Você está na página 1de 58

Myrcela Leal Cardoso

DIREITO AO SILÊNCIO NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO

Centro Universitário Unitoledo


Araçatuba – SP
2018
Myrcela Leal Cardoso

DIREITO AO SILÊNCIO NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO

Monografia apresentada como requisito parcial de


Conclusão de Curso para obtenção do Grau de Bacharel
em Direito, sob orientação do Prof. Dr. Renato Freitas

Centro Universitário Unitoledo


Araçatuba – SP
2018
Banca Examinadora

________________________________
Leliane Rodrigues da Sella e Motta

__________________________________
Paulo Roberto Cavasana Abdo

__________________________________
Renato Alexandre da Silva Freitas

2
RESUMO

O Direito Processual Penal Brasileiro prevê que mesmo o acusado é sujeito passível de
direitos, e embora haja confusão certa confusão entre a finalidade do Direito Processual
Penal e o Direito Penal, que é a manutenção da paz social, esta é uma ciência autônoma, de
cunho instrumental, detentora de princípios próprios, dos quais será destacado aquele que
nos é mais importante para realização deste trabalho, que é o princípio derivado do artigo 5º,
inciso LXIII, da Constituição Federal, o direito da não autoincriminação e dentro dele, o
direito de permanecer calado, ou seja, o direito ao silêncio. Será apresentada a sua
importância, sua evolução dentro da História e ainda as formas de violação, como por
exemplo, a tortura, seja ela física ou psicológica. Também serão expostos posicionamentos
de alguns doutrinadores, o entendimento jurisprudencial sobre sua extensão no Processo
Penal, e por fim, concluindo que o Direito ao Silêncio é um direito Público Subjetivo.

Palavras chave: silêncio; garantia constitucional; autoincriminação; direito público


subjetivo

3
ABSTRACT

The Brazilian Criminal Procedure Law provides that even the accused is subject to rights,
and although there is some confusion between the purpose of Criminal Procedural Law and
Criminal Law, which is the maintenance of social peace, this is an autonomous science,
instrumental, with its own principles, which will highlight the one that is most important to
us for this work, which is the principle derived from article 5, paragraph LXIII, of the
Federal Constitution, the right of non-self-incrimination and within it, the right to remain
silent, that is, the right to silence. It will be presented its importance, its evolution within
history and also the forms of violation, such as torture, be it physical or psychological. Also
will be exposed positions of some doctrinators, the jurisprudential understanding on their
extension in the Criminal Procedure, and finally, concluding that the Right to Silence is a
Subjective Public right.

Keywords: silence; constitutional guarantee; self-incrimination; subjective public law

4
Sumário

INTRODUÇÃO 7

I. A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO AO SILÊNCIO 9


1.1 Significado 9
1.2 Código de Hamurabi 10
1.3 Direito Hebraico 10
1.4 Grécia Antiga 12
1.5 Direito Canônico 12
1.6 Carta Magna (1215) 13
1.7 Constituição Americana de 1787 15
1.8 Direito Brasileiro 16

II. DIREITO AO SILÊNCIO E OS PRINCÍPIOS NORTEADORES NO PROCESSO


PENAL 18

2.1 Princípio da Não Autoincriminação 18

2.2 Princípio da Presunção de Inocência 19

2.3 Princípio da Ampla Defesa 20

2.4 Princípio do Contraditório 22

2.5 O Direito de Mentir 23

III. O DIREITO AO SILÊNCIO NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO 27


3.1 A alteração do Código de Processo Penal 27
3.2 A natureza jurídica do Interrogatório e o Direito ao Silêncio 28
3.3 A Relevância da Confissão 34
3.4 A Prova Ilícita 37
3.5 Tortura Física 38
3.6 Tortura Psicológica 39
3.7 O uso de Meios Científicos Contra o Acusado 41
3.8 Direito ao Silêncio no Tribunal do Júri 41
3.9 Da Extensão do Direito ao Silêncio 43
3.10O Direito ao Silêncio e a Testemunha 45
5
IV.O DIREITO AO SILÊNCIO NO PROCESSO PENAL MILITAR BRASILEIRO 47
4.1 Artigo 305 do Código de Processo Penal Militar e o Direito ao Silêncio 47
4.2 Direito Castrense. 47
4.3 Conflito entre a norma vigente e a norma válida 48

CONCLUSÃO 51

REFERÊNCIAS 53

6
INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por finalidade demonstrar a evolução da Garantia


Constitucional referente ao Direito ao Silêncio na improdução de provas contra si, garantia
esta adquirida com a Constituição Federal de 1988, inspirada nos princípios democráticos
em seu artigo 5°, inciso LXII, trouxe para a pessoa acusada da prática de um crime, a
garantia legal do Direito ao Silêncio. Anteriormente às modificações da Lei 10.792/2003, o
código de Processo Penal reconhecia esse direito, porém, quando invocado pelo acusado,
este seria usado em seu prejuízo.
Cabe salientar, que o presente estudo tem como figura principal o Direito ao
Silêncio, como pilar do Princípio da não auto incriminação, Nemo tenetur se detegere ou
Nemo tenetur se ipsum accusare ou Nemo tenetur se ipsum prodere, garantia esta estendida
a testemunha, não só ao indiciado ou suspeito, portanto ninguém poderá produzir prova
contra si, e ainda, se o indivíduo não for informado dessa garantia antes do interrogatório, o
processo poderá ser anulado.
O trabalho demonstrará a evolução histórica do direito ao silêncio, que pode ser
observado ainda que timidamente no Código de Hamurabi, no Direito Hebraico e em outros
momentos da história da humanidade, mesmo esse direito muitas vezes desrespeitado, a
confissão por vezes era obtida por meio de tortura, o acusado não era visto como um sujeito
de direitos, mas como objeto do processo, sofrendo abusos por parte das autoridades.
Para sua melhor compreensão, foram abordados além da garantia ao silêncio, outros
princípios, tais como presunção de inocência, direito ao contraditório e ampla defesa, e ainda
o direito de negar ainda que falsamente, a prática do ato, do delito, do crime.
O direito ao silêncio é uma conquista para o ordenamento jurídico, e para isso foi
percorrido um grande caminho para seu reconhecimento, não só na Constituição Federal do
Brasil de 1988, mas também no Pacto de San Jose da Costa Rica, presente também em
Constituição de outros países, tais como a do Japão e também da Inglaterra.
Outro assunto de grande importância nesse trabalho é a produção de provas ilícitas,
principalmente no que tange a produção de confissões obtidas por meio de tortura, suas
consequências, e ainda, outros métodos até científicos que são com a finalidade de violar o
direito do acusado de não se autoincriminar, e a possibilidade de violação do direito ao
silencio no tribunal do júri.

7
Foram utilizados como método a pesquisa a empírica, realizando pesquisas em
artigos, doutrinas, internet, até mesmo Acórdãos e jurisprudências
Por fim, será demonstrada a conclusão do direito ao silêncio, a possibilidade dela ser
usada, e ainda o que a doutrina e a jurisprudência pensam a respeito do assunto.

8
I. A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO AO SILÊNCIO

O Direito ao Silêncio não foi uma inovação do nosso sistema jurídico. Ele há tempos
permeia o Direito, alcançando as primeiras civilizações, sendo possível a sua constatação
por meio dos escritos ainda existentes e conhecidos do Mundo Ocidental.
Veremos que de maneira muitas vezes tímida, muitas vezes marcante, essa Garantia
Fundamental sempre esteve presente e buscada para que fosse possível aplicar a “Justiça
Justa”. Para início da explanação, será necessário esclarecer seu significado, bem como se
apresentou nas diversas civilizações.

1.1 Significado

A palavra silêncio etimologicamente teve sua origem do idioma grego, no qual a


palavra “silentium” que se refere a “silens” que significa que se cala, que não faz ruído,
calmo, etc. É o estado daquele que se abstém de falar, de quem se cala, privação voluntária
ou não de falar, de pronunciar qualquer palavra ou som. O significado do vocábulo silêncio,
pode, portanto, ser analisado por diversos aspectos, sejam eles o lingüístico, psicológico,
sociológico, cabendo conotações diferentes, quando analisado sob o prisma do Direito Civil,
Direito Administrativo.
O silêncio “em si é um ato negativo em relação ao falar, sendo consequentemente, a
abstenção de falar” (LOPES, 1994, p. 139). Compreender o significado do silêncio e de
quem dele faz uso, sempre foi algo interessante, de acordo com o ramo da ciência jurídica.
No presente trabalho, o silêncio será analisado sob o prisma do Direito Processual
Penal, como um direito, uma garantia assegurada na Lei Maior, a Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988, porém não deixará de ser citado o silêncio sob o prisma do
Direito Processual Penal Militar.
O Direito ao Silêncio é uma garantia fundamental, a liberdade de declaração é uma
expressão fundamental do direito contra autoincriminação. E como dito anteriormente, o
Direito ao Silêncio, não é uma inovação do nosso sistema Jurídico e sim uma evolução
histórica, já presente nas primeiras civilizações, como será descrito posteriormente.

9
1.2 Código de Hamurabi

O Código Hamurabi, ou ainda Código Hamurábi ou Hammurabi, representa um


conjunto de leis escritas, oriundos da Mesopotâmia, e é um dos exemplos mais bem
preservados, escrito aproximadamente entre 1726 e 1686 A.C, é o “monumento jurídico
mais importante da antiguidade antes de Roma” (GILISSEN, 2003, p. 29).
Para o Código de Hamurabi não havia regra jurídica que exigisse confissão do
acusado, e caso não houvessem provas (flagrante, documentos ou testemunhas), o acusado
poderia jurar em nome de Deus e apresentar sua versão dos fatos como defesa, conforme os
parágrafos 20, 103, 131, 206, 227, 249 e 281, respectivamente:
- Se o escravo foge àquele que o apreendeu, este deve jurar em nome de Deus ao
dono do escravo e ir livre.
- Se, durante a viagem, o inimigo lhe leva alguma coisa do que ele conduz
consigo, o comissionário deverá jurar em nome de Deus e ir livre.
- Se a mulher de um homem livre é acusada pelo próprio marido, mas não
surpreendida em contato com outro, ela deverá jurar em nome de Deus e voltar à
sua casa.
- Se alguém bate um outro em rixa e lhe faz uma ferida, ele deverá jurar : "eu não
o bati de propósito", e pagar o médico.
- Se alguém engana um tosquiador e o faz imprimir a marca de um escravo
inalienável, se deverá matá-lo e sepultá-lo em sua casa. O tosquiador deverá jurar :
"eu não o assinalei de propósito", e irá livre.
- Se alguém aluga um boi e Deus o fere e ele morre, o locatário deverá jurar em
nome de Deus e ir livre
- Se são nascidos em outro país, o comprador deverá declarar perante Deus o preço
que ele pagou e o proprietário deverá dar ao negociante o dinheiro pago e receber
o escravo ou a escrava. (PRADO, 2007)

Como demonstrado, não havia imposição de nenhuma espécie de coação física para
que se confessasse a prática de algum ato criminoso, não havendo nenhuma espécie de
tortura para o acusado, a este bastava só fazer um juramento em nome de Deus e dizer a
verdade, podemos portanto, concluir que o Código de Hamurabi foi a legislação mais antiga,
que apresentou a ideia do direito de não autoincriminar.

1.3 Direito Hebraico

Outra constatação do Direito ao Silêncio, o direito da não autoincriminação, está


presente no Direito Hebraico Antigo, que é o direito dado por Deus ao seu povo, por meio
10
de Moisés, sendo suas normas imutáveis, tendo portanto, forte base religiosa. Essa
característica também é encontrada no direito muçulmano e no direito canônico, em que os
rabinos ou sacerdotes, respectivamente, são dotados de autoridade para interpreta-los.
Por ser um conjunto de leis, regras dadas por Deus, não há muitos registros para
serem estudados, pois a evolução social acabava por adaptar essas regras, que eram
transmitidas oralmente, pois se baseavam num conjunto de costumes e normas morais. O
seu estudo hoje só é possível por meio da Torah que nada mais é que um livro de relatos
históricos.
Posteriormente ao registro das suas leis positivadas na Torah, houve uma mudança
na transmissão das normas morais e costumes, fazendo seus registros escritos derivando no
Talmud.
É em citações do Talmud que é possível constatar a abrangência dos capítulos, que
discorriam sobre crimes, família, moral, e a menção do Direito ao Silêncio, “O homem que
cometeu um erro e se sente envergonhado tem a sua falta perdoada.” (WIKIQUOTE, 2014).
Outra citação relevante para a demonstração do Direito ao Silêncio no Direito
Hebraico, principalmente no livro Êxodo, “Pela boca de duas ou de três testemunhas, será
morto o que houver de morrer; pela boca duma só testemunha não morrerá [...]”
(WIKIPEDIA, 2016)
Há entendimento de alguns autores de que o direito ao silêncio pode ser encontrado
no Velho Testamento (Bíblia Sagrada), fundamenta-se esta informação na inexistência de
disposições sobre a prática de tortura ou confissão por parte do acusado.
Percebe-se também que havia o depoimento das testemunhas para a comprovação da
autoria atribuída a alguém pela prática de crime. Assim entende-se que a prova testemunhal
reforça a tese de inexistência de tortura, e pela não obrigatoriedade de confissão.
Na visão de Jorge Alberto Romeiro (1942 apud PEREIRA, 2012), o Direito hebraico
já observava o princípio da não autoincriminação, pois considerava “a confissão proferida
pelo acusado como aberrante da natureza humana, ou decorrente de um estado de loucura
transitória”.
Para efeitos de condenação do acusado, não era observado exclusivamente à
confissão, mas sim todo o conjunto probatório, portanto não havia necessidade da confissão.

11
1.4 Grécia Antiga

Na Grécia Antiga, o direito contra a autoincriminação conforme Gisele Pereira


Mendes (2012, p. 30) “não floresceu”, o processo criminal na época era oral, público, e o
acusado tinha o compromisso de comparecer ao julgamento para depor, tinha o
compromisso de dizer a verdade, as testemunhas também deveriam prestar esse juramento,
inclusive.
Os Gregos faziam distinção de crimes privados e públicos. Os mesmos tinham o
entendimento que os crimes privados não eram importantes, já que não atingiam o Estado.
Estes crimes dependiam de iniciativa da parte ofendida.
O processo penal era com debates orais e públicos, e tinha como característica a
participação direta de cidadãos, tanto no exercício da jurisdição quanto na acusação, havia
tortura e esta era aplicada aos escravos, pois havia o entendimento de ser indigna a sua oitiva
de outra forma. Tal prática foi também estendida aos homens livres.
O Direito Processual Penal da época mostrava-se incompatível com a contra a
autoincriminação.

1.5 Direito Canônico

No Direito Canônico, o Tribunal Eclesiástico, possuía como finalidade investigar e


punir os hereges, a gestão das provas é exclusiva a figura do magistrado, neste caso,
representada pelos membros do clero. Ele é caracterizado por ser um direito religioso, este
extraia suas regras e preceitos da Bíblia Sagrada (Velho e Novo testamento), preocupava-se
com matérias relacionadas a religião, porém, isso foi ampliado posteriormente.
Nessa espécie de sistema, as funções de julgar, acusar e defender se concentravam
todas na pessoa do juiz, o juiz julga e defende, é um sistema rígido, não dava nenhuma
garantia, o sujeito, neste caso, o acusado, é visto como um objeto no processo, que era
submetido a vontade do Estado, que poderia tomar sua liberdade, seu corpo, restringir seus
direitos, não há como mencionar a existência do direito ao silêncio, ele simplesmente não
existe, pois constitui um obstáculo ao poder.

12
O Papa Inocêncio III no ano de 1199 publicou a Bula Vergentis in Senium o qual
equiparava as Heresias aos crimes de Lesa-majestade, sendo assim, criava uma base para a
aplicação de pena de morte.
A maneira utilizada para definir a culpa ou a inocência nesta época histórica, era a
utilização do:
“Ordálio ou ordália, também conhecida como juízo de Deus (judicium Dei,
em latim), é um tipo de prova judiciária usado para determinar a culpa ou a
inocência do acusado por meio da participação de elementos da natureza e cujo
resultado é interpretado como um juízo divino . (WIKIPEDIA, 2018).

No IV Concílio de Latrão em 1215, foi proibido que o clero cooperasse com os


julgamentos pelo fogo e pela água, substituindo-os pela com purgação (um misto de
juramento e testemunho).
Nas palavras de Gisele Pereira Mendes, o IV Concilio de Latrão, estabeleceu um
divisor de águas no sistema probatório, rompendo com os juízos de Deus (2012, p; 38)
O processo inquisitorial que a princípio se preocupava com assuntos religiosos,
transmuda-se no inquisitorial comum ampliando sua jurisdição para todos os delitos e
difundindo-se por toda a Europa.
Gisele Mendes Pereira (2012, p. 27) leciona da seguinte maneira:
Para seu desenvolvimento, assim como todos os demais direitos inerentes ao ser
humano, inúmeras vidas pereceram; milhares, provavelmente milhões de pessoas
padeceram com torturas, mutilações e outras atrocidades.

Com este cenário, podemos observar que no decorrer do tempo houve evolução do
conceito do Direito ao Silêncio, porém um alto preço foi pago, vidas pereceram, pessoas
foram torturadas, mutiladas e mortas.

1.6 Carta Magna (1215)

Outro momento histórico que influenciou a evolução do conceito do Direito ao


Silêncio, foi a assinatura da Carta Magna, que é um dos pilares da Constituição Inglesa. Ela
trouxe parâmetros ao devido processo legal, conscientizando a respeito dos Direitos
Humanos, pois representava uma maneira de conter o poder absoluto do soberano.

13
Para contextualizá-la, a Carta Magna, foi assinada em junho de 1215, pelo então Rei
da Inglaterra, conhecido como João Sem Terra, após desentendimentos com o Papa e os
barões ingleses em virtude de vários fracassos, documento este que limitava o poder dos
monarcas da Inglaterra, o seu inclusive, onde reconhecia que ninguém e nem mesmo as
vontades do rei estaria acima da lei, impedindo assim o poder absoluto, assegurando
garantias para um universo restrito de pessoas.
Essa limitação do poder absoluto, assegurava a liberdade, bem como um processo
criminal mais justo, voltados para a busca da verdade, como exemplificado no seu artigo 39,
“Nenhum homem livre será preso, aprisionado ou privado de uma propriedade, ou tomado
fora-da-lei, ou exilado, ou de maneira alguma destruído, nem agiremos contra ele ou
mandaremos alguém contra ele, a não ser por julgamento legal dos seus pares ou pela lei da
terra”. O artigo seguinte, o 40, “A ninguém venderemos, a ninguém recusaremos ou
atrasaremos direito ou justiça”. Como demonstrado, a Carta Magna trouxe referências ao
devido processo legal, trazendo também a conscientização a respeito dos Direitos Humanos,
deixando de certa maneira implícito o pensamento de que alguns direitos são inerentes ao
homem, os quais nem mesmo um Rei poderia privá-los.
Tal importância documental é de grande valia para a sociedade atual, fato este
discorrido por Manoel Gonçalves Ferreira Filho:

Se essa Carta, por um lado, não se preocupa com os direitos do Homem, mas sim
com os direitos dos ingleses, decorrentes da imemorial law of the land, por
outro, ela consiste na enumeração de prerrogativas garantidas a todos os súditos da
monarquia. Tal reconhecimento de direitos importa numa clara limitação do poder,
inclusive com a definição de garantias específicas em caso de violação dos
mesmos. (...) Note-se que na Magna Carta aponta a judicialidade um dos
princípios do Estado de Direito, de fato, ela exige o crivo do juiz relativamente à
prisão do homem livre. (...) Nela igualmente está a garantia de outros direitos
fundamentais: a liberdade de ir e vir (n. 41), a propriedade privada (n. 31), a
graduação da pena à importância do delito (n. 20 e 21). Ela também enuncia a
regra 'no taxation without representation' (n. 12 e 14). Ora, isto não só
provocou mais tarde a institucionalização do Parlamento, como lhe serviu de
arma para assumir o papel de legislador e de controlador da atividade
governamental.(1995, 11-12)

Diante da exposição, não é redundante citar que a Carta Magna é o documento que
proporcionou condições para que a liberdade e o direito civil pudessem se edificar, o direito
conta a autoincriminação foi prestigiado e com isso levou a extinção de diversas formas de
torturas, atos característicos do interrogatório inquisitório.

14
1.7 Constituição Americana de 1787

O Federalismo foi instituído definitivamente com o advento da Constituição


Americana no ano de 1787. É a lei fundamental dos Estados Unidos e serve como
referência ao mundo Ocidental. É a Constituição escrita mais antiga ainda em uso.
No ano de 1791 foram incorporadas 10 (dez) emendas à Constituição (United States
Bill of Rights), em 1868 foi aprovada pelo Congresso Americano a Emenda XIV, esta é de
especial relevância para o processo penal, pois limitava os poderes do governo federal dos
Estados Unidos, protegendo os direitos de todos os cidadãos, residentes e visitantes no
território americano.
Assim podemos dizer que ao lado da Constituição do país existem constituições e
leis estaduais, devido á descentralização peculiar do princípio federalista, com a
competência para os Estados Federados legislar sobre as normas de Direito Processual e
Material.
Com isso “às cortes judiciais, principalmente as federais, foi atribuída a função
garantidora dos direitos e liberdade civis, através da interpretação da Constituição Federal
no exame do caso concreto”. (SILVEIRA, 2001, p. 23)
O direito contra a autoincriminação está expressamente previsto na Emenda a
Constituição Federal inserida pela Declaração de Direitos:
Nenhuma pessoa será detida para responder por crime capital ou hediondo, a
menos que apresentada ou indicada por um grande Júri, exceto em casos
levantados perante as forças terrestres e navais, milícia, quando em efetivo serviço
em tempo de guerra ou perigo público; nem será a pessoa alguma sujeita à mesma
ofensa, colocando duplamente em risco sua vida ou parte do corpo; nem ser
compelida em qualquer caso criminal a ser testemunha contra si mesma, nem ser
privada da vida liberdade ou propriedade, sem o devido processo ; nem a
propriedade privada ser tomada para uso público sem justa compensação. (GAMA,
2005, p. 49)

Importante destacar que por um longo período prosperou o entendimento de que esse
benefício poderia ser utilizado apenas no âmbito federal, não sendo sua aplicação obrigatória
nos Estados Federados. A Declaração dos Direitos garante proteção a liberdade de
expressão, a liberdade religiosa, o direito de guardar e usar armas, a liberdade de assembléia
e a liberdade de petição. Ela proíbe a busca e a apreensão sem fundamentação, o castigo
cruel e incomum e a autoincrimação forçada. Dentre outras proteções legais proporcionada
pela Declaração dos Direitos, há a proibição do Congresso fazer qualquer lei em relação ao

15
estabelecimento de religião e proíbe o governo federal de privar qualquer pessoa da vida, da
liberdade ou da propriedade sem os devidos processos legais. Em casos de crime federal, é
requerida uma acusação formal por um júri de instrução, para qualquer ofensa capital ou
crime desprezível, infame, e a garantia de um julgamento público rápido com um júri
imparcial da localidade em que o crime ocorreu, e ainda a proibição de um duplo
julgamento.

1.8 Direito Brasileiro

A época do descobrimento do Brasil, houve já algum tipo de “aplicação de justiça”,


que devido a precariedade dos arquivos, ficou um pouco obscuro o seu estudo. Após a
vinda da Família Real para o Brasil, foi adotada a Constituição Portuguesa em sua totalidade
no território da Província, o que permaneceu após a Proclamação da Independência.
Na Constituição de 1824, em seu Título VIII, já determinava:
Das disposições gerais e garantias dos direitos civis e políticos dos cidadãos
brasileiros. [...]Art. 179. A inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos
cidadãos brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual e
apropriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte: [...]
n.18: Organizar-se-á, quanto antes, um código civil e criminal, fundado nas sólidas
bases da justiça e eqüidade; n. 19: Desde já ficam abolidos os açoutes, a tortura, a
marca de ferro quente, e todas as mais penas cruéis. (1824, p?)

O Brasil, neste período, acompanhava os ideais liberais já demonstrados no


Continente Americano, conforme já mencionado, bem como posicionamentos garantistas
europeus. Houve um acréscimo dos crimes praticados, que fez com que houvesse
necessidade de que se reformulassem alguns artigos, porém, na Proclamação da República,
houve sinalização de que os direitos fundamentais, continuariam garantidos na nossa
Constituição:
Art. 72. A Constituição assegura aos brasileiros e a estrangeiros residentes no país
a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à
propriedade, nos termos seguintes: [...] § 16. Aos acusados se assegurará na lei a
mais plena defesa, com todos os recursos e meios essenciais a ela, desde a nota de
culpa, entregue em 24 horas ao preso e assinada pela autoridade competente com
os nomes do acusador e das testemunhas. (1891, p?)

Conforme demonstrado, a evolução dos Direitos Fundamentais, embora apresentados


timidamente em nosso Ordenamento, evoluiu também, sendo que hoje é apresentado como
uma norma garantista em nosso Direito, sendo assegurado, a todo e qualquer cidadão
16
brasileiro, dentre os quais, posteriormente, elencaremos os princípios norteadores desta
Garantia Constitucional.

17
II. DIREITO AO SILÊNCIO E OS PRINCÍPIOS NORTEADORES
NO PROCESSO PENAL

Para clarear a extensão e abrangência do Direito ao Silêncio no Processo Penal


Brasileiro, é necessário que se faça uma explanação sobre seus princípios, que são as balizas
norteadoras desta Garantia Fundamental e facilitar o entendimento do posicionamento
adotado.

2.1 Princípio da Não Autoincriminação

O Princípio da não autoincriminação (Nemo tenetur se detegere ou Nemo tenetur se


ipsum accusare ou Nemo tenetur se ipsum proder) resguarda o direito do acusado de não
produzir provas contra si mesmo, este princípio é garantido pela atual Constituição Federal
Brasileira de 1988.
Por esse princípio, entende-se que ninguém é obrigado a se autoincriminar, ou ser
obrigado por qualquer autoridade, ou até mesmo por particular, a produzir provas contra si;
fornecer involuntariamente qualquer tipo de informação, declaração, ou dados que, ou objeto
de prova, que possa prejudica-lo ou incrimina-lo.
Em interessante artigo, Luiz Flávio Gomes, diz que:
O direito ao silêncio é só uma parte do direito de não autoincriminação: não se
pode nunca confundir a parte com o todo. O direito ao silêncio (direito de ficar
calado), previsto constitucionalmente (Art. 5º, inc. LXIII, da CF), constitui
somente uma parte do direito de não autoincriminaç$ao. Como emanações
naturais diretas desse direito (ao silêncio) temos: (a) o direito de não colaborar
com a investigação ou instrução criminal; (b) o direito de não declarar contra si
mesmo; (c) o direito de não confessar e (d) o direito de não falar a verdade (2010,
p?).

Portanto, o direito ao silêncio é uma parte do princípio da não autoincriminação.


Importante destacar o que aconteceu no Código de Trânsito Brasileiro que em um
primeiro momento foi alterado seu artigo 306, pela Lei 11.705/2008 (Lei Seca), passando
então a prever o crime de conduzir veículo automotor estando com a concentração de álcool
por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas.

18
Essa Lei acabou sendo ineficaz, a lei que era contrária ao princípio em comento, o
legislador mais uma vez reeditou a figura típica do artigo 306 do CTB, com a Lei 12.760/12,
onde o crime de trânsito passou a prever a conduta de dirigir com a capacidade psicomotora
alterada, que pode ser constatado por meio de teste de bafômetro, e também por meio de
prova testemunhal, Nestor Távora e col. (2013, p. 78) diz que “essa nova via probatória
dever respeitar o princípio da não autoincriminação”, conforme consta nesse trecho:
Apesar da nova redação típica e da previsão desta nova via probatória, deve-se
pontuar que a realização do exame clínico ou a constatação por meio do etilômetro
continuam devendo respeito ao direito a não autoincriminação – podendo as
demais constatações serem feitas mesmo sem a autorização do condutor.

Como podemos observar as leis devem respeitar o direito do acusado a não


autoincriminação.

2.2 Princípio da Presunção de Inocência

Este princípio surgiu pela primeira vez na Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão, de 1789, em seu artigo 9°, e posteriormente foi inserido em várias legislações,
entre elas: a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica),
em seu artigo 8°, consta também em nossa legislação, artigo 5°, inciso LVII, sendo mais
explícito, “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença
condenatória”.
É uma garantia processual penal da liberdade individual, muitos divergem a respeito
da nomenclatura dada a este princípio, alguns autores preferem defini-lo como “princípio do
estado de inocência” ou ainda “princípio da não culpabilidade”, referindo-se a situação do
acusado durante o trâmite do processo, ou seja, coibindo o Estado de tomar medidas que
igualem o acusado a um condenado.
A doutrina majoritária prefere definir o princípio em tela como “presunção de
inocência”, pois entendem que a intenção do legislador foi dar uma maior amplitude ao
mesmo, porque o Brasil ao ratificar pactos e convenções internacionais, que utilizam de
expressões diferentes do texto constitucional, conferindo-lhe então maior abrangência,
inclusive.
Por este princípio trouxe o entendimento de que o homem normalmente é inocente,
permitindo a sua presunção, sendo que a obrigatoriedade de provar cabe ao Estado, ao
19
acusador, a este cabe o intento de ter que provar o contrário. O acusado está portanto,
desobrigado a colaborar com a produção de provas, não sendo nem mesmo exigido que o
acusado comprove sua inocência, já que sua presunção é garantida pela Constituição
Federal. Neste sentido, Antônio Magalhães Gomes Filho (1997, p. 32), diz que o direito ao
silêncio:
Representa exigência inafastável do processo penal informado pela presunção de
inocência, pois admitir-se o contrário equivaleria a transformar o acusado em
objeto da investigação, quando sua participação só pode ser entendida na
perspectiva de defesa, como sujeito processual. Diante disso, evidente que o seu
silêncio jamais pode ser interpretado desfavoravelmente.

Outro importante ponto a se destacar sobre esta garantia constitucional é que com a
introdução do princípio em comento no texto constitucional teve como consequência a
proibição da inserção do nome do réu no rol dos culpados antes que a sentença condenatória
transite em julgado, e também no caso da decisão de pronúncia.
Porém a presunção de inocência em recente entendimento do Supremo Tribunal
Federal teve modificação muito importante, quanto a condenação do réu à prisão em
segunda instância.
Por um placar apertado, a Suprema Corte decidiu quanto a legalidade da prisão do
réu, caso sua condenação seja confirmada em segunda instância, sendo possível a sua prisão
imediata, não havendo no seu entendimento nenhuma ilegalidade.
Um defensor da prisão na segunda instância, o Ministro Gilmar Mendes alega que é
possível firmar a culpabilidade do indivíduo após a mesma decisão em duas instâncias,
porém, mais recentemente o mesmo Ministro sinalizou que poderá rever o seu voto, quando
disse “manifesto, desde já, minha tendência em acompanhar o Ministro Dias Toffoli no
sentido de que a execução da pena com decisão de segundo grau deve aguardar o julgamento
do recurso especial pelo STJ”.

2.3 Princípio da Ampla Defesa

Por esse princípio entende-se que o acusado tem o direito a defesa através de meios e
recursos inerentes. O Estado deve assegurar ao acusado a mais completa defesa técnica ou
pessoal. É importante ressaltar que caso o acusado não possua recursos financeiros
comprovadamente, o Estado irá lhe assegurar a Justiça Gratuita.
20
A defesa técnica é executada pelo defensor constituído, seja ele público particular ou
dativo. Esta é obrigatória. O acusado não pode dispor dessa defesa, ainda que ele diga que
não quer alguém para defende-lo, o juiz deve nomear alguém para a função, a não ser que o
réu seja advogado, aí este pode defender-se.
No Tribunal do Júri, caso o magistrado perceber que a defesa do advogado é parca,
fraca, prejudicando o acusado, a ponto de torna-lo indefeso, o Juiz pode declarar o réu
indefeso e nomear outro advogado para realizar o plenário, remarcando o julgamento para
outro dia, conforme previsto no artigo 497, V do Código de Processo Penal, conforme
abaixo descrito:
Artigo 497. São atribuições do juiz presidente do Tribunal do Júri, além de outras
expressamente referidas neste Código (Redação dada pela Lei n° 11.689 de 2008)
V – nomear defensor ao acusado, quando considera-lo indefeso, podendo neste
caso, dissolver o Conselho e designar novo dia para o julgamento com a nomeação
ou a constituição de novo defensor.

Em relação à defesa técnica e ainda da autodefesa, o insigne mestre Aury Lopes


Júnior (2016, p. 513) leciona que:
(...) a defesa pessoal ou defesa técnica é a possibilidade de o sujeito passivo resistir
pessoalmente à pretensão acusatória, seja através de atuações positivas ou
negativas. A autodefesa positiva deve ser compreendida como direito disponível
do sujeito passivo de praticar atos, declarar, participar de acareações,
reconhecimentos, submeter a exames periciais, etc. A defesa pessoal negativa,
como o próprio nome diz, estrutura-se a partir de uma recusa, em não fazer. É o
direito de o imputado não fazer prova contra si mesmo, podendo se recusar a
praticar todo o ato probatório que entenda prejudicial a sua defesa (direito de calar
no interrogatório, recusar-se a participar de acareações, reconhecimentos,
submeter-se a exames periciais, etc).

Na autodefesa, analisando agora a forma negativa, o interrogatório do acusado deve


ser tratado como ato de defesa, e sendo assim, deve ser considerado como um direito e não
como um dever, onde lhe é assegurado o direito ao silêncio, e conforme citado
anteriormente, possui o direito de não produzir prova contra si.
O constitucionalista Alexandre de Moraes (2013, p. 267) leciona sobre esse princípio
da seguinte forma:
Por ampla defesa, entende-se o asseguramento que é dado ao réu de condições que
lhe possibilitam trazer par ao processo todos os elementos tendentes a esclarecer a
verdade ou mesmo de omitir-se ou calar-se, se entender necessário, enquanto o
contraditório é a própria exteriorização da ampla defesa, impondo a condução
dialética do processo (par conditio), pois a todo ato produzido pela acusação,
caberá igual direito de defesa de opor-se-lhe a versão que melhor lhe apresente, ou
ainda de fornecer uma interpretação jurídica diversa daquela feita pelo autor.

21
Podemos entender que para melhor efetivação da ampla defesa é preciso à
verificação da melhor maneira de atuar em cada situação específica no intuito de procurar a
maneira mais benéfica para que seja assegurado ao acusado a plenitude de defesa e a opção
pelo seu direito de ficar ou permanecer calado.

2.4 Princípio do Contraditório

O princípio do contraditório é uma garantia prevista na Constituição Federal de 1988


em seu artigo 5°, inciso LV, com a seguinte redação:
Art. 5° Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e a propriedade, nos termos
seguintes:
LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em
geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a
ela inerentes.

O contraditório consiste essencialmente no direito que todas as pessoas têm de expor


seus argumentos e apresentar provas ao órgão encarregado de decidir antes que a decisão
seja tomada, ou seja, é o direito a manifestação.
Sobre a instrução ao contraditório, Paulo Rangel (2013, p. 17/18) diz:
é inerente ao próprio direito de defesa, pois não se concebe um processo legal,
buscando a verdade processual dos fatos, sem que se dê ao acusado a oportunidade
de desdizer as afirmações feitas pelo Ministério Público (ou seu substituto
processual) em sua peça exordial

Dá para perceber a importância deste princípio não só no processo penal, mas


também em outros como processo civil, por exemplo, onde o acusado tem a oportunidade de
desdizer as afirmações, acusações feitas contra ele pelo órgão acusador, ao contrário do
direito ao silêncio, neste instituto do contraditório, assegura-lhe a oportunidade de falar, de
receber as acusações, que lhes são imputadas.
Ainda em referência ao direito ao silêncio e o princípio do contraditório, é assim
definido:
O direito ao silêncio conecta-se a regra do contraditório real e efetivo, na medida
em que, para o pleno exercício daquele não é suficiente a ciência formal da
acusação, mas a perfeita compreensão do imputado dos termos e da extensão das
consequências da incriminação. Somente tendo consciência perfeita do que está
sendo imputado poderá o interrogado saber se lhe é conveniente falar ou calar,
produzindo ou não determinada prova ou, ainda, praticar ou não os atos lesivos a
sua defesa.( MOURA e MORAES, 1994, p. 138)
22
Interessante salientar que o acusado pode falar ou se manter em silêncio se assim lhe
for o mais apropriado.

2.5 O Direito de Mentir

Pelo princípio “nemo tenetur se degenere” é permitido ao acusado o direito de


mentir, ainda que ele seja suspeito, ou seja, o acusado pode não dizer a verdade sobre os
fatos que por ventura possam incriminá-lo, ele não é obrigado a colaborar com a produção
das provas, uma vez que estas poderão condená-lo.
Tal fato se deve pela derivação de que não há no ordenamento jurídico pátrio o crime
de perjúrio, e no entendimento de alguns juristas, é portanto permitido ao acusado o direito
de mentir. Celso Delmanto (2010, p. 990):
A nosso ver, o acusado que, na polícia ou em juízo, se autoacusa de crime
inexistente ou praticado por outrem, para se defender de outro delito que lhe é
imputado, não comete o crime deste art. 341 do CP, em virtude das garantias
constitucionais do direito ao silêncio, (CR, art. 5.º, LXIII e § 2.º), de não ser
obrigado a depor contra si mesmo, nem a confessar (PIDCP, art. 14, 3, g) ou de
declarar-se culpado (CADH, art. 8.º, 2, g). Como lembra David Teixeira de
Azevedo, "o faltar à verdade equivale a silenciar sobre ela, omiti-la", pois, "sob o
plano ético-axiológico, como adequação da coisa à escala valorativa... O que é
mais valioso tem precedência ontológica sobre o menos valioso ("O interrogatório
do réu e o direito ao silêncio, RT 682/288)

Embora fazer tal afirmativa, que o réu tem direito de mentir no Tribunal transpareça
algo antiético aos olhos da sociedade, caso ele o faça e seja constatada a sua farsa, tal ato
não pode tender a majorar a sua pena, pois ao mentir, o réu exerceu seu direito no seu
aspecto negativo
Como dito anteriormente, a autodefesa pode ser classificada como positiva e
negativa, nesse sentido:
A chamada defesa pessoal ou autodefesa manifesta-se de várias formas, mas
encontra no interrogatório policial e judicial seu momento de maior relevância.
Classificamos a autodefesa a partir de seu caráter exterior, como uma atividade
positiva ou negativa. O interrogatório é o momento em que o sujeito passivo tem a
oportunidade de atuar de forma efetiva - comissão -, expressando os motivos e as
justificativas ou negativas de autoria ou materialidade do fato que se lhe imputa.
Ao lado desse atuar que supõe o interrogatório, também é possível uma completa
omissão, um atuar negativo, através do qual o imputado se nega a declarar, como
também pode se negar a dar a mais mínima contribuição para a atividade
probatória realizada pelos órgãos estatais de investigação, como ocorre nas
23
intervenções corporais, reconstituição do fato, fornecer material escrito para a
realização do exame grafotécnico etc (LOPES, 2012, p. 246)
Para a jurisprudência é possível na autodefesa negativa, que significa o réu calar-se,
ele também faltar com a verdade, já que no ordenamento jurídico Brasileiro, não há a
imputação de crime por “perjúrio”, como o apresentado nos filmes americanos, permitindo
sim, embora não seja ético, a mentira por parte do réu, pensamento este sustentado por
alguns doutrinadores:
Sustentamos ter o réu o direito de mentir em seu interrogatório de mérito. Em
primeiro lugar, porque ninguém é obrigado a se autoacusar. Se assim é, para evitar
a admissão de culpa, há de afirmar o réu algo que saber ser contrário à verdade.
Em segundo lugar, o direito constitucional à ampla defesa não poderia excluir a
possibilidade de narrar inverdades, no intuito cristalino de fugir à incriminação.
Aliás, o que não é vedado pelo ordenamento jurídico é permitido. E se é permitido,
torna-se direito [...]. No campo processual penal, quando o réu, para se defender,
narra mentiras ao magistrado, sem incriminar ninguém, constitui seu direito de
refutar a imputação. O contrário da mentira é a verdade. Por óbvio, o acusado está
protegido pelo princípio de que não é obrigado a se autoincriminar, razão pela qual
pode declarar o que bem entender ao juiz. É, pois, um direito (NUCCI, 2014, p.
456).
Neste mesmo diapasão, segue Fernando Capez, em sua obra, enfatizando o direito de
mentir do réu:
A lei processual estabelece ao acusado a possibilidade de confessar, negar,
silenciar ou mentir. [...] Poderá também mentir, uma vez que não presta
compromisso, logo, não há sanção prevista para sua mentira (CAPEZ, 2008, p.
339).
Outro interessante doutrinador, mais atuante, Luiz Flávio Gomes, reitera tal
pensamento em seu artigo publicado na Rede Mundial de Computadores:
[...] O direito de ficar calado, previsto na Constituição brasileira (CF, art. 5º, inc.
LXIII), assim como o direito de não declarar ou o direito de não confessar
(previstos nos tratados internacionais), não podem ser interpretados
restritivamente. Por força do princípio da máxima efetividade dos direitos
fundamentais (que são vinculantes e de aplicação direta e imediata CF, art. 5º, 1º),
onde existe a mesma razão (ratio legis), deve preponderar o mesmo direito. Se a
razão de conferir ao réu o direito ao silêncio está no seu direito de não se
autoincriminar, onde este último direito der o ar da sua presença (da sua graça), o
mesmo direito, ou seja, as mesmas consequências do direito ao silêncio hão de
vingar. É nesse raciocínio (lógico e dedutivo) que descansa a base constitucional e
internacional não só do direito ao silêncio, senão também de todas as (nove)
dimensões da não autoincriminação. Para não se incriminar o réu tem até o direito
de mentir, porém, também esse direito tem limite: não pode prejudicar terceiros
[...] (GOMES, 2010, p?)

Nesse sentido, tal pensamento foi corroborado pelo Ministro Relator Celso de Mello,
conforme demonstrado pelo HC 68929/SP:
HABEAS CORPUS" - INTERROGATORIO JUDICIAL - AUSÊNCIA DE
ADVOGADO - VALIDADE - PRINCÍPIO DO CONTRADITORIO -
INAPLICABILIDADE - PERSECUÇÃO PENAL E LIBERDADES PUBLICAS -
DIREITOS PUBLICOS SUBJETIVOS DO INDICIADO E DO RÉU -
PRIVILEGIO CONTRA A AUTO-INCRIMINAÇÃO - CONSTRANGIMENTO
24
ILEGAL NÃO CARACTERIZADO - PEDIDO INDEFERIDO . - A
SUPERVENIENCIA DA NOVA ORDEM CONSTITUCIONAL NÃO
DESQUALIFICOU O INTERROGATORIO COMO ATO PESSOAL DO
MAGISTRADO PROCESSANTE E NEM IMPÔS AO ESTADO O DEVER DE
ASSEGURAR, QUANDO DA EFETIVAÇÃO DESSE ATO PROCESSUAL, A
PRESENCA DE DEFENSOR TECNICO. A AUSÊNCIA DO ADVOGADO NO
INTERROGATORIO JUDICIAL DO ACUSADO NÃO INFIRMA A
VALIDADE JURÍDICA DESSE ATO PROCESSUAL. A LEGISLAÇÃO
PROCESSUAL PENAL, AO DISCIPLINAR A REALIZAÇÃO DO
INTERROGATORIO JUDICIAL, NÃO TORNA OBRIGATORIA, EM
CONSEQUENCIA, A PRESENCA DO DEFENSOR DO ACUSADO . - O
INTERROGATORIO JUDICIAL NÃO ESTA SUJEITO AO PRINCÍPIO DO
CONTRADITORIO. SUBSISTE, EM CONSEQUENCIA, A VEDAÇÃO LEGAL
- IGUALMENTE EXTENSIVEL AO ÓRGÃO DA ACUSAÇÃO-, QUE IMPEDE
O DEFENSOR DO ACUSADO DE INTERVIR OU DE INFLUIR NA
FORMULAÇÃO DAS PERGUNTAS E NA ENUNCIAÇÃO DAS RESPOSTAS.
A NORMA INSCRITA NO ART. 187 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
FOI INTEGRALMENTE RECEBIDA PELA NOVA ORDEM
CONSTITUCIONAL . - QUALQUER INDIVIDUO QUE FIGURE COMO
OBJETO DE PROCEDIMENTOS INVESTIGATORIOS POLICIAIS OU QUE
OSTENTE, EM JUÍZO PENAL, A CONDIÇÃO JURÍDICA DE IMPUTADO,
TEM, DENTRE AS VARIAS PRERROGATIVAS QUE LHE SÃO
CONSTITUCIONALMENTE ASSEGURADAS, O DIREITO DE
PERMANECER CALADO. "NEMO TENETUR SE DETEGERE". NINGUEM
PODE SER CONSTRANGIDO A CONFESSAR A PRATICA DE UM ILICITO
PENAL. O DIREITO DE PERMANECER EM SILENCIO INSERE-SE NO
ALCANCE CONCRETO DA CLÁUSULA CONSTITUCIONAL DO DEVIDO
PROCESSO LEGAL. E NESSE DIREITO AO SILENCIO INCLUI-SE ATÉ
MESMO POR IMPLICITUDE, A PRERROGATIVA PROCESSUAL DE O
ACUSADO NEGAR, AINDA QUE FALSAMENTE, PERANTE A
AUTORIDADE POLICIAL OU JUDICIÁRIA, A PRATICA DA INFRAÇÃO
PENAL.(STF - HC: 68929 SP, Relator: CELSO DE MELLO, Data de Julgamento:
22/10/1991, PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 28-08-1992 PP-13453
EMENT VOL-01672-02 PP-00270 RTJ VOL-00141-02 PP-00512)

Outro julgado, este já mais recente que o anterior, tendo como óbice a nulidade, pelo
fato do juiz natural da causa, ter feito um “pré” julgamento e não ter tido a imparcialidade
necessária para a condução da causa:

DIREITO CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. CONTRAVENÇÃO


PENAL DE VIAS DE FATO. LEI MARIA DA PENHA. PRELIMINAR DE
NULIDADE ABSOLUTA. INTERROGATÓRIO DO RÉU.
PREJULGAMENTO, PARCIALIDADE E CONSTRANGIMENTO JUDICIAL
AO EXERCÍCIO DO DIREITO DE AUTODEFESA. DIREITO DE MENTIR DO
ACUSADO. VIOLAÇÃO DAS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DO
CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. 1. O interrogatório é manifesta
expressão das garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa porque
é a oportunidade que tem o réu de se dirigir diretamente ao juiz, trazendo à tona a
sua versão a respeito dos fatos que lhe são imputados pela acusação, podendo,
inclusive, indicar meios de prova, confessar ou até mesmo permanecer em
silêncio. 2. O réu está protegido pelo princípio de que não é obrigado a se
autoincriminar; logo, em seu interrogatório, para se defender, pode mentir e
declarar o que bem entender ao juiz. É direito seu amparado pela garantia
constitucional da ampla defesa. 3. O juiz deve conduzir o interrogatório de forma

25
neutra, imparcial e equilibrada, não lhe sendo lícito, sob pena de constrangimento
ao exercício da autodefesa e de nulidade absoluta, confrontar o réu com
veemência, deixando-o acuado e sugerindo ser a sua versão falsa ou inverossímil.
4. Recurso de apelação conhecido e provido.(TJ-DF 20130810080348 0007863-
60.2013.8.07.0008, Relator: WALDIR LEÔNCIO LOPES JÚNIOR, Data de
Julgamento: 02/02/2017, 3ª TURMA CRIMINAL, Data de Publicação: Publicado
no DJE : 08/02/2017 . Pág.: 103/107)

Para selar o pensamento ora defendido:

APELAÇÃO CRIMINAL – TRÁFICO DE DROGAS C/C ASSOCIAÇÃO PARA


O TRÁFICO C/C PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO C/C FALA
IDENTIDADE – PRETENDIDA EXCLUSÃO DO DELITO DE ASSOCIAÇÃO
– ALEGADA IMPOSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO COM O DELITO DE
TRÁFICO DE DROGAS – NEGADO – DELITOS INDEPENDENTES E
AUTÔNOMOS – PROVAS ROBUSTAS DE AUTORIA – FALSA
IDENTIDADE – ALEGADA AUTO-DEFESA – IMPOSSIBILIDADE – AUTO-
DEFESA DIVERSA DE DIREITO DE MENTIR ACERCA DA IDENTIDADE –
APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTO FALSO – SENTENÇA MANTIDA –
RECURSO IMPROVIDO (TJ-MS -APR: 25822 MS 2008.025822-7, Relator: Des.
CLAUDIONOR MIGUEL ABSS DUARTE, Data de Julgamento: 22/09/2008, 2ª.
Turma Criminal. Data da Publicação: 13/10/2008

Assim em suma, após a análise, é possível reconhecer que a Jurisprudência e parte da


Doutrina, “tolera” a mentira nas fases processuais, como um desdobramento do princípio da
ampla defesa do réu, porém ela não é abrangente, não é um direito absoluto, podendo após
constatada, enquadrar a “astúcia” do réu, enquadrar em outro crime, denunciação caluniosa,
falsidade ideológica, por exemplo, e ainda, ser utilizada para dosimetria da pena em
instâncias inferiores.

26
III. O DIREITO AO SILÊNCIO NO PROCESSO PENAL
BRASILEIRO

Neste capítulo será explanado como o Direito ao Silêncio foi apresentado pelo nosso
ordenamento Jurídico, e ainda, a maneira como é apresentado e garantido em todo o devido
processo legal.

3.1 A alteração do Código de Processo Penal

O direito ao silêncio é de suma importância, deveras significativo em nosso


ordenamento jurídico, pois está na categoria dos direitos fundamentais da Constituição
Federal do Brasil de 1988.
Esse direito encontra-se elencado no artigo 5°, inciso LXIII e tem a seguinte redação;
“o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo lhe
assegurada à assistência da família e de advogado”.
A Constituição de 1988 foi a primeira a garantir o Direito ao Silêncio no Brasil, nas
cartas anteriores não havia essa garantia. Com isso resultou na alteração do artigo 186 do
Código de Processo Penal (CPP) que dizia:
Antes de iniciar o interrogatório, o juiz observará ao réu que, embora não esteja
obrigado a responder as perguntas que lhe forem formuladas, o seu silêncio poderá
ser interpretado em prejuízo da própria defesa.

Como pode-se observar, a redação antiga do mencionado artigo do Código de


Processo Penal, diz que o silêncio poderia ser interpretado em prejuízo do acusado. Ou
seja, poderia ser prejudicial para o acusado, caso optasse por ficar em silêncio, por ficar
calado. Essa antiga redação estava em total desacordo com o texto constitucional.
Diante deste impasse, foi necessário rever o posicionamento do Código de Processo
Penal, sendo impreterível a sua revisão. Após a alteração, o referido artigo passou a ter
outra redação:
Art. 186. Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da
acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do
seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem
formuladas. (Redação dada pela Lei nº 10.792, de 1º.12.2003)

27
Parágrafo único. O silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser
interpretado em prejuízo da defesa. (Incluído pela Lei nº 10.792, de 1º.12.2003)

Depois da alteração, o novo texto passou a estar em consonância com o artigo 5°,
inciso LXIII da Constituição Federal, reafirmando então a garantia que o acusado tem de
optar pelo silêncio, e quando isto acontecer, não poderá ser usado em seu prejuízo.
Esse direito também é reforçado, assegurado pela Convenção Americana de Direitos
Humanos, conhecido também como Pacto de San José da Costa Rica, que discorre em seu
artigo 8°, número 2, letra G, que:
2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência,
enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda
pessoa tem direito em plena igualdade, as seguintes garantias mínimas:
g) direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se
culpada;

Nota-se que este diploma internacional garante ao acusado a presunção de inocência,


e na sua letra G, está nitidamente expresso, o seu direito de ficar calado, então uma garantia
hoje prevista não só na Constituição, mas também no Código de Processo Penal e também
na Convenção Americana de Direitos Humanos.

3.2 A natureza jurídica do Interrogatório e o Direito ao Silêncio

Para desenvolvimento do tema, devemos discorrer sobre o que é o interrogatório, sua


evolução no tempo e sua conexão com direito ao silêncio. Ele é um ato processual
personalíssimo, onde o direito ao silêncio veio ganhando espaço, sendo prenunciado em
nossa legislação penal moderna.
Para o Ministro do Superior Tribunal Militar, Jorge Alberto Romeiro (1942, p. 44
apud Gisele Mendes Pereira, 2012, p. 173), descreve que a palavra interrogatório provém da
latina interrogare, cujo significado é entre e rogare, que significa pedir.
Tem sua origem do sistema inquisitorial:
As perguntas ao réu não estavam na prática do processo. É certo que, na
legislação romana, vemos um texto de Marciano, referindo um édito de Antônio
Pio, ordenando aos irenarchas que, quando prendessem ladrões, os interrogassem
sobre os sócios, e receptadores(Diz, de custodia reorum, L.6, § 1°); mas, tudo se
limitava a este caso. Foi, pois, a forma inquisitória que, no intuito de obter a
confissão do indiciado, isto é, no afã de terminar incertezas, generalizou a tortura e
criou interrogatórios sucessivos. O juiz poderia fazer perguntas ao réu, em
qualquer estado da causa, um e mais vezes. (MEDICI.p. 303).
28
Já Guilherme de Souza Nucci (2005, p. 400) diz que o interrogatório judicial:
trata-se do ato processual que confere oportunidade ao acusado de se dirigir
diretamente ao juiz, apresentado a sua versão defensiva aos fatos que lhe foram
imputados pela acusação, podendo inclusive indicar meios de prova, bem como
confessar, se entender cabível, ou mesmo permanecer em silêncio, fornecendo
aprenas dados de qualificação.

O interrogatório está previsto no Código de Processo Penal, no capítulo concernente


à prova. O legislador fez clara opção por considerá-lo verdadeiro meio de prova, porém
para uma corrente doutrinária e parte da jurisprudência, tem reconhecido o interrogatório
como meio de defesa. Portanto o que tem prevalecido, é a natureza mista do interrogatório,
sendo o mesmo aceito tanto como um meio de defesa, como também um meio de prova.
Nele, o acusado tem a oportunidade de manifestar o seu direito pleno em audiência, o
qual pode influenciar na convicção do juiz, do magistrado, discorrendo sobre a sua versão
dos fatos, que evidencia a sua natureza de meio de defesa no interrogatório.
Para Guilherme de Souza Nucci (2001, p. 82-83) que assim explana:
O juiz togado pode até sentir a verdade ou a mentira nas palavras do réu, pelas
expressões no seu olhar, pelos gestos ou pelas sutilezas envolvendo o ato de
discursar, de narrar uma história, mas dificilmente colocará isso por escrito ou
reduzirá a termo as impressões obtidas, até mesmo para não afetar a sua
imparcialidade na condução da causa ou provocar uma dissensão com as parte.

Cabe ressaltar que ao dar a sua versão dos fatos, o acusado pode fornecer ao juiz,
elementos de instrução probatória, funcionando o ato como meio de instrução da causa.
Assim nos instrui o doutrinador Fernando Capez (2012, p. 415):
(...) essa não é a finalidade à qual se predispõe, constitucionalmente, o
interrogatório, sendo a sua qualificação como meio de prova meramente eventual,
insuficiente, portanto, para conferir-lhe a natureza vislumbrada pelo Código de
Processo Penal.
Essa afirmação reveste-se de grande rigor quando se tem em conta que o réu,
quando inquirido pelo juiz, pode permanecer calado, exercitando o seu direito ao
silêncio, igualmente tutelado pelo Texto Constitucional (art. 5°, LXIII), sem que
qualquer sanção lhe possa ser aplicada pela utilização dessa prerrogativa.

No que está relacionado com a natureza jurídica do interrogatório do acusado, o


direito de permanecer em silêncio, é gerado inúmeros entendimentos que ultrapassam a mera
discussão acadêmica, produzindo desdobramentos e em virtude da controvérsia sobre o
tema, podemos destacar as seguintes correntes:

29
Para os pensadores defensores desta primeira corrente, justificam que o
interrogatório do acusado é um meio de prova, já que está alocado em capítulo específico do
Código, no Título VII – Da Prova, em capítulo específico – III – “Do interrogatório do
acusado”. Por ter capítulo próprio, para parte da doutrina que defende esta corrente, o
Código de Processo Penal, demonstrou claramente sua intenção em categoriza-lo como meio
de prova, pois seria um elemento para que o juiz pudesse formular sua convicção. São
defensores desta corrente o Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, Adalberto
Camargo Aranha, quem em sua obra Da prova no processo penal sustenta essa posição,
também seguida por Hélio Tornaghi em sua obra Curso de processo penal, onde sustenta que
na lei atual, o interrogatório é meio de prova, seja ele a favor ou contra. Outro defensor
desta corrente é o também Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, José
Frederico Marques, pois diz que o interrogatório pode fornecer indícios para condenar ou
inocentar o réu. E ainda, para essa corrente, o Código de Processo Penal considera o
interrogatório como meio de prova, pois antes da revogação do artigo 186 do Código de
Processo Penal pela Lei nº 10.792, de 1º.12.2003, como já mencionado anteriormente, dizia
que “o seu silêncio poderá ser interpretado em prejuízo da própria defesa”
A fim de esclarecer o que pensa os seus defensores, Helio Tornaghi assim disse em
sua obra, Curso de Processo Penal:
Note-se que se trata de questão de política processual. O interrogatório do acusado
tanto pode ser aproveitado por lei para servir como expediente de prova quanto
para ser instrumento de defesa. No primeiro caso (meio de prova), o juiz pondera
tudo aquilo que o réu afirma, a seu favor ou contra si. As alegações do acusado
podem demonstrar alguma coisa; podem, até, convencer o juiz e, embora isto seja
raro, é possível que o réu, por sua sinceridade, pela verossimilhança do que afirma,
pela firmeza e convicção com que fala, consiga não deixar qualquer dúvida no
espírito do julgador. Na segunda hipótese (meio de defesa), interrogatório é
apenas uma oportunidade que a lei dá ao réu para fazer alegações e citar fatos que
possam exculpa-lo. Claro que, também aqui, pode o réu indicar elementos de
convicção, mas o juiz terá de ir busca-los, terá que colher a prova dos fatos
alegados em depoimentos de testemunhas, documentos, indícios, etc. O
interrogatório, usado como meio de defesa, serve, entretanto, como fonte de prova;
mas ele próprio não prova nada, não é meio de prova.
Em outras palavras, o interrogatório é instrumento de prova quando a lei o
considera fato probante (factum probans) e o é de defesa (além de fonte de prova)
quando ela entende que ele por si nada evidencia, mas apenas faz referência ao
tema probando e, por isso mesmo, é preciso ir buscar a demonstração de tudo
quanto nele foi dito pelo réu.” (1989, p. 356-357)

Para os defensores da segunda corrente, o interrogatório nada mais é que um meio de


defesa, já que o direito ao silêncio pode ser invocado sem qualquer prejuízo ao acusado.
Essa corrente é defendida por Eugênio Pacelli:

30
Que continue a ser uma espécie de prova, não há maiores problemas, até porque,
as demais espécies defensivas são também consideradas provas. Mas o
fundamental, em uma concepção de processo via da qual o acusado seja um sujeito
de direitos, e no contexto de um modelo acusatório, tal como instaurado pelo
sistema constitucional das garantias individuais, o interrogatório do acusado
encontra-se inserido fundamentalmente no princípio da ampla defesa”. (2014. p.
380).

Outro defensor desta corrente de pensamento é do então promotor, agora


Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Paulo Rangel:
Tem natureza jurídica de um meio de defesa, pois é dado ao acusado o direito
constitucional de permanecer calado, sem que o silêncio acarrete-lhe prejuízos,
pois o parágrafo único do art. 186 do CPP veda expressamente aquilo que a CRFB
já fazia, mas precisava de uma lei para dar efetividade à Constituição, o que, por si
só, carateriza um absurdo incomensurável. Ademais, o interrogatório é realizado
depois da oitiva das testemunhas, isto é, como instrumento de defesa.” (2012, p.
570).

Devido a nova sequência dada pelo artigo 400, da Lei 11.719 de 2008, “Na audiência
de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, proceder-
se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela
acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem
como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e
coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado”, o interrogatório passou a ser o último ato
da instrução e julgamento, o que acarretou vantagens para a Defesa.
De forma a ratificar sua defesa desse entendimento, Eugênio Pacelli de Oliveira, de
forma explícita e didática, posiciona-se sobre o direito ao silêncio e a ausência do réu na
audiência:
Com a Lei nº 11.689/08, e mais, desde a Lei nº 10.792/03, o que já se continha de
modo implícito no ordenamento jurídico brasileiro, por força do texto
constitucional, ocupa definitivamente seu espaço no Direito Processual Penal:
a) em primeiro lugar, a exigência de se esclarecer o acusado de seu direito a
permanecer calado e a não responder perguntas, nos exatos termos do disposto no
art. 186, caput, do CPP, cuja redação anterior encontrava-se já revogada;
b) em segundo lugar, a vedação de valoração do silêncio em prejuízo da defesa,
conforme se acha também expresso no parágrafo único do mesmo artigo 186 do
CPP. Nada mais evidente: se é de direito que estamos falando, como poderia ser
sancionado seu exercício?”. (2014. p. 385).

Ratifica essa corrente ainda, o interrogatório como meio de defesa, Nestor Távora,
Ada Pelegrini, Gomes Filho, Scarance Fernandes, Gomes Filho, Tourinho Filho, pois
durante o interrogatório o acusado poderá invocar o direito de ficar em silêncio, podendo
31
ainda mentir para livrar-se da acusação, sem qualquer dano a sua culpabilidade, sendo
portanto o interrogatório visto como um meio de defesa.
Conclui de forma brilhante em seu artigo, Ada Pelegrini, que de forma esmerada,
defende seu pensamento:
Finalizando, pode-se afirmar, sem temor de erro, que a nova disciplina do
interrogatório vem corrigir o engano clamoroso do Código de Processo Penal de
1940, que o configura como meio de prova e previa sanções indiretas para o
exercício do direito ao silêncio no Código de Processo Penal de 1940 (sic). Com
isto, o direito positivo brasileiro começa a se alinhar entre os mais avançados do
mundo, em termos de garantias. Outros passos deverão ser dados e a aprovação
dos demais projetos de lei que se encontram no Congresso Nacional pode
configurar a trajetória rumo a um processo penal que, sem descurar da efetividade
e sem dar margem à impunidade, venha representar um instrumento que, antes de
tudo, há de ser moldado sobre a dignidade da pessoa humana” (2005).

Para os adeptos dessa terceira corrente, o interrogatório é visto como um híbrido de


meio de prova e de defesa, assim definido por Amauri Silva “Com esse cenário, a posição
híbrida do interrogatório como meio de defesa e meio de prova, afigura-se a mais
consentânea com a sua roupagem, formato, e relevância no processo penal” (2006, p. 15).
Esta corrente é a que tem predominância na jurisprudência e na doutrina, já que é dado ao
réu garantias para que ele possa invocar seu direito ao silêncio, e caso se mantenha inerte,
também poderá ser considerado como meio de prova, já que poderá e caberá ao magistrado,
a acusação e o advogado de defesa, realizarem perguntas a fim de esclarecer os fatos. É,
como dito anteriormente, a corrente com posicionamento mais expressivo dentro do campo
do Direito, bandeira esta levantada pelo STF, STJ, Fernando Capez, Julio Fabbrini Mirabete,
José Frederico Marques, e também pelo já citado Eugênio Pacelli de Oliveira, que por
muitas vezes migra entre as duas correntes, oscilando entre considerar o interrogatório como
meio de defesa e entre outras considerações, defende-lo como um misto entre defesa e
prova, além de Denilson Feitoza Pacheco.
Para explicitar a defesa de seu entendimento, sobre essa corrente de pensamento,
Mirabete explica que:
[...] quando o acusado se defende no interrogatório, não deixa de apresentar ao
julgador elementos que podem ser utilizados na apuração da verdade, seja pelo
confronto com provas existentes, seja por circunstâncias e particularidades das
próprias informações prestadas. Mesmo o silêncio do acusado, que não importa em
confissão e não pode ser interpretado em prejuízo do réu, pode contribuir, na
análise das provas já existentes ou que vierem a ser produzidas, para a formação da
convicção íntima do juiz. Conceitualmente, portanto, o interrogatório é meio de
prova e oportunamente de defesa do acusado. Tem, portanto, esse caráter misto
afirmado pela doutrina dominante. (2006, p. 272)

32
E ainda, para seus defensores, esse misto somente é possível, pois o “sistema
processual penal adotado no Brasil é o sistema acusatório, embora não esteja expressamente
na legislação brasileira” (GUIMARÃES, 2016).
Por ser um sistema acusatório, distinto do inquisitório, assim definido por Aline
Iacovelo El Debs:
No sistema inquisitório, assim como no acusatório, como não poderia deixar de
ser, o interrogatório é um meio de prova. O que distingue os dois processos é que
no inquisitório as funções de acusar, defender e julgar estão reunidas em um único
órgão, qual seja, o inquisitor. O réu não é sujeito da relação processual e sim o
objeto desse processo. Já no sistema acusatório o processo é verdadeiramente o
"actum trium personarum". O réu passa a ser sujeito processual. Neste sistema
inquisitório, o interrogatório só poderia ser meio de prova, pois a única finalidade
no processo penal da época, era a pronta punição do criminoso e a conseqüente
defesa social. Ara este fim tudo era válido, utilizava-se meios coercitivos para
obrigar o réu a falar e assim atingir-se verdade real.” (2002).

Há ainda uma 4ª. Corrente, encabeçada pelo professor, autor renomado, Damásio E.
de Jesus, que assim apregoa em sua obra, que “o interrogatório do acusado é meio de defesa
e, secundariamente, meio de prova” (2006, p. 177). Corrente também defendida por
Guilherme de Souza Nucci, que assim bem disse:
Em verdade, o interrogatório é fundamentalmente, um meio de defesa. Em
segundo plano, trata-se de um meio de prova. Meio de defesa, essencialmente,
porque é a primeira oportunidade que tem o acusado de ser ouvido, garantindo a
sua autodefesa, quando narrará a sua versão do fato, podendo negar a autoria e
indicar provas em seu favor. Poderá, ainda, calar-se, sem que se possa extrair daí
qualquer prejuízo à sua defesa, ou então, é possível que assuma a prática do delito,
alegando em sua defesa alguma excludente de ilicitude ou de culpabilidade.
Por outro lado, não deixa de ser, para a lei brasileira, em segundo lugar, meio de
prova. Note-se as várias perguntas que o Juiz fará ao réu que se disponha a falar:
se a acusação é verdadeira; onde estava ao tempo da infração; se conhece as
provas contra ele apuradas; se conhece a vítima e as testemunhas; se conhece o
instrumento com que foi praticada a infração; se. Não sendo verdadeira a
imputação, conhece a razão pela qual está sendo acusado; todos os demais fatos e
pormenores que conduzam à elucidação dos antecedentes e circunstâncias da
infração, além de dados sobre a vida pregressa(art. 188 do CPP)”. (1999. p. 163).

O direito ao silêncio na visão de Grinover, Scarance e Magalhães, é como um selo de


garante o enfoque do interrogatório, como meio de defesa, e que assegura a liberdade de
consciência do acusado. (2012, p. 71).
Assim, o direito ao silêncio deve ser respeitado em qualquer interrogatório, seja o
policial, na audiência de instrução e julgamento, no Júri, em síntese, em qualquer fase
processual. Sempre que o acusado optar por fazer uso desse direito, jamais poderá ser
prejudicado por isso.

33
Continuando na obra de Fernando Capez (2012, p. 415), assegura ele sobre o
interrogatório como meio defesa, que leciona:
Como decorrência de o interrogatório inserir-se como meio de autodefesa, decorra
o princípio de que nenhuma autoridade pode obrigar o indiciado ou acusado a
fornecer prova para caracterizar a sua própria culpa, não podendo ele, por
exemplo, ser obrigado a fornecer à autoridade policial padrões gráficos do seu
próprio punho para exames grafotécnicos ou respirar em bafômetro para aferir
embriaguez ao volante. Se não pode ser obrigado a confessar, não pode ser
compelido a incriminar-se

Nesta vertente, Gisele Mendes Pereira (2012, p. 193) assim se posiciona:


O objetivo maior da constituição foi assegurar o direito à intimidade, a preservação
do espaço individual, por meio do qual o homem recolhe-se aos seus pensamentos,
refugia-se no recôndito de seu próprio ser.

Cabe salientar que o direito ao silêncio nem sempre foi defendido, por vezes foi
rechaçado, a exemplo de Jeremy Bentahm, na Inglaterra, no século XIX, tinha pensamento
totalmente contrário a esta garantia do acusado. Jeremy tinha o seguinte pensamento: a
inocência clama pelo direito de falar enquanto a culpa invoca o privilégio do silêncio
(Jeremy Bentham, in Peter Thornton et al., Justice on Trial, p. 36 Revista da Escola Paulista
da Magistratura, nº 2, p. 117).
Nota-se que o princípio da não autoincriminação deve ser observado, ainda que
possam existir críticas em relação ao tema, ele é uma garantia constitucional do acusado.

3.3 A Relevância da Confissão

No dicionário, a palavra confessar significa “declarar, revelar; reconhecer a


verdade, a realidade”. Tal significado dava a confissão o título de “a rainha das provas”
(regina probationum), pois, gozava de valor probatório absoluto, tamanha a sua importância,
porém, o mais prudente, é que seja observada dentro de um conjunto probatório, passando
portanto, a ser considerada com valor probatório relativo.
Muitas vezes é durante o interrogatório judicial que o magistrado tem a oportunidade
de se avistar-se com o acusado. Muitos autores sustentam ser esse o momento que o juiz
tem para tomar conhecimento da pessoa do acusado, apurar o seu convencimento, ou seja,
tomar conhecimento do caráter, da índole, da reação, dos sentimentos dele.
34
Segundo obra de Gisele Mendes Pereira (2012, p. 184) “a confissão proporciona
principalmente para a cabeça do julgador uma (ilusória) tranquilidade”, tranquilidade esta
também emprestada para a comunidade jurídica e até mesmo para a sociedade.
A confissão pode ser obtida na fase extrajudicial (inquérito policial) ou na fase
judicial. José Adalberto Aranha (1999, p. 114) diz que: “caso a confissão seja judicial,
maior será a segurança e tranquilidade ainda sentirá o juiz, que a verá como uma maior
probabilidade de aproximação com a almejada verdade”.
Quanto ao valor probatório Nestor Távora e col. (2013, p. 443) nos ensina que:
(...) não existe hierarquia entre as provas, sendo a confissão mais um meio
probatório, e na sua apreciação o magistrado deverá confrontá-la com as demais
provas do processo, para aferir se há compatibilidade entre elas (art. 197, CPP),
dando o devido valor à confissão apresentada. A confissão perdeu o status de
prova absoluta, e como as demais, o seu valor é relativo, cabendo ao juiz à justa
valoração.

Antes do início do interrogatório, o acusado deve ser avisado de seu direito


constitucional de permanecer calado, ou seja, ele não só tem o direito de permanecer ou ficar
em silêncio como também deve ser avisado que o possui, conforme jurisprudência do TRF-4
acerca deste assunto:
PENAL. MOEDA FALSA. INTERROGATÓRIOS REALIZADOS SEM
ADVERTÊNCIA DO DIREITO AO SILÊNCIO. ARTIGO 186 DO CPP.
INOBSERVÂNCIA DE GARANTIAS CONSTITUCIONAIS. PRECEDENTES.
SENTENÇA CONDENATÓRIA BASEADA NA CONFISSÃO DOS RÉUS.
PREJUÍZO EVIDENTE À DEFESA. ANULAÇÃO DO PROCESSO DESDE O
INTERROGATÓRIO. 1. Não tendo os acusados sido advertidos pelo julgador
acerca do direito a permanecer em silêncio, não há como emprestar validade à
confissão produzida em juízo, eis que os réus não puderam exercer plenamente a
referida garantia constitucional. 2. Baseando-se o decreto condenatório nas
referidas confissões, obtidas sem observância do disposto no art. 186 do CPP,
restou evidenciado o efetivo prejuízo à defesa, acarretando a nulidade do feito.
3.Precedentes. 4. Preliminar acolhida para anular o processo, desde o
interrogatório viciado. 5. Prejudicado o recurso do Parquet.(TRF-4 - ACR: 74591
RS 2001.04.01.074591-2, Relator: ÉLCIO PINHEIRO DE CASTRO, Data de
Julgamento: 18/01/2006, OITAVA TURMA, Data de Publicação: DJ 08/02/2006
PÁGINA: 491)

Outros julgados convergem neste sentido, a exemplo:


APELAÇÃO CRIMINAL. LATROCÍNIO, OCULTAÇÃO DE CADÁVER E
CORRUPÇÃO DE MENORES. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. RECURSO DA
ACUSAÇÃO. PRELIMINAR DE ILICITUDE DE PROVA. OITIVA
INFORMAL DE ACUSADOS. AUSÊNCIA DE ADVERTÊNCIA DO DIREITO
AO SILÊNCIO. DESENTRANHAMENTO DA PROVA ILÍCITA. PLEITO
CONDENATÓRIO. ACOLHIMENTO. PROVAS SUFICIENTES PARA
EMBASAR A CONDENAÇÃO. PRISÃO PREVENTIVA. NECESSIDADE
PARA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. RECURSO CONHECIDO E
PROVIDO. 1. A garantia fundamental prevista no artigo 5º, LXIII, da Constituição
35
da República assegura aos acusados ou indiciados em todas as fases
procedimentais (extrajudicial ou judicialmente) o direito ao silêncio. E, além de
matriz constitucional, trata-se de direito consagrado pelo Pacto de São José da
Costa Rica. Assim, o principal consectário da mencionada garantia constitucional
é impor às autoridades a necessidade de advertência aos acusados do direito
constitucional de permanecer em silêncio, sob pena de nulidade da prova. 2. Sendo
veementes e suficientes os indícios de que os réus cometeram os crimes de
latrocínio, ocultação de cadáver e corrupção de menores, tendo em vista que um
deles, na fase policial, descreveu detalhadamente a empreitada criminosa,
inclusive levando os policiais ao local (de difícil acesso) em que o cadáver foi
ocultado, o que foi confirmado pelo menor que participou da conduta delitiva, e
que, em Juízo, os policiais responsáveis pelas investigações confirmaram as
confissões extrajudiciais, é de rigor a condenação dos réus pelos crimes descritos
na denúncia. 3. Presentes os requisitos autorizadores da prisão preventiva, mostra-
se necessária sua decretação para a garantia da ordem pública, tendo em vista a
periculosidade dos réus, aferida com base na gravidade concreta da conduta,
levando-se em conta que foram 19 (dezenove) as facadas perpetradas contra a
vítima, sendo que os réus ainda ocultaram seu cadáver e atearam fogo em seu
veículo. 4. Recurso conhecido, declarada, preliminarmente, a ilicitude das
gravações informais realizadas na Delegacia de Polícia, assim como das provas
delas decorrentes e, no mérito, provido para condenar os recorridos nas penas dos
artigos 157, § 3º, parte final (latrocínio), 211 (ocultação de cadáver), ambos do
Código Penal, e do artigo 244-B da Lei nº 8069/1990 (corrupção de menores), por
02 (duas) vezes, o primeiro e o terceiro recorridos à pena de 26 (vinte e seis) anos
e 06 (seis) meses de reclusão, no regime inicial fechado, e 30 (trinta) dias-multa,
no valor legal mínimo, e o segundo à pena de 22 (vinte e dois) anos e 06 (seis)
meses de reclusão, no regime inicial fechado, e 20 (vinte) dias-multa, no valor
legal mínimo.(TJ-DF - APR: 20100210028470 DF 0002821-53.2010.8.07.0002,
Relator: ROBERVAL CASEMIRO BELINATI, Data de Julgamento: 10/07/2014,
2ª Turma Criminal, Data de Publicação: Publicado no DJE : 23/07/2014 . Pág.:
154)

Para selar o raciocínio:

DIREITO PENAL. CRIMES DE FALSIDADE IDEOLÓGICA E DE USO DE


DOCUMENTO FALSO. 1. Admite-se a possibilidade de que a denúncia anônima
sirva para deflagrar uma investigação policial, desde que esta seja seguida da
devida apuração dos fatos nela noticiados. Precedente citado. 2. Não há nulidade
automática na tomada de declarações sem a advertência do direito ao silêncio,
salvo quando demonstrada a ausência do caráter voluntário do ato. Ademais, a
presença de defensor durante o interrogatório do investigado ou acusado corrobora
a higidez do ato. Precedente citado. 3. Condenação pelo crime de falso. Restou
provada a falsidade do contrato social da radiodifusão Dinâmica, sendo o primeiro
acusado o verdadeiro controlador. Com efeito, o denunciado omitiu esta condição
por ser parlamentar federal, diante da vedação prevista no art. 54 da Constituição
Federal e no art. 38, § 1º, da Lei nº 4.117/62. 4. De acordo com a jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, o crime de uso,
quando cometido pelo próprio agente que falsificou o documento, configura "post
factum" não punível, vale dizer, é mero exaurimento do crime de falso.
Impossibilidade de condenação pelo crime previsto no art. 304 do Código Penal. 5.
A alteração do contrato social não constitui novo crime, já que a finalidade do
agente já havia sido atingida quando da primeira falsificação do contrato social. 6.
O contrato social não pode ser equiparado a documento público, que é criado por
funcionário público, no desempenho das suas atividades, em conformidade com as
formalidades previstas em lei. 7. Extinção da punibilidade dos acusados, em face
da prescrição da pretensão punitiva, baseada nas penas em concreto, restando
36
prejudicada a condenação.(STF - AP: 530 MS, Relator: Min. ROSA WEBER,
Data de Julgamento: 09/09/2014, Primeira Turma, Data de Publicação:
ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-225 DIVULG 14-11-2014 PUBLIC 17-11-2014
REPUBLICAÇÃO: DJe-250 DIVULG 18-12-2014 PUBLIC 19-12-2014)

Como podemos observar é de extrema importância que o acusado seja advertido do


seu direito ao silêncio, e conforme Relator Élcio Pinheiro de Castro, em uma das
jurisprudências citadas, “não há como emprestar validade à confissão produzida, quando o
acusado não puder exercer essa garantia constitucional”.

3.4 A Prova Ilícita

Votando novamente ao artigo 5°, inciso LVI, da Constituição Federal, está prevista a
proibição do uso da prova ilícita. O artigo do texto constitucional trás a seguinte redação:
“são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”.
Assim é definida a prova ilícita, segundo Alexandre de Moraes:
As provas ilícitas não se confundem com as provas ilegais e as ilegítimas.
Enquanto [...] as provas ilícitas são aquelas obtidas com infringência ao direito
material, as provas ilegítimas são as obtidas com desrespeito ao direito processual.
Por sua vez, as provas ilegais seriam o gênero do qual as espécies são as provas
ilícitas e as ilegítimas, pois configuram-se pela obtenção com violação de natureza
material ou processual ao ordenamento jurídico. (2006, p. 95)

O artigo 157 do Código de Processo Penal dispõe que “são inadmissíveis, devendo
ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação
às normas constitucionais ou legais”.
A grande maioria dos casos de violação ao direito contra a autoincriminação coincide
com a obtenção da prova de forma ilícita. Dessa forma dispõe Gisele Mendes Pereira (2012,
p. 194):
A proibição da prova ilícita funda-se na necessidade de frear a fúria estatal
normalmente consubstanciada na atividade policial (na fase do inquérito policial),
a qual, objetivando comprovar a autoria do fato a qualquer custo, não se detém
ante a possibilidade de sacrificar direitos fundamentais.

A doutrina pátria admite uma única hipótese da utilização da prova ilícita, ou seja,
quando esta for utilizada para provar a inocência do réu, obedecendo ao conhecido princípio
a favor do réu.

37
Ou seja, não é vedado o ato de produzir provas ilícitas quando utilizadas de modo
que comprove a inocência do acusado, o direito à prova da inocência sempre irá prevalecer,
assim como também a liberdade e a dignidade da pessoa humana.
Convém ressaltar que a justificativa para tal admissibilidade está na “Teoria da
Proporcionalidade”. E a respeito, o Supremo Tribunal Federal entende que:
(...) em matéria de provas ilícitas apenas aplica-se o princípio da proporcionalidade
pro reo, entendendo-se que ilicitude é eliminada por causas excludentes de
ilicitude, tendo em vista o princípio da inocência. (STF, HC n° 74.678-DF. Rel.
Min. Moreira Alves, 1ª. Turma).
Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam
de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou
exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda
que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas
restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os
termos estabelecidos pela própria Constituição (STF, MS n. 23.452/RJ, Plenário,
Rel. Min. Celso de Mello, DJU 12/05/2000).

Dentro desse contexto de provas ilícitas Gisele Mendes Pereira (2012, p. 196-197)
menciona:
Há portanto, violação do direito ao silêncio no interrogatório feito mediante
fraude, com falsas promessas, mediante dissimulação, com perguntas capciosas e
sugestivas, através das quais o indivíduo entra em contradições, ou é surpreendido
mentindo, ou confessa involuntariamente. O mesmo pode ser dito quando não é
feita ao indiciado, ou acusado, a advertência de que pode silenciar.

É importante salientar sobre a teoria dos frutos da árvore envenenada, que tem
origem norte-americana, e que foi criada pela Suprema Corte dos Estados Unidos, onde
entende que os vícios da “planta são transmitidos aos seus frutos”, ou seja, os vícios de uma
determinada prova contaminam os demais meios probatórios que dela originam.
O doutrinador Fernando Capez (2012, p. 365) nos dá o seguinte exemplo a respeito
do assunto:
(...) o caso da confissão extorquida mediante tortura, que venha a fornecer
informações corretas a respeito do lugar onde se encontra produto do crime,
propiciando a sua regular apreensão. Esta última prova, a despeito de ser regular,
estaria contaminada pelo vício na origem.

A violação ao direito ao silêncio pode ocorrer de diversas formas como será


demonstrado nos tópicos a seguir.

3.5 Tortura Física

38
A tortura física é uma forma injusta de tratamento a ser dado ao indivíduo, sendo
totalmente contrária a todos os direitos do ser humano. Na tortura, a intenção do torturado é
que cesse a dor o mais rápido possível, e para isso não pensa muito em resistir e acaba
confessando tudo aquilo que o torturador quer.
Podemos afirmar que a tortura não é admitida em nosso ordenamento jurídico,
estando expressamente vedada a prática de tortura no artigo 5°, inciso III, da Constituição
Federal de 1988. O texto tem a seguinte redação: “ninguém será submetido à tortura nem a
tratamento desumano ou degradante”.
Pode-se afirmar que todas as formas de violência, provocadoras de graves violações
de direitos humanos, a tortura é “universalmente reconhecida como uma das mais odiosas”.
A confissão obtida mediante a prática de qualquer uma das formas de tortura é
considerada ilícita, e consequentemente imprestável para o processo penal.
Sendo assim, um exemplo do que fora explanado:
PENAL. HABEAS CORPUS. ROUBO MAJORADO. LIBERDADE
PROVISÓRIA. Pleito de liberdade provisória dos pacientes, por serem primários,
com residência fixa e ocupação lícita (trabalhavam na hora quando da ocorrência
do delito), além de ter surgido confissões por tortura. Subsidiariamente, pretendida
substituição da prisão por outra medida cautelar. Perda do Objeto. O feito foi
sentenciado, sendo os pacientes condenados. Foi-lhes indeferido o apelo em
liberdade. Assim, suas prisões, agora, decorrem de nova decisão, em sentença
condenatória (artigo 387, § 1º, do CPP), e não mais de prisão preventiva decretada
quando do recebimento da denúncia, estando, pois, prejudicado o pedido. Ordem
prejudicada.(TJ-SP - HC: 20028431120178260000 SP 2002843-
11.2017.8.26.0000, Relator: Alcides Malossi Junior, Data de Julgamento:
18/05/2017, 8ª Câmara de Direito Criminal, Data de Publicação: 24/05/2017).

Assim sendo, é possível notar a maior preocupação do legislador, que na verdade é e


foi apregoar a Justiça, anulando sentença ou decisão advinda de uma confissão, obtida por
meio de tortura física, que muitas vezes acontece na fase do inquérito policial.

3.6 Tortura Psicológica

Esse tipo de tortura pode se desenvolver por vários meios, inclusive por meio de
interrogatório procedido de forma demorada e cansativa, podendo então levar o sujeito a
confessar.
Conforme Ênio Luiz Rosseto (2007, p. 213) diversas são as formas de intimidar o
depoente:

39
Interrogatórios sucessivos, em horários noturnos e diurnos, para vencer a
resistência pelo cansaço mental provocado pela falta de sono, enquanto os
interrogadores descansados se revezam; ou então, os interrogadores alternam o
humor, ora apresentam-se como amigos, ora violentos e brutos, há a situação de
humilhação do interrogado, também causadora de efeito psicológico, vg., a mulher
colocada nua diante dos algozes; por fim, causa perturbação psicológica no detido
ouvir gritos que o fazem imaginar a tortura de um co-autor do delito. O método
aparentemente legítimo usado por policiais do mundo inteiro, consistente em
inquirições que se sucedem durante horas, mediante a troca de equipes de
interrogadores, configura tortura.

Na tortura moral, a vítima se reduzida suas chances de defender ou de resistir, ou


então de se esquivar, pois é o próprio pensamento do torturado é forjado.
Gisele Mendes Pereira (2012, p. 200) nos traz a título de exemplo o caso de nudez, e
diz que:
O ser humano usa o vestuário não apenas para se proteger das condições
climáticas, mas também como uma espécie de escudo psicológico. Quando
privado de suas roupas, a pessoa sente-se fragilizada, ridícula e é tomada pelo
sentimento de vergonha, humilhação e insegurança.

Constitui tortura psicológica, aproveitar também de contradições do depoente, para


chama-lo de mentiroso, criminoso.
A tortura psicológica não é tão comentada quanto a física, porém é oportuno dizer
que nosso ordenamento jurídico protege o ser humano. Existe uma lei específica para o
crime de tortura. Veja o que o artigo 1° da Lei 9.455/97 diz:
Art. 1º Constitui crime de tortura:
I - constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe
sofrimento físico ou mental:
a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira
pessoa;
b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa;
c) em razão de discriminação racial ou religiosa;
II - submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de
violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de
aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.
Pena - reclusão, de dois a oito anos.
A prática de tortura é uma das formas de tal desrespeito a pessoa humana, por isso a
preocupação do legislador em vedar sua prática.

40
3.7 O uso de Meios Científicos Contra o Acusado

Existem vários meios científicos, de caráter técnico, psiquiátrico (hipnotismo) ou


químico (narcoanálise), utilizado como forma de força ou induzir a pessoa a confessar.
Uma das formas de violar o direito ao silêncio é o mapeamento cerebral. Trata-se de
um sistema de coleta e análise da atividade eletrofisiológica do cérebro, por meio de
computador projetado inicialmente para diagnósticos neurológicos e que está sendo testado
para funcionar como uma espécie de detector de mentiras.
O método consiste em conectar eletrodos ao cérebro da pessoa, possibilitando a
análise de frequência e dos ritmos cerebrais por meio de um mapa topográfico com o
registro da atividade elétrica. Pode ser usado como instrumento de produção de provas, que
consistiria em projetar várias imagens, inclusive algumas relativas à cena do crime, as quais
somente o criminoso teria acesso.
No conceito de Gisele Mendes Pereira (2012, p. 207), “é uma das formas mais
flagrantes de desrespeito ao direito ao silêncio e promete extrair os segredos do cérebro
sobre assunto escolhido pelo aplicador do teste”.

3.8 Direito ao Silêncio no Tribunal do Júri

Inicialmente é importante ressaltar que, o juiz de direito deve obrigatoriamente


fundamentar suas decisões. O juiz precisa de provas para fundamentar, no seu julgamento, a
sua convicção, portanto não poderá se valer do fato do acusado usar de seu direito em ficar
ou permanecer calado, mas sim das provas, sob pena de ferir o direito contra a não
incriminação. O magistrado não deve se utilizar do silêncio do acusado para formar seu
convencimento.
Um assunto muito polêmico é em relação ao direito ao silêncio, no Tribunal do Júri,
que está previsto na Constituição, novamente, no artigo 5°, inciso XXVIII. No Tribunal do
Júri as pessoas que compõem o Conselho de Sentença, são juízes leigos, e estes não
precisam fundamentar sua decisão.
São os estes juízes leigos, os jurados, que vão decidir se o acusado é culpado ou
inocente. Mas a questão é se os jurados levam ou não em conta o direito do acusado de ficar
41
calado? Pois os jurados decidem e não fundamentam sua decisão, que levou a tomar aquela
decisão; ou seja, “decidem na íntima convicção”, diferente do juiz togado que deve
fundamentar sua decisão.
Michael Zander, citado por David Morgan, explica que “abolir tal direito significa
dar à acusação e ao juiz o direito de incitar os jurados e extrair inferências adversas ao réu
quando este tiver permanecido calado ao ser interrogado” (1972-1994, p.141).
Sobre o assunto Guilherme de Souza Nucci (2011, p. 83) leciona que:
Como explicar devidamente aos jurados, leigos que são, tal direito constitucional,
fazendo os entender o sentido amplo e profundo dessa proteção, quando poderão
fazer uso do surrado dito popular “quem cala consente”?
Diante desse raciocínio, quando o réu invocar, no plenário do Tribunal do Júri, o
direito ao silêncio, deve o juiz presidente alertar os jurados para que não levem
isso em conta, pois se trata do, exercício de um direito constitucional, o qual não
deve advir qualquer consequência negativa, muito mentos a esdruxula ideia de ter
havido uma “confissão tácita.

É importante ressaltar que o artigo 478, inciso II, do Código de Processo Penal diz:
Art. 478. Durante os debates as partes não poderão, sob pena de nulidade fazer
referências;
II – ao silêncio do acusado ou à ausência de interrogatório por falta de
requerimento, em seu prejuízo

O artigo citado, veda que durante os debates a acusação faça referência ao uso do
direito do silêncio em prejuízo do acusado. Dentro desse parâmetro, é interessante
mencionar o julgamento de um homem que foi condenado pelo Tribunal do Júri da Comarca
de Uruguaiana, o Promotor de Justiça critica o direito ao silêncio do acusado e o Júri é
anulado, conforma citado:

APELAÇÃO CRIME. JÚRI. HOMICÍDIO TENTADO. CONDENAÇÃO PELO


TRIBUNAL DO JÚRI. APELO DEFENSIVO. NULIDADE POSTERIOR À
PRONÚNCIA. MENÇÃO AO SILÊNCIO DO RÉU. OFENSA AO ART. 478, II,
DO CPP. OCORRÊNCIA. Diante do teor da ata de julgamento e das contrarrazões
do Ministério Público, tenho que restou demonstrado, de forma incontroversa que,
durante os debates, o Promotor de Justiça, ainda que de forma indireta, fez
referência ao silêncio do acusado em prejuízo à defesa. Desimporta, assim,
qualquer esclarecimento quanto ao "contexto da menção em pauta", pois o objetivo
da referência é claro, ou seja, incutir nos jurados o entendimento de que um
inocente não permaneceria em silêncio, "viria dizer, ao menos, que era inocente".
Então, a contrário sensu, quem opta pelo silêncio, como fez o réu, não seria
inocente. E o objetivo da lei de vedar, sob pena de nulidade, qualquer referência ao
silêncio do réu, tem como finalidade preservar incólume a garantia constitucional
do réu ao silêncio - art. 5º, inciso LXIII, da CF. Assim, a referência feita pelo
agente ministerial ao silêncio do réu contraria expressa disposição legal, atingindo
o núcleo do direito ao silêncio e da garantia fundamental da plenitude de defesa.
Portanto, tenho que houve clara ofensa ao art. 478, II, da Lei Processual Penal,
motivo pelo qual o réu terá de ser submetido a novo julgamento, restando
42
prejudicadas as demais alegações do recurso. Apelo provido. Revogaram a prisão
preventiva. (Apelação Crime Nº 70053275574, Primeira Câmara Criminal,
Tribunal de Justiça do RS, Relator: Osnilda Pisa, Julgado em 29/05/2013)(TJ-RS -
ACR: 70053275574 RS, Relator: Osnilda Pisa, Data de Julgamento: 29/05/2013,
Primeira Câmara Criminal, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia
12/06/2013)

Em relação ao direito ao silêncio no Tribunal do Júri, o promotor de justiça Daniel


Bernoulli Lucena de Oliveira leciona que:
A norma jurídica somente tem sentido seu descumprimento possa ser repreendido.
Se não há como vislumbrar se o réu calado contribuiu para sua condenação, exigir
que esse silêncio seja respeitado pelo jurado é enganar-se a si próprio e ao
acusado.
Diferentemente a isso, está a decisão do juiz togado. Sua sentença tem livre
convencimento, mas ele o é motivado. Daí, o controle acerca do uso do direito ao
silêncio é eficiente e razoável.
Não satisfeito com esse tipo de impedimento, há ainda quem entenda que falar
sobre a ausência do réu em plenário igualmente ofenderia o dispositivo legal
mencionado.
Quanto a isso, não se pode olvidar de uma norma básica da interpretação jurídica,
que assevera que as normas proibitivas devem ser interpretadas restritivamente.
Diante disso, é preciso reconhecer que o princípio constitucional nemo tenetur sine
detegere dá espaço à soberania dos veredictos, quando se cuida do tribunal do júri.
Exigir do jurado que ele não leve isso ou aquilo em consideração para julgar é
tentar criar uma ficção insustentável diante da realidade de quem decide sem
motivar. (2011)

Como os jurados não fundamentam sua decisão não há como saber qual foi o critério
que os levou a tomar determinada decisão. Assim, o direito ao silêncio pode ser levado em
conta, na análise de um jurado, nesse caso, não há como garantir cem porcento, que o
silêncio do acusado não foi levado em seu prejuízo.

3.9 Da Extensão do Direito ao Silêncio

Há o entendimento de que o direito ao silêncio abrange também o direito de que


ninguém poderá produzir provas contra si, que também é uma garantia constitucional
assegurada ao indivíduo.
Assim disse o Ministro Celso de Mello em seu voto, “ninguém pode ser
constrangido a confessar a prática de um ilícito penal” (RTJ 141/512)

43
Este assunto também é lecionado por Maria Elizabeth Queijo, em sua obra “O
Direito de não produzir prova contra si mesmo: o princípio nemo tenetur se detegere e suas
decorrências no processo penal” explica:
Registra-se uma forte tendência à associação do referido direito à culpabilidade do
acusado, que vem de longa data, mas que persistente no dia-a-dia dos tribunais,
nos julgados de primeiro grau, em alguns escritos doutrinários, o silêncio gera
suspeita de que há algo a esconder ... ainda que presente ao interrogatório, o réu
não é obrigado a responder. Convêm que o faça, pois do contrário, poderia, dar ao
juiz a impressão de calar por não ter resposta, por ser realmente culpado, por não
explicar os fatos. (2003. p. 191)

Conforme mencionado por Gisele Mendes Pereira (2012, p. 217):


O direito ao silêncio pode ser exercido na oitiva formal e na informal, no inquérito
policial, na instrução criminal, no processo administrativo, no processo penal
militar, no processo falimentar, no processo tributário-fiscal, durante a execução
penal, por ocasião de realização de exame criminológico.

Segundo Maria Elizabeth Queijo que ressalta que “tal vinculação decorre de
enraizada idéia preconcebida, que remonta ao modelo de processo inglês denominada
accused speaks, de que quem é inocente responde às indagações formuladas, porquê nada
tem a ocultar. Mas do que isso: o inocente brada, grita, manifesta-se, proclamando a sua
condição” (QUEIJO, p. 192)
Esse pensamento deu sequência ao ditado popular “quem cala, consente, é culpado”,
traduzindo uma visão totalmente equivocada do conceito de silêncio, dentro do conceito de
um ordenamento jurídico garantista, infringindo o princípio da presunção de inocência,
inclusive.
Nesse sentido, comunga também o artigo 478, do Código de Processo Penal, onde é
mencionado que durante os debates no plenário do júri, não poderá ser feita nenhuma
menção ao silêncio do acusado, sob pena de nulidade; "Art. 478. Durante os debates as
partes não poderão, sob pena de nulidade, fazer referências: I- ao silêncio do acusado ou à
ausência de interrogatório por falta de requerimento, em seu prejuízo."
Essa vedação a menção do acusado permanecer em silêncio garantida por lei pode
ser constata em julgado do Tribunal de Juri Gaúcho, aqui colacionado:
A lei processual penal é bastante clara em coibir qualquer referência ao silêncio do
réu em prejuízo de sua defesa. Caso em que o réu rompe o silêncio somente em
plenário, fazendo confissão qualificada, e o órgão da acusação, em sua fala, faz
referência ao silêncio precedente, o que foi alvo de protesto defensivo imediato,
consignado em ata, com posterior arguição de nulidade. Flagrante violação de
norma legal expressa com evidente invocação em prejuízo do réu e presumível
44
prejuízo para sua defesa, viciando o julgamento pelo Conselho de Sentença. As
falas das partes em plenário são para argumentar em favor de suas teses, de modo
a obter o voto dos jurados. Semelhante referência pelo Ministério Público, em
casos tais, só pode ser para fins de desqualificar a versão de defesa pessoal
exercida de modo inovador em plenário. Os jurados decidem com base na íntima
convicção e não se pode saber o quanto a proibida fala influiu em seus ânimos,
mas é certo que eles acabaram desacreditando a versão do réu, sendo presumível
que o seu silêncio precedente tenha pesado de algum modo. O ocorrido não pode
ser havido como indiferente, pois era decisivo para a defesa que os jurados
acreditassem no relato do réu feito em plenário. Se é lamentável ter de repetir o
julgamento, calha observar que foi o dominus litis quem tomou a iniciativa de
ignorar norma legal expressa e assim nulificar o julgamento. A anulação não é
expressão de mero formalismo, pois o dispositivo é cogente e visa garantir ao réu o
seu direito ao silêncio e a um julgamento justo, sem referência a aquele. Quem
corre o risco de agir contra legem deve suportar suas consequências. É a regra do
jogo, que deve ser seguida. Se o legislador quis garantir o direito ao silêncio a tal
ponto de proibir sua referência como argumento contra o réu, os acusadores devem
se submeter a isso, abster-se como determinado, e não buscarem vias oblíquas para
violar norma processual cogente. O erro de conduta penal, por mais grave ele seja,
não justifica o erro de conduta processual, pois todos devem ser havidos como
inocentes até condenação definitiva e, como dizia Eduardo Couturé, o processo
penal é o estatuto protetor dos inocentes, ou seja, dos réus ainda sem culpa
formada. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (Apelação Crime Nº
70062072988, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: João
Batista Marques Tovo, Julgado em 26/11/2015)

Diante do exposto é possível sua utilização em vários momentos processuais,


antes e durante a instauração de qualquer tipo de procedimento ou processo, não apenas
durante o interrogatório no inquérito policial.

3.10 O Direito ao Silêncio e a Testemunha

A testemunha também tem direito ao silêncio, mesmo estando compromissada a


dizer a verdade. Essa hipótese pode acontecer quando a testemunha se vê em uma situação
que via se auto prejudicar. E sobre essa hipótese Gisele Mendes Pereira (2012, p. 223)
leciona que:
O indivíduo mesmo taxado pela autoridade que preside o ato de interrogatório
como testemunha, estando inclusive, devidamente compromissado, não comete o
crime de falso testemunho quando deixa de revelar, nega ou mente sobre fato cuja
revelação possa incriminá-lo

No tocante ao assunto há jurisprudência que corrobora com a assertiva:


PENAL. FALSO TESTEMUNHO. NÃO AUTO-INCRIMINAÇÃO. DIREITO
CONSTITUCIONAL. ABSOLVIÇÃO. I. Nosso ordenamento jurídico vai além do
simples direito ao silêncio, previsto no inciso LXIII do art. 5o da Constituição da
República, porquanto não incrimina o crime de perjúrio, autorizando aquele que se
45
vê objeto de acusação em processo penal até mesmo a mentir sobre fatos não
integrantes de sua qualificação pessoal, e que possam contribuir para sua auto-
incriminação. II. Não se trata, na verdade, de uma autorização expressa do
ordenamento jurídico, mas sim de uma construção que, por coerência, faz com que
seja desculpada a conduta do indivíduo que, chamado como testemunha a depor
num dado processo, nele venha a mentir em razão de que a dicção da verdade lhe
seria prejudicial e auto-incriminadora no processo penal ao qual responde. Nemo
tenetur se detegere. Precedentes. III. Recurso provido. Absolvição nos termos do
art. 386, VI, do CPP.(TRF-2 - ACR: 201050010071340 RJ, Relator:
Desembargador Federal ABEL GOMES, Data de Julgamento: 15/10/2014,
PRIMEIRA TURMA ESPECIALIZADA, Data de Publicação: 28/10/2014)

Luiz Flávio Gomes, completa o raciocínio quando menciona:


A testemunha tem a obrigação de dizer a verdade, mas essa obrigação está limitada
pelo direito de não auto incriminar. Não importa se essa testemunha já está sendo
ou não processada ou investigada pelo fato que pode lhe trazer prejuízo, se esse
fato já foi descoberto ou não. Nada disso interessa, visto que a preponderância é
da garantia de não auto incriminação. Mesmo nas CPIs, quem foi convocado para
prestar esclarecimentos, em princípio, tem o dever de dizer a verdade. Porém,
caso alguma resposta possa lhe incriminar, esse convocado tem todo direito de
permanecer em silêncio, de não declarar contra si mesmo, de não confessar.
(2010).

Como demonstrado em síntese, a testemunha tem direito ao silêncio, mesmo


compromissada, reservar ao direito de não responder, caso tal resposta possa produzir
provas para sua incriminação.

46
IV. O DIREITO AO SILÊNCIO NO PROCESSO PENAL MILITAR
BRASILEIRO

No capítulo que se segue, após a pesquisa realizada, será explanado como comporta
o direito ao Silêncio no Processo Penal Militar, haja visto que este é anterior a Nossa Carta
Maior, a Constituição Federal de 1988.

4.1 Artigo 305 do Código de Processo Penal Militar e o Direito ao Silêncio

Como já explanado anteriormente, o direito ao silêncio foi explicitado na


Constituição Federal do Brasil em 1988, sendo considerado uma evolução do nosso
ordenamento jurídico, já que está enquadrado na categoria dos direitos fundamentais, uma
norma garantista do direito Brasileiro, direito elencado no artigo 5°, inciso LXIII e tem a
seguinte redação; “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer
calado, sendo lhe assegurada à assistência da família e de advogado”.
Por esse direito (direito ao silêncio) estar listado em uma categoria dos direitos
fundamentais, todo e qualquer cidadão brasileiro, a priori, deveria ter acesso a este, seja ele
civil ou militar, já que estaria garantido pelo nosso ordenamento maior, que é a Constituição
Federal do Brasil, assinada em 1988, mas o que podemos notar é que um ordenamento
infraconstitucional, catalogado em um período sombrio de nossa história, tem seus efeitos
até hoje.
Assim diz o artigo 305 do Código de Processo Penal Militar, Decreto Lei 1002/1969,
“Antes de iniciar o interrogatório, o juiz observará ao acusado que, embora não esteja
obrigado a responder às perguntas que lhe forem formuladas, o seu silêncio poderá ser
interpretado em prejuízo da própria defesa”.
Nota-se o conflito, entre a norma oriunda do nosso ordenamento maior e àquele
tipificado cuja proveniência vem do Direito Castrense.

4.2 Direito Castrense.

47
Direito castrense nada mais é que o ramo do direito ligado às Forças Armadas, é o
ramo do Direito originário do Direito Romano, que tinha como premissa a manutenção da
disciplina das tropas da Legião Romana
Segundo Antônio Gomes Ferreira, “o Império de Roma só se formou graças à
disciplina das legiões romanas, firmada em um rígido Direito Militar aplicado pela Justiça
Castrense”, e continua mencionando que “quando se afrouxou a disciplina, com generais
pondo e depondo Imperadores, sobreveio o caos, e Roma, com sua glória, ruiu” (1983, p.
205 e 649).
E ainda segundo o mesmo autor, Antônio Gomes Ferreira:
A expressão JUSTIÇA CASTRENSE, ou DIREITO CASTRENSE, aparece como
sinônimos de JUSTIÇA MILITAR, ou DIREITO MILITAR; a palavra
CASTRENSE vem do latim CASTRA, CASTRÓRUM, que quer dizer
acampamento, fortificação militar, quartéis de verão (castra aestiva), quartéis de
inverno (castra hiberna), e, por extensão, caserna; assim como "justa militaria"
significa deveres da vida militar, também do latim JUSTA, JUSTORUM (o
devido, o justo). (1983. p. 205 e 649)

Devido a essa necessidade de se manter a ordem e a disciplina na Legião Romana,


que era produto de várias etnias, havia necessidade de promover a coesão entre eles,
portanto necessitava de regras rígidas para a sua manutenção, com princípios que perduram
ainda hoje, diante disto é possível entender o choque entre os artigos das duas normas, já
que um é derivado de um regime rígido e formal, por vezes austero, de caráter por vezes
severo (CPPM), que enxerga o interrogatório derivado do sistema inquisitório, o silêncio
invocado durante esse ato, é prejudicial ao acusado, ajudando no processo de convicção do
juiz, de forma negativa; e o outro, a Constituição Federal do Brasil de 1988, tem viés
garantista, onde o interrogatório tem característica derivada do sistema acusatório, onde o
acusado, réu, denunciado, pode invocar o seu direito ao silêncio, e este por si só, não
influenciará de forma negativa o seu processo criminal.

4.3 Conflito entre a norma vigente e a norma válida

Como demonstrado anteriormente, segundo a nossa Carta Maior, a Constituição de


1988, assegura ao réu, o direito ao silêncio sem que este traga prejuízos a sua defesa, sendo
este entendimento seguido pelo Código de Processo Penal, já o Código de Processo Penal

48
Militar é taxativo, ao dizer que caso o direito ao silêncio seja invocado na esfera militar, este
será prejudicial ao acusado.
O que determina a Constituição quando há choque de normas? O que prevalece no
final, a Constituição, norma recente, de 1988, ou o Código de Processo Penal Militar,
vigente por mais tempo, já que entrou em vigor em 1969?
Para solucionar esse questionamento invocaremos a teoria Kelsiana. Assim cita
Kelsen :
A ordem jurídica não é um sistema de normas jurídicas ordenadas no mesmo
plano, situadas umas ao lado das outras, mas é uma construção escalonada de
diferentes camadas ou níveis de normas jurídicas. A sua unidade é produto da
conexão de dependência que resulta do fato de a validade de uma norma, que foi
produzida de acordo com outra norma, se apoiar sobre essa outra norma, cuja
produção, por sua vez, é determinada por outra; e assim por diante, até abicar
finalmente na norma fundamental - pressuposta. A norma fundamental -
hipotética, nestes termos - é, portanto, o fundamento de validade último que
constitui a unidade desta interconexão criadora.(1987, p. 240)

Seguindo a corrente Kelsiana, outro seguidor deste pensamento, André Copetti,


menciona que “uma norma, (...) pela teoria garantista, vige em determinado território por
determinado tempo, sendo, por outro lado, válida em relação a um conteúdo de uma norma
superior que por ela não pode ser violado” (2000, p. 140),

Para o Decreto Lei , Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942, Lei de


Introdução às normas do Direito Brasileiro, em seu artigo 1º diz que “Salvo disposição
contrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente
publicada”
Para o jurista italiano Luigi Ferrajoli, em sua obra, Teoria do Garantismo
Penal:
Num ordenamento jurídico dotado de Constituição rígida, para que uma norma
seja válida ademais de vigente não basta que haja sido emanada com as formas
predispostas para a sua produção, senão que também é necessário que seus
conteúdos substanciais respeitem os princípios e os direitos fundamentais
estabelecidos na Constituição”. (2006, p. 66).

Portanto, após explanado esses grandes pensadores, embora o artigo 305 do


Código de Processo Penal Militar, tenha cumprido todos os mecanismos metodológicos para
a sua promulgação, que lhe atribuiu vigência, mesmo assim, como há conteúdo que de certa
maneira se opõe a Constituição Brasileira de 1988, tudo que for contrário, mesmo que
vigente, por ser considerado norma de hierarquia inferior, será considerado inválido.
49
A teoria de hierarquia das Leis, assim descrita por Hans Kelsen, veio de
sobremaneira pacificar a questão, e ainda, ao ser adotada, evita o colapso do ordenamento
jurídico, prevendo que não deve-se apenas atentar para a vigência da norma, mas também,
qual seu posicionamento dentro de sua hierarquia.
Kelsen foi mais além, pois também se posicionou sobre se uma decisão é embasada
em uma norma embora vigente, conflitante com lei hierarquicamente superior, como é o
caso do artigo 305 do Código de Processo Penal Militar e a Constituição Federal do Brasil
de 1988, havendo conflito entre normas hierarquicamente superiores e inferiores, havendo
decisões judiciais embasadas em normas vigentes porém invalidas, somente decisão do
próprio Tribunal poderá anula-la, ou ainda, ser anulada por Tribunal Superior, ainda diz a
respeito que “enquanto, porém, não for revogada, tem de ser considerada como válida; e
enquanto for válida, não pode ser inconstitucional” (KELSEN, 1987, p. 287).
O conflito pode ser demonstrado nos julgados abaixo:
EMENTA: APELAÇÃO. LESÃO CORPORAL. REVOGAÇÃO DO ART. 305
DO CPPM EM FACEDA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, DE 1988. EFEITO
INTER PARTES. POSSIBILIDADE.PRESCRIÇÃO. OCORRÊNCIA CORRÉUS
MENORES. - - A prescrição foi verificada quanto aos corréus menores à época do
fatodelituoso. - Tendo em vista a incompatibilidade com os ditames
constitucionais,declara-se a revogação do art. 305 do Código de Processo Penal
Militar pelaConstituição Federal, pois o silêncio do acusado, por ocasião do
interrogatório,não pode, em nenhuma hipótese, ser interpretado em seu prejuízo, a
teor dodisposto no art. 5º, LXIII, da Lei Maior. Efeito inter partes. - A doutrina e a
jurisprudência entendem que há de ser considerada comocausa interruptiva, para o
cálculo da prescrição, não a data constante daSentença em si, mas a de sua
publicação. - Mantida a condenação do réu maior por ocasião do crime, restando
provadaautoria e materialidade acerca do cometimento de lesões corporais.
Concessão desursis.- PRELIMINARES ACOLHIDAS.- APELO
PARCIALMENTE PROVIDO.- DECISÃO UNÂNIME.(STM - AP(FO):
2008010509933 RJ 2008.01.050993-3, Relator: Maria Elizabeth Guimarães
Teixeira Rocha, Data de Julgamento: 09/12/2009, Data de Publicação: 16/12/2009
Vol: Veículo:)

Havendo o conflito das Leis, conforme demonstrado, prevalece portanto a Lei


hierárquica superior, neste caso a Constituição Federal Brasileira de 1988, mesmo não
houve a revogação expressa da lei penal militar, onde consta que o silêncio do Réu, neste
caso militar, caso permaneça calado, o juiz fará suas convicções, conforme já mencionado o
artigo 305 do CPPM, por novamente enfatizado, pelo fato da Constituição Federal ser
hierarquicamente superior, e esta, mencionar que, o silêncio do réu, condenado, não pode ser
interpretado em seu prejuízo, ela prevalece sobre a outra que embora vigente, perde sua
eficácia.

50
CONCLUSÃO

Após explanar sobre o conteúdo exposto neste trabalho, conclui-se que o direito ao
silêncio é de suma importância, é uma garantia conquistada durante o espaço temporal, pois
como demonstrado, no passado, muitos foram torturados, sofreram arbitrariedades por parte
das autoridades, em uma situação em que o acusado não era visto como sujeito de direitos.
A confissão muitas vezes direcionada, não alcançava a Justiça devida, obtida muitas
vezes por meio de violência física, tortura, fazendo que o acusado alegasse qualquer coisa,
situação, para se ver livre de seu algoz.
Nota-se que o direito ao silêncio se tornou um interessante instrumento para o
acusado, podendo invoca-lo sempre que achar necessário, e invocando-o, esse silêncio não
pode ser interpretado em seu desfavor, conforme está garantido no artigo 5°, inciso LXIII,
da Constituição Federal de 1988. O silêncio do acusado não pode constituir a base da
convicção, esta deve se basear em um conjunto probatório, provas colhidas, conforme
dispõe a lei, e acostadas aos autos do processo, pois o que não existe nos autos não há de
existir no mundo jurídico.
O investigado, acusado, réu, não só tem o direito a permanecer calado, como também
ser alertado, avisado sobre seu direito e caso não o seja, tal falta motivada, poderá causar a
nulidade do processo.
Conforme foi abordado no decorrer do presente trabalho, talvez a maneira em que o
direito ao silêncio pode ser levado em consideração, durante o Tribunal do Júri (já que são
juízes leigos e que não lhes são exigida a fundação da sua decisão), é de suma importância
ao Juiz que preside o plenário, de informa-los, adverti-los sobre o direito do acusado de ficar
calado, para que se possa evitar a condenação do réu, pela suposição de fato, caso
permaneça em silêncio. Porém não há como garantir com plena certeza se alguns dos
jurados levou o silêncio do acusado em consideração, pois isto é algo que não como prever,
saber, já que como enfatizado anteriormente, eles não fundamentam a sua decisão.
Isso já não ocorre com o Juiz de direito, pois este sim precisa de provas para
fundamentar em seu julgamento, a sua convicção da decisão, portanto não poderá se valer do
silêncio do acusado, mas sim das provas, sob pena de ferir, macular o direito constitucional.
Em síntese, utilizando-se de outras palavras, se o acusado tem o direito ao silêncio, como
garantia constitucional, e caso dele faça uso, não pode o magistrado se utilizar desse fato

51
para a formação do seu julgamento. Poderá até faze-lo, intimamente, sendo, contudo,
vedado transportar para os autos esse fato, porquanto implicaria a neutralização daquele
direito constitucional.
Outro ponto a ser observado, também importante, é que a doutrina e jurisprudência
vêem dando passos largos para constatar sua observância e efetivação, reconhecendo o
direito ao silêncio também a testemunha, podendo fazer uso dele, na hipótese de seu
depoimento vier a prejudica-la, incriminando-a.
Outro ponto positivo, a ser observado, é que quando há conflito entre normas,
prevalece a hierarquicamente superior, como é o caso da Constituição Federal do Brasil, que
por seu posicionamento garantista, assegura o direito ao silêncio a todo e qualquer brasileiro,
seja ele civil ou militar.
Enfim, diante do exposto, concluiu-se que o direito ao silêncio é uma garantia
constitucional, um direito fundamental, que tomou explicita preocupação do legislador, que
pode ser notado pela sua discricionariedade no artigo 5°, da Constituição Federal, é um
direito garantido ao acusado e não só isso, é também um direito público subjetivo, que é
inerente a toda pessoa, visto também que é da natureza de todo ser humano não se
incriminar, lutar pela sua liberdade e se defender de uma agressão injusta, sendo portanto
um direito, quem cala não consente.

52
REFERÊNCIAS

BRASIL. Código de processo penal militar. Vade Mecum Acadêmico de Direito. Anne
Joyce Angher, organização,9. ed. São Paulo: Rideel, 2009. p. 497-540.

BRASIL. LEI Nº 11.705 DE 19 DE JUNHO DE 2008. Código de Trânsito Brasileiro,


Brasília,DF, jun 2008. Disponivel em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-
2010/2008/lei/l11705.htm >. Acesso em: 03 mar 2018.

BRASIL. Constituição Política do Brasil de 1824. Rio de Janeiro/RJ, abr 1824. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao24.htm>. Acesso em:
12 fev. 2018.

BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891. Disponível


em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao91.htm>. Acesso em: 12
fev. 2018

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília:


Senado, 1988.

CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

COPETTI, André. Direito Penal e estado democrático de direito. Porto Alegre: Livraria de
Advogado, 2000.

DELMANTO, Celso. Código Penal comentado. 8. Ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 990

EL DEBS, Aline Iacovelo. Natureza jurídica do interrogatório. Revista Jus Navigandi,


Teresina, ano 7, n. 58, 1 ago. 2002. Disponível em:. Acesso em: 02 jun. 2017.

FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. Tradução Ana Paula
Zomer Sica e outros. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

53
FERREIRA, Antônio Gomes. Dicionário de latim-português. Porto, Portugal: Porto Editora,
1983. p. 205 e 649

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais. São Paulo:


Saraiva, 1995.

GAMA, Lídia Elizabeth Penaloza Jamarillo. O devido processo legal. São Paulo: Editora de
Direito, 2005.

GILISSEN, John. Introdução Histórica ao Direito . Trad. A. M. Botelho Hespanha e L. M.


Macaísta Malheiros. 5. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2008

GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Direito à prova no processo penal. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1997.

GOMES, Luiz Flávio. Princípio da não autoincriminação: significado, conteúdo, base


jurídica e âmbito de incidência. Disponível em http://www.lfg.com.br 26 janeiro. 2010.
Acesso em 01 de Ago. 2017

GRINOVER, Ada Pelegrini. O interrogatório como meio de defesa (Lei 10.792/2003.


Revista Brasileira de Ciências Criminais n° 53, mar/abr 2005. Ed. Revista dos Tribunais.
2005

GUIMARÃES, Alexsandro Batista Tavares. Sistema Processual Penal brasileiro. Jus


Navigandi, 2016.Disponívelem:https://oialexsandro.jusbrasil.com.br/artigos/345894240/o-
interrogatorio-como-meio-de-defesa-no-processo-penal-brasileiro Acesso em: 04 mai.
2018.

JESUS, Damásio E. de. Código de processo penal anotado. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.
p. 177

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito, Martins Fontes, São Paulo, 1987, p. 240

54
LIPPE, Beatriz Maria Prates. O Direito ao Silêncio na Instrução Penal. 2006. Dissertação
(Mestrado em Direito), Faculdade de Direito. UNITOLEDO, Araçatuba, SP.

LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. 9. Ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 246

LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 13.ed. São Paulo: Saraiva, 2016

MÉDICI, Sérgio de Oliveira. Interrogatório do réu e direito ao silêncio. Revista dos


Tribunais, São Paulo, v. 694, p. 303-309, ago.1993.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 18 ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 272

MORAES, Alexandre. Direito Constitucional.19ª Edição. São Paulo. Editora Atlas, 2006.

MORAES, de Alexandre. Direito Constitucional. 29ª edição, revista e atualizada. São Paulo:
Editora Atlas S.A, 2013

MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis; MORAES, Maurício Zanoide. Direito ao silêncio
no interrogatório. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 6, abr./jun. 1994.

NORONHA. Edgard Magalhães. Curso de direito processual penal. 26. ed. atual. São Paulo:
Saraiva, 1998.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo e execução penal. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2005.

NUCCI, Guilherme de Souza. O valor da confissão como meio de prova no processo penal.
2. Ed. Rev. E Atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 1999. p.163.

OLIVEIRA, Daniel Bernoulli Lucena de. O silêncio no Tribunal do Júri. Revista Jus
Navigandi,Teresina, ano16, n.2845, 16 abr. 2011.Disponívelem:<https://jus.com.br/artigos/1
8911>. Acesso em: 31 jul. 2017

55
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal.- 18. ed. rev. E ampl. Atual. De
acordo com as leis nº 12.830, 12.850 e 12.878, todas de 2013. - São Paulo. Atlas, 2014.

PEREIRA, Gisele Mendes. Direito ao silêncio no processo penal brasileiro. São Paulo:
EDUCS, 2012.

QUEIJO, Maria Elizabeth. O Direito de não produzir prova contra si mesmo: o


princípio nemo tenetur se detegere e suas decorrências no processo penal. São Paulo:
Saraiva, 2003.

QUEIROZ, Paulo de Souza. Direito Penal-Parte Geral. São Paulo: Lumen Juris, 2011.

RANGEL, Paulo, Direito Processual Penal. 21ª ed. São Paulo: Atlas, 2013

SILVA, Amaury. Interrogatório: panorama segundo a lei 10.792/2003. Leme: Mizuno.


2006. p 15.

SILVEIRA, Paulo Fernando. Devido Processo Legal. 3ª edição. Belo Horizonte: Del Rey.
2001

TÁVORA, Nestor. Curso de Direito Processual Penal. 4 ed. Bahia: Juspodivm, 2010.p.70, p.
386-388.

TÁVORA, Nestor. ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal. 8ª ed.
Editora Jus Podivm, 2013.

TORNAGHI. Helio. Curso de Processo Penal. 6. Ed. São Paulo. Saraiva: 1989. p. 356-
357.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 13ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2010.

56
TRISTÃO, Adalto Dias. Aspectos relevantes do interrogatório como meio de defesa. São
Paulo, 2008. 213f. Dissertação (Mestrado em Direito Processual Penal) – Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, PUC-SP, 2008. Disponível em
<http://www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs/cp056787.pdf>. Acesso em 16
mai. 2018.

WIKIPEDIA. Citações. Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Direito_hebraico>


Consulta em 01 jul. 2017.

WIKIQUOTE. CITAÇÕES DO TALMUD - Disponível em


<http://pt.wikiquote.org/wiki/Talmud> Acesso em: 01 jul. 2017.

57

Você também pode gostar