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Entretanto, como ocorria com a opinião pública nacional, ele continuava

a sonhar com a posse efetiva dos territórios africanos, agora ameaçados pelo

7 (Th^enfísmo-Ôimbol/smo imperialismo. As grandes potências da época, Inglaterra e Alemanha, preten-


diam dividir entre si as antigas colónias portuguesas.
A divisão não ocorreu, pela eclosão da Primeira Guerra Mundial
(1914-1918). Foi a oportunidade vista pelos portugueses. Se lutassem ao
lado dos vencedores, garantiriam a posse das colónias africanas. Na escolha
(1890-1915) dos lados em conflito, optaram pelas forças aliadas, conforme exigência do
"O problema capital da vida é o problema da morte. Ele resolve tudo. Não há fatos Partido Democrático. Os conservadores, amantes da ordem, pretendiam
isolados; não há acontecimento no universo que não gere outro acontecimento. que se apoiasse a Alemanha, mas foram derrotados.
O inconsciente não pode criar o consciente. É impossível dar um passo a que não
A guerra ao lado dos vitoriosos consolidou as possessões africanas,
mas deixou um custo humano de 5 mil portugueses mortos e graves proble-
suceda outro passo. A vida gera a morte — a morte gera a vida. Mas que vida?"
(Raul B R A N D Ã O - Húmus)
mas económicos. Há, em 1917, o golpe de estado de Sidónio Pais, que resta-
belece a ditadura, Foi assassinado no ano seguinte. E a instabilidade política
O episódio do Ultimato (1890) marca o início da decadência do vai crescer até 1926, quando será estabelecida uma ditadura militar que
regime liberal-conservador do período da Regeneração. Até 1910, quando levará o país a um dos períodos mais sombrios de sua história.
teremos a queda da monarquia, vai ocorrer um progressivo esfacelamento
da base política desse regime e o fortalecimento contínuo do Partido Repu-
blicano.
A propaganda republicana baseou-se no anticlericalismo e no pátrio- 7.1 Decadentismo-simboiismo em Portugal
tismo.T^óm o Ultimato, ela chega às camadas populares. Explodem revoltas, O decadentismo-simboiismo português está ligado ideologicamente
em consequência, como a de 31 de janeiro no Porto, que foi violentamente à decadência do regime liberal-conservador da Regeneração. Após o Ulti-
reprimida. A solução procurada pela monarquia foi a da ditadura; não lhe mato, afirma-se uma reação idealista contra o Realismo-Naturalismo, identi-
interessa mais um regime democrático. ficado com o progressismo burguês, que só beneficiava o grande capital. A
Às tensões sociais, entretanto, cresceram. Nessas circunstâncias, ç nova atmosfera literária não rompeu de forma violenta com essa corrente:
ocorreu o regicídio, em 1908: o rei D. Carlos e o príncipe herdeiro foram i o Realismo-Naturalismo português estava impregnado de formas neo-român-
mortos por militares republicanos. A situação política torna-se explosiva: *Jj ticas. Bastava apenas intensificá-lo, orientando-o no sentido de um maior
o ditador João Franco é demitido e o jovem rei D. Manuel procura acalmar . ç esteticismo.
os setores sociais insatisfeitos com a monarquia. Não o conseguiu: o regime Os poemas satânicos de Charles Baudelaire (1821-1867) de As flores
monárquico estava totalmente desacreditado. * do mal, que desencadearam o decadentismo-simboiismo francês, foram
O governo republicano foi assumido provisoriamente por Teófilo ^ lidos e assimilados pela "geração de 45", em escritores como Antero de
Braga, enquanto procurava-se estabelecer um novo pacto das forças políticas ^ Quental e Eça de Queirós {Prosas bárbaras). Cesário Verde será, entretant
portuguesas. Por decreto, são promulgadas a lei do divórcio, da separaçãol |
/ entre Igreja e Estado, da criação das Universidades de Lisboa e Porto e uma o mais baudelairiano dos poetas portugueses: apura a técnica impressionista
Ati que estabelecia o direito de greve dos trabalhadores. A nova Constituição com uma literatura de ênfase sociológica. Guerra Junqueiro, em Os simples
^ c o l o c o u o Congresso como órgão máximo da República, inclusive com o I (1892), já incorpora a técnica simbolista, afastando-se do verbalismo à
^ poder de destituir o presidente do país. Victor Hugo de seus poemas anteriores.
r Quando o presidente eleito Manuel de Arriaga assumiu o poder Em 1889, apareceram duas revistas coimbrãs (Boémia Nova e Os
(1911), já encontrou o Partido Republicano dividido. Havia o setor da Insubmissos), onde já figuravam produções na perspectiva do decadentismo-
pequena-burguesia radical que pedia reformas imediatas e intransigentes. -simbolismo. O movimento será oficialmente desencadeado no ano seguinte,
Formaram depois o Partido Democrático. Os moderados, que tinham sua com a publicação de Oaristos, de Eugênio de Castro (1869-1944), poeta de
base social na alta burguesia republicana, constituíram em seguida dois fraco valor artístico, mas de importância histórica.
partidos: o Evolucionista e o Unionista. Eugênio de Castro diz-se simbolista no prefácio de Oaristos e define
O primeiro governo republicano foi dominado pelo Partido Democrá- o programa da nova corrente literária, baseando-se no manifesto do poeta
tico. Sua administração foi eficiente e conseguiu grande prestígio popular. francês Jean Moréas (pseudónimo de Ioannes Papadiamantopoulos, de

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origem grega - 1856-1910). O título "Oaristos" é inspirado em Paul Ver- sismo que defendia era uma forma de religiosidade mística. O saudosismo
laine (1844-1896), assim como a técnica impressionista de composição: serviu de aproximação entre o Simbolismo e o Modernismo português,
representado pelo movimento da revista Orpheu, isto é, o orfismo.
"Na messe, que enlourece, estremece a quermesse . . . Os principais escritores do decadentismo-simboiismo português foram,
O Sol, o celestial girassol, esmorece . . .
E as cantilenas de serenos sons amenos
entretanto, Camilo Pessanha, na poesia, e Raul Brandão, na prosa de ficção.
Fogem fluidas, fluindo à fina flor dos fenos. . .

As estrelas em seus halos Características do decadentismo-simboiismo


Brilham com brilhos sinistros. . .
Cornamusas e crotalos,
A atmosfera decadentista das produções artísticas dos fins do século
Cítolas, cítaras, sistros.
XIX está associada à ideia de decadência da sociedade positivista burguesa.
Constitui uma revolta dos intelectuais em favor de uma vitalidade de suas
Soam suaves, sonolentos.
Sonolentos e suaves
Em suaves produções, que consideravam ameaçadas pelo convencionalismo social.
Suaves, lentos lamentos Decadente era, pois, a sociedade, e não as suas produções artísticas.
De acentos Estas, ao contrário, deveriam ser bem construídas para servir de refúgio
Graves, para a criatividade do intelectual. Tratava-se de libertar a vida interior dos
Suaves . . ." dogmas positivistas pela força da criação, através da vontade individual. A
elaboração dos poemas simbolistas, por outro lado, refletia ideologicamente
a situação histórica vivenciada pelo artista: a fugacidade e o esmorecimento
Há nessas estrofes iniciais de "Um Sonho" todo um processo de das formas, com um mundo que fugia ao seu controle.
decomposição, envolvendo os níveis da métrica, da rima, da sonoridade e A luta é instintiva, mas distante do espontaneísmo romântico, porque
do sistema imagístico. A preocupação do poeta está em registrar sensações defendiam o uso da técnica: o poema deveria ser bastante trabalhado. De
fugazes, que se fragmentam. Vale-se ainda do que denominou "raros vocá- um lado, temos, então, um individualismo exaltado; de outro, a elaboração
bulos", palavras mais "nobres" pelo seu pouco uso. Essas palavras, como as formal, que mascara muitas vezes a explosão individual. Há similaridade
demais, teriam mais um sentido operatório em relação ao poema do que um ideológica entre esse individualismo exaltado e o comportamento dos revo-
referencial concreto. No caso, é evidente a seleção de palavras dentro de lucionários anarquistas, como podemos notar em Walter Benjamin (A
uma perspectiva musical. modernidade e os modernos):
O esteticismo de Eugênio de Castro indica-nos uma preocupação com
a arte "pura", sem qualquer compromisso a não ser com a sua própria elabo-
ração. São os poetas "nefelibatas" (que andam ou vivem nas nuvens) e o que " E m Baudelaire o poeta guardava o incógnito atrás das máscaras
pretendem é um distanciamento da realidade cotidiana considerada bur- que usava. Tão provocador podia parecer no trato, tão prudente
guesa. Ao colocarem-se contra o aviltamento comercial da arte, situam-se, era na sua obra. O incógnito é a lei da poesia. A sua construção
entretanto, numa perspectiva oposta: a arte de elite, de uma aristocracia de de versos é comparável ao plano de uma grande cidade, em que
estetas. as pessoas podem movimentar-se despercebidas, escondidas por
blocos de edifícios, portões ou pátios. Neste plano, as palavras
A tendência de se afastar dos fatores políticos explícitos que carac- têm os seus lugares escondidos com precisão, como os conspira-
terizam a produção de Eugênio de Castro encontra uma contrapartida nos dores antes de uma revolução. Calcula os efeitos a cada passo".
escritores que incorporam o nacionalismo desencadeado pelo episódio do
Ultimato. São as tendências neo-românticas que voltam a aflorar e entre elas
estão o neogarrettismo, de caráter mais tradicional, e o saudosismo, mais Há uma correspondência entre o texto de Charles Baudelaire e ati-
progressista. tudes ideológicas de sua época. Foi esse escritor quem definiu poeticamente
Encontramos muito de neogarrettismo em Antonio Nobre, escritor o universo como um sistema de correspondência, entre o mundo material e
que vai influenciar um Ribeiro Couto, um Manuel Bandeira ou um Mário o transcendental, entre os seres vivos e os inanimados, entre o homem e a
Quintana no Brasil. O principal escritor do saudosismo português é Teixeira realidade exterior.
dos Pascoais (1877-1952), que pretendia um "renascimento" do país; A noção de correspondência é fundamental para explicar as produções
através do novo regime republicano. Sua perspectiva é idealista: o saudo- artísticas finesseculares. Há correspondência entre a música, a pintura, a
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literatura etc. — correspondências sensoriais. As correspondências ocorrem E a consciência desse fato por parte dos escritores vai levá-los à sua incor-
também nos símbolos, que unificariam os fatos materiais com os espirituais. poração de forma progressiva. A ambiguidade, como sabemos, é um dos
A atmosfera decadentista, que originou o movimento decadente, pode fatores básicos da modernidade artística.
ser vista, esquematicamente, em dois momentos: o Impressionismo e o Sim-
bolismo.
O Simbolismo

O Impressionismo O decadentismo leva gradativamente o intelectual europeu a afastar-se


do sensualismo impressionista e a adquirir um ponto de vista irracionalista
A arte impressionista coloca-se contra a estandartização e revela as e espiritualista. O símbolo deveria então estabelecer uma ponte entre os
tensões de um moderno homem citadino. A realidade é vista como um fatos materiais e o mundo espiritual.
processo, onde todas as coisas estão em movimento contínuo. É uma arte O símbolo sempre existiu na literatura: a diferença é que nesse movi-
sensorial, isto é, procura registrar os objetos através de impressões, normal- mento temos o uso repetido de metáforas e símbolos polivalentes, ambí-
mente pictóricas. Só que as cores parecem estar desligadas do próprio objeto guos. Se permaneciam intelectualistas quanto ao tratamento da linguagem
que o artista reproduziu em sua produção: elas ganham uma relativa auto- poética — conforme orientação de Edgard Allan Poe (1809-1849) ou de
nomia. Baudelaire —, procuravam atingir, através do símbolo, um absoluto, de
O Impressionismo surgiu dentro da estética naturalista. É uma reação natureza espiritual, imperecível e pleno.
que surge dentro dele, de caráter mais elitista. Havia por parte de muitos
artistas a intenção de se transformar a arte em algo tão precioso quanto A evasão da realidade, de fundo romântico, constituiu um tópico do
inútil. decadentismo. Podemos observá-lo, por exemplo, em Jules Laforgue (1860-
Esse refúgio dos artistas não se desvincula da realidade e reproduz, 1887), poeta francês, em cuja produção artística os sentimentos melancó-
conforme indicamos anteriormente por recorrência a Walter Benjamin, uma licos do decadentismo são mesclados de ironia crítica. Seu tom íntimo e
atitude ideológica de uma época daqueles que recusavam os padrões positi- coloquial terá um correspondente português em Antonio Nobre.
vistas ou mecanicistas. A técnica, entretanto, era exaltada. Para Baudelaire, A visão decadentista possui pontos em comum com três teorias filosó-
ao contrário de Rousseau, o mal é espontâneo, e o bem é artificial. ficas de sua época, que questionavam o cientificismo positivista:
O poeta francês Paul Verlaine (1844-1896), dentro da teoria das cor-
respondências, procurou fazer versos associando-os à música e recomendou - o irracionalismo de Arthur Schopenhauer (1788-1860), com sua
a associação entre o "indeciso" e o "preciso", segundo a técnica impressio- filosofia pessimista, mas que considerava a estética como a maior
nista: manifestação do homem;
"Antes de qualquer coisa, música - o intuicionismo de Henri Bergson (1859-1941), que colocava a
(...) intuição como forma de se chegar ao absoluto;
- o monismo de Edward von Hartmann (1842-1906), que procurava
É preciso também que não vás nunca
escolher tuas palavras sem ambiguidade:
nada mais caro que a canção cinzenta o absoluto que estaria subjacente aos fatos naturais em um incons-
onde o Indeciso se junta ao preciso". ciente (realidade incondicionada e inexplicável que deveria satis-
fazer às exigências da razão e às necessidades do sentimento).
Essa perspectiva musical pode ser observada no poema "Um Sonho" O neo-romantismo dessas teorias tem o seu contraponto na concepção
de Eugênio de Castro, que transcrevemos anteriormente. O poeta português artesanal do poema, que veio do Parnasianismo. O poeta francês Arthur
trouxe uma técnica já desenvolvida pelos artistas parisienses. Claude Debussy Rimbaud (1854-1891), por exemplo, já mostrava grande preocupação for-
(1862-1918), por exemplo, musicou poemas de Baudelaire, Verlaine e de mal com a construção de seus poemas. E essa preocupação vai se intensificar
Mallarmé. cada vez mais dentro do decadentismo-simboiismo. Stéphane Mallarmé
As correspondências procuradas pelos decadentistas-simbolistas tor- (1842-1898) preocupar-se-á obsessivamente com a coerência interna de
nam inevitável o surgimento de produções ambíguas. Nada é direito. A seus poemas. Com ele, o Simbolismo francês chega a seu desenvolvimento
ambiguidade passa a ser, dessa forma, um fator inerente à linguagem poética. máximo.
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E continuava, lendo, lendo. . .
O dia vinha já rompendo.
Antonio Nobre De novo: — Já dormes, diz?

A principal contribuição da poética de Antonio Nobre (1867-1900)


— Bff. . . e dormia com a ideia
Naquela tia Dorotéia,
foi a utilização do registro coloquial da linguagem, afastando-se do precio- De que fala Júlio Dinis.
sismo vocabular de poetas como Antero de Quental. Em seus versos, con-
fluem o tom coloquial que encontramos no poeta decadentista francês
Jules Laforgue, mas sobretudo na tradição lírica portuguesa, em especial Õ Portugal da minha infância

na de Almeida Garrett. Não sei que é, amo-te a distância,

A poesia de Antonio Nobre volta-se para o passado, o paraíso mítico


Amo-te mais, quando estou só. . .
Qual de vós teve na Vida
de sua infância. Obedece, assim, aos esquemas ideológicos da burguesia rural Uma jornada parecida, ,
finessecular, que se desloca para a cidade. Enquanto categoria social, ela se Ou assim, como eu, uma Avó?"
desestrutura: a perspectiva que tem agora é o comércio e o que ele tem de
artificial. Entretanto, a decadência do país chega a todos os setores da vida
económica e social e aparentemente não vê solução possível; só o tédio Essa evasão do presente, quando os mitos pátrios são projetados na
da situação presente. O poeta então procura afastar esse tédio decadente infância, veio da moda neogarrettista da época. A atitude de evasão é similar
idealizando um passado mítico perdido, onde haveria a plenitude. à do decadentismo francês. O poeta recusa a realidade presente, onde encon-
Os ambientes provincianos e as recordações da infância são regis- traria a supremacia dos ideais burgueses citadinos.
trados em Antonio Nobre através de técnicas do decadentismo-simboiismo, Os primeiros poemas de Antonio Nobre (Primeiros versos, 1921)
onde são frequentes as sinestesias e as atmosferas vagas ou nebulosas. É um revelam influência neo-romântica de Guerra Junqueiro. Em Só (1892),
poeta que se insere mais no decadentismo, comum aos poetas crepusculares, temos uma intensificação de seu individualismo: sua poesia toma-se mais
do que propriamente no Simbolismo: preocupada com circunstâncias autobiográficas e mais pessimista. A atmos-
fera decadente caracteriza-se melhor em Só, escrito em Paris. Despedidas
"0 Virgens que passais, ao sol-poente,
Pelas estradas ermas, a cantar!
(1902) vai desenvolver essa atmosfera decadente.
Eu quero ouvir uma canção ardente.
Que me transporte ao meu perdido Lar".

Camilo Pessanha
A essa atmosfera crepuscular, soma-se uma visão infantil do poeta: ele
vê o mundo de acordo com uma perspectiva aparentemente mais ingénua. O decadentismo português tem em Camilo de Almeida Pessanha
A seleção de palavras mais simples indica-nos uma aproximação do (1867-1926) o seu maior poeta. É também o mais autenticamente simbolista
povo; está, nesse sentido, mais próximo dele do que o poeta socialista e um grande inovador da escrita poética de seu país. Seu trabalho artístico
Antero de Quental. E o pessimismo de seus versos não é propriamente indi- influenciou os poetas modernistas, sobretudo Fernando Pessoa.
vidual: a situação de miséria que apresenta tem na verdade um sentido Camilo Pessanha conseguiu afastar-se do discursivismo neo-romântico
nacional — é de todo o país. dos escritores de seu tempo. Inova a escrita poética ao incorporar procedi-
A visão nostálgica do poeta volta-se também para a tradição literária mentos estéticos similares aos do decadentismo de Verlaine, em especial no
portuguesa. Seu principal referente é Garrett, como podemos observar no que se refere à aproximação entre a palavra e a música.
poema "Viagens na Minha Terra": Sua percepção do mundo é fragmentária. Apresenta-o através de sen-
sações que considera sem sentido. A articulação entre elas não se consuma.
"Ora, às ocultas, eu trazia.
Resta então à escrita poética a desagregação (desagregação formal e desagre-
No seio, um livro e lia, lia,
Garrett da minha paixão. . .
gação do próprio poeta).
Daí a pouco a mesma reza: Os poemas de Camilo Pessanha aproximam-se de um rigor formal de
— Não vás dormir de luz acesa. Mallarmé, mas está bastante distante de seu intelectualismo. Ao contrário,
Apaga a l u z l . . . (E eu ainda. . . nãol)
apresenta uma visão melancólica que o afasta da determinação intelectual
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que encontramos no poeta francês. Testa-nos o pessimismo de imagens "humildes". A solução desses problemas seria encontrada, para o escritor,
crepusculares: em uma espécie de socialismo cristão, onde coexistiriam seus ideais anár-
quicos com o seu idealismo místico.
As primeiras produções de Raul Brandão seguiram os postulados natu-
ralistas (Impressões e paisagens, 1890), onde já aparecem personagens popu-
" A s tuas mãos tão brancas d'anemia.. .
Os teus olhos tão meigos de tristeza...
— É este enlanguescer da natureza. lares. Colaborou no folheto Nefelibatas (1893), já dentro do Simbolismo.
Este vago sofrer do fim do dia".
A visão que apresenta nos artigos do Correio da Manhã dessa época, onde
denuncia a miséria da população marginal de Lisboa, segue a técnica deca-
A dor é uma constante nos poemas de Camilo Pessanha. Ela vem do dentista.
pessimismo, afim do decadentismo francês e do budismo que o poeta conhe- A denúncia social de Raul Brandâja obedece a razões morais. A vida
ceu em Macau (China), onde trabalhou para o governo português. Via o mostra-se trágica e grotesca, situação que deveria ser avaliada criticamente
mundo como que formado apenas por ilusão e dor: pela consciência de cada um. Raul Brandão evolui de um pessimismo deca-
dente de História de um palhaço - Vida e diário de K. Mauríc
texto refundido posteriormente com o título A morte do palhaço e o mis-
" A dor, deserto imenso. tério da árvore (1926), para produções de maior criticidade.
Branco deserto imenso,
Resplandecente e imenso. Entre elas estão A farsa (1903), Os pobres (1906), Húmus (1917)
Foi um deslumbramento. e O pobre de pedir (1931). A decadência de valores da civilização burguesa
Todo o meu ser supremo, leva, nessas narrativas, ao mascaramento da realidade mais autêntica do
Não sinto já, não penso. ser, que deve manifestar-se.
Pairo na luz, suspenso
Num doce esvaimento". A ternura de Raul Brandão por suas personagens motiva-o a desmas-
carar a hipocrisia social. A dor existencial que percorre suas narrativas apa-
rece também nas peças de teatro que escreveu: O gebo e a sombra (1923),
A intelectualização dos poemas de Camilo Pessanha veio de sua forma- O rei imaginário (1923), O doido e a morte (1923) e O avejão.
ção universitária. Talvez pelo fato de ser filho natural e viver em uma socie- O humanismo de Raul Brandão alarga a crítica social dos escritores
dade que lhe parecia em degenerescência, a adesão à estética decadentista- realistas para as camadas mais abrangentes da população. Essa perspectiva,
-simbolista não vai ser para ele simples modismo - era interior. Parecia que inicialmente desenvolvida na prosa de ficção por Fialho de Almeida, será
ele cumpria um fado existencial, um destino triste. Sentia-se um exilado do também retomada por Aquilino Ribeiro. A produção desses três Accio-
mundo, desintegrando-se como o mundo que observava e vivenciava. nistas marca a continuidade de uma perspectiva de ênfase social em períodos
A obra poética de Camilo Pessanha foi reunida em Qépsidra (1920). de predominância de literatura mais psicológica ou metafísica. Constitui
Numa edição posterior (Qépsidra e outros poemas, 1969), temos uma também um traço de união entre o "velho" realismo do século passado e o
recolha mais completa. O autor deixou ainda obra em prosa e ensaios "novo" realismo, a iniciar-se em fins da década de 1930.
(China, 1944).

Raul Brandão Sugestões para leitura


A prosa de ficção de Raul Germano Brandão (1867-1930), embora Em "Origens e precursores do simbolismo português" (Ensaios de
ligada ao decadentismo, aproxima-se do romance de Dostoiévski, pela escreviver. 2. ed. Coimbra, Centelha, 1978. p. 47-78), Urbano Tavares
ênfase social. Como o escritor russo, ele se dedicou ao jornalismo e voltou- R O D R I G U E S analisa ideologicamente a escrita dessa corrente literária.
-se para a denúncia da situação de miséria das classes populares. Jacinto do Prado C O E L H O , em "Panorama do simbolismo português"
Raul Brandão voltou-se contra a ideologia do "progresso" de seu (Estrada Larga, Porto, Porto Ed., s. d.), defende a criatividade artística dos
tempo. Seus efeitos foram na verdade ^negativos para a população dos poetas simbolistas portugueses.

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1.
Síntese - Decadentismo-simboiismo
Três momentos do decadentismo-simboiismo
Ô zMõderrúsmo
OOrfismo (1915-1927);
a) revistas Boémia Nova e Os Insubmissos
A introdução:

• O esteticismo de Eugênio de Castro (Oaristos) 0 Presencismo (1927-1940)


b) A busca da realidade: neogarrettismo (tradicional); saudosismo (pro-
gressista) "Pertenço a uma geração que herdou a descrença na fé cristã (no fato cristão) e que
criou em sj uma descrença em todas as outras fés"
• Antonio Nobre (Só) (Fernando P E S S O A - Nota Solta)

• Teixeira dos Pascoais: aproxima Simbolismo do Modernismo


O primeiro Modernismo português (o Orfismo) está associado à pro-
c) A maturidade artística funda instabilidade político-social da primeira República. Constitui uma
• Camilo Pessanha (poesia) resposta artística de setores sociais mais inovadores e cosmopolitas das clas-
• Raul Brandão (prosa) ses médias citadinas. O progressismo dessas forças sociais que serviram de
base política para a República, entretanto, foi bastante ambíguo.
A jovem República (1910-1926) teve o Partido Republicano (o "Par-
tido Democrático", como ficou conhecido) como seu principal núcleo polí-
2. Características
tico. Foi um partido com várias tendências, mas com predominância de cen-
tro-esquerda. Na oposição, tivemos blocos de curta duração de partidos con-
Registro da decadência da realidade servadores.
• Decadência Produções bastante elaboradas As contínuas dissidências internas do Partido Democrático impossibi-
litaram-no de desenvolver um programa de governo até o fim. Os governos
parlamentares sofriam grande oposição, tanto da esquerda quanto da direita.
• „Correspondência. í
iI
Material/transcendental
_
Seres ,. ,
vivos/inanimados A consequência dessa instabilidade foi a afirmação gradativa de tendências
(daí o símbolo) autoritárias antiparlamentares.
[ Homem/realidade exterior As tensões sociais mais típicas desse período ocorreram entre a grande
burguesia (associada ao capitalismo estrangeiro, ao clero e à Monarquia) e
f Contra estandartização as classes médias citadinas, de Lisboa e do Porto. O clero continuava a ter
• Impressionismo grande peso ideológico na vida do país, apesar das grandes restrições que lhe
\o de impressões fugazes foram impostas pelos governos republicanos.
Afastamento do sensualismo impressionista A República teve por base social, de acordo com Oliveira Marques
Simbol ismo |
Irracionalismo e espiritualismo (História de Portugal), o grupo das classes médias, formado pelos
"pequenos burgueses ocupados no comércio e na indústria, o

lrracionalismo médio e o pequeno funcionalismo público, as médias e baixas pa-

I Intuicionismo
Monismo
tentes do exército e da marinha, a maioria dos estudantes univer-
sitários e alguns pequenos e médios proprietários rurais. Desejoso
de ocupar um 'lugar ao sol' na governação e na direção económica,
genuinamente preocupado com o futuro das colónias e o atraso do

Neo-romantismo
país, imbuído de ideologias francesas, era anticlerical e antimonár-
— Coexistência quico, assim como geralmente se mostrava anti-socialista e nacio-

Construção artesanal do poema nalista ferrenho".

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Edição SUMÁRIO

José Adolfo de Granville Ponce


Normalização e revisão
Katumi Ussami Nakamoto
Capa e diagramação
Ary Almeida Normanha
1. IDADE MÉDIA 9
Arte obra houve a
Na execução desta
colaboração da Faculdade Ibero-Americana 1.1 Primeiro período: Trovadorismo (1189 ou 1198-1434) 9
de Ábaco Produções
Letras e Ciências Gráficas
Humanas. 1.1.1 Portugal: estrutura social 10
1.1.2 Jograis. Trovadores. Cancioneiros 13
1.1.3 Cantigas de amigo e suas relações sociais 13
1.1.4 Cantigas de amor e suas relações sociais 16
1.1.5 Cantigas satíricas 19
1.1.6 Prosa medieval 20
1.1.7 Outras produções 21
1.2 Segundo período: Humanismo (1434-1527) 21
CIP-Brasil. Catalogação-na-Publicação 1.2.1 Fernão Lopes 22
Câmara Brasileira do Livro, SP 1.2.2 O humanismo de Fernão Lopes 23
1.2.3 Poesia humanista 24
Abdala Júnior, Benjamim, 1943- 1.2.4 As origens do teatro português 25
A116h História social da literatura portuguesa / Ben- 1.2.5 Gil Vicente e o teatro português 25
2.ed. jamin Abdala Júnior, Maria Aparecida Paschoalin. 1.2.6 Características da obra vicentina 27
— 2. ed. — São Paulo : Ática, 1985.
Bibliografia. SUGESTÕES P A R A L E I T U R A 30
1. Literatura portuguesa — História e crítica SÍNTESE 31
I. Paschoalin, Maria Aparecida. II. Título.
85-0216 CDD—869.09

índice para catálogo sistemático: 2 RENASCIMENTO (1527-1580) 33


1. Literatura portuguesa : História e crítica 869.09 2.1 O Renascimento 34
2.2 A poesia renascentista 36
2.3 Luís Vaz de Camões 37
2.3.1 Camões lírico 38
2.3.2 Camões épico 41
2.3.3 Características do poema épico "Os Lusíadas" 44
2.3.4 Camões e o teatro 45
2.4 Novelas de cavalaria 47

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I As formas culturais não podem ser
" o II

Historia Social da
dissociadas da situação social que as
modelou. Definir, assim, o sentido de
desenvolvimento de uma literatura

Literatura Portuguesa
significa relacionar criticamente suas
formas com o modo de pensar a
realidade de cada período histórico. Este é o objetivo
deste manual destinado àqueles que se iniciam no
estudo da Literatura Portuguesa no Brasil.
A História Social da Literatura Portuguesa possui
uma função didática. Apresenta, de forma concisa, as
linhas básicas da situação político-social para
caracterizar os traços estético-ideológicos dos
movimentos literários dela decorrentes. Seguem um
estudo objetivo dos principais escritores dessa
literatura, esquemas para facilitar a visualização dos
períodos, sugestões para leituras complementares e
bibliografia. Em apêndice, foi incluído um capítulo
sobre as modernas literaturas africanas de língua
portuguesa, que se inserem estreitamente no contexto
sócio-cultural luso-brasileiro.
Para permitir ao leitor maior aproximação da
atmosfera de cada época, foi preparado um cuidadoso
levantamento iconográfico.

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