
APOSTILA 1 DIREITO PENAL – PARTE ESPECIAL - 4° SEMESTRE
abandonada) e o seu apoderamento por terceiro poderá constituir o crime
de apropriação de coisa achada (CP, art.169,parágrafo único, II).

Furto de coisa própria: O tipo penal faz expressa menção à coisa


“alheia”, sobre cujo significado há duas posições:

1ª) Coisa alheia significa de propriedade de outrem. Dessa forma o


indivíduo que se apodera de coisa própria em poder de terceiro não comete
o crime de furto, mas o crime do art.346 do CP (crime contra a
administração da justiça), que pune quem subtrai coisa própria que se
encontra em poder de terceiro em razão de contrato ou determinação
judicial;

2ª) A expressão se refere também à posse de outrem. Assim, o


proprietário que se apodera de coisa própria que se encontra na posse de
terceiro também comete o delito de furto, ainda que seja o legítimo
proprietário do bem.

Famulato: É o furto realizado pelo empregado que se encontra a serviço


de seu patrão, em sua residência ou não. Por exemplo: Empregada
doméstica, operário. Tais pessoas têm apenas uma transitória disposição
material dos bens, daí por que o seu apoderamento não constitui o crime
de apropriação indébita, mas o de furto.

FURTO

Sujeito Ativo: Trata-se de crime comum.

Sujeito Passivo: Qualquer pessoa física ou jurídica, que tem a posse ou a


propriedade do bem.

Elemento Subjetivo: É o dolo, consistente na vontade consciente de


efetuar a subtração. Contudo não basta o dolo para que o tipo penal se
configure; exige a lei que a subtração se efetue com a finalidade especial
de assenhoramento definitivo, consubstanciado na expressão “para si ou
para outrem”. É o denominado animus furandi ou animus rem sibi habendi.
A isso se dá o nome de ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO.

É INDISPENSÁVEL QUE O AGENTE TENHA A INTENÇÃO DE POSSUIR A


COISA MÓVEL, SUBMETENDO-A AO SEU PODER, ISTO É, DE NÃO
DEVOLVER O BEM, DE FORMA ALGUMA. ASSIM, SE ELE O SUBTRAI
APENAS PARA USO TRANSITÓRIO E DEPOIS O DEVOLVE NO MESMO
ESTADO, NÃO HAVERÁ A CONFIGURAÇÃO DO TIPO PENAL. CUIDA-SE NA
HIPÓTESE DE MERO FURTO DE USO, QUE NÃO CONSTITUI CRIME, PELA
AUSÊNCIA DO ÂNIMO DE ASSENHORAMENTO DEFINITIVO DO BEM.

Furto de uso: NÃO é crime (fato atípico).

Roubo de uso: É crime (configura o art. 157 do CP).


APOSTILA 1 DIREITO PENAL – PARTE ESPECIAL - 4° SEMESTRE
STJ. 5ª Turma. REsp 1.323.275-GO, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 24/4/2014 (Info 539).

Se o agente subtrai o bem para satisfazer pretensão jurídica, cometerá o


crime de exercício arbitrário das próprias razões (art. 345 do CP).

Somente há falar em furto no caso de subtração invito domino, isto é,


contra a vontade expressa ou tácita da vítima. O consentimento dela exclui
o crime. Subtrair significa retirar contra a vontade do possuidor.

Erro de tipo=> Se o agente, por erro, apodera-se de objeto alheio


supondo ser próprio, ocorre o erro de tipo, excluindo-se o dolo e o fato
típico. Se não sabia que a coisa era alheia, não houve dolo e, no furto, não
há modalidade culposa, portanto, não há crime.

A consumação do furto ocorre com a inversão da posse, ou seja, no


momento em que o bem passa da esfera de disponibilidade da vítima para
a do autor. A subtração se opera no exato instante em que o possuidor
perde o poder e o controle sobre a coisa, tendo de retomá-la porque já não
está mais consigo. Basta, portanto, que o bem seja retirado do domínio de
seu titular e transferido para o autor ou terceiro.

NÃO SE EXIGE que, além da subtração, o agente tenha a posse tranquila e


desvigiada da res. Nesse sentido, Resp 716.058/RS, STJ, 5ª Turma: “A
jurisprudência desta Corte, bem como do STF, firmou a orientação no
sentido de que se considera consumado o crime de roubo, assim como o de
furto, no momento em que, cessada a violência ou a clandestinidade, o
agente se torna possuidor da res furtiva, ainda que por curto espaço de
tempo, sendo desnecessário que o bem saia da esfera de vigilância da
vítima, incluindo-se, portanto, as hipóteses em que é possível a retomada
do bem por meio de perseguição imediata.

Assim, além da subtração, haveria a necessidade de que o agente retivesse


a coisa fora do alcance e vigilância do possuidor, ainda que por alguns
instantes (segundo Capez, tal exigência não é feita pelo tipo).

Momento consumativo do FURTO

Consuma-se o crime de furto com a posse de fato da res furtiva, ainda que
por breve espaço de tempo e seguida de perseguição ao agente, sendo
prescindível a posse mansa e pacífica ou desvigiada.

STJ. 3ª Seção. REsp 1.524.450-RJ, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em


14/10/2015 (recurso repetitivo) (Info 572).

HIPÓTESES EM QUE O CRIME DE FURTO SE REPUTA CONSUMADO

A) Perda do bem subtraído: com a perda do bem subtraído reputa-se


o crime consumado, pois não há mais possibilidade de o ofendido
APOSTILA 1 DIREITO PENAL – PARTE ESPECIAL - 4° SEMESTRE
exercer seu direito sobre a coisa, por exemplo, durante a
perseguição, o autor joga as joias na correnteza do rio.

B) Prisão em flagrante de um dos agentes e fuga dos demais com


a “res”: nessa hipótese, em que pese a prisão de um dos agentes no
local do crime, o delito se consumou para todos os coparticipantes,
uma vez que alguns lograram fugir, detendo a posse da res.

C) SUBTRAÇÃO DE PARTE DOS BENS: se o agente se dispõe a


subtrair uma pluralidade de bens, mas, após se apropriar de alguns e
guardá-los em esconderijo próximo ao local do crime, é preso em
flagrante ao tentar apoderar-se dos bens restantes, o crime reputa-
se consumado, pois já houve anteriormente à prisão em flagrante a
efetiva espoliação de bens, ainda que somente em parte.

D) PRISÃO EM FLAGRANTE: a prisão em flagrante não é incompatível


com a consumação do crime de furto. Assim, se o agente logra
apoderar-se da res, mas é encontrado logo depois com instrumentos,
armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele o autor da
infração, a prisão em flagrante não terá o condão de interferir na
consumação do crime, pois esta já se operou anteriormente com a
retirada da res do domínio de seu titular.

TENTATIVA

=> Trata-se de CRIME MATERIAL, portanto a tentativa é perfeitamente


possível. Ocorrerá quando o agente, por circunstâncias alheias à sua
vontade, não chega a retirar o bem do domínio de seu titular.

 Somente haverá tentativa quando houver início de execução, ou seja,


quando houver começo de realização do verbo do tipo.

Exemplos:

a) o agente é surpreendido subindo a escada para entrar em


uma residência: há mero ato preparatório, porque o verbo
subtrair ainda não começou a ser praticado;

b) Após entrar na residência, o sujeito é surpreendido pelos


donos da casa antes de se apoderar de qualquer objeto,
responde somente pela violação de domicílio;

c)Após entrar na casa, o autor é surpreendido pelos donos da


casa se apoderando do objetos: aqui já há início de execução e
no caso, haverá tentativa de furto

CRIME IMPOSSÍVEL X TENTATIVA DE FURTO

Crime impossível é aquele que, pela ineficácia absoluta do meio empregado


ou pela impropriedade absoluta do objeto material, é impossível de
APOSTILA 1 DIREITO PENAL – PARTE ESPECIAL - 4° SEMESTRE
consumar-se. Se a ineficácia ou a impropriedade forem relativas, haverá
tentativa.

Exemplos: a) Loja com sistema antifurto ou com fiscalização de


seguranças: indivíduo que se apodera de mercadorias de um
supermercado e as esconde sob as vestes, mas, ao sair, desperta suspeitas
no segurança, que o aborda; agente que, ao realizar a apreensão de
mercadorias, tem a sua ação desde o início acompanhada pelos seguranças
do estabelecimento; sujeito que se apropria de mercadorias com etiqueta
antifurto. Em todas essas hipóteses há TENTATIVA DE FURTO. Nesse
sentido já se manifestou o STJ, ao considerar tentada a subtração da res,
quando a autora do furto estava sendo vigiada pelo sistema de segurança
da loja por meio de circuito interno de TV, tendo sido abordada por uma
vendedora que constatou a prática delituosa. Segundo esse Tribunal, “como
há possibilidade, mesmo que mínima, de o delito se consumar, não está
configurada a hipótese de crime impossível”.

Exemplos: Furto de automóvel. Dispositivo antifurto ou defeitos


mecânicos: Há tentativa, não crime impossível. No caso de dispositivo
antifurto, como, por exemplo, o corta-combustível, há mera impropriedade
relativa do objeto material do crime, pois sempre existirá a possibilidade de
o agente se valer de outros meios para apoderar-se do mesmo, por
exemplo, rebocar o veículo ou então retirar-lhe as peças; poderá ainda o
agente localizar o dispositivo antifurto e fazer com que cessem os seus
efeitos. O mesmo sucede na presença de defeitos mecânicos do automóvel.
É o posicionamento jurisprudencial majoritário.

Exemplo: Punguista que enfia a mão no bolso errado das vestes do


transeunte. A ausência do objeto é circunstância meramente acidental, que
não torna impossível o crime, respondendo o agente pela tentativa de
furto. Por outro lado, se o bem não estiver com a vítima, em bolso
nenhum, a impropriedade passa a ser absoluta, inviabilizando totalmente a
consumação do delito, tornando-o impossível. Não se pode subtrair coisa
alheia de quem nada tem.

FURTO=> CRIME MONOSSUBJETIVO OU DE CONCURSO EVENTUAL


(basta que um único agente realize o núcleo da figura típica para que o
delito se configure).

De acordo com a teoria restritiva adotada pelo Código Penal, AUTOR do


delito é aquele que realiza a conduta expressa no verbo da figura típica, ou
seja, a conduta descrita no tipo. É, portanto, no caso de furto, aquele que
SUBTRAI A COISA ALHEIA MÓVEL.

A coautoria ocorre quando dois ou mais agentes, conjuntamente, realizam


o verbo (núcleo) do tipo. EX: 3 agentes subtraem objetos de uma loja.
Partícipe é aquele que, sem realizar o núcleo (verbo) da figura típica,
concorre de alguma forma para a produção do resultado.
APOSTILA 1 DIREITO PENAL – PARTE ESPECIAL - 4° SEMESTRE
CONCURSO DE PESSOAS E AJUSTE PRÉVIO

O concurso de pessoas exige a convergência de vontades para a prática


delituosa, contudo não exige o prévio ajuste de vontades.

Ex: Funcionário “A” toma conhecimento de que terceiros planejaram furtar


o estabelecimento que trabalha. “A”, sem o conhecimento desses terceiros,
resolve deixar aberta a porta da loja durante o período noturno a fim de
facilitar o furto, pois quer vingar-se do proprietário do estabelecimento. No
caso, não houve qualquer prévio ajuste de vontades entre “A” e os autores
do furto, mas “A”, conscientemente, adere ao desígnio criminoso dos
autores, contribuindo, mediante auxílio material, para a prática delitiva,
sendo certo que os autores do crime nem sequer tinham conhecimento do
auxílio efetuado por “A”.

 É INADMISSÍVEL A COAUTORIA E A PARTICIPAÇÃO


POSTERIORES À CONSUMAÇÃO DO CRIME.

OBSERVAÇÃO: É POSSÍVEL QUE A PARTICIPAÇÃO SEJA POSTERIOR,


DESDE QUE ACERTADA PREVIAMENTE.

CONCURSO DE CRIMES

A) CONCURSO MATERIAL: é possível.

Ex: agente estupra a vítima e posteriormente lhe subtrai os bens.


Também é possível o concurso material entre os crimes contra a
pessoa e o furto. Se o agente violar sepultura com o fim de
apoderar-se das próteses dentárias, joias, etc, haverá crime único,
visto que se trata de meio necessário para a prática do delito (não
há como furtar objetos de um sepulcro sem antes violar a
sepultura) - princípio da consunção.

Consoante o art. 1º, I, a, da Lei n. 9.455/97: “Constitui crime de


tortura: I – constranger alguém com emprego de violência ou grave
ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental: ... para provocar
ação ou omissão de natureza criminosa”.

Desse modo, o torturador, ao obrigar a vítima a cometer o furto,


responderá pelo crime de tortura em concurso material com o delito
cometido pela vítima, na qualidade de autor mediato.

b) concurso formal: é possível. Se, por exemplo, o agente, dentro de um


ônibus, subtrair objetos de diversas pessoas. Com uma só ação, que se
divide em vários atos, ele causa prejuízo patrimonial a diversas vítimas.

c) Crime continuado: pode ocorrer entre crimes da mesma espécie, como


é o caso do furto simples e do furto qualificado. Neste caso, entretanto,
dificilmente haverá continuidade delitiva, já que a semelhança no modo de
execução é um dos requisitos exigidos expressamente pelo art. 71, caput,
APOSTILA 1 DIREITO PENAL – PARTE ESPECIAL - 4° SEMESTRE
do CP, e um furto simples, em regra, é executado de maneira diversa de
outro que tenha qualificadora. Quanto a furto e roubo, o STJ e o STF já se
manifestaram no sentido da INADMISSIBILIDADE DA CONTINUIDADE
DELITIVA, pois, embora sejam de igual natureza, não são crimes da
mesma espécie.

d) VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO OU DANO COMO CRIME-MEIO PARA A


PRÁTICA DO FURTO: há crimes que constituem meio para a prática do
furto, como é o caso da violação de domicílio (art. 150, CP) e do dano (art.
163, CP), quando se tratar de furto qualificado pelo rompimento de
obstáculo. Tais crimes serão absorvidos pelo crime de furto (princípio da
consunção).

e) FURTO E POSTERIOR VENDA DO BEM A TERCEIRO DE BOA-FÉ: na


hipótese de venda do objeto furtado a terceiro de boa-fé, há duas posições:
1) constitui post factum impunível, que é o entendimento majoritário da
jurisprudência, pois no apoderamento da coisa alheia encontra-se ínsito o
propósito de obtenção de proveito subsequente pelo autor; 2) há concurso
material entre furto e estelionato – existe dois crimes autônomos, quais
sejam, o furto (consumado com a posse da coisa) e o estelionato
(consistente na venda da coisa subtraída como se fosse própria).

Capez adota a 1ª posição, dizendo que a venda da res furtiva é mero


exaurimento de uma agressão já consolidada ao bem jurídico.

F) FURTO DE TALÃO DE CHEQUES EM BRANCO E ESTELIONATO: o


agente que furta talonário de cheques, preenche as suas folhas e depois as
desconta comete qual crime?

a) há concurso material entre o furto e o estelionato;

b) o estelionato constitui post factum impunível, sendo, portanto,


absorvido pelo furto;

c) o furto resta absorvido pelo estelionato.

Capez entende que se o furto do talonário esgotar-se em um único


estelionato, exaurindo toda a sua potencialidade lesiva, como no caso do
agente empregar todos os seus fólios em único golpe, haverá absorção
(responde só por estelionato), caso contrário, servindo o talão para a
aplicação de uma série de fraudes, o agente deverá responder pelo furto
em concurso material com o estelionato.

g) FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO SUBTRAÍDO: se o agente, após


subtrair o veículo automotor, falsificar o certificado de propriedade do
veículo, comete dois crimes em concurso material – furto e crime de
falsificação de documento público (CP, art. 297), pois aqui há uma ofensa
não só ao patrimônio da pessoa física, como também uma ofensa à fé
pública.
APOSTILA 1 DIREITO PENAL – PARTE ESPECIAL - 4° SEMESTRE
h) FURTO DE ARMA DE FOGO, ACESSÓRIO OU MUNIÇÃO E POSSE OU
PORTE ILEGAL DOS ARTEFATOS: na hipótese de armas de fogo,
acessórios ou munições provenientes de furto, roubo, etc, é possível
identificar duas situações distintas. Na primeira, o próprio autor do roubo
ou furto da arma de fogo a mantém consigo, porta etc. Configura-se, aqui,
o crime de que trata o art. 12 (posse irregular de arma de fogo de uso
permitido), 14 (porte ilegal de arma de fogo de uso permitido) ou 16
(posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito ou proibido) da Lei n.
10.826/2003 (Estatuto do desarmamento).

Na segunda situação, o possuidor não é o próprio autor do furto ou


roubo, mas um terceiro que adquire ou recebe a arma sabendo de
sua procedência criminosa. Este último comete o crime previsto no
art. 14 do Estatuto do Desarmamento (ou art. 16, se a arma de fogo
forem de uso restrito); ou art. 17, se a aquisição ou recebimento
forem praticados no exercício de atividade comercial ou industrial.
Não incide, nesse caso, a norma do art. 180 do CP (receptação),
tendo em vista a especialidade do tipo penal.

FURTO DE USO

É indispensável que a subtração seja efetuada com ânimo definitivo, sendo


necessária a intenção de não devolver o bem. É que o tipo do furto exige a
elementar de natureza subjetiva “PARA SI OU PARA OUTREM”, que significa
“FINALIDADE DE ASSENHORAMENTO PERMANENTE”. Na hipótese em que o
agente retira o bem da esfera de disponibilidade da vítima apenas para o
seu uso transitório, passageiro, e depois o devolve no mesmo estado e
local em que se encontrava, não há que se falar em realização da conduta
tipificada no art. 155 do CP. Trata-se de mero FURTO DE USO, fato atípico,
dada a ausência do elemento subjetivo do tipo exigido (ficar
definitivamente com o bem ou entregá-lo a terceiro).

Ex: O indivíduo se utiliza de um automóvel alheio para dar um passeio e


depois o devolve no mesmo local e no mesmo estado em que se
encontrava. Nelson Hungria assevera com razão, que na hipótese do
automóvel, poderá haver furto no tocante à gasolina e o óleo consumidos.

FURTO FAMÉLICO OU NECESSITADO

É aquele cometido por quem se encontra em situação de extrema


miserabilidade, penúria, necessitando de alimento para saciar a sua fome
e/ou de sua família. Não se configura, na hipótese, o crime, pois o estado
de necessidade exclui a ilicitude do crime.

Assim, o furto seria um fato típico, mas não ilícito. Dificuldades financeiras,
desemprego, situação de penúria, por si só, não caracterizam essa
descriminante. É necessário o preenchimento dos requisitos do art. 24 do
CP (atualidade do perigo, involuntariedade, inevitabilidade por outro modo
APOSTILA 1 DIREITO PENAL – PARTE ESPECIAL - 4° SEMESTRE
e inexigibilidade de sacrifício do direito ameaçado). O furto deve ser um
recurso inevitável, uma ação in extremis.

Se o agente tinha plenas condições de exercer trabalho honesto ou se a


conduta recair sobre bens supérfluos, não será o caso de furto famélico.

O estado de necessidade também estará presente no apoderamento de


veículo de terceiro com o fim de transportar para o hospital pessoa
gravemente enferma, que corre sérios riscos de vida.

FURTO NOTURNO (ART. 155, §1º, CP)

 Repouso noturno não se confunde com noite;

 Repouso noturno é o período de tempo, que se modifica conforme os


costumes locais, em que as pessoas dormem (critério
psicossociológico);

 Na majorante do repouso noturno não está subentendida ser a casa


habitada ou estarem as pessoas dormindo;

 Segundo Magalhães Noronha “o período de sossego noturno é o


tempo em que a vida das cidades e dos campos desaparece, em que
seus habitantes se retiram, e as ruas e estradas se despovoam,
facilitando essas circunstâncias a prática do crime. Seja ou não
habitada a casa, estejam ou não seus moradores dormindo, cabe a
majoração se o delito ocorreu naquele período.

O STJ já se manifestou no sentido de que “para o reconhecimento da


agravante de repouso noturno, não tem qualquer importância o fato da
casa, onde ocorreu o furto, estar habitada e seu morador dormindo”. O STF
também já se pronunciou no sentido de que não é necessário que o furto
seja praticado em casa habitada, basta que a subtração ocorra durante o
período de repouso noturno para que se configure a qualificadora.

O 1º do art. 155 do CP prevê que a pena do crime de furto será aumentada


de um terço, se o crime é praticado durante o repouso noturno. A causa de
aumento de pena prevista no § 1° pode ser aplicada tanto para os casos de
furto simples (caput) como para as hipóteses de furto qualificado (§ 4°).
Não existe nenhuma incompatibilidade entre a majorante prevista no § 1.°
e as qualificadoras do § 4º. São circunstâncias diversas, que incidem em
momentos diferentes da aplicação da pena. Assim, é possível que o agente
seja condenado por furto qualificado (§ 4º) e, na terceira fase da
dosimetria, o juiz aumente a pena em 1/3 se a subtração ocorreu durante o
repouso noturno.

STJ. 6ª Turma. HC 306.450-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura,


julgado em 4/12/2014 (Info 554)
APOSTILA 1 DIREITO PENAL – PARTE ESPECIAL - 4° SEMESTRE
 Aplica-se o aumento do furto noturno se o crime acontecer em
estabelecimento Comercial fechado ao público.
 Há muitos furtos de automóvel em via pública de madrugada e, na prática,
quando o furto ocorre na rua não se aplica o furto noturno.

Aplica-se o princípio da insignificância ao crime de furto?

Sim. O bem pode ter valor econômico (troca) ou um valor de uso (sentimental).
Só será aplicável o princípio da insignificância em relação ao valor de troca
(econômico).

Observação: A jurisprudência do STF e STJ apontam quatro requisitos para


incidência do princípio da insignificância:

 Mínima ofensividade da conduta do agente;


 Nenhuma periculosidade social da ação;
 Reduzido grau de reprovabilidade do comportamento;
 Inexpressividade da lesão jurídica provocada.

(STF – HC/84.687)

HC 84687 / MS - MATO GROSSO DO SUL. HABEAS CORPUS. Relator (a):  Min.


CELSO DE MELLO. Julgamento:  26/10/2004.

EMENTA: PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - IDENTIFICAÇÃO DOS VETORES CUJA


PRESENÇA LEGITIMA O RECONHECIMENTO DESSE POSTULADO DE POLÍTICA
CRIMINAL - CONSEQÜENTE DESCARACTERIZAÇÃO DA TIPICIDADE PENAL EM SEU
ASPECTO MATERIAL - DELITO DE FURTO - "RES FURTIVA" (UM SIMPLES BONÉ)
NO VALOR DE R$ 10,00 - DOUTRINA - CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA
JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - MERA EXISTÊNCIA DE
INQUÉRITOS OU DE PROCESSOS PENAIS AINDA EM CURSO - AUSÊNCIA DE
CONDENAÇÃO PENAL IRRECORRÍVEL - PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA NÃO-
CULPABILIDADE (CF, ART. 5º, LVII) - PEDIDO DEFERIDO. O PRINCÍPIO DA
INSIGNIFICÂNCIA QUALIFICA-SE COMO FATOR DE DESCARACTERIZAÇÃO
MATERIAL DA TIPICIDADE PENAL. - O princípio da insignificância - que deve ser
analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção
mínima do Estado em matéria penal - tem o sentido de excluir ou de afastar a
própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material.
Doutrina. Tal postulado - que considera necessária, na aferição do relevo material
da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima
ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação,
(c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a
inexpressividade da lesão jurídica provocada - apoiou-se, em seu processo de
formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema
penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a
intervenção mínima do Poder Público. O POSTULADO DA INSIGNIFICÂNCIA E A
FUNÇÃO DO DIREITO PENAL: "DE MINIMIS, NON CURAT PRAETOR". - O sistema
jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que a privação
da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam
quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da
sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais,
APOSTILA 1 DIREITO PENAL – PARTE ESPECIAL - 4° SEMESTRE
notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se
exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa
lesividade. O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam
resultado cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos
relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular
do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social. A MERA
EXISTÊNCIA DE INVESTIGAÇÕES POLICIAIS (OU DE PROCESSOS PENAIS EM
ANDAMENTO) NÃO BASTA, SÓ POR SI, PARA JUSTIFICAR O RECONHECIMENTO
DE QUE O RÉU NÃO POSSUI BONS ANTECEDENTES. - A só existência de
inquéritos policiais ou de processos penais, quer em andamento, quer arquivados,
desde que ausente condenação penal irrecorrível - além de não permitir que, com
base neles, se formule qualquer juízo de maus antecedentes -, também não pode
autorizar, na dosimetria da pena, o agravamento do "status poenalis" do réu, nem
dar suporte legitimador à privação cautelar da liberdade do indiciado ou do
acusado, sob pena de transgressão ao postulado constitucional da não-
culpabilidade, inscrito no art. 5º, inciso LVII, da Lei Fundamental da República.

Observação: não se aplica o princípio da insignificância ao crime de roubo, pois o


mesmo envolve violência contra a pessoa.

=> O princípio da insignificância é uma cláusula excludente da tipicidade


material.

Observação: (art. 345 e 346 do CP).

(Exercício arbitrário das próprias razões). Ou seja, recai neste delito, aquele que
subtrai coisa alheia para se pagar ou ressarcir de prejuízos.

Art. 345. Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer


pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite:

Distingue-se do furto porque no furto a coisa subtraída ou danificada é alheia e


não própria. (MIRABETE).

Art. 346. Tirar, suprimir, destruir ou danificar coisa própria, que


se acha em poder de terceiro por determinação judicial ou
convenção:

Peculato furto x furto:

PECULATO FURTO FURTO

Art. 312. Apropriar-se o funcionário público Art. 155. Subtrair, para si ou para
de dinheiro, valor ou qualquer outro bem outrem, coisa alheia móvel:
móvel, público ou particular, de que tem a
posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em
proveito próprio ou alheio:

§ 1o Aplica-se a mesma pena, se o


funcionário público, embora não tendo a
APOSTILA 1 DIREITO PENAL – PARTE ESPECIAL - 4° SEMESTRE
posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai,
ou concorre para que seja subtraído, em
proveito próprio ou alheio, valendo-se de
facilidade que lhe proporciona a qualidade de
funcionário.

Deve ser funcionário público e deve se Delito comum. Podendo ser


aproveitar da qualidade de funcionário praticado por qualquer pessoa.
público para realizar a subtração “valendo-se
da facilidade”.

Observação: Ladrão que rouba ou furta ladrão responde pelo delito praticado.

Observação2: se ocorrer furto de cadáver em cemitério, o agente não


responderá por furto, e sim, por “destruição, subtração ou ocultação de
cadáver”.

Art. 211. Destruir, subtrair ou ocultar cadáver ou parte dele:

Pena – reclusão, de um a três anos, e multa.

No entanto, se o furto do cadáver ocorrer em laboratórios ou necrotérios


responderá o agente pelo crime de furto, desde então para configurar o delito do
art. 211, a subtração deverá ocorrer em cemitério.

O furto privilegiado não se confunde com o furto famélico, que é


insuscetível de punição em razão da presença de uma causa excludente de
ilicitude: o estado de necessidade.

Furto x receptação x favorecimento real:

FURTO RECEPTAÇÃO FAVORECIMENTO REAL

Art. 155. Art. 180. Adquirir, Art. 349. Prestar a


Subtrair, para si receber, transportar, criminoso, fora dos casos de
ou para outrem, conduzir ou ocultar, em coautoria ou de receptação,
coisa alheia proveito próprio ou auxílio destinado a tornar
móvel: alheio, coisa que sabe seguro o proveito do crime:
ser produto de crime,
ou influir para que
terceiro, de boa-fé, a
adquira, receba ou
oculte:
APOSTILA 1 DIREITO PENAL – PARTE ESPECIAL - 4° SEMESTRE
Se a conduta do O agente vai adquirir, O próprio tipo já esclarece
agente adere a receber, transportar ou que “fora dos casos de
do autor do ocultar, (MAS NÃO coautoria ou de receptação”.
delito antes de SUBTRAIR) em proveito (é o caso de emprestar uma
sua consumação, próprio ou alheio. garagem para o bandido
responderá como esconder o carro roubado
participe do “tornar seguro o proveito do
mesmo delito. crime”.)

Furto x apropriação indébita:

FURTO APROPRIAÇÃO INDÉBITA

Art. 155. Subtrair, para si ou Art. 168. Apropriar-se de coisa alheia


para outrem, coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção:
móvel:

No furto o agente não tem a Na apropriação indébita o agente recebe


posse nem a detenção, ou em confiança a coisa alheia, e acaba por
seja, pratica o delito no desvia-las. Se a posse do objeto não for
momento em que retira da vigiada fica configurado o crime de
esfera de vigilância sem o apropriação indébita.
consentimento da vítima. Se
a posse estiver sendo vigiada
fica configurado o crime de
furto.

Furto privilegiado (art. 155, 2º, do CP):

Art. 155 (...)

§ 2º Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a


coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de
detenção, diminuí-la de um terço a dois terços, ou aplicar somente
a pena de multa.

REQUISITOS:

o Primário  é aquele que não é reincidente.


o Pequeno valor  é tudo aquilo até um salário mínimo.

OBSERVAÇÕES

 Para se saber o valor do objeto é necessária uma avaliação formal,


realizada por peritos, da qual será lavrado um Auto.
APOSTILA 1 DIREITO PENAL – PARTE ESPECIAL - 4° SEMESTRE
 Apesar das divergências, predomina o entendimento de que deve
ser analisado o valor do objeto por ocasião da subtração e não o
efetivo prejuízo da vítima em caso de eventual recuperação do
bem. No caso de tentativa de furto, deve-se levar em conta o
valor do objeto que o agente pretendia subtrair.
 A condenação anterior por contravenção penal não retira a
primariedade para quem posteriormente comete um furto e,
portanto, não impede o privilégio.
 Registre-se a distinção entre furto privilegiado com as hipóteses
em que é possível a aplicação do princípio da insignificância. Neste
a ofensa é tão pequena que materialmente não se constata lesão
ao bem jurídico tutelado.
 Com o reconhecimento do privilégio, o CP permite que o Juiz opte
por uma das seguintes consequências: 1) substitua a pena de
reclusão por detenção; 2) diminua a pena privativa de liberdade
de um a dois terços; 3) aplique somente a pena de multa. OBS:
Apenas as hipóteses 1 e 2 podem ser cumuladas, pois são as
únicas compatíveis.
 Apesar do valor econômico irrisório, o fato constituirá crime se o
bem tiver valor afetivo (uma fotografia, uma lembrança, etc).
 O posicionamento tradicional do STF e do STJ era no sentido de
ser ele incompatível, vez que, além da gravidade do crime
qualificado, a posição topográfica do privilégio indica a intenção do
legislador de vê-lo aplicado somente ao furto simples e noturno.
Contudo, os Tribunais Superiores mudaram seu posicionamento,
admitindo a combinação dos parágrafos, tendo o STJ inclusive
sumulado a questão:

“STF. Direito Penal. Habeas Corpus. Furto qualificado. Réu


primário. Res furtiva de pequeno valor. Possibilidade de
incidência do privilégio previsto no §2º do art. 155 do CP.
Ordem concedida.
1. A questão tratada no presente writ diz respeito à possibilidade
de aplicação do privilégio previsto no §2º do art. 155 do CP ao
crime de furto qualificado. 2. Considero que o critério
norteador, deve ser o da verificação da compatibilidade entre
as qualificadoras (CP, art. 155, §4º) e o privilégio (CP, art. 155,
§2º). E, a esse respeito, no segmento do crime de furto, não há
incompatibilidade entre as regras constantes dos dois
parágrafos referidos. 3. No caso em tela, entendo possível a
incidência do privilégio previsto no §2º do art. 155 do CP, visto
que, apesar do crime ter sido cometido em concurso de
pessoas, o paciente é primário e a coisa furtada de pequeno
valor. 4. Ante o exposto, concedo a ordem de habeas corpus”.
(STF, HC 96.843-1/MS, 2ª T., j. 24.03.2009, rel. Min. Ellen
Gracie, DJE 24.04.2009, p. 61).

INFORMATIVO 379 STJ . FURTO. PRIVILÉGIO. QUALIFICADORA.

A Turma entendeu que, no furto qualificado pelo concurso de


agentes, não há óbice ao reconhecimento do privilégio, desde
que estejam presentes os requisitos ensejadores de sua
APOSTILA 1 DIREITO PENAL – PARTE ESPECIAL - 4° SEMESTRE
aplicação, quais sejam, a primariedade do agente e o pequeno
valor da coisa furtada, o que ocorreu no caso. Assim, assentou-
se que, no crime de furto, é possível a aplicação simultânea do
privilégio e da citada qualificadora. Nesse contexto, foi
concedida parcialmente a ordem de habeas corpus para
reconhecer o furto privilegiado e, consequentemente, mitigar a
pena anteriormente imposta. Estendeu-se essa decisão ao
corréu.

Súmula 511-STJ: É possível o reconhecimento do privilégio


previsto no § 2º do art. 155 do CP nos casos de crime de furto
qualificado, se estiverem presentes a primariedade do agente, o
pequeno valor da coisa e a qualificadora for de ordem objetiva.

O crime de furto encontra-se tipificado no art. 155 do Código


Penal.
No caput está previsto o furto simples. O § 2º traz uma causa
de diminuição de pena, chamada pela doutrina de “furto
privilegiado”. O § 4º, por sua vez, elenca hipóteses de “furto
qualificado”.
No § 4º são previstas quatro hipóteses de furto qualificado:
§ 4º - A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o
crime é cometido:
I - com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da
coisa;
II - com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou
destreza;
III - com emprego de chave falsa;
IV - mediante concurso de duas ou mais pessoas.

Existem qualificadoras de natureza objetiva e subjetiva.


 Qualificadoras objetivas (materiais, reais): são aquelas que
estão relacionadas com o fato criminoso, ou seja, com o seu
modo de execução, tempo e lugar do crime, instrumentos
utilizados etc.
 Qualificadoras subjetivas (pessoais): são aquelas que dizem
respeito à pessoa do agente. Ex: crime praticado com abuso de
confiança.

No § 2º, o CP prevê a figura do “furto privilegiado”, “furto de


pequeno valor” ou “furto mínimo”: § 2º Se o criminoso é
primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode
substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de
um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa.

Requisitos do FURTO PRIVILEGIADO


1) Primariedade do agente: agente (criminoso) deve ser
primário. Primário é o indivíduo que não é reincidente, nos
termos do art. 63 do CP.
2) Pequeno valor da coisa furtada: segundo a jurisprudência,
para os fins do § 2º do art. 155, coisa de pequeno valor é
APOSTILA 1 DIREITO PENAL – PARTE ESPECIAL - 4° SEMESTRE
aquela cujo preço, no momento do crime, não seja superior a 1
salário-mínimo.

É possível que um furto seja, ao mesmo tempo, privilegiado (§


2º) e qualificado (§ 4º)? Em outras palavras, é possível aplicar
o privilégio previsto no § 2º aos casos de furto qualificado?

SIM, é possível desde que:


 estejam preenchidos os requisitos do § 2º (primariedade e
pequeno valor da coisa); e
 a qualificadora seja de natureza objetiva.

Ex1: se o furto for qualificado por concurso de pessoas


(qualificadora de índole objetiva), será possível o privilégio
(STJ. 6ª Turma. REsp 1370395/DF, Rel. Min. Assusete
Magalhães, julgado em 12/11/2013).

Ex2: se o furto for qualificado por abuso de confiança


(qualificadora subjetiva), não será possível o privilégio (STJ. 5ª
Turma. AgRg no REsp 1392678/MG, Rel. Min. Laurita Vaz,
julgado em 17/12/2013).

O furto privilegiado-qualificado é também chamado de furto


híbrido.

Vale mencionar que o entendimento de que é possível furto


privilegiado-qualificado é adotado não apenas pelo STJ como
também pelo STF.

 Damásio de Jesus ensina: “Assim como admitimos a figura do


homicídio qualificado-privilegiado, consideramos também possível
o furto qualificado-privilegiado. No furto não há inconciliabilidade
entre o privilégio e as qualificadoras. Enquanto motivo torpe e
motivo de relevante valor moral se repelem, A PRIMARIEDADE DO
AGENTE E O PEQUENO VALOR DA COISA, pela sua natureza, não
excluem o fato qualificado pelo concurso de agentes, pelo salto de
um muro ou pela agilidade do autor. A situação dos parágrafos
não nos impressiona. Tudo para nós está na essência das
circunstâncias que constituem os tipos qualificado e privilegiado”.

 É um direito subjetivo do réu o reconhecimento do privilégio.

Furto de energia (art. 155, § 3º, do CP):

Art. 155 (...)

§ 3º Equipara-se à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra


que tenha valor econômico.

Imagine a seguinte situação hipotética:


João estava pagando muito pela energia elétrica e, olhando cuidadosamente o
medidor, teve uma ideia. Ele resolveu isolar as fases “A” e “B” do medidor com um
material transparente (uma substância gelatinosa, tipo um “slime”). Isso fez com que
APOSTILA 1 DIREITO PENAL – PARTE ESPECIAL - 4° SEMESTRE
o relógio passasse a correr mais devagar do que o normal, registrando menos energia
do que a efetivamente consumida.
A companhia de energia elétrica passou a desconfiar de erro na medição do relógio a
partir da queda brusca ocorrida a partir de determinado dia. Diante disso, os fiscais da
empresa foram até o local e constataram a fraude.

Qual foi o crime praticado por João: FURTO ou ESTELIONATO?


Estelionato.
A alteração do sistema de medição, mediante fraude, para que aponte
resultado menor do que o real consumo de energia elétrica configura
estelionato.
STJ. 5ª Turma. AREsp 1.418.119-DF, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em
07/05/2019 (Info 648).

No furto, a fraude tem por objetivo diminuir a vigilância da vítima e possibilitar a


subtração da coisa (inversão da posse). O bem é retirado sem que a vítima perceba
que está sendo despojada de sua posse. No estelionato, por sua vez, a fraude tem por
finalidade fazer com que a vítima incida em erro e voluntariamente entregue o objeto
ao agente criminoso, baseada em uma falsa percepção da realidade.
No exemplo acima, não se trata da figura do “gato” de energia elétrica, em que há
subtração e inversão da posse do bem. Estamos a falar em serviço lícito, prestado de
forma regular e com contraprestação pecuniária, em que a medição da energia
elétrica é alterada, como forma de burla ao sistema de controle de consumo – fraude
– por induzimento em erro, da companhia de eletricidade, que mais se adequa à
figura descrita no tipo elencado no art. 171, do Código Penal (estelionato).

Conforme ensina Rogério Greco:


“Aquele que desvia a corrente elétrica antes que ela passe pelo registro comete o
delito de furto. É o que ocorre, normalmente, naquelas hipóteses em que o agente
traz a energia para sua casa diretamente do poste, fazendo aquilo que popularmente
é chamado de “gato”. A fiação é puxada, diretamente, do poste de energia elétrica
para o lugar onde se quer usá-la, sem que passe por qualquer medidor.
Ao contrário, se a ação do agente consiste, como adverte Noronha (NORONHA, Edgard
Magalhães. Direito Penal, v. 2, p. 232), ‘em modificar o medidor, para acusar um
resultado menor do que o consumido, há fraude, e o crime é estelionato,
subentendido, naturalmente, o caso em que o agente está autorizado, por via de
contrato, a gastar energia elétrica. Usa ele, então, de artifício que induzirá a vítima a
erro ou engano, com o resultado fictício, do que lhe advém vantagem ilícita’” (GRECO,
Rogério. Código Penal Comentado. 6ª ed., Niterói: Impetus, p. 557).

Tabela comparativa:
“Gato” Alteração do sistema de medição
O agente desvia a energia elétrica de sua O agente altera o sistema de medição,
fonte natural por meio de ligação mediante fraude, para que aponte resultado
clandestina, sem passar pelo medidor. menor do que o real consumo.
Trata-se de FURTO. Trata-se de ESTELIONATO.
No furto, a fraude tem por objetivo diminuir A fraude tem por finalidade fazer com que a
a vigilância da vítima e possibilitar a vítima incida em erro e voluntariamente
subtração da coisa (inversão da posse). entregue o objeto ao agente criminoso,
O bem é retirado sem que a vítima perceba baseada em uma falsa percepção da
que está sendo despojada de sua posse. realidade.
A concessionária não sabe que está A concessionária sabe que está fornecendo
fornecendo energia elétrica para aquele energia elétrica para aquele consumidor, mas
indivíduo. Ele está desviando (subtraindo) a a fraude faz com que ela não perceba que ele
energia da rede. está pagando menos do que deveria.
APOSTILA 1 DIREITO PENAL – PARTE ESPECIAL - 4° SEMESTRE
=> Água. Possibilidade de aplicação do mesmo entendimento.

 Sinal de TV a cabo: Embora seja questionado dizer que sinal de TV ou de


telefone celular constitua forma de energia, a verdade é que nossos Tribunais têm
aplicado para estes casos o crime de furto simples (objeto material do furto é a
coisa móvel).

OBSERVAÇÃO Furto e ligação clandestina de TV a cabo. (informativo 623


do STF)

A 2ª Turma concedeu habeas corpus para declarar a atipicidade da conduta de


condenado pela prática do crime descrito no art. 155, § 3º, do CP (“Art. 155 -
Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: ... § 3º - Equipara-se à coisa
móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico.”), por
efetuar ligação clandestina de sinal de TV a cabo. Reputou-se que o objeto do
aludido crime não seria “energia” e ressaltou-se a inadmissibilidade da analogia in
malam partem em Direito Penal, razão pela qual a conduta não poderia ser
considerada penalmente típica.

Decisão: A Turma, à unanimidade, deferiu a ordem de habeas corpus, para


afastar a decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça no recurso especial nº
1.068.075, uma vez que não há previsão legal para sustentar a manutenção da
pena aplicada ao paciente, uma vez que a conduta a ele imputada não encontra
adequação típica no art. 155, caput, do Código Penal, nos termos do voto do
Relator. Ausentes, justificadamente, neste julgamento, os Senhores Ministros
Celso de Mello e Gilmar Mendes. Presidiu, este julgamento, a Senhora Ministra
Ellen Gracie. 2ª Turma, 12.04.2011.

Hodiernamente o entendimento que prevalece no âmbito do Supremo


Tribunal Federal é no sentido da atipicidade do chamado “furto de sinal de
TV”, pois tal sinal não poderia ser equiparado à energia, assim não é
possível ser objeto material do delito de furto. Ademais, o sinal de TV a
cabo seria insuscetível de ser “subtraído”, bem como a aplicação das penas
do art. 155, §3º, do Código Penal às condutas previstas no artigo 35 da Lei
8.997/1995 constituiria analogia in malam partem, e com isso viola o
princípio da legalidade penal. Nesse sentido, a Ementa da emblemática
decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, nos autos do HC
97.261 – RS:
HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. ALEGAÇÃO DE ILEGITIMIDADE
RECURSAL DO ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO. IMPROCEDÊNCIA.
INTERCEPTAÇÃO OU RECEPTAÇÃO NÃO AUTORIZADA DE SINAL DE TV A
CABO. FURTO DE ENERGIA (ART. 155, § 3º, DO CÓDIGO PENAL).
ADEQUAÇÃO TÍPICA NÃO EVIDENCIADA. CONDUTA TÍPICA PREVISTA NO
ART. 35 DA L EI 8.977/95. INEXISTÊNCIA DE PENA PRIVATIVA DE
LIBERDADE. APLICAÇÃO DE ANALOGIA IN MALAM PARTEM PARA
COMPLEMENTAR A NORMA. INADMISSIBILIDADE. OBEDIÊNCIA AO
PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA ESTRITA LEGALIDADE PENAL.
PRECEDENTES. O assistente de acusação tem legitimidade para recorrer de
decisão absolutória nos casos em que o Ministério Público não interpõe
recurso. Decorrência do enunciado da Súmula 210 do Supremo Tribunal
Federal. O sinal de TV a cabo não é energia, e assim, não pode ser
objeto material do delito previsto no art. 155, § 3º, do Código
APOSTILA 1 DIREITO PENAL – PARTE ESPECIAL - 4° SEMESTRE
Penal. Daí a impossibilidade de se equiparar o desvio de sinal de TV
a cabo ao delito descrito no referido dispositivo. Ademais, na esfera
penal não se admite a aplicação da analogia para suprir lacunas, de
modo a se criar penalidade não mencionada na lei (analogia in
malam partem), sob pena de violação ao princípio constitucional da
estrita legalidade. Precedentes. Ordem concedida. (HC 97261,
Relator(a):  Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em
12/04/2011, DJe-081 DIVULG 02-05-2011 PUBLIC 03-05-2011 EMENT
VOL-02513-01 PP-00029 RTJ VOL-00219- PP-00423 RT v. 100, n. 909,
2011, p. 409-415). (grifo nosso)
É de relevante importância a análise pormenorizada do voto do relator
Ministro Joaquim Barbosa acerca da atipicidade da subtração, interceptação
ou receptação não autorizada de “sinal de TV a cabo”, tanto a doutrina
quanto as diversas instâncias do Poder Judiciário, manifestam-se de forma
contrária, de um lado equiparam a interceptação de sinais ao delito de furto
tipificado no art. 155, § 3º do CP, sustentando que o sinal de TV a cabo é
energia com valor econômico (como v.g. HC 17.867 do STJ, APECRIM
917.129.3/0 do TJSP, entre outros); doutro lado consideram o desvio de
“sinal de TV a cabo" como fato atípico, cuja prática configura mero ilícito
civil (como v.g. APECRIM 427.714-1 do TJMG, entre outros).

No âmbito doutrinário, o Ministro cita o entendimento de Bitencourt


(BITENCOURT, 2012, p. 68) partidário da corrente que defende a
atipicidade da conduta, o qual afirma que o “sinal de TV a cabo” não é nem
se equipara a energia, e por isso, não se enquadra no art. 155, §3º do CP,
e também cita o entendimento de Nucci (NUCCI, 2014, p. 703) que
considera o “sinal de TV a cabo” como uma forma de energia e seu uso
irregular configura o delito de furto (art. 155, § 3º do CP).

O art. 35 da Lei 8.977/95 prevê a conduta de interceptar ou receptar, que


significa interromper no seu curso, não deixar chegar ao seu destino, por
obstáculo ou guardar, esconder coisa furtada por outrem, não se
confundindo com o verbo subtrair, núcleo do tipo penal do furto, previsto
no art. 155, § 3º do CP, cuja definição diz respeito a tirar, retirar ou
surrupiar.

A interceptação do “sinal de TV a cabo” não tira, nem retira e tampouco


dele se apossa. Desse modo, não há que se falar em subtração, pois não
acarreta prejuízo patrimonial. Nesse sentido, o Ministro Joaquim Barbosa
versa que não há desfalque no patrimônio, o prejuízo decorre do que a
empresa, em virtude da utilização indevida do sinal de que retransmite,
deixa de receber, não do que desta se subtrai.

Ademais, considera que o “sinal de TV a cabo” não pode ser equiparado à


energia, já que não é fonte capaz de gerar força, potência, fornecer energia
para determinados equipamentos ou de transformar-se em outras formas
de energia. Com isso, difere da energia elétrica, porque o “sinal de TV a
cabo” não está sujeito à apropriação material, não sendo possível ser
armazenado, retido e transportado como res furtiva.
A existência de diversas espécies de energia com valor econômico, dentre
as quais cito as energias solar, térmica, luminosa, sonora, dentre outras,
definitivamente “sinal de TV a cabo” não é nem se equipara a energia, seja
de que natureza for.
APOSTILA 1 DIREITO PENAL – PARTE ESPECIAL - 4° SEMESTRE
A Exposição de Motivos da Parte Especial do Código Penal não é suficiente
para equiparar o “sinal de TV a cabo” à energia, conforme dispõe:

Para afastar qualquer dúvida, é expressamente equiparada à coisa móvel e,


consequentemente, reconhecida como possível objeto de furto “a energia
elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico”. Toda a energia
economicamente utilizável suscetível de incidir no poder de disposição
material e exclusiva de um indivíduo (como, por exemplo, a eletricidade, a
radiatividade, a energia genética dos reprodutores, etc.) pode ser incluída,
mesmo do ponto de vista técnico, entre as coisas móveis, a cuja
regulamentação jurídica, portanto, deve ficar sujeita.

  Segundo Bitencourt (2012, p. 66), a energia se consome, se esgota,


diminui, e pode, inclusive, terminar, ao passo que sinal de televisão não se
gasta, não diminui; mesmo que toda a população do planeta o acesse ao
mesmo tempo.

Assim, o Min. Joaquim Barbosa considera não ser suscetível de subtração,


vez que não pode o “sinal de TV a cabo” ser objeto material do delito
previsto no art. 155, § 3º do CP. Contudo, o art. 35 da Lei 8.977/95 (que
dispõe especificamente sobre os serviços de TV a cabo), prevê a ilicitude da
interceptação e da receptação não autorizada dos sinais de TV a cabo. Cabe
salientar que a referida lei é uma norma especial e cronologicamente
posterior ao furto (art. 155, § 3º, do Código Penal), o que impõe a sua
aplicação ao caso vertente. No entanto, o art. 35 da Lei 8.977/95 é uma
norma penal em branco em inverso, cujo conteúdo incompleto (preceito
secundário) deve ser complementado obrigatoriamente por outra lei, sob
pena de violação do princípio da reserva legal.

Nesse sentido, destaca-se a mutatis mutandis que foi decidido pelo Plenário


do STF, no julgamento do Inquérito 1145-PB (rel. min. Maurício Corrêa, DJ
de 19/12/2006), no qual se considerou conduta atípica a prática da “cola
eletrônica”, sendo necessária a transcrição do trecho da decisão:
Não se pode pretender a aplicação da analogia para abarcar hipótese não
mencionada no dispositivo legal (analogia in malam partem). Deve-se
adotar o fundamento constitucional do princípio da estrita legalidade na
esfera penal. Por mais reprovável que seja a lamentável praticada “cola
eletrônica”, a persecução penal não pode ser legitimamente instaurada sem
o atendimento mínimo dos direitos e garantias constitucionais vigentes em
nosso Estado Democrático de Direito.
Diante do exposto, a decisão proferida pelo STJ no recurso especial nº
1.068.075 foi afastada, tendo em vista que não há previsão legal suficiente
à manutenção da pena aplicada ao paciente, uma vez que a conduta a ele
imputada não encontra adequação típica no art. 155, § 3º do Código Penal.

Furto qualificado (art. 155, § 4, do CP):

Art. 155 (...)

§ 4º A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é


cometido:
APOSTILA 1 DIREITO PENAL – PARTE ESPECIAL - 4° SEMESTRE
I – com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da
coisa;

o Obstáculo é todo objeto empregado pela pessoa para


proteger a coisa. Esse obstáculo deve ser exterior a coisa e
não inerente a ela. (ou seja, quem quebra um vidro para
roubar um carro, não incide nesta qualificadora).
o A violência “destruição” sobre a coisa deve se dar antes da
consumação do delito; se depois responde pelo crime de
dano.

Observação: o STJ vem entendendo que “Se a coisa visada vale menos que o
obstáculo rompido não incide a qualificadora”.

Observação: haverá necessidade de exame pericial (não poderá ser suprido pela
via testemunhal).

O art. 171 do CPP exige perícia no obstáculo para constatar os danos (vestígios)
nele deixados, por isto é pacífico o entendimento de que a qualificadora só existe
se o obstáculo for de algum modo qualificado.

Por isto, quem consegue somente remover o obstáculo sem danificá-lo responde
por furto simples como, por exemplo, desparafusar o obstáculo.

O rompimento é o dano parcial no obstáculo como, por exemplo, arrombar uma


porta forçando a fechadura, enquanto a destruição é a danificação completa do
obstáculo, por exemplo, como um machado colocar abaixo uma porta de madeira.

Como o texto legal não faz distinção a qualificadora se aplica quer o dano recaia
em obstáculo pacífico como, por exemplo, porta, janela, cofre, cadeado, corrente,
etc., quer recaia no obstáculo ativo como, por exemplo, câmera de segurança,
alarme sonoro, cerca eletrificada, etc.

Se o agente corta o fio de um alarme este foi danificado e a qualificadora se


mostra presente, mas se o agente desliga o interruptor do alarme o crime é
simples.

É pacífico o entendimento de que esta qualificadora só se aplica quando o


obstáculo não é parte integrante do bem furtado. Por isto, o crime é qualificado
quando alguém arromba um portão para furtar um carro, mas é simples quando o
agente arromba a porta do próprio veículo para levá-lo.

A conclusão acima acaba gerando uma injustiça porque quando o agente arromba
o carro para furtar objetos de seu interior o furto é qualificado (se levasse o carro
inteiro o furto seria simples).

II – com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou


destreza;

o Confiança  no caso de empregada domestica a patroa


deve comprovar que tinha confiança na empregada.
Em termos doutrinários e jurisprudenciais são exigidos dois requisitos para esta
qualificadora: 1) que a vítima deposite uma especial confiança no agente como,
por exemplo, por serem grandes amigos, namorados, noivos, irmãos, primos, etc;
APOSTILA 1 DIREITO PENAL – PARTE ESPECIAL - 4° SEMESTRE
2) que o agente tenha se aproveitado de alguma facilidade decorrente da relação
de confiança para praticar o crime.

Comentários:

Se a subtração for feita por ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro o


fato não é punível nos termos do art. 181 do CP.

Nem sempre o furto praticado pelo empregado contra o patrão é qualificado, o


que só ocorrerá se ficar provada uma grande confiança daquele patrão naquele
empregado.

 Em um shopping há varias lojas, pela noite o vigia que toma conta de todas
as lojas, subtrai roupas de uma delas. Responde o vigia pela agravante?
Resposta: Não. Pois inexiste vinculação do vigia com a vítima (dono da loja
furtada).

 TACRSP: “receber veículo a pretexto de experimentá-lo e com ele, na


sequencia, se evadir, tipifica a fraude a que o art. 155, § 4º, II, do CP, faz
remissão, sendo certo que tal conduta não caracteriza o crime de estelionato, no
qual a transmissão de propriedade do bem é livre e consciente, o que não
acontece no furto.
 Se houver alteração no medidor de energia estará configurado o delito de
estelionato, se houver “gato” será furto de energia.

 Fraude eletrônica via internet  se houver um site falso de pacotes de


viagem e você paga espontaneamente haverá o crime de estelionato. No entanto,
se houver um “cavalo de troia” hospedado no computador da vítima, e por
consequência a sua senha seja “hackeada” (furtada), estará configurado o crime
de furto. Nesta modalidade de crime (via internet) o sujeito passivo é a instituição
bancária, a depender da instituição bancária a competência poderá ser federal
(exemplo: agência da CEF). Além do mais, nessa modalidade de furto eletrônico a
consumação se dá no local onde retira o bem da esfera de disponibilidade da
vítima.

Destreza  O famoso “PUNGA” ou “larapio extremamente habilidoso”. No entanto,


se a vítima vier a perceber a empreitada criminosa, estará configurado o delito de
furto simples tentado. Por outra via, se um terceiro percebe o furto, haverá
tentativa de furto qualificado pela destreza.

No crime de furto, não deve ser reconhecida a qualificadora da “destreza”


(art. 155, § 4º, II, do CP) caso inexista comprovação de que o agente
tenha se valido de excepcional – incomum – habilidade para subtrair a
coisa que se encontrava na posse da vítima sem despertar-lhe a atenção.
Destreza, para fins de furto qualificado, é a especial habilidade física ou
manual que permite ao agente subtrair bens em poder direto da vítima sem
que ela perceba o furto. É o chamado “punguista”.

STJ. 5ª Turma. REsp 1.478.648-PR, Rel. para acórdão Min. Newton Trisotto
(desembargador convocado do TJ/SC), julgado em 16/12/2014 (Info 554).

Escalada  tem como pressuposto o ingresso do infrator ao local em que vai


realizar a subtração por meio anormal, não destinado a tal fim, e se valendo o
APOSTILA 1 DIREITO PENAL – PARTE ESPECIAL - 4° SEMESTRE
agente de esforço incomum. (exemplo: o túnel escavado no assalto do Banco
Central de Fortaleza, entrar pelo telhado ou pulando um muro bem alto ou pela
sacada de um prédio).

A qualificadora, porém, só se justifica quando for necessário algum esforço por


parte do agente ou quando for necessário o auxílio de objetos como escada,
corda, etc. É em razão disto que o art. 171 do CPP exige perícia para constatar
como se deu a escalada. Capez informa que nem sempre a escalada deixa
vestígios, sendo assim, prescindível o exame pericial. Conforme Capez,
geralmente a escalada é reconhecida pela só descrição do fato criminoso. Assim, a
própria narrativa do réu no sentido de que removeu telhas para adentrar na
residência, que pulou um muro muito alto, ou que passou por uma galeria
subterrânea já configura a qualificadora em tela. A prova pericial somente será
necessária se a escalada deixar vestígios.

Observação: no furto com trombada, não há o que se falar de destreza.

Observação 2: no arrebatamento, ou seja, o puxão de colar, pulseira ou relógio


estará configurado o crime de furto e não o de roubo, pois no arrebatamento a
violência e empregada contra a coisa, enquanto no roubo a violência à praticada
contra a pessoa.

FURTO MEDIANTE FRAUDE

FRAUDE é qualquer artimanha praticada pelo agente a fim de viabilizar a


subtração.

Exemplos:

1. Fraude para desviar a atenção da vítima e, com isso, permitir que o comparsa
subtraia bens da loja sem ser percebido;

2. Páginas falsas de internet, para que a vítima digite o número da conta e a


senha e, em seguida, o hacker faz transferências tirando dinheiro da conta da
vítima sem autorização dela;

3. Fraude para afastar a vítima do local, de modo a facilitar a subtração;

4. Fraude para o ladrão conseguir ter acesso ao local do furto (exemplo: colocar
uniforme falso de empresas prestadoras de serviços)

Furto mediante fraude x estelionato

Teoricamente, a distinção é muito simples, porque no furto o bem é subtraído


enquanto no estelionato o bem é entregue ao agente. É preciso, entretanto,
salientar que se o agente emprega fraude para obter uma posse vigiada e, em
seguida, tira o bem do local sem autorização, o crime é o de furto mediante
fraude. Só existe estelionato quando a vítima entrega o bem ao agente com
autorização para que ele se afaste do local - entrega em definitivo.

ATENÇÃO! A jurisprudência firmou entendimento que o crime é o de furto


mediante fraude quando alguém entrega a chave de seu carro apenas para o falso
manobrista estacionar ou para o falso comprador fazer um test drive e estes
somem com o veículo.
APOSTILA 1 DIREITO PENAL – PARTE ESPECIAL - 4° SEMESTRE
No estelionato há a entrega de posse desvigiada (em definitivo) e no furto há o
emprego de fraude e a pessoa recebe uma posse vigiada.

Se a pessoa com um cartão clonado engana um vendedor e faz o pagamento com


o cartão clonado, recebendo a mercadoria, o crime é o de estelionato, porque o
vendedor entrega em definitivo a mercadoria.

Por sua vez, se o agente clona o cartão ou sorrateiramente faz uma troca de
cartões próximo ao caixa eletrônico e depois faz saques não autorizados, o crime é
o de furto porque o dinheiro foi tirado da conta da vítima - não foi por ela
entregue.

III – com emprego de chave falsa;

É todo instrumento, com ou sem forma de chave utilizada como dispositivo para
abrir fechadura. São as “mixas”, grampos, gazuas, chave falsificada. Cartão de
hotel. Estará configurada a qualificadora quando a chave for utilizada para a
subtração, no sentido de alcançar a coisa. (STJ – REsp. 284.385).

O conceito de chave falsa abrange:

a) A cópia feita clandestinamente, sem a autorização ou conhecimento da


vítima;

b) Qualquer instrumento capaz de abrir fechadura, que não seja a chave


verdadeira. Em alguns casos é um objeto que tem outra finalidade
qualquer (exemplos: chave de fenda, clipe de papel, grampo de cabelo,
etc.). Contudo, na maioria das vezes, são instrumentos que o próprio
bandido confecciona para servir especificamente como chave falsa e que
são conhecidas como mixas ou gazuas.

A ligação direta consistente na junção de fios sobre o painel para dar a partida não
é considerada chave falsa, por não envolver a fechadura ou o local próprio para
ignição do veículo.

IV – mediante concurso de duas ou mais pessoas.

o Conceito de concurso de pessoas  associação de duas ou


mais pessoas. Não havendo a necessidade da estabilidade.
(neste caso para punir o delito, deverá o mesmo ser pelo
menos tentado).

 Se houver prova do envolvimento de duas pessoas, é possível o


reconhecimento da qualificadora, ainda que o juiz esteja condenando
uma só pessoa, porque o comparsa, por exemplo, é menor de idade,
já morreu, ou, principalmente, fugiu e não foi identificado.
 Doutrina e jurisprudência firmaram o entendimento de que a
qualificadora se aplica tanto a casos de coautoria quanto de
participação, porque o texto legal se refere genericamente a concurso
de pessoas, sem fazer restrição. Exemplo: empregado deixa
destravada a janela de uma casa e passa esta informação a um
comparsa que, dias depois, aproveitando-se da ausência dos
moradores, vai sozinho até a casa, empurra a janela e furto objetos
em seu interior. O crime é qualificado para os dois.
APOSTILA 1 DIREITO PENAL – PARTE ESPECIAL - 4° SEMESTRE
 Portanto, a qualificadora é aplicável ainda que uma só pessoa tenha
estado no local realizando o ato executório do furto, desde que tenha
contado com a prévia colaboração de um partícipe.
 Observação: Com exceção da qualificadora do abuso de confiança,
todas as demais formas comunicam-se aos coautores (art. 30 do CP).

Observação: coautoria intelectual qualifica?

Resposta: Sim. (além do mais, não precisa estar “in locu”).

A Lei nº 13.654/2018 acrescentou o § 4º-A ao art. 155 do Código Penal prevendo


uma nova QUALIFICADORA para o crime de furto. Veja a redação do parágrafo
inserido:
§ 4º-A A pena é de reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos e multa, se houver
emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum.

Objetivo
O objetivo declarado desse novo parágrafo foi o de punir com mais rigor os furtos
realizados em caixas eletrônicos localizados em agências bancárias ou em
estabelecimentos comerciais (ex: drogarias, postos de gasolina etc.).
Isso porque tem sido cada vez mais comum que grupos criminosos, durante a noite,
explodam caixas eletrônicos para dali retirar o dinheiro depositado.
Dessa forma, o objetivo da lei foi o de, em tese, punir mais severamente o réu.

Antes da Lei nº 13.654/2018, o agente respondia por qual delito?


O entendimento que prevalecia era o de que o agente respondia por furto qualificado
pelo rompimento de obstáculo à subtração da coisa, nos termos do art. 155, § 4º do
CP em concurso formal impróprio com o crime de explosão majorada (art. 251, § 2º
do CP):
Art. 155 (...)
§ 4º - A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido:
I - com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa;

Art. 251. Expor a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem,


mediante explosão, arremesso ou simples colocação de engenho de dinamite ou de
substância de efeitos análogos:
Pena - reclusão, de três a seis anos, e multa.
(...)
§ 2º - As penas aumentam-se de um terço, se ocorre qualquer das hipóteses previstas
no § 1º, I, do artigo anterior, ou é visada ou atingida qualquer das coisas enumeradas
no nº II do mesmo parágrafo.

A maioria dos Tribunais de Justiça e o STJ acolhiam a tese do concurso. Veja:


(...) Quanto ao crime de explosão (art. 251 do Código Penal): Não há falar em
Princípio da Consunção: O crime de explosão majorada pela finalidade de obtenção de
vantagem pecuniária previsto no art. 251, § 2º do CP não pode ser absorvido pelo
crime menos grave ( de furto, art. 155,§4º, I e IV do CP) . o crime de explosão tem
apenação inicial de três anos, além de haver causa de aumento de 1/3 em seu § 2º,
enquanto que a do furto qualificado inicia-se em dois anos.Se a explosão de que se
vale o furtador para arrombar o caixa eletrônico "expõe a perigo" a qualquer dos bens
jurídicos mencionados no tipo penal, tem-se um delito autônomo, de perigo concreto.
Não merece prosperar o pleito do afastamento da causa de aumento de pena prevista
no parágrafo 1º do art. 155 do Código Penal. A prática do crime durante o repouso
noturno tem maior probabilidade de êxito diante da menor vigilância, tornando a res
mais vulnerável, admitindo-se o delito tanto na forma simples, quanto na qualificada.
Precedentes. Melhor sorte não socorre a Defesa quanto ao afastamento da causa de
aumento do parágrafo 2º do art. 251 do Código Penal. Não há dúvidas quanto a
incidência da questionada causa de aumento haja vista que em conformidade com o
art. 251 do Código Penal as penas devem ser majoradas em um terço quando
APOSTILA 1 DIREITO PENAL – PARTE ESPECIAL - 4° SEMESTRE
presentes alguma das hipóteses do §1°, inciso I, do artigo 250 do Estatuto
Repressivo, o que efetivamente ocorreu no caso dos autos, eis que o delito foi
praticado contra edifício destinado ao uso público, qual seja, uma bancária (artigo
250, §1°, II, "b", do Código Penal)". (...)
TJRJ. 0021718-13.2015.8.19.0070 – APELAÇÃO, Des(a). GIZELDA LEITÃO TEIXEIRA -
Julgamento: 30/01/2018 - QUARTA CÂMARA CRIMINAL

(...) 3. Demonstrado que a conduta delituosa expôs, de forma concreta, o patrimônio


de outrem decorrente do grande potencial destruidor da explosão, notadamente
porque o banco encontra-se situado em edifício destinado ao uso público, ensejando a
adequação típica ao crime previsto no art. 251 do CP, incabível a incidência do
princípio da consunção.
4. Infrações que atingem bens jurídicos distintos, enquanto o delito de furto viola o
patrimônio da instituição financeira, o crime de explosão ofende a incolumidade
pública. (...)
STJ. 6ª Turma. REsp 1647539/SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 21/11/2017.

Desse modo, perceba o contrassenso: o objetivo do legislador ao criar o novo § 4º-A


foi o de aumentar a pena dos agentes que praticam furto mediante explosão de caixas
eletrônicos. No entanto, o que a Lei fez foi tornar mais branda a situação dos réus.
Vamos comparar:

Antes da Lei 13.654/2018 Depois da Lei 13.654/2018


O agente respondia pelo art. 155, § 4º, I c/c o art. O agente responde apenas pelo art. 155, § 4º-A do
251, § 2º do CP. CP.
Pena mínima: 6 anos. Pena mínima: 4 anos.

Com a previsão específica do art. 155, § 4º-A não se pode mais falar em concurso
porque seria bis in idem.  Logo, por mais absurdo que pareça, a Lei 13.654/2018
melhorou a situação penal dos indivíduos que praticam ou que praticaram furto a
bancos mediante explosão dos caixas eletrônicos.

Vale ressaltar, inclusive, que os réus que, antes da Lei nº 13.654/2018, foram
condenados por furto qualificado (art. 155, § 4º, I) em concurso formal com explosão
majorada (art. 251, § 2º) poderão pedir a redução da pena imposta, nos termos do
art. 2º, parágrafo único do CP:
Art. 2º - Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar
crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença
condenatória.
Parágrafo único - A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se
aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em
julgado.

O que é explosivo?
Explosivo é a substância ou artefato que possa produzir uma explosão, detonação,
propulsão ou efeito pirotécnico.
Para ser considerado artefato explosivo, é necessário que ele seja capaz de gerar
alguma destruição. Nesse sentido: STJ. 6ª Turma. REsp 1627028/SP, Rel. Min. Maria
Thereza de Assis Moura, julgado em 21/02/2017 (Info 599).

Se o agente, durante a noite, explode o caixa eletrônico para furtar o


numerário, ele também responderá pela causa de aumento do repouso
noturno (art. 155, § 1º)? É possível aplicar o art. 155, § 4º-A e mais a causa
de aumento do art. 155, § 1º?
SIM. É legítima a incidência da causa de aumento de pena por crime cometido durante
o repouso noturno (art. 155, § 1º) no caso de furto praticado na forma qualificada
(art. 155, § 4º ou § 4º-A do CP).
APOSTILA 1 DIREITO PENAL – PARTE ESPECIAL - 4° SEMESTRE
Não existe nenhuma incompatibilidade entre a majorante prevista no § 1º e as
qualificadoras do § 4º ou do § 4º-A. São circunstâncias diversas, que incidem em
momentos diferentes da aplicação da pena.
Assim, é possível que o agente seja condenado por furto qualificado e, na terceira fase
da dosimetria, o juiz aumente a pena em 1/3 se a subtração ocorreu durante o
repouso noturno.
A posição topográfica do § 1º (vem antes dos §§ 4º e 4º-A) não é fator que impede a
sua aplicação para as situações de furto qualificado.
STF. 2ª Turma. HC 130952/MG, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 13/12/2016 (Info
851).
STJ. 6ª Turma. HC 306.450-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em
4/12/2014 (Info 554).

A Lei nº 14.155/2021 promoveu duas alterações no art. 155, que trata sobre
furto:

 inseriu o § 4º-B, prevendo a qualificadora de furto mediante fraude cometido por


meio de dispositivo eletrônico ou informático;
 acrescentou o § 4º-C, com duas causas de aumento de pena relacionadas com o §
4º-B.

Vamos entender essas mudanças. Inicio a explicação com uma pergunta:

Se o agente invade o computador da vítima, lá instala um malware


(programa malicioso), descobre sua senha e subtrai valores de sua conta
bancária, comete qual delito?

 Antes da Lei nº 14.155/2021: essa conduta se amoldava ao crime de furto mediante


fraude (art. 155, § 4º, II, do CP). Confira a redação:

Art. 155 (...)


§ 4º - A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido:
(...)
II - com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza;
 

 Depois da Lei nº 14.155/2021: passou a existir um tipo penal específico para tratar
sobre essa hipótese. Trata-se do art. 155, § 4º-B, do CP:
 

Furto mediante fraude cometido por meio de dispositivo eletrônico ou


informático
Art. 155. (...)
§ 4º-B. A pena é de reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa, se o furto
mediante fraude é cometido por meio de dispositivo eletrônico ou informático,
conectado ou não à rede de computadores, com ou sem a violação de mecanismo de
segurança ou a utilização de programa malicioso, ou por qualquer outro meio
fraudulento análogo.
 

Causa de aumento de pena


Art. 155 (...)
§ 4º-C. A pena prevista no § 4º-B deste artigo, considerada a relevância do resultado
gravoso:
APOSTILA 1 DIREITO PENAL – PARTE ESPECIAL - 4° SEMESTRE
I – aumenta-se de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), se o crime é praticado mediante
a utilização de servidor mantido fora do território nacional;
II – aumenta-se de 1/3 (um terço) ao dobro, se o crime é praticado contra idoso ou
vulnerável.
 

Inciso I
A pena é aumentada em razão de o fato representar, de algum modo, uma ameaça à
soberania nacional. Além disso, essa circunstância acarreta uma maior dificuldade na
identificação e eventual responsabilização penal dos envolvidos, justificando uma
maior reprimenda.

 Inciso II
 Idoso: o conceito de idoso no Brasil é dado pelo art. 1º da Lei nº 10.741/2003.
Assim, idoso é a pessoa com idade igual ou superior a 60 anos.
 Vulnerável: como não foi dado um conceito específico, deve-se utilizar a definição do
art. 217-A, caput e § 1º, do CP. Desse modo, podem ser considerados vulneráveis:
a) a pessoa menor de 14 anos;

b) a pessoa que, em razão de enfermidade ou deficiência mental, não tem o


necessário discernimento para a prática de determinados atos.

Critério para definir qual fração será aplicada

O juiz, no momento da dosimetria, deverá definir qual é a fração de aumento que será
imposta (1/3, 1/2, 2/3 etc.). Essa escolha deverá ser fundamentada e levará em
consideração a “relevância do resultado gravoso”. Assim, por exemplo, se o idoso teve
um prejuízo patrimonial muito elevado, o magistrado poderá utilizar essa
circunstância para impor um aumento no patamar de 2/3. 

Elemento subjetivo
Para que o autor responda pelas causas de aumento de pena é indispensável que
exista dolo (consciência e vontade), ou seja, é necessário que o agente saiba que, no
caso concreto, está sendo utilizado um servidor mantido no exterior ou que a vítima
seja idosa ou vulnerável.

Rogério Sanches foi quem alertou para essa exigência:

“Note-se, por fim, que a majoração da pena pressupõe a ciência das circunstâncias
referidas no § 4º-C. O autor da subtração deve ter conhecimento de que sua conduta
se vale de conexão internacional. Ou deve saber que a vítima é idosa ou vulnerável, o
que nem sempre ocorrerá, em razão das circunstâncias dos crimes cibernéticos, nos
quais muitas vezes o criminoso não tem nenhum contato – nem mesmo remoto – com
sua vítima.” (CUNHA, Rogério Sanches. Lei 14.155/21 e os crimes de fraude digital:
primeiras impressões e reflexos no CP e no CPP. Disponível em
https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2021/05/28/lei-14-15521-e-os-
crimes-de-fraude-digital-primeiras-impressoes-e-reflexos-no-cp-e-no-cpp/)

Furto qualificado (art. 155, § 5º, do CP):

Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:

§ 5º - A pena é de reclusão de 3 (três) a 8 (oito) anos, se a


subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado
para outro Estado ou para o exterior.
APOSTILA 1 DIREITO PENAL – PARTE ESPECIAL - 4° SEMESTRE
O objeto da ação delituosa é o veículo automotor, entendendo-se este como o que
se movimenta a partir de acessório mecânico acoplado especialmente para tal fim
(automóvel, motocicleta, avião, lancha etc.).

A pena será de 3 a 8 anos de reclusão se o furto for de veículo automotor que


venha a ser transportado para outro Estado ou país.

Pressupõe dois requisitos:

a) Que desde o momento do furto já exista a intenção de transportar o bem para


outro estado ou país.

b) Que o agente consiga cruzar a divisa com outro Estado ou a fronteira com outro
país (este requisito decorre da forma como está redigido o dispositivo). Se o
agente furta um veículo (USANDO CHAVE FALSA) a fim de levá-lo para outro
Estado, mas algumas horas depois é preso antes de cruzar a divisa, temos furto
consumado, porém sem a qualificadora do §5º, porque o réu não cruzou a divisa,
o que é um resultado exigido pela lei para a configuração da qualificadora. Deve-
se salientar que, neste caso, o furtador tinha usado uma chave falsa e, por isso,
deverá ser reconhecida a qualificadora da chave falsa. Por outro lado, se o ladrão
conseguisse cruzar a divisa, nasceria a qualificadora do §5º, que, por ter pena
maior, torna inócua e inaplicável a qualificadora da chave falsa.

Observação: quando um mesmo crime tem duas qualificadoras com penas


diferentes, a pena maior afasta a menor.

Artigo 155, §6°, do CP


Foi publicada a Lei nº 13.330/2016, alterando o Código Penal para tipificar,
de forma mais gravosa, os crimes de FURTO e de RECEPTAÇÃO de
semovente domesticável de produção.
Em outras palavras, a Lei nº 13.330/2016 aumentou a pena para quem
furtar ou praticar receptação de "semovente domesticável de produção".
Veremos abaixo algumas impressões iniciais sobre as principais mudanças
operadas pela nova Lei.

NOÇÕES GERAIS

Antes de tudo, a primeira pergunta a ser respondida é a seguinte: o


que é um "semovente"?

No direito, as coisas podem ser divididas em:

a) BENS IMÓVEIS: são aqueles que não podem ser transportados de um


lugar para outro sem que percam a sua substância ou a sua destinação
econômico-social. Ex: uma casa.

b) BENS MÓVEIS: são aqueles que podem ser movimentados de um lugar


para outro sem que se altere a natureza ou a sua destinação econômico-
social. Ex: um carro, um celular etc.

c) BENS SEMOVENTES: são aqueles que possuem movimento próprio, ou


seja, podem movimentar-se sozinhos.
APOSTILA 1 DIREITO PENAL – PARTE ESPECIAL - 4° SEMESTRE
Obs: o art. 82 do Código Civil traz um conceito genérico de bens móveis
que acaba abrangendo também os semoventes. No entanto, é importante
saber que existe esta diferença: bens móveis = podem ser transportados /
bens semoventes = podem se locomover sozinhos (por movimento
próprio).

Existem duas "coisas" que podem se movimentar sozinhas: os homens e os


animais. Ocorre que o homem não é coisa, e sim pessoa. Logo, para o
Direito a palavra semovente é utilizada, atualmente, como sinônimo de
animal. Como curiosidade, em um triste passado, na época da escravatura,
os escravos eram considerados "bens semoventes", em virtude de serem
classificados como “coisas” (e não pessoas).

Obs: os insetos e micro-organismos também podem se movimentar


sozinhos, mas não se enquadram no conceito de semoventes por não
serem suscetíveis de apreciação econômica.

Em suma, guarde o que prevalece: semovente = animal.

Espécies de semoventes:

Existem três espécies de semoventes:


• Animais selvagens.
• Animais domesticados (ou domesticáveis).
• Animais domésticos.

Semovente domesticável de produção

A Lei nº 13.330/2016 altera as penas do furto e da receptação envolvendo


"semovente domesticável de produção".

Semovente domesticável de produção é o animal que foi domesticado ou


que pode ser domesticado para ser utilizado como rebanho e/ou produção.
Em regra, incluem-se neste conceito os bovinos, ovinos, suínos, caprinos
etc.

O legislador, contudo, não fez restrições. Desta forma, ingressam no


conceito de semovente domesticável de produção animais diversos, a
exemplo de cães, gatos e aves, desde que contenham a finalidade de
produção, é dizer, sejam idôneos a gerar algum retorno econômico ao seu
titular, como se dá na criação de filhotes destinados à venda.

Não ingressam na nova proteção do Direito Penal:


• os animais selvagens. Exs: leão, tigre, girafa, elefante etc.
• os animais domésticos que não sejam voltados à produção.

Com essas considerações gerais, passamos a analisar as alterações.


Nova qualificadora: furto de semoventes domesticáveis de
produção
A Lei nº 13.330/2016 acrescentou o § 6º ao art. 155 do Código Penal
prevendo uma nova QUALIFICADORA para o crime de furto. Veja a redação
do parágrafo inserido:
APOSTILA 1 DIREITO PENAL – PARTE ESPECIAL - 4° SEMESTRE

§ 6º A pena é de reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos se a


subtração for de semovente domesticável de produção, ainda que
abatido ou dividido em partes no local da subtração.

Desse modo, se o agente subtrai semovente domesticável de produção (ex:


um boi, uma galinha, um porco, uma cabra etc.), ele não mais responderá
pela pena do caput do art. 155 do CP e sim por este § 6º.

Abigeato
O § 6º do art. 155 pune mais gravosamente o abigeato, que é o nome
dado pela doutrina para o furto de gado.
Importante destacar que o abigeato abrange não apenas o furto de
bovinos, mas também de outros animais domesticáveis, como caprinos,
suínos etc.
O agente que pratica abigeato é chamado de abigeator.
Não se pode confundir o abigeato com o abacto, que consiste no roubo de
bovinos, ou seja, na subtração mediante violência.

Animal abatido ou dividido em partes no local da subtração


Vale ressaltar que haverá a incidência da referida qualificadora ainda que o
larápio mate o semovente ou venha a dividi-lo em partes no local da
subtração. Destarte, pouco importa seja subtraído o animal vivo ou morto,
integralmente ou somente uma das suas partes. Em qualquer situação terá
incidência a figura qualificada prevista no art. 155, § 6º, do CP.

Se o agente subtrai uma peça de picanha de uma residência, de um


supermercado ou mesmo de um açougue, ela responderá pela nova
qualificadora do § 6º do art. 155?
Não. O § 6º aplica-se para o caso de furto de semovente “dividido em
partes no local da subtração”. Essa divisão deve ser efetuada pelo agente
no local em que furto é praticado.
Caso o animal tenha sido legitimamente dividido pelo seu proprietário e
suas diversas partes tenham seguido destinos diferentes, não se pode dizer
que ainda exista aí um semovente. Uma peça de picanha, de costela, de
maminha etc., isoladamente considerada, não pode ser equiparada a um
semovente.

O § 1º do art. 155 do CP prevê que a pena do furto deve ser


aumentada em um terço, se o crime é praticado durante o repouso
noturno. Essa causa de aumento de pena do § 1º, além de se
aplicar para os casos de furto simples (caput), pode também incidir
no caso de furto qualificado de semoventes (§ 5º)? Se o agente,
durante o repouso noturno, furta um semovente domesticável de
produção, deverá ter sua pena aumentada em um terço?
Para o STJ, a resposta é positiva, pois a causa de aumento de pena
prevista no § 1º pode ser aplicada tanto para os casos de furto simples
(caput) como para as hipóteses de furto qualificado.
Não existe nenhuma incompatibilidade entre a majorante prevista no § 1º e
as qualificadoras. São circunstâncias diversas, que incidem em momentos
diferentes da aplicação da pena.
APOSTILA 1 DIREITO PENAL – PARTE ESPECIAL - 4° SEMESTRE
Assim, é possível que o agente seja condenado por furto qualificado (§§ 4º
ou 6º do art. 155) e, na terceira fase da dosimetria, o juiz aumente a pena
em um terço se a subtração ocorreu durante o repouso noturno.
Nesse sentido: STJ - 5ª Turma. AgRg no AREsp 741.482/MG, Rel. Min.
Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 08/09/2015; STJ. 6ª Turma. HC
306.450-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em
4/12/2014 (Info 554).

O § 2º do art. 155 do CP prevê a diminuição da pena de um a dois


terços para os casos de furto de pequeno valor. É o chamado “furto
privilegiado”. É possível aplicar a redução do § 2º do art. 155 para
o condenado pelo furto qualificado de semoventes (§ 6º)?
SIM. É possível desde que estejam preenchidos os requisitos do § 2º
(primariedade e pequeno valor da coisa). Isso porque a qualificadora do §
6º é de natureza objetiva. Logo, não há incompatibilidade em se
reconhecer, neste caso, o chamado “furto privilegiado-qualificado”, também
conhecido como “furto híbrido”.

Aplica-se à presente situação o seguinte enunciado do STJ:

Súmula 511-STJ: É possível o reconhecimento do privilégio previsto no § 2º


do art. 155 do CP nos casos de crime de furto qualificado, se estiverem
presentes a primariedade do agente, o pequeno valor da coisa e a
qualificadora for de ordem objetiva.

O que acontece se o agente subtrai semovente domesticável de


produção praticando, ainda, alguma das condutas previstas no § 4º
do art. 155 do CP? É possível a cumulação dos §§ 4º e 6º do art.
155?
SIM. É o que acontece, por exemplo, no caso do agente que, mediante o
rompimento cerca do curral, furta uma vaca (art. 155, § 4º, I c/c § 6º).

Nesta hipótese teremos um furto duplamente qualificado.


A pena em abstrato será a prevista no § 4º do art. 155 (de dois a oito
anos) e a qualificadora descrita no § 6º será utilizada pelo magistrado
como circunstância judicial desfavorável na primeira fase da dosimetria da
pena (art. 59 do CP).

É possível aplicar o princípio da insignificância para o furto de


semovente domesticável de produção mesmo agora esta conduta
sendo considerada como furto qualificado (§ 6º do art. 155)?
SIM. Em regra, o STJ não aplica o princípio da insignificância para o furto
qualificado. É o caso, por exemplo, do art. 155, § 4º, I do CP (furto com
rompimento de obstáculo). Afirma-se que o rompimento de obstáculo para
a prática do crime de furto denota a maior reprovabilidade da conduta do
agente e afasta, por conseguinte, a incidência do princípio da insignificância
(STJ. 6ª Turma. AgRg no AREsp 746.011/MT, Rel. Min. Rogerio Schietti
Cruz, julgado em 05/11/2015).

Esta justificativa do STJ, contudo, não se aplica para a nova qualificadora


do § 6º do art. 155.
APOSTILA 1 DIREITO PENAL – PARTE ESPECIAL - 4° SEMESTRE
A qualificadora do § 6º não existe porque o modo de execução do crime
seja mais grave nestes casos. A nova previsão foi inserida unicamente com
o objetivo de conferir “maior proteção” penal para um determinado bem
jurídico (animais destinados à produção), não havendo, porém, maior
reprovabilidade nesta conduta.

Assim, o simples fato de se furtar um semovente domesticável de produção


não traz nenhuma circunstância especial ou mais gravosa que determine,
por si só, a proibição de se aplicar o princípio da insignificância.
Para que incida o princípio da insignificância, é necessário que estejam
presentes os seguintes requisitos construídos pela jurisprudência do
STF/STJ:
a) mínima ofensividade da conduta;
b) nenhuma periculosidade social da ação;
c) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e
d) inexpressividade da lesão jurídica provocada.

A conduta descrita no § 6º do art. 155, a depender do caso concreto, pode


ser compatível com os requisitos acima listados, não havendo proibição, em
abstrato, para a aplicação do referido princípio.
Desse modo, se um agente, primário, com bons antecedentes, furta, com o
objetivo de alimentar-se, uma galinha de uma enorme granja, por
exemplo, não vemos dúvidas em se aplicar o princípio da insignificância.
Inúmeros outros exemplos podem ser imaginados.

FURTO QUALIFICADO EM CASO DE SUBTRAÇÃO DE SUBSTÂNCIA EXPLOSIVA


A Lei nº 13.654/2018 acrescentou também o § 7º ao art. 155 do Código Penal
prevendo outra QUALIFICADORA para o crime de furto. Veja a redação do parágrafo
inserido:
§ 7º A pena é de reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos e multa, se a
subtração for de substâncias explosivas ou de acessórios que, conjunta ou
isoladamente, possibilitem sua fabricação, montagem ou emprego.

Substância explosiva “é aquela capaz de provocar detonação, estrondo, em razão da


decomposição química associada ao violento deslocamento de gases.” (MASSON,
Cleber. Código Penal comentado. São Paulo: Método, 2014, p. 685).

Aqui o agente é punido por furtar uma substância explosiva ou acessório que,
conjunta ou isoladamente, possibilite sua fabricação, montagem ou emprego. Ex:
sujeito que furta uma banana de dinamite.

Você também pode gostar