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JOHN B.

THOMPSON - IDEOLOGIA E CULTURA MODERNA


John B. Thompson, sociólogo e professor de Cambridge, estuda o papel da mídia nas sociedades
contemporâneas. Mundialmente reconhecido nas ciências sociais, tem três livros publicados no Brasil, entre
eles Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa.

Ideologia e a era moderna (por Bruno Borges, com contribuições dos grupos e do professor)

Thompson atribui o termo Grande Narrativa da Transformação Cultural a uma história, pinçada de vários
textos e autores, que oferece uma visão das principais transformações culturais associadas com o
desenvolvimento das sociedades modernas. Não é uma teoria claramente formulada, mas um conjunto de
pressupostos usado como referencial teórico geral das transformações culturais e que oferece uma visão
que foi fortemente influente na teoria social e política, além de influenciar o debate sobre o papel da
ideologia e sua natureza nessas sociedades. Thompson considera que a grande narrativa apresenta enganos
em certos aspectos fundamentais, explicando suas lacunas. Nesta grande narrativa, as ideologias
significam sistemas seculares de crenças que emergiram às vésperas do abandono da religião e da magia, e
que serviram para mobilizar a ação política num mundo libertado da tradição.

A grande narrativa tem três pontos principais: Surgimento do capitalismo industrial e declínio da
consciência religiosa, Secularização das crenças e Fim da era das ideologias. Os pontos são assim
explicados:

1. Pensadores do final do século XIX e início do século XX partilharam da ideia de que o surgimento do
capitalismo industrial foi acompanhado pelo declínio das crenças religiosas e mágicas. Dois deles, Marx e
Weber, discutiram a conexão entre o desenvolvimento do capitalismo industrial e a dissolução das crenças
religiosas tradicionais, mas chegaram a explicações totalmente diferentes. Para Marx, a desmistificação das
relações sociais é um aspecto inerente do desenvolvimento do capitalismo na medida em que permitiria ver
suas relações sociais como aquilo que elas são realmente, relações de exploração. A desmistificação seria
algo essencial para a eliminação final da exploração nas relações de classes. Para Weber, certas mudanças
culturais e nas tradições eram precondições para a emergência do capitalismo no Ocidente. Para Weber, os
ideais ascéticos do calvinismo favoreceram o capitalismo, não enquanto impulso de ter ou ânsia por lucro,
mas oferecendo uma compreensão deste sistema como baseado na moderação do ímpeto, um tempero
racional para a cobiça. Quando o capitalismo adquiriu força própria suficiente, dispensou ideias e práticas
religiosas que foram necessárias para sua emergência. Para este autor, o nascimento do Estado burocrático
e o desenvolvimento do capitalismo fizeram com que a ação fosse progressivamente orientada pela razão
e o comportamento humano fosse adaptado a critérios de eficiência técnica. A atividade econômica racional
tornou-se uma necessidade, tendo os bens materiais adquirido um poder como jamais existiu sobre a vida
das pessoas.

2 – O fim do século XVIII e começo do século XIX marcaram o começo da “era das ideologias”, época em
que o processo de secularização1 começou a se firmar nos centros industriais da Europa, empurrando
pessoas do campo às cidades para trabalhar na expansão das fábricas. As religiões e mitos começaram a
perder sua influência sobre a imaginação coletiva, velhos laços de servidão foram questionados, com

1
Secularização é um processo em que a religião perde influência sobre as esferas da vida social. Tal
fenômeno repercute na diminuição do número de fiéis, na perda de seu prestígio e influência na sociedade,
com a desvalorização de suas crenças e valores. Há assim dificuldade crescente em recrutar indivíduos para
desenvolvimento e manutenção das instituições religiosas. O prestígio crescente da ciência constitui um
fator importante para tal mudança. As modificações da vida familiar e das próprias tradições sociais com o
desenvolvimento da sociedade moderna também contribui para esta explicação. Apesar de instituições
religiosas serem fortes em países como os Estados Unidos, sua relação com a sociedade é diferente
atualmente. A religião é hoje uma entre muitas forças que competem pela atenção e já não define uma visão
monolítica da sociedade. Pode-se também usar a palavra “laicização” para designar o mesmo fenômeno.
Alguns autores utilizem laicização para referirem-se à questão (jurídica, institucional e política) da
separação entre o Estado e as Igrejas. Neste caso, o Estado é chamado laico (neutro no campo religioso).
indivíduos sendo forçados a entrar num novo conjunto de relações sociais baseadas na propriedade privada
dos meios de produção e na troca de mercadorias e força de trabalho. Ao mesmo tempo, o poder político
estava concentrando-se nas instituições do Estado secularizado, baseado na noção de soberania e no império
formal da lei, de valores, regras e direitos universais. Esta secularização da vida social e do poder político
criou as condições para emergência e difusão das “ideologias”, entendidas como sistemas seculares de
crenças que têm uma função mobilizadora e legitimadora, como expresso nas grandes revoluções políticas
da França e da América, e na proliferação das doutrinas políticas como socialismo, comunismo, liberalismo,
conservadorismo e nacionalismo. Estas ofereciam interpretações coerentes dos fenômenos sociais e
políticos e serviam para mobilizar movimentos sociais e justificar exercícios de poder. A difusão das
doutrinas políticas foi facilitada e realçada no século XIX pela expansão da indústria do jornal e o
crescimento da alfabetização. A destruição de estilos de vida tradicionais gerou uma sensação de falta de
fundamento nas pessoas, o que fez com que se apegassem às ideologias como uma referência de sentido
para se orientarem.

3 – A ideia de que a “era das ideologias” chegou ao fim é uma expressão particular da grande narrativa da
transformação cultural e defendida por alguns pensadores liberais e conservadores, estando presente em
debates teóricos, mas não é partilhada por todos que defendem a ideologia como característica distintiva da
era moderna. Inicialmente, a tese do fim da ideologia referia-se ao suposto declínio das doutrinas políticas
radicais, ou revolucionárias, nas sociedades industriais desenvolvidas da Europa Oriental e Ocidental. Após
as atrocidades da primeira metade do século XX (fascismo, nazismo, stalinismo etc), as ideologias
perderam seu poder persuasivo sobre grupos de intelectuais, que tinham se desiludido com as instituições
sociais e políticas existentes e apelaram, ingenuamente, para mudanças radicais. A tentativa de enfrentar os
problemas da sociedade industrial desenvolvida, pela mudança social radical adotada pelo marxismo e
comunismo, dera origem a problemas semelhantes e a novas formas de violência e repressão. Com isso, os
teóricos do fim da ideologia passaram a acreditar que os processos políticos poderiam ser
institucionalizados dentro de um referencial pluralista, em que os partidos políticos ou grupos competiriam
pelo poder e implementariam políticas pragmáticas de reforma social. Para eles, as ideologias desaparecem
gradualmente à medida em que as sociedades industriais modernas alcançam um estágio de maturidade
econômica e política2, mas poderão continuar a florescer em sociedades menos desenvolvidas e podem,
ocasionalmente, reaparecer em sociedades industriais desenvolvidas, através de levantes isolados e sem
grandes consequências. Esses teóricos usavam o termo “ideologia” como definição de doutrinas
abrangentes, totalizantes, que oferecem uma visão coerente do mundo sócio-histórico e que exigem um alto
grau de ligação emocional, sendo o maior exemplo, o marxismo. Portanto, as ideologias, para estes autores,
seriam doutrinas totalizantes, utópicas e dogmáticas, exigindo alto grau de engajamento passional.

Thompson acentua alguns pontos enganadores desta teoria e foca em dois pontos principais para mostrar
que, a grande narrativa da transformação cultural, não é um referencial apropriado dentro do qual se possa
analisar a natureza e o papel das ideologias nas sociedades modernas.

A primeira, e principal limitação, da grande narrativa é que, ao caracterizar as transformações culturais


relacionadas ao surgimento das sociedades industriais modernas em termos dos processos de secularização

2
Aqui torna-se pertinente discutir em que medida as sociedades modernas alcançaram verdadeiramente um
estágio de maturidade política e econômica. No caso da Grécia, um dos países onde os efeitos da Crise de
2008 foram mais sentidos pelo “homem comum”, observa-se uma crescente descrença política, o que cria
terrenos férteis para discursos radicais de mudança. Convém lembrar que a Troika (organização que
supervisiona a economia da Grécia, sendo constituída pela Comissão Europeia, o Banco Central Europeu
e o Fundo Monetário Internacional) impôs medidas de austeridade que levaram à precarização do trabalho
e ao aumento do desemprego. A presença de terrorista do Estado Islâmico (EI) em território europeu
também permite pensar nos limites desta visão sobre a estabilidade dos países centrais do capitalismo. Este
grupo terrorista nasce com o processo de crise política que se desencadeou no Iraque após a guerra iniciada
em 2003. Trata-se de uma derivação da Al-Qaeda, sob mesma fundamentação. Todavia, as ações do EI
tornaram-se gradativamente mais radicais, até mesmo em comparação com a Al-Qaeda, o que provocou a
separação entre as duas organizações terroristas.
e racionalização, essa teoria minimiza a importância da midiação da cultura moderna. Ela oferece uma
explicação enganadora das transformações culturais associadas com o surgimento das sociedades
modernas, enquanto negligencia o desenvolvimento da distribuição massiva de bens simbólicos.
Instituições e processos de comunicação de massa assumiram importância profunda nas sociedades
modernas, não podendo ser ignorados por nenhuma teoria da ideologia e da cultura moderna. A propósito,
na sociedade atual, é muito importante a influência das ideias transmitidas pela mídia sobre as escolhas
comportamentais. A mídia chega a impor práticas de consumo dos mais diversos tipos, como por exemplo
no que se refere aos padrões de beleza.

A segunda limitação importante da grande narrativa se refere às maneiras diferentes que o conceito de
ideologia é empregado pelos diferentes pensadores, sem um sentido claro e único. Thompson chama de
concepção neutra de ideologia o uso generalizado do conceito de “ideologia” para referir-se a sistemas de
crenças isolados ou a sistemas simbólicos que emergiram às vésperas da secularização e que serviram para
mobilizar movimentos políticos e/ou legitimar poder político nas sociedades modernas. Para ele, o
problema principal com o uso generalizado do termo “ideologia”, e suas variações específicas, é que tende
a minimizar ou a dissolver o elo entre ideologia e dominação, afastando a atenção das muitas maneiras
como as formas simbólicas são usadas, em contextos diferentes da vida cotidiana, para estabelecer e
sustentar relações de dominação. Ainda segundo o autor, é pertinente e instigante considerar o papel da
ideologia em sociedades que antecederam a industrialização capitalista na Europa e em sociedades não-
industriais existentes em outras partes do mundo.

Para Thompson, negar que as ideologias apareceram pela primeira vez no início da era moderna e negar
que tenham desaparecido posteriormente do campo social e político permite que se reoriente seu estudo
para as múltiplas e diferentes maneiras que são usadas a serviço do poder, nas sociedades ocidentais e em
outros contextos sociais. .

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