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Histórica
Cristiane Lopes da Costa Veloso
influenciaria essa formação. Foi em 1835, em Niterói, fundada a primeira escola normal que
posteriormente se fundiu ao Liceu Provincial (em 1847) “o que possibilitou uma formação
diversificada, visando à preparação de professores para o ensino preliminar e médio. Seu
currículo, inicialmente muito simples, é enriquecido com a inclusão de novas disciplinas,
entre elas, a música (LOUREIRO, 2003, 48-49)”.
A função da música nas instituições que formam professores revela-se
eminentemente disciplinar, uma vez que as canções apontavam modelos a
serem imitados, objetivando, fundamentalmente, a integração do jovem à
sociedade (LOUREIRO, 2003, p.49).
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O termo liberal não tem o sentido de "avançado", "democrático", "aberto", como costuma ser usado. A doutrina
liberal apareceu como justificação do sistema capitalista que, ao defender a predominância da liberdade e dos
interesses individuais da sociedade, estabeleceu uma forma de organização social baseada na propriedade
privada dos meios de produção, também denominada sociedade de classes. A pedagogia liberal, portanto, é uma
manifestação própria desse tipo de sociedade.
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Retirado dos anais do Seminário de Maneschy, cujo trabalho faz a seguinte referência: “O presente capítulo de
autoria de José Carlos Libânio é a reprodução do capítulo 1 - "Tendências Pedagógicas na Prática Escolar" - do
livro Democratização da escola pública: pedagogia crítico-social dos conteúdos, São Paulo, Loyola, 1985,
autorizada pela Editora e pelo autor (...)” (MANESCHY, 2012, p. 1).
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Essa visão de ensino de arte baseada na livre expressão5 abre caminho para
diversas possibilidades educativas que certamente trouxeram contribuições para o ensino de
arte, como a promessa de uma prática comprometida com a liberação das emoções, o lúdico
como meio de aprendizagem, além da possibilidade de fruição de diferentes linguagens
artísticas. Mas na prática, essa era muitas vezes apenas uma postura ideológica esvaziadas por
uma ausência de formação adequada do professor.
Retomando a fala de Barbosa e Coutinho (2011), afirmando que os cursos de
formação e professores mantiveram-se na conformação tradicionalista, é possível afirmar que
embora a arte tivesse um papel bem definido na Escola Nova, já naquele momento havia
problemas em relação ao professor. Foi devido à ausência de formação adequada do professor
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Fusari e Ferraz (1991) destacam as esclarecedoras comparações de Dermeval Saviani entre o modelo
tradicional e a pedagogia da Escola Nova.
4
O termo "progressista", emprestado de Snyders, é usado aqui para designar as tendências que, partindo de uma
análise crítica das realidades sociais, sustentam implicitamente as finalidades sociopolíticas da educação.
Evidentemente a pedagogia progressista não tem como institucionalizar-se numa sociedade capitalista; daí ser
ela um instrumento de luta dos professores ao lado de outras práticas sociais. (MANESCHY, 2012, p. 7)
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O termo livre expressão foi inicialmente usado pelos escolanovistas sob influência de Dewey – arte como
expressão – e supervalorizado entre 1948-1958 – Arte como Livre expressão. (BARBOSA E COUTINHO, 2011,
p. 34).
5
Identificar qual tendência pedagógica poderia abarcar essa visão de arte como
linguagem constituiu-se em tarefa reveladora. Inicialmente pensamos na pedagogia liberal
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tecnicista como a mais adequada, uma vez que seus princípios baseiam-se em organizar a
educação escolar como modeladora do comportamento humano, através de técnicas
específicas e é exatamente isso o que se propõe a determinação de códigos de linguagem.
Na pedagogia liberal tecnicista, cabe ao professor organizar o processo de
aquisição de habilidades, atitudes e conhecimentos específicos que atendam ao sistema social
global, que é regido por leis naturais (há na sociedade a mesma regularidade e as mesmas
relações funcionais observáveis entre os fenômenos da natureza) cientificamente descobertas.
A atividade da "descoberta" é função restrita dos especialistas e a "aplicação" é competência
do processo educacional comum, assim como se apresenta as pretensões da proposta de arte
como linguagem: os teóricos da comunicação visual determinaram os códigos visuais e a
escola assume esses códigos como uma espécie de gramática das formas.
Outro aspecto comum entre a abordagem de arte como linguagem e a
pedagogia liberal tecnicista se refere ao desenvolvimento de competências úteis e necessárias
para que os indivíduos se integrem na máquina do sistema social global. No ensino de arte
como linguagem, isso aparece através do enfoque que o professor deve estabelecer entre a
alfabetização visual e o desenvolvimento das tecnologias visuais do século XX, acentuando
como centro da aprendizagem o enfoque formalista, a partir da análise dos signos visuais. É
neste sentido que a pedagogia liberal tecnicista determina que
A escola atue, assim, no aperfeiçoamento da ordem social vigente (o sistema
capitalista), articulando-se diretamente com o sistema produtivo; para tanto,
emprega a ciência da mudança de comportamento, ou seja, a tecnologia
comportamental. Seu interesse imediato é o de produzir indivíduos
"competentes" para o mercado de trabalho, transmitindo, eficientemente,
informações precisas, objetivas e rápidas. A pesquisa científica, a tecnologia
educacional, a análise experimental do comportamento garantem a
objetividade da prática escolar, uma vez que os objetivos instrucionais
(conteúdos) resultam da aplicação de leis naturais que independem dos que a
conhecem ou executam (MANESCHY, 2012, p.5).
que poderíamos pensar em desdobramentos para a visão de arte como linguagem que se
relacionam à tendência pedagógica progressista crítica-social dos conteúdos.
A tendência da pedagogia crítico-social dos conteúdos propõe uma síntese superadora das
pedagogias tradicional e renovada, valorizando a ação pedagógica enquanto inserida na
prática social concreta. Entende a escola como mediação entre o individual e o social,
exercendo aí a articulação entre a transmissão dos conteúdos e a assimilação ativa por parte
de um aluno concreto (inserido num contexto de relações sociais); dessa articulação resulta o
saber criticamente reelaborado (MANESCHY, 2012, p.7).
A questão dos conteúdos de ensino é de extrema importância para esta tendência, e por
isso, a arte como linguagem poderia estar em consonância com esta proposta. Contudo, a
limitação formalista da arte como linguagem impede que os conteúdos sejam tratados
conforme a pedagogia “dos conteúdos” que os encara como realidades exteriores ao aluno,
que devem ser assimiladas de forma indissociável da sua significação humana e social
(MANESCHY, 2012, p.9).
Diante da afirmação de Barbosa e Coutinho (2011), que aponta a existência de um
esforço de superação desta limitação formalista é possível pensar que a visão de arte como
linguagem parte de uma vinculação filosófica com a tendência liberal tecnicista em direção à
vinculação com a tendência progressista crítica-social dos conteúdos.
A limitação formalista que não aprofunda as relações históricas e culturais na análise dos
objetivos e imagens vem sendo atualmente contornada por abordagens do tipo semiótica e
pós-estruturalistas. São tentativas de atualização da ideia de alfabetização visual, como as
que têm se efetivado com as propostas educativas provenientes dos estudos da cultura visual
(BARBOSA e COUTINHO, 2011, p. 47).
Talvez possamos dizer que, infelizmente, a escola não acompanha as mudanças que se
abrem na contemporaneidade: a pós-modernidade e toda a complexidade de suas perspectivas.
Assim, mesmo as pedagogias críticas dependem do pensamento moderno.
A teorização crítica não existiria sem o pressuposto de um sujeito que, através de um
currículo crítico, se tornaria, finalmente, emancipado e liberto. O pós-modernismo desconfia
profundamente dos impulsos emancipadores e libertadores da pedagogia crítica. Em última
análise, na origem desses impulsos está a mesma vontade de domínio e controle da
epistemologia moderna (SILVA, 2007, p. 115).
É nesse cenário que emerge a visão de arte como cultura. Diferentemente dos modelos
anteriores, que se apóiam na ideia de arte como um sistema autônomo onde o sujeito se
relaciona com o “objeto” artístico criado, seja pelo saber normatizado, pela expressão interior
ou pela linguagem, na pós-modernidade a arte é concebida como um fato cultural. Nas
palavras de Barbosa e Coutinho (2011):
Aqui cabe situar que quando falamos em cultura na perspectiva da pós-modernidade, ao
invés de assumir um conceito de cultura como elemento aglutinador de identidades, como
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algo fixo e homogeneizador, importa pensar a cultura como redes de significados, como
comunidades de sentidos, de pertinência e de pertencimento, que revela heterogeneidades e
contradições (BARBOSA e COUTINHO, 2011, p. 48).
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Consideramos o conceito de indústria cultural, tal como foi elaborado por T. W. Adorno e M. Horkheimer na
“Dialética do esclarecimento”.
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“esta cultura massificada (que) transmite valores e aporta conhecimentos aos processos
identitários” (BARBOSA e COUTINHO, 2011, p. 48). No contexto (...) de hoje, a pedagogia
escolar está sendo suplantada pela pedagogia cultural, ou seja, aquela que advém dos meios
de comunicação de massa (cinema, televisão, videogames, música popular, internet,
publicidade, etc.) (BARBOSA e COUTINHO, 2011, p. 48).
Enfim, a visão da arte como "entretenimento e passatempo" está arraigada à
escola como o fruto dessa herança histórica aqui relatada, que é forjada por processo de
rupturas e descasos em relação ao ensino de arte.
A polivalência é o grande desafio do ensino de arte. Ela poderia até ser uma
opção interessante para os enfretamentos impingidos pela pós-modernidade caso fosse
possível o estabelecimento de uma orientação fundamentada em teorias e metodologias a
serem testadas e ressignificadas na prática escolar. Porém, o percurso de estabelecimento
desse profissional ao longo das décadas de 1970 e 1980 e sua confirmação na década de 1990
mostraram-se como uma utopia inviável e como um grande empecilho para um ensino de arte
de qualidade.
Como dito anteriormente, foi com a Reforma Educacional de 1971,
estabelecida pela lei 5.692/71, que se determinou pela primeira vez a inclusão das atividades
de Educação Artística, formada pela integração das artes plásticas, música e artes cênicas
(teatro e dança). Essa prática não foi estabelecida somente para o ensino de arte, outras áreas
de conhecimento também foram integradas. Isso é relevante apontar, pois segundo Santana
(2010, p. 10-11),
É importante ressaltar que a questão da polivalência assume, no âmbito das
artes, uma característica diferenciada das outras disciplinas, pois, quando
este conceito esteve em voga, durante os anos 1960 e 70, o conhecimento em
torno do assunto ainda era insipiente e não existiam associações corporativas
ou para-acadêmicas que protegessem a área da tradição inventada pelo
Conselho Federal de Educação, em plena ditadura militar (RIBEIRO, 1999).
Assim, se os especialistas em ensino de ciências não permitiram que os
conteúdos da física, química e biologia fossem tratados como se tudo fosse a
mesma coisa – procedimento que foi também adotado pelos especialistas em
línguas, que fizeram valer suas capacitações para o ensino do português,
inglês, francês ou espanhol –, para a educação artística a recomendação
oficial forçava os professores a tratar as artes visuais, a música e as artes
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Porém, havia uma distinção entre as outras áreas e a arte: nesta lei, a arte não
era considerada como uma disciplina e sim como uma atividade. Essa não foi uma ação livre
de intenções, e por isso, podemos afirmar que desde esse momento iniciou-se um processo de
desvalorização do ensino de arte na educação nacional.
Contudo, mesmo sendo a educação artística considerada apenas como uma
atividade, medidas foram tomadas para a implantação do novo modelo. Segundo Loureiro
(2003, p.70),
Um dos problemas para a implantação do novo modelo era a ausência de
professores capazes de atender ao novo perfil da disciplina. Para suprir o
mais rápido possível o mercado com o profissional de educação artística,
exigia-se das instituições superiores a formação e a capacitação desse
profissional, habilitando-o para exercer e assumir essa nova tarefa.
Determinou-se então, em 1973, a criação dos cursos de licenciatura (curta
duração) em educação-artística e de licenciatura (longa duração) em
educação musical e artes plásticas.
Outra questão conflitante que se apresenta diante das medidas para a integração
das artes na escola é a implantação de cursos de licenciatura plena em educação musical e
artes plásticas. Parece se tratar de uma incoerência o estabelecimento dos mesmos, pois é
certo que sua formação não conseguirá atender o formato polivalente. Essa situação corrobora
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com uma das constatações desta pesquisa, de que não existe um ideal para a formação dos
professores. Aqui remonto ao ideal seguindo os critérios de Walsh (1993) citado por França
(2006) apresentado no capítulo 1. Além disso, para Loureiro (2003, p. 71) o professor
formado em licenciatura plena vivencia uma situação ainda mais complexa que o professor de
licenciatura curta.
No caso da música, por exemplo, ele tem uma formação específica para a
música e se defronta com uma realidade que exige dele uma prática
polivalente. Os problemas já se iniciam no momento do estágio em que,
embora no plano legal essa disciplina devesse incluir as diferentes
manifestações artísticas, na prática ela está mais voltada para as artes visuais
(idem).
ensino de arte. O problema inicia-se na formação do professor, que acaba não sabendo muito
bem o que fazer para proporcionar experiências significativas para seus alunos, é aprofundado
com a ausência de planejamento das aulas e se desemboca na relação “oba-oba” que permite a
escolha das atividades até mesmo pelos próprios alunos.
Foram muitos anos de uma prática educacional no interior de nossas escolas com
aspecto e função de atividade descartável, alijada na hierarquia das disciplinas
escolares, nas indefinições quanto ao seu conteúdo escolar e na fragilidade da
formação acadêmica do novo professor – o educador artístico (LOUREIRO, 2003, p.
77).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Então, emerge o desafio: Como traçar possíveis caminhos para uma nova
vivência de ensino de arte na escola de educação básica? Consideramos que a prática da
polivalência, apesar de todas as dificuldades encontradas, não se constitui no fator de maior
problema para a atual precariedade do ensino de arte na escola básica, e sim, a falta de um
exercício consciente deste ensino enquanto possibilidade de decifrar e modificar o mundo,
inclusive a própria escola.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARBOSA, Ana Mae e COUTINHO, Rejane Gauvão. Ensino de Arte no Brasil: aspectos
históricos e metodológicos. Rede São Paulo de Formação Docente. São Paulo: UNESP, 2011.
Disponível em:
<http://www.acervodigital.unesp.br/bitstream/123456789/40427/3/2ed_art_m1d2.pdf>Acesso
em: 06 abril 2013.
JUNIOR, João Francisco Duarte. Por que arte-educação? 18ª Ed. São Paulo: Papirus, 2007.
LOUREIRO, Alicia Maria Almeida. O ensino de música na escola fundamental. 7ª ed. São
Paulo: Papirus, 2010.
SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de Identidade: Uma introdução às teorias críticas do
currículo. 2ª Ed. Belo Horizonte: Ed. Autêntica, 2007.