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HERBERT MARCUSE: SOBRE DOMINAÇÃO E REPRESSÃO NA

SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA1

Vera Lúcia Belisário BARONI2

RESUMO

O objetivo deste texto é apresentar algumas considerações sobre a crítica à


sociedade contemporânea desenvolvida por Herbert Marcuse, mais
especificamente no que se refere ao modelo de organização social que, segundo
sua visão, perpetua a repressão e dominação de determinados grupos sociais
sobre os demais. Para tanto, inicialmente, discorreremos brevemente sobre as
origens de seu pensamento crítico e de sua participação e colaboração na Escola
de Frankfurt e no desenvolvimento da Teoria Crítica, abordando em seguida,
ainda que de forma sucinta, o pensamento esboçado pelo autor na obra “Eros e
Civilização”, onde o mesmo aplica conceitos da psicanálise para desvendar os
mecanismos de dominação que atuam sobre o homem dentro da sociedade
contemporânea.
Palavras-chave: Alienação – Dominação – Emancipação – Manipulação –
Repressão.

I. INTRODUÇÃO:

A crítica desenvolvida por Herbert Marcuse em obras como “Eros e


Civilização”, de 1956, chama-nos a atenção pela atualidade de seus argumentos.
Observando hoje o aumento do poderio militar das superpotências e sua disposição para
invadir e atacar seus supostos inimigos, como ocorreu recentemente com a invasão do
Iraque pelos Estados Unidos e Inglaterra, vem-nos claramente à lembrança seus

1
Publicado na Revista de Ética Phrónesis, vol. 5 – nº 2. Campinas, jul/dez 2003.
2
Mestre em Filosofia – PUC Campinas.
argumentos sobre a tendência à agressividade e ao aumento do poder de destruição
proporcionado pelo desenvolvimento tecnológico das chamadas sociedades afluentes.

“O superdesenvolvimento técnico e científico fica desmentido quando os


bombardeiros equipados de radar, os produtos químicos e as ‘forças especiais’
da sociedade afluente desencadeiam-se sobre os mais pobres da Terra, seus
barracos, hospitais e campos de arroz. (...) A capacidade de matar e queimar
em grandes proporções, e o comportamento mental que lhe é concomitante, são
subprodutos do desenvolvimento das forças produtivas, dentro de um sistema de
exploração e repressão; parecem essas forças tornar-se tanto mais produtivas
quanto mais confortável o sistema vai ficando para os seus privilegiados
sujeitos. A sociedade afluente demonstrou agora que é uma sociedade em
guerra; se os seus cidadãos não o notaram, as suas vítimas já o perceberam,
por certo”.3

É essa atualidade ao mesmo tempo incômoda e intrigante, que nos leva a refletir
sobre sua crítica ao modelo de vida adotado pela sociedade contemporânea e sobre suas
perspectivas quanto a possibilidade de uma saída alternativa para a civilização, que
liberte realmente o homem e lhe permita viver plenamente.

No curso de nossa reflexão abordaremos de forma sucinta as raízes do


pensamento de Herbert Marcuse, bem como de sua participação na Escola de Frankfurt
e no desenvolvimento da Teoria Crítica, passando em seguida para a abordagem que faz
da teoria freudiana.

II. AS RAÍZES DO PENSAMENTO DE HERBERT MARCUSE

Para entendermos melhor o pensamento de Herbert Marcuse e sua preocupação


com a temática em torno da necessidade de emancipação dos seres humanos dentro de
uma sociedade altamente técnica e manipuladora, precisamos voltar nosso olhar para o

3
Herbert MARCUSE, “Eros e Civilização”, pg. 18.
início de sua trajetória e para as influências que recebeu, tanto da fenomenologia de
Martin Heidegger, seu orientador na tese de doutorado sobre Hegel, quanto do
materialismo histórico de Marx. Em sua tese sobre Hegel, que é considerada como
sendo seu primeiro trabalho teórico importante, além da influência da leitura de “Ser e
Tempo” de Heidegger, também é possível perceber as influências da filosofia da vida de
Dilthey.4

Após seu rompimento com Heidegger, Marcuse volta-se para o marxismo,


aproximando-se de um grupo de intelectuais que havia dado início a uma “escola” que
se tornaria célebre por suas críticas ao modelo racionalista de sociedade que se formou a
partir do iluminismo. Esse grupo, que passou a ser conhecido como “Escola de
Frankfurt”, teve seu início no verão de 1922, por iniciativa de Félix J. Weil, doutor em
ciências políticas, em um encontro intitulado “Primeira Semana de Trabalho Marxista”
(Erste Marxistische Arbeitswoche), que se realizou em Ilmenau na Turíngia. Este
encontro foi o ponto de partida para a criação de uma instituição permanente, o Instituto
de Pesquisas Sociais, criado oficialmente em fevereiro de 1923, por um decreto do
Ministério da Educação e com sede na cidade de Frankfurt5. Seus membros tinham o
intuito de refletir criticamente sobre os principais aspectos que envolviam a sociedade
de sua época.

Durante os anos do nazismo, os frankfurtianos, por estarem vinculados à


tradição da esquerda alemã e por serem na sua maioria judeus, foram obrigados a se
refugiarem em outros países, como França, Inglaterra e Estados Unidos. Os horrores da
guerra e das perseguições aos judeus deflagradas pelo sentimento anti-semita difundido
pelo reich, marcaram profundamente a vida e a obra de todos eles. Terminada a guerra,
Horkheimer e Adorno retornam dos Estados Unidos e reorganizam o Instituto de
Pesquisas Sociais, porém, Marcuse permanece nos Estados Unidos. O autoritarismo, os
conflitos sociais das sociedades industrializadas e a alienação provocada pela indústria
cultural formaram o principal eixo de estudos da Escola de Frankfurt.

4
Cf. Denis HUISMAN, Dicionário dos Filósofos, pg. 666. Ainda segundo D. Huisman, a noção de vida
em Dilthey está ligada à de “todo”. “... a passagem do sensível para o inteligível deve seguir certa regra
que dá a vida: a relação entre o detalhe e o todo e entre o todo e o detalhe”, pg. 292.
5
Cf. Olgária C.F. Matos in “A Escola de Frankfurt – Luzes e Sombras do Iluminismo”, pg. 10 a 13 e,
também, Paul-Laurent Assoun in “A Escola de Frankfurf”, pg.7 a 11.
III. A TEORIA CRÍTICA

Marcuse passou a participar ativamente dos trabalhos da Escola a partir de 1932,


e contribuiu muito para o desenvolvimento da “Teoria Crítica”, nome como passou a ser
conhecido o conjunto das obras da Escola de Frankfurt, e que reflete de maneira radical
a crise teórica e política da primeira metade do século XX.

Ao enxergar no modo de organização da ciência tradicional apenas a


preocupação com a simples ampliação do saber e do domínio da técnica, os pensadores
de Frankfurt constataram que a teoria tradicional não se preocupa com a origem social
dos problemas nem com as condições e finalidades do uso das ciências. Tal
desligamento dos aspectos sociais e éticos do uso das ciências favorece o surgimento de
um tipo de razão subjetiva e instrumental, cujo único interesse é a dominação da
natureza e do homem. O sucesso obtido com os resultados práticos da aplicação dessa
teoria justificou sua ampla aplicação em todos os setores da vida humana - científico,
político, econômico - e as facilidades, o conforto e a relativa segurança que ela
proporcionou, inicialmente, acabaram por alienar os homens acomodando-os a um
sistema artificial, do qual não conseguem mais se libertar.

“O aumento da produtividade econômica, que por um lado produz as condições


para um mundo mais justo, confere por outro lado ao aparelho técnico e aos
grupos sociais que o controlam uma superioridade imensa sobre o resto da
população. O indivíduo se vê completamente anulado em face dos poderes
econômicos. Ao mesmo tempo, estes elevam o poder da sociedade sobre a
natureza a um nível jamais imaginado. Desaparecendo diante do aparelho a que
serve, o indivíduo se vê, ao mesmo tempo, melhor do que nunca provido por ele.
Numa situação injusta, a impotência e a dirigibilidade da massa aumentam com
a quantidade de bens a ela destinados”.6

Em contrapartida, a “teoria crítica” objetiva conscientizar os homens contra a


resignação a essa ordem totalitária, emancipando-os. Essa temática foi especialmente

6
ADORNO/HORKHEIMER, “Dialética do Esclarecimento”, pg. 14.
desenvolvida por Herbert Marcuse em obras como “Eros e Civilização” e “One-
Dimensional Man” 7 de forma original e instigante, como veremos a seguir.

IV. PRINCÍPIO DE PRAZER E PRINCÍPIO DE REALIDADE

Aplicando conceitos da psicanálise Marcuse buscou, através da obra “Eros e


Civilização”, desvendar os mecanismos de repressão que atuam sobre o homem dentro
da sociedade contemporânea. Nas definições sobre os mecanismos que regem o
funcionamento do aparelho psíquico, bem como dos princípios conhecidos como
“princípio de prazer” e “princípio de realidade” – dois conceitos definidos por Freud8
para a compreensão dos mecanismos de regulação dos eventos mentais – Marcuse
encontrou as bases para o desenvolvimento de sua teoria sobre como se estabeleceu a
“dominação” de um grupo de indivíduos sobre os outros dentro da organização social.

Para Freud a história do homem é a história da sua repressão. Segundo sua tese,
o desenvolvimento da cultura humana e, portanto, da civilização só foi possível graças à
repressão dos instintos humanos. A partir dos seus estudos clínicos, Freud identificou
dois instintos básicos no ser humano: o instinto de vida, ou Eros e o instinto de morte,
ou Thânatos. Eros, por buscar unir os indivíduos em unidades cada vez maiores,
inicialmente a partir do núcleo familiar para, posteriormente, formar os povos e as
nações, se manifesta como libido e, portanto, está associado aos instintos sexuais.
Thânatos, ao contrário, atua contra as pretensões de Eros no desenvolvimento da
civilização, na medida em que busca uma volta do organismo ao estado inorgânico, à
ausência de tensões, ou seja, à morte.

7
Título traduzido para o português como “A Ideologia da Sociedade Industrial”.
8
Cf. Freud em “Além do Princípio de Prazer”, cap. I pg. 15 a 20, o princípio de prazer é próprio de um
método primário de funcionamento do aparelho mental. Relacionando o prazer e o desprazer à quantidade
de excitação presente na mente, Freud atribuiu o desprazer a um aumento na quantidade de excitação, e o
prazer, a uma diminuição, desta forma o princípio de prazer atuaria no sentido de satisfazer os impulsos
instintivos que geram a excitação, diminuindo-a. Freud afirma, também, que do ponto de vista da
autopreservação do indivíduo e de sua adaptação ao mundo exterior, o princípio de prazer é ineficaz e até
mesmo altamente perigoso. Já o principio de realidade é descrito como sendo aquele que, imposto pelas
condições externas, não abandona a intenção de fundamentalmente obter prazer, mas exige e efetua o
adiamento da satisfação, o abandono de uma série de possibilidades de obtê-la, e a tolerância temporária
do desprazer como uma etapa no longo e indireto caminho para o prazer.
“...o natural instinto agressivo do homem, a hostilidade de cada um contra
todos e a de todos contra cada um, se opõe a esse programa da civilização. Esse
instinto agressivo é o derivado e o principal representante do instinto de morte,
que descobrimos lado a lado de Eros e que com este divide o domínio do
mundo”.9

Quando uma parte do instinto de morte é dirigida contra o mundo exterior torna-
se uma ameaça à sociedade civilizada, pois manifesta a capacidade de agressão e
destruição dos indivíduos, porém, quando é impedida de se manifestar no exterior, ela é
introjetada pelo indivíduo e assumida pelo superego, que irá dirigir contra o ego, através
do sentimento de culpa, a mesma agressividade que este dirigiria ao mundo exterior.
Somente através do sentimento de culpa é possível inibir os impulsos agressivos dos
indivíduos que, de outra forma, destruiriam o projeto de civilização objetivado por Eros.
Apoiado nesta dinâmica do aparelho mental, Freud desenvolveu sua tese de que a vida
em sociedade requer repressão. Para ele, tanto o desenvolvimento filogenético (espécie),
quanto o desenvolvimento ontogenético (indivíduo), só são possíveis através do
controle dos instintos ou pulsões humanas, controle esse efetuado pela substituição do
princípio de prazer pelo princípio de realidade.

Como a sociedade não dispõe de recursos para suprir a vida de todos, se faz
necessário que a energia que seria gasta na atividade sexual (princípio de prazer) seja
desviada para o trabalho (princípio de realidade). A felicidade, enquanto compreendida
como sendo a satisfação dos instintos básicos do ser humano é, portanto, incompatível
com a civilização. “Ficamos inclinados a dizer que a intenção de que o homem seja
‘feliz’ não se acha incluída no plano da ‘Criação’”. 10

Marcuse argumenta, ao discutir a obra de Freud, que a mesma não reconhece a


alternativa de uma civilização não repressiva, pois considera que a luta pela existência,
ou sobrevivência, é eternizada pela carência de meios suficientes para sustentar a vida
de todos, fato este que obrigaria o homem ao trabalho forçado e penoso para poder
sobreviver. Porém, Marcuse afirma que esta visão é tão antiga quanto a própria
civilização e serve de justificativa para a perpetuação da repressão, pois para ele a

9
Sigmund FREUD, “O Mal-Estar na Civilização”, pg. 83.
10
Sigmund FREUD, “O Mal Estar na civilização” in Os Pensadores, pg. 141.
escassez de recursos, que estaria na raiz do estabelecimento do princípio de realidade, é
conseqüência de uma forma específica de organização da sociedade que perpetua a
dominação de determinados grupos sobre os demais e não, necessariamente, pela
carência real desses mesmos recursos. Partindo dessa idéia, Marcuse desenvolve os
conceitos de “mais-repressão” (fenômeno sócio-político que tem como objetivo obter e
manter a dominação social) e “princípio de desempenho” (forma atual do princípio de
realidade, característico do sistema capitalista).

Enquanto fenômeno sócio-político, a mais-repressão caracteriza-se por um


conjunto de restrições e imposições que preserva a carência e a escassez como forma de
obter e manter a dominação, mesmo dispondo de todo progresso técnico, material e
intelectual disponível para atenuá-la. A fragmentação do trabalho, que transforma o
trabalhador num autômato sem o menor controle sobre o que produz nem sobre os
processos envolvidos nessa produção, bem como a fragmentação da sexualidade através
da dessexualização e deserotização do corpo, são alguns dos aspectos desse conjunto de
restrições e imposições. Freud atribui a fixação dos impulsos sexuais nos órgãos
genitais a uma maturidade do organismo, envolvendo uma maturidade normal e natural
do prazer, porém, Marcuse afirma que a fixação dos impulsos sexuais nos órgãos
genitais é obtida graças aos tabus rigidamente impostos em relação ao prazer físico ou
corporal, cujo objetivo é reduzir a sexualidade à finalidade procriativa economizando,
assim, energia para o trabalho.

“O prazer dos sentidos de contigüidade prevalece-se das zonas erotogênicas do


corpo – e fá-lo unicamente pelo prazer em si. O seu desenvolvimento
irreprimido erotizaria o organismo em tal medida que neutralizaria a
dessexualização do organismo exigida para a sua utilização social como
instrumento de trabalho. (...) O princípio de prazer foi destronado não só
porque militava contra o progresso na civilização, mas também porque militava
contra a civilização cujo progresso perpetua a dominação e o trabalho
esforçado e penoso”.11

11
Herbert MARCUSE, “Eros e Civilização”, pg. 54.
Marcuse focalizou seu exame ao introduzir o termo mais-repressão, nas
instituições e relações que constituem o corpo social do princípio de realidade. Para
tentar esclarecer a dimensão do teor de repressão presente na civilização
contemporânea, ele descreveu-o de acordo com o princípio de realidade específico que
governou as origens e a evolução dessa civilização, designando-o por princípio de
desempenho para dar destaque ao fato de que, sob o seu domínio, a sociedade é dividida
de acordo com os desempenhos econômicos concorrentes dos seus membros. Portanto,
sob o princípio de desempenho, a sociedade é orientada para a busca de aumento
contínuo dos ganhos e, também, para a concorrência permanente entre seus membros,
condenando todos ao trabalho penoso e forçado, suprimindo o prazer pela repressão e
pelo constrangimento.

V. CONCLUSÃO

Ao desvelar os mecanismos de dominação presentes na sociedade


contemporânea na obra “Eros e Civilização”, Marcuse ainda acreditava ser possível à
sociedade industrial avançada inverter o rumo do progresso, rompendo a união de
produtividade e destruição e de liberdade e repressão. Porém, no “Prefácio Político” à
edição de 1966, ele afirmava que havia negligenciado o fato de que o fundamento
lógico para a contínua aceitação da dominação havia sido mais amplamente reforçado
por formas ainda mais eficientes de controle social.

Graças às facilidades proporcionadas pela ciência e pela técnica à vida dos


indivíduos dentro das sociedades afluentes, tornou-se fácil obter deles a aprovação a
esse modelo de organização social, mesmo sendo um modelo que perpetua a
dominação. Afirmando que as mesmas forças que capacitaram a sociedade a amenizar a
luta pela existência serviram, também, para reprimir nos indivíduos a necessidade de tal
libertação, Marcuse desmascarou a falsa liberdade que os indivíduos pensam possuir:
“O povo, eficientemente manipulado e organizado, é livre; a ignorância e a
impotência, a heteronomia introjetada, é o preço de sua liberdade”.12

12
Idem, pg. 14.
Marcuse alertava ainda que a perpetuação desse sistema, nos moldes tradicionais
da relação do homem com o trabalho, exigiria um crescente desperdício de recursos pela
necessidade de criação de empregos e serviços cada vez mais desnecessários em virtude
do alto nível de automação atingido e pelo crescimento do setor militar ou destrutivo. O
limite para esse crescimento artificial seria atingido quando a mais-valia criada pelo
trabalho produtivo deixasse de ser suficiente para compensar o não produtivo, o que
obrigaria o sistema a desenvolver necessidades que transcendessem a economia de
mercado sem, contudo, criar um conflito irreconciliável com a mesma.

Passados 37 anos dessas observações, constatamos que a criação de empregos e


serviços não produtivos não tem sido suficiente para absorver a mão-de-obra dispensada
pela automação, aumentando exponencialmente o número dos excluídos do sistema. O
temor demonstrado por Marcuse de que o crescimento do setor militar nas sociedades
industriais avançadas instaurasse um permanente estado de prontidão para a guerra é
especialmente ilustrado hoje pela atuação dos Estados Unidos, onde grande parte da
economia depende da máquina de guerra, que emprega direta e indiretamente mais de
10 milhões de pessoas13, e as conseqüências dessa dependência são facilmente
verificáveis pela seqüência de invasões a países pobres e militarmente inferiores, sob
justificativas que se revelam depois inverídicas.

O que temos observado nos dias atuais é que o exército de excluídos – “o


substrato dos parias e estranhos, dos explorados e perseguidos de outras raças e de
14
outras cores, os desempregados e os não-empregáveis” - tem aumentado não só nos
países subdesenvolvidos, mas também dentro das próprias sociedades industriais
avançadas, gerando um clima de insegurança e revolta que é facilmente percebido nos
noticiários diários da mídia, que relatam os atos terroristas em nível mundial, as
múltiplas invasões de terras e de propriedades urbanas no cenário nacional e o aumento
geral da violência. Diante deste cenário é quase impossível não refletir sobre a pior
perspectiva aventada por Marcuse, para uma possível mudança:

“... O corpo contra a ‘máquina’ – não contra o mecanismo construído para


tornar a vida mais segura e benigna, para atenuar a crueldade da natureza, mas

13
Eurípedes ALCÂNTARA, “A Máquina de Guerra”, in Revista Veja, ed. 1795 de 26/03/2003.
14
Herbert MARCUSE, “Ideologia da Sociedade Industrial”, pg. 235.
contra a máquina que sobrepujou o mecanismo: a máquina política, a máquina
dos grandes negócios, a máquina cultural e educacional que fundiu benesses e
maldições num todo racional. O todo agigantou-se demais, sua coesão tornou-
se forte demais, seu funcionamento eficiente demais – o poder do negativo
concentrar-se-á nas forças ainda em parte por conquistar, primitivas e
elementares? O homem contra a máquina: homens, mulheres e crianças
lutando, com os mais primitivos instrumentos, contra a máquina mais brutal e
destruidora de todos os tempos e mantendo-a em xeque – a guerra de guerrilhas
15
(nos nosso dias, o terrorismo?) definirá a revolução do nosso tempo?”

BIBLIOGRAFIA:

ADORNO, Theodor W., HORKHEIMER. Max, “Dialética do esclarecimento:


fragmentos filosóficos”; tradução Guido Antonio de Almeida. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Ed., 1985.

ASSOUN, Paul-Laurent. “A Escola de Frankfurt”. São Paulo: Ática, 1991.

ASSOUN, Paul-Laurent. RAULET, Gérard. “Marxismo e Teoria Crítica”, tradução


Nemésio Salles. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981.

FREUD, Sigmund. “Além do Princípio de Prazer”, tradução Christiano Monteiro


Oiticica. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1975.
_______________. “Cinco lições de psicanálise; A história do movimento
psicanalítico; O futuro de uma ilusão; O mal-estar na civilização; Esboço de
psicanálise”; seleção de textos Jayme Salomão, tradução Durval Marcondes ... (et
al.). São Paulo: Abril Cultural, 1978. (Os pensadores).

HUISMAN, Denis. “Dicionário dos Filósofos”. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

15
Herbert MARCUSE, “Eros e Civilização”, pg. 17.
MARCUSE, Herbert. “Eros e Civilização”, tradução Álvaro Cabral. Rio de Janeiro:
Zahar Editores, 1968.
_________________. “Ideologia da Sociedade Industrial”, tradução Giasone Rebuá.
Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1969.
_________________. “O Fim da Utopia”, tradução Carlos Nelson Coutinho. Rio de
Janeiro: Editora Paz e Terra, 1969.

MATOS, Olgária C. F. “A Escola de Frankfurt: luzes e sombras do Iluminismo”. São


Paulo: Moderna, 1993.

PERROUX, François. “La Coexistência Pacífica”, tradução Francisco González


Aramburo. México: Fondo de Cultura Econômica.

TEXTOS ESCOLHIDOS / Os Pensadores. Walter Benjamin, Max Horkheimer,


Theodor W. Adorno, Jürgen Habermas; traduções de José Lino Grünnewald ...
[et al.]. – 2. ed. – São Paulo: Abril Cultural, 1983.

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