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II Congresso Internacional Movimentos Docentes

(CMD 2022)
14 e 15 de outubro de 2022

OFICINA GRAFITAÊ: ESCOLA, CONTA E PINTA A SUA HISTÓRIA

Sandra Lee Benvindo Ribeiro 1, Tatiana Polliana Pinto de Lima 2, Denis Sena Rocha 3
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RESUMO
O presente relato apresenta reflexões acerca da minha trajetória docente amparadas na análise
descritiva da ação intitulada Grafitaê: Escola conta e pinta a sua história no Colégio Estadual
Sara Violeta de Mello Kertész, o qual fui gestora durante 5 anos, no subúrbio de Salvador. O
evento tratava-se de um workshop sobre grafite com o objetivo de diminuir os índices de
indisciplina e violência dos alunos por meio de oficinas e manifestações artísticas de incentivo
à liberdade de expressão, a conservação do patrimônio público e a interação do Grafite como
forma de diálogo da cultura urbana dentro do ambiente escolar. Na oportunidade, descrevo o
planejamento, a execução bem como os resultados de uma ação que, inicialmente, seria uma
intervenção pontual e culminou em uma oficina integrada ao Programa Mais Educação e à
proposta curricular da escola. Desvelando assim, uma relevância social, pedagógica e de
cunho pessoal para mim de caráter imensurável. 

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Palavras-chave: grafite, intervenção, cultura da paz
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CONTEXTUALIZAÇÃO
O ambiente escolar tem sido um dos meus espaços sociais prediletos desde a infância.
Iniciei no curso técnico em magistério, solidificando a vocação com a graduação em Letras
com Inglês, me especializando em Psicopedagogia. Hoje, consolido essa vocação a partir do
ingresso no mestrado no Programa de Pós Graduação em Currículo, Linguagens e Inovações
Pedagógicas da UFBA. Atuo há mais de 18 anos como docente das Redes Estadual e
Municipal de Salvador. Fui gestora escolar entre os anos de 2013 a 2019 do Colégio Estadual
Sara Violeta de Mello Kertész, localizado no subúrbio ferroviário, região de difícil acesso no
bairro do Rio Sena , com um alto índice de violência, tráfico de drogas e carente de ações
eficazes que contribuíssem para a formação dos estudantes e da comunidade como um todo.
Atualmente leciono Inglês nessa mesma unidade e na Escola Municipal de Salvador
Professora Olga Mettig, no bairro da Valéria.

1
Universidade Federal da Bahia- UFBA
2
Universidade Federal da Bahia - UFBA
3
Universidade Estadual da Bahia - UNEB

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A partir desse breve resumo profissional é possível constatar que nunca trabalhei em
outra área que não fosse na Educação. E, sempre acreditei na educação pela ótica de Arroyo
(2013, p. 07): “A educação como um processo de humanização de sujeitos coletivos
diversos”. Por isso, destaco a seguir uma descrição de uma ação educativa que mudou a
minha essência docente e me motivou a continuar trilhando caminhos em prol do que acredito
ser transformador para uma educação pública de qualidade.  
A unidade escolar que atuei como gestora na rede estadual possuía altos índices de
ocorrências, de agressões verbais e físicas entre os seus estudantes. Também não possuía
coordenador pedagógico e nem secretário escolar há mais de 5 anos. Todas as situações de
conflitos eram encaminhadas à gestão escolar, mais precisamente na figura do vice-diretor,
que era o responsável pelos encaminhamentos das ações para dirimir os conflitos. Fui vice-
gestora por um ano e, basicamente, não tinha outra função a não ser resolver problemas
voltados à indisciplina e à violência, bem como, monitorar o comportamento dos estudantes
nos corredores e pátios. Fato esse, que me fazia questionar sobre a real função enquanto
educadora naquele espaço e, me inquietava lembrar dos conceitos e premissas da graduação
que eu acreditava que colocaria em prática no exercício da prática docente, os quais se
resumiam em ser uma auxiliar de disciplina com título de gestão. Nesse sentido, Lück (2009,
p. 23) aponta: 
A gestão escolar constitui uma das áreas de atuação profissional na educação
destinada a realizar o planejamento, a organização, a liderança, a orientação, a
mediação, a coordenação, o monitoramento e a avaliação dos processos necessários
à efetividade das ações educacionais orientadas para a promoção da aprendizagem e
formação dos alunos. 

O gestor educacional possui papel significativo na construção da estrutura escolar. Sua


prática vai desde a organização funcional da instituição escolar às questões sociais que a
adentram.
Outro dado importante, é que muitos desses conflitos tinham anúncios previstos em
pichações em partes físicas da escola, tais como cadeiras, mesas e paredes. "Ali o jovem sente
a primeira repressão”. Elucidando Mauro Neri4. Sendo assim, os estudantes expressavam suas
emoções em registros transgressores na deterioração do patrimônio escolar que serviam como
um prelúdio de revoltas e possíveis brigas. Na história, a pichação serviu para propagar desde
o clássico "abaixo a ditadura" a críticas à Guerra Fria no muro de Berlim. O artista norte-
americano Keith Haring expressava suas posições políticas em giz colorido e deixava clara a

4-
Ativista do Grafite e artista que se consagrou como um dos nomes mais conhecidos do grafite paulistano.
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ideia de que a arte deve ser acessível. Seus painéis pichados no metrô de Nova York foram
expostos, décadas mais tarde, em uma galeria de Paris. Para Arroyo (2012): “As crianças e os
jovens populares até os adultos na EJA são obrigados a ocultar suas experiências sociais e as
indagações e leituras que levam do trabalho e dessas experiências tão radicais”. As pixações
no CESVMK5 eram reflexos de uma necessidade urgente daquela comunidade que refletia a
falta de escuta, a falta de acolhimento em suas necessidades básicas, a ausência de
encaminhamentos que dessem vez e voz a esses educandos. 
Outro fator preponderante se referia aos índices de violência do entorno da escola que
reverberam para o seu interior. Não obstante vale ressaltar que o problema da violência afeta
muitas regiões brasileiras. Segundo dados do Atlas da Violência 2017 6, 33.590 jovens foram
assassinados em 2016, a taxa de homicídios de negros foi duas vezes e meia superior à de não
negros (16,0% contra 40,2%), ou seja, é nítida a discrepância do número de homicídios por
raça/cor, é o genocídio da juventude negra.  Essa mesma fonte também revela que nos estados
do Nordeste, possuíam em 2015, as maiores taxas de homicídios por 100 mil habitantes, tendo
a Bahia uma taxa de 46,9.
De acordo com as estatísticas levantadas em 20156 na DAI - Delegacia para o
Adolescente Infrator de Salvador - houve um aumento do envolvimento de adolescentes no
tráfico de drogas. Neste ranqueamento, os bairros do subúrbio ferroviário de Salvador, Paripe
e Lobato, aparecem no topo do posicionamento, sendo seguidos pelos bairros de Plataforma,
Fazenda Coutos e Fazenda Grande.
As teorias e práticas educativas precisam reconhecer os sujeitos e seus contextos
identitários no intuito de conceber que 
“As crianças, adolescentes populares carregam às escolas formas de pensá-los
atrelados ao seu lugar, deles e de seus coletivos de origem, ao padrão de poder. As
suas resistências como coletivos são essas formas de pensá-los e alocá-los em padrões
de poder/subordinação” Arroyo (2013, p. 33)

Diante de um cenário nacional de violência e vulnerabilidade que permeavam e ainda


permeia os jovens de comunidades periféricas, bem como os do Rio Sena. Como diminuir os
índices de indisciplina e violência dos alunos por meio de oficinas e manifestações artísticas
envolvendo a pintura e o grafite?
Enfatizo que na ocasião já era gestora e que já vinha tentando implementar projetos
educacionais junto com a equipe docente com intuito de minimizar os impactos da violência
Colégio Estadual Sara Violeta de Mello Kertész.
5-

Justificam-se os dados dos anos entre 2015 a 2017 pois o relato refere-se a uma ação que ocorreu em 1 de
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outubro de 2017. 
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dentro da escola. Todavia, os projetos até então trabalhados não tinham demonstrados
resultados significativos referentes a essa problemática
Tavares e Alarcão (2001, p. 104): 
É preciso valorizar a criação de ambientes estimulantes para a aprendizagem e
incentivar o desenvolvimento da criatividade, da inovação e da sua divulgação.
Deverá destacar-se a explicação de uma dinâmica espiralada ou bi-implicativa entre
reflexibilidade e autonomia que deverá animar a ação educativa.

No excerto acima os teóricos enfatizam que o lugar da aprendizagem é dentro e fora


da sala de aula e as ações pedagógicas do CESVMK precisavam envolver mais a comunidade
e não somente os docente e discentes, implicando neste contexto, a reflexão sobre uma prática
educativa significativa e de fato reconceitualizada. 
No início do ano de 2017, a escola a foi convidada a aderir ao evento pedagógico
intitulado “Grafitaê: Escola conta e pinta a sua história” que tinha como objetivo incentivar a
liberdade de expressão, a criatividade, a interação e o grafite como forma de diálogo da
cultura urbana dentro do ambiente escolar. Perrenoud apud Alarcão diz que resolver um
problema complexo que se tornou objeto de investigação, por exemplo, não é de todo uma
ação simples demanda mobilização de múltiplos conhecimentos por isso ele defende que:
seja tempo de aceitar a ideia de que a cultura humana, inclusive nas suas dimensões
teológicas e filosóficas, está, fundamentalmente ligada à ação, a uma presença incerta
e inquieta no mundo, ao desejo de antecipar e de dominar os acontecimentos (2001,
p.15 apud ALARCÃO)

O projeto Grafitâe foi uma ação educativa em forma de workshop proposto pela
Secretaria da Educação do Estado da Bahia que pretendia colorir as paredes das escolas com a
linguagem da arte urbana, grafite e suas diferentes dimensões. Um total de 80 escolas da rede
aderiram ao projeto que tinha como incentivo um recurso financeiro para materiais de pintura
no valor de R$5.000,00(cinco mil reais) e um valor para pagamento de um professor-
oficineiro com o custo de R$ 800,00 (oitocentos reais) para cada escola. Santos (2019, p.124)
afirma que “atrelar a qualidade da educação a metas específicas e condicionar o repasse de
recursos às melhorias nesses índices coloca os municípios numa competição”. Essa forma de
gestão faz com que ações praticadas não reflitam a problemática real por trás dos problemas
de ensino e responsabiliza os sujeitos por aquilo que deveria ser dever do Estado. Mesmo
indignada com os valores e condições atribuídas para a adesão, em consenso, com o grupo
escolar optamos pelo aceite.
O produto dessa ação pode ser acompanhado e contemplado por outros estudantes que
não participaram da atividade e que logo se sentiram pertencentes e representados por aquela

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arte, bem como a toda comunidade do Rio Sena que se viu nos traços de spray feitos pelas
suas filhas e filhos naqueles muros. Assumindo um pertencimento ideológico e identitário
daquele espaço público que é deles por direito.  

METODOLOGIA
Implementar a cultura do grafite como ferramenta pedagógica incutiu outros
comportamentos nos educandos que anteriormente expressavam suas emoções, frustrações e
revoltas pichando a escola. A partir do Grafite eles encontraram um pano de fundo ideal para
a construção de uma identidade e de uma liberdade para uma produção positiva e autoral nas
paredes da escola.
Importante mencionar que, segundo Minayo (1994), o objeto na investigação social é
essencialmente qualitativo. No entanto, dados quantitativos e qualitativos não se opõem. Ao
contrário, complementam-se, pois a realidade por eles abarcada interage dinamicamente. Para
realizar esse trabalho adotamos como metodologia a pesquisa explicativa buscando identificar
e explicar as causas de determinado problema do objeto de estudo. Segundo Gil (2007) este
tipo de pesquisa preocupa-se em identificar os fatores que determinam ou que contribuem
para a ocorrência dos fenômenos. Foi analisado como os fatores: indisciplina e violência
afetavam as práticas educativas e de que modo uma ação pedagógica artística e popular
poderia melhorar atitudes comportamentais dos estudantes  
Inicialmente, fizemos uma reunião com os membros do colegiado para delinear
algumas ações mais específicas acerca da temática de trabalho, quantidade de alunos e
duração do workshop. A escolha do professor-oficineiro foi indicação da vice-gestora que já
havia feito um trabalho semelhante com o Arte-Educador Deni Sena. A proposta foi aberta a
todas as classes de ensino fundamental e médio. Contudo, foi necessário organizar uma lista
de inscrição pois a oficina só comportaria 25 alunos em cada turno de trabalho. 
Seguindo a proposição do professor Deni Sena, ficou decidido que a temática a ser
trabalhada e, consequentemente a ser pintada nos muros da escola seria decidida na primeira
fase do workshop a partir do trabalho de sensibilização e do levantamento do conhecimento
prévio das questões sociais e culturais apresentadas pelos estudantes. Assim Moran (2013),
esclarece que: A aprendizagem é mais significativa quando motivamos os alunos
intimamente, quando eles acham sentido nas atividades que propomos e quando se engajam
em projetos em que trazem contribuições.

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No mesmo dia de divulgação do evento, tivemos uma adesão de inscrição duas vezes
maior do que o esperado. O que gerou uma lista de espera. Todavia, nesse movimento, me
questionava o como deveria proceder para não deixar ninguém de fora da atividade. Pesquisei
outras fontes de recursos que me respaldassem e viabilizassem o planejamento de um outro
momento dentro dos mesmos padrões do referido evento, mas, burocraticamente, não possuía
aval para tal empreitada. Solicitei do órgão central um acréscimo na verba, mas também não
obtive sucesso. Descontente e impotente, divulguei a lista dos 25 primeiros alunos por turno
que participariam do workshop, obedecendo a ordem de inscrição.
No dia 1 de outubro de 2017, às 8 horas da manhã já estava tudo pronto e
encaminhado para o evento. Já havia programado lanches especiais e almoço para os
cursistas. Para tanto, na educação nada é completamente previsível. Eis que percebi um
número maior de alunos entrando na sala do evento, resolvi conferir se estavam todos
inscritos. Para minha surpresa, ao invés de 25 havia aproximadamente 50 alunos num
pequeno espaço. Vendo a minha expressão de espanto e desespero, o professor logo me
alertou: “Não tenho condições de retirar ninguém dessa sala! Eles vieram porque eles
querem participar e não podemos dizer mais um “NÃO” para eles. Eles já ouvem essa
palavra demais. O grafite não segrega e sim agrega,”. Visualiza-se nesta imagem um trecho
da obra de Freire em Pedagogia do Oprimido a seguir: 
A pedagogia do oprimido, como pedagogia humanista e libertadora, terá dois momentos
distintos. O primeiro, em que os oprimidos vão desvelando o mundo da opressão e vão
comprometendo-se na práxis com a sua transformação; o segundo, em que, transformada a
realidade opressora, esta pedagogia deixa de ser do oprimido e passa a ser a pedagogia dos
homens em processo de permanente libertação. (FREIRE 1987, p.57)

A libertação do estado de opressão é uma ação social, não podendo, portanto,


acontecer isoladamente, Deni Sena rompeu os portões da segregação colocando os estudantes
como sujeitos sociais potentes em transformar sua própria realidade. 
 Sem titubear concordei com ele e organizei uma logística composta por dois
momentos para a parte teórica, em que, enquanto um grupo ouvia as explicações técnicas do
professor, o outro grupo desenhava, pintava moldes e ideias para o grafite. Daí, os grupos se
revezaram nas duas ações durante o turno matutino. Ou seja, toda a sequência didática
programada anteriormente, precisou ser revista, reconstruída, mas dessa vez não tinha sido
por nenhuma briga entre alunos no pátio e nem porque havia grupos de estudantes jurando
rixas na hora da saída. Dessa vez, o “caos era produtivo” era uma movimentação de jovens de

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um lado para outro em busca do melhor lugar para ouvir o professor, ou se oferecendo para
ser o monitor na distribuição dos Sprays. Uma linda ocupação de meninas e meninos no chão
desenhando moldes para a pintura. Os maiores ajudavam na condução dos pequenos,
semelhante a Escola Básica da Ponte em Portugal, agora eles eram protagonistas das suas
próprias histórias. Por fim, reitera-se que uma das esferas da atividade humana a ser
contemplada pela escola é a artístico-literária, por meio da qual se produz cultura, arte e
entretenimento (ROJO; BARBOSA, 2015). 
O segundo momento do workshop era a parte prática de pintura efetiva em uma área
da escola. O local que ficou determinado para a arte, foi uma parte do muro da fachada
externa em frente à rua de acesso ao final de linha do Rio Sena. A imagem escolhida pelos
estudantes foi a reprodução artística, foi justamente a uma reprodução do visual que se tem ao
descer a ladeira do Rio Sena, contemplando as casas humildes daquela localidade com o mar
ao fundo, os barquinhos, o sol e as gaivotas, empoderando os ideais identitários daquela
comunidade.
Uma segunda preocupação se instaurou em mim. Levar quase 50 alunos para área
externa da escola de forma ordeira, pacífica e sobretudo, segura. Confesso que para uma
gestora que convivia em um ambiente de constantes conflitos dentro da escola a exposição a
área externa denotava receio pela segurança dos menores. Piccoli (2006, p.5) esclarece que:

É necessário que o professor tenha em mente que permitir a si e a seus alunos a (des)
construção, reconstrução e reformulação de conteúdos é passar de respondedor a questionador,
é manter-se reflexivo, questionando sempre o porquê e o para quê, pois o saber construído
sobre a relevância e aplicabilidade dos conteúdos e na confiança e poder que o educador
outorga aos educandos constitui-se também objeto de transformação social.

 Contamos com o apoio de duas professoras que estavam com aulas vagas para
acompanhar a atividade externa. Todos tinham importância e todos eram responsáveis por
uma tarefa. Mérito exclusivo dos encaminhamentos do docente que conduziu com maestria
uma orquestra de 50 crianças e jovens, na rua e todos estavam completamente ocupados e
interessados no que estavam fazendo.  Michel Petit (2019) se refere a professores com essa
prática como mediadores ou anfitriões de um “banquete” a ser servido, revelado na ideia a
seguir: 
Eu lhe entrego fiapos de saber e ficções para que você seja capaz de simbolizar a ausência e
enfrentar, tanto quanto possível, as grandes questões humanas, os mistérios da vida e da morte,
da diferença entre os sexos, do medo do abandono, do desconhecido, o amor, a rivalidade. Para
que escreva sua própria história entre as linhas lidas. (PETIT, 2019, 9.21)

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Os estudantes se serviram do “banquete” deixando sua marca, sua identidade, seus


desejos e um pouco da sua história numa parte da parede de uma escola. Em poucos minutos a
rua se movimentou, a tia que vendia balas veio observar, algumas mães que vinham buscar os
menores, pararam para contemplar a pintura, o tio da mercearia foi para o meio da rua junto
comigo para sinalizar a diminuição da velocidade dos carros que trafegavam, outros jovens
que não eram da escola, pararam para apreciar e aos poucos iam se aproximando do professor
no intuito de ter um exímio momento de esguichada com o spray naquele muro. Todos
queriam deixar sua marca de alguma forma. Rapidamente o desenho foi ganhando forma e
cor. Impossível contar as mãos e os sprays. Impraticável dimensionar quem estava fazendo o
quê, mas o importante era o quê estava nascendo. 
O Grafitaê não se resumiu a uma atividade escolar, muito além do que uma pintura de
escola, era um novo momento, era o pertencimento de um bem público tão próximo, mas que
se fazia tão distante. A escola.

CONSIDERAÇÕES FINAIS 
O que se denominou de culminância do trabalho, na realidade, foi o primeiro passo
para uma história envolvendo práticas educativas e a arte do grafite que mudaria não somente
a cor dos muros da escola, mas também todo um comportamento e postura dos educandos e
dos docentes. Após essa primeira ação, os professores passaram a agregar suas práticas às
ações relacionadas à arte e ao protagonismo estudantil. 
É através das relações com os pares e, portanto, através do confronto entre os saberes
produzidos pela experiência coletiva dos professores, que os saberes experienciais
adquirem uma certa objetividade: as certezas subjetivas devem ser, então,
sistematizadas afim de se transformarem num discurso da experiência capaz de
informar ou de formar outros docentes e de fornecer uma resposta a seus problemas.
(TARDIF, 2010, P.52)

A prática docente é, então, segundo a interpretação das pesquisas efetuadas por Tardif
(2010), o momento também em que o professor ressignifica os outros saberes e
conhecimentos adquiridos anteriormente e/ou durante a sua atuação profissional,
 Aquele receio inicial que eu tinha em levar os meninos e meninas à rua perdeu espaço
para uma agitada rotina de pintura nos muros. A cada quinzena, uma parte do muro externo
era grafitado.

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Essa ação foi publicada no Livro Vamos Juntos Profe! - Projetos Integradores da
Editora Saraiva, no ano de 2020 e a oficina de grafite foi inserida nas turmas das classes do
Programa Mais Educação valorizando temas do cotidiano dos estudantes, como racismo,
gênero, sexualidade, empreendedorismo, tecnologias, redes sociais e empoderamento juvenil.
Alarcão (2003) diz que o alicerce da cidadania é o “linguajar” que se diz respeito a
compreender o mundo, compreender os outros, compreender-se a si e compreender as
interações que entre estes vários componentes se estabelecem. A minha identidade enquanto
gestora se mesclou em aprendente da arte do grafite, me tornei colega dos meus alunos no
movimento de transformação social.
Em uma dessas ações, a fachada e o letreiro da escola foram revitalizados pois havia
um sério problema com um ponto de coleta de lixo localizado nessa parte do muro.
Moradores jogavam todo tipo de detrito desde lixo orgânico até entulho provocando poluição
visual e riscos sanitárias. A partir das oficinas do Grafite e, com a ajuda de uma líder
comunitária, conseguimos junto a Limpurb retirar a caixa coletora de lixo e os estudantes
construíram um jardim com a decoração em Grafite. Até mesmo as pichações comuns na área
externa da escola não reincidiram, na medida que arte do grafite ocupava os muros, nenhum
vandalismo se sobrepunha.
Os resultados incidiram também no comportamento dos estudantes e na preservação
do patrimônio público dentro da unidade escolar. Diminuíram os casos de violência, pixação e
tivemos encaminhamentos de alunos monitores de Grafite para eventos externos.
A ação do Grafitaê me devolveu o ânimo seguir com a minha vocação na área da
educação, renovou minhas esperanças em ações eficazes e mostrou-me que estudantes
precisam ser ouvidos e incluídos em todas nas em todas práticas educativas tendo suas
experiências e seus saberes validados.
A aprendizagem é mais significativa quando os alunos são motivados intimamente,
quando eles acham sentido nas atividades propostas, quando consultadas suas
motivações profundas, quando se engajam em projetos para os quais trazem
contribuições, quando há diálogo sobre as atividades e a forma de realizá-las
(MORAN, 2013, p.1).

Nessa perspectiva o professor não é mais o transmissor de conhecimento, o docente


precisa dar condições aos estudantes de lidar com as informações e com a sua própria
formação do conhecimento. É preciso concentrar o saber docente nas questões experienciais
como afirma Tardif (2013) alicerçando as práticas educativas ao núcleo das vivências
cotidianas.

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Hoje considero-me como uma professora em processo re-construção de sentidos na


Educação, re-conhecendo outros saberes, outros sujeitos nessa caminhada chamada docência.

REFERÊNCIAS
ARROYO, Miguel. Outros sujeitos, outras pedagogias. Petrópolis: Vozes, 2012., RJ:
Vozes, 2012 livro

ARROYO, M. G. Ofício de Mestre: imagens e autoimagens / Miguel G. Arroyo. – 15. Ed.


Petrópolis 2013livro
 
CERQUEIRA, Daniel (coord.). Atlas da violência 2018. Rio de Janeiro: Ipea; FBSP, 2018.
livro

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 11. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987 livro

GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2008.
livro

GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 4. ed. São Paulo: Atlas, 1994. livro

LÜCK, H. Fundamentação e princípios da educação e da gestão escolar. In: ___.


Dimensões de gestão escolar e suas competências. Curitiba: Editora Positivo, 2009. pp. 15-29.
LIVRO

MINAYO, M.C. de S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São


Paulo-Rio de Janeiro, HUCITEC-ABRASCO, 1992. Apesar de a autora remeter seu livro para
o campo da saúde, seu texto é fundamental para a pesquisa social em geral. LIVRO

MORAN, J. M. Metodologias ativas para uma aprendizagem mais profunda,


2013.Disponível:http://www2.eca.usp.br/moran/wpcontent/uploads/2013/12/
metodologias_moran1.pdf. Acesso em: 08 abr. 2020.

PETIT, Michèle. Ler o mundo - Experiências de transmissão cultural nos dias de hoje. 1º
Ed. São Paulo: Editora 34, 2019 LIVRO

ROJO, R. H. R. (org.) (2000) A Prática de Linguagem em Sala de Aula: Praticando os


PCNs. Campinas: Mercado de Letras/EDUC, 252 p., Coleção As

TAVARES, J; ALARCÃO, I. Paradigmas de formação e investigação no ensino superior no


terceiro milênio. In: ALARCÃO, I. (Org.) Escola Reflexiva e Nova Racionalidade. Porto
Alegre: Artmed, 2001. Artigo

VIEIRA, Adriana Silene, FERNANDES, Célia Regina Delácio, SILVA, Márcia Cabral,
Martins, Milena Ribeiro. 2007. Organização e uso da biblioteca escolar e das salas de
leitura. Fascículo 4. In: Pró-Letramento: alfabetização e linguagem Brasília: MEC, Secretaria
de Educação Básica: 7- 45

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SANTOS, V. P.;SANTOS, I. C.;SANTOS, A. R.Índice de desenvolvimento da


educação básica (proficiência e fluxo): por que avançamos tão pouco?Revista Ibero-
Americana de Estudos em Educação,Araraquara, v. 16, n. esp. 2, p. 1058-1076, maio2021.e-
ISSN: 1982-5587.DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v16iesp2.15115

Revista Educação Pública - Conhecimentos prévios dos discentes_ contribuições para o


processo de ensino-aprendizagem baseado em projetos

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