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SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA1
RESUMO
I. INTRODUÇÃO:
1
Publicado na Revista de Ética Phrónesis, vol. 5 – nº 2. Campinas, jul/dez 2003.
2
Mestre em Filosofia – PUC Campinas.
argumentos sobre a tendência à agressividade e ao aumento do poder de destruição
proporcionado pelo desenvolvimento tecnológico das chamadas sociedades afluentes.
É essa atualidade ao mesmo tempo incômoda e intrigante, que nos leva a refletir
sobre sua crítica ao modelo de vida adotado pela sociedade contemporânea e sobre suas
perspectivas quanto a possibilidade de uma saída alternativa para a civilização, que
liberte realmente o homem e lhe permita viver plenamente.
3
Herbert MARCUSE, “Eros e Civilização”, pg. 18.
início de sua trajetória e para as influências que recebeu, tanto da fenomenologia de
Martin Heidegger, seu orientador na tese de doutorado sobre Hegel, quanto do
materialismo histórico de Marx. Em sua tese sobre Hegel, que é considerada como
sendo seu primeiro trabalho teórico importante, além da influência da leitura de “Ser e
Tempo” de Heidegger, também é possível perceber as influências da filosofia da vida de
Dilthey.4
4
Cf. Denis HUISMAN, Dicionário dos Filósofos, pg. 666. Ainda segundo D. Huisman, a noção de vida
em Dilthey está ligada à de “todo”. “... a passagem do sensível para o inteligível deve seguir certa regra
que dá a vida: a relação entre o detalhe e o todo e entre o todo e o detalhe”, pg. 292.
5
Cf. Olgária C.F. Matos in “A Escola de Frankfurt – Luzes e Sombras do Iluminismo”, pg. 10 a 13 e,
também, Paul-Laurent Assoun in “A Escola de Frankfurf”, pg.7 a 11.
III. A TEORIA CRÍTICA
6
ADORNO/HORKHEIMER, “Dialética do Esclarecimento”, pg. 14.
desenvolvida por Herbert Marcuse em obras como “Eros e Civilização” e “One-
Dimensional Man” 7 de forma original e instigante, como veremos a seguir.
Para Freud a história do homem é a história da sua repressão. Segundo sua tese,
o desenvolvimento da cultura humana e, portanto, da civilização só foi possível graças à
repressão dos instintos humanos. A partir dos seus estudos clínicos, Freud identificou
dois instintos básicos no ser humano: o instinto de vida, ou Eros e o instinto de morte,
ou Thânatos. Eros, por buscar unir os indivíduos em unidades cada vez maiores,
inicialmente a partir do núcleo familiar para, posteriormente, formar os povos e as
nações, se manifesta como libido e, portanto, está associado aos instintos sexuais.
Thânatos, ao contrário, atua contra as pretensões de Eros no desenvolvimento da
civilização, na medida em que busca uma volta do organismo ao estado inorgânico, à
ausência de tensões, ou seja, à morte.
7
Título traduzido para o português como “A Ideologia da Sociedade Industrial”.
8
Cf. Freud em “Além do Princípio de Prazer”, cap. I pg. 15 a 20, o princípio de prazer é próprio de um
método primário de funcionamento do aparelho mental. Relacionando o prazer e o desprazer à quantidade
de excitação presente na mente, Freud atribuiu o desprazer a um aumento na quantidade de excitação, e o
prazer, a uma diminuição, desta forma o princípio de prazer atuaria no sentido de satisfazer os impulsos
instintivos que geram a excitação, diminuindo-a. Freud afirma, também, que do ponto de vista da
autopreservação do indivíduo e de sua adaptação ao mundo exterior, o princípio de prazer é ineficaz e até
mesmo altamente perigoso. Já o principio de realidade é descrito como sendo aquele que, imposto pelas
condições externas, não abandona a intenção de fundamentalmente obter prazer, mas exige e efetua o
adiamento da satisfação, o abandono de uma série de possibilidades de obtê-la, e a tolerância temporária
do desprazer como uma etapa no longo e indireto caminho para o prazer.
“...o natural instinto agressivo do homem, a hostilidade de cada um contra
todos e a de todos contra cada um, se opõe a esse programa da civilização. Esse
instinto agressivo é o derivado e o principal representante do instinto de morte,
que descobrimos lado a lado de Eros e que com este divide o domínio do
mundo”.9
Quando uma parte do instinto de morte é dirigida contra o mundo exterior torna-
se uma ameaça à sociedade civilizada, pois manifesta a capacidade de agressão e
destruição dos indivíduos, porém, quando é impedida de se manifestar no exterior, ela é
introjetada pelo indivíduo e assumida pelo superego, que irá dirigir contra o ego, através
do sentimento de culpa, a mesma agressividade que este dirigiria ao mundo exterior.
Somente através do sentimento de culpa é possível inibir os impulsos agressivos dos
indivíduos que, de outra forma, destruiriam o projeto de civilização objetivado por Eros.
Apoiado nesta dinâmica do aparelho mental, Freud desenvolveu sua tese de que a vida
em sociedade requer repressão. Para ele, tanto o desenvolvimento filogenético (espécie),
quanto o desenvolvimento ontogenético (indivíduo), só são possíveis através do
controle dos instintos ou pulsões humanas, controle esse efetuado pela substituição do
princípio de prazer pelo princípio de realidade.
Como a sociedade não dispõe de recursos para suprir a vida de todos, se faz
necessário que a energia que seria gasta na atividade sexual (princípio de prazer) seja
desviada para o trabalho (princípio de realidade). A felicidade, enquanto compreendida
como sendo a satisfação dos instintos básicos do ser humano é, portanto, incompatível
com a civilização. “Ficamos inclinados a dizer que a intenção de que o homem seja
‘feliz’ não se acha incluída no plano da ‘Criação’”. 10
9
Sigmund FREUD, “O Mal-Estar na Civilização”, pg. 83.
10
Sigmund FREUD, “O Mal Estar na civilização” in Os Pensadores, pg. 141.
escassez de recursos, que estaria na raiz do estabelecimento do princípio de realidade, é
conseqüência de uma forma específica de organização da sociedade que perpetua a
dominação de determinados grupos sobre os demais e não, necessariamente, pela
carência real desses mesmos recursos. Partindo dessa idéia, Marcuse desenvolve os
conceitos de “mais-repressão” (fenômeno sócio-político que tem como objetivo obter e
manter a dominação social) e “princípio de desempenho” (forma atual do princípio de
realidade, característico do sistema capitalista).
11
Herbert MARCUSE, “Eros e Civilização”, pg. 54.
Marcuse focalizou seu exame ao introduzir o termo mais-repressão, nas
instituições e relações que constituem o corpo social do princípio de realidade. Para
tentar esclarecer a dimensão do teor de repressão presente na civilização
contemporânea, ele descreveu-o de acordo com o princípio de realidade específico que
governou as origens e a evolução dessa civilização, designando-o por princípio de
desempenho para dar destaque ao fato de que, sob o seu domínio, a sociedade é dividida
de acordo com os desempenhos econômicos concorrentes dos seus membros. Portanto,
sob o princípio de desempenho, a sociedade é orientada para a busca de aumento
contínuo dos ganhos e, também, para a concorrência permanente entre seus membros,
condenando todos ao trabalho penoso e forçado, suprimindo o prazer pela repressão e
pelo constrangimento.
V. CONCLUSÃO
12
Idem, pg. 14.
Marcuse alertava ainda que a perpetuação desse sistema, nos moldes tradicionais
da relação do homem com o trabalho, exigiria um crescente desperdício de recursos pela
necessidade de criação de empregos e serviços cada vez mais desnecessários em virtude
do alto nível de automação atingido e pelo crescimento do setor militar ou destrutivo. O
limite para esse crescimento artificial seria atingido quando a mais-valia criada pelo
trabalho produtivo deixasse de ser suficiente para compensar o não produtivo, o que
obrigaria o sistema a desenvolver necessidades que transcendessem a economia de
mercado sem, contudo, criar um conflito irreconciliável com a mesma.
13
Eurípedes ALCÂNTARA, “A Máquina de Guerra”, in Revista Veja, ed. 1795 de 26/03/2003.
14
Herbert MARCUSE, “Ideologia da Sociedade Industrial”, pg. 235.
contra a máquina que sobrepujou o mecanismo: a máquina política, a máquina
dos grandes negócios, a máquina cultural e educacional que fundiu benesses e
maldições num todo racional. O todo agigantou-se demais, sua coesão tornou-
se forte demais, seu funcionamento eficiente demais – o poder do negativo
concentrar-se-á nas forças ainda em parte por conquistar, primitivas e
elementares? O homem contra a máquina: homens, mulheres e crianças
lutando, com os mais primitivos instrumentos, contra a máquina mais brutal e
destruidora de todos os tempos e mantendo-a em xeque – a guerra de guerrilhas
15
(nos nosso dias, o terrorismo?) definirá a revolução do nosso tempo?”
BIBLIOGRAFIA:
HUISMAN, Denis. “Dicionário dos Filósofos”. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
15
Herbert MARCUSE, “Eros e Civilização”, pg. 17.
MARCUSE, Herbert. “Eros e Civilização”, tradução Álvaro Cabral. Rio de Janeiro:
Zahar Editores, 1968.
_________________. “Ideologia da Sociedade Industrial”, tradução Giasone Rebuá.
Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1969.
_________________. “O Fim da Utopia”, tradução Carlos Nelson Coutinho. Rio de
Janeiro: Editora Paz e Terra, 1969.