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1 Introdução

Nesta aula iremos tratar das noções relativas ao desenvolvimento


da Teoria Marxista, tomada como Teoria da História, Filosofia
Política e Teologia da História. Toda a investigação sobre Marx
pressupõe que analisemos três aspectos da sua teoria social. Na primeira
parte da aula, pretendo ver com vocês quais as reminiscências na obra de
Marx, quais as três matrizes teóricas que reverberam na sua teoria. Na
segunda parte, tentaremos examinar alguns aspectos da Antropologia
marxista e como esta compreensão sobre o que é o ser humano acaba
refletindo na teoria marxista da Revolução e da História. Na última parte,
trabalharemos em cima do desenvolvimento posterior ao marxismo,
sobretudo como ele chegou no século XX e como está presente no século
XXI.

1.0 As principais influências

São três as principais influências de Marx. A primeira é Hegel e sua


fenomenologia do espírito, base filosófica importante para Marx. A
segunda é Ludwig Feuerbach. E a terceira é David Ricardo e os teóricos
da economia de seu tempo.
Toda a influência de Hegel na obra de Marx parte da noção de método
que o Marx estrai da obra do filósofo alemão. Para Hegel, o espírito
absoluto tem uma vida-intenção, uma vida dialética. O que em Hegel
corresponde ao espírito, em Marx corresponde à História. A História
aparece em Marx como a imanentização do espírito, de modo que a
dialética em Hegel, que ocorre na vida do espírito, em Marx ocorre
na vida da História. O método de Marx é o materialismo histórico-
dialético. Esta estrutura tensional se manifesta na História e esta é o
palco das contradições que vai manifestando as estruturas
subjacentes à natureza e à sociedade humana. Portanto, a dialética do
materialismo histórico é algo que aparece em Marx como uma herança
tributada à Hegel.
Toda a compreensão sobre a natureza humana é, no fundo, uma
compreensão biológica. Os seres humanos são biologicamente explicados
e toda explicação sobre a natureza humana que foge de uma explicação
biológica, resvala na ideologização – são criações do engenho e
imaginação humana para justificar o injustificável segundo Feuerbach.
Essa tese de que os seres humanos são explicados pelo aspecto
material em vez do espiritual é uma herança de Marx vinda da tese
de Feuerbach – a vida e os seres humanos são feitos de matéria, esta é
a condição da humanidade – nenhuma explicação que transcenda ao
físico e material merece crédito.
Dos economistas da sua época, Marx se inspira na tese segundo a
qual na Economia vigora a Teoria Subjetiva do Valor. O valor das coisas
é subjetivamente concebido por aquele que a produz, e o valor de uso
e troca supõe a uma aferição que é dada no mercado para valor das
coisas. Em Marx, a teoria do valor sofre uma transformação radical,
pois o valor das coisas passa a ser visto do ponto de vista objetivo.

1.1 Os três aspectos da teoria marxista

São três os aspectos da teoria marxista que vamos analisar:


Antropologia, Economia Política e Teoria da História.
O que Marx entende por ser humano? É um animal laborans – labor
designa subsistência e sobrevivência da espécie –, é aquele que,
numa relação direta com a natureza, procura os meios para a sua
subsistência. Todos os seres do reino animal são laborans, pois
procuram meios de garantir a própria subsistência de si e da prole. Qual a
diferença entre animais e seres humanos? Os seres humanos, além da
faculdade físicas e da imaginação, tem consciência de si e são capazes de
fabricar instrumentos artificiais para aperfeiçoar esses modos pessoais
de sobrevivência e subsistência. E, por isso, os seres humanos,
historicamente, foram de um contato imediato com a natureza no mundo
primitivo desenvolvendo técnicas cada vez mais aprimoradas de fugir da
natureza para dominá-la. Isto é, criar instrumentos artificiais para
dominar os meios e modos de subsistência da espécie. Esse domínio
levou o ser humano a um distanciamento da natureza, que provocou
uma alienação do seu estado originário. E, na história da civilização
ocidental, percebemos que, à medida que fomos do mundo medieval
ao moderno e deste para o pós-moderno, as técnicas de
artificialização foram crescendo de maneira exponencial. Marx
acusa um sistema econômico como o responsável por essa alienação
programática da civilização humana: o Capitalismo.
Nas suas diferentes fases, o Capitalismo foi aperfeiçoando as técnicas
de domínio da natureza que provocaram uma alienação crescente e em
massa na sociedade humana, até chegar na civilização industrial. As
técnicas, meios e modos de produção da riqueza passaram a criar
mecanismos onde o uso e a troca não se embasavam mais em elementos
da natureza, mas em elementos artificiais, objetos artificiais que
passaram a modelar a cosmovisão dos seres humanos. A diluição das
relações sociais e artificias e a fuga da natureza para um novo mundo
artificializado e alienante fizeram com que o animal laborens
perdesse paulatinamente a sua condição para se tornar o homo faber
– aquele que é objeto de troca e uso na sociedade capitalista. Uma
sociedade em que os modos e meios de produção definem os novos
padrões artificias da sociedade humana e o homo faber não é capaz de ver
a si mesmo em razão da sua alienação – é o inverso da consciência, ou seja,
é a manifestação da profunda alienação que a humanidade passa no
sistema capitalista.
Como fazer que o animal laborens restitua a sua consciência
histórica, consciência de si e volte a viver em contato com a
natureza? Destruindo os mecanismos artificiais da sociedade
capitalista. Esse desmoronamento programático de uma sociedade
artificial só poderia advir por meio de uma Revolução que acabasse com
a divisão de classes, que fizesse com que aquela classe que fosse
menos dependente dos artifícios e mais da sua subsistência da
espécie – a proletária – tomasse o poder e dirigisse a sociedade
humana para uma nova sociedade em que não mais o artificio, mas a
natureza, definiriam os padrões objetivos das relações humanas e da
consciência de si dos seres humanos. Assim, a Revolução é vista, em
Marx, como um meio de restaurar a autêntica e verdadeira
humanidade dos seres humanos. É um mecanismo que aparece nesse
horizonte como um mecanismo através do qual os seres humanos são
coagidos a buscarem a consciência de si.
Numa etapa posterior a Revolução, num estado socialista, ou
numa fase histórica chamada de Socialismo Real e Científico, os
seres humanos são engendrados dentro de uma estrutura tensional
de classes em que o Estado passa a encampar a responsabilidade de
fazer desmoronar todos os símbolos de uma sociedade inteiramente
artificializada. Caem os símbolos da sociedade moderna capitalista
monopolista industrial e do capitalismo arcaico – as religiões e as formas
de alienação das sociedades religiosas. O Estado, portanto, passa a
dirigir a sociedade numa espécie de Dialética do Esclarecimento que
vai restaurando as condições do verdadeiro ser humano iluminista,
que é o homem consciente de si, até chegar na última fase histórica: o
Comunismo – a ausência completa e absoluta de propriedade
privada e dos mecanismos de artificialização da humanidade. O
Comunismo representa a restituição do status quo ante – a natureza
humana que é restaurada, a destruição do homo faber e a restituição do
animal laborens, que no fundo é a natureza humana consciente de si.

2.0 As modalidades da guerra


As diferentes modalidades de Revolução que passam a aparecer ao
longo do século XX, vemos como o marxismo se propagou. Ao invés de
explicar a Teoria das Revoluções, vou explicitar o método operacional
das revoluções, aquilo que se chamará de as modalidades da Guerra.
Elas não encontram apenas apoio em Marx e seus pósteros, também na
teoria clássica e modernas do pensamento político, como nas teorias de
Hobbes, Maquiavel e, até mesmo, em alguma medida, de Aristóteles. A
essas modalidades, supõe uma cronologia no século XX e vai apresentar
três modalidades integradas à guerra – em escala temporal e cronológica.
1- Guerra Cultural é meio de fazer a revolução de maneira lenta e
pacífica. Vai tomando as instituições, os símbolos da Cultura,
e modificando ambos para apresentar um projeto
destinatário em que, tomando a Cultura, toma-se os
mecanismos intermediários entre a sociedade e o poder
político. Um dos pais dessa tese é Antônio Gramsci. Em Os
cadernos do cárcere, ele apresenta uma estratégia de como o
Partido Comunista deveria tomar o poder: entrando na Igreja
Católica, na Maçonaria, no Partido Liberal e em outras
instituições sociais e, como através de uma tática de guerrilha
oculta, iria ocupando os espaços – domínio de espaços. A guerra
cultural tem reminiscências na noção hobbesiana da guerra
no estado de natureza, porque ela parte da tese de uma
sociedade intelectual produtora de modo de vida e que
precisa ser tomada para engendrar novos símbolos que vão
repercutir nas modalidades de vida humana nessa
sociedade. Lenin também falava de algum modo dessas noções,
assim como Robert Michels em A sociologia dos partidos
políticos, onde apresenta um itinerário para o partido democrata
alemão da época – o Partido Social Democrata.
2- Guerra de Informação é, não somente, a ocupação de espaços,
mas parte da tese que se precisa deter uma vantagem
competitiva sobre os adversários. E a tomada dessa vantagem
é um meio de blindar e neutralizar o adversário. Todos os
serviços de inteligência do século XX lidaram com guerra de
informação, ainda mais na época da Guerra Fria. A máquina de
Alan Turing, por exemplo, foi fundamental para que as potências
ocidentais vencessem o perigo que era o Nazismo. A guerra de
informação é a guerra típica do conflito de civilizações tal como
aparecem no século XX.

3- Guerra de Narrativas e da desinformação. Da Guerra Cultural


para a Guerra de Informação, houve um ponto de inflexão que é a
Hegemonia. O ponto de inflexão da Guerra de Informação
para a Guerra de Narrativa se chama Indústria da
Desinformação. Saul Alinsky é quem percebeu que melhor do
que tomar a informação do adversário para ter uma vantagem
competitiva, é lançar uma informação falsa sobre o adversário
que o coloca em xeque perante todos os demais. Ou seja, planta-
se uma mentira proposital para comprometer os planos de
ação do adversário – para isso, vai usar a tática de
desinformação. É claro que a indústria da desinformação – que
ganhou grande expressão com o aumento das mídias – não tinha
outra maneira de propagar senão adicionando outras
informações para conferir à desinformação uma estatura
aceitável, científica ou pseudocientífica – chama-se: montagem
de uma narrativa subjacente a desinformação –, para, no fim,
vencer aquele que tiver uma narrativa mais convincente
sobre o inimigo.
Essa base revolucionária não está totalmente ancorada em Marx. Há
muitas outras teorias presentes, mas um fato é inexorável: de todas as
teorias revolucionarias produzidas na História Contemporânea, a teoria
que mais ganhou força cultural e política tenha sido a teoria marxista da
revolução, que se propagou e ganhou novas roupagens a medida que as
diferentes escolas sociológicas passaram a desenvolver teorias sociais
ampliadas que, de alguma forma, acabavam numa noção da guerra e da
revolução como pano de fundo da civilização humana. No fundo, todas
elas apresentam uma visão destinatória da sociedade, que enxerga a
humanidade como numa marcha inexorável para a própria
autodestruição, porque se a guerra – e não a Ordem – constitui o
princípio da civilização, o retorno do Estado de Natureza é um
retorno à guerra e não o retorno à Ordem.

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