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#PARTIULEITURAS

Uma Proposta Interdisciplinar de Leitura no Ensino Fundamental na


Área de Linguagens

Sandra Lee Benvindo Ribeiro - ribeirosandralee@gmail.com


Universidade Federal da Bahia – UFBA

A leitura constitui-se uma atividade social utilizada com variadas funções.


Muitas vezes busca-se a leitura para responder aos diferentes propósitos e
necessidades ligados à importância de estar bem informado em relação aos
acontecimentos da realidade cotidiana isso porque, Paulo Freire (2003) afirma que
ler significa representar a afirmação do sujeito, de sua história como produtor da
linguagem e de sua singularização como intérprete do mundo que o cerca. 
O relato de pesquisa a seguir apresenta uma investigação, ainda em fase
inicial, de uma proposta interventiva em desenvolvimento no Programa de Pós-
Graduação em Currículo, Linguagens e Inovações Pedagógicas (PPG CLIP) no
curso de Mestrado Profissional em Educação (MPED) com uma abordagem
interdisciplinar e inovadora de incentivo aos hábitos de leitura dos educandos em
prol do despertar de consciências críticas com potencial de transformação social.
A idealização do projeto didático #PARTIULEITURAS surgiu das ações
desenvolvidas no Colégio Estadual Sara Violeta de Mello Kertész, que possui
atualmente 1.290 alunos matriculados do Ensino Fundamental ao Ensino Médio,
localizado no bairro Rio Sena, no subúrbio ferroviário de Salvador, região de difícil
acesso e com um alto índice de violência, tráfico de drogas e carente de ações
eficazes que contribuam para a formação dos estudantes e da comunidade como
um todo. Cuja nota do IDEB - Séries Finais - foi de 2.1 em 2011, já em 2013, a
pontuação caiu para 2.0 e em 2015 e 2017 a nota foi considerada insuficiente, não
sendo possível estipular uma média. Por fim, em 2019 verifica-se um tímido avanço
com nota 3.5, porém ainda abaixo da meta de 4.0. Não obstante, as práticas
pedagógicas das disciplinas da área de Linguagens atuam de modo isolado e
tornam inconcluso o sucesso na relação dos estudantes com os livros, sendo,
inclusive, um dos impeditivos de progressão da carreira e da continuidade dos
estudos para níveis além da Educação Básica.
Seja no ensino da Língua Portuguesa como língua materna, abordando a
gramática dissociada do texto, seja no ensino da Língua Inglesa com a insistência
de uma prática ultrapassada de gramática e tradução lexical, sem contemplar as
situações efetivas de comunicação, seja no ensino das Artes e de Educação Física
sem inserir as diferentes linguagens artísticas e corporais, esses fatores contribuem
para a formação de não-leitores de textos e do mundo. Então se faz presente a
seguinte problemática: Como fomentar o letramento e o posicionamento crítico dos
alunos de forma interdisciplinar na Área de Linguagens?
O advento da tecnologia fez surgir outras modalidades de leitura e escrita
diferentes das usadas nas escolas. O e-mail, as redes sociais, o Facebook, o Twitter
são ferramentas que suscitam nos jovens uma interação dinâmica e multicultural.
Temos aí, o que o educador e pesquisador Marc Prensky (2001) conceitua como
nativos digitais: jovens que nasceram na linguagem digital e costumam recorrer
primeiramente a fontes digitais e a internet antes mesmo de procurarem nos livros.
Sobre essa ótica, a interdisciplinaridade é necessária para que se conclua a
convergência crítica e reflexiva entre a vivência com textos no dia-a-dia e a leitura
pedagógica, rompendo as barreiras do ensino das linguagens. Conforme Barbosa
(2005, p.11) “A interdisciplinaridade é condição epistemológica da pós-modernidade,
e a interculturalidade, a condição política da democracia”. Sendo assim, a
abordagem interdisciplinar, é uma aliada da leitura pela perspectiva da interação e
das relações entre outros saberes.
O objetivo dessa pesquisa é compreender como ocorrem as práticas
pedagógicas voltadas para a leitura na área de Linguagens e implementar uma
proposição político-pedagógica pautada na interdisciplinaridade como práxis efetiva
na formação de leitores competentes.
O ponto chave desse projeto de pesquisa será a alteração de práticas
pedagógicas isoladas na área de Linguagens para a proposição de práticas
articuladas de modo interdisciplinar e voltadas para formação de leitores e,
consequentemente, produtores de textos variados que dialoguem e que valorizem a
diversidade de saberes e culturas, não apenas como pano de fundo para ilustrações
de sentenças gramaticais, mas sim como instrumento de conscientização e debate
para a vida em sociedade.  Tal premissa se ampara em Freire (2003, p.9) quando
coloca que: “A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior
leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele. Linguagem e
realidade se prendem dinamicamente. A compreensão do texto a ser alcançada por
sua leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto e o contexto.”  A
concepção do projeto #PARTIULEITURAS contempla a leitura como uma atribuição
de sentidos não linear no desenvolvimento de um discurso crítico, reflexivo e
colaborativo, compreendendo como esses sujeitos se constituem, como eles lidam e
constroem os sentidos e significados a partir do ato de ler e da interação social.
O paradigma que subsidia o trabalho é o Interacionismo Simbólico pela
compreensão da leitura como prática cultural de importância e funcionalidade para
além dos espaços escolares. Pois “focaliza as propriedades emergentes da
interação, e como influencia as percepções e identidades individuais” (MONSMA,
2007, p.26) Amparada na concepção que entende o aprendiz como um ser ativo e
social que se desenvolve por meio das relações com outros sujeitos e com a
interação do meio que o cerca. A pesquisa é de cunho qualitativo dentro do sistema
de pesquisa bibliográfica e documental promovendo a autorreflexão das práticas
leitoras promovidas pelos professores envolvidos, a partir da pedagogia de projetos
interdisciplinares. O caráter qualitativo dessa abordagem denota um compromisso
ético de perceber o mundo sob óticas plurais e transitórias, num movimento
epistemológico necessário que a educação deve ser vista, pois se trata de proposta
propositiva com indicação de um projeto didático pautado na intervenção como
proposta e não como produto, desconfigurando-se do papel interventivo no sentido
verticalizado e unilateral. O termo que trago aqui, “proposta propositiva” revela o
caráter democrático que uma intervenção precisa ter, pois quando se propõe algo é
preciso prover um campo aberto ao aprimoramento, a mudança, a recusa de parte
ou até mesmo de um todo da proposta. (preciso de teorização disso).
O percurso metodológico se dará inicialmente, com o levantamento teórico-
bibliográfico sobre: definições de leitura e a sua função social na perspectiva da
pratica de formação de leitores crítico e reflexivos; conceito de interdisciplinaridade
na prática educativa e, concepções para o delineamento de um projeto didático que
desperte o potencial inovador de uma prática de leitura eficiente pelo viés da
interdisciplinaridade dentro da escola.
Além da análise bibliográfica, será realizada o estudo documental de
instrumentos oficiais (ou não) que orientam o desenvolvimento das competências
leitoras nas classes do ensino fundamental do espaço educativo que são relevantes
para compreender o panorama da instituição quanto à temática
Tais como:

 Análise do PPP da unidade escolar: (re)conhecendo e refletindo sobre os


objetos, metas, projetos pedagógicos já realizados e em andamento.
(Re)visitando documentos de reuniões de conselho de classe, planejamentos
pedagógicos e avaliações disponíveis; analisar a política curricular adotada
na rede escolar e as traduções desse currículo implementados na escola em
questão
 Delineamento do perfil discente: Levantamento do nível de interesse pela
leitura dos estudantes pela temática; Identificação do nível de proficiência
leitora dos estudantes do 6º ano; busca dos índices de reprovação e evasão
atualizados no sentido de avaliar os indicadores tanto do ensino fundamental I
e II refletindo das instituições públicas. Promoção de ações de escuta dos
alunos no que cerne a dificuldades nos processos de leitura, as tipologias
textuais e as temáticas dos projetos

 Delineamento do perfil docente: Conhecer o perfil dos docentes das turmas


de 6º ano; mapeamento da participação docente em ações pedagógicas
internas e externas, disponibilidade na Unidade, metodologia de trabalho,
Promoção de ações de escuta dos professores sobre as temáticas da
pedagogia de projetos e pelas questões interdisciplinares. identificar a prática
educativa implementada na escola observando o campo da ação da prática
docente da Área das Linguagens
 Delineamento do perfil da comunidade local: Perfil do pais, nível de
participação e envolvimento nas ações da escola. Identificações de
associações ou instituições locais que mantem parcerias com a escola.
Detalhamento dos setores de assistência social que a unidade escolar tem
contato/ parceria (postos médicos, delegacias especializadas, grupos de
assistência social diversos, associação de moradores, rádio comunitárias,
bibliotecas, espaços de leituras, museus, centros culturais e tc)
Após a análise documental, refletir sobre como os documentos oficiais
externos aos espaços educativos dialogam com a problemática de pesquisa e
com a realidade da comunidade escolar apresentada. Em suma, será uma
abordagem de como a BNCC, o Plano Nacional de Educação, a LDB, os
Referenciais Curriculares e as Matrizes Curriculares e as Portarias de Avaliação
de Aprendizagens implementadas nas Redes Municipal e Estadual, dialogam e
podem subsidiar a proposição de pesquisa interventiva a ser implementada na
escola.

A partir desses percursos metodológicos e pedagógicos analisados, a


proposição de um projeto didático interdisciplinar intitulado #partiuleituras será
apresentado para comunidade escolar através de reuniões escolares.
Por meio de questionário será escolhida uma temática contemporânea para
servir como tema basilar do projeto, sendo usado por todos os componentes
curriculares da Área de Linguagem. A citar: discriminação racial, empoderamento
feminino, intolerância religiosa, apropriação cultural, direitos coletivos, novos
modelos de família, segurança pública, avanços tecnológicos, crise política, dentre
outros.
A escolha da temática deverá ser feita observando a territorialidade,
economia, traços culturais etc., não obstante, considerando o nível de
desenvolvimento de cada turma em que será desenvolvida. Cada professor das
disciplinas Língua Portuguesa, Língua Inglesa, Arte e Educação Física definirá um
texto de qualquer gênero textual e em seguida apresentará à turma nas suas
respectivas aulas.
Todo o conteúdo conceitual referente a cada componente será desenvolvido
nas aulas a partir dessa leitura inicial. O estudante escolherá um dos
textos/produções apresentados pelos professores e deverá fazer uma re-leitura
crítica do material através de manifestações artísticas ou culturais.
Uma apresentação deverá ser construída pelos educandos em uma
linguagem diferente daquela lhe foi apresentada, poderá produzir um vídeo curto de
opinião para a publicação em um blog, vlog, nos multimeios diversos ou criar uma
apresentação teatral contemplando manifestações artísticas e corporais conforme o
tema trabalhado, cabendo aí uma gama de possibilidades de expressão.
A construção e execução das sequências didáticas demandarão semanas,
contemplando reescritas e revisões de roteiros, ensaios e produção artística de
cenários. Nesse sentido, Petit (2009) defende que a leitura instrutiva não deve se
opor àquela que estimula a imaginação; ao contrário, ambas devem ser aliadas, uma
vez que “contribuem para o pensamento, que necessita lazer, desvios, passos para
fora do caminho.” (PETIT, 2009, p. 28).
O encerramento será feito em um dia intitulado #PartiuLeituras - Dia “D” no
Sara Violeta com formação de stands e ambientes abertos a toda a comunidade do
entorno para visitação e apreciação das produções e poderá contar com a
colaboração de parcerias de instituições oficiais de atendimento ao cidadão
(Universidades, Departamentos de Assistência Social, Delegacias Especializadas,
Associações Comunitárias), oferecendo informações e serviços aos presentes.
Do ponto de vista da relevância social, essa temática estimulará o hábito da
leitura crítica entre jovens promovendo o letramento e uso social dessa habilidade.
Ainda assim, o benefício deste trabalho irá inferir no aperfeiçoamento de
professores, visto que o trabalho interdisciplinar ainda é pouco desenvolvido na
prática escolar. Condição esta, que transcende o desenvolvimento de docentes e
promove o nascimento de mediadores da leitura. Um ser que, sensivelmente,
ofertará a leitura aos educandos propiciando um terreno fecundo para o texto e suas
manifestações. Além disso, essa proposição interventiva pode incentivar a formação
de grupos de estudos permanentes entre os docentes para que a prática da
interdisciplinaridade e a pedagogia de projetos seja naturalizada como práticas
cotidianas de planejamentos No âmbito da escola pública, o desenvolvimento
deste projeto criará condições reais de uso das diversas modalidades de leitura,
atreladas às diversidades culturais de cada disciplina com o intuito que os alunos
percebam a funcionalidade dos textos que circulam socialmente e,
consequentemente, da língua.
O ideal é que leiam com um propósito, e não meramente para cumprir tarefas
escolares, redefinindo a importância da leitura livre e autônoma estimulando o
trabalho interdisciplinar entre as linguagens e ampliando esse trabalho para as
outras áreas do conhecimento.
Sendo assim, uma proposta necessariamente urgente em ser aprimorada e
aplicável a qualquer unidade que vise melhorar o campo escolar para que o texto e
suas leituras se manifestem criticamente e interculturalmente.
Referências
BARBOSA, Ana Mae. Arte/Educação contemporânea: consonâncias
internacionais. São Paulo, Cortez, 2005

ELLIOT, J. Recolocando a pesquisa-ação em seu lugar original e próprio. In:


FIORENTINI, D. GERALDI, C.; PEREIRA, E. M de A. (eds.) Cartografias do Trabalho
Docente. Campinas: Mercado de Letras, 1998. 

FREIRE, Paulo. Importância do ato de ler. Em três artigos que se completam. 51.
Ed. São Paulo: Cortez, 2011.

FREIRE. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam.


44. ed. São Paulo: Cortez, 2003. 

PETIT, Michèle. Os jovens e a leitura: uma nova perspectiva. 2ª edição. Tradução


de Celine Olga de Souza. São Paulo: Editora 34, 2009a. 

PRENSKY, M. Digital Natives, Digital Immigrants. On the horizont, v. 9, n. 5, out.


2001.

MINAYO, Maria Cecília de Souza (org.). Pesquisa Social. Teoria, método e


criatividade. 18 ed. Petrópolis: Vozes, 2001.

MONSMA, Karl. Teorias Interacionistas e fenomenológicas da violência com


aplicações à pesquisa histórica. Revista Métis: História & Cultura. Caxias do Sul,
Volume 6, Número 11, Jan/Jun 2007

SOARES, Magda Becker. Língua escrita, sociedade e cultura; relações,


dimensões e perspectivas. Revista Brasileira de Educação, ANPED. n. 10.
Set/Out/Nov/Dez. 1995. 

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