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ULTRAVIOLÊNCIA - A igualdade e o egoísmo

Vemos a partir dos adventos da modernidade, ideologias e burocracias que


padronizam o cenário político e econômico quase do mundo inteiro.
Comercializadas como verdades absolutas, algumas ideologias se mascaram em
suas características de essência utópica, tendo na sua aplicação prática valores
distorcidos. Com o objetivo de entender o processo que levou a um sistema de
organização territorial e cultural violento, serão expostos diferentes pensadores que
buscam entender e que determinaram os aspectos racionais decorrentes da
revolução capitalista, que são utilizados até hoje para abusar da inocência humana
na hora de vender ideologia em formato industrial, como se fosse um produto. Por
meio de ideais e princípios incontestáveis, a cultura tentadora do capitalismo enche
o imaginário popular de esperança com o sonho de subir de classe social.
Willem Schinkel em seu livro Capitalismo, Racismo e Facismo: As Raízes da
Violência, determina o modo de vida capitalista contemporâneo como inevitável, e
parte daí a violência e injustiça intrínseca. Nossas vidas são governadas de modo
que somos obrigados a correr. Todos têm que correr, e para isso, se segue o
inevitável caminho pelo qual todas as vidas são empurradas. Mesmo com a
proposta fundamental de igualdade, cada vida começa essa corrida de um ponto
diferente, e poucas realmente têm a oportunidade de alcançar o patamar exigido
para uma vida digna e vitoriosa na sociedade capitalista competitiva. Com territórios
divididos e ideologias estabelecidas, as sociedades se organizam em Estado
Nação, fenômeno internacional designado para governar um país, estabelecer e
desenvolver sua identidade nacional e a cultura local, inserindo-o no âmbito
internacional competitivo. A criação de Estados Nacionais é um movimento que
historicamente se apoia no nacionalismo para ter força, essa que é uma ideologia
que carrega consigo o peso de expressões como “Sangue e solo”, que tem em seu
conteúdo ideais fascistas e fundamentadores de catástrofes políticas como o
facismo e o nazismo.
Por meio de diversas análises nos últimos três séculos, vê-se como a
violência mascarada se faz presente em cada aspecto da sociedade
contemporânea, e que quanto maior a dificuldade de perceber essa violência, mais
agressivas serão suas consequências.
Entre o Séc. XII e XVI, com a crise do feudalismo e a ascensão da classe
burguesa, o pensamento ocidental trabalhou ao redor de valores e instrumentos
sociais que pudessem ser validados e supostamente aproveitados igualmente por
todos os seres humanos. O ambiente renascentista no qual a elite intelectual
burguesa em ascensão se encontrava, acaba reforçando o valor de racionalizar e
questionar, buscando um pensamento crítico e científico. Nos longos anos de
transição para a idade moderna, passou-se da visão teocêntrica que colocava Deus
como centro de tudo, para um pensamento antropocêntrico, com o homem sendo a
figura central do universo. Permitindo e dando então, poder para o indivíduo chegar
nas suas próprias verdades. É importante analisar a origem e o momento histórico
desse modelo de pensamento. Com o fim da Idade Média, o racionalismo era uma
evolução ao caos e ao modelo teocrático. A busca por uma verdade fundamentada
estava esquecida nos tempos antigos, não se ouvia falar em igualdade incorruptível
desde a democracia ateniense. Nesse contexto, uma proposta, mesmo que apenas
um pouco mais justa, se destacou e se difundiu no imaginário popular.
Thomas Hobbes escreveu no início do Séc XVII a icônica frase “o homem é o
lobo do homem”, e assim coloca o ser humano essencialmente contra si mesmo.
Tendo esse como um princípio fundamental da natureza humana, propõe o Estado
como a única forma de impedir que um ser humano destrua o outro. Essa visão fria,
contém uma essência que repercute até hoje. Trata do suposto egoísmo natural do
ser humano, e Hobbes ainda estimula o uso e desenvolvimento do egoísmo
racional, esse que seria uma estratégia social para se encaixar e sobreviver.
Ferramenta muito útil para a competição interpessoal presente em todas as
aplicações práticas nas ideologias que surgem com a revolução capitalista.
Um marco no racionalismo, Hobbes se correspondia com Descartes,
fundador do pensamento cartesiano e do método científico, buscava verdades
incontestáveis. Isso se trata da exploração metódica das ferramentas mentais que o
ser humano dispõe, tirando delas as respostas que mais fazem sentido, e
conseguindo assim, provar tudo por meio do raciocínio lógico. Ao mesmo tempo que
esse movimento racionalista nos traria a liberdade para questionar tudo, também
trazia a essência da lógica inquestionável. O peso desse tipo de pensamento é
difícil de ser calculado, pois se analisarmos algumas das consequências na
sociedade moderna e contemporânea, veremos que o conceito de verdade absoluta
se impregnou e serve de máscara para ferramentas sociais e ideologias que
desenvolveram com o tempo distúrbios na sua essência fundamental, e hoje são
difíceis de serem identificados por estarem enlaçados na filosofia sistemática do
mundo capitalista.
Para a hegemonia desse conjunto de novas verdades, fez-se o uso de
ferramentas ideológicas e culturais, que carregam o peso indissociável da ordem do
egoísmo. Novas formas de controle estariam por vir, com a queda de uma máxima
divina e com a chegada da idade moderna, o peso do racionalismo e do método
científico, em busca da verdade nos mais diversos âmbitos, se concretizou em
ideologias e burocracias que carregam o que poderiam ser valores e princípios
universais, que demonstram poder de padronizar o cenário ideológico, político,
territorial e comercial quase no mundo inteiro. O desencadeamento global de novos
métodos, impulsionado pela capacidade de comercializar, em sua natureza, não só
produtos mas também ideias, a revolução capitalista foi responsável pela
dominação cultural da ideologia moderna europeia. Vemos a partir da revolução
capitalista, com as grandes navegações, o colonialismo e a revolução industrial em
diversos países cada um no seu tempo, o surgimento das estruturas que constituem
os Estados Modernos e o processo de burocratização global, com a organização
social e territorial em Nação e Sociedade Civil. Ferramentas como a democracia
representativa, e ideologias como o liberalismo e o nacionalismo, carregam a
proposta de um ambiente com mais espaço para o desenvolvimento de direitos
iguais e do espírito coletivo, se comparado aos regimes repressivos que os
antecederam.
Schumpeter, com sua teoria econômica que redefine a democracia, deixa
evidente que um conjunto de ideais burgueses não poderia deixar de favorecer os
mesmos. Propostas nobres como a democracia, reduzidas a meros instrumentos de
mercado e tendo-a como uma maneira simples de estabelecer uma pequena e
poderosa parcela da população como dominante. Em sua analogia da democracia
com o mercado, coloca o eleitor como consumidor; as políticas como produtos; e os
políticos como empresários. Pensando dessa forma, a democracia se sustenta pela
satisfação de uma máxima comercial, perdendo sua essência ideológica onde a
mesma seria pura e incorruptível, focada exclusivamente na igualdade.
Se devidamente replicado, a construção de um estado organizado e
burocrático deve estabelecer a noção de comunidade e nação. É importante que o
indivíduo se emocione pelo coletivo, e busque aprimoramento pessoal assim como
aprimoramento do seu grupo como um todo. Para conseguir administrar e inserir
novos membros nesse jogo de caráter competitivo, é importante uma cultura e
identidade devidamente envolvida em todos os aspectos que geram competição
internacional. Para isso, se desenvolveram os símbolos e ferramentas capazes de
hegemonizar o comércio e a política, talvez mais difíceis de serem quebrados do
que as amarras dos sistemas pré-capitalistas. O modo racional de pensar, se levado
ao extremo, pode ter consequências anti-humanas. Movimentos decorrentes da
ideologia capitalista, como o nacionalismo e o liberalismo, podem abandonar seus
ideais incorruptíveis de equilíbrio e justiça com facilidade, e passar então a lidar com
a exclusão direta de populações que historicamente já tem seus direitos básicos
negados. A violência invisível, se não desmascarada, retém os piores aspectos da
humanidade com precedentes históricos contemporâneos de catástrofes sociais.
Percebe-se que a dissociação individual desse formato ideológico e
político-burocrático é quase impossível. A parte ideológica se funde à cultura, e
começa a se tornar uma característica pessoal do próprio indivíduo, fazendo com
que o mesmo goste do que acredita. O político-burocrático se trata do aspecto de
racionalizar a organização estatal, o que torna sua diluição impossível. Qualquer ser
humano que nasce nessas circunstâncias é automaticamente agredido pela
imposição de propostas inquestionáveis, mesmo que do mesmo nunca surja a
proposta de questioná-los. Ao concordar e viver em uma suposta democracia, fica
implícita a assinatura de cada um em baixo de cada ato violento institucionalizado.
Dessa forma, se não for estimulado o egoísmo, a chance de um indivíduo ter sua
vida preservada e suas necessidades básicas atendidas na sociedade
contemporânea é mínima. E da forma que se desenrolaram as políticas públicas nos
dias de hoje, a injustiça é sustentada pelos próprios injustiçados, que enfeitiçados
pela objetividade do pensamento racional, acreditam beneficiar a todos entregando
seu tempo e sua vida para uma máquina “evolutiva” que representa algo muito
maior que eles próprios. Isso quando a falta de educação básica não confunde mais
ainda as populações vulneráveis, às confundindo com valores extremistas que tiram
o foco da má organização das massas, e fazem o povo culpar seus próprios
compatriotas, abrindo portas para o facismo e o ódio a tudo que é diferente.

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