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A LEITURA E A PRODUÇÃO ESCRITA DO GÊNERO DISCURSIVO CONTO DE

MISTÉRIO: uma proposta alternativa

Autora: Marilisa Aparecida Vidal de Andrade Hamad1


Orientadora: Cristiane Malinoski Pianaro Angelo2

Resumo

Este trabalho, intitulado “A leitura e a produção escrita do gênero discursivo


Conto de Mistério: uma proposta alternativa”, apresenta e discute uma proposta
de intervenção pedagógica realizada em uma turma de Ensino Médio de uma escola
pública paranaense, a qual objetivou contribuir para o desenvolvimento das
competências leitora e escritora dos alunos. A metodologia utilizada ancora-se na
visão dialógica de linguagem (BAKHTIN, 1997) – que fundamenta os Parâmetros
Curriculares Nacionais/ PCN’s (BRASIL, 1998) e as Diretrizes Curriculares de
Língua Portuguesa/ DCE’s do Estado do Paraná (2008) – e nos pressupostos de
Vygotsky (2005), para quem educar significa intervir na capacidade de ser e de agir
das pessoas, possibilitando, assim, o desenvolvimento da aprendizagem de
professores e alunos. Na primeira parte do trabalho, discute-se a língua e a
linguagem sob a ótica dialógica, bem como as implicações dessas noções para as
práticas de leitura e produção escrita; na segunda parte, apresenta-se e discute-se o
trabalho desenvolvido com alunos do 2º ano do Ensino Médio, a partir do gênero
discursivo conto de mistério. Os resultados corroboram a tese de que tanto o
processo da leitura como o da escrita precisam ser ensinados. E que a
compreensão da linguagem - indiscutivelmente, uma forma de interação social-
torna-se mais produtiva quando trabalhada por meio dos gêneros. O trabalho
contribuiu para a maior valorização da leitura e para o desenvolvimento da
competência linguístico-textual e do pensamento crítico dos alunos. Além disso,
permitiu ampliar o debate em torno do ensino de Língua Portuguesa nas escolas.

Palavras – chave: Concepção dialógica de linguagem; gênero discursivo conto de


mistério; leitura; produção escrita.

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Este trabalho, intitulado “A leitura e a produção escrita do gênero discursivo


Conto de Mistério: uma proposta alternativa”, é parte integrante das atividades
desenvolvidas no PDE - Programa de Desenvolvimento Educacional - uma política

1 Professora da rede estadual paranaense, formada em Letras pela Unicentro, com especialização
em Língua Portuguesa e em Psicopedagogia.

2 Docente do Departamento de Letras da UNICENTRO/ Campus de Irati. Mestre em Estudos


Linguísticos.
pública de formação continuada do Estado do Paraná que tem o compromisso de
valorizar os Profissionais da Educação Básica e auxiliá-los no enfrentamento dos
problemas de ensino e aprendizagem, aliando sua experiência pedagógica ao
conhecimento educacional das Instituições de Ensino Superior. Assim, o Programa
pretende estimular os professores a fazer uma reflexão e revisão de suas práticas
pedagógicas, levando-os a criar novas alternativas metodológicas para o seu
trabalho docente.
O PDE acontece durante dois anos, sendo que, no primeiro ano, os
professores são afastados 100% de suas atividades pedagógicas, com dedicação
exclusiva ao Programa. Nesse período, os docentes participam de cursos de
conhecimento geral, conhecimentos específicos da disciplina, os quais são ofertados
pelas Instituições Superiores de Ensino (IES), em conjunto com a SEED, além de
cursos de formação tecnológica. Paralelamente, elaboram um Projeto de
Intervenção Pedagógica e o seu Material Didático, os quais serão utilizados no
retorno à escola, no 2º ano do Programa. Também no 1º ano de afastamento, os
professores PDE atuam como tutores de um Grupo de Trabalho em Rede (GTR),
dos quais participam professores de todo o Paraná, refletindo sobre o tema
apresentado e socializando experiências.
Durante o 2º ano no PDE, os professores retornam às suas atividades
docentes, cumprindo 75% de sua carga horária, e devem desenvolver a sua
intervenção pedagógica, aliando pesquisa e prática para a produção do Artigo Final,
o qual é realizado nos 25% de afastamento da sua carga horária.
Nesse sentido, este trabalho discute a intervenção pedagógica realizada no
início do 2º ano de participação no Programa, em uma turma do 2º ano do Ensino
Médio, durante o 3º bimestre do ano letivo de 2011, no Colégio Estadual João de
Mattos Pessôa, no município de Irati – Paraná.
A metodologia utilizada ancora-se na visão dialógica de linguagem
bakhtiniana (BAKHTIN, 1997) – que fundamenta os Parâmetros Curriculares
Nacionais/PCN’s (BRASIL, 1998) e as Diretrizes Curriculares de Língua Portuguesa
– DCE’s do Estado do Paraná (2008) – e nos pressupostos de Vygotski (2005), para
quem educar significa intervir na capacidade de ser e de agir das pessoas,
possibilitando, assim, o desenvolvimento da aprendizagem de professores e alunos.
Ao interagir com o meio, o indivíduo promove seu aprendizado. E é justamente o
aprendizado que movimenta o processo de desenvolvimento do sujeito.
Partindo do pressuposto que não há prática eficiente sem fundamentação
em princípios teóricos sólidos e objetivos, este trabalho tem a seguinte organização:
na primeira parte, discutem-se as noções de língua e linguagem sob a ótica
dialógica, bem como as implicações dessas noções para as práticas de leitura e
produção escrita; na segunda parte, apresenta-se e discute-se o trabalho
desenvolvido com alunos da 2º ano do Ensino Médio, a partir do gênero discursivo
conto de mistério.
A intervenção teve por objetivo contribuir para a maior valorização da leitura
e para o desenvolvimento da competência linguístico-textual e do pensamento crítico
dos alunos. Além disso, buscou-se ampliar o debate em torno do ensino de Língua
Portuguesa nas escolas que se empenham em cumprir seu papel social de
capacitação dos estudantes para o exercício pleno e consciente de sua cidadania.
Sugerimos que os professores tenham uma atitude reflexiva e crítica, utilizando-se
desta proposta, complementando-a e adaptando-a conforme sua realidade.

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Recentes avaliações realizadas sobre a Educação Básica (ENEM - Exame


Nacional do Ensino Médio; SAEB - Sistema Nacional de Avaliação da Educação
Básica; a PROVA BRASIL; e o PISA – Programa Internacional da Avaliação de
Estudantes) mostram que o ensino da Língua Portuguesa necessita efetivamente de
uma reformulação, visto que não está possibilitando ao aluno usar a língua com
eficiência nas diversas situações comunicativas.
Conforme os últimos resultados da Prova Brasil (2009), grande parte de
nossos alunos não é capaz de compreender e analisar criticamente os textos, bem
como refletir sobre as características dos mesmos. O desempenho ínfimo de nossos
alunos em leitura e produção de textos também pode ser constatado nas provas do
ENEM, as quais exigem a participação ativa do leitor e não apenas a memorização
de normas gramaticais.
Em contrapartida, para enfrentar os desafios da sociedade, os cidadãos
devem ser capazes de ler criticamente, refletir, argumentar e se comunicar
efetivamente, oralmente ou por escrito, em diversas situações comunicativas. Logo,
espera-se uma ação docente que considere as diferentes práticas de leitura, em
diversas situações de comunicação e o uso de diferentes capacidades conforme a
finalidade da leitura.
Como bem explicita Silva:

a prática de leitura é um princípio de cidadania, ou seja, o leitor cidadão,


pelas diferentes práticas de leitura, pode ficar sabendo quais são suas
obrigações e também pode defender os seus direitos, além de ficar aberto
às conquistas de outros direitos necessários para uma sociedade justa,
democrática e feliz (SILVA, 2005, p.24),

Portanto, os resultados de avaliações oficiais e de pesquisas científicas


corroboram a necessidade de se buscar maneiras mais eficientes de conduzir o
ensino de Língua Portuguesa, de forma a contribuir significativamente para que os
estudantes ampliem suas competências e habilidades no uso da língua materna
dentro e fora da escola. Nessa perspectiva, o principal objetivo deixa de ser o de
avaliar se o aluno conhece e domina as regras de gramática normativa, mas sim
verificar a capacidade de ler, compreender, interpretar, relacionar informações e
produzir textos coerentes e criativos.
Marcondes, Menezes & Toshimitsu (2000), abordando o trabalho com textos
de circulação social, afirmam que este deve estar voltado para a plena leitura e com -
preensão dos mesmos, que é necessário refletir sobre as possibilidades de interpre-
tação, o que vai além de simples análises de estruturas sintáticas e termos empre-
gados.
Assim, em consonância com uma visão contemporânea de ensino, ancorada
na concepção dialógica de linguagem, defende-se aqui a necessidade de um ensino
voltado ao uso e à reflexão sobre a linguagem, a fim de tornar a aprendizagem da
língua materna mais produtiva nas suas diferentes manifestações. Conforme os
Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa – PCN ‘s:

nas inúmeras situações sociais do exercício da cidadania que se colocam


fora dos muros da escola - a busca de serviços, as tarefas profissionais, os
encontros institucionalizados, a defesa de seus direitos e opiniões - os
alunos serão avaliados (em outras palavras, aceitos ou discriminados) à
medida que forem capazes de responder às diferentes exigências de fala e
de adequação às características próprias de diferentes gêneros (BRASIL,
1998, p.25).

Partindo dessas considerações, é necessário destacar as contribuições de


Michail Bakhtin sobre a natureza dialógica de linguagem e sobre as noções de
enunciados e gêneros discursivos, que hoje respaldam os diversos estudos e as
orientações oficiais (como os PCN’s e as Diretrizes Curriculares de Língua
Portuguesa – DCE’s do Estado do Paraná) a respeito do ensino e a aprendizagem
da língua materna.

2.1 CONCEPÇÃO DIALÓGICA DE LINGUAGEM

O ensino da língua materna tem por objetivo dar condições para que o aluno
domine plenamente as atividades linguísticas: ler criticamente, escrever para alguém
ler, falar em diferentes situações, com objetivos determinados e dentro da modalida-
de adequada, além de refletir sobre a própria linguagem. Logo, só se justifica o es-
tudo da língua em um contexto de uso, de funcionamento, de interação social, no
qual seus usuários sejam sujeitos.
Para Bakhtin (1997), a linguagem é um ato social que se realiza e se modifi-
ca nas relações sociais e é, ao mesmo tempo, meio para a interação humana e re -
sultado dessa interação, já que seus sentidos não podem ser desvinculados do con-
texto de produção. Assim, para o autor citado acima, o estudo da língua deve come-
çar com o estudo do contexto social em que se efetua.
O autor destaca também que, nas diferentes circunstâncias sociais, a
utilização da língua efetua-se em forma de enunciados (orais /escritos) concretos e
únicos. Em cada enunciado é possível, segundo o autor, perceber a intenção
discursiva do falante que determina todo o enunciado.
Destarte, na visão bakhtiniana, texto é uma unidade de manifestação do
pensamento, da emoção, do sentido, do significado. Quando o texto se insere em
uma relação dialógica, ele torna-se um enunciado de comunicação, um todo de
sentido, mas quando fora desse contexto, é apenas uma entidade linguística, só tem
realidade como texto-estrutura. É por esse motivo que “cada esfera de utilização da
língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, sendo isso que
denominamos gêneros do discurso” (BAKHTIN, 1997, p.280).
Em conformidade com essa concepção, para Silva:

Os gêneros são formas de funcionamento da língua que construímos e


atualizamos na forma de texto, nas situações discursivas de que
participamos. São fenômenos contextualmente situados, (re)conhecidos por
nós empiricamente. Ou seja, sabemos o que é uma carta, um bilhete, uma
piada etc. – na medida em que convivemos com essas formas de
interlocução em nossa sociedade (1997, p. 105).

Os gêneros discursivos são as diferentes formas de linguagem utilizadas


socialmente, materializadas em textos que encontramos em nosso cotidiano, os
quais apresentam características próprias de acordo com seu conteúdo temático,
sua funcionalidade, seu estilo e sua composição.
Para tanto, o aluno precisa conhecer e ter um bom domínio dos gêneros
discursivos para, conforme Hila (2009), desenvolver as capacidades de leitura e de
escrita necessárias para a participação efetiva num mundo multissemiótico, no qual
há necessidade de leitores não apenas do texto verbal, mas de textos que trazem
múltiplos sistemas de linguagem (verbal, visual, audiovisual, gestual). A autora
defende também que é tarefa do professor dar oportunidade aos alunos de se
apropriarem das características discursivas e linguísticas dos mais variados gêneros
discursivos, inseridos em práticas reais e contextualizadas, de modo a fazê-los
letrados.

2.2 GÊNEROS DISCURSIVOS E ENSINO

Em um plano geral, o processo de ensino e aprendizagem da língua


portuguesa deve ter por objetivo a ampliação de todas as competências que a
atividade verbal prevê. Isso significa promover nas pessoas o desenvolvimento de
capacidades para:

ler e entender um texto, de qualquer dimensão, de qualquer tipo ou gênero;


para interagir em público, em contextos mais ou menos formais, como
falante ou como ouvinte; se expressar por escrito, conforme a solicitação do
momento, de forma clara, precisa, coesa, coerente e relevante; usufruir do
gosto estético das produções literárias; relacionar as informações dos textos
verbais com outras expressas em outras linguagens (ANTUNES, 2007,
p.147).

Com base nas considerações anteriores, mostra-se necessária uma


mudança de concepção no ensino e aprendizagem de leitura e produção escrita e
uma alternativa interessante é o conceito bakhtiniano de gênero discursivo. Em vez
de práticas de memorização, treinamento motor e uso do texto como pretexto para
ensinar a gramática, o trabalho com gêneros discursivos procura fazer com que os
alunos compreendam a situação de produção da linguagem na sociedade e as
particularidades que adquirem por estarem ligados a diferentes situações de
comunicação e áreas de produção de conhecimento, entre elas: a área literária,
jornalística, jurídica, publicitária, científica. Além dessas, há esferas em novas
atividades humanas e novos gêneros são criados. Por exemplo, a Internet trouxe
gêneros como o blog, o e-mail e as linguagens abreviadas nas salas de bate-papo.
Bakhtin, na obra “Estética da Criação Verbal” (1997), aponta três elementos
essenciais que estão interligados: o conteúdo temático, a estrutura composicional e
o estilo.
O conteúdo temático (que são os conteúdos que se tornam dizíveis através
do gênero) de um texto está estreitamente ligado ao contexto de produção. Deve-se
analisar o objetivo com o qual o locutor produziu o texto e para qual interlocutor (es)
se destina; quando foi produzido, em que contexto sócio-histórico, o qual interfere no
tema. Também exerce influência o veículo utilizado para sua divulgação e o suporte
no qual o texto será veiculado
A estrutura composicional do gênero diz respeito às suas características
próprias e as tipologias textuais nele predominantes. Assim, a forma composicional
permite, além do reconhecimento do gênero, a assimilação das condições e da
finalidade de cada esfera da atividade humana.
Para Bakhtin (1997), o terceiro elemento é o estilo, no qual são observados:
vocabulário, estruturas frasais, preferências gramaticais, paragrafação, pontuação,
modalizadores, entre outros elementos. O estilo está diretamente ligado ao contexto
de produção do gênero, ao seu conteúdo temático e à sua estrutura composicional.
Nessa perspectiva, Lopes- Rossi destaca que o trabalho com gêneros
discursivos

Devem levar os alunos a perceber que a composição do gênero – em todos


os seus aspectos verbais e não- verbais, nas informações que apresenta ou
omite, no destaque que dá a algumas, mais do que a outras – é planejada
de acordo com sua função social e seus propósitos comunicativos. Isso
contribui para a formação de um cidadão crítico e participativo na
sociedade. (2005, p. 81)

A autora expõe, assim, que o ensino orientado para os gêneros discursivos


contribui para o desenvolvimento da competência linguística, textual e discursiva do
aluno, pois os gêneros permitem a concretização de um ideal de formação com
vistas ao exercício pleno da cidadania, uma vez que se utilizam de textos de efetiva
circulação social e de diferentes esferas e práticas sociais.
Reforça-se, dessa maneira, a importância do uso de diferentes gêneros
discursivos em sala de aula, buscando capacitar o aluno para que possa responder
às diferentes situações comunicativas com as quais irá se confrontar.
Em consonância com essas explanações, a perspectiva dos gêneros do
discurso exigirá sempre uma análise em detalhe dos aspectos sócio-históricos da
situação enunciativa, sua finalidade, seu(s) interlocutor(es) e tema(s) discursivo(s),
as marcas linguísticas (formas do texto/enunciado e da língua- composição e estilo)
que refletem, no enunciado/texto, esses aspectos da situação.
Diante do exposto, a opção pelo gênero discursivo conto de mistério justifica-
se pela observação do grande interesse que esse gênero desperta nos alunos,
aguçando sua curiosidade e criatividade. Ao tomar esse gênero como objeto de
ensino, busca-se associar, sem artificialismo, as práticas de leitura, análise
linguística e produção de texto, no intuito de possibilitar o aluno sua interação social
no contexto intra e extraescolar.

3. DA TEORIA À PRÁTICA: OS CONTOS DE MISTÉRIO em sala de aula

De acordo com a visão bakhtiniana, considerado em sua dimensão


linguístico-textual e social, o conto constitui-se em uma atividade de leitura e de
escrita concreta e histórica; com características relativamente estáveis, vinculada a
uma situação típica da comunicação social. Portanto, ao apresentarmos esta
proposta de trabalho didático a partir do conto, esperamos contribuir com uma
sugestão alternativa que possa levar o aluno a tornar-se um sujeito ativo no
processo de ensino e aprendizagem da língua materna.

Na proposta de Scheneuwly e Dolz (2004), o gênero conto pertence ao


agrupamento do narrar que se relaciona com a cultura literária ficcional. O conto,
como as demais narrativas ficcionais, apresenta uma sequência narrativa de ações
imaginárias como se fossem reais, envolvendo personagens em um determinado
tempo e espaço. São narrativas breves, concisas, buscando apresentar apenas os
melhores momentos.
Para Lopes (2001), o conto é uma narrativa de ficção que contém apenas
um núcleo dramático; a ação se desenvolve a partir de um só conflito; o tempo é res-
trito e há poucos personagens. Por ser sintetizado, esse gênero vem conquistando
cada vez mais o gosto dos leitores, uma vez que ele concentra, num texto não muito
longo, a tensão, a ação, os personagens, o espaço. Acredita-se que a origem do
conto está em narrativas orais, pelos relatos de caçadores, viajantes e aventureiros.
Mesmo antes da escrita, tais fatos eram enriquecidos pelo narrador, que dava uma
contribuição ficcional à história.
Para Gotlib (1998), conto é a designação que damos à forma narrativa de me-
nor extensão e que se diferencia do romance e da novela não só pelo seu tamanho,
mas também por possuir características estruturais próprias.
No que se refere ao conto de mistério – um dos tipos de contos, Rosa
Amanda Strausz, ao fazer a apresentação do livro Histórias de Mistério, de Lygia
Fagundes Telles (2004, p.7) ressalta que:

Quando falamos em histórias de mistério, é comum que más pessoas


pensem logo em histórias de terror. Mas nem sempre mistério e terror
caminham juntos. Uma coisa é usar a arte - no caso, a literatura - como
meio para mergulhar no desconhecido; outra é usar o desconhecido com a
única finalidade de provocar medo. (...) Embora algumas histórias sejam de
arrepiar, na frente do susto vem sempre um belo exercício de compreensão
da vida da morte, do nascimento, do amor, do tempo e da arte (STRAUSZ,
2004, p.07).

A escolha do conto “Venha ver o pôr-do-sol”, de Lygia Fagundes Telles,


justifica-se pelo fato de ser uma narrativa breve, próxima da narrativa escolar. O
trabalho com esse conto também possibilita o reconhecimento da contribuição dessa
autora à literatura brasileira.

Vemos em TELLES (2008), que “O ser humano é incontrolável, indefinível e


inacessível. Por mais que você procure se aproximar do ser humano, ele nos
escapa”. Talvez seja esse um dos motivos pelos quais, em sua longa trajetória
literária, a autora insista na perseguição do mistério que é o ser humano.

Nas obras de Lygia Fagundes Telles, o que importa mesmo é o ser humano,
principal protagonista da literatura e da vida. Suas narrativas centram-se mais na
repercussão interior que os fatos produzem nos personagens. Tanto nos seus
contos como nos romances, a palavra está a serviço das emoções e da reflexão
sobre o estar no mundo. A autora tem a ousadia de escancarar fragilidades
humanas, o vazio das normas sociais e a ausência de solidariedade. Seus
personagens, em sua maioria, sofrem. Mas ao lado de toda crueldade, existem
gestos de amor, palavras de compaixão... coisas desse tal ser humano, o
inexplicável. E, ao chegarmos aos últimos parágrafos de cada narrativa, temos a
sensação de ter lido algo inesperado, bem diferente do que imaginávamos quando
iniciamos a leitura.

3.1 RELATO E DISCUSSÃO DAS ATIVIDADES DESENVOLVIDAS

Ao adotar uma concepção dialógica, que vê a língua como uma forma de di-
álogo, este trabalho preocupa-se com fatores que interferem na construção do signi-
ficado e que não são exclusivamente linguísticos, tais como a situação, o conheci-
mento compartilhado e as inferências.
Conforme mencionado anteriormente, este trabalho desenvolveu-se em uma
turma do 2º ano do Ensino Médio, durante o 3º bimestre do ano letivo de 2011, no
Colégio Estadual João de Mattos Pessôa, no município de Irati – Paraná.
A seguir, serão apresentadas as atividades de leitura desenvolvidas com os
alunos a partir do conto “Venha ver o pôr – do – sol”, que pertence ao gênero conto
de mistério. Em sala de aula, a proposta foi desenvolvida em fases:

FASE 1: pré- leitura


Antes de iniciar a leitura do texto, propôs-se uma atividade de pré-leitura
para motivar os alunos para a leitura e acionar-lhes o conhecimento prévio.
Nas atividades de pré-leitura, o conhecimento prévio é trazido à tona para
um choque com as novas informações, a fim de aprimorar e organizar o
conhecimento para que a leitura a ser realizada não se torne uma atividade estática,
de mera decodificação, mas sim um trabalho interativo com o texto.
Assim, em sala de aula, os alunos foram instigados a levantar a hipóteses
sobre o tema da história, sendo que algumas foram comprovadas e outras
descartadas durante a leitura. Essa atividade, segundo Solé (2008), contribui para
despertar no aluno a curiosidade em ler o texto, interagir com as ideias do autor,
promovendo o desenvolvimento do leitor.
Inicialmente, mostrou-se a seguinte imagem:

Figura 1
Fonte: CROVADOR, Thais Maria, 2011

Perguntou-se aos alunos: O que vocês estão vendo? O que esta imagem
desperta em vocês? Se vocês fossem escrever um conto a partir dessa imagem,
que tipo de história seria?
Com esses questionamentos anteriores ao texto, iniciou-se o processo de
leitura com as estratégias de seleção, antecipação e inferência (BRASIL, 1998). A
seleção aconteceu quando os alunos selecionaram entre os conhecimentos que
possuem sobre o pôr- do sol, o que esta imagem lhes sugeria. Aqui também se
iniciou o processo de acionamento dos conhecimentos prévios, que tornaram
possíveis as demais estratégias. A estratégia de antecipação permitiu aos alunos
levantar a hipótese de que a história tratava de romance, de amor. Ao ler o título
“Venha ver o pôr- do -sol”, os alunos tiveram a ideia de que sua hipótese inicial
estava correta (o que pôde ser comprovada ou não no decorrer da leitura).
As hipóteses levantadas pelos alunos, em sua maioria indicaram o convite
para um encontro amoroso, sem imaginar que o título, em forma de convite, poderia
ser entendido como um convite para a morte. Para a maioria dos alunos, o texto teve
um desfecho inesperado, causando espanto e até mesmo revolta.
Dessa maneira, trabalhou-se, também, uma característica das obras da
autora que, ao final da leitura, faz o leitor ter a sensação de ter lido algo inesperado,
bem diferente do que imaginava quando iniciou a leitura.

FASE 2- Encontro com o texto: leitura compartilhada

Na fase da leitura, foi apresentado o conto “Venha ver o pôr – do – sol” de


Lygia Fagundes, cuja história é a de um casal de ex-namorados, Ricardo e Raquel.
Ricardo que, sentindo uma paixão não correspondida por Raquel, sua ex-namorada,
marca um encontro com ela em um cemitério abandonado. Fingindo-se inocente,
sofredor, envolve-a em conversas suaves e a convence a entrar em uma tumba,
prendendo-a lá. O enredo que, no princípio, parece apenas uma tentativa de
reconciliação amorosa por parte de Ricardo, mostra-se um terrível plano de
vingança, cruelmente organizado e que, provavelmente, levará a moça a encontrar-
se com a morte.
O primeiro contato com o conto “Venha ver o pôr-do-sol” (TELLES, 2008, p.
34-44) por parte dos alunos aconteceu por meio de slides apresentados na TV
Multimídia3. O conto foi sendo apresentado pela professora, em partes, com pausas
para que os alunos comentassem e levantassem hipóteses sobre a continuidade da
história. Ao ler o título e os primeiros parágrafos, os alunos inferiram que Ricardo
estava convidando Raquel para um encontro romântico: “Conheço bem tudo isso,
minha gente está enterrada aí. Vamos entrar um instante e eu te mostrarei o pôr–do-
sol mais lindo do mundo” (TELLES, p. 34).

3 TV Multimídia é um recurso tecnológico presente em todas as salas de aula das escolas estaduais
paranaenses. Permite trabalhar os conteúdos exibidos através do pendrive, do CD e do DVD.
(http://www.gestaoescolar.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/pdf/manual_tvpendrive.pdf).
Quase ao final da narrativa dá-se o conflito. É quando Raquel descobre a
verdadeira intenção de Ricardo. Infelizmente, é tarde demais. Ela estava presa na
catacumba e ele, do lado de fora da grade, com a chave nas mãos e falando, com
toda ironia: “Uma réstia de sol vai entrar pela frincha da porta, tem uma frincha na
porta. Depois vai se afastando devagarinho, bem devagarinho. Você terá o pôr-do–
sol mais belo do mundo.” (TELLES, p. 42).
A leitura do conto feita em conjunto professora – alunos, através da
apresentação de pequenos trechos através de slides na TV Multimídia, trouxe
enriquecimento para os alunos - leitores, ao apresentar-lhes um vocabulário que não
fazia parte de seu cotidiano. Além, disso, ao preencherem as lacunas durante a
leitura por meio de inferências, de conhecimentos prévios e da intertextualidade.
Dessa forma, aconteceu uma intensa interação entre texto – alunos – professora.
Durante a leitura, a professora foi chamando a atenção dos alunos para a
importância dos elementos descritivos na construção dos ambientes e personagens,
a construção do conflito, a criação de expectativas no leitor. Dessa forma, os alunos
estavam sendo preparados para, mais tarde, serem capazes de também produzir
um conto de mistério
Após a leitura completa do texto, os alunos perceberam que o título Venha
ver o pôr-do-sol não revela as verdadeiras intenções de Ricardo, o qual, ao invés de
estar fazendo um convite a um encontro prazeroso, na realidade, planeja levar
Raquel a encontrar-se com a morte, prendendo-a em um jazigo de um cemitério
abandonado.
Assim, observou-se o tremendo contraste entre as expectativas que a
personagem Raquel construiu sobre o encontro com o ex- namorado e o que, de
fato, Ricardo pretendia. Também é importante destacar o contraste entre as
expectativas do leitor no final do conto e após o término do mesmo.
O conto apresenta um final em aberto, que permite ao leitor inferir várias
possibilidades de desfecho, que não se apresentam explicitamente definidas no
texto.
Neste momento, é interessante relatar o comentário de uma aluna, bastante
participativa e crítica: “Eu detesto este tipo de história que não tem um final
determinado, que me faz ficar pensando, imaginando o que realmente aconteceu,
não sai da minha cabeça”.
E não seria esse o objetivo da verdadeira literatura? Pois,
ler não é decifrar, como um jogo de adivinhações, o sentido de um texto. É a
partir do texto, ser capaz de atribuir-lhe significação, conseguir relacioná-lo
a todos os outros textos significativos para cada um, reconhecer nele o tipo
de leitura que seu autor pretendia e, dono da própria vontade, entregar-se a
esta leitura, ou rebelar-se contra ela, propondo outra não prevista (LAJOLO,
1986, p. 59).

Desafiados a inventar um final para o conto, os alunos levantaram as


seguintes hipóteses: 1ª- Raquel morre abandonada na catacumba, como se fosse
enterrada viva; 2ª- as crianças, que brincavam próximo à entrada do cemitério, viram
o rapaz e a moça chegando e, depois, como estranharam ao ver apenas o moço
saindo, comunicaram aos pais que encontraram e salvaram a moça; 3ª- Raquel é
encontrada ainda viva por um desconhecido, após algum tempo; 4ª- Ricardo volta,
liberta Raquel, dizendo que tudo não passou de uma brincadeira e eles se
reconciliam; 5ª- O marido de Raquel denuncia seu desaparecimento à polícia que
procede a investigação...
Essa forma de interação prende a atenção do aluno – leitor, pois a história
vai sendo apresentada aos poucos, retomando informações e acrescentando novas,
obrigando-o a participar ativamente de toda a atividade de leitura e construção de
sentidos.
Também se trabalhou com os alunos a caracterização das personagens do
conto, que acontece indiretamente, o que demanda a interpretação do leitor, pois é a
partir da ação e das falas de Ricardo e Raquel que podemos deduzir as suas
características. Raquel, aparentemente interesseira, convencida, sentindo-se
superior a Ricardo, acaba agindo com ingenuidade e romantismo, acreditando nas
conversas de Ricardo e não percebendo suas verdadeiras intenções a tempo de
escapar da armadilha que este lhe preparou. Já Ricardo, aparentemente humilde,
gentil, sofredor, inofensivo, revela-se, afinal, vingativo, mau e inescrupuloso. Como
exemplificação, citamos os trechos:

- Uma réstia de sol vai entrar pela frincha da porta, tem uma frincha na
porta. Depois vai se afastando devagarinho, bem devagarinho. Você terá o
pôr-do-sol mais belo do mundo. (...) - ele já não sorria. Estava sério, os
olhos diminuídos. Em redor deles, reapareceram as rugazinhas abertas em
leque. - Boa noite, Raquel. (TELLES, 2008, p.43).

Durante algum tempo, ele ainda ouviu os gritos que se multiplicaram,


semelhantes aos de um animal sendo estraçalhado. Depois, os uivos foram
ficando mais remotos, abafados como se viessem das profundezas da terra.
Assim que atingiu o portão do cemitério, ele lançou ao poente um olhar
mortiço. Ficou atento. Nenhum ouvido humano escutaria agora qualquer
chamado. Acendeu um cigarro e foi descendo a ladeira. Crianças ao longe
brincavam de roda. (TELLES, 2008, p.44).

Outro aspecto da construção do texto para o qual chamou- se a atenção dos


alunos é o trabalho descritivo envolvendo o espaço e as personagens, marcado
pelas figuras de estilo em que se destacam: a comparação “pendendo como
farrapos de um manto que alguém colocara sobre os ombros do Cristo”; a metáfora
“por uma toalha que adquirira a cor do tempo”; a metonímia “a beleza não está nem
na luz da manhã...”; a personificação “uma trepadeira selvagem que a envolvia num
furioso abraço de cipós e folhas”; a animalização “ele ainda ouviu os gritos que se
multiplicaram, semelhantes aos de um animal sendo estraçalhado”; a sinestesia. “No
breve silêncio, o som dos pedregulhos se entrechocando úmidos sob seus sapatos”.
A análise desses aspectos reforça a característica marcante das obras
lygianas: as reações inesperadas do ser humano, o amor e a morte.
Na sequência, de forma colaborativa e oral, três alunos fizeram a leitura
dramatizada, representando os personagens – Ricardo e Raquel e também o
narrador. Percebeu-se que esta forma de leitura facilitou a compreensão dos demais
alunos. Parecia que estavam vivenciando a história.
Após a etapa de leitura compartilhada, partiu-se para a fase da pós-leitura,
em que promoveu- se o aprofundamento da leitura.

FASE 3: ampliando conhecimentos sobre o gênero

Nesta fase do trabalho, foram propostas algumas questões para estudo do


contexto, interpretação e estilo para que os alunos ampliassem a compreensão e
adquirissem um melhor conhecimento sobre o gênero conto de mistério.

Contexto de produção: envolveram-se alguns dos aspectos do contexto de


produção sobre o gênero no geral (e não sobre o texto em específico lido), como:
a) Quem escreve (em geral) esse gênero discursivo? De que lugar social escreve?
b) Onde circula esse gênero? Em que esfera? Em que suporte?
c) Com que propósito foi escrito?
d) Para quem?
e) Quando? Em que momento histórico?
f) Como?
g) Com base em que informações?
h) Que importância as pessoas dão para esse gênero?

Compreensão do gênero: compreendeu-se o reconhecimento das principais


informações do texto, de seu tema, de sua organização composicional, de seus
elementos linguísticos (estilo) importantes para a caracterização do gênero.

Interpretação: promoveu-se o julgamento, a reflexão e a avaliação do leitor sobre o


que foi lido.

Conforme Menegassi (2010), “compreender um texto é captar sua temática;


é resumi-lo”. Para que isso aconteça, o leitor deve conseguir reconhecer as
informações e os tópicos principais do texto, como também, dominar as regras
sintáticas e semânticas da língua usada. Além disso, é fundamental que o leitor
conheça as regras textuais do gênero que está lendo, para depreender a
significação pretendida pelo autor, o que possibilita a produção de sentidos, em
função da situação de leitura determinada pelo momento em que o leitor se encontra
frente ao texto. Dessa forma, compreender um texto é “mergulhar” nele e retirar a
sua temática e as suas ideias principais....
Conforme Antunes (2003), interpretar é ter capacidade de recuperar o
conteúdo do texto e assim compreender as intenções pretendidas pelo autor .
Para Solé (1998), o leitor precisa assumir progressivamente o controle do
seu próprio processo e utilizar conhecimentos para construir uma interpretação
plausível do que está lendo, estratégias de compreensão: previsões, inferências...

Com base nessas considerações, as atividades a seguir referem-se ao conto


“Venha ver o pôr – do- sol”. São questões de compreensão e interpretação:
a) O que o título lhe sugere?

b) Qual a relação que há entre os personagens? Justifique com uma frase do conto.

c) Faça um levantamento de palavras do conto que caracterizam Raquel e Ricardo.

d) Onde se passou a história e quanto tempo durou?Justifique com elementos do texto.

e) Copie do texto dez palavras que remetem à ideia de morte.

f) No início do texto, qual parecia ser a intenção de Ricardo? Após ler o final do conto, essa
hipótese se confirmou? Justifique.

g) Por que Raquel não percebeu logo a verdadeira intenção de Ricardo?

h) Durante a conversa, Ricardo fez alguns comentários que poderiam ser facilmente
desmentidos, caso Raquel estivesse atenta. Cite alguns e explique porque não faziam sentido.

i) Ricardo agiu premeditadamente? Há alguma passagem do conto que comprove isso? Copie-
a.

j) Para você, o que levou Ricardo a tomar essa atitude?

k) Você concorda com a atitude de Ricardo? No lugar dele, como agiria?

l) Como você interpreta a última frase do conto?

Questões referentes ao estilo (ou seja, a seleção dos recursos linguísticos feita
pela autora):

No trabalho com análise linguística, os conteúdos gramaticais são estudados


a partir de seus aspectos funcionais na constituição da unidade de sentido dos
enunciados. Por meio das práticas de oralidade, leitura e escrita,

o texto não serve apenas para o aluno identificar, por exemplo, os adjetivos
e classificá-los; considera-se que o texto tem o que dizer, há ideologias vo-
zes, e para atingir a sua intenção, utiliza-se de vários recursos que a língua
possibilita...compreender os recursos que o texto usa e o sentido que ele
expressa é refletir sobre a língua, numa dimensão dialógica da linguagem
(PARANÁ, ,2008, P. 79 ).

Assim, trabalhou – se com os alunos as seguintes questões:

a) No título ”Venha ver o pôr- do- sol”, em que modo está o verbo “venha”? O que esse modo sugere
no texto?

b) A autora, para indicar a fala dos personagens, usou qual recurso gráfico?

Comprove com uma frase do texto.

- Que outro recurso a autora poderia ter usado?

- Reescreva a frase da sua resposta anterior utilizando este recurso.

- A mudança do recurso causaria alguma diferenciação no texto? Justifique.

c) Na frase: Vamos até o Oriente, meu caro. Que sentido essa palavra expressa no texto?

d) Observe:

...Deteve-se para ler a inscrição em uma laje despedaçada: - À minha querida esposa, eternas
saudades. – Pois sim. Durou pouco esta eternidade.

e) Explique o efeito de sentido da frase destacada.

f) Que palavras no texto sugerem um tom de suspense e mistério?

g) Em várias ocasiões, a autora utiliza reticências. Esse recurso tornou-se relevante no conto? Por
quê?

h) - Os períodos que compõem o conto são em sua maioria curtos ou extensos? Isso é importante na
caracterização do gênero? Por quê?
i) No conto VENHA VER O PÔR- DO- SOL, a maioria dos verbos está no pretérito. Por quê?

Leia o trecho seguinte e responda as questões abaixo:

O mato rasteiro dominava tudo... subira pela sepultura, infiltrara-se ávido pelos rachões dos
mármores, invadira as alamedas de pedregulhos... Ela se deixava conduzir como uma
criança. Às vezes mostrava curiosidade... –Nunca vi um cemitério tão miserável, - exclamou
ela... Ele beijou-lhe a mão... Uma aranha tecera dois triângulos de teia... Pendendo como
farrapos de um manto que alguém colocara sobre os ombros de Cristo... Ela sacudia a
portinhola. Ele chegara até a porta. Os olhos rodavam pesadamente...

Discuta com seu professor:

- Quais verbos estão no pretérito imperfeito? Por que eles foram usados dessa forma no
conto?
- Quais verbos estão no pretérito perfeito? Por que eles foram usados dessa forma?
− Quais verbos estão no pretérito mais que perfeito? Por que eles foram usados dessa forma?
O objetivo dessas atividades foi muito além do treinamento de
nomenclaturas. Elas serviram para os alunos aprendessem a importância dos
recursos linguísticos na construção de cada etapa do conto de mistério. Além disso,
esses conhecimentos seriam utilizados no momento da produção textual.

Nesta etapa, destaca-se o envolvimento dos alunos esforçando-se para


compreender os efeitos de sentidos das palavras utilizadas pela autora. Dessa
forma, puderam entender que, ao se produzir um texto, as palavras não são usadas
aleatoriamente por quem o produz, mas escolhidas cuidadosamente para que
surtam o efeito esperado. Portanto, perceberam que é muito importante a
adequação dos recursos linguísticos conforme o gênero em textual a ser produzido.

Produção e reescrita de texto

É importante destacar o uso da tecnologia como apoio ao ensino e


aprendizagem, capaz de trazer efetivas contribuições à educação, tanto presencial
como a distância. Entretanto, a integração das tecnologias ao processo de ensino e
aprendizagem exige objetivos pedagógicos bem definidos, favorecendo a
democracia e a integração social através de ações educacionais inovadoras

Assim, antes de partir para a produção dos contos de mistério e para


enriquecimento das atividades, trabalhou-se com os alunos:

1) Música de Haroldo Teixeira feita a partir do conto VENHA VER O PÔR- DO-
SOL. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=2J4GyiDImt4 (acesso em
25/07/2011).

2) Vídeo produzido a partir do conto VENHA VER O PÔR- DO- SOL. Disponível
em:

http://www.youtube.com/watch?v=igISfKYbVHE&feature=related (acesso em
25/07/2011.

Conforme Ruiz (2001), ao adotar uma concepção dialógica, que vê a língua


como uma forma de interação, o professor preocupar-se-á com fatores que interfe-
rem na construção do significado e que não são exclusivamente linguísticos, tais
como a situação, o conhecimento compartilhado e as inferências.
Assim, as interações ocorridas durante as atividades de leitura e análise lin-
guística subsidiaram a proposta de produção textual.
Observou-se que os alunos ficaram encantados após assistir às produções
realizadas a partir do conto “Venha ver o pôr- do- sol”.

Dessa forma, foram estimulados a produzir um conto de mistério com a


finalidade de envolver o leitor numa trama de suspense. Os destinatários propostos
foram os colegas da turma. Poderia ser a continuação da história ( proposta que
mais agradou aos alunos) , a releitura do conto , com criação de novos personagens
e mudanças no enredo ou a criação de um conto de mistério totalmente novo. Além
disso, deveriam fazer a apresentação à turma através de vídeo, slides, teatro ou
leitura dramática. Pois,

Ao se optar por uma dimensão mais ampla e funcional da linguagem, a


escola irá se concentrar em atividades... de elaboração de textos orais e
escritos, de diferentes gêneros, de diferentes registros e finalidades, com
ênfase nos procedimentos de planejamento e revisão. (ANTUNES, 2007,
p.146).

Como resultado, os alunos produziram ótimos contos de mistério, tendo


como base as características do conto estudado. Pôde-se perceber claramente que
os alunos se sentiram seguros para escrever, pois tinham um apoio, um caminho a
seguir.

Dessa forma, comprovou- se a necessidade de se estudar com os alunos as


particularidades do gênero em questão antes de lhes propor que produzam um
texto. Alguns alunos que tinham bastantes dificuldades para desenvolver suas ideias
e, dessa vez, mostraram um trabalho bem mais elaborado, orientando-se nos
conhecimentos que tiveram anteriormente sobre o gênero conto.

Ao término das atividades de produção textual, em duplas, os alunos


trocaram entre si os textos e procederam à análise dos mesmos, circulando (a lápis)
os problemas observados no texto do colega, fazendo sugestões. Entre os itens a
serem observados, estavam:

 O texto apresenta a estrutura de um conto? É adequado ao público alvo definido? Atende à


finalidade proposta?
 Narrou o fato, quando aconteceu, com quem aconteceu e o que aconteceu?

 Usou adjetivos nas descrições, verbos e advérbios adequados, conseguindo causar emoção,
suspense?

 Apresenta problemas de repetição desnecessária, ortografia, uso da norma culta e/ou


pontuação?

 É adequado ao público alvo definido?

 Atende à finalidade proposta?

É importante deixar claro que a leitura feita pelos alunos nos textos dos cole-
gas não objetivou apenas a observação da ortografia ou concordância, mas também
os aspectos interacionais foram de extrema importância, haja vista que este trabalho
ancora-se na concepção dialógica para o processo de ensino e aprendizagem da lín-
gua materna.
Depois de ler os textos dos colegas, cada aluno recebeu novamente seu tex-
to e com o auxílio de um dicionário e da professora, fizeram a reestruturação do con-
to. Além disso, a professora selecionou um conto produzido por um aluno e conduziu
a reestruturação coletiva.
Quanto à avaliação, esta aconteceu em cada etapa do processo de criação
dos contos. A professora acompanhou os alunos nas atividades, reforçando sempre
a importância de se respeitar as características do gênero. Ademais, observou-se o
desenvolvimento da capacidade de leitura, de perceber inadequações no seu texto e
também nos de seus colegas em relação à coerência e clareza. O desempenho e os
progressos dos alunos nas atividades propostas foram compartilhados com eles.
Para estar em consonância com a concepção dialógica de linguagem, os
textos produzidos em sala de aula não podem apenas ser lidos pela professora, ou
servirem somente para obtenção da nota. As produções precisam ser publicadas,
socializadas, conforme propõe Geraldi (1997)” ter o que dizer; razão para dizer;
como dizer e interlocutores para quem dizer”.
Assim, após o planejamento dos textos, a releitura, a autocorreção, a corre-
ção feita pelos colegas e pela professora, chegou-se à reescrita dos contos. Então,
os contos produzidos pelos estudantes foram postados na pasta de compartilhamen-
to público do laboratório de informática do Colégio. Além disso, os contos foram co-
piados no pendrive e mostrados na TV Multimídia. Dessa forma, buscou-se atender
ao objetivo da proposta dialógica, que é trabalhar a língua na sua funcionalidade, ou
seja, em situações reais de uso.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho aqui apresentado é uma tentativa de aplicar o pensamento


bakhtiniano às práticas de leitura e compreensão de textos que circulam socialmente
nas diferentes esferas da atividade humana. O estudo do gênero discursivo
embasado na concepção de Bakhtin (1997) possibilita compreender como a
linguagem é um ato essencialmente social.
Portanto, este trabalho intitulado “A leitura e a produção textual do gênero
discursivo conto de mistério: uma proposta alternativa”, ancorando-se na concepção
dialógica da linguagem, buscou oferecer ao professor de Língua Portuguesa,
subsídios teóricos e práticos para uma prática docente em consonância com
concepções atuais de ensino.
A opção pelo trabalho com o gênero discursivo conto de mistério deu-se por
acreditarmos que essa modalidade discursiva desperta grande interesse no
adolescente, pois faz pensar, querer descobrir os mistérios da vida e,
principalmente, de nós, seres humanos.
Assim, além da fundamentação teórica, apresentamos atividades de leitura,
interpretação e compreensão textual, análise linguística, produção, reescrita e
circulação dos textos produzidos. Esperamos, dessa forma, ter contribuído para o
esclarecimento de como planejar uma aula a partir dos gêneros discursivos.
Ressaltamos, entretanto, que o trabalho com gêneros discursivos exige do
professor uma atitude menos tradicional e mais conectada às novas concepções de
ensino e aprendizagem, que conduzem a aulas mais dinâmicas e interativas. Mas
vale lembrar que não bastará trabalhar dessa forma com apenas um gênero, pois os
alunos só se apropriarão dos conhecimentos necessários a uma competência
linguística e discursiva se lhes for propiciado o acesso e domínio de uma diversidade
de gêneros que circulam dentro e fora da escola.
Ademais, este não é um trabalho totalmente acabado. Espera-se a
participação reflexiva, crítica e criadora de cada professor que atua no exercício do
ensino da Língua Portuguesa.
Referências

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Editorial, 2003.
------------------- Muito além da gramática. Por um ensino de línguas sem pedras no
caminho. São Paulo : Parábola Editorial, 2007.
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