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10-07797 CDD-370
Objetivos de aprendizagem
Introdução
reconhecem os na tradição a sedim entação dos infância e que fazem com que, geralm ente, cada
gestos que precederam , a conservação e a perpe m estre ensine, em parte, com o foi ensinado.
tuação dos usos anteriores. Uma tradição encerra M as o uso não é tudo, pois um a tradição
certos com portam entos vindos do passado, p ro transform a igualmente as m aneiras de fazer. Com
move m odelos de conduta. Em segundo lugar, efeito, B atencour (1669) fala tam bém da ex
toda tradição deve adaptar progressivam ente as
periência ou, po r outras palavras, daquilo que
suas m aneiras de fazer aos novos contextos. Uma
ele acrescentou pessoalm ente com o adaptação
tradição não se lim ita a reproduzir sim plesm ente
e m odificação dos usos, considerando as novas
os com portam entos, mas vai transformá-los pouco
condicionantes ligadas ao contexto da sua épo
a pouco. Em terceiro lugar, é preciso sublinhar
ca, condicionantes que não existiam antes dele
o aspecto prescritivo da tradição, no sentido em
ou estavam pouco presentes: um ensino prim á
que ela é mais um reservatório de respostas do
rio m inistrado a grupos de crianças oriundas do
que um conjunto de perguntas que necessitam
povo. Escreveu a sua obra para m ostrar bem a
de explicações. Efetivam ente, um a tradição diz
natureza das m udanças que ele próp rio havia in
o que fazer; ela não tem com o função questionar
troduzido na m aneira de fazer a escola no seu
as coisas. Enfim , em quarto lugar, os com porta
tem po. Do m esm o m odo, observa-se que a pe
m entos se tornam gradualm ente rituais e adqui
dagogia dos Irm ãos das Escolas Cristãs, tal como
rem um status quase sagrado.
está registrada na C onduta das escolas cristãs,
A pliquem os, agora, à pedagogia essas carac é o resultado das contribuições respectivas dos
terísticas da tradição. Supom os que a pedagogia
usos e das experiências. João Batista de La Salle
apareceu no século XVII, no m undo ocidental
(1951) assinala esse aspecto no seu prefácio:
cristão, porque pensam os, evidentem ente, que
Esta Conduta só foi redigida em forma
houve conservação de certos usos ancestrais
de regulamento depois de um grande
q u an to ao que convinha fazer para ensinar nas número de conferências com os Irmãos
escolas. A creditam os tam bém que esses costu deste Instituto, os mais antigos e mais
mes foram m odificados, a fim de responder às capazes de bem fazer a escola; e depois
exigências dos novos contextos. Batencour, po r de uma experiência de vários anos; nada
exem plo, no prefácio da sua Instrução metódica foi escrito sem uma apurada negocia
ção e experimentação, além de terem
para a escola paroquial, redigida para as escoli-
sido previstos, tanto quanto foi possí
nbas (1669), ilustra de m aneira interessante estas vel, os erros ou as más conseqüências
duas características da tradição, a conservação e desse texto.
a adaptação: “Eu estava convencido de que não
Os caracteres prescritivos e sagrados da tra
seria inútil dar parte ao Público daquilo que o uso
dição encontram a sua ilustração, mais um a vez,
e a experiência me ensinaram neste Exercício”.
no prefácio da Conduta das escolas cristãs-.
Por “uso”, Batencour entende a tradição à sua
Os superiores das casas deste Instituto e
volta, que o habitava e lhe ditava as m aneiras de
os inspetores das escolas se dedicarão a
fazer para ensinar pela im itação, mais ou m enos aprendê-lo bem (o livro da Conduta) e
consciente, dos m estres que ele conhecera. Ele a dominar perfeitamente tudo o que ali
retom a pois as m aneiras de fazer a escola que viu está encerrado, e procederão de modo
no seu am biente, que ele viveu provavelm ente na que os mestres não falhem e observem
6 Da pedagogia tradicional á pedagogia nova T~
exatamente todas as práticas que ali es cham ar de extrem idade de um continuum de
tão descritas, até as menos importantes, ideias e de práticas pedagógicas. Se situássem os
a fim de proporcionar, por esse meio,
o ensino m útuo sobre um eixo tendo em um dos
uma grande ordem nas escolas, uma
conduta bem regulamentada e uniforme seus polos “a o rd em ” e no o u tro “o acaso”, ele
nos Irmãos que serão encarregados de estaria no extrem o lim ite, do lado da “o rd em ”,
aplicá-las, e um fruto considerável para enquanto, por exem plo, Neill e sua pedagogia
as crianças que ali serão instruídas (LA libertária (cf. cap. 9) estaria no lado oposto. N a
SALLE, 1951: 6). verdade, o ensino m útuo em prega um discurso
O saber-fazer dos Irm ãos, registrado na C on e um a prática de controle mais ou m enos ini-
duta das escolas cristãs, verdadeiro código de gualados na história da educação. Nesse ponto,
conduta no sentido estrito da palavra, foi pois ele constitui um controle pedagógico verdadei
iplicado às suas escolas. Além disso, o código foi ram ente excessivo. A ordem pedagógica inci
'eproduzido em seus m enores detalhes, sem ser piente, que esquadrinhava to d a a vida escolar no
questionado, com o se contivesse a resposta defi século XVII, parece quase m oderada quando a
nitiva para todas as am bigüidades. Em resum o, a com param os com a ordem que se instala com o
Conduta das escolas cristãs cristaliza as respostas ensino m útuo no século XIX.
.ladas pelos Irm ãos no seu ensino e acaba por Quais são a natureza, os princípios, as m oda
transform á-las em um a tradição. Assim, todos os lidades de organização dessa nova abordagem ?
estabelecim entos de ensino dos Irm ãos das Es O sistema de ensino m útuo surge nas escolas p ri
colas Cristãs são sem elhantes, com o ocorre com m árias no fim do século XVIII, na Inglaterra. É
todos os colégios jesuítas, estejam situados na destinado a alfabetizar o m aior núm ero possível
América, na E uropa ou em qualquer outro lugar. de alunos ao m elhor custo e nos m elhores prazos
Graças ao trabalho das com unidades religio (LESAGE, 1981: 241). Esse m étodo foi sistem a
sas docentes, um a tradição pedagógica se insta tizado por Bell e Lancaster. Posteriorm ente, teve
la, um a espécie de dispositivo de repetição da um sucesso im portante na França, p o r volta de
m aneira de fazer a escola que se perpetua, sem 1820. O ensino m útuo esteve em uso, em quase
muitas m odificações, até o início do século XX. todo o m undo, no C anadá inglês e até m esm o no
Por exem plo, é preciso esperar até 1837 para Q uebec; Joseph-François Perrault, em particular,
ver na C onduta um a justificação relativam ente o utilizou e estim ulou a sua im plantação. Entre
à aprendizagem da leitura, da escrita e do cálcu 1815 e 1820, na França, contavam -se 1.000
lo de m aneira sucessiva e não sim ultânea; essa escolas m útuas, que reuniam cerca de 150.000
prática ancestral não fora, pois, contestada até alunos, enquanto as escolas dos Irm ãos das Es
então (PROST, 1968: 118). Essa tradição peda colas Cristãs instruíam apenas 5 0 .0 0 0 crianças
gógica atinge o seu apogeu com o ensino m útuo. (LÉON, 1971: 342). Ao contrário do m odo si
m ultâneo, em que o m estre é o agente do ensi
no, o princípio básico do ensino m útuo é que a
6.1.2 O ensino mútuo
própria criança se encarrega de ensinar aos seus
Vale a pena exam inar o sistema de ensino colegas. C om o indica a palavra “m ú tu o ” (“m o-
m útuo, porque ele constitui o que poderíam os nitorial system ”, em inglês), as crianças ensinam
158 Parte I A evolução das ideias e das práticas pedagógicas da Antiguidade até o século XX
um as às outras. M ais precisam ente, algumas, se ensino querem aplicar à escola os m étodos de
mais talentosas, se tornam m onitoras dos seus divisão do trabalho em vigor na indústria nas
colegas mais fracos. cente, a fim de reduzir os custos da instrução
N esse p rim e iro p rin cíp io enxerta-se um (LEON, 1971: 368). C oncretam ente, nas esco
segundo: a econom ia. E fetivam ente, é preciso las regidas pelo sistema de ensino m útuo, encon-
in stru ir um a m u ltid ão de crianças ao m esm o tra-se um único m estre para ensinar a um grupo
custo que um pequeno núm ero (BALLY, 1819: que pode ir até mil alunos, e até acima desse nú
277). Devem os dizer que na França, assim com o m ero nas grandes cidades; entretanto, a m édia
na Inglaterra, alguns autores com eçam a tom ar se situa em to rn o de 250 alunos. Tal sistema só
consciência do valor econôm ico da educação p o pode existir e funcionar eficazm ente se estiver
pular: baseado sobre a aplicação de um a ordem abso
luta. E por isso que afirm am os que ele participa
A moralidade do povo e a manutenção
da ordem social não são os únicos moti de um a preocupação com a ordem sem elhante
vos que exigem uma educação popular. àquela que estava em vigor 200 anos antes, além
A agricultura, as artes mecânicas, as fá de ser o prolongam ento da tradição pedagógica
bricas e todos os tipos de indústria te do século XVII.
rão vantagens com ela, e não contribui
rão menos para o bem-estar e a fortuna Exam inem os essa hipótese e vejamos em que
dos indivíduos do que para a força e a sentido esse sistema é o aperfeiçoam ento dos
prosperidade do Estado (LASTEYRIE, procedim entos de controle já estabelecidos dois
1819: 47). séculos antes. Prim eiro, de um ponto de vista ge
H á um a vontade de educar o povo, mas ral, notam os que um discurso de ordem em ana
sabe-se perfeitam ente que essa educação custa dessa concepção.
caro e, com o a escolaridade não é gratuita, tem- O mestre deve, pois, dar a sua atenção
se to d o o interesse em estim ular o ensino m útuo, especial a todos os objetos de detalhe
fórm ula m uito mais econôm ica do que qualquer e estabelecer um regulamento fixo de
tal modo que a sua execução caminhe
outra. Por exem plo, decide-se que, já que os li
sozinha, e, por assim dizer, sem que se
vros se deterioram rapidam ente e custam caro
perceba. Aqui, a ordem reina por toda
sobretudo para os alunos pobres, é preferível a parte, mesmo nos menores objetos:
utilizar quadros em que se afixam os textos. Da a cesta, as penas, os livros, os quadros;
m esm a form a, papel e penas são trocados por tudo tem o seu lugar, tudo foi classifi
ardósias e lápis de xisto, m uito mais econôm i cado, situado na sua posição; nada é
arbitrário. É nesse sentido que se inter
cos. Nesse espírito, o C onde de Lasteyrie (p. 26)
preta o quadro que se vê nas nossas ins
elogia a escola de Lancaster (1811) que utiliza tituições, com estas palavras: “Um lugar
apenas um livro para mil crianças! para cada coisa e cada coisa em seu lu
Enfim , adota-se um princípio de eficiência gar” (BALLY, 1819: 195).
que decorre das necessidades de econom ia e visa M ais ainda, o conde de Lasteyrie (1819: 6),
“taylorizar” a instrução. C ertam ente não é por no seu m anual de ensino m útuo, chega mesmo
acaso que o ensino m útuo surge na Inglaterra, a utilizar a m etáfora do exército para descrever
país da revolução industrial. Os prom otores des o sistema: “Cada classe é com andada, ensinada,
6 Da pedagogia tradicional à pedagogia nova
A disciplina é baseada, com o antes, num sis m antinham a tradição do ensino “em sucessão”,
tem a de recom pensas e de sanções. C om o tudo no qual era preciso saber ler antes de escrever.
é hierarquizado em oito níveis p o r m atéria, cada Essa organização envelhecida a carretav a um a
criança sabe onde está situada e conhece o ní perda de tem po considerável, além de suscitar
vel superior que pode atingir. A em ulação se tédio e rejeição no aluno (PROST, 1968: 118).
m antém , pois, facilm ente. As recom pensas são O ensino m útuo era, segundo os seus partid á
m uitas vezes bilhetes, trocados po r dinheiro ou rios, mais eficaz e mais econôm ico. Supunha-se
p o r um prêm io no fim da semana. Escreve-se que a aprendizagem era mais rápida porque as
aos pais para inform á-los sobre os progressos do crianças eram agrupadas segundo o seu nível,
seu filho; este pode tam bém levar para casa um a porque aprendiam todas as m atérias ao mesmo
m edalha de m érito. As presenças, as ausências, o tem po e porque, com os m onitores, não havia
progresso escolar e o com portam ento são m inu perda de tem po (BALLY, 1819: 281). E ainda,
ciosam ente registrados em livros que perm item substituindo os livros p o r quadros, o ensino m ú
anotar a evolução da conduta dos alunos. As p u tuo perm itia econom ias apreciáveis.
nições, por sua vez, são cuidadosam ente descri
Por que essa abordagem declinou? N a Fran
tas em 18 categorias. Essas escolas m útuas ins
ça, o clero católico, apoiado pelos m onarquistas
tauram um júri por interm édio do qual os alunos
(os “ultras”), tem ia a propagação de um m étodo
infligem a si mesm os sanções po r seus delitos.
inglês e protestante. Preferia o m étodo de ensino
A hum ilhação ainda está presente, mas os p ro
cedim entos são mais sofisticados. Por exem plo, dos Irm ãos das Escolas Cristãs. D epois de m ui
encontram os em prim eiro lugar: “A criança que tos conflitos entre partidários dos dois clãs, os
lê pior dá o seu lugar àquela que lê m elh o r”. E m onarquistas levaram a m elhor (1820-1828) e
no décim o quinto lugar: “São am arrados em um favoreceram as escolas das congregações, o que
poste quando são excessivam ente indóceis, ou acarretou um a dim inuição de m etade das esco
desobedecem form alm ente ao m estre” (BALLY, las m útuas (GON TA RD, 1981: 256). Depois, a
1819: 189). Assinala-se que na Inglaterra pen partir do m om ento em que a Lei G uizot (1833)
dura-se no pescoço do aluno recalcitrante um entrou em vigor, o ensino m útuo se extinguiu
pedaço de m adeira de dois ou três quilos. O cor progressivam ente (LÉON, 1971: 343). Tal lei
re tam bém que se pode am arrar um pedaço de obrigava cada m unicípio a instalar escolas; essa
m adeira entre as suas pernas e obrigá-lo a dar foi um a das causas do declínio das escolas m ú
a volta da sala de aula. Às vezes os delinqüen tuas. O utras acusações contra essas escolas eram
tes são colocados em um a grande cesta ou saco, feitas pelos pais, que não gostavam de ver os
suspenso ao teto da escola, à vista de todos, en filhos perderem tem po servindo de m onitores,
quanto as crianças preguiçosas são postas num ao invés de eles próprios aprenderem ; elas eram
berço e balançadas po r um colega (p. 193). acusadas tam bém de form ar autôm atos ou mili
tares (p. 342). M as não há nenhum equívoco em
Por que se apreciava tan to esse m étodo de
afirm ar que as verdadeiras causas do declínio das
ensino? O fato de ensinar as m atérias básicas
sim ultaneam ente foi um a das causas do suces escolas m útuas são, em prim eiro lugar, políticas.
so im portante do ensino m útuo. Sabemos que Em conclusão, devem os assinalar que, em bo
os Irm ãos das Escolas Cristãs, ainda em 1837, ra o ensino m útuo constitua um a inovação peda
6 Da pedagogia tradicional à pedagogia nova
gógica m uito interessante, principalm ente com o segundo ele, p o r trás da longa querela ideológi
uso dos quadros e o ensino de todas as m atérias ca a propósito do controle da escola pela cor
sim ultaneam ente, não é m enos verdade que ele rente laica ou pelos religiosos, há um a espécie
se inscreve no prolongam ento da pedagogia do de concordância geral sobre os fins e os meios.
século XVII. Efetivam ente, o grande m érito do Segundo parece, seja p o r parte dos republicanos
ensino m útuo foi talvez sublinhar a im portância ou dos conservadores, não são questionados os
da função econôm ica da escola, da qual não se princípios de ordem e de autoridade da escola;
estava consciente anteriorm ente. “O ra, recusar a ainda se desconfia da espontaneidade da criança
instrução é sufocar o gênio e privar a sociedade (p. 8). As querelas quanto aos m étodos pedagó
dos talentos que form am o seu mais belo b rilh o ” gicos ocorrem no final do século. Evidentem en
(LASTEYRIE, 1819: 51). C onsiderava-se daí te, há grandes nom es no seio desses antagonis
em diante que podia ser lucrativo para um Es tas: Froebel, H erbart, Itard, Pestalozzi, Tolstoi,
tado instruir o povo; não só os custos da educa K ergom ard etc. M as, segundo Prost (1968: 9),
ção deixavam de ser proibitivos, mas tam bém o a audiência real desses autores continua sendo
Estado podia prosperar graças a cidadãos mais lim itada e sua influência se fará sentir algumas
instruídos. Essa função econôm ica da escola foi décadas depois, no fim do século, quando suas
levada ao seu apogeu no século XX. ideias e práticas forem retom adas pelos p arti
dários da pedagogia nova. Assim tam bém , há
6.1.3 A legislação e a organização m udanças notáveis no ensino de algumas m até
escolares no século XIX rias: p o r exem plo, aprende-se a leitura a partir
de m étodos fonéticos; escreve-se com pena de
Parece que vários historiadores da educação aço, que substitui a pena de ganso; e utiliza-se
consideram o século X IX com o um período de mais frequentem ente a ardósia, em vez do papel.
im portância secundária (LÉON, 1971: 333). A M as estam os longe de um a revolução pedagógi
contribuição principal deste século se situa mais ca profunda; trata-se, antes, da evolução gradual
ao plano da organização da educação popular de determ inadas práticas.
Jo que no plano da inovação dos m étodos p e A contribuição fundam ental do século XIX
dagógicos. Efetivam ente, ainda no início do sé para a educação encontra-se alhures. É nessa
culo X IX , só um terço ou um q uarto das crian época que se percebe mais claram ente a ligação
ças francesas vão à escola, e esta continua sendo estreita que une a educação à evolução política e
tributária das iniciativas locais (GONTARD, econôm ica (LÉON, 1971: 376); isso terá conse
1981: 255). M as, no fim do século, quase todas qüências im portantes na organização escolar. Em
crianças estão escolarizadas; tal constatação prim eiro lugar, no plano político, são incontes
m ostra a eficiência das m edidas legislativas a d o táveis os efeitos da Revolução Francesa: o m un
tadas e a im portância dos esforços despendidos do se dirige progressivam ente para a dem ocra
□esta área (p. 261). cia. Esta é inconcebível sem a instrução do povo,
C om o diz Prost (1968: 8), no século XIX, que deve dispor do conhecim ento indispensável
ire s a r dos num erosos debates sobre a questão para o exercício do poder. Assiste-se assim à ins
escolar, “não se discute pedagogia”. N a verdade, tauração de várias legislações para que o ensino
162 Parte I A evolução das ideias e das práticas pedagógicas da Antiguidade até o século XX
prim ário se torne obrigatório e gratuito. É evi Em conclusão, poderíam os dizer que, à se
dente, considerando-se as diferenças econôm icas m elhança do que ocorre no século XVII, u n u
na população, que a obrigação escolar exige a vez que as crianças estavam na escola, sentiu-íe
gratuidade. O fam oso Projeto-Lei de C ondorcet, a necessidade de reform ar as práticas pedagóg:-
em 1792, ilustra perfeitam ente a natureza dos cas. Em fins do século XIX, depois de descobnr
debates escolares que ocorrem ao longo do sé que a instrução p opular era necessária à prospe
culo XIX. Seu plano de educação propõe, por ridade do Estado, e de instaurar um verdadeir;
um lado, um a escola única para os dois sexos, a sistema legislativo para garantir a sua perenida
instrução popular obrigatória, laica e gratuita; e, de, percebeu-se que era necessário reform ar o*
p o r outro, um ensino secundário aberto a todos m étodos pedagógicos. Tendo passado po r rara>
e centrado nas ciências. O plano de C ondorcet m udanças no decorrer dos três séculos anterio
está constantem ente presente na m ente dos re res, a pedagogia será objeto de grandes transfor
form adores do fim do século XIX e irá inspirar m ações no futuro.
mais de um a dezena de m edidas legislativas.
N o plano econôm ico, com o desenvolvim en 6.2 A ciência critica a tradição
to industrial, comercial e agrícola da Europa, a pedagógica
sociedade precisa, para o seu funcionam ento, de
outros docentes além dos hum anistas instruídos à É m uito im portante insistir no fato de qut
m aneira clássica. De agora em diante, procura-se poderíam os qualificar com o tradicional o saber
associar a escola ao sistema de produção econô pedagógico reproduzido de geração em geração
mica e form ar um pessoal experiente nas ciências pelos Irm ãos das Escolas Cristãs, pelos jesuítas
e nas técnicas. A revolução industrial tem com o e pelos m estres da escola m útua. É um saber
efeito não apenas aum entar as exigências quanto que se adquire principalm ente p o r im itação,
ao ensino prim ário, mas torna necessária a cria no c o n tato com pedagogos experientes (ISANl-
ção de “salas de asilo” (espécie de creches criadas BERT-JAMATI, 1990: 89). Vimos que a tradi
a partir de 1826) para cuidar das crianças cujas ção im plica um conjunto de ações ritualizadas.
mães trabalham nas fábricas (LÉON, 1971: 353). executadas m aquinalm ente e que fazem com que
Enfim , no plano social, disputa-se com a o jesuíta noviço, p o r exem plo, ensine com o foi
Igreja o m o nopólio escolar, o que tem com o ensinado, “sem m esm o pensar nisso”. Ainda no
efeito secularizar mais ainda a escola. A distin século X IX , os Irm ãos das Escolas Cristãs ensi
ção entre os sexos vai tam bém se atenuando. nam mais ou m enos da m esm a m aneira que no
A b arreira entre as escolas prim ária e secundá século XVII; o m étodo de ensino m útuo, além
ria é igualm ente derrubada. A escola prim ária de algumas adaptações exigidas pelo grande nú
é cada vez m enos reservada ao povo e a escola m ero de alunos, participa em m uitos aspectos da
secundária não é m ais exclusivam ente acessível m esm a ideologia de ordem e de controle em vi
à burguesia. Discute-se sobre a passagem h ar gor dois séculos antes. Com o vimos, a sem elhan
m oniosa entre as duas escolas, para g arantir a ça é im pressionante.
igualdade de todos qu an to à instrução (G O N - É essa tradição pedagógica que denunciam ,
TARD, 1981: 253). na prim eira m etade do século X IX , os p a rtid á
6 Da pedagogia tradicional à pedagogia nova 163
rios da pedagogia nova. Esse saber pedagógico Segundo ele, deve-se superar o em pirism o pela
sedim entado há três séculos é adquirido por experim entação controlada. Bernard dá o exem
im itação; é um banco de preceitos a aplicar, plo da crença tradicional dos m édicos na eficácia
proveniente do uso e m odificado pela ex p e ri do tratam ento da pneum onia pela sangria. Essa
ência. Esse conjunto de respostas prontas, esse prática, am plam ente difundida, era um erro bem
rep ertó rio de ações pedagógicas a serem rep e consolidado na tradição m édica, e só um a ex
tidas c o m p o rta erros, evidentem ente. A gora, é perim entação científica controlada perm itiu que
preciso q uestionar esse saber, passar pelo pente isso fosse constatado.
fino da crítica essas afirm ações que datam de N ão é pois surpreendente ver surgir, em fins
três séculos e, possivelm ente, tran sfo rm ar a do século XIX e início do X X , vários autores
tradição em um a pedagogia mais adequada ao que preconizam a necessidade de superar a trad i
novo contexto. ção e de fundar a pedagogia sobre a ciência. Por
exem plo, C harbonnel (1988) situa por volta de
Uma das funções fundam entais da ciência é
1880, na França, o m ovim ento que visa transfor
precisam ente verificar hipóteses, garantir a ve
m ar a pedagogia na ciência da educação:
racidade de certas afirm ações, corrigir erros. A
ciência, que tivera um forte im pulso durante o Nasce uma disciplina, intelectual e insti-
tucionalmente, a Ciência da Educação.
Século das Luzes, com eça a tom ar um a im por
Pela primeira vez, na França, seja na
tância decisiva em fins do século XIX. C onhece Sorbonne, em Lyon, ou em Bordeaux, al
mos a influência que terá a d o utrina positivista guns homens sobem às cátedras das facul
de Augusto C om te (1798-1857). Este afirm ava dades para ministrar cursos de Pedagogia1
que a hum anidade passa p o r certo núm ero de (CHARBONNEL, 1988: 18).
estágios na sua evolução. Primeiro, um estágio teo N o Dicionário de Pedagogia e de Instrução
lógico, caracterizado pela explicação sobrenatu Primária, publicado sob a direção de F. Buisson,
ral dos fenôm enos; depois, um estágio m etafí em 1888, H. M arion assina o artigo “Pedago
sico, em que as entidades sobrenaturais, com o gia” e define-a com o ciência da educação. Essa
Deus, são substituídas p o r conceitos abstratos precaução lingüística não é sim plesm ente um
da mesm a natureza; finalm ente, um estágio p o jogo de palavras superficial; ela assinala um a
sitivo, em que os hum anos, renunciando às an m udança fundam ental na m aneira de conceber
tigas explicações, descobrem pela observação a pedagogia e sua evolução futura. Pela pesquisa
e pelo raciocínio científico as leis que regem o de novos fundam entos mais sólidos, aquilo que
real. A ciência, segundo C om te, é pois o estágio se cham a m odernidade consagra precisam ente
mais avançado da evolução da hum anidade. N o essa ru p tu ra com um a tradição form ada de com
mesmo espírito, conhecem os tam bém a enorm e portam entos sacralizados que eram baseados no
influência da obra do m édico C laude Bernard, uso, na experiência, nas tentativas. O artigo de
intitulada Introdução ao estudo da medicina ex M arion (1888: 2.240) tem esse sentido:
perim ental, publicada em 1865. Em substância,
esse au to r defende que, se toda ciência com eça
1. É interessante notar que, pouco a pouco, na mesma época, a
pela observação e pela experiência fortuita, essa
Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, instaurava uma
é apenas a prim eira etapa da sua elaboração. cátedra de Science and Art of Teaching (HAZLETT, 1989: 11).
164 Parte I A evolução das ideias e das práticas pedagógicas da Antiguidade até o século XX
entre o fim do século X IX e a prim eira m etade toda confiança em si mesmos, nascia a
do X X , um a série de autores, cujas iniciativas di grande esperança de que uma educação
versas, mas de espírito aparentado, contribuíram bem compreendida formaria indivíduos
capazes de pôr fim às guerras e organi
para a em ergência desse m ovim ento2.
zar, pela compreensão mútua, um mun
Uma prim eira onda chega ao fim do sécu do melhor (SKIDELSKY, 1972: 83).
lo XIX. Segundo Ferrière, a expressão “escola Assiste-se, portanto, à im plantação de um a sé
nova” (new school) parece ter surgido na Ingla rie de tentativas pedagógicas. Por exem plo, inau
terra po r volta de 1889, no m om ento em que gura-se a Fundação das Com unidades Livres de
Cecil Reddie cria um a escola nova em Abbot- H am burgo, onde as crianças organizam sozinhas
sholm e. Em 1894, Jo h n Dewey (cf. cap. 7) é a sua vida escolar, escolhem seus responsáveis e
nom eado professor de psicologia e de pedago redigem seus regulam entos (M ÉDICI, 1969: 33).
gia na Universidade de Chicago e funda a sua A criação da Associação para a Educação Nova,
fam osa escola prim ária ligada à universidade. em 1921, e a organização do Prim eiro Congres
K erschensteiner com eça no m esm o ano as suas so Internacional de Educação N ova, no mesmo
prim eiras experiências nas escolas de M unique, ano, são outros exemplos. Neill (cf. cap. 9) funda
na A lem anha (arbeitsschule: escola ativa). Em a sua célebre escola de Summerhill, na Inglater
1898, A. Binet publica a sua obra A fadiga in ra, em 1921. A pedagoga norte-am ericana, H.
telectual, na qual “declara guerra” à pedagogia Parkhurst divulga, em 1922, o plano D alton, que
tradicional. O Bureau Internacional das Escolas preconiza o m étodo do trabalho individualizado
N ovas é fundado em 1899 por Ferrière. M ontes- e, no m esm o ano, C. W ashburne dirige a Escola
sori (cf. cap. 8) cria em Rom a a prim eira Casa dei de W innetka, que concebe um m étodo particular
Bam bini (Casa das Crianças) em 1900. Decroly de educação nova em ciências e em aritm ética. A
funda em 1907, em Bruxelas, a Escola de Her- revista Pour l’Ere nouvelle é fundada em 1923.
m itage e apresenta um novo m étodo de leitura Piaget (cf. cap. 14) começa a publicar, no mes
global, dito natural. m o ano, um a série de obras sobre a psicologia
Uma segunda onda im portante se segue ao da criança, obras que exercerão um a influência
fim da Prim eira G uerra M undial. Segundo Cou- considerável no rápido desenvolvim ento da edu
sinet (1965), vários europeus sentem então a ne cação nova. C ousinet publica o seu m étodo de
cessidade de reform ar a educação para garantir a trabalho livre por grupo em 1925, e Freinet (cf.
salvação da hum anidade. Desejam, por m eio da cap. 10) inventa a im prensa na escola durante o
educação, criar um novo tipo de hum ano, a fim m esm o período. Dezenas de outras obras são pu
de suprim ir definitivam ente as causas da guerra blicadas durante esses anos de intensa atividade
(SKIDELSKY, 1972: 147). de pesquisa pedagógica. Os exem plos preceden
Depois de uma terrível revolução que tes bastam para m ostrar que o período entre o
desestimulara os homens e lhes tirara fim do século XIX e o com eço do X X é um m o
m ento forte na história da pedagogia.
2. Pode-se consultar proveitosamente a obra de F. Chatelain e As décadas subsequentes são, de certa for
R. Cousinet (1966) para obter uma cronologia detalhada dos
acontecimentos e os títulos das obras dos autores mais impor
ma, o prolongam ento desse m ovim ento, cujos
tantes associados à pedagogia nova, entre 1870 e 1966. efeitos ainda percebem os em nossos dias. À se
6 Da pedagogia tradicional à pedagogia nova
tradicional, estimam ter sido lesados em que a m ente das crianças é com o um a pequena
seu desenvolvimento natural. São, pois, jarra de boca estreita, que devolve o líquido que
ao mesmo tempo, a parte queixosa,
ali se despeja em grandes quantidades e recebe
as testemunhas e os juizes (KESSLER,
1964: 31). aquele que se introduz gota a gota”. H avia, en
tre os jesuítas, um a preocupação com a infância
E com o a tradição pedagógica com porta
que os partidários da pedagogia nova ocultaram
dim ensões que atingem a totalidade da vida da
com pletam ente, utilizando a m etáfora de m odo
classe, é denunciada da m esm a m aneira, isto é, caricatural, com finalidade polêm ica.
opondo-se sistem aticam ente a um a organiza
M as é preciso observar que as críticas con
ção pedagógica com posta de elem entos julga
tra a pedagogia tradicional não eram sem fun
dos maus. A pedagogia tradicional abom inada,
dam ento. A tradição não evolui suficientem ente
proscrita, carrega todos os pecados do m undo:
rápido para enfrentar os novos contextos, e a
verbalism o, desconhecim ento da psicologia da
escola tradicional m erece a sua parte de acusa
criança, confusão entre fins e meios. Essa posi
ção. E ntretanto, “p retender que to d a inovação
ção m aniqueísta leva Kessler (1964: 30) a defen da Escola N ova corresponde a um defeito da es
der a hipótese de que os partidários da escola cola tradicional, é levar a sistem atização longe
nova criaram , para servir à sua causa, um a espé dem ais” (KESSLER, 1964: 33). C riando assim
cie de caricatura da pedagogia tradicional, que um a espécie de inim igo que tem todos os defei
utilizaram para definir a sua p rópria pedagogia. tos, os partidários da pedagogia nova podiam
A tradição pedagógica que descrevem os acim a se valorizar, em um a oposição quase term o a ter
to rn a, pois, progressivam ente, na boca dos seus m o, as características da sua p rópria pedagogia e
detratores, a “pedagogia tradicional”, expressão prom ovê-la. E um jogo sedutor, de acordo com
negativam ente carregada e extrem am ente pejo Snyders (1975: 13), o por todos os defeitos do
rativa, ainda em nossos dias. m undo aos encantos daquilo que se quer criar;
Em outras palavras, os adversários da peda ora, os partidários da pedagogia nova não se pri
gogia tradicional criticam não um objeto real, varam desse prazer.
mas um a caricatura, e isso, com um a intenção
polêm ica. Essa pedagogia tradicional denuncia 6.3.3 As características da oposição entre
da é, na realidade, um a coisa útil, inventada com pedagogia tradicional e pedagogia nova
fins erísticos para facilitar a orientação da ação
pedagógica em um a o utra direção. C om o exem Vamos exam inar, através dessa oposição, o
plo, vamos pensar na velha m etáfora da jarra. retrato de um a e da outra, tal com o foi dese
Todos nós já não ouvim os dizer que, na pedago nhado pelos partidários da pedagogia nova. Para
gia tradicional, concebia-se a m ente da criança facilitar a leitura desta subseção, retom am os os
com o um a simples jarra a encher? O ra, se con principais elem entos de descrição, que apresen
fiarmos no exem plo relatado po r Isambert-Jamati tam os no Q uadro 6.1.
(1990: 88), a m etáfora original, tirada dos textos Parece-nos, em prim eiro lugar, que Bloch
do Padre Jouvency no século XVIII é na verdade (1973: 34) tem razão de sublinhar que a peda
bem mais sutil: “O m estre não se esquecerá de gogia nova é prim eiram ente e antes de tudo um
6 Da pedagogia tradicional à pedagogia nova 169
Quadro 6.1 A opo siçã o entre a pedagogia tradicional e a pedagogia nova (segundo o s partidários da pedagogia nova)
Características Pedagogia tradicional Pedagogia nova
"Terminologia • Pedagogia fechada e formal. • Escola ativa.
• Abordagem mecânica. • Educação funcional.
• Pedagogia enciclopédica. • Escola renovada.
• Ensino dogmático. • Abordagem orgânica.
• Pedagogia centrada na escola. • Pedagogia aberta e informal.
• Escola nova (new school)2.
• Educação puerocêntrica (pedagogia centrada na criança).
-naKdade da • Transmitir uma cultura “objetiva” às novas • “Transmitir” a cultura a partir das forças vivas da criança.
•riMcação gerações. • Permitir o desenvolvimento das forças imanentes da
• Formar a criança, modelá-la. criança.
• Valores objetivos (o verdadeiro, o belo, o bem). • Valores subjetivos, pessoais.
■Modo • Educar de “fora” para “dentro”. • Educar de “dentro” para “fora".
• Ponto de partida: o sistema objetivo da cultura • Ponto de partida: o lado subjetivo, pessoal da criança.
que se recorta em partes que devem ser • Pedagogia do interesse.
assimiladas pela criança.
• Escola ativa (learning by doing).
• Pedagogia do esforço.
• Educação funcional.
• Escola passiva (a criança segue um modelo).
• Enciclopedismo.
Concepção da • A criança é como cera mole. •A criança tem necessidades, interesses, uma energia
criança • A infância tem pouco valor em relação à idade criadora.
adulta. • A infância tem um valor em si mesma.
• É preciso agir sobre a criança. • A criança age.
• Visa-se principalmente a inteligência. • Preconiza-se o desenvolvimento integral da criança.
• A criança gira em torno de um programa • 0 programa gira em torno da criança.
definido fora dela.
Concepção do • 0 conteúdo a ensinar às crianças não leva • Os campos de interesse das crianças determinam o
arograma em conta os seus campos de interesse (cultura programa (estrutura e conteúdo).
objetiva). • Realismo do programa (conteúdo ligado ao ambiente em
• Idealismo do programa (conteúdo que vive a criança).
desencarnado).
Autores • É uma tradição sem que seja possível • Dewey, Kerschensteiner, Claparède, Decroly, Cousinet,
“ oresentativos identificar suas origens. Freinet, Montessori, Ferrière.
Concepção da • A escola é um meio artificial. • A escola é um meio natural e social, no qual decorre a vida
cscola • Repressão das emoções (distanciamento). da criança (a escola como ambiente de vida).
• Lá longe, outrora. • Espontaneidade infantil.
• A criança resolve problemas artificiais. • Aqui e agora.
• A escola prepara para o futuro. • A criança resolve problemas reais.
• A escola ajuda a criança a resolver os seus problemas do
momento.
=*apel do • 0 mestre dirige. • 0 professor orienta, aconselha, desperta a criança para o
arofessor • O mestre está no centro da ação: ele dá o seu saber. É uma pessoa-recurso.
saber. • A criança está no centro da ação.
• 0 mestre é ativo: faz o exercício diante da • A criança se exercita.
criança, é o modelo a imitar.
-•sciplina • Disciplina autoritária (motivação extrínseca: • Disciplina pessoal (motivação intrínseca).
recompensas e punições). • Disciplina que vem do interior.
• Disciplina exterior que visa coagir.
I p o de • Pedagogia do objeto: a cultura a transmitir. • Pedagogia do sujeito: a criança a desenvolver.
sedagogia • Pedagogia de ordem mecânica. • Pedagogia da ordem espontânea (natural).
_____________ i________________________
' Vários desses termos aparecem entre 1917 e 1920.
~ Esse termo aparece em 1889 na Inglaterra e, em 1899, na França.
170 Parte I A evolução das ideias e das práticas pedagógicas da Antiguidade até o século XX
espírito, mais do que um m étodo particular. N a O objetivo da educação nova é, pois, fazer
verdade, com o já vimos, esse m ovim ento agrupa frutificar todos os dons que a criança traz con
vários atores que, em diversos contextos nacio sigo ao nascer (DEWEY, apud BLOCH , 1973:
nais (França, Bélgica, A lem anha, Inglaterra, Es 31). A escola já não se lim ita, daí em diante, às
tados Unidos etc.), elaboraram m aneiras de fazer dim ensões intelectuais: ocupa-se da totalidade
a escola bem diferenciadas um as das outras. Ve dos aspectos do ser h u m a n o . Por e x e m p lo ,
rem os, p o r exem plo, a que p o n to é diferente a K ersch en stein er pensava que a arbeitsschule (es
abordagem de M ontessori em relação à de Neill, cola ativa) deveria concentrar os seus esforços
e com o estas diferem dos m étodos de Freinet ou no desenvolvim ento das capacidades m anuais,
de Freire (cf. cap. 12). M as apesar dessas dife artísticas, m orais e intelectuais das crianças (p.
renças, todos com partilham a ideia de centrar a 49 e 62). Ainda mais, desenvolver a criança sig
educação sobre a criança e não sobre os conheci nifica que se enfatiza não mais a transm issão de
m entos a transm itir. certos conteúdos culturais po r um m estre, mas
aquilo que perm ite o desabrochar das forças es
Essa ideia fundam ental, que tem conseqüên
pirituais da criança (p. 32).
cias concretas em todas as dim ensões da pedago
gia, constitui um a espécie de revolução coper- Para atingir esse fim, era preciso m odificar
nicana do ensino, assim com o o livro Em ílio de consideravelm ente a concepção da criança. Na
Rousseau (cf. cap. 5). M as, nesse m o m en to da perspectiva da pedagogia nova, a criança não
história, opera-se um a reviravolta no que se re é mais um hom unculus, um hum ano reduzido,
fere não só às concepções, mas tam bém às p rá mas um ser integral, distinto do adulto, que tem
ticas. Bloch, retom ando a célebre expressão de as suas m aneiras de pensar e de agir (COUSI-
C laparède, escreve: NET, 1965: 67).
Mas pedir assim ao educador que si A criança não é uma cera mole que pos
tue o centro de gravidade na própria samos modelar à vontade; a criança tem
criança, é pedir-lhe nada menos do que dons, necessidades, apetites intelectuais,
realizar uma verdadeira revolução, se é curiosidades, “uma energia criativa e as-
verdade que, até agora, como vimos, o similadora” (BLOCH, 1973: 31).
centro de gravidade foi situado sempre Nesse valor positivo da criança é que irá
fora dela. É essa revolução - exigência
fundam entar-se toda a educação nova. Assim,
fundamental do movimento de edu
cação nova - que Claparède compara C ousinet (1965) retom a a m ensagem de Rous
àquela que Copérnico realizou na astro seau, que queria ensinar o ofício da vida ao seu
nomia, e que ele define com tanta felici personagem , Emílio. Para C ousinet, a educação
dade nas seguintes linhas: “Os métodos é obra da criança (e não do m estre), pois a crian
e os programas que gravitam em torno
ça nada tem para fazer além de viver: “ [...] A
da criança, e não mais a criança giran
do mais ou menos bem em torno de vida é para a criança - sim plesm ente pelo fato de
um programa decidido fora dela, essa é ser um a criança - com preensão e aprendizagem .
a revolução ‘copernicana’ à qual a psi Para aprender e com preender, ela só precisa vi
cologia convida o educador” (BLOCH, ver. Para ela, a vida po r si só é educação” (COU-
1973: 33). SINET, 1965: 89).
6 Da pedagogia tradicional à pedagogia nova 171
Por que se deve deixar a criança viver com o Antes de tudo, ele cria o ambiente, o
lhe aprouver? meio favorável. E começa pelo cenário.
Há uma organização do local escolar, a
[Porque] a sua natureza a leva a fazer o
disposição das carteiras, das mesas, um
que é necessário para o seu crescimento.
cuidado, a preocupação com a beleza e
Esses impulsos vitais - designados pelos
psicólogos como os “interesses profun com a renovação que já são um convi
dos” da criança - são, como se vê, alavan te ao trabalho ativo (CHATELAIN &
cas naturais da sua atividade, a cada etapa COUSINET, 1966: 33).
do seu desenvolvimento (CHATELAIN Depois, o professor adota um a atitude que
& COUSINET, 1966: 21).
inspira calm a, com preensão e confiança; os alu
Nessa perspectiva, a criança sabe n atural nos têm vontade de estar p erto dele. Estamos
m ente o que é bom para ela. Ela tem um a indivi longe da atitude rígida e distante da pedago
dualidade p rópria que orienta o seu desenvolvi gia tradicional. N as atividades que ele propõe,
m ento, de certa form a, com o m ostra a reflexão o m estre é, p rin cip alm en te, um estim ulador,
de Ferrière (apud MIALARET, 1969: 13):
um guia; está presente mas m antém -se discre
A criança cresce como uma pequena to. Além disso, e esta é sem dúvida a dim ensão
planta. Cada criança segundo a sua es
mais im portante do seu papel, ele procura basear
pécie, à semelhança de cada planta se
gundo a sua espécie, à semelhança de to d a atividade escolar nos cam pos de interesse
cada pequeno animal segundo a sua reais da criança e perm itir-lhe desabrochar. Para
espécie. [...] Assim, cada criança cresce C laparède (1958), a educação funcional é aquela
segundo a sua espécie, segundo a sua va que responde às necessidades da criança. A ati
riedade, segundo o matiz particular da vidade de todo indivíduo é suscitada p o r um a
sua mente.
necessidade. N ão se trata mais de im por neces
Essa insistência relativam ente à natureza da sidades de adultos às crianças, com o se fazia na
criança tem repercussões im portantes no papel pedagogia tradicional, na qual tudo era decidi
do professor. N a verdade, se a criança deve se do previam ente e fora da criança: os program as,
desenvolver de dentro para fora, “é preciso que as atividades, as lições etc. É preciso, de prefe
o adulto evite m ultiplicar as intervenções intem rência, que o m estre esteja à escuta daquilo que
pestivas que se exercem de fora para d e n tro ” vivem e sentem os alunos. Ele é o observador
ífER RIÈRE, apud BLOCH , 1973: 31). Essa é
atento daquilo que eles fazem e pode assim dife
a escolha decisiva efetuada pelos partidários da
renciar um capricho passageiro de um a necessi
pedagogia nova quanto ao papel do docente.
dade profunda. C om o se dizia com to d a a razão
E e s nos convidam a situar o debate em torn o
na época, a ajuda do docente pode ser útil, mas
é t duas opções. A prim eira, tradicional e nefas-
a sua direção não é necessária.
agir “de fora para d e n tro ” ; a segunda, mais
priada: agir “de dentro para fora” (BLOCH, Assim, o conjunto das atividades que se de
3: 32). O m estre deixa, pois, de ser aquele senrolam na classe são m odificadas. N a lógica
dá constantem ente o saber (p. 48). Seu papel daquilo que vimos anteriorm ente, toda atividade
iste, antes, em responder às necessidades da deve responder a um a necessidade (CLAPARÈ
ça, situando-a no centro das suas preocu- DE, apud BLOCH, 1973: 36). C onsequente
s. m ente, nenhum a atividade é im posta a partir do
172 Parte I A evolução das ideias e das práticas pedagógicas da Antiguidade até o século XX
exterior. A escola ativa de que se fala não é sim a escola tradicional, mas problem as concrt-:»^
plesm ente um a escola onde se desenrolarão ativi vindos do seu m undo in terio r (BLOCH, i-~ 3
dades; pelo contrário, é um conceito preciso, do 36). É p o r essa razão que o m étodo dos p r c r e a j
qual Kerschensteiner (apud BLOCH , 1973: 44) é tão p o p u lar na escola nova. O fam oso
dá um a definição com plexa, mas interessante: ning by doing de Dew ey expressa p e r f e i t a m a J
Em vez de exigir que a criança seja “ati a ideia de que, ao fazer as atividades (que c m I
va”, é preciso que ela seja “ativa por si respondem às suas necessidades), é que a cr*sm
mesma”, e ser “ativa por si mesma” não ça evolui e aprende. M as deve-se n o tar que. a j
significa apenas que ela deve ser “por si
p rep arar atividades atraentes, o m estre não raw
mesma ativa”, mas que o princípio da
quilo que a obriga à atividade deve es ponde necessariam ente às necessidades da c r á J
tar “nela mesma”, e que essa obrigação ça. Tanto Dewey quanto C laparède d e n u n c ia *
deve emanar “da própria criança”, dos severam ente os artifícios inventados pelos pro
seus “próprios interesses”, e traduzir fessores hábeis, para suscitar o interesse atravdti
a urgência com a qual estes exigem os de atividades divertidas, mas não significativas*
meios da sua satisfação.
para as crianças (CHATELAIN & COUSINET
Insiste-se nas atividades de expressão. Efe 1966: 38). Segundo eles, um interesse não pooe
tivam ente, favorecendo a expressão infantil, ser estim ulado a p artir do exterior; ele só pooe
pode-se perceber m elhor tanto as necessidades surgir do fundo do p ró p rio indivíduo.
quanto os cam pos de interesse da criança. É
Essa abordagem tem um a incidência impor
assim que são desenvolvidas profusam ente as
tante no program a a “tran sm itir” aos alunos. N i
atividades de desenho livre, de redação sobre
escola nova não há program a preestabelecidc
tem as livrem ente escolhidos pelos alunos, as
Para Dewey, os program as são estranhos à ex
brincadeiras espontâneas, as conversas em que
periência da criança; são um a preparação para
as crianças discutem sobre aquilo que as p reo
mais tarde e não poderiam ser verdadeiram ente
cupa verdadeiram ente. Além disso, as atividades
devem “tom ar sem pre com o p o n to de partida o educativos. As necessidades e os cam pos de inte
m eio natural e social no qual decorre a vida da resse dos alunos devem, pois, estar na base dos
criança” (BLOCH, 1973: 34). A escola nova é program as.
um a escola aberta para o m undo e não cortada Veremos como, aos olhos de Dewey,
da vida. Assim, o docente não se obstina em exi uma matéria deve corresponder preci
samente a esse ponto de vista para fa
gir que as crianças realizem atividades que não
zer parte do programa; e só poderia ser
sejam significativas para elas e cuja utilidade introduzida nele no momento em que
esteja dependente unicam ente de critérios dos ela intervém no ciclo vivo dos interesses
adultos. De preferência, faz-se en trar na escola da criança, para permitir-lhe resolver
o m undo da criança. E o seu m undo é o que a os seus problemas. Essa regra é válida
p reocupa “aqui e agora”. Jo h n Dewey dizia que para o ensino tanto das ciências quan
to da história, da geografia e da língua
a criança procura constantem ente resolver os
materna. Ela implica a condenação de
problem as com que se depara. N ão se deve dar todo ensino dogmático que viesse a ser
à criança um problem a fictício e fora da sua ex imposto aos alunos em virtude de um
periência viva, com o aqueles em que era perita programa preestabelecido, além de pro
6 Da pedagogia tradicional à pedagogia nova 173
clamar que “toda lição deve ser uma res puramente exterior dos métodos tradi
posta” [a uma necessidade] (BLOCH, cionais [...] vem do interior”; a discipli
1973: 38). na interior deve substituir a disciplina
exterior (BLOCH, 1973: 52).
A concepção da disciplina é um a característi
ca im portante da abordagem centrada nos cam Essa disciplina interior se m anifesta na a t
pos de interesse das crianças. N a escola tradicio m osfera geral de um a classe nova. N ão se en
nal m antém -se a disciplina de m odo autoritário, contra ali a ordem m ecânica e excessiva da clas
com o se o aluno estivesse constantem ente en tre se tradicional, seu clima sério e triste; a classe
gue à agitação e à deso rd em e fosse preciso vi- assemelha-se, de preferência, a um a colm eia em
giá-lo. C om pletam ente diferente é a concepção que todos estão ocupados em suas tarefas respec
de disciplina em um a perspectiva nova. Q uando tivas, num a espécie de am biente sereno (p. 43).
há interesse na classe, quando o aluno pode tra
Em conclusão, o retrato da pedagogia tra
balhar com aquilo que o m otiva verdadeiram en
dicional pintado pelos partidários da pedagogia
te, a questão da disciplina se apresenta diferente
nova é bastante som brio. E ntretanto, esse artifí
m ente e fica, em grande parte, resolvida.
cio retórico lhes perm itiu definir o tipo de p ed a
A velha disciplina autoritária e policial,
gogia que preconizavam . E nquanto a pedagogia
[...] a disciplina de heteronomia e de co
ação com todas as suas ameaças pode ser tradicional é um a pedagogia do objeto, da cultu
suprimida. “O interesse, o interesse pro ra a transm itir pelo professor ao aluno, a peda
fundo pela coisa que deve ser assimilada gogia nova se inscreve em um a dinâm ica oposta:
ou executada”, substitui, como “mola
substitui o ensino do m estre pela aprendizagem
propulsora da educação”, o temor ao
castigo, e até o desejo de recompensa. do aluno e se define, po r conseguinte, com o um a
Torna-se assim o princípio de uma dis pedagogia do sujeito. Essa visão da pedagogia
ciplina que em oposição à “disciplina continua bem presente em nossos dias.
Conclusão
Resumo
Questões
Atividade de aprendizagem
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wdles anglaises: Abbotsholme, Summerhill, Dartington nouvelle: essai de synthèse pédagogique. Quebec: Du
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PELICIER, Y. & THUILLIER, G. (1980). Édouard
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