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Resumo
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
1 Professora da rede estadual paranaense, formada em Letras pela Unicentro, com especialização
em Língua Portuguesa e em Psicopedagogia.
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
O ensino da língua materna tem por objetivo dar condições para que o aluno
domine plenamente as atividades linguísticas: ler criticamente, escrever para alguém
ler, falar em diferentes situações, com objetivos determinados e dentro da modalida-
de adequada, além de refletir sobre a própria linguagem. Logo, só se justifica o es-
tudo da língua em um contexto de uso, de funcionamento, de interação social, no
qual seus usuários sejam sujeitos.
Para Bakhtin (1997), a linguagem é um ato social que se realiza e se modifi-
ca nas relações sociais e é, ao mesmo tempo, meio para a interação humana e re -
sultado dessa interação, já que seus sentidos não podem ser desvinculados do con-
texto de produção. Assim, para o autor citado acima, o estudo da língua deve come-
çar com o estudo do contexto social em que se efetua.
O autor destaca também que, nas diferentes circunstâncias sociais, a
utilização da língua efetua-se em forma de enunciados (orais /escritos) concretos e
únicos. Em cada enunciado é possível, segundo o autor, perceber a intenção
discursiva do falante que determina todo o enunciado.
Destarte, na visão bakhtiniana, texto é uma unidade de manifestação do
pensamento, da emoção, do sentido, do significado. Quando o texto se insere em
uma relação dialógica, ele torna-se um enunciado de comunicação, um todo de
sentido, mas quando fora desse contexto, é apenas uma entidade linguística, só tem
realidade como texto-estrutura. É por esse motivo que “cada esfera de utilização da
língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, sendo isso que
denominamos gêneros do discurso” (BAKHTIN, 1997, p.280).
Em conformidade com essa concepção, para Silva:
Nas obras de Lygia Fagundes Telles, o que importa mesmo é o ser humano,
principal protagonista da literatura e da vida. Suas narrativas centram-se mais na
repercussão interior que os fatos produzem nos personagens. Tanto nos seus
contos como nos romances, a palavra está a serviço das emoções e da reflexão
sobre o estar no mundo. A autora tem a ousadia de escancarar fragilidades
humanas, o vazio das normas sociais e a ausência de solidariedade. Seus
personagens, em sua maioria, sofrem. Mas ao lado de toda crueldade, existem
gestos de amor, palavras de compaixão... coisas desse tal ser humano, o
inexplicável. E, ao chegarmos aos últimos parágrafos de cada narrativa, temos a
sensação de ter lido algo inesperado, bem diferente do que imaginávamos quando
iniciamos a leitura.
Ao adotar uma concepção dialógica, que vê a língua como uma forma de di-
álogo, este trabalho preocupa-se com fatores que interferem na construção do signi-
ficado e que não são exclusivamente linguísticos, tais como a situação, o conheci-
mento compartilhado e as inferências.
Conforme mencionado anteriormente, este trabalho desenvolveu-se em uma
turma do 2º ano do Ensino Médio, durante o 3º bimestre do ano letivo de 2011, no
Colégio Estadual João de Mattos Pessôa, no município de Irati – Paraná.
A seguir, serão apresentadas as atividades de leitura desenvolvidas com os
alunos a partir do conto “Venha ver o pôr – do – sol”, que pertence ao gênero conto
de mistério. Em sala de aula, a proposta foi desenvolvida em fases:
Figura 1
Fonte: CROVADOR, Thais Maria, 2011
Perguntou-se aos alunos: O que vocês estão vendo? O que esta imagem
desperta em vocês? Se vocês fossem escrever um conto a partir dessa imagem,
que tipo de história seria?
Com esses questionamentos anteriores ao texto, iniciou-se o processo de
leitura com as estratégias de seleção, antecipação e inferência (BRASIL, 1998). A
seleção aconteceu quando os alunos selecionaram entre os conhecimentos que
possuem sobre o pôr- do sol, o que esta imagem lhes sugeria. Aqui também se
iniciou o processo de acionamento dos conhecimentos prévios, que tornaram
possíveis as demais estratégias. A estratégia de antecipação permitiu aos alunos
levantar a hipótese de que a história tratava de romance, de amor. Ao ler o título
“Venha ver o pôr- do -sol”, os alunos tiveram a ideia de que sua hipótese inicial
estava correta (o que pôde ser comprovada ou não no decorrer da leitura).
As hipóteses levantadas pelos alunos, em sua maioria indicaram o convite
para um encontro amoroso, sem imaginar que o título, em forma de convite, poderia
ser entendido como um convite para a morte. Para a maioria dos alunos, o texto teve
um desfecho inesperado, causando espanto e até mesmo revolta.
Dessa maneira, trabalhou-se, também, uma característica das obras da
autora que, ao final da leitura, faz o leitor ter a sensação de ter lido algo inesperado,
bem diferente do que imaginava quando iniciou a leitura.
3 TV Multimídia é um recurso tecnológico presente em todas as salas de aula das escolas estaduais
paranaenses. Permite trabalhar os conteúdos exibidos através do pendrive, do CD e do DVD.
(http://www.gestaoescolar.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/pdf/manual_tvpendrive.pdf).
Quase ao final da narrativa dá-se o conflito. É quando Raquel descobre a
verdadeira intenção de Ricardo. Infelizmente, é tarde demais. Ela estava presa na
catacumba e ele, do lado de fora da grade, com a chave nas mãos e falando, com
toda ironia: “Uma réstia de sol vai entrar pela frincha da porta, tem uma frincha na
porta. Depois vai se afastando devagarinho, bem devagarinho. Você terá o pôr-do–
sol mais belo do mundo.” (TELLES, p. 42).
A leitura do conto feita em conjunto professora – alunos, através da
apresentação de pequenos trechos através de slides na TV Multimídia, trouxe
enriquecimento para os alunos - leitores, ao apresentar-lhes um vocabulário que não
fazia parte de seu cotidiano. Além, disso, ao preencherem as lacunas durante a
leitura por meio de inferências, de conhecimentos prévios e da intertextualidade.
Dessa forma, aconteceu uma intensa interação entre texto – alunos – professora.
Durante a leitura, a professora foi chamando a atenção dos alunos para a
importância dos elementos descritivos na construção dos ambientes e personagens,
a construção do conflito, a criação de expectativas no leitor. Dessa forma, os alunos
estavam sendo preparados para, mais tarde, serem capazes de também produzir
um conto de mistério
Após a leitura completa do texto, os alunos perceberam que o título Venha
ver o pôr-do-sol não revela as verdadeiras intenções de Ricardo, o qual, ao invés de
estar fazendo um convite a um encontro prazeroso, na realidade, planeja levar
Raquel a encontrar-se com a morte, prendendo-a em um jazigo de um cemitério
abandonado.
Assim, observou-se o tremendo contraste entre as expectativas que a
personagem Raquel construiu sobre o encontro com o ex- namorado e o que, de
fato, Ricardo pretendia. Também é importante destacar o contraste entre as
expectativas do leitor no final do conto e após o término do mesmo.
O conto apresenta um final em aberto, que permite ao leitor inferir várias
possibilidades de desfecho, que não se apresentam explicitamente definidas no
texto.
Neste momento, é interessante relatar o comentário de uma aluna, bastante
participativa e crítica: “Eu detesto este tipo de história que não tem um final
determinado, que me faz ficar pensando, imaginando o que realmente aconteceu,
não sai da minha cabeça”.
E não seria esse o objetivo da verdadeira literatura? Pois,
ler não é decifrar, como um jogo de adivinhações, o sentido de um texto. É a
partir do texto, ser capaz de atribuir-lhe significação, conseguir relacioná-lo
a todos os outros textos significativos para cada um, reconhecer nele o tipo
de leitura que seu autor pretendia e, dono da própria vontade, entregar-se a
esta leitura, ou rebelar-se contra ela, propondo outra não prevista (LAJOLO,
1986, p. 59).
- Uma réstia de sol vai entrar pela frincha da porta, tem uma frincha na
porta. Depois vai se afastando devagarinho, bem devagarinho. Você terá o
pôr-do-sol mais belo do mundo. (...) - ele já não sorria. Estava sério, os
olhos diminuídos. Em redor deles, reapareceram as rugazinhas abertas em
leque. - Boa noite, Raquel. (TELLES, 2008, p.43).
b) Qual a relação que há entre os personagens? Justifique com uma frase do conto.
f) No início do texto, qual parecia ser a intenção de Ricardo? Após ler o final do conto, essa
hipótese se confirmou? Justifique.
h) Durante a conversa, Ricardo fez alguns comentários que poderiam ser facilmente
desmentidos, caso Raquel estivesse atenta. Cite alguns e explique porque não faziam sentido.
i) Ricardo agiu premeditadamente? Há alguma passagem do conto que comprove isso? Copie-
a.
Questões referentes ao estilo (ou seja, a seleção dos recursos linguísticos feita
pela autora):
o texto não serve apenas para o aluno identificar, por exemplo, os adjetivos
e classificá-los; considera-se que o texto tem o que dizer, há ideologias vo-
zes, e para atingir a sua intenção, utiliza-se de vários recursos que a língua
possibilita...compreender os recursos que o texto usa e o sentido que ele
expressa é refletir sobre a língua, numa dimensão dialógica da linguagem
(PARANÁ, ,2008, P. 79 ).
a) No título ”Venha ver o pôr- do- sol”, em que modo está o verbo “venha”? O que esse modo sugere
no texto?
b) A autora, para indicar a fala dos personagens, usou qual recurso gráfico?
c) Na frase: Vamos até o Oriente, meu caro. Que sentido essa palavra expressa no texto?
d) Observe:
...Deteve-se para ler a inscrição em uma laje despedaçada: - À minha querida esposa, eternas
saudades. – Pois sim. Durou pouco esta eternidade.
g) Em várias ocasiões, a autora utiliza reticências. Esse recurso tornou-se relevante no conto? Por
quê?
h) - Os períodos que compõem o conto são em sua maioria curtos ou extensos? Isso é importante na
caracterização do gênero? Por quê?
i) No conto VENHA VER O PÔR- DO- SOL, a maioria dos verbos está no pretérito. Por quê?
O mato rasteiro dominava tudo... subira pela sepultura, infiltrara-se ávido pelos rachões dos
mármores, invadira as alamedas de pedregulhos... Ela se deixava conduzir como uma
criança. Às vezes mostrava curiosidade... –Nunca vi um cemitério tão miserável, - exclamou
ela... Ele beijou-lhe a mão... Uma aranha tecera dois triângulos de teia... Pendendo como
farrapos de um manto que alguém colocara sobre os ombros de Cristo... Ela sacudia a
portinhola. Ele chegara até a porta. Os olhos rodavam pesadamente...
- Quais verbos estão no pretérito imperfeito? Por que eles foram usados dessa forma no
conto?
- Quais verbos estão no pretérito perfeito? Por que eles foram usados dessa forma?
− Quais verbos estão no pretérito mais que perfeito? Por que eles foram usados dessa forma?
O objetivo dessas atividades foi muito além do treinamento de
nomenclaturas. Elas serviram para os alunos aprendessem a importância dos
recursos linguísticos na construção de cada etapa do conto de mistério. Além disso,
esses conhecimentos seriam utilizados no momento da produção textual.
1) Música de Haroldo Teixeira feita a partir do conto VENHA VER O PÔR- DO-
SOL. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=2J4GyiDImt4 (acesso em
25/07/2011).
2) Vídeo produzido a partir do conto VENHA VER O PÔR- DO- SOL. Disponível
em:
http://www.youtube.com/watch?v=igISfKYbVHE&feature=related (acesso em
25/07/2011.
Usou adjetivos nas descrições, verbos e advérbios adequados, conseguindo causar emoção,
suspense?
É importante deixar claro que a leitura feita pelos alunos nos textos dos cole-
gas não objetivou apenas a observação da ortografia ou concordância, mas também
os aspectos interacionais foram de extrema importância, haja vista que este trabalho
ancora-se na concepção dialógica para o processo de ensino e aprendizagem da lín-
gua materna.
Depois de ler os textos dos colegas, cada aluno recebeu novamente seu tex-
to e com o auxílio de um dicionário e da professora, fizeram a reestruturação do con-
to. Além disso, a professora selecionou um conto produzido por um aluno e conduziu
a reestruturação coletiva.
Quanto à avaliação, esta aconteceu em cada etapa do processo de criação
dos contos. A professora acompanhou os alunos nas atividades, reforçando sempre
a importância de se respeitar as características do gênero. Ademais, observou-se o
desenvolvimento da capacidade de leitura, de perceber inadequações no seu texto e
também nos de seus colegas em relação à coerência e clareza. O desempenho e os
progressos dos alunos nas atividades propostas foram compartilhados com eles.
Para estar em consonância com a concepção dialógica de linguagem, os
textos produzidos em sala de aula não podem apenas ser lidos pela professora, ou
servirem somente para obtenção da nota. As produções precisam ser publicadas,
socializadas, conforme propõe Geraldi (1997)” ter o que dizer; razão para dizer;
como dizer e interlocutores para quem dizer”.
Assim, após o planejamento dos textos, a releitura, a autocorreção, a corre-
ção feita pelos colegas e pela professora, chegou-se à reescrita dos contos. Então,
os contos produzidos pelos estudantes foram postados na pasta de compartilhamen-
to público do laboratório de informática do Colégio. Além disso, os contos foram co-
piados no pendrive e mostrados na TV Multimídia. Dessa forma, buscou-se atender
ao objetivo da proposta dialógica, que é trabalhar a língua na sua funcionalidade, ou
seja, em situações reais de uso.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
LOPES, Carlos Herculano. Coração aos pulos. Rio de Janeiro: Record, 2001.