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O ESTRUTURALISMO E A MISÉRIA DA RAZÃO- Carlos Nelson Coutinho

Prefácio

O autor inicia o prefácio apontando que a “moda” do estruturalismo se propunha


a superar o irracionalismo existencialista e a vazia abstração do humanismo
pseudomarxista, através de um método rigorosamente científico. Chegando ao Brasil
em 1968 e tendo opositores dos dois campos teóricos que se propunha combater, porém
as uniteralidades de seus opositores acabavam por reforçar as críticas realizadas pelos
teóricos estruturalistas.

O autor aponta que em momentos de crise do Capital acentua-se


ideologicamente o irracionalismo formalista como uma expressão do estruturalismo e
do pensamento da burguesia. Identifica dois momentos, quando se sente seguro o
pensamento burguês funda-se no racionalismo formal, quando em crise, acentua-se o
irracionalismo e subjetivismo, esses momentos alternam-se a depender do momento
histórico.

Se propondo a analisar o estruturalismo de forma mais dialética e universal, a


principal crítica do autor centra-se no argumento que o estruturalismo abandona o
historicismo concreto, a concepção de mundo humanista e a razão dialética.

A ponte que liga o racionalismo formal e o irracionalismo é o agnosticismo,


sendo suas primeiras manifestações no pensamento de Comte, na economia vulgar, na
sociologia formalista de Durkheim e no neokantismo. Afirmando: “O radical
empobrecimento agnóstico das categorias racionais, reduzidas a simples regras formais
intelectivas que operam na práxis manipulátoria” Pg. 18.

A crítica do autor centra-se nos estruturalistas formais franceses: Levi-Strauss,


Focault e Althusser, que para o autor transformam as regras formais intelectivas em
realidade objetiva existente acima dos homens concretos. Defendendo e se propondo a
uma atualização e desenvolvimento da contribuição de Lucáks.

CÁPITULO 1 : O problema da razão na filosofia

O autor aponta a filosofia burguesa em duas etapas: dos renascentistas a Hegel,


de base progressista orientado na elaboração da racionalidade humanista e dialética; e a
segunda de ruptura (1830-1848) de decadência, abandono do humanismo, historicismo
e da razão dialética.
“Do ponto de vista imediatamente social e político, essa
inversão tem a sua gênese no surgimento de uma contradição
antagônica entre as classes que outrora formavam o Terceiro
Estado.” Pg. 21.
O que o autor identifica é que, a burguesia desempenhou um papel central no
desenvolvimento progressista da ciência, sendo o verdadeiro porta-voz da compreensão
da realidade como um todo racional, cujo conhecimento e domínio estavam abertos à
razão humana. Porém, ao se consolidar no poder como classe dominante assume o papel
histórico do conservadorismo, sendo assim, busca estreitar os horizontes outrora
alargados, ceticamente criticando a possibilidade de compreensão universal da realidade
e a razão, propondo esta compreensão através de limitações significativamente menores.

O rompimento com a tradição progressista


Para o autor em sua fase progressista a burguesia desempenhou uma tarefa
histórica através da conquista da realidade por uma razão explicitada em suas
determinações. Na fase da decadência busca limitar o papel da razão no conhecimento e
na práxis humana. O marxismo eleva a racionalidade dialética de Hegel a um nível
superior, materialista.

(...) O capitalismo, em dado momento, representou- uma


extraordinária revolução na história da humanidade. Seu
nascimento e explicitação implicavam a atualização de
possibilidades apenas latentes na economia feudal desenvolvida,
atualização que dependia, por sua vez,da dissolução e
desintegração das relações feudais de produção,de suas formas
de divisão do trabalho. Pg. 25

O autor defende a descontinuidade e assimilação parcial das teorias em suas


‘novas fases’, ao contrário do que se afirmam as ‘novas leituras’ das teorias sociais se
comprometem na verdade a parcializar, adaptando fragmentos selecionados, chegando
inclusive a ir de encontro ao que as teorias clássicas postulavam. Sendo assim,
rompendo com o progressismo e constituindo os rumos da decadência.

No âmbito da economia clássica inglesa: “desenvolve a teoria da relação


orgânica entre realidade social e atividade humana que assume- no plano da práxis
econômica- a forma da relação entre trabalho e mercadoria.”Pg. 25 o papel da
objetividade humana na realidade social já havia sido percebido pelos progressistas, em
sua fase iluminista, sendo aqui identificada ainda como obra do esclarecimento, da ação
individual e idealista. O salto qualitativo é empreendido por Hegel que realizando uma
síntese, chega à teoria Humanista, onde o homem é produto da atividade histórica e
coletiva e é submetido a leis objetivas e dialéticas, ainda que idealmente.

Para o autor esta Nova dialética racional advém do marco que foram as ciências
físicas com a sua conquista da natureza através da racionalidade matemática,
imprimindo um caráter nacional dos processos históricos sociais, vendo o real como
totalidade submetida a leis somando-se a isto a afirmação da historicidade dos processos
sociais.

Hegel é assim, o grande sintetizador da elevação do pensamento burguês, por


articular os três núcleos: humanismo (homem produto de sua história coletiva),
historicismo concreto ( a realidade é histórica) e razão dialética(unidade dos contrários,
e categorias capazes de apreender a subjetivamente a realidade objetiva) que são a base
da ética e ontologia, seu abandono é a decadência do pensamento da burguesia.

Sendo estas categorias fundamentais para fundar a ética e a ontologia, a fase que
se segue por parte da burguesia prioriza a cisão exatamente destas. A decadência na
ética e ontologia é inteiramente ideológica, o saber verdadeiro é limitado a ciências
particulares, na filosofia só a lógica formal apresenta desenvolvimento efetivo havendo
uma neutralização das descobertas parciais para que não atinjam o âmbito da ética e
ontologia.

Em lugar do humanismo, surge ou um individualismo


exarcebado que nega a sociabilidade do homem, ou a afirmação
de que o homem é uma ‘coisa’, ambas as posições levando a
uma negação do momento(relativamente)criador da práxis
humana: em lugar do historicismo, surge uam peseudo-
historicidade subjetivista e abstrata, ou uma apologia da
positividade,ambas transformando a história real (o processo de
surgimento do novo) em algo ‘superficial’ ou irracional;em
lugar da razão dialética, que afirma a cognoscibilidade da
essência contraditória do real, vemos o surgimento do
irracionalismo fundado na intuição arbritária,ou um profundo
agnosticismo decorrente da limitação da racionalidade às suas
formas puramente intelectivas.” Pg. 31

A economia e as categorias filosóficas


Para o autor, a cientificidade de uma filosofia do real reside na apreensão que ela
faz (ou não) das categorias econômicas, já que constituem a modalidade fundamental da
objetividade humana. Limitações são impostas pela divisão do trabalho capitalista: a
separação entre trabalho manual e intelectual impede a noção materialista da práxis e
transforma Hegel num idealista, reduzindo a atividade humana a algo espiritual.

As novas formas de objetividade advêm da destruição das


antigas classes sociais do feudalismo e criação do trabalhador
livre, essa nova divisão do trabalho amplia a liberdade humana,
unificando o gênero humano. O desenvolvimento da indústria
trás uma generalização da socialização do trabalho ( cooperação
no interior da fábrica e integração dos ramos de produção),
somando-se a isto a criação do mercado mundial e
consequentemente de uma cultura mundial, elevando assim “a
realidade da humanidade como totalidade concreta de
complexos teleológicos (fundados no trabalho e em suas
objetivações, cujo movimento depende de leis racionais.” . Pg.
33
A inerência do gênero humano em cada indivíduo particular é a forma que se
centra as analises neste momento alcançando uma nova síntese teórica, ou seja, o
individuo singular se relaciona com o gênero humano universal através de mediações
recíprocas, estas mediações particulares são realizadas através do trabalho socializado,
da nação, da classe e etc.

Para o autor, a contradição inerente e essencial do modo de produção capitalista


entre socialização do trabalho e apropriação individual dos seus produtos, representaram
um estímulo ao progresso teórico na fase de ascensão do pensamento burguês, porém na
fase da decadência se tornam limites intransponíveis, impossibilitando a apreensão da
realidade objetiva. O proletariado representa então, uma força autônoma capaz de
resolver estas questões de forma progressista, o pensamento burguês se transforma
assim em justificador da realidade social, assumindo a função conservadora de justificar
o existente.

1848 representa assim, o rompimento definitivo da burguesia com o progresso.


A filosofia da decadência é imediatista, o surgimento de novas ciências é construído
através da particularidade, das delimitações sem construir uma concepção de mundo.
Entretanto o autor pontua que esta relação não é produzida sem deslocamento das
condições materiais e objetivas inerentes ao modo de produção capitalista.
“Um traço essencial do capitalismo consiste em impor a
completa sujeição da produção às leis anárquicas do mercado.
Essa mercantilização da práxis tem uma clara consequência
sobre a consciência dos homens: a atividade deles tende a se
ocultar à sua própria consciência, converte-se na essência oculta
e dissimulada de uma aparência inteiramente retificada. Todas
as relações sociais entre os homens aparecem sob a forma de
relações entre coisas, sob a aparência de realidades ‘naturais’
estranhas e independentes da sua ação. “ Pg. 37
Este processo de cisão entre a essência e a existência das coisas, ou seja, entre a
práxis criadora e a vida social, transforma em um fetiche vazio a subjetividade que esta
nesta relação rompida com a objetividade social, empreendendo a fetichização entre
sujeito e objeto. O processo de essência e aparência podem constituir uma relação
antagônica entre si, demandando mediações que dissolvam a aparência na totalidade,
movimento que possibilita a revelação da essência.

“Em suma, quando o pensamento não tem condições de superar


o imediatismo e espontaneísmo, não pode superar a descrição de
forma aparente e alcançar a reprodução da essência. Converte
então essa forma aparente em fetiche, ao conceder-lhe uma
autonomia e universalidade que não possui.“ Pg.38
O ponto defendido pelo autor é que a filosofia decadente reproduz este traço
fetichizador, não transpassando a barreira do imediatismo em todas as suas expressões
filosóficas, converte em antinomias algumas contradições dialéticas e endurece
momentos isolados de uma totalidade contraditória.

Realiza este processo quando aceita acriticamente a alienação entre a vida


publica e a vida privada, a subjetividade e a objetividade social, elementos que unidos
contraditoriamente se transformam em fetiches. A aceitação da especialização das
atividades humanas de forma acrítica, movimento que opera uma fragmentação
hierárquica entre a sensibilidade e o intelecto, quando na verdade são movimentos que
se realizam mutuamente. De acordo com o autor, para os existencialistas a sensibilidade
é o ápice da apreensão do real e para os estruturalistas o intelecto é a infraestutura de
todas as atividades do homem. Outro movimento vinculado as correntes da ‘miséria da
razão’ possui caráter de relevância:

“Pensamos na tendência da economia capitalista no sentido de


burocratizar todas as atividades humanas, desde as econômicas e
políticas até as mais refinadamente ‘espirituais’. A
burocratização ocorre quando determinados procedimentos
práticos são coagulados, formalizados e repetidos
mecanicamente; com isso empobrece-se a ação humana, que é
assim desligada de sua relação tanto com a realidade
(transformada em práxis burocrática em simples objeto de
manipulação) quanto com suas finalidades (cuja racionalidade
ou irracionalidade a práxis burocrática não questiona.).” Pg. 40
A burocratização aparece assim, como um momento da alienação, na medida
que considera a apropriação do objeto possível de ser realizada por uma manipulação
‘vazia’ dos dados, como se a transformações em regras estáticas e formais pudessem
empreender a compreensão do real nas suas múltiplas facetas contraditórias e objetivas,
realizando assim o desligamento da totalidade social e contribuindo para perpetuação do
capitalismo.

“As filosofias imediatistas- que tornam a práxis burocrática


como modelo da vida humana, sem dissolvê-la na totalidade
essencial e explicitada da objetividade econômico-social –
assumem também esse tipo de racionalidade como único
parâmetro. E, com isso, empobrecem decisivamente as várias
esferas da vida. A práxis aparece agora como uma mera
atividade técnica de manipulação; a objetividade se fragmenta
numa coleção de ‘dados’ a serem homogeneizados; e,
finalmente, a razão reduz-se a um conjunto de regras formais
subjetivas, desligadas do conteúdo objetivo daquilo a que se
aplicam. “ Pg. 43

O irracionalismo e a miséria da razão

O autor aborda nesse subtítulo dizendo que o articulado pensamento fetichizado


das correntes que ele aborda como “miséria da razão”, são incapazes de recompor
sinteticamente a totalidade e gera duas correntes que, em larga medida, dialogam com
as falsas antinomias que não conseguem superar. Sobretudo essas duas vertentes
imediatistas, a saber, o irracionalismo e “miséria da razão” se complementam como
correntes que rompem com categorias do humanismo, do historicismo e da dialética e
são incapazes de atingir o objeto em sua essência. “Irracionalistas e agnósticos negam
explicitamente que a totalidade do real possa ser objeto de uma apreensão racional”
(COUTINHO, 2010, p. 44). A razão é limitada a alguma esfera da realidade desse
pensamento, o que o torna dominado pela irracionalidade.
Essa duplicidade consegue ser observada, segundo o autor, no período pós a
Revolução Francesa quando ainda era possível ver uma relação direta com o real, o que
trouxe a oposição sobre o anticapitalismo romântico e a apologia direta do progresso
capitalista. A crítica romântica do capitalismo busca naturalizar as novas formas
econômicas como o resultado da “plenitude natural do homem”, vendo uma ameaça
mortal para a subjetividade espiritual dos indivíduos a radical socialização do trabalho e
da vida. Já a apologética burguesa, nega a contrariedade existente no caráter da
objetividade econômica do capitalismo, reafirma sua homogeneidade, sua inclinação –
embora não real – ao equilíbrio e progresso contínuo.

Dito isso, as filosofias de Kierkegaard relacionadas à “destruição da razão” no


primeiro Sartre, nunca superaram o fundamento objetivamente reacionário, elas podem
ser definidas como “manifestações de anticapitalismo romântico”, termo dito por
Lukács e atribuído pelo autor. Para Coutinho: “A burocratização da vida social, sempre
crescente no capitalismo, retira à subjetividade qualquer fundamento racional objetivo,
qualquer relação ética como valores objetivos, sejam religiosos (no sentido medieval)
ou humanista.” (COUTINHO, 2010, p. 46). Essa subjetividade se torna assim vazia com
a demanda de negar o real e buscar “desesperadamente um absoluto pleno de sentido”.
Resta aos marginalizados e/ou os que recusam a essa burocratização de sua vida
privada, intensa solidão, aliada à segurança e à angústia. Essa destruição da razão que o
autor fala neste subtítulo “domina todo o pensamento subjetivista da decadência”
(COUTINHO, 2010).

Em Dilthey o autor diz que:

“[...] assume a forma da contraposição entre “compreensão” e


“explicação”, reduzida a validade dessa última apenas às ciências
naturais; nas “ciências do espírito” de inspiração diltheyana, essa
contraposição seria a base da ruptura metodológica entre ciências
naturais e sociais, abrindo-se as portas das segundas a um
irracionalismo mais ou menos completo”. (COUTINHO, 2010, p. 48)

Já em Nietzsche:

“[...] a embriaguez dionisíaca aparece como o necessário estado


subjetivado do super-homem, que é colocado acima de todas as
limitações éticas e lógicas da razão” (citação). Para Coutinho esse
método irracionalista busca colocar o mundo entre parênteses
buscando anular as mediações reais e objetivas do “dado”, se tornando
o critério basilar para a apreensão da essência”. (COUTINHO, 2010,
p. 49)

Finalmente com Heidegger, Coutinho expõe que essa destruição da razão:


“[...] partindo da fenomenologia, criaria a “ontologia” adequada a esse
sentimento do mundo. Segundo ele, o indivíduo e o mundo não
formam uma síntese orgânica, mas são entidades antagônicas; o
homem está “lançado” numa cotidianidade que deve superar se não
quer viver no reino da inautenticidade, que é para ele o mundo da
comunidade social (COUTINHO, 2010, p. 49).

Observa-se nestes apontamentos dos outros autores dois pontos importantes: 1)


uma sublimação filosófica da crítica romântica do capitalismo; e 2) denuncia-se a
realidade social, considerada fonte de dissolução da subjetividade e de desumanização.
Nos dois casos, o autor diz identificar um processo de fetichização onde se pega formas
particulares do mundo capitalista e as convertem em uma “condição eterna do homem”
(COUTINHO, 2010). Sendo assim, o autor continua a dizer que pela falta de interesse
sobre a historicidade e o intenso foco em seu objeto, a sociologia positivista e a
economia vulgar desse positivismo agnóstico buscam afastar-se de contradições, da
realidade e qualquer “referência à objetividade das contradições no capitalismo”. Já a
filosofia, transforma-se em pura epistemologia com a função de limitar a perspectiva da
razão afim de reafirmar os pensamentos irracionais dessa ordem positivista, sobretudo
aos domínios do real que por algum critério consigam ser homogeneizados,
formalizados, manipulados, sem a consideração da sua natureza objetivamente
contraditória (COUTINHO, 2010, p. 51).

Sendo assim, a miséria da razão seria um termo para o agnosticismo puramente


em seu conceito e na sua capacidade de irrelevância com a essência do real, ou da
comprovação científica. A miséria da razão se torna assim a expressão teórica do mundo
burocratizado do capitalismo, para o autor, deformada e deformante. O capitalismo
neste cenário torna-se livre para também adentrar vida social, trazendo uma similar
fetichização da “condição eterna do homem”, mas aplicadas as relações humanas no
quadro da sociedade burguesa, utilizando critério de manipulação da consciência e
formalistas (COUTINHO, 2010). O autor termina, dentre outros apontamentos, dizendo
que é notável identificar uma tendência agnóstica comum dentre os diversos pensadores
ligados à “miséria da razão”, todos em certa medida abandonam ao irracionalismo, ou
segundo eles a “metafísica e a opinião objetivista”, os casos reais aos quais não
conseguem aplicar suas regras formais do intelecto burocratizado.

II. As condições históricas do Estruturalismo

Angústia e Segurança
Antes de se iniciar uma análise mais profunda sobre o quadro histórico que
resultou as teses chamadas aqui de “miséria da razão”, o autor expõe o surgimento de
uma variante agnóstico-formalista, que tem como característica substituir o idealismo
subjetivo pelo idealismo objetivo (COUTINHO, 2010).

Dito isso, Coutinho (2010) expõe sobre o período histórico buscando conceituar
que os intelectuais burgueses da época diante do real, ao analisar de forma fetichizada o
ciclo da acumulação capitalista por exemplo, elaboram um “sentimento do mundo” que
nada mais é que ideologias imediatistas, buscando a diferenciação da “concepção de
mundo”. Essa ideologia imediatista busca experimenta duas sensações, “angústia e
segurança”, de acordo com o que se interpreta disso, eles elaborarão conceitos
irracionalistas ou pseudorracionalistas respectivamente, e é sobre isso que buscaremos
nos debruçar neste primeiro subtítulo (COUTINHO, 2010).

No campo da angústia, o autor diz sobre ser um comportamento superior e


aguçaria a sensibilidade, a ponto de causar uma apreensão sobre a “essência espiritual
da realidade”:
“Comportamento humanamente superior, a angústia aguçaria
a sensibilidade, permitindo assim – em contraste com a
“vulgaridade” da razão – a apreensão da essência “espiritual”
da realidade. Nas filosofias posteriores, particularmente no
existencialismo, essa contraposição seria transformada numa
polaridade ontológica entre homens superiores e homens
cotidianos, abrindo-se caminho para concepções
aristocráticas e, inclusive, em alguns pensadores mais
recentes, a posições fascistas ou pré-fascistas (Niestzsche,
Spengler, Ortega y Gasset etc.). Há uma clara ligação entre a
“angústia” como reação emocional à realidade e a
transformação da intuição irracional em instrumento
privilegiado do conhecimento (COUTINHO, 2010, p. 53).

Respectivamente no campo da “segurança”, Coutinho (2010) diz que é neste ponto que
a economia capitalista busca limitar a expansão da personalidade humana, subjugando-a
às leis e ordenamentos socialmente impostos por esta estrutura, criando assim uma
conformidade, trazendo ao indivíduo uma espécie de “segurança”, em um mundo de
contradições (COUTINHO, 2010). E mais:

“[...] percebe-se facilmente a relação direta entre burocracia e


“segurança”, ou seja, o modo pelo qual uma vida “segura”
submete-se aos princípios do formalismo pseudorracional e
aos valores burocráticos da eficácia “profissional”; “a
segurança”, assim, conforma-se à identificação entre
personalidade individual e função desempenhada na divisão
do trabalho, identificação própria da cultura capitalista”
(COUTINHO, 2010, p. 64).
A utilização de Max Weber sobre este conformismo contribui em certa medida
para este entendimento: “O ingresso num cargo, inclusive na economia privada, é
considerado como a aceitação de uma obrigação específica de administração fiel em
troca de uma existência segura” (COUTINHO, 2010, p. 64). Este irracionalismo se
torna marginal quando a partir de 1848 há uma mudança, sobretudo nas concepções
ideológicas provindas da dominação da intelectualidade: “Em termos filosóficos, essa
sensação de segurança expressa-se na substituição da “metafísica negativista” (própria
da filosofia clássica alemã) pelo “espírito positivo” radicalmente agnóstico de Comte
(COUTINHO, 2010, p. 65).

Com a virada do século e o tempestuoso ingresso do mundo no período


imperialista, o capitalismo não oculta mais as suas bases precárias, junto disso, o
período de grandes conflitos e revoluções potencializam o ressurgimento do
individualismo profundamente antissocial. A “angústia” retorna como modo imediato
de reação à essa realidade. Há uma mobilização de denuncias feitas por pensadores e
artistas que falavam sobre a falsa segurança e a desumanidade objetiva da vida
burguesa. O autor finaliza apontando um resgate das visões niilistas de Kierkegaard e
Nietzsche que aparecem junto de novas filosofias existencialistas a fim de trazer
entendimento válido para os problemas imposto pela crise. O irracionalismo somente
reaparece no existencialismo alemão em Heidegger e Jaspers. Essa angústia se
intensificaria no período das duas grandes guerras e no entendimento eminente de
ameaça à humanidade que nasce pelo agravamento das tensões da guerra fria
(COUTINHO, 2010).

A ideologia do mundo manipulado

Fomentado pela reconstrução da Europa no pós-guerra pelos Estados Unidos, o


capitalismo teve uma transformação, a mais substancial de toda a sua longa história, o
que pode ser visto como dimensões universais e responsável pelo aumento da ideologia
estruturalista na época. Isso seria uma nova tentativa do positivismo para levantar uma
“visão do mundo”, aproveitando do recuo da onda existencialista (COUTINHO, 2010).

Dito isso, o autor expõe duas características principais de Lukács sobre essa
transformação econômica. A primeira compartilha o entendimento de que o campo do
consumo da sociedade agora também havia sido dominado pelo processo capitalista, o
que antes, o capitalismo somente dominava a produção. Coutinho ainda declara que
para Lukács “todo o sistema de manipulação surgiu dessa necessidade (econômica) e
estendeu-se posteriormente também à sociedade e à política” (COUTINHO, 2010, p.
68). Já a segunda característica está na identificação de que este novo período capitalista
há uma extração de mais-valia relativa, significando um aumento da exploração do
proletariado e de mesmo modo um aumento do nível de vida do trabalhador
(COUTINHO, 2010). Este aumento do padrão de vida reproduz este aumento da
produção sem o receio de crises de superprodução.

Sendo características que se relacionam, o aumento da produtividade e da


extração de mais-valia, o capitalismo experimenta novos avanços técnicos de
racionalidade tecnológica em alguns setores intelectuais que o faz emergir como
“científico” capaz também de resolver “irracionalidades” que começavam a ser expostas
sobre a época anterior (COUTINHO, 2010). O abandono do campo do consumo na
estrutura anteriormente, seria um dos motivos para as crises de superprodução. Pois
com o desenvolvimento do capitalismo junto com as forças produtivas, sem se atentar à
diminuição do consumo pela diminuição dos salários se tornara contraditória. Há então
uma ampliação na esfera do consumo, a fim de estimulá-lo temos neste ponto a criação
de necessidade artificiais de consumo.

E estes pontos artificiais de consumo, somente teriam sucesso mediante duas


condições:

“[...] primeiro, o desenvolvimento tecnológico que permite


passar da exploração do trabalho por meio da mais-valia
absoluta àquela por meio da mais-valia relativa, com o que se
garante, ao mesmo tempo, um aumento do lucro e um
aumento da possibilidade de consumir; e, segundo o
desenvolvimento de um aparato que manipule os desejos do
consumidor, tornando efetiva aquela possibilidade de
consumir mesmo diante de produtos que o indivíduo não
necessita de um ponto de vista racional” (COUTINHO, 2010,
p. 69) .

Isso resulta na burocratização e homogeneização capitalista de um campo que antes não


era interessante. Identificado também como “tempo livre”, esse processo capitalista de
dominação o transforma agora em “tempo manipulado”, pois há movimentos que
estimulavam com que este “tempo manipulado”, pela lente do capitalismo, fosse
fomentado para o equilíbrio dessa estrutura (COUTINHO, 2010).
O aumento da tecnologia resultando na possibilidade da diminuição da jornada
de trabalho é um dos exemplos. Aqui, Coutinho (2010) expõe ser indispensável para
esse neocapitalismo a manipulação da vida privada, tendo finalidades específicas como
calcular e prever as atividades de consumo, o homem se torna parte do cálculo, um
simples dado, a fim de trazer segurança para a produção dos padrões de consumo. Esse
tipo de manipulação da vida privada se torna mais um instrumento da racionalidade
burocrática, o que significa ser a “racionalidade espontânea” no quadro da alienação
capitalista (COUTINHO, 2010). “A eliminação da “irracionalidade”, a que se propõe a
manipulação, consiste precisamente nessa eliminação da especificidade da ação
humana” (COUTINHO, 2010, p. 71). Essa manipulação não é onipresente e é recorrente
manifestações contra este tipo de manipulação, mas ela sempre se renova a fim de
interpelar entre essas insatisfações e continuar com sua dominação dessa esfera de
consumo. Há nesta estrutura capitalista um conceito que o autor chama de “bem-estar
manipulado”, vem dele o princípio do consumo imprudente e anti-humano que causa a
falsa sensação de segurança (COUTINHO, 2010).

“Essa nova “ideologia de segurança”, contudo, embora


estimulada pelo ser social do período, enfrenta obstáculos
para seu completo triunfo. Deve, antes de mais nada, eliminar
de sua esfera teórica – ou seja, afastar do domínio da
racionalidade – todas as questões colocadas pela ética
humanista, pela ontologia materialista e pelo historicismo
concreto” (COUTINHO, 2010, p. 73).

A tarefa de triunfar é facilitada pelo irracionalismo, por apresentar respostas


subjetivas, não verdadeiras, em sua essência.

“O verdadeiro inimigo da nova “miséria da razão”, portanto,


continua a ser aquela concepção do mundo que herda e
desenvolve os conceitos básicos da tradição progressista, os
do humanismo, do historicismo e da dialética” (COUTINHO,
2010, p. 73).

Para o autor, uma análise humanista tem capacidade de colocar ir contra a práxis
pela manipulação. A visão concreta da história, desvelaria as possibilidades de
mudanças. E por fim a dialética, se voltaria contra este “mundo organizado” na razão
burocrática e na racionalidade objetiva do conjunto da sociedade, ultrapassando limites
quanto à razão. A finalização deste ponto se dá pelo entendimento do autor que o
estruturalismo segue essa nova encarnação do conceito de “miséria da razão”. Ele
assume a racionalidade burocrática, ou seja, a própria manipulação e as todo tipo de
devastação humana que ocorre quando se impõe o seu objeto como base para o seu
sistema teórico. Ele perpetua a dominação do aprisionamento do homem como um
simples “dado” e que a liberdade seja apenas uma ilusão humanista.

Esse estruturalismo captura o homem em sua manipulação de sua vida privada e


sua subordinação, estruturas cheias de regras formais. Por fim, uma ideologia que
cumpre na prática a “completa subordinação de todo social à manipulação
tecnológica”(COUTINHO, 2010, p. 75), que são formas intensamente desejadas pelas
novas formas capitalistas. De mesmo modo, o estruturalismo pode ser entendido como
um reflexo ideológico do mundo manipulado.

Os limites da “Razão” estruturalista

Como visto, dois núcleos de crítica foram desenvolvidos ao longo do texto, por
um lado a “miséria da razão” sendo esta a crítica às correntes positivistas e pós-
positivistas identificadas ao racionalismo formal e à aceitação da imediaticidade
cognoscível dos fenômenos e, por outro lado, fora realizada a crítica à “razão miserável
e a ideologia da segurança”, no qual o conceito de segurança, formulado na cultura da
decadência, liga-se à limitação imposta pela economia capitalista e que deve ser aceita a
fim de garantir a estabilidade de um mundo contraditório.

Em continuidade, as sucessivas alterações do modo de produção capitalista


gestariam novas formas de controle social, sob o discurso de ferramentas cientificas de
apreensão da realidade, e se tratava, concomitantemente, de um sistema de
manipulação.

Essa passagem do período clássico do capital no fim do século 19 à fase do


capitalismo monopolista significou uma extrema ampliação da esfera do consumo, que
não poderia ser regida pela aleatoriedade da “mão invisível do mercado”. A
manipulação da vida privada orienta à necessidade contínua do consumo, seja para
atender as vontades do corpo, da “alma” ou fictícias. Relevante o papel da publicidade
neste processo de “apassivamento” do tempo livre do indivíduo. O caráter da
passividade aqui apresentado é dual: tanto na homogeneização do comportamento
humano, tornando-o previsível, calculável e quantificável, quanto ao identificar no
consumo a meta final da vivência humana.

Tais correntes não resistiriam à analise a partir do que Coutinho chama de


“conceitos básicos da tradição progressista”, ou seja, o humanismo, historicismo e a
dialética, anteriormente explicitados (COUTINHO, 2010, p. 74). E por conta disso que
surgirá essa “nova encarnação da miséria da razão”, o estruturalismo:

O programa estruturalista consiste, essencialmente, na afirmação de que –


sendo a realidade social um conjunto de sistemas simbólicos ou de formas de
comunicação – o método capaz de torna-la inteligível é aquele próprio da
linguística moderna; as ciências humanas, ou aquilo que deve substituí-las,
tornam-se disciplinas particulares no interior de uma semiologia geral.
(COUTINHO, 2010, p. 77).

Coutinho localiza no estruturalismo uma continuação direta do programa


neopositivsta, dado o fato de que busca fundar um método objeto e cientifico de analise
da realidade social, supostamente fundando uma teoria que apreenda de fato a totalidade
da vida social (COUTINHO, 2010, p. 74). Porém, o caminho “ontológico” perseguido
pelo estruturalismo acaba por se desvelar enquanto de natureza epistemológica, ou seja,
com uma subordinação dos problemas ontológicos às leis objetivas apreendidas pelo
intelecto, “formas” ou “modelos” (COUTINHO, 2010).

Nessas condições, o estruturalismo tende a transferir para a própria realidade


os “limites” que sua epistemologia formalista (essencialmente análoga à do
neopositivismo) julga descobrir no conhecimento racional. Na “antropologia
estrutural”, somente merecerão a qualificação de “objetivas” aquelas
configurações ontológicas às quais se possam aplicar as leis do intelecto
formal; isso provoca, como veremos um profundo empobrecimento da
realidade, na medida em que são declaradas “subjetivas” (e, portanto,
irracionais as questões essenciais da sociedade: as da história, do humanismo,
da dialética. À “miséria da razão”, vem juntar-se assim uma “miséria do
objeto”. A categoria que serve de ponte para essa sub-reptícia e injustificada
passagem da epistemologia à ontologia é precisamente a de “estrutura”.
(COUTINHO, 2010, p. 80).

O primeira passo para a análise do estruturalismo será o de esclarecer a natureza


deste conceito central: estrutura. Segundo Coutinho, o “conceito de estrutura que se
tenta generalizar à totalidade da vida social é aquele elaborado pela moderna linguística
estrutural” (COUTINHO, 2010, p. 80). A partir de Lévi-Strauss é possível compreender
a arguição do “valor” do método linguístico, pois esta seria a única ciência social a ter
conseguido formular um método positivo e a conhecer a natureza dos fatos analisados
(LÉVI-STRAUSS apud COUTINHO, pp. 80-81).

Coutinho desenvolve que da mesma forma em que para os marxistas a economia


surge enquanto ciência fundamental, ou seja, aquela central para o esclarecimento dos
fundamentos da vida social, para os estruturalistas a ciência basilar será a linguística,
identificando uma extrapolação (COUTINHO, 2010, p. 81).
Em que pese advertir não ser um especialista na teoria da linguagem, Coutinho
realiza importante digressão no processo intelectivo realizado por Ferdinand de
Saussure, filósofo e linguista suíço, que lança importantes leis formais a partir da
abstração metodológica que consiste na separação entre língua e fala, de uma forma na
qual praticamente não existe variação temporal ou local. Porém, essa abstração é levada
enquanto limite da análise da linguagem, de modo tal que é inconcebível pensar no
conjunto global da linguagem, pois este seria contraditório, visão claramente derivada
de Comte, com a preferência pelo estático diante do dinâmico e com a “irracionalidade”
da história, afastando-a do terreno da ciência (COUTINHO, 2010).

A linguagem não pode ser cindida do pensamento ou da realidade objetiva, uma


vez que ela é “o instrumento criado pelos homens com a finalidade de garantir e
aprofundar o reflexo do real pelo pensamento e, ao mesmo tempo, a comunicação inter-
humana, como diz o marxista polonês Adam Schaff, a ‘linguagem é uma práxis
condensada’” (COUTINHO, 2010, p. 87). É dentre do quadro da totalidade que deve
ser investigada a gênese da linguagem originalmente desenvolvida por Saussure de
forma limitada e epistemológica. Para esta superação, Coutinho partirá das armas de
crítica lukacsiana, identificando no trabalho o ato teleológico primário:

Analisando o trabalho, vemos que o homem pode realizá-lo tão somente se


colocar em movimento uma determinação causal (físico-quimica, orgânica ou
social); em outras palavras, a realização teleológica não anula, mas antes
implica, a sujeição da realidade a leis causais imanente e independentes do
sujeito. Sem o conhecimento das leis da termodinâmica, por exemplo, é
impossível a posição teleológica que utiliza tais leis a serviço da construção
da máquina a vapor; sem o conhecimento das leis econômicas do capitalismo,
não se pode projetar eficazmente o ato revolucionário de transformar a
realidade, colocando tais leis a serviço do homem; sem conhecer as
possibilidades objetivas e subjetivas, nenhum homem pode projetar um
comportamento ético eficaz, que o realize e explicite como ser humano.
(COUTINHO, pp. 87-88).

O conhecimento da realidade é, portanto, necessário a fim de possibilitar a ação


humana orientada a um fim. Por óbvio, dentro desse quadro complexo, a linguagem
também estará presente, na função de fixação e comunicação do pensamento:

O desenvolvimento do trabalho – observa Engels – contribuiu


necessariamente para estreitar os laços entre os membros da sociedade,
multiplicando os casos de assistência mútua, de cooperação comum, tornando
mais clara em cada indivíduo a consciência da utilidade dessa cooperação.
Em suma, os homens em formação chegaram ao ponto em que tinham
reciprocamente algo a se dizer. (ENGELS apud COUTINHO, p. 89).

Como desdobramento, a função social da linguagem irá requerer a resolução de


uma questão objetiva: a relação entre o significado em formação e a forma material
exterior (gesto, imagem acústica). Partindo da análise saussuriana de que a real natureza
do som não é relevante, mas sim a “imagem acústica” decorrente da manipulação do
objeto pelo homem primitivo, ato este reflexivo, fixado nas aparências, passa a permitir
uma retenção, normalizada pela reprodução e convertida em inconsciente, hábito
assimilado por todos (COUTINHO, 2010).

Essa manipulação pode ser definida como “a práxis em que o homem, ignorando
(consciente ou inconscientemente) as determinações essenciais do objeto, decompõe-no
em ‘unidades’ simples imediatamente utilizáveis” (COUTINHO, 2010, p. 90), sem
refletir acerca do valor racional ou das consequências intrínsecas a seu uso. Ou seja, a
manipulação tem um caráter fenomênico, imediato, que refletem a própria atividade do
sujeito enquanto se utiliza de procedimentos intelectivos.

Dessa forma, a manipulação não constitui um mal em si mesma, podendo ter um


caráter inclusive eficaz, como é o caso do progresso técnico. Mas ela se converte em um
obstáculo à realização humana na medida em que se torna o tipo dominante da práxis,
tendendo a reproduzir a alienação, como visto anteriormente em que o relacionamento
social e geral é controlado pelo objeto inicialmente manipulado. (COUTINHO, 2010, p.
93). Em contrapartida, a razão busca apreender o real em sua totalidade, sem se limitar
ao “parcelamento” da objetividade: “A razão, assim, corresponde àquele nível da práxis
que definimos como apropriação humana da objetividade” (COUTINHO, 2010, p. 96).

Sendo assim, ao estabelecer a relação entre intelecto e razão, entre manipulação


e apropriação, é possível concluir que as “estruturas inconscientes”, oriundas da análise
do estruturalismo linguístico, “são apenas a fetichização (reificação) das regras formais
intelectivas que operam na práxis manipulatória”, desempenhando uma clara função
reacionária de manutenção e reprodução do capital (COUTINHO, 2010, p. 98), faz-se
necessário, portanto, desvelar o significado real destas “estruturas”.

Do neopositivismo ao estruturalismo

Vimos, anteriormente, na corrente neopositivista uma clara tendencia agnóstica e


subjetivista, sendo um dos limites dos procedimentos do intelecto a compreensão da
realidade contraditória do início do século, “convertendo o mundo no ‘mundo’ do
indivíduo isolado” (COUTINHO, 2010, p. 99).
Com a estabilização do capitalismo contemporâneo, através dos processos
manipulatórios, fomenta-se a ideia da inexistência de contradição no concreto. Logo,
aquelas regras posicionadas no sujeito pelos neopositivistas aparecem, no
estruturalismo, como algo autônomo, acima dos homens. A categoria central que funda
a “pseudo-objetividade idealista é a do “inconsciente”, na qual os fenômenos
“conscientes” seriam os visíveis e perceptíveis e a estrutura seria constituída pelos fatos
“inconscientes”, à exemplo de Lévi-Strauss que vincula estrutura como essência
(COUTINHO, 2010, p. 100)

Em resumo, as instituições das sociedades humana, independente do tempo


histórico ou da conjuntura, seria regido por formas atribuídas pela atividade
inconsciente. Segundo Coutinho, “o ‘inconsciente’ é o fetiche das regras intelectivas
que são próprias da práxis manipulatória” (COUTINHO, 2010, p. 101).

Parece-nos óbvio que os fatos sociais são frequentemente inconscientes, no


sentido de que sua processualidade não é compreendida na totalidade por todos os
indivíduos. O exemplo trazido pelo autor é paradigmático: a venda da força de trabalho
por um operário, ainda que realizada livremente e de modo consciente, não significa a
plena ciência da exploração à que se submete. (COUTINHO, 2010).

A real compreensão de determinada relação social capitalista, como no exemplo


dado, passa pela apreensão desta realidade objetiva que acaba por fetichizada. Ora, isso
não quer dizer que se trata de um limite ontológico. Pelo contrário, é possível superar a
imediaticidade do fetichismo. Daí decorre a afirmação de que o “‘inconsciente’,
portanto, é sempre uma falsa consciência, uma ausência de consciência verdadeira,
jamais uma entidade objetiva, uma positividade em si” (COUTINHO, 2010, p. 102).

Assim, Coutinho observa no conceito de “estrutura”, “não apenas uma redução


da razão ao intelecto formal, mas igualmente uma subordinação idealista da práxis
humana – da realidade social – às regras ‘espirituais’ do intelecto manipulatório”.
(COUTINHO, 2010, p. 103).

Em decorrência disto, o estruturalismo desaguaria em uma posição anti-


humanista, na qual se negam o papel criador da ação humana, sendo esta subordinada
pela primazia das estruturas. A crítica, neste momento da obra, não é direcionada apenas
à Lévi-Strauss. Em Foucault, identifica o autor que a vida humana é reduzida a um mero
objeto manipulado por “estruturas” inconscientes:
Em todas as épocas, a maneira como as pessoas refletem, escrevem, julgam,
falam até mesmo na rua, as conversas e escritos mais cotidianos, inclusive a
maneira como as pessoas experimentam as coisas, como sua sensibilidade
reage, todo o seu comportamento é dirigido por uma estrutura teórica, por um
sistema (FOUCAULT apud COUTINHO, p. 106).
O humanismo finge resolver problemas que não pode formular (...) os
problemas das relações entre o homem e o mundo, o problema da realidade, o
problema da criação artística, da felicidade, todas essas obsessões que não
merecem absolutamente ser problemas teóricos(...). Nosso sistema não se
ocupa disso de modo algum. (FOUCAULT apud COUTINHO, p. 107).

A atividade humana, dentro desta concepção estruturalista, é tida como


instrumento impotente diante de uma “estrutura” que não se encontra nos fatos da
sociedade, mas no “inconsciente”, reproduzindo um caráter conservador e de
imobilidade, ainda que este não seja o objetivo ideológico dos autores autoproclamados
(ou atribuídos) pela alcunha estruturalista.

Em conclusão, Carlos Nelson Coutinho afirma não existir no estruturalismo uma


aquisição de novos campos para a razão humana, limitando-se à uma passagem do
agnosticismo dos neopositivistas à um “agnosticismo envergonhado” e, à “miséria da
razão”, é somada a “miséria do objeto”, com um empobrecimento radical da potência
humana, finalizando com veemência: “os limites da ‘razão’ estruturalista são os limites
da consciência fetichizada de nosso tempo”. (COUTINHO, 2010, p. 107).

Posfácio

No posfácio, escrito por José Paulo Netto, é realizada a mediação do decurso


temporal da primeira edição da obra e da ausência de uma “atualização”. Carlos Nelson
Coutinho incumbiu à Netto a tarefa de não apenas tecer relevantes comentários sobre a
atualidade e pertinência da obra, bem como de introduzir questões atinentes à
continuidade do processo de decadência ideológica burguesa.

Coutinho relutara em realizar nova publicação deste livro, uma vez que autores
como Althusser e Foucault, objetos de crítica largamente fundamentada nos capítulos 4
e 5 deste livro, haviam modificado seus pensamentos e preenchido certas lacunas, ainda
que parcialmente as críticas do autor se mantivessem. Inclusive, Netto adverte que no
momento da publicação da primeira edição do “Estruturalismo e a Miséria da Razão”,
as principais e maduras obras destes autores ainda não haviam sido abertas à sociedade.
Tal fato não retirou a necessidade desta edição que possibilitasse o contato de uma nova
geração à esta obra central, cabendo sempre a lembrança de ser uma crítica localizada
aos autores estruturalistas referidos.

O quadro de atualização histórica posterior ao período da primeira edição, tem a


ascensão do movimento chamado “pós-estruturalista” que, segundo Netto, colaborou
com a transição à emersão do que viria a ser designado como pós-modernidade e um
giro à direita na França (NETTO, 2010). Esse giro à direita da cultura francesa é
identificado pelo autor enquanto o indicador de um novo zeitgeist e significou um
aprofundamento da decadência ideológica não só no país europeu, mas em todo mundo
ocidental lastreando a burguesia imperialista. (NETTO, 2010, p. 255).

Tal zeitgeist tem em sua formulação mais difundida a obra de Lyotard de 1979:
A condição pós-moderna. Consiste em um verdadeiro amalgama de resgastes do
neopositivismo e do estruturalismo de pensamentos em muito anteriores às
transformações econômicas vivenciadas no globo a partir do final dos anos 70:

Consideradas na sua inclusividade, tais mudanças operaram, sem quaisquer


dúvidas, uma inteira reconfiguração da ordem do capital, sem eliminar (antes,
recolocando-as em novos patamares e aprofundando-as) as suas contradições
elementares e a sua dinâmica essencialmente exploradora; (NETTO, 2010, p.
256).

As mudanças ocorridas no bojo da chamada reestruturação produtiva foram uma


resposta estratégica, não somente aos movimentos contestatórios do capital no final da
década de 60 do século 20, bem como às perdas vivenciadas na primeira grande
recessão no pós Segunda Guerra. Apesar de ter novos métodos e processos, continua
sendo capitalismo com a produção fundada na exploração do trabalho e com
contradições próprios de seu modo de existência (NETTO, 2010, pp. 257-258).

Sinteticamente, Netto apresenta os elementos de encontro entre as várias teorias


pós-modernas no campo teórico e que representam um verdadeiro espelho do grau de
degradação da vida social: a) aceitação da imediaticidade com que se apresentam os
fenômenos socioculturais como expressão da inteira existência e do seu modo de ser; b)
a recusa da categoria de totalidade, no plano filosófico e teórico; c) semiologização da
realidade social, no qual tudo pode ser resumido à discursividade ou ao domínio do
signo. (NETTO, 2010, pp. 261-262).

Dentre as correntes e formulações generalizadas, o autor do posfácio apresenta


ainda o “ecletismo metodológico” e o “relativismo”, que representa uma dissolução da
ideia clássica de verdade, equiparando a ciência à um jogo de linguagem. Por fim,
ressalta Netto a característica idealista do mundo social atribuída pelos pós-modernos,
com suas falsas promessas que resguardam a dominação da classe burguesa e a
completa ignorância cientifica da economia política do capitalismo, o que leva a
projeções como o fim do trabalho. (NETTO, 2010, pp. 262-264).

Pelo exposto, José Paulo Netto localizará no estruturalismo uma importante


preparação para a emergência do pensamento pós-moderno, reposicionando inclusive a
abra ora resumida, uma vez que não se trata de texto datado, mas sim que expõe a
antecedência do pós-modernismo, uma das principais ideologias da ordem do capital
(NETTO, 2010).

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