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A CONSTRUÇÃO DA IDEOLOGIA “PROGRESSISTA” BURGUESA E SUA

MANUTENÇÃO COMO FARSA


Vera Lúcia Batista Gomes1
Marcus Wilke Silva Lima2
RESUMO
Este artigo pretende analisar a trajetória da construção da ideologia burguesa, a partir
da Revolução Francesa, destacando a sua importância para a manutenção do modo de
produção capitalista. Esta ideologia tem contribuído para “amenizar” as tensões provocadas
pelas constantes crises de produção. Tenta discutir como ideologia burguesa atua de forma
repressiva impedindo o desenvolvimento completo das forças produtivas que poderia gerar
novas relações de produção. Evidencia que a burguesa direciona as relações de produção
capitalista quer seja para eliminar, quer seja para dificultar a produção e reprodução de novas
relações de produção advindas do estagio atual dos instrumentos de produção.

Palavra chave: Ideologia burguesa, produção capitalista, forças produtivas, relações de classe.

1 INTRODUÇÃO
Este artigo pretende analisar a trajetória da construção da ideologia burguesa, na
perspectiva de evidenciar a sua importância para a manutenção do modo de produção
capitalista, na medida em que a mesma contribui para a diminuição das tensões causadas pelas
constantes crises inerentes ao modo de produção capitalista. Tenta discutir como a ideologia
burguesa atua de forma repressiva impedindo a realização completa das forças produtivas
visando a continuação do desenvolvimento de novas relações de produção.
A ideologia burguesa direciona as relações de produção capitalista para eliminar ou
dificultar a produção e a reprodução de novas relações que são determinadas pelo estágio dos
instrumentos de produção, “naturalizando” o modo capitalista de produção, tentando fazer
com que os homens, em geral, percam a noção de história e sua própria identidade como
sujeitos que transformam suas condições de vida, a partir da interação com a natureza.
Com efeito, a falsa noção do real na vida das pessoas foram e ainda são, um dos
problemas mais discutidos por pensadores do mundo inteiro. No pensamento ocidental, Platão

1
Assistente social, doutora em sociologia do trabalho pela Université de Picardie “Jules Verne”, Amiens-France;
professora do curso de Graduação e Pós-Graduação em Serviço Social-Universidade Federal do Pará.
2
Assistente Social, discente do curso de mestrado em Social Social-Universidade Federal do Pará-UFPA; bosista
da CAPES.
e Aristóteles marcaram o nascimento de duas matrizes teóricas que buscam explicar esse
fenômeno - o mundo dividiu-se: de um lado os idealistas e de outro os materialistas.
Para os idealistas, segundo Platão, a realidade sensível é apenas a expressão das idéias,
mas não corresponderia a realidade, pois, trata-se apenas de uma imagem: o que é verdadeiro
é imutável, só é igual a si mesmo. As idéias são para Platão a parte inteligível do ser, que
pode ser decodificada pela mente humana. Contrariamente, os materialistas – dentre os quais
se destaca Aristóteles – acreditam que o real é o que pode ser sentido, percebido pelos nossos
sentidos. Para ele, a razão poderia decodificar a aparência sensível das coisas, sendo assim,
possível escapar do erro de considerar somente a matéria e enxergar a sua razão ou essência.
No século XXI, a burguesia faz um grande esforço para apagar da mente humana, a
originalidade, como se as relações sociais só se reproduzissem e nunca se transformassem.
Esse papel castrador do progresso humano é realizado pela ideologia burguesa que tenta
cristalizar, o que é perecível.

2 O ABSOLUTISMO SOB A TUTELA DA BURGUESIA

A burguesia construiu uma estrutura ideológica como suporte à sua apropriação dos
meios de produção e a utiliza para justificar sua posição de classe dominante na sociedade
contemporânea. Segundo essa ideologia, as conquistas e o progresso do modo de produção
capitalista são pra todos.
A tentativa de evidenciar o uso conservador que a sociedade burguesa faz dos
conceitos de Democracia, Direitos Humanos e Liberdade, dentre outros, torna-se importante
voltar, ainda que de forma breve, ao nascimento da sociedade moderna onde se rascunhou
pela primeira vez ou se resgatou, embora de forma diferente, alguns desses conceitos. Para tal,
tomou-se como ponto de partida, o contexto histórico que conduziu à Revolução Francesa.
Segundo Huberman (1976), a sociedade francesa, até o século XVIII, estava
organizada em três níveis ou estados. No primeiro, se destacava o Clero que monopolizava o
poder espiritual, ético e moral, e os impunha a todos. No segundo, estava a Nobreza que
monopolizava o poder político e gozava juntamente com o Clero de uma gama de privilégios
políticos, econômicos e sociais que ao povo era negado e, no terceiro estado estava o Povo
que era formado, basicamente, por artesões, camponeses e por uma classe média que
enriquecia cada vez mais com a manufatura e o comércio. Este grupo devia obediência e
tributos ao Clero e a Nobreza.
O feudalismo sinalizava sua decadência desde o Renascimento quando o homem
passou a ser o centro das reflexões sobre o mundo e, se intensificou com o surgimento do
Estado-nação, com o mercantilismo e com a descoberta do novo mundo. Essas
transformações foram financiadas por uma classe que emergia com muito poder econômico,
mas sem prestígio e status social. Essa nova classe, que mais tarde constituirá a burguesia, via
no clero o eixo central da organização da sociedade feudal e precisava enfraquecê-la para
continuar o seu desenvolvimento.
A burguesia pelo interesse de expandir seu poder econômico e político precisava
diminuir a influência da Igreja Católica na vida das pessoas e da sociedade. Para ela, a
estrutura social e econômica da sociedade feudal limitava o seu desenvolvimento, pois, cada
feudo tinha leis e taxas próprias, por isso passou a financiar alguns senhores feudais, que
cresceram em poder e passaram a submeter os outros ao seu poder, surgindo assim os Estado-
nação, os quais possibilitariam uma outra estrutura político-administrativa que não
prejudicasse seus negócios, isto é: um governo forte que centralizasse o poder, capaz de impor
certa ordem à sociedade, por meio de instrumentos legais e o monopólio da força, visto que
havia a “Necessidade de uma autoridade central, um Estado nacional. Um poder supremo que
pudesse colocar ordem no caos feudal” (HUBERMAN, 1976, p. 80). Nasce, nasce assim, o
absolutismo que foi o sistema político e administrativo que vigorou do século XVI ao XVIII.

3 DA SOCIEDADE DOS “DESIGUAIS” PARA A SOCIEDADE DOS “IGUAIS”

Historicamente, as sociedades em geral têm criado um conjunto articulado de estrutura


econômica, política, social e cultural para garantir sua manutenção e reprodução. À isso se dá
o nome de ideologia3. Segundo a teoria crítica do pensamento, a ideologia predominante em
uma dada sociedade corresponde à sua classe hegemônica. Na sociedade feudal predominava
uma ideologia feudal que correspondia aos interesses das classes dominantes da época.
Assim, esse conjunto articulado de estruturas se modifica conforme o desenvolvimento das
sociedades e os interesses da classe que detém a hegemonia sobre ela, impondo sua forma de
ver o mundo.
Essa luta de idéias é eterna nas sociedades humanas, por isso nem a Idade Média que
viria durar mais de mil anos, foi capaz de destruir a dialética da vida das sociedades. Assim, o
que parecia sólido - a sociedade feudal desmoronou. O poder da Igreja católica sobre a

3
O sentido usado aqui para o termo “ideologia” é o sentido utilizado por Marx, a qual expressa uma falsa
noção de real materialmente concebida.
consciência do homem diluiu-se e ele, inspirado na história, voltou a colocar-se no centro
como medidas de todas as coisas.
A Revolução Francesa expressou concretamente que no século XVIII, uma nova
atmosfera de pensamentos encadeados de forma racional que se expandia pela velha Europa.
Esse período foi chamado de Iluminismo: uma nova forma de ver o mundo que criticava a
Idade Média e as relações feudais, pois, acreditava-se que nesse período imperava a
escuridão. O iluminismo marcava, assim, o nascimento da humanidade dos homens que para
os pensadores da época representava o progresso deste ser pautado na racionalidade e na
noção dialética da história.
Surge aqui, a figura do indivíduo como ser capaz de se constitui socialmente, que
pensa autonomamente e, quer decidir sobre sua própria vida, independente das tradições, quer
construir a própria história. O indivíduo moderno questiona a ordem da sociedade,
acreditando que poder fazer escolhas e escrever sua história. A burguesia se identificava com
essa figura que nasce questionando sua situação social e a estrutura social vigente.
Segundo Coutinho (1972), o grande legado desse movimento progressista ascendente
que buscava a construção de uma racionalidade humanista e dialética, foram: o humanismo, o
historicismo e a razão dialética, o quê explica porque, após a Revolução Francesa, a burguesia
fará um grande esforço para tentar deslegitimar tais conquistas. Para este autor “As categorias
do humanismo, do historicismo e Razão dialética são os únicos instrumentos capazes de
fundar cientificamente a ética e a ontologia. Por isso, a tendência ideologizante da decadência
começa exatamente por romper com tais categorias” (COUTINHO, 1972, p. 16).
A burguesia via no Iluminismo a oportunidade de conquistar uma dimensão
importante na sua luta pelo poder que era a mente dos homens, por isso passou a financiar
esses pensadores. A nova classe, então, vestiu-se de revolucionária contra os desmandos dos
reis, principalmente, no campo econômico, voltando-se contra o mercantilismo, os privilégios
da nobreza e do clero, a favor de uma sociedade justa, onde todos tivessem liberdade e fossem
iguais.
A Revolução Francesa pode ser entendida como o apogeu do pensamento racionalista,
que criticava a forma irracional como o rei e a nobreza conduzia o país. Neste momento, não
havia outra coisa a ser feita que não derrubar o regime vigente e instaurar uma sociedade
alicerçada pela nova ideologia. Para tanto, a burguesia dispunha da organização e do dinheiro,
necessários à uma revolução, mas faltavam-lhes homens revoltados com sua situação de
extrema pobreza, por isso, segundo Huberman (1976, p. 159) “A burguesia insuflou a
revolução porque tinha que fazê-lo. Se não derrubassem seus opressores, teria sido por eles
esmagada.” A burguesia uniu-se a revolta do povo, mas, seus projetos não eram os mesmos.
O primeiro lutava por um Laissez-faire no comércio e na indústria e, o segundo lutava por
liberdade e justiça social.

4 LIBERDADE, IGUALDADE E FRATERNIDADE PARA ALGUNS


Liberdade, Igualdade e Fraternidade foram os princípios que sintetizavam o ideário da
Revolução francesa que não se concretizou para o povo - somente a classe burguesa viria, de
fato, a usufruir, de todos os benefícios da derrubada da estrutura feudal. Neste sentido, a
“Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão” aprovada em 26 de agosto de 1789, pela
Assembléia Constituinte, no contexto inicial da Revolução, apresenta muito mais do que os
princípios iluministas, a medida que já apontava o projeto conservador da burguesia, segundo
o qual a Liberdade e Igualdade não se realizariam, plenamente, para todos. Com este
documento, a propriedade privada dos meios de produção passou ser legalmente invioláveis.
Antes do término do processo revolucionário, a burguesia já iniciava um outro: o de
conter a revolução que ajudara a realizar. A propósito, Marx, em o “18 Brumário de Luiz
Bonaparte”, irá fazer uma afirmação emblemática e precisa sobre esse movimento
antirrevolucionário da classe que ascendera ao poder: “A burguesia tinha a exata noção de que
todas as armas que forjara contra o feudalismo voltavam seu gume contra ela, que todos os
meios de cultura que criara rebelava-se contra sua própria civilização, que os deuses que
inventara a tinham abandonado (MARX, 2008, p. ?).
Ainda em plena Revolução, a burguesia inicia um movimento que irá ocupar-se de
limitar, em todos os sentidos, o progresso que a cultura da razão tinha proporcionado à
humanidade como único meio para o alcance do que é real. A burguesia, em fim, mostrara seu
real caráter conservador que só fora realmente progressista quando seus interesses estavam
em questão, por exemplo, ela não tinha interesse em resolver o problema da distribuição da
riqueza, isto é, não foi progressista, ao contrario, foi profundamente conservadora, brindando
a propriedade privada como “inviolável”.
Para Coutinho (1976) o contra fluxo ao pensamento progressista tenta “corrigir”
ideologicamente as categorias que o possibilitaram:
Em lugar do humanismo, surge um individualismo exacerbado que nega a
sociabilidade do homem, ou a afirmação de que o homem é uma „coisa‟ ambas as
posições levando a uma negação do momento (relativamente) criador da práxis
humana; em lugar do historicismo, surge uma pseudo-historicidade subjetivista e
abstrata ou uma apologia a positividade, que transforma a história real (o processo
de surgimento do novo) em algo „superficial‟ ou irracional; em lugar da razão
dialética, que afirma cognoscibilidade da essência contraditória do real, vemos o
nascimento de um irracionalismo fundado na intuição arbitraria, ou um profundo
agnosticismo decorrente da limitação da racionalidade ás suas formas puramente
intelectivas (COUTINHO, 1976, p. 17).

A partir de 1830, as idéias de Augusto Comte precursor do positivismo, popularizam-


se. Este autor acreditava que no estágio atual do desenvolvimento intelectual do homem o
espírito positivo deveria dedicar-se ao estudo de coisas possíveis. Segundo ele, a fase das
especulações filosóficas de proposições absolutas havia passado, agora, o homem deveria se
dedicar aos estudos de coisas sensíveis, buscando identificar as leis dos fenômenos naturais.
Para ele, o conhecimento verdadeiro deveria ser verificável cientificamente e, acreditava
também que havia limites para o conhecimento humano. Assim, “Discurso preliminar sobre o
espírito positivo” pode-se perceber a função que atribuía às ciências e o limite que julgava
existir ao entendimento humano sobre as coisas:

Em uma palavra, a revolução fundamental que caracteriza o estado viril de nossa


inteligência consiste em substituir por toda a parte a inacessível determinação das
causas propriamente ditas, pela simples pesquisa das leis, isto é, das relações
constantes que existem entre os fenômenos observados. Quer se trate dos menores
ou dos mais sublimes efeitos, do choque e da gravidade, quer do pensamento e da
moralidade, deles não podemos conhecer realmente senão as diversas ligações
mútuas próprias à sua realização, sem nunca penetrar o mistério da sua produção
(COMTE, 2002, p. 12).

Para Comte, só seria possível ao homem, através de apreciações sistemáticas dos fatos
existentes, o conhecimento das leis gerais deste, nunca sua origem (essência) ou destino (vir a
ser). Mesmo o conhecimento dessas leis gerais não é absoluto, é apenas relativo, pois os
meios utilizados nas pesquisas são sempre imperfeitos, sendo, portanto, impossível de fato
conhecer apenas aproximar-se da existência real das coisas, não se trata aqui da dialética das
coisas, do eterno vir-a-ser das coisas, é tão somente a impossibilidade dos homens
conhecerem o real. Para este autor, mesmo essa aproximação do que possa ter, o real não é
algo possível a todos os homens, mas somente o intelectual que teria este privilégio.
Na filosofia de Comte e, posteriormente, no método positivista de Durkheim, as
categorias da razão dialética (tese, antítese e síntese), da historicidade (história feita pelos
homens em seu processo de desenvolvimento) e do humanismo são abandonadas. Por isso, a
burguesia absorverá sua filosofia, pois, ela não se choca com seus interesses, pelo contrário, a
burguesia, agora, conservadora não tem interesse em transformar a realidade a partir do
confronto de suas contradições, muito menos, estimular nos homens a busca por sua
humanidade, entendida como amadurecimento intelectual e percepção no mundo.
Com o positivismo, as palavras liberdade, igualdade e fraternidade já são outros, não
fazem mais alusão à necessidade de mudança na ordem social, seus sentidos foram
reformulados para justamente cimentarem a manutenção da ordem burguesa conforme a
filosofia positivista, segundo a qual, para que haja uma perfeita harmonia na sociedade os
indivíduos devem à ela se ajustar segundo suas funções e lugar na estrutura social.

5 A CONCEPÇÂO DE MUNDO DO MATERIALISMO HISTÓRICO


Marx inverteu a lógica dominante que limitava o papel da filosofia no
desenvolvimento das ciências humanas, afirmando não haver separação entre homem e
natureza, demonstrando com “O Capital”, sua principal obra, que a história da humanidade só
terá fim quando o homem não mais existir. Segundo Lukács, para Marx “a função prático-
social de determinadas formas de consciência, independentemente do fato de que elas, no
plano ontológico geral, sejam falsas ou verdadeiras” (1979, p. 14) era um problema que
precisava ser explicado, porque que as idéias, as crenças, a ideologia têm efeitos práticos na
vida dos homens. Para esse autor, a origem das idéias não estava no pensamento do homem -
elas seriam representações ou falsas representações do real que mesmo a ideologia tinha suas
raízes na terra, ou seja, existia a partir de uma base material. Por isso, dedicou-se a estudar as
relações sociais na sociedade burguesa do século XIX, ele via aí, a chave para o
desenvolvimento de um pensamento crítico sobre a sociedade.
Segundo este autor (1979), Marx iria explicar tal problemática a partir de uma base
real e material que tivesse conexões práticas com o modo de vida dos homens. Para tal,
negaria, em parte, as explicações idealistas de Hegel, segundo o qual primeiro se dá a idéia e,
em seguida sua materialização como fenômeno. Marx partiu do contrário, inverteu esta lógica,
para ele, a manipulação da matéria possibilitaria o surgimento das idéias que voltavam a atuar
sobre a realidade transformando-a. Sob esta ótica de pensamento, as relações entre os homens
na sociedade teriam pressupostos materiais, suas origens e desenvolvimento estariam,
portanto, sob o domínio da economia.
Para Marx, não havia ausência de influência da natureza na sociedade e vice-versa,
pois, a relação do homem com a natureza é um processo onde ocorre mutua transformação. A
relação homem/natureza seria mediada pelo trabalho, neste sentido, o trabalho se configura
como central na analisa crítica da sociedade burguesa. Em outras palavras, para o pensamento
crítico, o trabalho criou o homem como ser social, “O trabalho, portanto, enquanto formador
de valor de uso, enquanto trabalho útil, é uma condição de existência do homem,
independente de todas as formas de sociedade” (idem, p. 16).
Este pensador não criou uma nova tradição de pensamento (o materialismo) mas, o
aperfeiçoou, aproveitando outros elementos, como a dialética hegeliana e o sentido histórico
da existência humana. Esses elementos deram origem a uma tradição de pensamento – o
materialismo-histórico e dialético – que se opõem a tradição de pensamento hegemônica – a
positivismo, desenvolvida por Durkheim. Para a primeira, não é possível entender a realidade
de forma isolada, sem conexão com o que é sensível, não havendo dicotomia entre homem e
natureza, eles formam um só elemento que, ao mesmo tempo, se transformam mutuamente.
Na segunda, o quê está dado é real, pois representaria o estágio atual do desenvolvimento do
homem e da sociedade e, a busca pela explicação de sua origem não é relevante, o mais
importante, portanto, seria o desenvolvimento de maneiras do homem se adaptar a esta
realidade.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A tentativa de analisar como a burguesia criou ao longo da história, a sua ideologia a


partir do modo de produção capital, a disseminou na maioria das sociedades como verdade
absoluta, como o último estágio de desenvolvimento que as sociedades humanas poderiam
alcançar. A ideologia burguesa potencializou o seu desenvolvimento e possibilitou a
manutenção de sua hegemonia como classe dominante na sociedade moderna.
Para conquistar e manter sua hegemonia como classe dominante, a burguesia criou
alguns princípios e reformulou outros, segundo os seus interesses, tornando-os pilares do
edifício desta sociedade. Princípios, aos quais, todas as sociedades, independente de sua
origem e cultura, ou estágio de desenvolvimento, deveriam se submeter incondicionalmente,
pois, tais princípios são, em suas formatações atuais, inquestionáveis, devendo os mesmos
serem defendidos a “ferro e fogo”. Até então, parecia não haver nada de novo, comparando-se
com a sociedade feudal, onde o cristianismo permitiu a submissão das pessoas à autoridade da
Igreja que também o defendeu intensamente, produzindo rigorosamente os mesmos
resultados: massacres e domínio.
Em síntese: o direito a propriedade privada que se tornou a gênese da sociedade civil,
a democracia que se tornou uma espada imperialista, a liberdade que se tornou em fetiche, a
cidadania que se tornou um produto do consumo e, os da moda: os direitos humanos que se
tornaram um instrumento de manutenção da ordem capitalista e o desenvolvimento
sustentável como uma proposta de ”humanizar” o capital. Não se trata de negar,
rigorosamente, estes princípios ou reformá-los e, sim, de resgatá-los como conquista de toda
humanidade.
Um exemplo das contradições desse discurso, destaca-se: em 2001, após o ataque às
torre gêmeas do Word Trad Center, os EUA, com o pretexto de defender a “Democracia e a
Liberdade” dos povos do mundo, invadiram o Afeganistão e, em 2003 invadiram o Iraque
procurando “armas de destruição em massa”. Apesar de, em 1945, após a Segunda Guerra, ter
sido criada uma instituição de caráter internacional, com representantes da maioria dos países
do mundo, que teria o poder e respaldo legal para intervir em questões desse tipo. Trata-se da
Organização das Nações Unidas – ONU, que conforme um dos seus princípios tem o objetivo
de: Mantener la paz y la seguridad internacionales, y con tal fin: tomar medidas colectivas
eficaces para prevenir y eliminar amenazas a la paz, y para suprimir actos de agresión
uotros quebrantamientos de la paz (ONU, 2011). Contrariando os objetivos da ONU, os
Estados Unidos e países aliados demonstraram que esta instituição é mais uma expressão da
ideologia da burguesa, por isso, atende aos seus interesses do capital para a obtenção do lucro.
Assim, constata-se que a ideologia burguesa tem cumprido papel um fundamental na
manutenção do modo capitalista de produção, dificultando sua transformação para outro
modo de produção. A propósito, “A ideologia dominante do sistema social estabelecido se
afirma fortemente em todos os níveis, do mais baixo ao mais refinado” (MÉSZÁROS, 2004,
p. 59), estendendo-se ao nível das relações sócias de produção: “Na verdade, a ideologia não é
ilusão nem superstição religiosa de indivíduos mal-orientados, mas uma forma especifica de
consciência social, materialmente ancorada e sustentada” (idem, p. 65), sendo, portanto,
própria das sociedades de classe, e sua superação pressupõe o fim desta.
O modo de produção capitalista tem internamente uma fissura incorrigível,
identificada por Marx, como CRISE, a qual corresponde a um “remédio” que é a ideologia
burguesa, isto é: uma falsa noção de real criada sobre o capitalismo. A ideologia burguesa
atua profilaticamente de modo a evitar a transformação do modo de produção capitalista para
outro, decorrente do desenvolvimento inevitável das forças produtivas.
O primeiro fator para essa transformação, segundo a teoria crítica, é o estágio de
desenvolvimento das forças produtivas: homens, experiência da produção, hábitos de trabalho
e instrumentos de produção. Estes, em particular, têm importância fundamental no
desenvolvimento dos demais. “O desenvolvimento das forças produtivas está condicionado
pelo desenvolvimento dos instrumentos de produção” (POLITZER, 1970, p. 217), pois como
já mencionado, o homem por meio do trabalho, transforma a natureza e a si mesmo.
Assim, novos instrumentos de trabalho provocam mudanças nas outras forças
produtivas, inclusive no próprio homem. Entretanto, o desenvolvimento das forças produtivas
é reprimido pelas relações de produção dominantes que dão forma a determinado modo de
produção. No modo de produção capitalista, as relações de produção dominantes configuram
a ideologia burguesa. Ela impede a transformação do modo de produção capitalista em outro,
agindo repressivamente sobre as relações de produção naturalmente superiores, travando o
seu desenvolvimento e a sua reprodução, provocando, com efeito, uma noção falsa do real,
segundo a qual, o modo de produção capitalista seria o estágio mais avançado de organização
produtiva que humanidade poderia alcançar em sua aventura na terra. A partir dele, e só dele,
todos os males poderão ser superados, sendo, portanto, uma questão de tempo suas
resoluções.

7 REFERÊNCIAS
ANTUNES, Ricardo, Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do
mundo do trabalho. 12.ed. – São Paulo: Cortez, 2007

COUTINHO, Carlos Nelson. O Estruturalismo e a Miséria da Razão. Rio de Janeiro: Paz


e Terra, 1972.

COMTE, Augusto. Discurso preliminar sobre o Espírito Positivo. Tradução de Renato


Barbosa R. Pereira. Edição Eletrônica: eBooksBrasil, 2002. Disponível em www.jhar.org.

Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, disponível em www.historianet.com.br.


Acessado em 16/07/11).

DURKHEIM, Emile. Da divisão do trabalho social e outros. Tradução de Carlos Alberto


R. de Moura. 2ª ed., São Paulo: Abril Cultural, 1983 (Coleção os pensadores).

HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do Homem. Tradução de Waltensir Dutra. 12ª.


ed., Rio de Janeiro: zahar Editores, 1976 (Col. Biblioteca de Ciências Socais.

LUKÁCS, Gyorgy. Antologia do Ser Social: os princípios fundamentais de Marx.


Tradução de Carlos Nelson Coutinho, São Paulo: Livraria Editora Ciências Humanas, 1979.

MARX, Karl. 18 Brumário de Luis Bonaparte, In. A Revolução antes da Revolução. v. 2 –


São Paulo: Expressão Popular, 2008. (Coleção: Assim lutam os povos)

MÉSZÁROS, István. O poder da ideologia; tradução de Paulo Cezar Castanheira. - São


Paulo: Boitempo Editorial, 2004.

MORIN, Edgar. Ciência com Consciência. Tradução de Maria D. Alexandre e Maria Alice
S. Dória. Ed. revista e modificada pelo autor – 12ª. ed., Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2008.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU, Princípios. 2011. http://www.un.org/es.


Acessado em 18.07.11.

POLITZER, Georg. Princípios Fundamentais de Filosofia – tradução de João Cunha


Andrade. – São Paulo: hemus editora, 1970.

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