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Trabalho Docente
A Didática e a sua Relação com a Educação:
Uma Análise Histórica e Filosófica

Responsável pelo Conteúdo:


Prof.ª M.ª Kethlen Leite de Moura

Revisão Textual:
Prof. Me. Luciano Vieira Francisco
A Didática e a sua Relação com a Educação:
Uma Análise Histórica e Filosófica

• Introdução;
• A Didática da Antiguidade à Idade Média;
• Do Período Medieval à Modernidade;
• Os Filósofos Pós-Iluministas na Contribuição da Orientação
Pedagógica para a Instrução de Crianças;
• Princípios da Didática.

OBJETIVO DE APRENDIZADO
• Compreender o processo histórico e filosófico da didática e sua influência no processo
de ensino.
UNIDADE A Didática e a sua Relação com a Educação:
Uma Análise Histórica e Filosófica

Introdução
Iniciamos as nossas discussões nesta Unidade apresentando o objetivo de aprendiza-
gem que buscaremos com essas propostas, a didática. Estudar o conceito de didática,
bem como os seus campos de atuação se justifica pelo fato de que esta Disciplina é fun-
damental para a atuação docente, pois é uma das disciplinas principais do núcleo peda-
gógico, indispensável ao processo de formação e atuação dos profissionais da Educação.

Ao longo dos séculos, a didática deixou de ser considerada uma disciplina apenas ins-
trumental, constituída por métodos e técnicas de ensino. Após longos anos de estudos
e reflexões, hoje a compreendemos como uma área do conhecimento responsável pelo
estudo do processo de ensino-aprendizagem.

Assim, a didática pode ser entendida como “a arte de ensinar”, e por mais que nos
pareça algo atual, envolve um conteúdo científico filosófico, educacional e metodológi-
co, pensado e organizado no século XVII.

Figura 1 – Didática
Fonte: Getty Images

Um dos primeiros passos para se compreender essa disciplina é conhecer o processo


histórico pelo qual a didática passou ao longo dos anos, buscando, em sua gênese, a
compreensão desse conceito. Objetivando compreender a configuração da didática que
conhecemos atualmente, precisamos recapitular a sua constituição e institucionalização,
para isso estudaremos o pensamento de um dos principais autores dessa temática, ob-
servando os fundamentos didáticos utilizados para transmitir o conhecimento historica-
mente produzido.

Desde os primórdios da civilização encontramos indícios de práticas de instrução


utilizadas pelos povos antigos para passar o conhecimento de geração em geração.
Vemos na história, filósofos consagrados pela sua forma de ensinar, tais como Platão,
Aristóteles, Sócrates, os quais utilizavam de diversas formas para construir e transmitir
o conhecimento para seus discípulos.

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Didática: é um campo em constante construção e/ou reconstrução, de uma práxis que não
tem como objetivo ficar pronta e acabada, mas articular as diferentes dimensões do processo
de ensino-aprendizagem.

Sempre houve formas diversas de instrução e de aprendizagem, a comunidade primi-


tiva é um exemplo disso, pois os conhecimentos produzidos eram passados aos jovens de
geração em geração, instruindo-os para ingresso na vida adulta. Esse exemplo, pode ser
considerado uma forma de ação pedagógica, mesmo não sendo formal e intencional, é
possível identificar a questão pedagógica (LIBÂNEO, 1994) presente na educação. Como
forma de apreendermos a influência da didática na educação, resgataremos um pouco
dos princípios da didática encontrados no período da Antiguidade até a Idade Média.

A Didática da Antiguidade à Idade Média


Para iniciarmos o nosso resgate histórico organizamos aqui uma linha histórica que
auxiliará na compreensão das formas de ações pedagógicas que eram desenvolvidas
na Antiguidade Clássica; essas ações eram disseminadas por meio dos mosteiros, das
igrejas e de universidades. No entanto, mesmo com esses indícios de instrução, foi em
meados do século XVII que se pôde tratar da didática como a teoria do ensino, uma
prática sistematizada de estudar as formas de ensinar.

Ainda que tenhamos essas referências sobre a forma de ensinar, foi com o início da
Era Moderna que se iniciaram os estudos a respeito da didática. Tais estudos surgiram
em um período marcado pela transição do feudalismo para o capitalismo, ocasionando a
necessidade de transmissão de saberes mínimos para os segmentos mais pobres da po-
pulação, com vistas à formação de mão de obra produtiva. O professor Libâneo (1994) é
enfático ao destacar que o desenvolvimento do sistema de produção capitalista, ainda por
se constituir enquanto tal, já influenciava na organização da vida social, política e cultural.

A palavra didática surgiu quando os adultos começaram a participar do processo


de aprendizagem das crianças e dos jovens de uma forma planejada e direcionada,
diferentemente das formas de intervenção instantânea que ocorriam anteriormente.
Ao estabelecer uma intenção na forma de ensinar, ou seja, uma ação pedagógica, a
escola começou a se constituir como um local de práticas de ensino, passando a ser
sistematizadas conforme níveis, respeitando as necessidades de cada criança, as suas
possibilidades e o seu ritmo de aprendizagem (LIBÂNEO, 1994).

Sabemos que as formas de ensinar, assim como os objetivos que são direcionados à
educação, sempre estão relacionadas à forma de produção e reprodução social de dado
momento histórico. Assim, os métodos de ensino, o que ensinar e para quem ensinar
tinham, e ainda têm, por objetivo atender às necessidades da sociedade, e isso se aplica
também à didática (LIBÂNEO, 1994).

Segundo Gasparin (2010), um dos principais estudiosos da didática, o entendimen-


to da didática como “a arte de ensinar tudo a todos” surgiu por volta de 1617. No

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UNIDADE A Didática e a sua Relação com a Educação:
Uma Análise Histórica e Filosófica

entanto, foi em 1629, com a publicação da obra Didática magna, escrita por João
Amós Comênio, que essa expressão se consagrou como tal; Baradel (2007, p. 11) en-
fatiza que “[...] inicialmente (século XVII), a didática tinha seus pressupostos calcados na
causa da Reforma Protestante, sendo um meio de luta contra o modelo de ensino da
igreja católica medieval, ou seja, deveria ser um instrumento de libertação”.

Assim, compreendemos que as formulações iniciais da didática foram consagradas


em um período de mudanças socioculturais na história, e que essas transformações per-
duraram e adentraram em outros períodos históricos que veremos a seguir.

Do Período Medieval à Modernidade


O século XVII, período no qual começaram a surgir os primeiros estudos sobre a
didática, foi marcado por mudanças na concepção de homem e sociedade. Na transição
da Idade Média para a Idade Moderna, da mudança de produção manufatureira para o
desenvolvimento da maquinaria, instituiu-se a divisão do trabalho. Com o desenvolvi-
mento do capitalismo, propagou-se também a necessidade de que todos se tornassem
aptos ao trabalho nessa nova forma de produção.

Em tal contexto ocorreram inúmeras mudanças nos campos cultural e científico, de modo
que sabemos do desenvolvimento das Ciências, da observação e experimentação científica.
Houve a perda de poder da Igreja Católica por conta da Reforma Protestante, do surgimento
de uma filosofia caracterizadora do período histórico e conhecida como iluminismo.

Segundo Gasparin (2010), nesse novo mundo que vinha surgindo, havia necessidade
de um novo homem, uma exigência social onde todos deveriam ser educados para essa
nova vida. O conhecimento social deveria ser incluído nas escolas, com o objetivo de pre-
parar os jovens para o novo tempo. Como se tratava de novos conhecimentos, estes não
poderiam ser ensinados da forma antiga, sendo necessário um novo método, uma nova
didática, da mesma grandeza dos conhecimentos que deveriam ser ensinados aos alunos.

Como os novos conhecimentos produzidos tornavam-se universais, era preciso um


método mais amplo de ensino que lhe fosse correspondente. Nessa época, os grandes
educadores, cada um de uma forma diferente, compreendiam esse novo saber e o trans-
mitiam por meio da instituição escolar.

Entre os principais educadores e pensadores da Idade Moderna destacamos Comênio,


autor consagrado como o “Pai da Didática Moderna”. Comênio conseguiu captar os novos
conhecimentos e transportá-los para o âmbito escolar, ou seja, para a sala de aula, utili-
zando um método específico e que atendesse às novas exigências da sociedade moderna.

Frente a necessidade colocada pelo novo modo de produção e pelas mudanças cul-
turais e sociais, Comênio escreveu sua principal obra, Didática magna: o tratado de
ensinar tudo a todos, a qual deveria ser seguida por todos aqueles que ensinavam em
grupos ou de maneira individual. Ao elaborar o seu livro, esse autor não o propôs com o
objetivo de ser discutido, mas de ser seguido para responder aos novos desafios sociais;
com essa obra Comênio não anunciou apenas uma didática, mas uma grande didática
(GASPARIN, 2010).

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Comênio foi o primeiro pensador a estabelecer o entendimento de que o conheci-
mento deveria ser de acesso para todos, criando, assim, regras e princípios sobre a for-
ma de ensinar, ou seja, sobre a didática. Esse educador fundamentava as suas ideias nos
princípios da ética religiosa; mesmo assim, os seus pensamentos eram inovadores para
a época e se contrapunham aos ideais conservadores da nobreza, a qual exercia grande
influência naquele período. Nesse contexto, o latim era a língua oficial e amplamente
utilizada para ensinar artes, Ciências e demais idiomas.

Dessa maneira, Comênio propôs que se fosse utilizada a língua pátria (no caso, o la-
tim) para o ensino, pois naquele período os Estados Nacionais estavam se constituindo,
“[...] a língua vernácula passou a ter uma importância fundamental como identidade de
um povo, como nova forma de manifestação da cultura, e como novo instrumento de
comunicação no processo de ensino [...]” (GASPARIN, 2010, p. 23). No que diz respeito
aos aspectos pedagógicos, a natureza e o estudo por meio da experimentação eram os
princípios fundamentais que deveriam permear o processo educacional.

Comênio acreditava que no processo educacional tanto de crianças quanto de ado-


lescentes, as coisas deveriam ser ensinadas apenas uma de cada vez, pois ao se ensinar
várias coisas ao mesmo tempo, as crianças poderiam ficar confusas, e essa confusão
dificultaria o processo de ensino-aprendizagem.

Assim, era necessário estabelecer uma ordem e os conteúdos deveriam ser bem
aprendidos para ser possível ensinar outros conteúdos; afinal, somente a partir de uma
educação completamente organizada e ministrada com clareza é que outros conteúdos
poderiam ser ensinados às crianças e aos Adolescentes.

O “Pai da Didática” acreditava que a indução e experiência são princípios que mar-
cariam a educação naquele momento, tanto como método geral de ensino, tal como
método específico para ensino das Ciências, moral e piedade.

Note que o surgimento da didática teve origem fora do ambiente escolar, e foi pro-
posta como forma de compreender as questões filosóficas, científicas, educacionais e
metodológicas do período, tornando-se, na escola, uma resposta aos anseios e às neces-
sidades para a transmissão e assimilação dos novos conhecimentos (GASPARIN, 2010).

Apesar das grandes contribuições de Comênio ao campo educacional, e principal-


mente à didática, desempenhando a instituição de método rápido e eficiente, assim
como o anseio que Comênio demonstrava a fim de que todos pudessem usufruir do
conhecimento, bem como apresentando ideias inovadoras para o período, algumas con-
siderações críticas devem ser feitas: embora Comênio partisse da observação e experi-
ência para ensinar, utilizava-se ainda o método de transmissão do ensino.

O método de transmissão-assimilação proposto por Comênio consistia em ensinar


tudo a todos; é o momento em que o professor passa a atender a muitos alunos, deven-
do ser utilizado por todos para que se chegue à equalização social.

A partir desse método, Comênio propôs cinco passos para que fosse executado:
preparação do aluno, apresentação do conteúdo, assimilação do conteúdo, gene-
ralização e aplicação. Não podemos esquecer que esse método seguia os pressupostos
tradicionalistas da época em que foi criado.

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UNIDADE A Didática e a sua Relação com a Educação:
Uma Análise Histórica e Filosófica

Comênio (apud WALKER, 2001, p. 30) foi buscar nos pressupostos religiosos as
ações pertinentes para implementar a Didática magna, ressaltando repetidamente
em sua obra que “[...] nunca será em vão o trabalho começado em nome do Senhor”.
O “Pai da Didática” salientou a sua utilidade e que estaria baseada em retos princípios,
tais como:
• A ajuda de Deus para obter o resultado esperado;
• Os estudantes aprenderão como se estivessem jogando;
• Os professores não precisarão mais mudar de método para que o aluno aprenda.

Para Libâneo (1994) por mais inovadores que sejam as ideias, sabemos que demora-
ram tempo considerável para serem efetivadas na prática, no século em que Comênio
viveu, bem como em alguns séculos seguintes havia ainda a predominância de práticas
escolares da Idade Média, tais como ensino intelectualista, verbalista e dogmático, me-
morização e repetição mecânica dos ensinamentos do professor; além de que nas esco-
las, assim como na Idade Média não havia lugar para as ideias dos alunos, muito menos
para as experiências vividas por esses. A Igreja continuava a exercer grande poder tanto
na religião, quanto na vida social.

Você Sabia?
Que a Reforma Protestante marcou o caráter revolucionário de luta contra o tipo de
ensino que era transmitido pela Igreja Católica medieval?

Vimos que Comênio é um dos principais pensadores e educadores no campo de


desenvolvimento de uma didática planejada, sistematizada e com uma intenção social.
Porém, Comênio não foi o único, a constituição da didática como uma disciplina que
estuda os processos de ensino, contou com a participação de muitos outros autores
da época que, cada um à sua maneira, contribuiu com ideias que ainda hoje embasam
a nossa prática de ensino em sala. É sobre esses autores que conversaremos no item
a seguir.

O educador tcheco João Amós Comenius ou Jan Amos Komenský, seu


nome original, nasceu em 28 de março de 1592, na Cidade de Uherský
Brod (ou Nivnitz), na Moravia, região da Europa Central pertencente ao
Reino da Boêmia (antiga Tchecoslováquia). Seus pais Martinho e Ana,
também eslavos, eram cristãos adeptos dos Irmãos Morávios, uma seita
cuja história remonta aos tempos de Jan Huss, líder religioso muito po-
pular no século XV, tendo sido padre, professor e reitor da Universidade
de Praga. A seita dos Irmãos Morávios, organizada em 1467, era uma
das mais rígidas em doutrina e conduta, destacando-se pelo extremado
apego às Sagradas Escrituras, pela humildade e pela profunda piedade,
impondo a seus seguidores vida austera, com preces diárias e leitura coti-
diana da Bíblia. E diferentemente do costume da época, adotavam como
língua literária o checo em vez do latim. (WALKER, 2001)

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Os Filósofos Pós-Iluministas
na Contribuição da Orientação
Pedagógica para a Instrução de Crianças
Sabemos que a história é dialética e está sempre em movimento, em processo de
construção e transformação. Assim, com o passar do tempo o poder da nobreza e do
clero que no século XVIII ainda era predominante, foi perdendo força e a burguesia se
fortalecendo enquanto classe social, e lutando pela conquista do poder no campo polí-
tico, econômico e cultural.

Com o fortalecimento da burguesia frente a nobreza e o clero, novas necessidades


foram surgindo no mundo da produção e dos negócios, ao passo que a necessidade
de um ensino que contemplasse o desenvolvimento de capacidades para atender a tais
necessidades também cresceu.

Figura 2 – Jean-Jacques Rousseau


Fonte: Wikimedia Commons

Em meio a esse processo, um pensador chamado Jean-Jacques Rousseau buscou


interpretar os anseios do período, propondo uma nova forma de ensinar, a qual se fun-
damentava nas reais necessidades e nos interesses imediatos das crianças.

Rousseau ficou conhecido como o primeiro filósofo do romantismo, por meio da pu-
blicação de seu livro intitulado Contrato social. Nessa obra, Rousseau defende a ideia
de que o homem (ser humano) é inatamente bom e tem o seu comportamento corrompi-
do pela sociedade. Além desse livro, o pensador é autor de inúmeras obras sobre poesia,
música e uma das mais notáveis autobiografias da literatura europeia. Outra publicação
conhecida de Rousseau e de fundamental importância para a educação é intitulada Emí-
lio, na qual o autor explicita o caráter corruptor da sociedade.

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UNIDADE A Didática e a sua Relação com a Educação:
Uma Análise Histórica e Filosófica

Entre as principais ideias disseminadas por Rousseau, podemos ressaltar a seguinte: o


ensino das crianças deve ser pautado em suas necessidades e seus interesses atuais,
sendo que antes que lhe sejam ensinadas as Ciências, sejam-lhe despertados o inte-
resse pelo estudo. Para esse autor, o principal professor é a natureza, as experiências, os
sentidos, pois é o contato com o mundo que despertará o seu interesse e, consequentemen-
te, as suas potencialidades naturais. A educação é compreendida como um “[...] processo
natural, ela se fundamenta no desenvolvimento interno do aluno. As crianças são boas por
natureza, elas têm uma tendência natural para se desenvolverem” (LIBÂNEO, 1994, p. 60).

Apesar de ter formulado tais pensamentos e os reproduzido por meio de suas obras,
Rousseau não os colocou em prática; tal tarefa couber a outro pedagogo chamado Pes-
talozzi. Educador de origem suíça, viveu entre os anos de 1746 e 1827, trabalhando do
início ao fim de sua vida no campo educacional. Na perspectiva de Libâneo (1994, p. 60),
o filósofo Pestalozzi “[...] deu grande importância ao ensino como meio de educação e de-
senvolvimento das capacidades humanas, como cultivo do sentido, da mente e do caráter”.

A utilização do método intuitivo também era uma das características de Pestalozzi,


incentivando os seus alunos a desenvolverem a capacidade de observação e de análise
dos objetos, fundamentando-se nos fenômenos naturais e na linguagem para o registro
das observações. O seu ensino era de caráter intelectual e priorizava a Psicologia como
fonte de desenvolvimento do ensino.

A partir das ideias elaboradas por Comênio, desenvolvidas por Rousseau e colocadas
em prática por Pestalozzi, muitos outros educadores foram influenciados. Entre os mais
importantes conheceremos Johann Friedrich Herbat, pedagogo de origem alemã, que
viveu entre os anos de 1766 e 1841. Herbat foi um dos principais autores que influen-
ciaram a pedagogia conservadora (tradicional).

Libâneo (1994) esclarece que juntamente com a formulação dos objetivos da educa-
ção e pedagogia como Ciência, Herbat realizou uma análise sobre o desenvolvimento do
processo psicológico-didático de aquisição de conhecimentos, sob a direção do profes-
sor. Para esse autor, a finalidade é moral, a qual pode ser atingida por meio da educação.

Educar o homem para Herbat consistia em instruí-lo “[...] para querer o bem, de
modo que aprenda a comandar a si próprio [...]”. O professor assume papel primordial,
sendo considerado um “arquiteto de mentes”. Cabe ao professor:

[...] trazer à atenção dos alunos aquelas ideias que deseja que dominem
suas mentes. Controlando os interesses dos alunos, o professor vai cons-
truindo uma massa de ideias na mente, que por sua vez vão favorecer a
acumulação de ideias na mente das crianças. (LIBÂNEO, 1994, p. 60)

Os filósofos apresentados, tais como Rousseau e Pestalozzi buscavam direcionar


preceitos filosóficos capazes de modificar o processo de ensino-aprendizagem; e não
obstante, Herbat também buscou desenvolver um método de ensino que fosse único e
que estivesse de acordo com as leis psicológicas do conhecimento. Nesse contexto, o
educador desenvolveu quatro passos a serem seguidos:
• Clareza: A preparação e apresentação da matéria deveriam ser claras e completas;
• Associação: Relacionar as ideias antigas às novas;

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• Sistematização: Os conhecimentos deveriam ser sistematizados para se obter a
generalização;
• Método: Referente ao uso de conhecimentos adquiridos por meio de exercícios.
Posteriormente, esses passos foram mais desenvolvidos por educadores discípulos
de Herbat, estando presentes ainda hoje nas práticas de ensino em sala de aula
(LIBÂNEO, 1994).

A contribuição de Herbat para o campo da didática pode ser apreendido na prática


docente, pois esse autor instigou a necessidade de que haja estruturação e ordenação
no processo de ensino, ressaltando a importância da compreensão – e não apenas da
memorização – dos conteúdos, e a necessidade da disciplina como característica funda-
mental para a formação do caráter.
Estudamos até aqui alguns dos principais autores que formularam o pensamento
pedagógico europeu, o qual se espalhou por todo o mundo, chegando ao Brasil e in-
fluenciando hoje – século XXI – as nossas ações em sala de aula.
Compreender o percurso histórico da didática, desde a sua formulação como método
sistematizado e intencional de ensino, é importante para podermos entender a definição
de didática como técnica de ensino, conceituação utilizada no século XII, para então
compará-la à definição que atualmente temos incorporado sobre o que é a didática e
quais são os seus objetivos, pois conforme veremos, é essa última definição que vem
atender às nossas atuais necessidades enquanto professores.
A didática está inserida no conjunto de conhecimentos pedagógicos essenciais à for-
mação docente, e por isso a analisaremos neste item, como um dos ramos de estudo
da Educação. Para tanto, fizemos a definição dos principais conceitos, necessários à
compreensão do tema, ou seja, a própria didática, o processo de ensino que é o objeto
de estudo da didática e a educação.

Princípios da Didática
Iniciaremos a nossa discussão conversando sobre a didática; como já vimos no item
anterior, em cada momento da história essa temática ganhou significados e objetivos
diferentes, a fim de atender às demandas de determinado período. Muitos são os autores
que conceituam a didática, cada um conforme a sua corrente teórica. Aqui utilizaremos
três autores fundamentais para conceituar a didática: Libâneo (1994), trabalhado an-
teriormente, Gasparin (2010) e uma teórica conhecida nessa área de estudos, que é a
Candau (2011). Estes são autores contemporâneos, os quais têm contribuído de forma
significativa para o campo da educação.
Segundo Libâneo (1994, p. 85), a Ciência que estuda a práxis educativa, ou seja, a
teoria e a prática da educação

[...] nos seus vínculos com a prática social global. Assim, sendo a Didática
uma disciplina que estuda os objetivos, os conteúdos, os meios e as con-
dições do processo de ensino tendo em vista as finalidades educacionais,
que são sempre sociais, ela se fundamenta na Educação (enquanto disci-
plina pedagógica).

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UNIDADE A Didática e a sua Relação com a Educação:
Uma Análise Histórica e Filosófica

Dentro do campo educacional temos algumas disciplinas pedagógicas que se dividem


em: teoria da escola, teoria da educação, organização do ensino e a didática como teoria
do ensino. Visto que o objetivo principal de todo profissional que trabalha com a educa-
ção é o ensino, então a didática ocupa um lugar central.

Por muito tempo, a didática foi concebida por uma perspectiva instrumental, abran-
gendo apenas um conjunto de conhecimentos técnicos, sobre o “como fazer”. Tratada
de forma universal, a didática se desvinculava dos problemas referentes aos objetivos da
educação. Atualmente, temos a visão da necessidade de superação dessa perspectiva
técnica sobre a didática, estando em um momento em que ultrapassar essa visão é fun-
damental, e para tal necessitamos “[...] pensar a prática pedagógica concreta, articulada
com a perspectiva de transformação social, que emergirá uma nova configuração para
a didática” (CANDAU, 2011, p. 14).

A prática docente é fator integrante do processo educativo, pelo qual os indivíduos


são preparados para a sua participação na vida social. Podemos dizer assim, que a
educação é um fenômeno social, portanto, podemos considerá-la uma atividade huma-
na imprescindível à formação do homem e existência da sociedade. A educação não é
apenas uma exigência social, mas “[...] sim um processo que objetiva a promoção de
conhecimentos e experiências culturais que proporcionam ao homem o convívio social”
(LIBÂNEO, 1994, p. 17).

O processo educativo é sempre social e politicamente contextualizado; sabemos,


pois, que a educação não é neutra, sendo historicamente determinada para se atingir
objetivos, exigências e ideologias de uma determinada classe social. Assim, a prática
educativa é integrada nas relações sociais, no trabalho docente. Faz parte dos processos
de organização social que são determinados por classes antagônicas.

A ação social dos profissionais da educação não é uma prática isolada que se reduz
somente ao que fazem; pelo contrário, é sempre uma prática geral do grupo social ao
qual o professor está inserido. Isso ocorre porque a totalidade social é sempre histórica
e contraditória, composta por elementos subjetivos e objetivos.

Para Candau (2011) todo processo de ensino-aprendizagem é situado, de modo que a


dimensão política é inerente ao qual. O processo de ensino ocorre sempre em uma cul-
tura específica e é direcionado a pessoas que ocupam lugares definidos na organização
social em que estão inseridas. Assim, a dimensão político-social “[...] não é um aspecto
do processo de ensino-aprendizagem. Ela impregna toda a prática pedagógica que,
querendo ou não (não se trata de uma decisão voluntária) possui em si uma dimensão
política” (CANDAU, 2011, p. 14).

Sabemos que as finalidades da educação estão sempre subordinadas a interesses de


determinadas classes sociais, devido à nossa forma de organização e produção social.
Portanto, a prática educativa requer direcionamento, devendo ser orientada sobre
as suas finalidades e os meios para a sua realização, de acordo com a concepção de
homem e sociedade que se quer formar.

Cabe, então, à educação tal tarefa, sendo esta considerada a práxis educativa, ou
seja, como a teoria e prática do processo educativo. A educação tornou-se, assim, “[...]
um campo de conhecimentos que investiga a natureza das finalidades da educação numa

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determinada sociedade, bem como os meios apropriados para a formação dos indivídu-
os, tendo em vista prepará-los para as tarefas da vida social” (LIBÂNEO, 1994, p. 24).

Nesse contexto, a didática se enquadra no principal ramo de estudos da educação,


pois como já vimos, a didática estuda os processos de ensino, que fazem parte da edu-
cação que, por sua vez, é estudada pelas licenciaturas. A didática, conforme explica
Libâneo (1994, p. 25-26), investiga os fundamentos, as condições e o modo de realiza-
ção do ensino, cabendo-lhe:

[...] converter objetivos sociopolíticos e pedagógicos em objetivos de ensi-


no, selecionar conteúdos e métodos em função desses objetivos, estabe-
lecer os vínculos entre ensino e aprendizagem, tendo em vista o desen-
volvimento da capacidade dos alunos.

Há que se estabelecer uma diferenciação entre a didática e as metodologias especí-


ficas de ensino: a didática diz respeito à teoria geral do ensino; as metodologias especí-
ficas estão articuladas à didática, mas se referem aos métodos e conteúdos próprios de
cada matéria. A didática, em consonância com a Pedagogia, generaliza os processos e
métodos de ensino que são obtidos pelas metodologias específicas, fundamentando o
ensino e a prática docente.

A didática é uma disciplina de extrema importância para nós, professores, pois com-
preender o “como ensinar” pressupõe entender que a escola, na busca por cumprir as
suas funções social e pedagógica, organiza, desenvolve e avalia os elementos (aluno-
-professor-conteúdo-recursos) envolvidos no processo educativo. Esses elementos, na
perspectiva de Damis (2006, p. 30) “[...] expressam e sistematizam as condições e ne-
cessidades predominantes na realidade, direciona o aluno, ao ser levado a estabelecer
relações entre um conhecimento específico e a realidade natural e social mais ampla
[...]”. Por meio do saber transmitido, o aluno acaba por adquirir a compreensão de mun-
do, habilidades e valores necessários à vida social.

Compreender a didática de um ponto de vista dialético é entender que a ação da


escola para a formação do aluno possui finalidade social determinada, com significados
que vão além da operacionalização do ensino, pois o ensino tem por objetivo preparar
o estudante para a vida social, a qual é marcada por determinações e condições de uma
prática social mais ampla. Destarte, a didática deve ser entendida não apenas do ponto
de vista técnico, mas também como um movimento amplo que sistematiza o ensino,
objetivando adaptar o homem a determinada sociedade (DAMIS, 2006).

Atualmente (séc. XXI), devemos nos fundamentar na concepção de que a didática se


constitui enquanto forma e conteúdo, sendo fundamental para que possamos compre-
ender e analisar as relações que se estabelecem entre a sociedade e escola, associação
que ocorre por meio do ensino. Ao definir a sua forma de ensinar, o professor institui
um conteúdo implícito à sua ação pedagógica. Na relação entre conteúdo e forma, o
docente desenvolve o ensino de modo crítico e contextualizado, superando a perspectiva
técnica sobre a didática.

Assim, compreendemos que a didática é um processo teórico-metodológico impres-


cindível à prática e formação do professor. Nesse sentido, elaboramos um infográfico
que busca resumir tudo aquilo que discutimos ao longo desta Unidade, apresentando

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Uma Análise Histórica e Filosófica

conceitos essenciais que resumem os pressupostos teóricos discutidos. Assim, atente-se


aos quatro aspectos que são indispensáveis para se compreender o processo de desen-
volvimento da didática, tendo em vista que a arte de ensinar é algo intrínseco à prática
e organização do trabalho docente.

O Processo de Desenvolvimento da Didática


Educação escolar “[...] é um sistemático e intencional processo de interação com a
realidade, através do relacionamento humano baseado no trabalho com o conhecimento
e na organização da coletividade, cuja finalidade é colaborar na formação do educando
na sua totalidade – consciência, caráter, cidadania – tendo como mediação fundamental
o conhecimento que possibilite a emancipação humana”humana” (VASCONCELLOS,
2003, p. 38).
Didática “[...] é a parte da pedagogia que trata dos preceitos científicos que
visam orientar a atividade humana e educativa para que ela seja mais eficiente”
(HOUAISS, 2001).
Ensinar “[...] a arte das artes é, portanto, um trabalho sério e exige perspicácia de
juízo, e não apenas de um homem, mas de muitos, pois um só homem não pode
estar tão atento que lhe não passem desapercebidas muitíssimas coisas” (COMÊNIO
apud WALKER, 2001, p. 15).
Os princípios da didática “[...] estão assentados nos pais, nos professores, nos estudantes,
nas escolas, no Estado e na Igreja” (COMÊNIO apud WALKER, 2001).

O texto apresentado nos possibilita verificar que a didática é o caminho fundamental


para se compreender o processo da prática docente, logo, entender os seus conceitos a
partir de teóricos que são especialistas na área contribui para a formação do profissional
da educação.

E assim finalizamos os nossos estudos demonstrando que Comênio, ao elaborar uma


teoria clássica para abarcar o processo de ensino, modificou a forma de ensinar através
dos tempos; a sua luta foi para que todos tivessem acesso aos conhecimentos histori-
camente construídos pela humanidade. Os filósofos posteriores ao “Pai da Didática”
contribuíram de maneira significativa para que os fundamentos do processo de ensino
abarcassem instrumentos teóricos e pedagógicos para orientar a instrução da criança;
como a teoria precede a prática, é visível que as relações apresentadas a partir da filoso-
fia modificaram a arte de ensinar nas escolas até os dias atuais.

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Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Livros
Didática: Velhos e Novos Temas
LIBÂNEO, J. C. Didática: velhos e novos temas. 2002.
Didática: velhos e novos temas, de José Carlos Libâneo (2002): organizado pelo
renomado teórico Libâneo, este livro reúne uma coletânea de textos que se torna-
ram relevantes sobre as discussões que envolvem a didática, fazendo-nos pensar
sobre o processo de construção e materialização da didática;
Repensando a Didática
VEIGA, I. P. A. Repensando a didática. Papirus Editora, 2014.
Livro Repensando a didática, organizado por Ilma Passos Alencastro Veiga: visa
pensar e repensar o papel da didática e a sua importância na formação inicial e
continuada de professores; a intenção da autora é estimular a busca por uma didá-
tica que, de fato, concretize a prática pedagógica.

Filmes
Nenhum a Menos (2000)
Acontece em uma aldeia no vilarejo de Shuiquan; a história baseia-se na vida de um
professor da escola primária que precisa afastar-se da docência por um tempo, e
a única pessoa que poderá substituí-lo é uma jovem de 13 anos de idade. Sem ne-
nhuma experiência, essa jovem enfrentará inúmeros desafios para cumprir com o
propósito de lecionar para os seus alunos, até que o pequeno Zhang deixa a aldeia
e caminha rumo à cidade para buscar trabalho, enquanto a pequena professora,
determinada em sua função, vai atrás de seu aluno a fim de trazê-lo para os braços
da escola.
https://youtu.be/yHTbr0QA6Ko

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UNIDADE A Didática e a sua Relação com a Educação:
Uma Análise Histórica e Filosófica

Referências
BARADEL, C. de B. Didática: contribuições teóricas e concepções de professores.
Bauru, SP: [s.n.], 2007. Disponível em: <http://www.fc.unesp.br/upload/pedagogia/
TCC%20Carina%20Baradel%20-%20Final.pdf>. Acesso em: 02/02/2019.

CANDAU, V. M. Multiculturalismo: diferenças culturais e práticas pedagógicas. Petró-


polis, RJ: Vozes, 2011.

DAMIS, O. T. Unidade Didática: uma técnica para a organização do ensino e da apren-


dizagem. In: VEIGA, I. P. A. (Org.). Técnicas de ensino: novos tempos, novas configu-
rações. Campinas, SP: Papirus, 2006.

FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São


Paulo: Paz & Terra, 1996.

GASPARIN, J. L. Processo histórico-cultural. In: ALTOÉ, A. Didática: processos de


trabalho em sala de aula. Maringá, PR: Eduem, 2010. p. 97-105.

HOUAISS, A.; VILLAR, M. de S. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de


Janeiro, RJ (Brazil). 2001.

LIBÂNEO, J. C. Didática. São Paulo: Cortez, 1994.

PERRENOUD, P. Dez novas competências para ensinar. Porto Alegre, RS: Artes
Médicas, 2000.

WALKER, D. Comenius: o criador da didática moderna. Juazeiro do Norte, CE: HB, 2001.

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