Você está na página 1de 4

Universidade de Brasília - UnB

Instituto de Ciências Sociais - ICS


Programa de Pós-Graduação em Sociologia - PPGSOL
Disciplina: Sociologia Política
Professora: Dra. Débora Messenberg Guimarães
Estudante: Bruno Camargos Matrícula: 220004650

Resenha: BROWN, Wendy. Nas ruínas do neoliberalismo: a ascensão da


política antidemocrática no ocidente. São Paulo: Editora Filosófica Politeia,
2019, pp. 33-107.
Wendy Brown (Califórnia, 1955) é professora de Ciência Política na Universidade
da Califórnia, em Berkeley. O ensaio "Nas ruínas do neoliberalismo" foi publicado
originalmente, e traduzido no Brasil, em 2019, como resultado das suas reflexões provocadas
pela eleição do Donald Trump nos Estados Unidos. O argumento principal deste manuscrito é
que a ascensão da direita se explica pelos efeitos corrosivos do neoliberalismo sobre a
democracia liberal. Para defendê-lo, Brown analisa as idéias-chave do pensamento dos
autores que se reuniram na Sociedade Mont Pèlerin em 1947. Nos dois primeiros capítulos, os
quais vamos abordar, ela explora, respectivamente, i) a crítica e o objetivo destrutivo do
neoliberalismo à sociedade; e ii) os ataques desse modelo à legitimidade (soberania popular) e
à prática (poder político compartilhado) liberal-democrática.
Brown inicia o primeiro capítulo, "A sociedade deve ser desmantelada", afirmando
que o fundamento da democracia repousa na igualdade política. Pensada dessa forma, as
democracias liberais sempre exigiram do Estado moderno um esforço deliberado para a
redução da desigualdade de poder (produto das desigualdades socioeconômicas) entre os
cidadãos nos grandes Estados-nações capitalistas. Nesse sentido, as práticas e as instituições
democráticas exigem a preservação da "sociedade" - compreendida como "o local em que
cidadãos de origens e recursos amplamente desiguais são potencialmente reunidos e pensados
como um conjunto" (p. 38) - e da justiça social. E é precisamente contra essas categorias que
os ataques neoliberais se dirigem.
A autora encontra na obra do Friedrich Hayek a crítica intelectual mais sistemática
desse modelo à idéia de "sociedade" e à justiça social. Resumidamente, ele argumenta que
esse conceito - entendido como uma larga coleção de indivíduos com valores e objetivos
comuns que devem ser fomentados pelo Estado - é vazio, uma falácia defendida por déspotas
interessados em uma ordem planificada favorável ao ilimitado poder coercitivo do Estado. Em
contrapartida, a moralidade tradicional e o mercado competitivo se apresentam para ele como
alternativas para justificar a "interdependência complexa" entre os indivíduos. Essa ideia é
interessante por demonstrar que a aproximação entre o conservadorismo e o neoliberalismo
sempre existiu.
Para Hayek, a tradição e o mercado se assemelham por produzirem uma ordem
dinâmica apropriada, independente das intenções individuais e do poder coercitivo do Estado.
Além disso, elas se apresentam como verdadeiramente justas, em contraste com a justiça
social, pois situam a igualdade nas regras do sistema, e não nos resultados. Por sua vez, a
justiça social é vista como uma negatividade à justiça, à liberdade e ao desenvolvimento
econômico. Daí a necessidade de desmantelar a sociedade, tal como o neoliberalismo tem
feito de diferentes formas: negando sua existência ou a importância da redistribuição
econômica, transferindo as responsabilidades do "Estado social" para as famílias,
transformando as conexões humanas em fontes de capitalização, etc.
Para Brown, a crítica do Hayek à justiça social é, atualmente, consenso no
conservadorismo neoliberal. A negação da existência da sociedade contribui com a
invisibilização das normas e das desigualdades sociais herdadas "da escravidão, do
colonialismo e do patriarcado" (p. 55), favorecendo o entendimento das reivindicações por
reconhecimento e redistribuição como lamentação ou "mimimi". Além disso, a exclusiva
legitimação da preocupação com a igualdade regulatória, em nome da liberdade irrestrita e
despreocupada com o contexto e com as consequências sociais, faz com que a exigência por
igualdade e inclusão seja vista como "tirania do politicamente correto" (p. 54). Portanto, no
neoliberalismo a liberdade se distancia da democracia e se transforma em puro instrumento de
poder.
No segundo capítulo, "A política deve ser destronada", a Brown introduz definindo
"o político" como uma esfera, que opera sob uma normatividade específica, na qual "a
existência comum é pensada, moldada e governada" (p. 68). Somente neste domínio pode
existir a democracia enquanto "governo pelo povo", pois sua legitimidade "advém
exclusivamente de vocabulários e ordenanças políticos" (p. 70). No entanto, o universo
político é visto com desconfiança pelos pensadores neoliberais, o que implica num projeto de
limitação e desdemocratização do Estado. Para a autora, não há dúvida de que essa
demonização do político e do estatismo contribuiu para a ascensão das "rebeliões
antidemocráticas" no Ocidente. Contudo, esse argumento não explica o crescimento do
nacionalismo e da demanda pela centralização do poder político. Por isso, Brown aponta para
a necessidade de uma análise mais profunda da razão política neoliberal para avaliar sua
contribuição com os êxitos da direita antidemocrática.
A autora explica que a crítica dos intelectuais neoliberais ao político e à democracia
não é homogênea, mas compartilham o entendimento desses elementos como uma ameaça às
liberdades individuais, ao mercado e à moralidade tradicional. Não apenas ao poder político e
à democracia, a objeção central deles se dirige também ao estatismo expansivo e à soberania
política. Isso não significa que esses pensadores propõem um Estado fraco, mas um Estado
forte com poucas e acentuadas funções que favoreçam o mercado. E é importante notar que
toda oposição ao poder político democrático é feita em nome da liberdade individual. Feitos
esses esclarecimentos, a Brown apresenta o pensamento do Milton Friedman, do Hayek e dos
ordoliberais.
Friedman é claro ao afirmar que o poder político é um poder coercitivo que ameaça a
liberdade econômica e a liberdade política. Nesse sentido, a democracia é compreendida
como uma coerção da maioria. Além disso, ele reconhece a importância do Estado para o
capitalismo competitivo, mas pondera com a necessidade de um governo limitado e da
separação entre o poder econômico e o poder político. Hayek, no mesmo entendimento,
demoniza a soberania popular por ela conferir legitimidade ao poder político ilimitado,
expandindo o poder estatal e constrangendo a liberdade.
Hayek argumenta que há fortes tensões entre a liberdade e a democracia. Nos
interessa, principalmente, o par oposto que ele define para a democracia - o autoritarismo - e
para o liberalismo - o totalitarismo. Esse quadro argumentativo nos permite distinguir a
natureza desses elementos: os primeiros estão ligados à concentração do poder político e os
últimos ao controle exercido sobre o indivíduo. Além disso, ele nos oferece possibilidades
lógicas para a existência do liberalismo autoritário e da democracia totalitária. Para a autora,
isso autoriza os neoliberais a legitimar experiências como a ditadura do Pinochet no Chile,
assim como dá sentido aos discursos que alegam "excessos da democracia" - que se referem
aos "excessos" do Estado social.
Por sua vez, os pensadores ordoliberais, explica Brown, não rejeitam a soberania
estatal, mas buscam substituir a democracia pela tecnocracia. Apoiados sobre a idealização do
Estado engessado em uma "constituição econômica", eles objetivam assegurar politicamente o
liberalismo econômico. O Estado ordo é pensado como uma instituição isolada da democracia
e da economia para que nem o Estado, nem o capitalismo, sejam enfraquecidos. Para isso, a
constituição política não é eliminada, mas é reduzida à função exclusiva de "proteger a
continuidade do espírito, da história e da experiência de uma nação" (p. 96). E a constituição
complementar garante uma máquina estatal dirigida por especialistas técnicos, despidos de
autoridade política, que condiciona e corrige a economia de mercado. Nesse sentido, os
interesses políticos e a decisão democrática são rejeitados e o poder político é vinculado "ao
suporte para o liberalismo econômico e a ordem moral" (p. 98).
Teoricamente, observa a Brown, o estatismo expansivo não é uma ameaça apenas ao
mercado. Os "excessos" do Estado social é visto como um problema porque substitui as
funções familiares, assim como a justiça social substitui a lei moral. Hayek afirma
categoricamente que os únicos poderes legítimos de uma "sociedade livre, moral e ordenada"
são os "princípios comumente aceitos" (p. 90), os valores tradicionais.
A autora recapitula, portanto, que no sonho neoliberal os Estados seriam orientados
quase exclusivamente para "uma ordem global de fluxo e acumulação de capital livres" com
"nações organizadas pela moralidade tradicional e pelo mercado" (p. 100). No entanto, o
efeito da aversão ao político necessária para esse objetivo foi o surgimento dos Estados
plutocráticos continuamente instrumentalizados e dirigidos pela economia, coordenados por
forças nacionalistas que inviabilizam o governo limitado e a competição global. E a
moralidade tradicional, por sua vez, tornou-se apenas um instrumento para o populismo
rancoroso, raivoso e ressentido. Diante disso, ela se questiona: O que deu errado?
Finalmente, Brown explica que tanto teoricamente como empiricamente, os
neoliberais minaram o seu projeto quando subestimaram a importância do domínio político:
teorizando inadequadamente a vida política, rejeitando localizar a liberdade no universo
político, cultuando a autonomia da economia em relação ao político e, principalmente,
combinando uma crítica "desconstrutiva e normativa dos poderes políticos" (p. 104) com a
promessa de atrofiá-los no futuro. No final das contas, a grande prejudicada pela
racionalidade neoliberal foi a democracia liberal que, cada vez mais, é desacreditada.

Você também pode gostar