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O Silêncio Como Prova Desfavorável ao Réu

Igor Bezerra Freitas1

RESUMO
O presente estudo busca realizar uma análise histórica, jurídica e literária
sobre o direito, princípio e garantia constitucional ao silêncio, tendo em vista que,
mesmo salvaguardado como cláusula fundamental, não raras vezes sofre
relativizações por parte de alguns agentes públicos. Assim, tal garantia visa que
qualquer pessoa que seja acusado formal ou informalmente da prática de uma
infração penal tenha a oportunidade de não produzir provas contra si mesmo, em
juízo ou fora dele, seja com eventuais declarações, seja com a pratica de ações
perante o poder público ou ainda, mesmo que já tenha iniciado qualquer ação, ter o
direito de cessar, total ou parcialmente, suas alegações. Direito esse que, malgrado
já fosse positivado no código de processo penal (CPP) de 1941, anterior à nova
ordem constitucional, foi reafirmado como clausula pétrea dentro dos direitos
fundamentais no atual diploma constitucional de 1988.
Palavras-chave: Direito ao Silêncio; Processo Penal; Direito Fundamental

ABSTRACT
The present study seeks to carry out a historical, legal and literary analysis of
the right, principle and constitutional guarantee to silence, considering that, even
though it is safeguarded as a fundamental clause, it is not uncommon for some
public agents to relativize it. Thus, such guarantee aims that any person who is
formally or informally accused of the practice of a criminal offense has the
opportunity not to produce evidence against himself, in court or out of it, either with
eventual statements, or with the practice of actions before the public power or even,
even if it has already started any action, have the right to cease, totally or partially, its
allegations. This right, despite having been confirmed in the penal procedure code
(CPP) of 1941, prior to the new constitutional order, was reaffirmed as an essential
clause within fundamental rights in the current constitutional law of 1988.
Key words: Right to Silence; Criminal Proceedings; Fundamental Right.

INTRODUÇÃO

Historicamente, a Constituição Republicana de 1988 (CF) foi a primeira que


consagrou o direito ao silêncio como norma constitucional, inserindo-o
expressamente dentro do rol de direitos fundamentais do artigo 5º da referida carta
magna. Entretanto, o Código de Processo Penal (CPP) de 3 de outubro de 1941,

1
Graduando em Direito das Faculdades Integradas do Ceará (UniFIC).
E-mail: igor.freitasdm279@gmail.com
1
atualmente em pleno vigor, por sua vez, já previa o direito ao silêncio do acusado
em seu artigo 186:
“Art. 186.  Antes de iniciar o interrogatório, o juiz
observará ao réu que, embora não esteja obrigado a responder às
perguntas que Ihe forem formuladas, o seu silêncio poderá ser
interpretado em prejuízo da própria defesa.” (BRASIL, 1941)

Cuida-se de analisar que, em uma interpretação literal do referido


dispositivo, o indivíduo ao realizar o exercício desse direito na verdade estaria
agindo em seu próprio prejuízo, vez que, caso o suposto violador da norma
incriminadora o invocasse poderia o julgado interpretar aquele silêncio em seu
prejuízo. Indubitavelmente, o supracitado artigo vicejou grande discussão tanto na
doutrina como nos próprios tribunais, tendo em vista que esse dispositivo
inviabilizaria diretamente a efetividade material do direito colocando em xeque a
próprio “mens legislatoris”, ou seja, o espirito da lei.
Diante disso, em 1988, com a nova ordem constitucional consagrando em
seu artigo inaugural, como fundamento da República Federativa do Brasil, à
dignidade da pessoa humana e dentro do seu rol de direitos fundamentais o direito
ao silêncio (Art. 5º, LXIII CF/88), o supramencionado artigo 186 do CPP acabou
sendo tacitamente revogado, ou melhor, não recepcionado pela filtragem
constitucional.
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida,
à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes:
“LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os
quais o de permanecer calado (...).” (BRASIL, 1988)

Nesse sentido, no ano de 1992, por meio do Decreto nº 678 De 6 De


Novembro De 1992, o Brasil internalizou como norma supralegal, mas
infraconstitucional a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São
José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969, da qual o país é signatário.
Diante disso, a mudança trouxe em seu texto a previsão de o acusado tem o “direito
de não ser obrigado a depor contra si mesmo, nem a declarar-se culpado” (artigo 8º,
2, “g”), mostrando-se tal previsão expressamente o direito à não autoincriminação.
Todavia, em que pese a orientação da lei maior seja datada de 1988,
somente no ano de 2003 com o advento da Lei nº 10.792, a qual reformou o código
de processo penal, o direito ao silêncio pode ser exercido com em sua real
finalidade:
“Art. 186. Depois de devidamente qualificado e
cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será informado
pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de
permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem
formuladas.
Parágrafo único. O silêncio, que não importará em
confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa.”
(BRASIL, 1941)

2
Destarte, por esse princípio, o réu, investigado ou acusado não é obrigado a
responder as perguntas que lhe são feitas, podendo até mesmo mentir em juízo ou
ainda, negar-se a fornecer, quando solicitado, material para exames de DNA - ácido
desoxirribonucleico, não estando obrigado a submeter-se às perícias grafotécnicas,
a participar de eventuais reproduções simuladas dos fatos, ou mesmo de se
submeter a exames de alcoolemia (bafômetro).
Contudo, como bem anota Norberto Avena (2020), não faz parte desse
direito negar-se a responder, ou mesmo que responda, fazê-lo mentirosamente, ao
ser perguntado sobre sua respectiva qualificação pessoal, ou ainda, se faça passar
por uma terceira pessoa ou mesmo por uma pessoa inexistente, gerando severos
danos ao cerne teleológico do processo ou da própria percussão criminal.
Nesse sentido, oportuna é a transcrição do verbete de número 522 da
súmula de jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) lecionando que “a
conduta de se atribuir falsa identidade perante autoridade policial é típica, ainda que
em situação de alegada autodefesa”.
Diante disso, percebe-se que o silêncio total quanto aos fatos não pode ser
usado em prejuízo do investigado/acusado. - Embora, nesse caso, ele perca a
oportunidade de trazer à apreciação do magistrado fatos que poderiam ser
favoráveis a ele.
Ademais, é imperioso destacar que, atualmente, segundo a Lei nº 13.869, de
5 de setembro de 2019 que dispõe sobre os crimes de abuso de autoridade,
constituí de abuso de autoridade prossegue com o interrogatório de pessoa que
tenha decidido exercer o seu o direito ao silêncio:
“Art. 15. Constranger a depor, sob ameaça de prisão,
pessoa que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão,
deva guardar segredo ou resguardar sigilo:
Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem
prossegue com o interrogatório:
I - De pessoa que tenha decidido exercer o direito ao
silêncio.” (BRASIL, 2019)

Não obstante, Imagine, hipoteticamente, que ao ser indagado em juízo sobre


a materialidade ou autoria de uma infração, o réu nega a autoria do fato e diz que
estava em outra cidade na época do crime. Não obstante, ao ter seu álibi negado
por testemunhas e confrontado pelo magistrado, ele se cala. Ora, no caso em tela,
ele respondeu ao juiz qual era a sua localização, contudo, ao ser contrariado,
preferiu exercer seu direito ao silêncio, nesse caso, o silêncio parcial poderia ser
valorado em prejuízo ao depoente?

METODOLOGIA

Na tentativa da responder a esse questionamento, realizou-se um estudo


exploratório e qualitativo por meio de uma pesquisa bibliográfica nas principais

3
bases de dados presentes na rede mundial de computadores, Scientific Electronic
Library Online (SciELO) e o Google Scholar (Google acadêmico).

DISCURSÃO

O direito ao silencio, segundo Fabio Roque Araújo e Nestor Távora, consiste


em um desdobramento logico do postulado “nemo tenetur se detegere”, traduzindo
literalmente: “não produzir provas contra si mesmo”, também nomeado pela doutrina
como princípio do estado de inocência ou ainda da presunção de inocência.
Diante disso, segundo Claus Roxin (2003), o silencio no âmbito processual,
exercido parcialmente, pode ser dividido em vertical e horizontal. Nesse particular, o
silêncio parcial horizontal é exercido em momentos diferentes de inquirição, nele o
acusado silencia totalmente em um dos interrogatórios, mas em outro momento
decide falar tudo, nesse caso, o silencia não poderá ser usado em desfavor da
defesa do acusado.
Todavia, no silêncio parcial vertical, o agente no mesmo depoimento
responde algumas perguntas e silencia quanto a outras, escolhendo, portanto, aquilo
que deseja responder e esclarecer ou mesmo de qual sujeito processual irá
responder (Juiz, Promotor ou Defensor), podendo responder somente as perguntas
do seu advogado ou defensor e calar quanto as perguntas do ministério público.
Nesse caso, no silêncio parcial vertical não há impedimentos para que esse
silencio seja usado em seu desfavor, tendo em vista que ele decidiu depor,
tornando-se, portanto, um meio de prova, sendo indubitavelmente submetido à
persuasão cognitiva do juiz, ou seja, seu livre convencimento motivado pelas
declarações e pelo próprio silêncio do acusado.
Contudo, alerta a doutrina que nem todo silêncio parcial vertical será usado
em prejuízo, mas isso não exclui o fato de que o que foi dito pelo réu em um primeiro
momento unido a sua omissão dolosa pelo silêncio conveniente, serão considerados
em conjuntos pelo magistrado.

CONCLUSÃO

Em suma, face as considerações aduzidas, há de se perceber perfeitamente


que o silêncio total e aquele intitulado como parcial horizontal não são utilizáveis, por
si só, em prejuízo do réu. Contudo, no que se refere ao silencio parcial vertical, esse
será utilizado normalmente como meio de prova, tendo em mente que o agente que
escolheu depor, ainda que em parte, não pode escolher os efeitos que as provas
introduzidas no processo, ou seja, a declaração e a respectiva omissão, terão na
opinião do julgador, podendo, inclusive ser interpretado em prejuízo ao réu.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

4
ARAÚJO, Fábio Roque; TÁVORA, Nestor. Código De Processo Penal Para
Concursos. 11ª ed. – Salvador: Editora: Juspodivm. 2020.
AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo penal: esquematizado. 12.ª
ed. – Rio de Janeiro: Forense Método, 2020.
BRASIL, 1941. Decreto-Lei Nº 3.689, de 3 De outubro de 1941. Código de
Processo Penal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-
lei/del3689compilado.htm. Acessado em: 09/12/2020.
BRASIL, 2019. Lei Nº 13.869, De 5 De Setembro De 2019. Dispõe sobre os
crimes de abuso de autoridade. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13869.htm. Acessado
em: 09/12/2020.
BRASIL, Lei nº. 10.792, de 1º de dezembro de 2003. Altera o Código de
Processo Penal e dá outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2003/L10.792.htm#art185. Acessado em:
09/12/2020.
BRASIL. 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF:
Centro Gráfico, 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acessado em:
09/12/2020.
ROXIN, Claus. Derecho procesal penal. Tradução de Gabriela Córdoba e
Daniel Pastor. 1. ed. 2. reimp. Buenos Aires: Del Puerto, 2003.
STJ. 3ª Seção. REsp 1.362.524-MG, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior,
julgado em 23/10/2013 (recurso repetitivo), aprovada em 25/03/2015, DJe 6/4/2015.
Súmula 522.

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