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UNIrevista - Vol.

1, n° 2 : (abril 2006) ISSN 1809-4651

Usos dos temas transversais em escolas


públicas do ensino fundamental da cidade de
Pelotas

Jarbas Santos Vieira


Doutor em Educação
Universidade Federal de Pelotas, RS

Resumo
Neste trabalho analiso, a partir dos discursos das professoras do ensino fundamental da rede de ensino público de
Pelotas/RS, as representações e práticas de significação criadas no seu processo de trabalho com os temas
transversais. Através de entrevistas com sete professoras, em três escolas públicas do município – duas da rede
municipal e uma da rede estadual – e de estudos teóricos e legais sobre currículo e sobre a política curricular
brasileira é possível afirmar que, naquelas escolas e com aquelas professoras, o trabalho com os temas, tal como
são indicados pelos PCN, tornam-se centralmente moralizadores e disciplinadores do alunado e de seus docentes,
combinando um enfoque humanista com uma forte carga empírica para determinar aquilo que é considerado como
conduta desejada. Isso evidencia que do mesmo modo que o currículo oficial as próprias professoras também
orientam suas práticas numa perspectiva marcada pelo controle da conduta do alunado. Disso depreende-se um
ensino e uma docência pouco politizada e, fundamentalmente, construída por uma noção instrumental de educação

Palavras-chave: política curricular // temas transversais // trabalho docente // identidade

Neste trabalho analiso os usos e os significados dos temas transversais no trabalho docente em escolas
públicas do ensino fundamental na cidade de Pelotas, Rio Grande do Sul1, buscando depreender o tipo de
docente e de docência que emergem da padronização curricular brasileira. Parto da compreensão de que um
padrão curricular nacional pretende, entre outras coisas, controlar o trabalho docente em seus mínimos
detalhes, erguendo um modelo burocrático e pragmático de educação, encurtando assim os espaços de
intervenção do professorado sobre seu processo de trabalho. Um padrão curricular para todas as escolas
brasileiras apenas incrementa práticas burocráticas, impessoais e desumanas de ensino, criando um
ambiente ainda mais hostil para a educação.

Os temas transversais, ao estabelecerem rígidas fronteiras sobre o que pode e como pode serem discutidas
as questões do convivío social, para além das áreas convencionais do currículo, tecnifica o trabalho docente,
adoecendo professores e professoras, crianças e jovens, privados de suas próprias e distintas vidas
individuais.

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Pesquisa intitulada ‘Temas Transversais: estudo sobre as representações e as práticas de significação nos currículos
escolares do ensino fundamental’, desenvolvida entre 2002-2003 em escolas públicas na cidade de Pelotas, Rio Grande do
Sul.
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Usos dos temas transversais em escolas públicas do ensino fundamental da cidade de Pelotas
Jarbas Santos Vieira

Segundo os PCN, a transversalidade garante que as questões sociais, por terem natureza diferenciada das
áreas convencionais do currículo, serão trabalhadas de forma contínua e integradas, nisso implicando uma
metodologia de trabalho e um perfil ideal de ação pedagógica, de escola e de docência, cuja extensão e
profundidade deve realizar-se de forma interdisciplinar, respeitando a psicologia e a idade dos estudantes.

A aproximação entre interdisciplinaridade e transversalidade servirá para introduzir a aprendizagem das


competências, a partir de uma perspectiva pragmática, isto é, útil e produtiva para a vida dentro de uma
sociedade “moderna”. Interdisciplinaridade e transversalidade são assim apontadas como o modelo a ser
seguido frente as tradicionais práticas de aprendizagem:

Na prática pedagógica, interdisciplinaridade e transversalidade alimentam-se mutuamente, pois o

tratamento das questões trazidas pelos Temas Transversais expõe as inter-relações entre os objetos
de conhecimento, de forma que não é possível fazer um trabalho pautado na transversalidade

tomando-se uma perspectiva disciplinar rígida. A transversalidade promove uma compreensão


abrangente dos diferentes objetos de conhecimento, bem como a percepção da implicação do sujeito
de conhecimento na sua produção, superando a dicotomia entre ambos. Por essa mesma via, a

transversalidade abre espaço para a inclusão de saberes extra-escolares, possibilitando a referência


a sistemas de significado construídos na realidade dos alunos. (Brasil, 1997, p.31)

Esses efeitos desejados pelo documento curricular servem como justificativa para que os temas transversais
sejam instituídos como eixos de articulação do processo educativo, o que parece uma boa idéia, caso fossem
o mais importante da reforma curricular. Entretanto, se os temas transversais fossem o eixo do processo
educativo deixariam de ser transversais para se tornarem centrais.

Uma leitura atenta dos PCN faz ver que os temas transversais tornam-se instrumentos para dinamizar a
idéia de competência ou competências, nisso implicando uma reengenharia da ação docente, com forte
responsabilização do professorado com o sucesso ou fracasso de seus alunos e alunas.

Segundo o documento oficial, os temas transversais devem ser desenvolvidos em cada área de
conhecimento e por cada professor, estando transversalmente presentes em todos os momentos do
processo de aprendizagem, proporcionando que cada estudante experimente uma educação que promova
sua autonomia moral e, ao mesmo tempo, o capacite para atuar criticamente frente aos problemas do
mundo moderno.

Vários questionamentos podem ser feitos a partir dessa perspectiva oficial, ainda mais considerando os
persistentes problemas da educação brasileira 2 . Interessa dizer que as atuais mudanças na educação
brasileira estão cada vez mais centradas nas reformas curriculares e estas, por sua vez, dirigidas à forma e
ao conteúdo do trabalho docente. Com efeito, os PCN tentam garantir o que e o como deve ser produzida,
distribuida e consumida a educação, além de determinar quem tem legitimidade para dirigir e/ou controlar o
processo de aprendizagem, assim estabelecendo os grandes e os pequenos dispositivos que instituem as
práticas de significação e as formas de representação consideradas legítimas nas escolas. E mais, esse
dispositivo curricular avança sobre inúmeras dimensões do trabalho docente e provoca, entre outras coisas,
um deslocamento da autoridade educativa, tornando o professorado mais dependente de formas pré-

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Penso que qualquer proposta educacional não terá sucesso se continuar ignorado que a maioria do professorado
brasileiro trabalha, em sala de aula, mais de 40 horas – às vezes até 60 horas –, ganhando, mesmo assim, um salário
indigno. O discurso da responsabilização e aqueles outros veiculados pelas recentes políticas educativas, apenas têm
conseguido aumentar a intensidade do trabalho docente sem contrapartida salarial ou funcional. Mesma escola com novas
exigências.
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estabelecidas de conhecimento, em um grau ainda mais profundo do que aqueles pretendidos em outras
reformas vividas no Brasil.

Entretanto, este padrão curricular deve ser lido dentro de uma concepção relacional de poder. Isso implica
compreender que aquilo que os professores e as professoras fazem na/da função docente está diretamente
ligado aos diferenciais de poder sobre o currículo e sobre seu processo de trabalho – quem determina o que
–, estabelecendo assim os limites e as posssibilidades da ação educativa.

Como relação de poder, o currículo trata de estabelecer os códigos culturais e lingüísticos que definem os
fins e, em certa medida, os meios de realização da educação, o que somente pode ocorrer através do
processo de trabalho docente, com aquilo que deve ser feito e o que efetivamente é realizado em sala de
aula. Compreendido desta maneira, o currículo insere-se em relações de conflito entre a ação docente e o
contexto político, indicando as dificuldades – não impossibilidades – de instalação de práticas hegemônicas
na educação.

Uma crítica possível da reforma curricular brasileira


A proposta de um padrão curricular está dentro da reestruturação neoconservadora e neoliberal da
sociedade brasileira, cujo discurso de apelo às competências busca implementar novas formas de
aprendizagem e de organização do processo de trabalho docente. Isto implica, entre outras coisas, a criação
de uma série de mecanismos de avaliação do professorado, do estudantado e das escolas. Essa política
prega, por um lado, a descentralização administrativa da educação, alegando que, assim, promove uma
maior autonomia das escolas e das comunidades em definir o ensino. Por outro lado, essa descentralização
implica autonomia financeira, o que pode tornar a escola púbica uma empresa (um negócio). A legitimidade
dessa política vai sendo obtida na medida que o mercado torna-se a grande meta a ser alcançada por todas
as pessoas e escolas, seja como possibilidade de emprego, seja como forma de sobrevivência.

Essa estratégia de convencimento da importância do mercado como parâmetro educativo, também passa
pela incorporação de reivindicações consagradas através das lutas históricas dos trabalhadores nas mais
diversas categorias e, no caso da educação, numa longa trajetória de combate pela melhoria da qualidade
de ensino. Entretanto, as políticas neoliberais e neoconservadoras buscam formas mais potentes de
cooptação dos agentes e das agências educacionais, na medida que dissimulam a arbitrariedade e a
violência que impõem. Assim, o campo da educação passa a ser um território para onde são importadas as
mesmas práticas e concepções do campo produtivo, reforçando a mística da igualdade no mercado (Vieira,
2004). Nesse processo, o padrão curricular age tanto no campo de seleção do conhecimento válido quanto
no campo organizacional do processo de trabalho docente3.

Claro que o processo de controle do trabalho docente não é um empreendimento fácil. Primeiro, porque a
educação tem sempre presente um grau de refração a qualquer reforma. Segundo, porque o professorado
possui um território próprio de ação (significação) do ato educativo, difícil de ser automaticamente
modificado ou controlado. Entretanto, atualmente, talvez esse território não esteja tão discrepante dos
interesses e objetivos da recente reforma curricular, pois muitos dos itens de controle pregados pelos PCN
estão sendo ativamente desejados e praticados pelo professorado. Importa destacar que muitas das opções
de política educacional e de política da educação estão sendo selecionadas com base em soluções

3
Discuto este tema no artigo “Política educacional, currículo e controle disciplinar (implicações sobre o trabalho docente e
a identidade do professorado)”, publicado na revista eletrônica Currículo Sem Fronteiras, Volume 2 - Número 2-
Julho/Dezembro 2002. (www.curiculosemfronteiras.org)

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pragmáticas com forte apelo subjetivo, o que, no limite, ajuda a dissimular os mecanismos de controle sobre
o trabalho docente. Nessa dissimulação, o padrão curricular passa a ser incorporado pelo próprio
professorado como se fosse seu, transformando o controle externo em autocontrole.

Essa estratégia tem permitido que experts educacionais, tanto nacionais como internacionais, proponham
condutas tipicamente mercantis para dentro das escolas, produzindo um novo perfil de educação e de
professor. O novo profissional daí advindo toma decisões envolvido com a comunidade escolar, tendo como
objetivo o sucesso de seus estudantes e de si mesmo. Trata-se de uma política meritocrática e positiva, que
produz um novo ethos educacional como orientador do projeto pedagógico nacional, que tem no mercado
seus meios e seu fim.

É nesse contexto que se impõe a padronização curricular, como parte de um esforço político e cultural de
alinhamento da educação às novas diretrizes do mundo capitalista globalizado. Com efeito, os PCN buscam,
a partir do estabelecimento de um núcleo de conhecimentos e de procedimentos comuns a todas as redes
escolares – garantidas por testes e avaliações externas –, determinar formas de gestão das escolas, do
conhecimento e do trabalho docente em todo o território nacional, passando ao largo das singularidades que
envolvem o processo educativo em cada escola, classe e indivíduo.

Uma leitura atenta do documento faz ver que os temas transversais, ao fim e ao cabo, estabelecem um
interessante paradoxo: por um lado, são formas de introduzir no ensino a aprendizagem das competências;
por outro lado, servem para que as crianças e os jovens aprendam os conhecimentos escolares tradicionais
(disciplinares). Assim os temas tornam-se formas de motivação para o conhecimento que importa – aquele
que exige carga horária e disciplina (epistemologia) própria. Mais do que isso, ao serem propostos temas e
formas de trabalhá-los, o documento procura garantir um tratamento didático – técnico – para as questões
sociais, talvez com isso eliminando a pluralidade de conflitos que tais assuntos provocam, conjurando suas
asperezas políticas, afinal, quando se legisla e se pedagogiza todas as dimensões do ato educativo, o que se
busca é conjurar os perigosos poderes que envolvem o educar(se).

Segundo o documento curricular, o trabalho com os temas favorece valores e práticas sociais que respeitam
os princípios da cidadania. E “isso refere-se a valores, mas também a conhecimentos que permitam
desenvolver as capacidades necessárias para a participação social efetiva” (Brasil, 1997, p.23). O
documento alega ainda que os temas vêm ao encontro de uma urgência social, e de encontro aos limites e
insuficiências das áreas convencionais que, embora necessárias, não garantem o acesso ao conhecimento
socialmente acumulado pela humanidade, seja lá o que isso signifique. Assim, os temas transversais são
celebrados como um exercício de cidadania, por mais curioso que isso possa parecer. Dos educadores e
educadoras é exigida uma ação política que funcione como espaço de reprodução e de transformação social
(Brasil, 1997a). Uma transformação que depende, como afirma o documento, de um projeto de atuação
político-pedagógica, que implica avaliar práticas e buscar, explícita e sistematicamente, caminhar na direção
das mudanças sociais e educacionais.

Os PCN defendem também que no interior das escolas as relações educativas priorizem a vivência da
escolaridade em sua forma mais ampla, de tal forma que essa competência possibilite uma compreensão e
uma crítica da realidade, permitindo aos estudantes se apropriarem de instrumentos “para refletir e mudar
sua própria vida” (Brasil, 1997, p, 24).

Entretanto, mesmo reconhecendo as dificuldades e complexidades do ato educativo, o documento não se


furta de indicar ao professorado quais as dimensões que merecem modificações ou aprefeiçoamentos,
privilegiando a noção de cumplicidade no ato educativo, uma idéia que, caso fosse a base do processo

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pedagógico, iria de encontro a proposta de um currículo padronizado. De toda forma, os PCN defendem, por
um lado, (a) a autodeterminação e, por outro, (b) a idéia de conhecimento como instrumentalização –
competência – para atuar na sociedade. Com isso aponta três grandes diretrizes educativas:

• posicionar-se em relação às questões sociais e interpretar a tarefa educativa como uma


intervenção na realidade no momento presente;

• não tratar os valores apenas como conceitos ideais;

• incluir essa perspectiva no ensino dos conteúdos das áreas de conhecimento escolar. (Brasil, 1997,
p.24)

Estas diretrizes devem orientar a forma e o conteúdo do trabalho educativo, bem como a postura dos
agentes educacionais, haja vista que o documento, contradizendo seu princípio da flexibilidade, cerca todas
as possibilidades de trabalho com os temas transversais. A força do emissor se multiplica, calando todos os
receptores, simplificando as complexidades antes atribuídas ao ato educativo.

A instrumentalidade que cerca a noção oficial dos temas transversais faz parte de uma tradição teórica
conservadora conhecida como Utilitarismo4, cujas bases operam como parâmetros para uma aprendizagem
que deve ser estritamente racional. Sem enganos, o Utilitarismo e o racionalismo desenham a concepção do
currículo e os modelos de estudante e de professor desejado, que devem ser conduzidos à reforma
educativa e a reforma de si mesmos. Esta perspectiva cria tipos ideais de docentes e de estudantes,
exigindo-lhes condutas “puras” segundo a “originalidade” prescrita.

A estratégia de tratamento dos temas parte então de uma visão burocratizada dos saberes acadêmicos e
institucionais. Assim, os temas ditos sociais recebem um tramento meramente técnico e isentam as escolas
de olharem suas práticas de discriminação, de preconceito e de reforço às normativas burocráticas, o que,
sem dúvida, discrimina as diferenças e os diferentes. Essa estratégia aciona dispositivos de controle das
condutas e, dentre eles, o de responsabilização dos indivíduos por seus sucessos e seus fracassos na vida,
na escola, no trabalho.

O tipo ideal de professor nos PCN e o processo de trabalho desejado


Sem dúvida os critérios de escolha dos temas transversais desenha tanto uma concepção de conhecimento
quanto de um modelo de docência. Em geral, os professores são projetados, paradoxalmente, como
transparentes, neutros, afeitos às intempéries sociais e, ao mesmo tempo, com responsabilidade direta
sobre o sucesso e/ou fracasso do processo de aprendizagem. Falta ou carência, de um lado,
responsabilidades, de outro, acabam identificando o professorado com os argumentos e as propostas do
documento curricular. Assim, os tipos ideais necessitam de um processo de trabalho que lhes mantenha a
pureza ou a originalidade prescrita.

O tipo ideal é construído através da forma como é narrado. No caso dos PCN e de seus temas transversais,
essa narrativa constrói um docente e uma docência disciplinada e racional, cujo nível de conhecimento, de
elaboração e de sensibilidade exigida somente pode ser operada dentro de uma outra realidade escolar. Isto
parece não importar ao documento, que prefere individualizar soluções e recomendar comportamentos,

4
Stuart Mill (1983), sintetiza o pensamento utilitarista na educação: “uma educação voltada para difundir o bom senso
entre o povo, como um conhecimento tal que o qualifique para emitir um juízo sobre as tendências de seus atos, seria um
caminho seguro, mesmo sem qualquer inculcação direta, para fazer surgir uma opinião pública que acabasse por

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condutas, formas práticas de operar cada assunto, esquecendo as próprias circunstâncias onde ocorre o
encontro educativo; esquecendo os agentes envolvidos nesse processo. No final, o trabalho com os temas
assume uma faceta pedagógica pouco politizada e construída pelos grandes relatos, pelos núcleos essenciais
de cada assunto. Numa palavra, os temas são essencializados, assim como também o são os docentes.

O tema Ética, por exemplo, vai sendo apresentado sob um forte controle moral, expresso na exigência de
condutas definidas como corretas no ambiente escolar e na sociedade, embora os estudantes não tenham
sido convidados a participar dessa definição:

(...) o tema Ética traz a proposta de que a escola realize um trabalho que possibilite o

desenvolvimento da autonomia moral, condição para a reflexão ética. Para isso foram eleitos como
eixos do trabalho quatro blocos de conteúdo: Respeito Mútuo, Justiça, Diálogo e Solidariedade,

valores referenciados no princípio da dignidade do ser humano, um dos fundamentos da Constituição


brasileira (Brasil, 1997a, p.26).

Porque esses blocos e não outros? Porque uma abordagem a partir de conceitos tão abstratos e não a partir
de situações vividas na sociedade contemporânea; vivídas pelos estudantes reais? É possível dizer que caso
fossem priorizados problemas vividos pela sociedade brasileira atual, ou ouvidos estudantes e professores
em diferentes escolas e regiões, os blocos seriam outros, e dependeriam do contexto, da situação de vida,
das condições de classe, da geografia, da raça, da etinia, do sexo, etc. E mais, a escolha dos blocos não
seria feita pelo documento, senão pelos atores sociais, o que garantiria ao mesmo tempo a manifestação da
pluralidade cultural.

O tema Pluralidade Cultural também é abordado a partir de um perspectiva moralizadora, isto é, de uma
concepção de tolerância, vista como elemento indispensável da vida democrática numa sociedade plural. Em
vista disso, a diversidade cultural é apenas celebrada, eliminando a discussão sobre a produção das
discriminações sofridas pelos diferentes grupos sociais no Brasil e pelos indivíduos que freqüentam as
escolas brasileiras, reforçando a (“benevolente”) arrogância branca, cristã e masculina que orienta nossa
educação escolar.

Este também é o tratamento que o documento dá ao tema Orientação Sexual, no qual as “questões de
desejo, de afetividade e desenvolvimento da sexualidade não são mencionados como norteadores do
processo de escolha dos temas a serem discutidos” (Braga, 2003, p.7). Pelo contrário, a proposta oficial
persegue uma forma de proteção ou de medo do corpo humano. Assim, o destaque no tema Orientação
Sexual é dado ao biológico que, por acréscimo, estabelece o comportamento normal e o anormal (a doença).
Desta forma, a psicologia, legitimada por um olhar médico, pelo medo e pela “normalidade” adulta, se elege
como referente privilegiado do trabalho pedagógico5.

O tema Meio Ambiente é aquele que mais ganha destaque, tanto no documento curricular quanto nos
discursos das professoras, seja porque já faz parte do programa de áreas e matérias tradicionais, seja
porque existe um consenso sobre sua necessidade. Desta forma, Meio Ambiente é abordado através de um
moralismo individualizante e, ao mesmo tempo, ganha status de negócio para a escola.

desacreditar qualquer tipo de intemperança e imprevidência, e a imprevidência que satura o mercado de mão-de-obra
seria rigorosamente condenada como infração ao bem comum”. (Mill, 1983, p. 316)
5
Segundo o documento, a sexualidade infantil tem um caráter apenas de exploração, pré-genital, pois o ato sexual e as
carícias genitais são manifestações de adultos e de jovens. Ponto. Discussão encerrada. Referência estabelecida: “a
pedagogia de prevenção que se estabelece através dos discursos de orientação sexual disseminados no cotidiano escolar”
(Braga, 2003, p.7).
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Meio Ambiente ou temas ecológicos, prioritariamente aqueles ligados à coleta de lixo urbano, tem uma
prioridade somente explicada pelo seu apelo racional, quase técnico, e por suas evidentes relações com a
área de ciências. O fato de que os livros-didáticos de ciências apresentem temas como meio ambiente e
ecologia, já garante certa legitimidade e tranqüilidade para o trabalho das professoras, evitando maiores
justificativas além daquelas de cunho humanista. E tal como os outros temas, Meio Ambiente também sofre
abordagens moralizadoras, e isso já parece suficiente dentro de uma política de controle sobre o trabalho
educativo, contribuindo para a regulação da cultura docente, pois impõe as balizas por onde é possível – e
desejável – que se desenvolva a prática educativa em cada sala de aula. Assim, o professorado vive a
multiplicação e a subjetivação dos controles sobre seu processo de trabalho, ampliando as técnicas de
dominação.

Depois dos temas propostos, para manter uma coerência mínima com a idéia de autonomia, democracia,
liberdade e flexibilidade, o documento apresenta sua orientação dos chamados Temas Locais. Também aí o
documento não se furta de definir e sugerir a forma e o conteúdo desses temas. Fornecendo exemplos de
temas locais e indicando suas conexões e formas de abordagem, o documento trata de especificar,
detalhadamente, como cada assunto deve ser trabalhado. Invariavelmente os professores são orientados
sobre o que fazer, como fazer e porque desenvolver determinado tema, criando uma verdade sobre o que é
a escola, a educação, a docência e seu processo de trabalho. O docente que se ergue desse discurso é
sempre racional, produtivo, criativo, moralmente correto e física e emocionalmente são.

É possível dizer então que os PCN e seus temas transversais, no que diz respeito ao professorado e a seu
processo de trabalho, revela, no mínimo, quatro dimensões que podem ajudar a compreender o escopo da
padronização curricular: (i) trata-se de uma reforma currícular cuja pretensão é tornar-se uma cartilha para
controlar a prática docente; (ii) o professor que é desenhado nessa cartilha deve ter qualidades quase
sobre-humanas ou, o que dá no mesmo, trabalhar sobre égide de uma extrema racionalidade prática; (iii)
centralmente o moralismo e o viés psicológico é aquele que perdura e perpassa, transversalmente, todos os
temas sugeridos; (iv) os PCN e seus temas transversais pretendem, mais do que ser uma indicação
currícular, tornarem-se currículo dos próprios cursos de formação de professores. Na pior das hipóteses,
substituir e/ou complementar, com mais vantagens e maior agilidade, os cursos de formação de novos
professores6.

Os temas transversais no discurso das professoras


Que usos e significados são instituídos no trabalho com os temas transversais em escolas públicas reais?
Essa pergunta começa a ser respondida pelas próprias professoras do ensino fundamental que participaram
dessa investigação. São respostas locais, embora possam indicar possíveis tendências.

Segundo as professoras entrevistadas, os temas transversais são trabalhados ocasionalmente, em função de


um acontecimento ocorrido em sala de aula, sem planejamento prévio. Entretanto, as professoras
reconhecem que os temas transversais apresentados nos PCN guardam muitas relações com os assuntos
que aparecem no dia-a-dia de suas classes e da escola.

Este reconhecimento faz com que as professoras desenvolvam uma compreensão muito própria sobre o que
é e como devem ser trabalhados os temas transversais: frente a uma urgência na sala de aula, pelo que
acreditam reconhecer como sendo a realidade de seus alunos. É essa urgência que determina o tema e sua

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Este último item pode ser lido de forma bastante clara no documento Parâmetros em Ação, capturado na página do MEC
(www.mec.gov.br).

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discussão. Segue-se a esta compreensão uma postura muito própria quanto à forma de trabalhá-los e,
talvez por isso, as professoras acreditem manter um alto grau de decisão sobre o que fazer na sala de aula.
Ao mesmo tempo, os temas, por estarem amparados por um documento oficial, também garantem
legitimidade às discussões que extrapolem o programa tradicional. Portanto, os temas também são
utilizados como uma forma de defesa para eventos ou acontecimentos de sala de aula – ou da escola – que
fogem do previsto nas disciplinas tradicionais.

Embora a sala de aula no ensino fundamental seja bastante refratária a normas que enrijeçam as relações
sociais educativas, não impede que as recomendações feitas pelo currículo oficial e as práticas docentes
tenham objetivos muito diferentes sobre todas as dimensões do processo educativo. Se o currículo oficial, ao
fim e ao cabo, pretende estabelecer formas mais eficientes de controle da educação, principalmente sobre o
trabalho docente, por outro lado, as próprias professoras orientam suas práticas – e significam seus papéis –
numa perspectiva também marcada pelo controle da conduta de seus alunos. Um controle exercido através
de discursos morais, que exaltam as responsabilidades que os estudantes devem aprender desde criança: o
respeito às normas sociais, aos costumes e à cultura adulta, que tem como eixo o cuidado de si. Essas
normas, encerradas numa moral que exige uma conduta “sadia”, constituem aquilo que pode se chamado de
tecnologia do eu, cujo objetivo é disciplinar o alunado.

O poder disciplinarizador do discurso pedagógico acaba produzindo assim formas de controle e de


autocontrole, dando a ilusão de que as decisões educacionais estão livres de qualquer imposição. Em geral,
as professoras experimentam uma sensação de total liberdade nas decisões que tomam sobre sua classe e,
invariavelmente, conteúdo e forma do processo de trabalho perpetuam um ensino que se baseia numa
mensagem puramente oral e eminentemente moral.

Informação e conversas, supostamente adaptadas à idade e aos interesses dos estudantes, marcam a
abordagem dos temas nessas escolas. E assim, o centro da ação docente torna-se semelhante a lei,
importando a utilidade (necessidade) do conhecimento e a disciplina sobre os comportamentos do
estudantado. Tal como o currículo oficial, a professora exerce uma espécie de governo, que mescla sua
preocupação com o crescimento dos estudantes com procedimentos que permitam exercer algum poder
sobre suas condutas, buscando – talvez com paixão –, conformar, orientar ou afetar seus comportamentos.
Nesta perspectiva, a pedagogia é uma ação de controle e de direcionamento das relações sociais e
interpessoais dentro das instituições, sendo melhor entendida como uma prática de governo, que busca,
através do conhecimento das atividades das pessoas, através da orientação de seus hábitos, direcionar e
determinar os objetivos que devem ser alcançados – e desejados – por todos os alunos.

Nessa racionalidade, as professoras assumem uma forma de governo que lhe está sendo imposta mas que,
no entanto, parece ser fruto de sua própria escolha. Assim, professoras e estudantes são submetidos a um
jogo de significados, que define o que é o conhecimento válido, a forma de aprendê-lo e qual o modelo de
sujeito educado. Neste jogo, a potência do controle ocorre pela naturalização dos discursos emitidos do
adulto para o jovem e, também, pela presunção que o adulto sabe, de antemão, aquilo que é melhor para o
jovem. Geralmente um discurso carregado de preconceitos e pressuposições, que acaba condenando a
cultura do outro.

Não é raro, nessas escolas e com essas professoras, que os temas transversais acabem sendo confundidos
com experiências pessoais, sejam das próprias docentes, sejam de seus alunos. Mas parece que isto não é
problema, pois tanto na perspectiva institucional quanto na perspectiva de cada docente existe uma
racionalidade que se aproxima. Nesse sentido, as conversas – atividade didática principal das professoras

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quando tratam de questões relacionadas com a convivência social –, reforçando a lógica de orientação do
documento curricular, se pautam por uma postura moralizante do ato de educar. Assim, as práticas
transversais desenvolvidas pelas professoras caminham na mesma direção do espírito da padronização
curricular. Ambas ajudam a compor uma determinada forma de racionalidade política que, ao fim e ao cabo,
determina quem educa, quem é educado e o que significa educar, constituindo uma paradoxal composição
de discursos que caminham para os mesmos objetivos: o controle da conduta dos estudantes e das
professoras, centralmente através do autocontrole moral. Deste modo, a contradição entre a proposta dos
PCN e as práticas das professoras entrevistadas não são tão grandes a ponto de colocar em risco a
racionalidade política oficial.

Sem embargo, ao desenvolver temas de convivência social, as professoras acabam compondo uma
determinada racionalidade política, construída através de complexas relações que se estabelecem entre
diferentes práticas sociais, mas que buscam a participação ativa daqueles que são governados. Isso implica
que mesmo trabalhando de forma própria, com base na experiência de trabalho, as professoras, envolvidas
mediatamente pela padronização curricular, acabam, contraditoriamente, trabalhando na direção imposta
pelo modelo de currículo nacional, impondo uma racionalidade que articula técnicas de dominação e técnicas
do eu.

Nesse processo, a psicologia torna-se o suporte mais vigoroso, conferindo legitimidade à idéia de que cada
um conheça a si mesmo, como um ser autônomo e isolado dos demais, embora devendo construir práticas
colaborativas. Assim, as abordagens pedagógicas feitas pelas professoras transformam questões sociais e de
vida em soluções individuais e pragmáticas, dependentes de duvidosos processos de conscientização para
obter uma forma eficiente de manejar a vida. Com isso, os conflitos sociais são reduzidos a problemas de
ordem psicológica ou familiar, mormente indicadas como falta de diálogo entre pais e filhos, entre famílias e
escola, ou a distúrbios de personalidade. E tudo atribuído ao caráter pessoal de cada estudante e de sua
cultura, de cada professora e de sua cultura.

Os temas desenvolvidos pelas professoras e as indicações dos PCN fazem, de fato, uma reengenharia das
relações pedagógicas, constituindo práticas de auto-regulação, prometendo eficiência e garantia de
aprendizagem.

É uma ilusão pensar que os temas transversais apenas indicam ou propõem assuntos relevantes e formas
mais participativas de abordagem de questões sociais. As professoras são, na verdade, recrutadas a
reforçarem a lógica de controle estabelecida pelo padrão curricular. As docentes e as escolas se tornam
objetos de um controle fortemente subjetivador, que trata não só de indicar os assuntos que devem ser
trabalhados em sala de aula mas, ao mesmo tempo, de organizar em detalhes o currículo e a metodologia
de aprendizagem.

Como dispositivo de controle, os temas transversais funcionam então para ampliar a máquina panóptica
curricular, conformando a educação e as professoras a uma lógica de ensino padronizada. Os efeitos deste
controle atingem tanto a integridade do trabalho educativo quanto à identidade do professorado.

A organização do currículo em seus mínimos detalhes ou nos assuntos que podem e devem ser discutidos
nos temas transversais, ao fim e ao cabo, dão visibilidade aquilo que antes era próprio de cada docente: as
respostas que elas produziam no próprio encontro educativo, a partir de suas experiências de docência, com
seus grupos de estudantes. Agora, essa singularidade pode ser regulada pelos temas, que avançam formas
de publicização das práticas de trabalho, afetando diretamente a autonomia do professorado.

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Usos dos temas transversais em escolas públicas do ensino fundamental da cidade de Pelotas
Jarbas Santos Vieira

Esse mecanismo é ainda mais facilitado pela identificação entre as expectativas das professoras
entrevistadas e as orientações do documento, o que ajuda a estender uma potente rede de controle sobre o
trabalho docente7.

Envolvidas nesse jogo, as professoras são submetidas a certos tipos de dominação que buscam alinhar
condutas subjetivas aos lugares objetivos da hierarquia escolar e social. Assim se mantém uma certa calma
ou subordinação da escola e da educação às demandas geradas pelo poder econômico e político. Mas é
preciso dizer também que as formas de controle plasmadas nos PCN e em seus temas precisam
continuamente ser refeitas e não meramente postas em funcionamento. Nessa direção, o controle
transforma-se num governo que precisa vigiar as práticas educacionais para que sejam sempre produtivas e
eficientes, os que não é uma tarefa fácil.

Conclusão
Os PCN, ao indicarem temas relevantes para todos os estudantes e escolas, fazem crer que existe uma
semelhança entre o documento e a vontade das próprias professoras. Uma semelhança tratada a partir de
um discurso com forte apelo moralizador, racional e emocional, prometendo facilidades ao processo
educativo, traduzidas no conceito de competência. Assim, por “conta própria”, as professoras irão
transformam a si mesmas, com o fim de alcançar certo estado de felicidade ou sabedoria, tal como indica a
reforma curricular.

Entretanto, nessas escolas e com essas professoras, os temas transversais não estão acolhidos pelas áreas
convencionais do currículo. Seus conteúdos e objetivos permanecem à parte de uma proposta de trabalho
integradora. Do mesmo modo, o trabalho com os temas ainda depende de uma percepção própria de cada
professora sobre o desejo, o interesse e a necessidade de seus alunos e alunas. Nenhuma das escolas chega
a estabelecer um efetivo procedimento de integração entre os conteúdos das diferentes áreas, seja porque o
trabalho nas áreas tradicionais ainda constitui a prova do mérito – o documento legal –, que atesta quem
aprendeu e quem não aprendeu – conceito de aprendizagem bastante prático e legalista –, seja porque, se
ocorresse a integração, tal como é recomendado pelos PCN, os temas não poderiam ser transversais, senão
centrais no processo de aprendizagem, nisso constituindo o mérito, o documento legal, o atestado de
aprendizagem – conceito bastante político e difícil de ser estabelecido em nossas escolas atuais.

O corrente é que as questões relativas aos temas sejam explicitamente trabalhadas em função de
acontecimentos ou eventos, cujas respostas são de ordem moral, por um lado, e de ordem funcional, por
outro. Ordem moral na relação do adulto-que-ensina com o estudante-que-aprende. Ordem funcional
quando um tema é trabalhado como um evento, como campanha que viabiliza o próprio funcionamento da
escola. Em ambas há um intervalo, um corte naquilo que ainda importa: os conteúdos das matérias,
disciplinas e áreas tradicionais. Pedagogicamente a professora pára o conteúdo da aula “tradicional”,
suspende a atividade “normal”, para intervir sobre um problema de convivência social.

É sobre essa dimensão que os temas transversais estão incidindo e dirigindo seu olhar educativo, no mínimo
fazendo as professoras pensarem e verbalizarem sobre esse componente do processo de trabalho – a
potência educativa do convívio social. Essa prática, central no trabalho docente, está agora sendo colonizada,
burocratizada, tecnificada, controlada. O documento legal age assim sobre dimensões bastante subjetivas do
professorado, buscando vigiar ou modificar sua atuação para além de suas atividades formais.

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A ausência de crítica à reforma curricular não é “mérito” apenas das professoras do ensino fundamental, mas também
de muitos/as professores/as do ensino universitário, que imediatamente passaram a adotar o modelo propugnado pelos
PCN em suas aulas, na orientação dos estágios e, inclusive, na reformulação dos próprios cursos de licenciatura.
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Usos dos temas transversais em escolas públicas do ensino fundamental da cidade de Pelotas
Jarbas Santos Vieira

O novo professor transversal tem assim suas responsabilidades ampliadas na formação dos estudantes, pois
sua nova prática educativa envolve as relações de convívio social, como se isso fosse, de fato, um novo
componente do trabalho docente. O trabalho docente é então metodologicamente redefinido a partir da
ampliação de sua atuação. Nesse processo, o documento curricular se imiscuí na escolarização brasileira
através da estratégia de mesclar o estatuto profissional com a idéia de educação pastoral, como
compromisso moral, que deve zelar pela boa e não conflituosa convivência social.

Agindo assim, os temas tornam-se um potente instrumento de controle subjetivo do professorado e de seu

processo de trabalho, chamando a atenção das docentes para questões que elas já vinham trabalhando
“sem refletir”. Ao evidenciar e dirigir essa reflexão, os temas multiplicam o controle naquilo que é singular

ao trabalho docente, determinando o enfoque epistemológico e metodológico das questões sociais;


pedagogizando todos os momentos do encontro educativo. Seria, por assim dizer, a própria anulação do

mestre, pois o processo de controle seria total, conjurando os perigos da educação e de possíveis críticas ao
modelo de sociedade atual.

Referências
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sexualidade contida nos PCN. Pelotas, Faculdade de Educação/UFPEL, dez., (Monografia de
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BRASIL. 1997. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: apresentação dos
temas transversais, ética. Brasília, MEC/SEF

BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Parâmetros em Ação. Parâmetros em Ação, capturado na


página do MEC www.mec.gov.br

MILL, J. S. 1983. Princípios de economia política: algumas de suas aplicações à filosofia social. v. I e II. São
Paulo, Abril Cultural, (Os economistas).

VIEIRA, J. S. 2002. Política educacional, currículo e controle disciplinar (implicações sobre o trabalho
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www.curiculosemfronteiras.org

VIEIRA, J. S. 2004. Um negócio chamado educação: qualidade total, trabalho docente e identidade. Pelotas,
Seiva Publicações

VIEIRA, J. A. e SANDER, D. A. 2003. Temas Transversais: estudo sobre as representações e as práticas de


significação nos currículos escolares do ensino fundamental. Relatório de Pesquisa. Pelotas,
FaE/UFPEL – CNPq

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