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UNIVERSIDADE METROPOLITANA

Núcleo de Educação a Distância


DE SANTOS

Teorias de
Análise de Textos

PÓS-GRADUAÇÃO
SEMESTRE 1 1
UNIVERSIDADE METROPOLITANA
Núcleo de Educação a Distância
DE SANTOS
CURSO: Pós-Graduação
COMPONENTE CURRICULAR: Teorias de Análise de Textos
MÓDULO: 2º
CARGA HORÁRIA TOTAL: 50 horas

EMENTA
Teorias explicativas da obra literária. As diferentes correntes teórico-críticas. As
formas de abordar o texto.

OBJETIVO GERAL
Dar a conhecer as teorias a partir das quais o texto escrito pode ser estudado.
Analisar textos com bases em teorias do discurso e do texto.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS
Objetivos específicos da unidade 1
Abordar as teorias que buscaram explicar a obra literária.

UNIDADE I-CORRENTES TEÓRICO-CRÍTICAS - PRESSUPOSTOS


UN 1 - Aula 1 - Conceitos essenciais à compreensão do texto literário
UN 1 – aula 2 - O formalismo russo-breve retomada
UN 1 - Aula 3 - Dos formalistas aos estruturalistas
UN 1 - Aula 4 - Estruturalismo e análise estrutural
UN 1 - aula 5 – As contribuições da Estética da Recepção
Objetivos específicos da unidade 2
Abordar a corrente teórica estruturalista e sua forma de abordar a obra literária.

UNIDADE 2 -ESTRUTURALISMO
UN 2 - aula 6 – A perspectiva do pós- estruturalismo
UN2 – aula 7 - O monismo e pós-estruturalismo
Objetivos específicos da unidade 3
Apresentar a linguística do texto e seus princípios.

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UNIDADE 3-LINGUÍSTICA TEXTUAL
UN 3- Aula 8 - Contribuições da Linguística Textual - a coesão
UN 3 – Aula 9 – Fatores de Coerência
Objetivos específicos da unidade 4
Apresenta os gêneros do discurso sob diferentes perspectivas.

UNIDADE 4- GÊNEROS E ABORDAGENS


UN 4 - Aula 10 - É fácil classificar ou nomear um gênero?
UN 4 - Aula 11 - O trabalho coma leitura e com a língua
UN 4 - Aula 12 - Abordagem do texto literário - a poesia
UN 4 - Aula 13 - Textos Não-ficcionais
UN 4 - Aula 14 - Os gêneros e suas acepções
UN 4 - Aula 15 - O que dizem os estudos sobre os gêneros?
UN 4 - Aula 16 - A tipologia enunciativa de Bronckart
UN 4 - Aula 17 - Os tipos de discurso
UN 4 - Aula 18 - Os gêneros, o intertexto e as formas de planificação
UN 4 – Aula 19 - Os tipos de sequências
UN 4 – Aula 20 - Mecanismos de textualização

Bibliografia Básica
BENTES, Anna Cristina; LEITE, Marli Quadros (2010). Linguística de texto e Análise
da conversação. São Paulo: Cortez.
MARCUSCHI, L. A. (2008). Produção textual, análise de gêneros e compreensão.
São Paulo: Parábola.

Bibliografia Complementar
BAKHTIN, M. (2003). Gêneros do Discurso. In: Estética da Criação Verbal. São
Paulo: Martins Fontes.
BENVENISTE, E. (1989). O aparelho formal da enunciação . In: Problemas de
lingüística geral. Vol. II. Trad. de Eduardo Guimarães et al. Campinas: Pontes, p. 81-
90.

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BRAIT, B. (1994). As vozes Bakhtinianas e o diálogo inconcluso. In: BARROS, Diana
Luz Pessoa e FIORIN, J.L. (orgs.) Dialogismo, polifonia, intertextualidade. EDUSP
BRANDÃO, H. H. N (2001). Da língua ao discurso, do homogêneo ao heterogêneo.
In: BRAIT, Beth (org.) Estudos enunciativos no Brasil - história e perspectivas.
Campinas/São Paulo: Pontes/FAPESP.
FIORIN, J. L. (1996) As astúcias da enunciação. São Paulo: Ática.
POSSENTI, S. (1992). Concepções de sujeito na linguagem. Boletim da ABRALIN.
São Paulo, USP, 13, PP. 13-30.
http://www.ufrgs.br/proin/versao_1/aguiar/index42.html

METODOLOGIA
A disciplina esta dividida em unidades temáticas que serão desenvolvidas por meio de recursos
didáticos, como: material em formato de texto, vídeo aulas, fóruns e atividades individuais. O
trabalho educativo se dará por sugestão de leitura de textos, indicação de pensadores, de sites,
de atividades diversificadas, reflexivas, envolvendo o universo da relação dos estudantes, do
professor e do processo ensino/ aprendizagem.

AVALIAÇÃO
A avaliação dos alunos é contínua, considerando-se o conteúdo desenvolvido e apoiado nos
trabalhos e exercícios práticos propostos ao longo do curso, como forma de reflexão e aquisição
de conhecimento dos conceitos trabalhados na parte teórica e prática e habilidades. Prevê ainda
a realização de atividades em momentos específicos, como fóruns, chats, tarefas, avaliação a
distância, de acordo com a Portaria de Avaliação vigente.

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Sumário
Aula 01_Conceitos essenciais à compreensão do texto literário ................................ 6
Aula 02_O formalismo russo-breve retomada .......................................................... 12
Aula 03_Dos formalistas aos estruturalistas ............................................................ 15
Aula 04_Estruturalismo e análise estrutural ............................................................. 18
Aula 05_As contribuições da Estética da Recepção ................................................ 22
Aula 06_A Perspectiva do Pós-Estruturalismo ......................................................... 24
Aula 07_O monismo e pós-estruturalismo ............................................................... 27
Aula 08_Contribuições da Linguística Textual - a coesão ........................................ 29
Aula 09_Fatores de Coerência ................................................................................ 34
Aula 10_É fácil classificar ou nomear um gênero? ................................................... 36
Aula 11_O trabalho coma leitura e com a língua ...................................................... 40
Aula 12_Abordagem do texto literário - a poesia ...................................................... 43
Aula 13_Textos Não-ficcionais ................................................................................. 47
Aula 14_Os gêneros e suas acepções ..................................................................... 52
Aula 15_O que dizem os estudos sobre os gêneros? .............................................. 55
Aula 16_A tipologia enunciativa de Bronckart .......................................................... 57
Aula 17_Os tipos de discurso .................................................................................. 60
Aula 18_Os gêneros, o intertexto e as formas de planificação ................................. 63
Aula 19_Os tipos de sequências .............................................................................. 67
Aula 20_Mecanismos de textualização .................................................................... 71

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Aula 01_Conceitos essenciais à compreensão do texto literário


Esta aula introduz alguns conceitos que são essenciais à compreensão do que é
Literatura e texto literário.
Platão, em A República, considera os artistas como imitadores do “terceiro grau”.
O que significaria isso?
Platão situa os seres em três graus: em primeiro lugar estaria Deus, Criador da
ideia; em segundo lugar estaria o artífice, o materializador da ideia; e em terceiro
grau e último grau - o artista, pelo fato de copiar ou imitar a realidade.
O interesse de Platão residia em identificar a utilidade do poeta, ou do artista de
modo geral, e o efeito da sua arte, ou seja, o efeito da tragédia no espectador.
A concepção platônica pressupõe um efeito negativo da arte sobre o seu apreciador,
pois a emoção causada pela obra de arte, a catarse, prejudicaria o indivíduo no
entendimento da verdade. O termo catarse está associado à liberação da emoção
causada pela apreciação de um objeto artístico de qualquer natureza. Para Platão, a

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catarse surtia um efeito negativo. Aristóteles, porém, ligando a catarse à ideia de
música, aconselha-a com fins de “purificação”, fato que passou a gerar controvérsias
a respeito da significação do termo, uma vez que Aristóteles não a explica.
O filósofo Platão concebe a arte como mímesis, ou seja, a reprodução de algo que
existe na realidade, e que deve ser reconhecido pela razão.

Fonte:
https://www.google.com.br/search?q=arte+liter%C3%A1ria&hl=ptBR&biw=1366&bih
=623&source=lnms&tbm=isch&sa=X&sqi=2&ved=0ahUKEwikgMGRqI_MAhWFIJAK
HWZHAmYQ_AUIBigB#imgrc=Fatr4-jh5BJzuM%3A
Para ele, as imitações são prejudiciais aos indivíduos por não se tratarem de objetos
reais na essência, mas por se constituírem – segundo a ótica platônica - de uma
visão espelhada da realidade, uma aparência ilusória, levando os cidadãos ao
engano.
Aristóteles afasta-se da concepção platônica e considera a arte como imitação da
realidade e mímesis - imitação da ação humana, ou seja, uma representação.

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Fonte: https://www.google.com.br/search?q=imagens+sobre+Arist%C3%B3teles&hl=
pt-BR&tbm=isch&imgil=T24N0sMtGKKYMM%253A%253B-kV6WJYuadZ-

Na tragédia, a representação de um drama envolve a ação do (s) ator(es) e do texto


representado, e que gera uma reação no público espectador. O objeto artístico,
portanto, supõe uma interação entre o autor e o receptor, considerando que a obra
só se realiza pelo efeito causado no receptor (público). Enquanto Platão considera a
obra de arte como apenas uma imitação, Aristóteles amplia esta noção
considerando a arte não apenas uma mera imitação da realidade, mas também
como uma imitação do imaginário. Anuncia assim o conceito de verossimilhança.
A verossimilhança é o resultado do processo artístico da mimese - realidade
ficcional.
Aristóteles sugere que a mimese na obra de arte se daria tanto pela sua semelhança
com o mundo real, como pelo seu afastamento dessa mesma realidade. Mostrando
a diferença entre o historiador e o poeta em A Poética, Aristóteles aponta para o fato
de que a história tradicional se caracteriza pelo discurso científico e objetivo, no qual
encontra-se documentada a realidade empírica.
Já a obra de arte mesmo não sendo verdadeira tem na sua verossimilhança a
característica responsável pela possibilidade de algo vir a ser ou acontecer.
Logo, o poeta narra o que poderia ter acontecido, o possível, segundo a
verossimilhança ou necessidade. (Aristóteles, p.306).
Assim, o que é literatura?
A literatura é ficção, algo que existe na imaginação de seu criador, um universo
próprio, autônomo em relação ao mundo em que vivemos.

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Ela cria seres ficcionais, seu ambiente imaginário, seu código ideológico, sua própria
verdade: pessoas que são transformadas em animais, animais que falam a
linguagem humana, tapetes voadores, cidades fantásticas, amores incríveis,
situações paradoxais, sentimentos contraditórios. A realidade criada pela ficção
poética tem relação significativa com o real, uma vez que a criação não parte de um
vazio, e sim de algo que já existe.
As estruturas linguísticas, sociais, ideológicas e reais fornecem o material para que o
artista crie o mundo imaginário.
A literatura faz um recorte da realidade, daquilo que pretende mostrar, mesmo
quando não tem consciência disso e pretenda uma reprodução fidedigna da
realidade.

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A pergunta que procura responder esta aula é Como a literatura foi compreendida
por aqueles que buscaram descrevê-la e entendê-la?
O Formalismo Russo tem suas origens associadas ao Círculo Linguístico de
Moscou, da Rússia, e aos estudos da Linguagem Poética, de Praga. Recebeu
influências da estética das vanguardas europeias.
Roman Jakobson, Boris Eikhenbaun, Wladimir Propp, B. Tomachevski, I. Tynianov,
N. S. Trubetzkói e Victor Chlovski são alguns dos principais integrantes que se
opuseram ao regime da antiga União Soviética e contestavam o direcionamento
dado pelos partidários do regime no tratamento do texto literário.
A visão de literatura desses estudiosos desvinculava-se da visão imposta existente.
O fenômeno literário foi considerado por esses como algo autônomo – não
necessariamente explicável por suas relações com a vida do escritor ou por sua
origem e que deveria ser explicado por seus componentes internos.

Os formalistas começaram por considerar a obra literária como uma


reunião mais ou menos arbitrária de "artifícios", e só mais tarde
passaram a ver esses artifícios como elementos relacionados entre
si: "funções" dentro de um sistema textual global. Os "artifícios"
incluíam som, imagens, ritmo, sintaxe, métrica, rima, técnicas
narrativas; na verdade, incluíam todo o estoque de elementos
literários formais; e o que todos esses elementos tinham em comum
era o seu efeito de "estranhamento" ou de "desfamiliarização". A
especificidade da linguagem literária, aquilo que a distinguia de
outras formas de discurso, era o fato de ela "deformar" a linguagem
comum de várias maneiras. Sob a pressão dos artifícios literários, a
linguagem comum era intensificada, condensada, torcida, reduzida,
ampliada, invertida. Era uma linguagem que se "tornara estranha'',
e, graças a este estranhamento, todo o mundo cotidiano
transformava-se, subitamente, em algo não familiar. Na rotina da
fala cotidiana, nossas percepções e reações à realidade se tornam
embotadas, apagadas, ou, como os formalistas diriam,
"automatizadas". A literatura, impondo-nos uma consciência
dramática da linguagem, renova essas reações habituais, tornando
os objetos mais "perceptíveis". Por ter de lutar com a linguagem de
forma mais trabalhosa, mais autoconsciente do que o usual, o
mundo que essa linguagem encerra é renovado de forma
intensa.(EAGLETON,2006,p.5).
Eagleton, Terry Teoria da literatura : uma introdução / Terry
Eagleton - tradução Waltensir Outra ; revisão da tradução João
Azenha Jr – 6ª ed. - São Paulo: Martins Fontes, 2006.

O Formalismo Russo contribuiu para a criação de um conceito dinâmico de forma,


articulado à unidade da obra, deixando claramente seus elementos estão integrados.

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Inicialmente, as análises focalizaram o texto poético e definiram a literariedade como
objeto de estudo e que confere ao poema seu traço distintivo, e se distancia do uso
comum da língua. A literariedade promove a renovação no uso cotidiano da língua.
A renovação no uso da língua é “construída” de que forma? Qual é o raciocínio que
orienta o sujeito que lê, escuta textos?
Um dos primeiros passos da “Teoria do ‘Método Formal’” é diferenciar a linguagem
cotidiana da linguagem literária em que podemos observar na primeira a
objetividade ou uma finalidade prática, visando a um fim: a comunicação; na
segunda - o desvio de significado das palavras, o deslocamento da palavra de seu
contexto usual e inseridas em contexto diverso, sendo ressignificada. É seguindo
esta linha, de desvio da norma, que os formalistas apuram os estudos do processo
de desfamiliarização ou estranhamento na linguagem literária.
No poema "José", de Carlos Drummond de Andrade há uma estrofe que formula
uma série de hipóteses, todas elas iniciadas pela conjunção condicional "se", que vai
se repetir em alguns versos, como uma espécie de eco, apoiando e ampliando o
sentido do texto:
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre, você é duro, José!
São vários efeitos sonoros e rítmicos. A palavra "se" é repetida na mesma posição:
a anáfora (repetição de uma palavra, na mesma posição, em versos diferentes)
criando efeito de um eco - "voCÊ", "gritaSSE", "gemeSSE", "tomaSSE" etc. O jogo
sonoro apoia-se na alternância entre sílabas fortes e fracas: Se - vo - CE - gri - TAS
(se) Se-vo-CE-ge-MES(se) O leitor percebe a sugestão das hipóteses não só pelo
sentido, mas também pelas rimas, pela sonoridade, pelo ritmo do poema. Daí a força
de contraste dos dois versos finais: O "Mas" opõe a realidade à série de alternativas
hipotéticas, produzindo ruptura simultânea do sentido e da sequência sonora.
É possível perceber nos poemas de Carlos D. de Andrade esse processo. O Poema
das Sete Faces revela com propriedade o modo como a linguagem é utilizada de
modo peculiar:
Quando nasci, um anjo torto
Desses que vivem na sombra
Disse: Vai, Carlos!
Ser gauche na vida.

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Aula 02_O formalismo russo-breve retomada
As expressões: “anjo torto”, “vivem na sombra”, “gauche na vida”, fazem referência
a um anjo que que prevê o futuro do eu poético “Carlos”. Trata-se de um anjo não
privilegiado, e que habita um lugar pouco comum – já que vive na “sombra”,
quando deveria estar perto de Deus.
“Gauche” se origina da expressão adverbial “à gauche” - “à esquerda”; ao contrário
de “à droit”, “à direita”. Assim, o verso justifica a má sorte do eu.
As combinações feitas criam efeitos, pois as escolhas lexicais assim como a
disposição dos vocábulos no verso criam combinações sonoras que estão
articuladas ao conteúdo veiculado. Trata-se de um conteúdo que se origina da forma
e que não tem origem com o que está fora do texto.
Na poesia, a palavra é percebida pela associação do significado, pelo arranjo com
outras palavras no discurso. A palavra poética tem dois valores, pois funciona em
termos de ‘signo’, isto é, serve para remeter a um conceito, mas vale também em si
mesma, como sendo ela própria uma realidade (GONÇALVES; BELLODI, 2005,
p.120).
Jakobson, do Círculo Linguístico de Praga, ampliou as três funções da linguagem
criadas por Karl Bühler: função representativa, função apelativa e função de
exteriorização psíquica. A primeira está centrada no referente, a segunda, no
receptor e a terceira, no emissor. Jakobson a estas acrescentou a função fática,
centrada no contato, a função metalinguística, no código e a função poética centrada
na mensagem; sendo essa última a dominante no texto literário, ainda que não
exclusiva.
Os formalistas dedicaram-se a análise da poesia numa perspectiva sincrônica, sem
considerar a noção de contexto literário e sócio-histórico.
Elementos que são analisados no poema
Podemos pensar, nessa perspectiva, na organização externa do poema em seus
aspectos formais. Os poemas são analisados quanto ao número de estrofes, número
de versos por estrofe, esquema das rimas de cada estrofe, métrica dominante, tipo
de rima existente e por opor-se à prosa. Cada linha do poema é chamada de verso.
Um conjunto de versos, separado de outro conjunto de versos por uma linha branca,
é chamado de estrofe e seu número pode variar, como exemplo, podemos citar:
Quadra
“Todos estes que aí estão
Atravancando o meu caminho,
Eles passarão.
Eu passarinho!”
(Mário Quintana)

Os poemas podem ter uma estrutura fixa como:

• Soneto: Formado por duas quadras e dois tercetos.

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Balada: Formada por três oitavas (ou décimas) e uma quadra (ou quintilha).
• Sextina: Formada por seis sextilhas e um terceto.
• Rondó: Formado por uma quintilha, um terceto e outra quintilha.
• Rondel: Formado por duas quadras e uma quintilha.
• Haicai: Formado por um terceto.

Exemplo de um haicai:
“Tudo dito,
Nada feito,
Fito e deito.”
(Paulo Leminski)

De acordo com Goldstein, o ritmo é formado pela sucessão, no verso, de unidades


rítmicas resultantes da alternância entre sílabas acentuadas (fortes) e não-
acentuadas (fracas), ou entre sílabas constituídas por vogais longas e breves. Fazer
a escansão é dividir um verso em sílabas métricas que diferem das sílabas
gramaticais. A contagem das sílabas existentes num verso é feita apenas até à
sílaba tônica da última palavra do verso. O número de sílabas varia: verso com uma
sílaba: monossílabo; verso com doze sílabas: dodecassílabo ou alexandrino; verso
com mais de doze sílabas: verso bárbaro; verso livre: usado atualmente pelos
poetas modernistas e não possuem número exato de sílabas.

Decassílabo:
“E, se mais mundo houvera, lá chegara.” (Luís de Camões)
(E / se / mais / mun / do hou / ve / ra / lá / che / ga ra)

A análise de um poema deverá englobar também a análise do conteúdo


bem como dos aspectos linguísticos utilizados.
Contrário a essa análise, Tynjanov deslocou a discussão para questões ligadas à
diacronia, repensando a complexidade da História Literária. Assim, opôs-se à
investigação da obra literária como um sistema reduzido – independente de sua
relação com um contexto, seja histórico ou individual.
A obra literária para ele era um sistema e a Literatura também e que mantinham
relações de interdependência e nesses sistemas cada elemento tinha uma função.
Função, para Tynjanov, constituía a possibilidade de um elemento entrar em
correlação com elementos do mesmo sistema e, consequentemente, como o
sistema inteiro. Por exemplo, uma obra literária que pertencesse a um determinado
estilo de época entraria em correlação com outras do mesmo estilo, mas estas
estariam inseridas em um sistema maior, seja em relação a uma literatura nacional,
seja ocidental, por exemplo - o que faria com que os estilos de época, através de
determinados mecanismos, não se repetissem. Tynjanov apresenta uma visão
articulada à evolução histórica da literatura, estabelecendo correlações entre a série
literária e as outras séries sociais, como forma de compreender a substituição de

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sistemas, tirando, assim, a literatura da dimensão isolacionista formal. Contrário a
essa análise, Tynjanov deslocou a discussão para questões ligadas à diacronia e
assim cria relações diferentes daquelas vistas pelos formalistas inicialmente.

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Aula 03_Dos formalistas aos estruturalistas

Continuando a apresentação das informações dadas na aula 1 e 2, continuamos a


tratar do novo olhar que lança Tynjanov à área. É importante lembrar que o autor
deslocou a discussão para questões ligadas à diacronia, repensando a
complexidade da História Literária. Assim, ele defendeu a relação da obra com um
contexto, seja histórico ou individual.
A obra literária para ele era um sistema e a Literatura também e esses sistemas
mantinham relações de interdependência e cada elemento tinha uma função.
Função, para Tynjanov, constituía a possibilidade de um elemento entrar em
correlação com elementos do mesmo sistema e, consequentemente, como o
sistema inteiro. Por exemplo, uma obra literária que pertencesse a um determinado
estilo de época entraria em correlação com outras do mesmo estilo, mas estas
estariam inseridas em um sistema maior, seja em relação a uma literatura nacional,
seja ocidental, por exemplo - o que faria com que os estilos de época, através de
determinados mecanismos, não se repetissem.
Tynjanov estabeleceu correlações entre a série literária e as outras séries sociais,
como forma de compreender a substituição de sistemas, tirando, assim, a literatura
da dimensão formal.
Com relação à narrativa, os estudos dos Formalistas voltaram-se para a análise do
romance, novela e conto. E nesses estudos davam importância à noção de tempo
da narrativa, além de distinguirem a fábula da intriga. A primeira vista como a
matéria bruta, sobre a qual o escritor dá forma artística e cria através da intriga, o
seu universo ficcional, artístico.
O Formalismo Russo, pressionado pelos marxistas, extinguiu-se em 1930.
Entretanto, suas ideias se disseminaram pela Europa e pelo Ocidente,
principalmente, pela publicação em francês por Tzvetan Todorov de seus estudos,
em que se encarregou de perpetuar a importância do arranjo estético e acentuou o
papel do crítico, que deveria percorrer a obra em sua literariedade.
Vladimir Propp dedicou-se a estudar a morfologia dos contos populares da Rússia,
desenvolvendo uma teoria inédita estruturalista, quando identificou uma espécie de
invariância em suas unidades básicas funcionais. Por meio da observação de 100
contos maravilhosos, ele estabeleceu 31 funções, unidades básicas definidas, não
pelas personagens nem pelos ambientes, mas por papéis que se estruturam dentro
da economia narrativa.
Propp estabeleceu que tais funções aparecem sempre na sequência por ele
descrita. Nem todas as funções aparecem em todos os contos, mas as que o fazem,
em cada conto, obedecem à sequência rígida.
O desenvolvimento das vanguardas europeias do século 20 está intimamente
relacionado aos artistas da geração anterior, que abriram caminho para as gerações
seguintes. Os expressionistas, os impressionistas, os pós-impressionistas, os
surrealistas, e até mesmo os realistas foram os verdadeiros pioneiros das
transformações artísticas, que marcariam a arte moderna.

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O grupo da Rússia, ao pregar a autonomia da estética, pensou em um método de
análise, que privilegiou não a realidade evocada, mas os recursos de que
se valeram o artista, isto é, todos os recursos próprios do artístico, como
os fônicos, sintáticos e semânticos, visando ao encontro da literariedade.
Um dos marcos da moderna teoria literária encontra-se no ensaio A arte como
procedimento, escrito em 1917 por Vítor Chklovski. Essa noção tornou-se
consensual após os estudos de Victor Erlich nos Estados Unidos (1955) e,
sobretudo, depois que um teórico de orientação marxista, Terry Eagleton, se
apropriou dos princípios do formalista russo em sua Teoria literária (1983), e o
transformou no manual mais popular dessa disciplina na Inglaterra.
Roman Jakobson, outro integrante fundamental do Formalismo, foi responsável por
uma das teorias mais difundidas no Ocidente: a ideia de que a função poética da
linguagem consiste na ambiguidade da mensagem mediante o adensamento do
significante, princípio desenvolvido a partir de pressupostos de Chklovski.
Chklovski foi o criador da abordagem linguística da literatura, pois seu ensaio foi o
primeiro a sistematizar a ideia de língua poética como um desvio da língua cotidiana
e em oposição ao cânone literário dominante.Ele introduziu a noção de que o valor
artístico de uma obra decorre de sua estrutura verbal e da maneira como é lida, pois
não existe valor artístico em termos absolutos, pois os objetos podem ser
concebidos como prosaicos e percebidos como poéticos e vice-versa.
Chklovski define a arte como a singularização de momentos importantes porque
passam por um processo de singularização artística já que a finalidade da arte é
gerar a desautomatização, provocando o estranhamento ou a singularização da
estrutura que o artista oferece à contemplação.
Pela perspectiva desses teóricos, o desconforto dos enunciados inovadores integra
o complexo de propriedades que atribuem valor estético ao texto.
Segundo a teoria de Chklovski, as imagens são um dos dispositivos pelos
quais o poeta singulariza o texto, mediante a produção do estranhamento,
responsável pela dificuldade que atribui densidade à percepção estética.
Elas são uma das possíveis manifestações da ideia de procedimento
artístico, que é o conjunto de atitudes rumo ao desvio da linguagem
comum em favor do insólito e do imprevisto. Transcendendo os limites das
figuras e dos tropos, a concepção de procedimento artístico de Chklovski
pode consistir em qualquer escolha e combinação que transmita a
sensação de surpresa e espanto.
Um dos exemplos citados pelo morfologista é o caso da novela Kholstomer, de
Tolstoi, em que o ponto de vista não é o de um ser humano, mas o de um cavalo.
Na literatura brasileira esse procedimento artístico se encontra nas Memórias
póstumas de Brás Cubas, em que a perspectiva de um defunto é responsável pelo
estranhamento do texto.
Em outra obra de Machado, na abertura do capítulo XI de O alienista emerge essa
singularização: E agora prepare-se o leitor para o mesmo assombro em que ficou a
vila ao saber um dia que os loucos da Casa Verde iam todos ser postos na rua.

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Todos? Todos. É impossível; alguns sim, mas todos... Todos. Assim o disse ele no
ofício que mandou hoje de manhã à câmara.
A inclusão do leitor na obra causa certo espanto, já que ele é convidado a sentir o
mesmo que sentiram os moradores da cidade. Logo, o leitor deixa a posição de
espectador para assumir o estatuto de personagem (leitor incluso). O alienista é uma
novela sobre a falácia da ciência, o conceito de loucura e o autoritarismo dos
governos.
Os formalistas colocariam o problema de outra forma: as incertezas
da ciência e a arbitrariedade dos governos são um dispositivo para
o exercício da alegoria. A motivação inicial de Machado teria sido a
formulação da sátira ou do escárnio alegórico, categorias
preexistentes ao tema da loucura mal interpretada. Assim, os
procedimentos buscam suas matérias, cujo resultado é a forma
literária. Com isso, elimina-se a ideia de que as matérias podem ser
incluídas ou excluídas de um texto, como se fossem o conteúdo de
uma garrafa. Conforme essa visão, a literatura nunca é sobre
coisas ou situações. Será sempre o resultado da adequação entre
procedimento e matéria, fenômeno que automaticamente a insere
num código de referência literária. Surge daí um conceito funcional
de literatura, entendida não mais como um discurso ornado e
ficcional que visa à imortalidade, mas como um modo especial de
articulação da linguagem, cuja ideia de valor é rigorosamente
relativa, pois leva em conta tanto a estrutura verbal do texto quanto
a percepção do leitor e o eventual desgaste das formas, que, de
estranhas e desautomatizadoras, podem, com o passar do tempo,
se tornar corriqueiras e previsíveis. Até então, jamais se chegara a
um conceito tão relativo do valor da obra de arte, que passou a ser
definida como uma estrutura sígnica contrária ou divergente do
padrão dominante.

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Aula 04_Estruturalismo e análise estrutural

Dando continuidade à discussão da aula anterior, tentaremos esclarecer como foi


se configurando o estruturalismo, que segue a tendência do cientificismo corrente,
quando reduz o texto a uma rede de significância e prioriza a langue, em sua
abstração coletiva de uso.

"O estruturalismo não é uma teoria nem um método; é um ponto de


vista epistemológico. Parte da observação de que todo conceito
num dado sistema é determinado por todos os outros conceitos do
mesmo sistema, e nada significa por si próprio. Só se torna
inequívoco, quando integrado no sistema, na estrutura de que faz
parte e onde tem um lugar definido. A obra científica do
estruturalismo é, portanto, uma síntese da visão romântica — cuja
base cognitiva é a dedução a partir de um sistema filosófico que
classifica e avalia os fatos a posteriori, e a posição empírica do
positivismo — que, ao contrário, constrói a sua filosofia a partir dos
fatos que comprovou pela experiência. Para o estruturalista, há uma
inter-relação entre os dados, ou fatos, e os pressupostos filosóficos,
em vez de uma dependência unilateral. Daí se segue que não se
trata de buscar um método exclusivo, que seja o único correto, mas
que, ao contrário, 'o material novo importa em regra numa
mudança de procedimento científico' (2). Da mesma sorte que
nenhum conceito é inequívoco antes de integrado na sua estrutura
particular, os fatos não são inequívocos em si mesmos. Por isso o
estruturalista procura integrar os fatos num feixe de relações que
ponham em evidência a sua inequivocidade dentro de uma
superordenação e de uma subordinação. Numa palavra, a estrutura
global é mais do que uma súmula mecânica das propriedades dos
seus componentes, pois determina propriedades novas".

O Estruturalismo começa com Ferdinand Saussure, a partir da publicação, em 1916,


do Curso de linguística geral, compilado por Charles Bally.
Saussure descreve o código linguístico e o divide entre langue, enquanto sistema
coletivo, e parole de uso individual, apresentando-o como um sistema, uma
estrutura, cujos elementos só significam na relação estabelecida com o todo.
Para ele, é necessário que o significante (cadeia fônica) e o significado (conteúdo)
do signo estejam em relação de interdependência, constituindo-se assim a condição
da linguagem.
Mukarovsky do Círculo Linguístico de Praga apresenta-nos os conceitos de “estrutura
melódica”, “estruturas rítmicas”, “estruturas fônicas”, “estruturas sintáticas” e

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“estrutura de conteúdo”. Em consonância com a noção de estrutura literária de
Mukarovsky e outras noções coincidentes, a crítica estruturalista se empenha em
descrever, de modo imanente e com rigor analítico, as relações instituídas entre os
vários elementos componentes de um dado texto literário e que configuram
especificamente a estrutura desse texto, ignorando propositadamente problemas de
história literária, de erudição bibliográfica, de interpretação psicologista, etc. (SILVA,
1975, p. 655).
Mukarovsky vê o texto literário como signo, e, ao mesmo tempo, como
uma estrutura de signos e se distingue em dois aspectos: como artefato
(significante) e como objeto estético (significado).
O Estruturalismo segue a tendência do cientificismo corrente. A visão dos
estruturalistas sobre o texto é de uma rede de significância que prioriza a langue,
em sua abstração coletiva de uso, a fim de se debruçar sobre a estrutura do próprio
signo para que esse fosse melhor observado.
Assim também se dá com a obra literária-vista como uma estrutura, um todo
orgânico, um sistema de relações, de tal forma que qualquer alteração imposta, por
exemplo, a um elemento qualquer de um romance significa alteração na obra toda
(GONÇALVES e BELLODI, 2005).
O estruturalismo realiza uma análise da obra literária como se estivesse à
procura de uma base de significância encontrável em todas as obras.
A obra não se refere a um objeto, nem é a expressão de um sujeito
individual; ambos são eliminados, e o que resta, pendendo no ar
entre eles, é um sistema de regras. Esse sistema possui existência
autônoma, e não se inclinará às intenções individuais (EAGLETON,
1997, p.154).

Análise Estrutural

Mu / dam /-se os / tem / pos, / mu / dam / -se as / von / ta / des,


1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Mu / da / -se o / ser /, mu / da / -se a / con / fi / an / ça:
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
To / do o / mun / do é / com / pos / to / de / mu / dan / ça,
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
To / man / do / sem / pre / no / vas / qua / li / da / des.
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

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O poema “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”, de Camões, é um soneto,
estruturado em dois quartetos (estrofes de quatro versos cada) e dois tercetos
(estrofes de três versos cada).
Seus versos são decassílabos e apresentam um esquema rítmico com duas
disposições:
a) na primeira estrofe, as sílabas tônicas são a 4ª e a 10ª;
b) nas demais estrofes, as sílabas tônicas são a 6ª e a 10ª.
As rimas apresentam a distribuição: ABBA ABBA CDC DCD. As rimas A são
intercaladas (interpoladas ou opostas), na medida em que são os extremos do
quarteto, enquanto as rimas B são emparelhadas (paralelas), ou seja, rimam dois a
dois; nos tercetos, as rimas C e D são cruzadas (entrecruzadas ou alternadas), na
medida em que se revezam nas estrofes.
Entre outros teóricos, voltados para a noção estrutural de ver o texto literário, tendo
a França como a grande disseminadora, estão: A. J. Greimas, Tzvetan Todorov e
Gérard Genette. Em Fronteiras imaginárias (1971), Fábio Lucas procura sintetizar as
características básicas do Estruturalismo e de sua vertente no campo da crítica
literária.

De modo geral, podemos dizer que o Estruturalismo tem


contribuído, no pensamento contemporâneo, para deixar
estabelecidos os seguintes princípios: a) o primado da totalidade;
b) o interrelacionamento dos fatores. Nesse entrelaçamento,
predomina a interdependência, pois a estrutura constitui um todo
formado de elementos solidários; c) uma rede de relações se
estabelecendo, torna-se prioritário estudá-la, mais do que as
partes, os elementos ou as substâncias correlacionadas, que
formam o todo; d) além de uma articulação no plano da
consciência, reconhece-se uma articulação no plano do
inconsciente, fundamental, pois estabelece a continuidade da
história ou do discurso, interceptados por hiatos ou mentiras
(símbolos); e) o conhecimento deve afeiçoar-se a jogos de
oposições do tipo sincronia-diacronia (o mais difundido), língua-fala,
chave da lingüística saussuriana), significante-significado, som-
sentido (Valéry já dizia que o poema não passa de uma ‘hesitação
entre o som e o sentido’), expressão-conteúdo, sociedade-indivíduo,
ciência-ideologia (vale dizer: ‘saber rigoroso’ e ‘consciência
deformada’), sintagma-paradigma (LUCAS,1971, p.47-48).

O pensamento de Saussure e dos Estruturalistas de modo geral acabou por reforçar


uma perspectiva idealista, quando enfatizou que o significado encontra-se preso a

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uma essência de origem primeva, ou seja, aos primeiros tempos do mundo, sem
levar em conta as condições enunciativas de sua realização.

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Aula 05_As contribuições da Estética da Recepção
Na aula anterior, vimos que a preocupação dos formalistas estava em analisar a
obra literária dentro uma perspectiva que via o texto a partir da estrutura interna e
externa, apenas isso, desconsiderando outras relações que poderiam ser tecidas-
texto era o objeto de análise. A recepção do texto pelo leitor não era considerada, as
relações que poderiam ser estabelecidas pelo leitor/receptor do texto não era
considerada.
Em resposta a essa tendência instalada e que não satisfazia as reflexões advindas
dos pensadores e teóricos que defendiam uma nova visão, uma forma diferente de
receber e compreender o texto, a estética da recepção nos apresenta suas ideias.
Um leitor do texto que se preocupasse em fazer perguntas como: “O que me diz o
texto? “O que posso concluir sobre ele?” não poderia obtê-las, pois os
estruturalistas se negavam a fazê-lo.
A Estética da Recepção ou Teoria da Recepção surgiu na década de 1960, na
Alemanha. Essa corrente crítica está ligada às comunidades interpretativas que
levam em consideração a produção, a recepção e a comunicação.
Esses três componentes nos trazem a figura de seus representantes: autor - obra -
leitor – que passam a ser vistos em uma relação dinâmica, em que a leitura de um
texto literário depende das condições sócio-históricas, que lhe dão sentido e das
relações estabelecidas entre esses componentes – a figura do receptor ficou restrita
à catarse de Aristóteles e à função conativa, do formalista Jakobson, sem que
aquele que seria responsável pela construção do sentido, fosse valorizado.
Essa preocupação foi manifesta por Hans Robert Jauss e Wolfgang Iser – estes
criticaram as correntes teóricas anteriores por não pensarem no receptor e por seu
caráter imanentista e sincrônico.
O leitor passa a ser objeto e sujeito da análise literária. O fundamento básico que
sustenta essa unidade triádica do processo hermenêutico (Gadamer), ou seja, o
entendimento na confluência de três momentos – comunicação, interpretação,
aplicação - hauridos através de três leituras:
1ª) leitura perceptiva, imediata (compreensão);
2ª) leitura refletida, reflexiva (interpretação);
3ª) leitura pesquisadora do horizonte histórico determinante da gênese e do efeito da
obra; que permite distinguir os horizontes passados do atual, pelo confronto da
leitura contemporânea com todas as outras merecidas até então (aplicação) (PIRES,
1989, p.103).
Ao trazer o leitor para o primeiro plano, a Estética da Recepção coloca por terra
a crença em possíveis interpretações corretas do fenômeno literário. Para tanto, o
leitor deve estar atento a estratégias de leitura a serem adotadas e, ao mesmo
tempo em que é indispensável o domínio do repertório de temas pertinentes ao
artístico e de um certo protocolo de leitura, diante do texto literário, que pode ser
SAIBA MAIS

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Hermenêutica: é um ramo da filosofia que se volta para a compreensão e
interpretação da Bíblia e de textos escritos, de um modo geral. A palavra deriva do
nome do deus grego Hermes, o mensageiro dos deuses, a quem os gregos
atribuíam a origem da linguagem e da escrita e considerado o patrono da
comunicação e do entendimento humano. Fonte: ABBAGNANO, 1998, p. 497.
Imanentista: Que diz respeito ao imanentismo, que é próprio de algo, com suas
características peculiares. Em relação ao texto literário, trata-se da crítica que vê a
literatura como capaz de produzir sentido, de forma autônoma, sem depender do
contexto, seja aquele evocado na obra, seja o das condições de leitura. A crítica
imanentista já foi vista na Aula V: O New criticism: A visão imanentista da obra
literária.
As teorias da recepção consideram muitas vezes que existem, por um lado os textos
literários, e, por outro, os textos pragmáticos, que teriam formas de funcionamento
diferentes”. Isto é, na leitura pragmática, o leitor procura ligá-la ao cotidiano,
concreto, enquanto, na não-pragmática, não ocorre essa aplicação automática,
antes a fruição estética impede tal uso.
Em textos, como na parábola, usada nos textos sagrados, nas fábulas, ou nos
apólogos, é possível, sem dificuldade, proceder às duas leituras: não-pragmática e
pragmática.

Em uma leitura não-pragmática, parabólica, o texto vale por si mesmo, isto é, não
necessita de referências externas para produzir sentido, logo, sendo uma narrativa,
os seus elementos é que seriam objeto de análise como: a composição dos
personagens, em suas ações, o uso do tempo, o espaço, onde ocorre o enredo, o
uso do discurso direto, ou do indireto etc. Por outro lado, em uma leitura pragmática,
o texto se justifica pelos dados extra-textuais evocados, como, por exemplo, o fato
de a Agulha e a Linha estarem sempre discutindo, por se sentirem uma superior à
outra. Tais falas refletem as posições antagônicas de classe social, vividas no
cotidiano das pessoas do II Império no Brasil. Por isso, Wolfgang Iser chama a
atenção para certa necessidade de instrumentalização do leitor no ato de fruição
estética. Nas palavras de Terry Eagleton, o posicionamento do alemão de confirma
em:Para ler, precisamos estar familiarizados com as técnicas e convenções literárias
adotadas por determinada obra; devemos ter certa compreensão de seus ‘códigos’,
entendendo-se por isso as regras que governam sistematicamente as maneiras
pelas quais ela expressa seus significados (EAGLETON, 1997, p. 107).
Para Iser, a leitura eficiente é aquela que força o leitor a sair dos hábitos
convencionais de leitura, que viola os modos normativos de ver e sentir, rumo a uma
nova consciência e à aquisição de novos códigos de entendimento, ao preencher os
vazios, os hiatos.

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Aula 06_A Perspectiva do Pós-Estruturalismo
Continuando nossa caminhada pelas tendências críticas, passaremos nesta aula a
identificar O Estruturalismo vinha sofrendo fortes restrições.
O termo pós-estruturalismo entrou em uso teórico-crítico em 1970, junto com o pós-
modernismo com Jean Baudrillard, Jean François Lyotard, pós-criticismo Frederic
Jameson e o conceito de desconstrução de Jacques Derrida.
O Pós-estruturalismo não apresenta uma unidade de pensamento, mas o termo é
muito usado no discurso da crítica. Os autores reconhecidos como pós-
estruturalistas como Jacques Derrida, Michel Foucault e Roland Barthes confessam
não compartilhar nenhuma doutrina ou método único conforme afirma Samuel
(2002).
Como o próprio nome revela o Pós-estruturalismo critica o Estruturalismo por ser
visto como tributário do modelo binário de ver o mundo, em pares dicotômicos.
Em A escrita e a diferença (1967) e em Gramatologia (1973),
Derrida lança as bases da teoria da desconstrução, ao tentar
desconstruir o pensamento logofonocêntrico, isto é, amparado em
monismos, como o conceito de verdade (logo) e da palavra viva
(fono), calcado na metafísica, quando essa vincula a retórica à
lógica e o estilo ao significado, como se esse estivesse imune aos
efeitos da escrita. Para Derrida, a escrita não deve ser vista como
uma sujeição servil à fala, em substituição a essa última, pois toda
linguagem é metafórica e, tanto a filosofia, como o direito e a
literatura constituem-se enquanto linguagens figuradas, e trabalham
sempre para tornar a ambiguidade como injunção da verdade.
Derrida cria o neologismo différance, a partir dos verbos de língua
francesa différer e diférer, que, respectivamente, querem dizer
adiar, diferir e citar, deferir. La différance vem a ser a constituição
mesma do signo, em sua condição vicária, isto é, em seu processo
de significação, está sempre no lugar de algo. E Descamps, em As
Ideias Filosóficas Contemporâneas na França (1991), elucida-nos
como ocorre essa condição do signo, de certa sorte, precária:Os
mecanismos de auto-afetação, de ‘diferança’, destroem a linha
régia da presença em si. Deslocar as figuras da identidade, da
origem, é desconstruir as oposições seculares entre
natureza/cultura, presença/ausência, sujeito/objeto, inteligível/
sensível. A tarefa é imensa já que esses rochedos não param de
frequentar os grandes textos (DESCAMPS, 1991, p. 111).

Para justificar sua existência, o signo precisa se definir pelo que não é, pela sua
ausência, ainda que simule a presença, por exemplo, o signo gato só se torna
linguagem quando há a relação de significância estabelecida, a chamada dupla
articulação, entre significante (cadeia fônica), composto por seus fonemas, e

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significado (evocação mental de um ser, cuja existência é encontrada nas casas, nas
ruas ou outros lugares. Portanto, /g/ /a/ /t/ /o/, enquanto significante, só existe
porque se opõe, se diferencia, por exemplo, de /s/ /a/ /p/ /o/, que remete a um
outro significado, que não o primeiro, sempre em um processo de adiamento da
perfeita articulação entre significante e significado. Restando sempre um
componente de significado, que não foi incluído, na pauta da metafísica ocidental, ao
qual Derrida chama de suplemento, em outras palavras, não se encontra
representado no código linguístico e em todo o sistema de atribuição de sentido.
A crítica desconstrucionista revela como os textos podem ser abalados em seus
sistemas lógicos dominantes. Faz isso assinalando os pontos somáticos – onde a
significação textual se torna vulnerável, perde coesão e se abre a contradições
conforme Pires (1989). Assim, a desconstrução critica os monismos, que se opõem
ao dialogismo, ao pluralismo, à diferença, quando incide suas análises em textos,
visando mostrar a fragilidade de significação, que balizaram todos os centros
excludentes dos pares dicotômicos ocidentais: centro/periferia, branco/negro,
homem/ mulher etc. Tais monismos encontram-se em qualquer área: em piadas, em
novelas televisivas, em propagandas. Na literatura brasileira ocorre quando a figura
do negro é colocada como subalterna ou da mulher sempre em um papel de
dependência em relação ao homem, encerrando, em última instância, um
preconceito velado, incapaz de problematizar o que já está instituído na sociedade.
Nos poemas de Adélia Prado encontramos um questionamento aos papéis pré-
determinados. Através de pontos somáticos, de aporias ou impasses de significado,
que não se sustentam, quando questionados, tornam-se passíveis de revisão:

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A questão das relações de gênero, fundamentadas no patriarcalismo legitima-se
dicotomia da tradição ocidental homem/mulher, em que o segundo par foi sempre
visto como menor, destituído da razão, necessitando da intervenção do primeiro para
existir.
Os poemas apresentam imagens femininas bem distintas.
O poema Com licença poética apresenta uma mulher determinada, decidida,
consciente de seu papel em uma sociedade dominada por homens. Trata-se de uma
mulher que decide “carregar bandeira”, isto é, que assume postura de mulher-poeta,
tarefa difícil em um contexto marcado por grandes poetas, como Manuel Bandeira
(“carregar bandeira”) e Carlos Drummond de Andrade (“vai ser coxo na vida”).
Apesar disso, essa mulher vai à luta e cumpre sua sina (“Mulher é desdobrável. Eu
sou.”). Mas também mostra um outro lado da mulher, aquela ligada aos laços
familiares: casamento, esposa, mãe, filhos, necessidade de alegrias.
O poema Enredo para um tema mostra uma mulher que foi subjugada pelo sistema
machista, que se deixou dobrar. Trata-se de uma mulher que possui uma visão
idealizada de casamento: “só os cabelos pretíssimos e uma beleza de príncipe de
estórias encantadas.”. Uma mulher impedida de expressar opiniões e sentimentos e
decidir seu futuro. Enfim, uma mulher “ainda envergonhada”, como apontada no
poema anterior, sem voz: “Só eu não disse nada, nem antes, nem depois”.
A poetisa coloca o silêncio posto sobre a mulher - ela nunca fala - condicionada, que
é, no caso, ao pai e ao pretendente escolhido pelo primeiro. Há uma negação do
livre arbítrio, pregado pelo racionalismo, para escolher o seu amor.
O filósofo E. Husserl, do Romantismo alemão, usou pela primeira vez, na introdução
de sua obra Origem da Geometria,1968, o termo desconstrução. É bom que se diga
que desconstrução não significa destruição, mas a possibilidade de ler aquilo que o
texto esconde em suas partes significativas, que, a primeira vista, pode passar
despercebida.

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Aula 07_O monismo e pós-estruturalismo

Nesta aula, vamos tentar esclarecer o que é o monismo e sua relação com a
tradição e também como algumas concepções atuais foram surgindo.

O monismo foi uma concepção de mundo que opunha à multiplicidade da vida, de


que os seres não são perenes, mas mutáveis, negando, portanto, a pluralidade dos
fenômenos, e se fechando ao diálogo, porque esse pode levar à discórdia, à não
adesão ao que o outro diz.

Mikhail Bakhtin, dissidente do Formalismo Russo, já havia detectado, em obras


publicadas no início do século XX, como Problemas da poética de Dostoiévski
(2005) e A cultura popular na Idade Média e no Renascimento que o sentido
atribuído aos fenômenos, não pode ser considerado fora de seu uso, sem o embate
de visões ideológicas, rumo ao pluralismo, em síntese, ao pensamento democrático,
que convive com variadas opiniões.

Michel Foucault, grande conhecedor da filosofia de Nietzsche, questionou também


não a relação da verdade com as coisas, mas a forma como os discursos são
instituídos como princípio de verdade, seja na medicina, seja na sociedade, em
geral; chamando atenção para como os jogos de verdade e exclusão são
organizados socialmente.Entre suas obras mais famosas, estão História da Loucura
(2003), As palavras e as coisas (1999), A arqueologia do saber (1997) e Vigiar e
Punir (1977) e todas elas, guardadas as temáticas de cada uma, encerram a
concepção de que o cidadão encontra-se atravessado por discursos que o
precedem.

Ele defende a morte do sujeito cartesiano, aquele que se diz racional, fruto do seu
livre arbítrio, uma vez que não somos autores dos nossos discursos, mas meros
veículos para aqueles que estão legitimados por instâncias sociais. Para Foucault, o
poder não se encontra em instâncias fechadas, isto é, em instituições, mas de forma
difusa na estrutura social. Roberto Machado, estudioso da teoria foucaultiana,
adverte, em Ciência e Saber: A trajetória da Arqueologia de Foucault (1981): O
Estado não é o ponto de partida necessário, o foco absoluto que estaria na origem
de todo tipo de poder social e de que também se deveria partir para explicar a
constituição dos saberes nas sociedades capitalistas (MACHADO, 1981, p.190).

O livro alerta que o poder do Estado instituído em uma sociedade também exerce
sua coerção, entre os cidadãos, entre outras microfísicas, isto é, aquilo que não é
percebido, mas que coage para a manutenção de uma verdade. Então, as regras de
sujeição disciplinar vão determinar as fronteiras do permitido e do não permitido,
porque se embasam em pares que se opõem: alto/baixo, claro/escuro,
natureza/cultura, homem/mulher, centro/periferia.

Em Vigiar e Punir, Foucault afirma que as disciplinas atravessam o corpo social e a


realidade mais concreta do ser humano – o próprio corpo – como uma rede, sem
que suas fronteiras sejam delimitadas, através de: Métodos que permitem o controle
minucioso das operações do corpo, que asseguram a sujeição constante de suas

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forças e lhes impõem uma relação de docilidade-utilidade (FOUCAULT, 1977,
p.139).

Jean-François Lyotard, outro pós-estruturalista francês, escreve, no final da década


de 1970, A condição Pós-moderna (1988), em que elenca as metanarrativas, isto é,
as narrativas que respaldaram crenças e comportamentos da tradição do mundo
ocidental, essas sempre numa perspectiva de totalidade, seja de cunho religioso,
seja político-ideológico, que, a partir da década de 50, após a Segunda Guerra
Mundial, começaram a ser questionadas.

A crítica feita por Lyotard ao continuísmo historicista questiona toda uma hegemonia
que legitimou o próprio conceito de razão, vindo desde a Antiguidade Clássica,
presa ao mundo das Ideias, à tradição socrático-platônica e às religiões judaico-
cristãs, que, para se manterem, colocaram o mundo sempre balizado em pares
dicotômicos, cujo segundo elemento da díade é sempre visto em posição de falta,
de demérito. Dessa forma, justificaram o avanço sobre continentes, o imperialismo
europeu e, ao mesmo tempo, o seu sistema patriarcal corrente.

O pós-estruturalismo critica os valores ocidentais tidos como sagrados e plenos de


verdade.

Em uma leitura próxima do que faziam os formalistas e os estruturalistas do canto I,


de Os Lusíadas (2002) de Luís de Camões, podem ser analisados do ponto de vista
da cadeia fônica: rimas, assonâncias, ecos, versos decassílabos, em rimas cruzadas
e emparelhadas, conforme o esquema ABABABCCC. Em relação ao conteúdo, os
versos se estruturam em uma rede de significação, que remete a uma série de
predicações, sempre alusivas à qualificação positivada do feito luso, por esse povo
ter contornado a África e chegado às Índias, com o objetivo primeiro de expandir a fé
cristã e levar aos colonizados a chamada civilização.

Numa análise de cunho conceitual, isto é, do ponto de vista do conteúdo, à luz das
leituras, que se propuseram a rever o racionalismo ocidental, como, por exemplo, o
pós-estruturalismo, os estudos culturais ou o pós-colonialismo, há muito a
acrescentar: A colonização de povos ditos primitivos há algum tempo vem sendo
revista, a partir de acontecimentos que marcaram o mundo ocidental, como, as duas
grandes guerras do século XX; a invasão das tropas soviéticas na Hungria, em
1956, e a denúncia de atrocidades cometidas contra a população local; a
descolonização de domínios europeus em outros continentes; a entrada dos filhos
do operariado em Universidades Abertas, na Europa, nos anos 50 do século
passado; o movimento estudantil de 1968, em Paris, com o apoio das feministas.
Tais fatos constituem elementos desencadeadores do que veio depois em termos de
crítica. A crítica, seja ao status quo, seja ao texto literário, requer, mais do que um
empreendimento, uma postura política, de quem a faz, em forma de agência, em
performance insidiosa.

As teorias críticas ganham uma dimensão muito mais ampla, na medida em que o
teórico não pode mais se eximir do mundo.

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Aula 08_Contribuições da Linguística Textual - a coesão

Nesta aula, trataremos dos princípios da teóricos da Linguística Textual. A LT têm


considerado o "texto" como uma unidade complexa, estruturada por elementos
linguísticos e elementos pragmáticos.

A diversidade desses elementos tem tornado difícil a construção de um modelo


teórico que explique e descreva a "textualidade" em toda a sua complexidade.

Os estudos têm procurado o melhor caminho teórico para tratar os elementos


complexos que compõem o tecido textual:

A Linguística Textual trata o texto como um ato de comunicação


unificado num complexo universo de ações humanas. Por um lado,
deve preservar a organização linear que é o tratamento
estritamente linguístico abordado no aspecto da coesão e, por outro
lado, deve considerar a organização reticulada ou tentacular, não-
linear, portanto, dos níveis de sentido e intenções que realizam a
coerência no aspecto semântico e funções pragmáticas. (Marcushi,
1983, p. 12-3)

Um dos principais problemas na análise do texto está associada ao fato de tratar-se


de uma unidade de sentido agenciada por elementos linguísticos, e ser, portanto,
necessário estabelecer o papel desempenhado pelos elementos na constituição do
todo.

A abordagem da totalidade exige uma teoria linguística que possa dar conta da
relação entre os elementos e da constituição do todo de sentido. Uma tentativa tem
sido realizada nos trabalhos de Halliday (1985), com a preocupação de construir as
bases de uma gramática funcional para o sistema da língua, em que cada elemento
deve ser interpretado como funcional em relação ao todo. Para ele, a organização
da linguagem não é "arbitrária", ela está intimamente associada às necessidades do
uso. Por ser instrumento de uso, as estruturas linguísticas são produto de três
processos semânticos simultâneos:

a) é uma representação da experiência (função IDEACIONAL);

b) é uma mensagem (função TEXTUAL);

c) é uma troca interativa (função INTERPESSOAL).

A textualidade é assim, criada por um conjunto de processos semânticos em que


uma mensagem construída com base na experiência, e comunicada a interlocutores.

A partir dessa concepção, Beaugrande e Dressler (1981) propõem o estudo da


textualidade por meio de padrões necessários para que um texto seja comunicativo.

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Para Halliday & Hasan, a coesão textual é um conceito semântico, que se refere às
relações de sentido existentes no interior do texto e que o definem como um texto.
Ocorre quando a interpretação de algum elemento do discurso é dependente de
outro, através do sistema léxico-gramatical.

Podemos nos deparar com sequenciamentos coesivos de enunciados que não


chegam a constituir textos, por falta de coerência. Veja um exemplo:

O DIA ESTÁ BONITO, POIS ONTEM ENCONTREI SEU IRMÃO NO CINEMA. NÃO
GOSTO DE IR AO CINEMA. LÁ PASSAM MUITOS FILMES DIVERTIDOS.

Há, porém, textos destituídos de elementos de coesão, mas cuja textualidade se dá


no nível da coerência:

OLHAR FITO NO HORIZONTE. APENAS O MAR IMENSO. NENHUM SINAL DE


VIDA HUMANA. TENTATIVA DESESPERADA DE RECORDAR ALGUMA COISA.
NADA.

Podemos, então, entender por coesão textual o conjunto dos recursos linguísticos
que estabelecem as ligações entre as partes de um texto (nas frases, entre as
orações de um período ou entre os parágrafos), garantindo-lhe a coerência.

A coesão referencial é a que possibilita a recuperação de termos de um texto,


evitando repetições. Ela pode ser construída por meio de:

1- Anafóricos: elementos linguísticos que recuperam (ou que se referem a) algo que
foi dito anteriormente:

a) pronomes: A escola comprou novos equipamentos. Com eles daremos aulas mais
dinâmicas.

b) advérbios e locuções adverbiais: Perto do colégio havia uma praça. Lá as


professoras faziam passeios com os alunos.

c) numerais: Andreia e Laura chegaram de Paris. As duas trouxeram várias


novidades para nós.

d) elipse (omissão do antecedente): As professoras estão participando, desde


ontem, de um curso. Só retornarão na próxima semana.

e) coesão lexical (ou reiteração)

• sinônimos: A porta abriu-se e apareceu uma menina. A garotinha estava muito


assustada.

• hiperônimos (palavras de sentido amplo, que englobam outros termos de sentido


mais específico): A supervisora da empresa está fazendo o levantamento de preços
para a aquisição de laptops. O equipamento deverá ser comprado ainda este ano.

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Você deve evitar a retomada por meio de termos gerais, como coisa, gente, e
termos da oralidade, como treco, bagulho.

• hipônimos (palavras de sentido restrito): As flores chegaram. Os antúrios ficarão


lindos na recepção.

• expressões nominais definidas: Collor preocupa-se em manter a forma. O


presidente exercita-se todos os dias.

• nomes genéricos e/ou substantivos abstratos: Os alunos do curso de Matemática


compareceram à palestra de Marcelo Gleiser. A coordenação do curso aplaudiu
essa presença.

• metonímias (a parte pelo todo): Os representantes dos Estados Unidos deverão


reunir-se amanhã com a comitiva russa. Os observadores acreditam, entretanto, que
não será ainda desta vez que Moscou cederá às pressões de Washington.

• termos caracterizadores ou qualificadores: Ontem, o professor Carlos Alberto


esteve No Rio de Janeiro. Na cidade maravilhosa, ele participou de um seminário
sobre aprendizagem significativa.

2- Catafóricos: elementos linguísticos que anunciam algo que será dito:

a) pronomes:

Ele está pronto. Finalmente, a costureira entregou o vestido prometido para


setembro.

b) dois-pontos:

Os professores consideram Mariana uma boa aluna: é sempre a primeira a chegar,


participa da aula, faz todos os seus deveres.

c) expressões que introduzem explicação ou retificação:

Os pais, ou melhor, a maioria dos pais virá à escola.

Coesão textual: a sequência

Coesão sequencial é a que possibilita a ordenação das ideias num encadeamento


lógico entre as partes de um texto, fazendo-o progredir. Esse tipo de coesão é
construída por meio de:

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1- conectores ou elementos de ligação (preposições e locuções prepositivas,
conjunções e locuções conjuntivas), que estabelecem uma relação semântica entre
os diversos segmentos das frases, entre os diversos períodos e entre os parágrafos.

O aluno precisou faltar tanto às aulas que não conseguiu acompanhá-las, quando
retornou.

Alguns elementos de ligação:

a- oposição, contraste, ressalva: mas, porém, contudo, todavia, entretanto, no


entanto, embora, contra, apesar de, não obstante, ao contrário.

b- causa e consequência: porque, visto que, em virtude de, uma vez que, devido a,
já que, por motivo de, em razão de, graças à, em decorrência de, por causa de.

c- finalidade: a fim de, a fim de que, com o intuito de, para, para que, com o objetivo
de.

d- proporção: à medida que, à proporção que, ao passo que, tanto quanto, tanto
mais.

e- condição: se, caso, contanto que, a não ser que, a menos que.

f- conclusão: portanto, então, assim, logo, por isso, por conseguinte, pois, de modo
que, em vista disso.

g- adição: e, nem, ou, tanto .. quanto (ou como), não só ... mas também.

2- operadores do discurso ou partículas de transição, que facilitam o registro do fluxo


das ideias ou dos fatos expostos, mostrando de maneira clara a continuação do
pensamento.

Cláudio é, sem dúvida, o candidato mais bem preparado. Além disso, revela aguda
sensibilidade às artes.

Algumas partículas de transição:

a- prioridade e relevância: em primeiro lugar, antes de mais nada, acima de tudo,


sobretudo.

b- tempo: a princípio, ocasionalmente, não raro, simultaneamente, nesse ínterim, por


fim, em pouco tempo, em muito tempo, logo que, assim que, antes que, depois que,
quando, sempre que..

c- semelhança: analogamente, similarmente, sob o mesmo ponto de vista,


semelhantemente.

d- continuação: ademais, outrossim, além disso.

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e- dúvida: quiçá, se é que, provavelmente, talvez.

f- certeza, ênfase: decerto, indubitavelmente, inquestionavelmente, com toda


certeza, sem dúvida, com efeito, de fato.

g- surpresa, imprevisto: inopinadamente, de súbito, inesperadamente,


surpreendentemente.

h- ilustração, esclarecimento: isto é, quer dizer, a saber, por exemplo, vale dizer.

i- propósito, intenção: com o fim de, com o propósito de, propositadamente,


intencionalmente.

j- resumo, recapitulação: em suma, em síntese, em conclusão, em resumo.

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Aula 09_Fatores de Coerência

Continuando com os pressupostos da Linguística textual, nesta aula abordamos os


fatores de coerência – aqueles que dão sentido do texto, ou seja, a coerência faz
com que o texto tenha sentido para os usuários, graças à possibilidade de se
estabelecer, no texto, alguma forma de unidade ou relação. Essa unidade é sempre
apresentada como uma unidade de sentido no texto, o que caracteriza a coerência
como global, isto é, referente ao texto como um todo.

A construção da coerência decorre de uma multiplicidade de fatores:

1. Elementos linguísticos: ainda que não seja possível apreender o sentido de um


texto com base apenas nas palavras que o compõem, é indiscutível a importância de
se conhecerem os elementos linguísticos do texto para o estabelecimento da
coerência. Observe o aviso que segue:

Colóquio.

O discurso narrativo dos mitos indígenas.

Prof. Dr. João da Silva.

5a feira, 20/08/1994.

14 horas.

Auditório 111.

A compreensão desse aviso depende do conhecimento linguístico de que:

a) os colóquios são reuniões de professores e alunos da instituição e outros


interessados em que um pesquisador (da instituição ou não) expõe um trabalho seu
em andamento ou concluído, seguindo-se à exposição discussões sobre o assunto;

b) o assunto é de linguística;

c) quem é o professor e quais suas qualificações; e

d) onde é o Auditório 111.

2. Conhecimento de mundo ou enciclopédico: desempenha papel decisivo no


estabelecimento da coerência. Se o texto tratar de coisas desconhecidas, será mais
difícil calcularmos o seu sentido e esse texto nos parecerá destituído de coerência.
Esse conhecimento é adquirido na medida em que vivemos e armazenamos
informações, na memória, em blocos – as chamadas estruturas cognitivas.

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3.Conhecimento partilhado: como cada um de nós vai armazenando os
conhecimentos na memória, a partir de nossas experiências pessoais, é impossível
que duas pessoas partilhem exatamente do mesmo conhecimento de mundo. É
preciso, todavia, que os dois sujeitos do ato comunicativo tenham uma parcela de
conhecimentos comuns. Quanto maior for essa parcela, menor será a necessidade
de explicitude do texto, pois o receptor será capaz de suprir as lacunas, por
exemplo, através das inferências.

O conhecimento partilhado entre os interlocutores constitui a informação


“velha” ou “dada”. Para que o texto seja coerente, é preciso haver um equilíbrio entre
informação dada e informação nova. Se um texto contivesse apenas informação
nova, seria ininteligível, pois faltariam ao receptor as bases a partir das quais ele
poderia proceder ao processamento cognitivo do texto. De outro lado, se o texto
contivesse somente informação dada, ele “caminharia em círculos”, sem preencher
seu propósito comunicativo.

4. Inferência: é a operação pela qual, utilizando seu conhecimento de mundo, o


receptor de um texto estabelece uma relação não explícita entre dois elementos
(normalmente frases ou trechos) desse texto que ele busca compreender e
interpretar. Quase todos os textos que vemos ou ouvimos exigem que façamos uma
série de inferências para podermos compreendê-lo integralmente. Se assim não
fosse, nossos textos teriam de ser excessivamente longos para poderem explicitar
tudo que queremos comunicar.

Vejamos alguns exemplos de inferências:

Ex.: Paulo comprou uma caminhonete.

Inferências:

I. Paulo tem um carro.

II. Paulo tinha recursos para comprar o carro.

III. Paulo é rico.

IV. Paulo é melhor companhia que você.

Podemos observar que nem todas essas inferências são necessárias:

III é menos necessária que I e II;

IV é a menos necessária e só será feita, dependendo do contexto em que o


enunciado for dito.

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Aula 10_É fácil classificar ou nomear um gênero?

Tendo em vista que você já leu a respeito das concepções, ideário e análise das
correntes literárias, ficará mais fácil para entender quais critérios comumente são
usados para sua caracterização e designação. Esta aula trata dos critérios
envolvidos na nomeação dos gêneros, já que uma das dificuldades encontradas
pelos alunos tem relação com sua designação.

Encontramos na literatura em alguns teóricos critérios associados a uma


denominação socialmente constituída. Essa classificação está relacionada:

• à forma estrutural (receita, gráfico, debate, poema);


• ao propósito comunicativo (manual; errata; endereço);
• conteúdo (resumo; resenha; fichamento;resumo de novela);
• meio de transmissão (telegrama; e-mail);
• papéis dos interlocutores (exame oral; exame escrito; autorização);
• contexto situacional (carta de solicitação de emprego; carta pessoal).

É claro que vários desses critérios atuam em conjunto.

Marcuschi (2011) afirma que quando há algum conflito na designação de um gênero,


ele se dá em atenção ao propósito comunicativo ou função.

Todo texto apresenta algo de “igual” e algo de “diferente” de outros textos. O “igual”
corresponde ao que é típico da construção textual em determinado contexto social; o
que é “diferente” corresponde às marcas dos usuários da língua. A identificação de
um gênero depende desse conjunto de fatores, não apenas de um só.

O texto a seguir pode ser designado como?

Receita? Manifesto? Manual?

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Fonte: Programa Gestão da Aprendizagem Escolar - Gestar II. Língua Portuguesa:


Caderno de Teoria e Prática 3 - TP3: gêneros e tipos textuais. Brasília: Ministério da
Educação, Secretaria de Educação Básica, 2008. 196 p.: il.

A questão é saber identificar, pois é comum misturarmos a forma e a função do


texto.

A receita é uma paródia, uma anedota, pois trata com ironia os elementos presentes
no texto

A estrutura textual é a mesma de uma receita, mudando o tema e as informações


dadas. O propósito do texto é fazer uma piada dos fatos político-sociais.

Os gêneros estão bem fixados e não oferecem problemas para sua identificação.

No caso de mistura de gêneros, Marcuschi (2011) aponta o estudo da linguista


alemã Ursula Fix (1997:97), que usa a expressão “intertextualidade tipológica” para
designar esse aspecto da hibridização ou mescla de gêneros em que um gênero
assume a função de outro. No caso de Marcuschi (2011), o autor usa o termo
intergenericidade para traduzir o fenômeno.

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Fonte: Marcuschi,2011,p.09

Para exemplificar o autor cita a bula de remédio e a contra-capa de um livro da


editora alemã Diogenes

O diagrama que segue é uma tentativa de representar a intertextualidade tipológica


aqui verificada.

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Fonte: Marcuschi,2011,p.09

Para Marcuschi, é preciso distinguir a intergenericidade de funções e formas de


gêneros da heterogeneidade tipológica do gênero, que diz respeito ao fato de um
gênero realizar sequências de vários tipos textuais (por exemplo, uma carta pessoal
pode conter uma narrativa, uma argumentação e uma descrição, entre outras).

Lara (2005/2006) apresenta um outro conceito: a transgressão – situação em que


um gênero assume a função de outro e empresta sua forma. Como exemplo a
autora apresenta um anúncio publicitário sob a forma de um verbete de dicionário ou
um convite sob a forma de uma bula de remédios. Nos dois casos, mantém-se a
função do gênero primeiro – que é o gênero transgredido - o anúncio tem o objetivo
de vender um produto ou convidar alguém para um evento . Essa função é
assumida pelo gênero transgressor: o verbete e a bula, ou seja, há uma espécie de
camuflagem de um gênero por outro.

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Aula 11_O trabalho coma leitura e com a língua

Nesta aula, vamos iniciar a discussão a respeito de como trabalhar a leitura e a


língua. A pergunta que tentaremos responder é: como o professor pode realizar seu
trabalho com a leitura?

Para concretizar as ações educativas que envolvem a articulação do ensino da


leitura e escrita e as áreas de conhecimento, o professor precisa pensar na
organização do trabalho pedagógico de modo que aproveite o tempo que passa com
os alunos, oferecendo-lhes situações significativas que favoreçam a aprendizagem.

A organização do tempo é necessária não apenas para a aprendizagem do aluno,


mas também serve, em especial, para a gestão da sala de aula, já que é um desafio
muito grande para todos os professores do ensino fundamental e médio.

Quando se opta por apresentar a leitura na escola sem simplificações, tal como
acontece nas práticas sociais e com a diversidade de propósitos, de textos e de
combinações entre eles, deve-se pensar em uma rotina de trabalho que exige
conhecimentos para prever, sequenciar e pôr em prática as ações necessárias em
determinado tempo.

Para tornar os alunos bons leitores — para desenvolver, muito mais


do que a capacidade de ler, o gosto e o compromisso com a leitura
—, a escola terá de mobilizá-los internamente, pois aprender a ler
(e também ler para aprender) requer esforço. Precisará fazê-los
achar que a leitura é algo interessante e desafiador, algo que,
conquistado plenamente, dará autonomia e independência.
Precisará torná-los confiantes, condição para poderem se desafiar
a “aprender fazendo”. Uma prática de leitura que não desperte e
cultive o desejo de ler não é uma prática pedagógica eficiente.

Formar leitores é algo que requer, portanto, condições favoráveis


para a prática de leitura — que não se restringem apenas aos
recursos materiais disponíveis, pois, na verdade, o uso que se faz
dos livros e demais materiais impressos é o aspecto mais
determinante para o desenvolvimento da prática e do gosto pela
leitura. Algumas dessas condições:

• dispor de uma boa biblioteca na escola;

• dispor, nos ciclos iniciais, de um acervo de classe com livros e


outros materiais de leitura;

• organizar momentos de leitura livre em que o professor também


leia. Para os alunos não acostumados com a participação em atos
de leitura, que não conhecem o valor que possui, é fundamental ver
seu professor envolvido com a leitura e com o que conquista por

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meio dela. Ver alguém seduzido pelo que faz pode despertar o
desejo de fazer também;

• planejar as atividades diárias garantindo que as de leitura tenham


a mesma importância que as demais;

• possibilitar aos alunos a escolha de suas leituras. Fora da escola,


o autor, a obra ou o gênero são decisões do leitor. Tanto quanto for
possível, é necessário que isso se preserve na escola;

• garantir que os alunos não sejam importunados durante os


momentos de leitura com perguntas sobre o que estão achando, se
estão entendendo e outras questões;

• possibilitar aos alunos o empréstimo de livros na escola. Bons


textos podem ter o poder de provocar momentos de leitura junto
com outras pessoas da casa — principalmente quando se trata de
histórias tradicionais já conhecidas;

• quando houver oportunidade de sugerir títulos para serem


adquiridos pelos alunos, optar sempre pela variedade: é
infinitamente mais interessante que haja na classe, por exemplo, 35
diferentes livros — o que já compõe uma biblioteca de classe — do
que 35 livros iguais. No primeiro caso, o aluno tem oportunidade de
ler 35 títulos, no segundo apenas um;

• construir na escola uma política de formação de leitores na qual


todos possam contribuir com sugestões para desenvolver uma
prática constante de leitura que envolva o conjunto da unidade
escolar.

(PCN - LÍNGUA PORTUGUESA,1998,p.43-44)

Várias modalidades de leitura podem ser utilizadas, em diferentes situações, diante


de um mesmo tipo de texto: é possível ler um material informativo-científico para
obter uma informação global, para buscar um dado específico ou para aprofundar
determinado aspecto do tema; a leitura de um artigo de jornal pode ser feita em um
momento simplesmente por prazer e em outro como objeto de reflexão; um poema
ou um conto podem ser lidos primeiro por prazer e depois como forma de comunicar
algo a alguém; enfim, há muitas possibilidades de abordagem dos textos.

Quando o objetivo é permitir a convivência frequente e intensa com determinado


gênero de texto, proporcionando aos alunos oportunidades de experimentar
diferentes modos de ler e desenvolver estratégias de leitura diversificadas, é
necessário planejar atividades que se repitam de modo regular, as chamadas
atividades permanentes. Nesses casos, promove-se uma leitura horizontal dos

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textos, ou seja, de forma lúdica, feita apenas uma vez, provocando o encanto da
descoberta, que só se experimenta na primeira leitura. Essa leitura pode ser
realizada em voz alta pelo professor ou pelos próprios alunos.

Sugere-se que tais atividades sejam registradas à medida que forem executadas,
com avaliação geral da turma, para que se formem leitores críticos dos textos lidos.

Quando o objetivo é uma leitura mais detalhada e cuidadosa, em que a releitura é


condição necessária, pois o que se pretende é recuperar as marcas de construção
do texto, procede-se à leitura vertical. Esse tipo de leitura requer a mediação do
professor, em atividades organizadas na forma de sequências didáticas ou projetos,
dependendo do aprofundamento que ele queira dar ao estudo do tema, por meio do
conjunto de textos de um mesmo autor ou de textos de um mesmo gênero. Tais
atividades têm de ser planejadas de modo intencional e distribuídas no tempo,
constituindo-se em rotinas de trabalho.

Como o professor do ciclo II atua com diversas turmas, sugere-se o registro dessas
rotinas para cada uma delas, de modo que a organização do trabalho a ser realizado
se torne mais visível.

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Aula 12_Abordagem do texto literário - a poesia

A pergunta a que procuraremos responder nesta aula é: que tipo de análise é


interessante propor? Como o professor pode pensar sua aula e sua abordagem de
textos literários.

Até agora temos falado de como as correntes teóricas vêm lendo, analisando os
textos. Essas são questões importantes que todo professor de Língua Portuguesa
tem de enfrentar.

Advém daí a necessidade de planejar como abordar o texto literário e transformar a


situação de ensino em algo significativo e que apresente procedimentos e conteúdos
pertinentes e necessários para desenvolver a competência leitora e escritora do
aluno.

O trabalho de leitura do texto literário pode começar pela distinção do texto literário
do não-literário, ou seja, do texto que é fruto de criação subjetiva, da invenção, da
imaginação (que produz emoção estética) e de textos reais, objetivos e que tratam
de situações da vida. Um cientista, por exemplo, busca entender a natureza e
escreve os textos científicos com base naquilo que observou. Ele quer explicar as
coisas do mundo como nos textos jornalísticos, textos de opinião, autobiografia,
biografia, diário e ensaio.

É fundamental que os alunos percebam o que o autor “diz” (o conteúdo do texto) e


“como ele diz” (a maneira como o texto está escrito-seu fazer artístico – reinvenção
do mundo real na imaginação dele).

É preciso tornar clara a distinção entre prosa e poesia e os temas


(abstratos/concretos) apresentados nos textos.

Depois de trabalhar o conceito de texto literário – um tipo de texto artístico, de toque


poético e ficcional, criado por um autor, que pode inventar ou reinventar o mundo
que nos cerca –, o próximo passo é verificar como compreendê-lo e interpretá-lo.

Para ler os textos literários, é preciso descobrir as “pistas” que os autores deixam e
construir, com base nelas, os sentidos.

Poesia é a realização da poiesis, que é “a atividade de produção artística”, “a


atividade de criar ou de fazer.

As propostas da maioria dos livros didáticos abordam o poema como abordam


outros gêneros de texto. Na leitura do poema, o aluno busca informações, “traduz”
passagens complicadas, copia e resume estrofes, exercita a gramática, sem
explorar os recursos textuais essenciais desse gênero: disposição gráfica na página,
o tamanho dos versos, as figuras de linguagem, o uso figurado das palavras, as
repetições expressivas etc.

Inicialmente, é preciso estabelecer os objetivos da leitura do poema. Por exemplo:

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conhecer alguns recursos da linguagem poética;

Assim, o professor deve preparar os alunos antes de ler o poema com os alunos, é
preciso identificar os conhecimentos deles sobre poesia e poema.

De acordo com Antônio Soares Amora citado por Negra (2006):

Poesia é o estado emotivo ou lírico do poeta, no momento da


criação do poema; o estado lírico reviverá na alma do leitor se este
lograr transformar o poema em poesia”; já “poema é a fixação
material da poesia, é a decantação formal do estado lírico. São as
palavras, os versos e as estrofes que se dizem e que se escrevem,
e assim fixam e transmitem o ‘estado lírico’ do poeta.

Também identificar se eles conhecem alguns poetas...

Os alunos precisam saber que a medida de um verso é dada pelo número de sílabas
poéticas, por isso é preciso ensinar que as sílabas poéticas são contadas de
maneira diferente das sílabas gramaticais. O poeta pode fundir uma vogal com a
vogal seguinte dentro de uma palavra, ou a vogal da sílaba final de uma palavra com
a vogal da sílaba inicial da palavra seguinte.

Ensinar, por exemplo, que a contagem das sílabas poéticas do verso (escansão)
para na sílaba forte da última palavra do verso.

Durante a leitura, é preciso fazer pausas para comentar trechos importantes, para
trocar impressões com os alunos: passagens difíceis, trechos curiosos, palavras
ambíguas.

O professor pode destacar a forma a fim de perceber sua organização. Um soneto,


por exemplo, é composto por dois quartetos e dois tercetos e tem uma estrutura que
exprime uma dialética: uma forma ordenada e progressiva de argumentação -
contém uma série de proposições e uma conclusão.

• Aponte as rimas, as ideias e as imagens interessantes.


• Pergunte sobre o título do texto e o que ele sugere?
• Discuta os sentidos dele com os alunos.
• Decida junto com os alunos qual sentido tem mais a ver com o poema.

Motivo

Eu canto porque o instante existe

e a minha vida está completa.

Não sou alegre nem sou triste:

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sou poeta.
DE SANTOS
Irmão das coisas fugidias,

não sinto gozo nem tormento.

Atravesso noites e dias

no vento.

Se desmorono ou se edifico,

se permaneço ou me desfaço,

– não sei, não sei. Não sei se fico

ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.

Tem sangue eterno a asa ritmada.

E um dia sei que estarei mudo:

mais nada.” (MEIRELES, 1985, p. 81.)

Leia o poema e comente com os alunos como deve ser a leitura dos versos e
esclareça o sentido de algumas palavras do texto.

Na primeira estrofe, o eu-lírico explicita a causa que o leva a cantar: o instante existe
(motivo?).

Há, no verso 3, uma antítese: “Não sou alegre nem sou triste”. Aqui é preciso falar
sobre as figuras de linguagem, expressões usadas para criar efeitos de
expressividade. Muitas antíteses aparecerão no poema. Todas se referem ao poeta,
não à poesia.

Uma hipótese possível é esta: expor o caráter transitório do poeta em face da


eternidade da poesia. O poeta não é alegre nem triste, não sente gozo nem
tormento, não sabe se desmorona ou edifica... A poesia, por sua vez, tem “sangue
eterno”.

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Na última estrofe aparece a oposição maior, que não está explícita no texto, ou
seja, a transitoriedade do poeta opõe-se à perenidade da canção,reforçada pela
metáfora “tem sangue eterno a asa ritmada” que revela o poder da poesia.

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Aula 13_Textos Não-ficcionais

Esta aula apresenta algumas sugestões de como trabalhar textos não ficcionais.

Iniciamos pelo texto biografia e autobiografia.

O ser humano há muito tempo aprendeu a contar histórias e passar para as novas
gerações suas experiências, transmitindo suas memórias e perpetuando-as. Para
registrar e perpetuar memórias, estão a autobiografia (relato da própria vida) e a
biografia (relato da vida de uma pessoa). A autobiografia tem como tema central a
vida de uma pessoa contada ou escrita por ela mesma. A biografia também gira em
torno da história de uma pessoa, só que contada ou escrita por outro” (BENTES,
2004, p. 10).

Por meio de uma autobiografia/biografia podemos vivenciar as experiências


relatadas por um narrador e ampliar a percepção que temos da vida, da sociedade,
do universo cultural.

A biografia apresenta a trajetória de vida de uma pessoa que desperta interesse do


público. Um texto desse gênero pode ser composto por informações, documentos,
fotos, cartas, depoimentos de parentes, de amigos, de críticos e, quando possível,
da própria pessoa biografada. Biografar implica pesquisar a fundo a vida da
personalidade biografada.

Por isso, a composição do texto pode variar muito. A biografia pode ser organizada
com base no relato das experiências vividas, apresentadas em ordem cronológica;
pode ainda ser estruturada em função de uma frase emblemática, considerada
essencial pelo autor do texto; pode também ser escrita com base nos depoimentos
colhidos entre amigos ou parentes. Enfim, o autor tem certa liberdade para montar o
texto, ordenando e enfatizando idéias ou episódios que julga traduzir da melhor
maneira a pessoa biografada.

É fundamental que os alunos tenham em mente que, quando lemos uma biografia,
conhecemos mais profundamente a pessoa biografada, pelo olhar do autor da
biografia. A maneira como o texto é montado, as pequenas narrativas e descrições
da pessoa, as cenas escolhidas, os lugares e as paisagens fotografadas, o estilo
romanceado revelam a intencionalidade de quem escreve o texto.

Algumas apresentam uma sinopse da vida, com linguagem extremamente objetiva e


resumida. Nesse tipo de biografia, um conjunto de informações e dados restritos é
transmitido, geralmente em ordem cronológica, sem conter reflexões. Outras
biografias incluem os fatos e refletem sobre eles, mostrando como foram decisivos
na vida e na obra da pessoa biografada.

O texto expositivo

Os livros didáticos constam de todas as áreas do conhecimento, o texto expositivo é


utilizado por professores e alunos no dia-a-dia escolar, dentro da escola ou fora

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dela, os alunos estudam os conteúdos das disciplinas lendo textos e fazendo
exercícios do livro didático, mas eles não podem ser a única fonte de estudo do
aluno nem a do professor para transmitir e construir saberes. Se a
interdisciplinaridade é característica essencial do conhecimento, é fundamental
trabalhar os temas usando e comparando diferentes fontes, inserindo outros textos e
suportes – jornais, revistas, fitas gravadas, vídeos, textos da Internet, outros livros –
no cotidiano escolar.

Há muitas maneiras de abordar um texto expositivo, e isso vai depender,


principalmente, dos objetivos da leitura. Se o aluno tem de buscar informações, você
pode propor um roteiro de questões. Se o objetivo é estudar o texto, um resumo
pode ser uma atividade muito eficaz. O esquema é ótimo para usar em seminários.
O importante é deixar claro que o texto didático funciona como ponto de partida para
a leitura de outros textos. Ele não esgota um assunto, ao contrário, geralmente tem
muitas limitações. Essa postura crítica diante dos textos do livro didático é saudável
e tem de ser incentivada. Assim, é necessário pensar formas significativas de
abordagens.

Temos de pensar atividades que façam o aluno interagir de fato com o texto, indo
além da simples memorização de fatos e das respostas aos questionários algumas
vezes mal formulados.

Um modo de abordar o texto expositivo: ler para estudar exige disciplina e


organização. Estudar de um modo geral significa saber aplicar estratégias como
produzir roteiros, fazer fichamentos e resumos.

A abordagem proposta a seguir: ler para estudar emprega estratégias que


diversificadas como a de aprender a fazer resumos.

Antes de iniciar a leitura de um texto expositivo, é importante fazer perguntas aos


alunos sobre o tema de que se vai tratar. No caso do texto a ser lido, é fundamental
saber se eles têm o hábito de consultar o dicionário; em que momentos costumam
fazê-lo; se costumam consultá-lo para saber a grafia correta da palavra; se têm ideia
de quantas palavras há em um dicionário grande; se sabem da existência de tipos
de dicionários etc.

O trabalho dos lexicógrafos

Os dicionários contribuem de várias maneiras para fixar a língua:


por um lado, eles são referência para a ortografia das palavras –
um problema que se tornou inescapável desde que os dicionários
optaram pela ordem alfabética (a ordem alfabética, lembre-se, é
apenas um dos princípios que podem ser usados para organizar a
macroestrutura de um dicionário, e esse princípio começou a ser
utilizado relativamente tarde); por outro lado, eles têm funcionado
como uma espécie de registro civil de todas as palavras; a
publicação de um bom dicionário sempre desperta as reações de
críticos que apontam erros e lacunas, mas também provoca no

PÓS-GRADUAÇÃO 48
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público-leitor outra reação, que é em última análise de adesão – a
de não usar palavras que não tenham sido dicionarizadas: muitos
profissionais da linguagem, ao invés de usar um neologismo mais
apropriado, optam sistematicamente por uma expressão menos
adequada, mas antiga e registrada no dicionário.

Outro fator de normalização, no dicionário, é a prática da abonação.


Ao longo do tempo, os dicionários foram fixando o hábito de
associar às várias acepções de cada palavra um ou mais exemplos.
Independentemente de serem fabricadas pelo próprio dicionarista,
recolhidas em escritores ou encontradas no uso corrente da língua,
essas abonações consagram os usos a que se referem e fornecem
modelos de construção sintática.

A história da lexicologia do português é longa e rica e mostra uma


participação notável de autores brasileiros. Como seria de esperar,
dadas as condições culturais do Brasil-Colônia (onde era proibido o
funcionamento de tipografias), os primeiros trabalhos de
lexicografia do português – o Dicionário português e latino (1712-
1728), do padre Rafael Bluteau, o Dicionário (1789), de António de
Morais e Silva, o Elucidário das palavras, termos e frases que em
Portugal antigamente se usaram e que hoje regularmente se
ignoram (1789), de Souza Viterbo, e o Novo dicionário crítico e
etimológico (1836), de Constâncio – foram todos publicados na
Europa. Contudo, António de Morais e Silva, cuja obra (2. ed. 1813)
colocou a lexicologia portuguesa em sintonia com a melhor
lexicologia da época, era brasileiro.

No século XIX, os intelectuais brasileiros tiveram freqüentemente a


preocupação de colecionar brasileirismos, para complementar os
dicionários portugueses existentes; é esse o caso do Vocabulário
brasileiro para servir de complemento aos dicionários da língua
portuguesa, de Brás da Costa Rubim (1853), e do Dicionário de
brasileirismos, de Rodolfo Garcia (1915). Os primeiros dicionários
‘completos’ do português brasileiro só apareceram por volta de
1950. Pertencem a esse período, entre outros, o Dicionário básico
do português do Brasil (1949), de Antenor Nascentes, preparado
inicialmente para servir de minuta do futuro Dicionário da Academia
Brasileira de Letras (que nunca chegou a ser publicado), e o
Pequeno dicionário brasileiro da língua portuguesa, que teve várias
edições e que, a partir da 11ª, de 1972, passou a contar com a
supervisão de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira. Autor de duas
edições do Novo dicionário da língua portuguesa (1975 e 1986),
Aurélio Buarque de Holanda tornou-se tão célebre como
dicionarista que seu prenome passou a ser sinônimo de ‘dicionário’
(procure no ‘aurélio’ ou procure num ‘aurélio’).

PÓS-GRADUAÇÃO 49
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Os grandes dicionários de referência para o português do Brasil são
hoje três: o Novo Aurélio do século xxI (2000), o Dicionário Houaiss
da língua portuguesa (2001) e o Dicionário de usos do português do
Brasil (2002), de Francisco da Silva Borba (mais conhecido pela
sigla dup). Trata-se de obras diferentes, não só por suas dimensões
e complexidade, mas também por sua concepção. O Houaiss e o
Novo Aurélio do século xxI são obras de filólogos, e sua
preocupação é registrar o vocabulário do português brasileiro em
toda a sua riqueza – considerando em um mesmo pé de igualdade
os usos mais antigos e os mais recentes, os mais frequentes e os
mais raros.

Além de dar as informações usuais (classe gramatical, sentido,


sinônimos etc.), esses dicionários procuram reconstituir a história
das palavras e atestar suas ocorrências mais antigas, tornando-se
assim instrumentos de utilidade nos estudos históricos ou
etimológicos. Ao contrário, o DUP preocupa-se em ser uma imagem
da língua viva de hoje. Contra os 228.500 verbetes do Houaiss e os
160 mil do Aurélio, o dup apresenta um total de ‘apenas’ 62.800;
mas todas as palavras que ele traz são de uso frequente (e
atestado) nas últimas décadas. É a isso que o autor, o linguista
Francisco da Silva quis referir-se ao intitular essa obra ‘dicionário
de usos’.

Existe, evidentemente, em Portugal, toda uma tradição lexicográfica


autenticamente portuguesa, que foi magistralmente descrita em
Vedelho (1994); aos estudantes e estudiosos brasileiros interessa
conhecer pelo menos o Dicionário da língua portuguesa
contemporânea, publicado em 2001 pela Academia das Ciências de
Lisboa.” (BASSO e ILARI, 2006, p. 203-5.)

Quando os alunos terminarem de ler, recomendamos fazer uma leitura


compartilhada, para esclarecer passagens difíceis e construir o sentido global do
texto. No primeiro e no segundo parágrafos, por exemplo, os autores apresentam
três maneiras de o dicionário fixar a língua: referência para a ortografia das palavras,
registro civil de todas palavras, prática da abonação. É fundamental associar essas
maneiras apresentadas ao uso que os alunos fazem do dicionário.

Pergunte à turma o que entendem por “fixar a língua”?

Peça aos alunos que observem, no primeiro parágrafo, o uso do travessão e dos
parênteses. É importante que percebam que os autores lançaram mão desses
recursos para inserir informações que consideram relevantes, que completam a
ideia: os dicionários “são referência para a ortografia das palavras”. Repare que a
informação que vem separada pelo travessão tem ênfase maior do que a que vem
entre os parênteses.

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Faça o exercício de ler o parágrafo omitindo primeiro o que vem entre parênteses;
depois o que vem destacado pelo travessão e pelos parênteses. Depois dessa
leitura, os alunos perceberão que a ideia principal continua intacta. Há várias
palavras que devem ser investigadas, de preferência com o uso do dicionário:
abonação, filólogos, neologismos, lexicologia.

Os parágrafos 3 e 4 apresentam um relato histórico da lexicologia do português. É


importante contar aos alunos o valor que têm os dicionários antigos. Como a
acepção das palavras vai mudando, consultá-los é a melhor maneira de resgatar os
significados em poemas barrocos e renascentistas. Isso nos coloca mais próximos
dos autores antigos.

Os últimos parágrafos trazem várias informações interessantes, que podem ser


destacadas: quais os dicionários de referência para o português do Brasil; acentuar
a diferença entre eles; o número de verbetes de cada dicionário.

Várias atividades poderiam ser realizadas depois da leitura. Por meio de perguntas,
aprofundar a leitura do texto. Na segunda linha do primeiro parágrafo, lemos: “eles
são referência para a ortografia das palavras – um problema que se tornou
inescapável...”. Também no primeiro parágrafo: “muitos profissionais da linguagem,
ao invés de usar um neologismo mais apropriado, optam sistematicamente por uma
expressão menos adequada, mas antiga e registrada no dicionário”. O dicionário
pode ser um problema? Pode conter erros e lacunas? O autor deixa transparecer
sua opinião?

Também é possível trabalhar os processos de formação de palavras. No texto


encontramos: “lexicógrafos”, “lexicologia”, “lexicográfica”. Qual a diferença de
sentidos entre essas palavras? Qual a raiz delas?

O texto também poderia ser resumido. O resumo tem de apresentar os pontos


essenciais, mantendo fidelidade ao pensamento do autor. Para elaborá-lo é
fundamental que os alunos tenham ideia do conteúdo global do texto. “O trabalho
dos lexicógrafos” tem 7 parágrafos. Peça aos alunos que numerem os parágrafos e
ajude-os a perceber que o texto pode ser dividido em três partes: a primeira,
parágrafos 1 e 2; a segunda, parágrafos 3 e 4; a terceira, parágrafos 5, 6 e 7. Cada
parte agrupa um tipo de informação. A primeira mostra as maneiras como os
dicionários fixam as línguas; a segunda conta como foi a história dos primeiros
dicionários de referência para o português do Brasil; a terceira parte trata dos
dicionários de referência para o português do Brasil de hoje. Essa é a maneira como
o autor estruturou o texto, essa será a maneira como o aluno estruturará o resumo.

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Aula 14_Os gêneros e suas acepções

Desde os anos 80, a perspectiva adotada como a mais adequada para o ensino tem
sido aquela que toma o texto como unidade de ensino, por entendê-la como produto
do funcionamento da língua. Nessa perspectiva, o trabalho com a dimensão
discursiva do texto deve estar fundamentado numa concepção de linguagem
centrada na interlocução, ou seja, numa concepção sociointeracionista, como já se
comentou.

Como foi dito, a abordagem sociointeracionista enfatiza a interação e leva em


consideração as condições de produção, enfatizando a influência delas na produção
textual. Essas condições são determinadas e construídas pelos sujeitos, seus
conhecimentos, crenças e valores. Quanto aos conhecimentos, é preciso ter clareza
sobre o que se diz, como se diz, por que se diz, quem diz, para qual interlocutor,
com qual finalidade. Esses aspectos são relevantes, essenciais e determinantes na
escolha de um gênero e no processo de produção de textos.

Há várias classificações de “gênero”, algumas voltadas para o enfoque literário,


outras para o linguístico, segundo diferentes perspectivas. Retomar-se-á
rapidamente algumas, ressaltando desde já que a perspectiva deste trabalho é
sociointeracionista.

As primeiras classificações remontam à época do início da filosofia grega, por volta


do século V antes de Cristo e foram sistematizadas, principalmente, por Platão e
Aristóteles. Nesse período diferenciou-se, segundo categorias literárias, o gênero
épico, o lírico e o dramático. Trata-se de uma classificação bastante antiga, mas que
perdura até hoje, quando a referência é a literatura.

Para essa classificação, Platão toma os gêneros como obras da voz e baseia-se no
modo de representação mimética. Inicialmente, separou-os em gêneros sérios e
burlescos. A epopéia e a tragédia pertencem ao primeiro, enquanto a sátira e a
comédia, ao segundo. Posteriormente, em “A república”, propõe uma classificação a
partir da observação do contraste entre realidade e representação. A tragédia e a
comédia como gênero mimético; a epopéia como gênero misto; e o ditirambo, o
nomo e a poesia lírica, como expositivo ou narrativo e toda forma lírica como
condenável, pois imita a realidade e não se refere a ela como verdadeira e nem
colabora para organizá-la como república:

- Aqui está o que tínhamos a dizer, ao lembrarmos de novo a


poesia, por, justificadamente, excluirmos da cidade uma arte desta
espécie. Era a razão que a isso nos impelia. Acrescentemos ainda,
para ela não nos acusar de uma tal ou qual dureza e rusticidade,
que é antigo o diferendo entre a filosofia e a poesia (Platão, s/d, p.
475).

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Nessa mesma obra, Platão cita vários gêneros, condenando os “líricos” e a conclui
narrando um “conto” (o mito de Er). Logo, pode-se notar um apanhado de gêneros
em um texto pertencente a um gênero específico, que traduz a própria obra de
Platão, o diálogo.

Aristóteles também classifica os gêneros segundo um critério que se baseia “no


modo de representação mimética”, conforme Machado, 2005, p.151, mas não
condena a poesia. Em a “Arte Poética”, ocupa-se de identificar e diferenciar os
vários gêneros da poesia: a comédia, a tragédia e a epopéia e chega a citar o
“diálogo socrático” como gênero:

Propomo-nos tratar da produção poética em si mesma e de seus


diversos gêneros, dizer qual a função de cada um deles, como o
número e natureza de suas diversas partes, e falar igualmente dos
demais assuntos relativos a esta produção. Seguindo a ordem
natural, começaremos pelos mais importantes. 2. A epopéia e a
poesia trágica e também a comédia, a poesia ditirâmbica, a maior
parte da aulética e da citarística, consideradas em geral, todas se
enquadram nas artes de imitação. (...) 8. Carecemos de uma
denominação comum para classificar em conjunto os mimos de
Sófron e de Xenarco e os diálogos socráticos. (Aristóteles, s/d, p.
241).

Vê-se, portanto, que o estudo dos gêneros, inicialmente, foram concebidos no


âmbito da poética e da retórica, e retomado outras vezes.

Conforme Brandão (2000), Staiger emprega o critério temporal para a classificação


do gênero. O épico está relacionado ao passado e o dramático ao futuro.

Outra classificação também citada por Brandão diz respeito à teoria dos estilos
elevado, médio e humilde. Como representantes desses estilos, cita a “Eneida” de
Virgílio que representa o estilo elevado; o estilo médio é representado pelas
“Geógicas” e o estilo humilde pelas “Bucólicas”. Essa classificação apresenta
critérios que se voltam tanto para o campo literário como para o da linguagem.

A contribuição da retórica para a classificação dos gêneros se volta para os tipos de


discurso: deliberativo, epidítico e judiciário. O primeiro é dirigido a um auditório a
quem se aconselha; o judiciário relaciona-se a um orador que acusa ou defende; o
epidítico relaciona-se a um elogio ou repreensão dados a alguém.

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No âmbito da linguística, os estudos sobre os gêneros e sua classificação têm por
objetivo categorizar e classificar seu material de análise. Para isso, a área emprega
critérios linguísticos que destacam suas características e as condições de produção
do discurso.

No final do século XX, os pesquisadores procuram estabelecer uma tipologização


para assim entender os princípios da organização dos textos. Nessa direção,
surgiram várias classificações que apresentam certa heterogeneidade e
complexidade.

Brandão (2000, p.23) aponta quatro tipologias:

• as tipologias funcionais, fundadas sobre o estudo das funções dos discursos


(na perspectivas de Buhler e Jakobson, 1963);
• as tipologias enunciativas que tratam da influência das condições de
enunciação (interlocutores, lugar e tempo) sobre a organização discursiva
(aqui se incluem os modelos inspirados por Benveniste (1966) e o trabalho de
Bronckart et al. (1985);
• as tipologias cognitivas, que tratam principalmente da organização cognitiva,
pré-linguística, subjacente à organização de certas seqüências – narrativas,
descritivas, dentre outras. Neste grupo está inserido o modelo de Adam
(1987);
• a tipologia sociointeracionista de Bakhtin (1992).

A tipologia de Jakobson apropria-se, parcialmente, do modelo desenvolvido por


Bühler que envolve o ato de comunicação verbal, ampliando-o. Jakobson apresenta
como fatores o código, o canal, a mensagem, o eu que fala, o tu com quem se fala e
o referente de quem se fala. Essa tipologia é encontrada ainda em livros de Língua
e Literatura para o Ensino Médio que continuam sendo publicados.

A tipologia cognitiva compreende o funcionamento textual a partir de sua


organização cognitiva. A tipologia proposta por Adam parte da hipótese de que há
unidades mínimas na composição de um texto, intimamente relacionadas à
textualidade e às sequências que a constituem, porém, o modelo deixa de analisar
as condições sócio-históricas de produção desses enunciados, voltando-se para os
cinco tipos de estruturas sequenciais: a narração, a descrição, a argumentação, a
explicação e o diálogo.

A classificação discursivo-interacionista bakhtiniana volta-se para o caráter social da


linguagem e considera os enunciados como produtos das interações e do contexto.
Para Bakhtin, as diferentes esferas de uso da língua criam tipos estáveis, ou seja,
gêneros do discurso que são identificados pelos conteúdos e meios que empregam.
Ele distingue os gêneros em primários e secundários, conforme já se disse
anteriormente, são primários aqueles que mantêm relação imediata com a situação
de produção, enquanto os gêneros secundários emergem durante as trocas
realizadas por meio da linguagem escrita.

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Aula 15_O que dizem os estudos sobre os gêneros?

Com relação às questões do gênero e os tipos de pesquisas realizadas em


Linguística Aplicada e outras áreas de conhecimento alguns dos trabalhos
comentam como se dá a relação entre o gênero textual, o contexto e sua
composição interna. Nessa perspectiva, o trabalho de Baltar (2005) explicita os
mecanismos que revelam como se estabelecem as relações entre os tipos de
discurso, as sequências, as relações contextuais, as atividades de ação de
linguagem e a situação de enunciação.

Baltar reflete sobre quais relações podem ser estabelecidas entre a competência
discursiva escrita e o trabalho com os gêneros textuais - postulado por Bronckart.
Para desenvolver a pesquisa, o autor usou como ferramenta metodológica a
atividade de linguagem de produção de um jornal em sala de aula, com alunos do
ensino médio de duas escolas públicas de Porto Alegre. Os alunos das duas escolas
trabalharam com gêneros textuais diversificados, buscando interagir
sociodiscursivamente com seus colegas-leitores e com toda a comunidade escolar.
A pesquisa revelou a emersão de gêneros híbridos que surgiram em função da
produção de gêneros textuais jornalísticos no ambiente discursivo escolar.

Em Sandoval (2005), foram encontradas referências sobre os estudos realizados por


meio dos gêneros na conjuntura acadêmico-científica brasileira mais recente.
Segundo o autor, os estudos procuram atualizar a possibilidade de se articularem
questões teóricas com questões aplicadas, ligadas ao ensino de língua na escola. O
conceito de gênero aparece como pertinente para estudos explicitamente ligados à
área de linguística aplicada e de linguística do texto, do discurso, da enunciação,
apresentando preocupação de ordem didático-pedagógica. Essa natureza didático-
pedagógica que marca a reflexão mais recente sobre gênero explica, conforme
Sandoval, dois fenômenos: primeiramente, o interesse da pesquisa acadêmica pela
caracterização de produções de linguagem tomadas como gênero, as quais, uma
vez descritas, podem ser didatizadas. Trata-se de um investimento investigativo
direcionado ao “pólo da produção de gêneros, considerados produtos-dados a
serem analisados”. (Sandoval in Estudos Linguísticos XXXIV, p. 1156 / 1157)

Conforme Sandoval (2005), dois polos, portanto, chamam a atenção dos


pesquisadores sobre gênero, no Brasil, no contexto dos estudos da linguagem. O
autor procedeu ao levantamento de um corpus composto por cento e cinqüenta e
sete artigos científicos que tematizam o conceito – publicados, entre 1998 e 2002,
em periódicos especializados, anais de reuniões científicas e coletâneas como
CELSUL (Círculo de Estudos Linguísticos do Sul), GEL (Grupo de Estudos
Linguísticos), GELNE (Grupo de Estudos Linguísticos do Nordeste) e da ABRALIN
(Associação Brasileira de Linguística), reconhecidamente importantes no cenário
nacional quanto aos estudos linguísticos.

Para Sandoval (2005), há algumas tendências da reflexão acadêmica brasileira


sobre gêneros que revelam dimensões e direções diferentes:

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1) dimensão didático-pedagógica identificada pelo uso de expressões como ensino-
aprendizagem de gêneros, gêneros escolares/gêneros escolarizados, gênero como
objeto de ensino etc;

2) recortes ou delimitações temáticos propostos pelos trabalhos sobre o conceito de


gênero numa dimensão textual-enunciativo-discursiva da linguagem ou análise de
questões macrodiscursivas em gêneros particulares, além de outros recortes.

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Aula 16_A tipologia enunciativa de Bronckart

A proposta de Bronckart tem caráter enunciativo e considera aspectos sociais,


interacionais, convencionais e ativos relacionados à linguagem. O autor centraliza
sua análise nos aspectos da enunciação, das condições de produção dos
enunciados e do contexto.

Bronckart pertence ao grupo de Genebra que vem desenvolvendo pesquisas sobre


a estrutura e funcionamento dos textos em francês, sobre as capacidades de
produção de textos na escola e sobre a construção de sequências didáticas e de
manuais educacionais.

Atualmente, a atenção dos pesquisadores do grupo voltou-se para questões mais


amplas. Schneuwly tem procurado analisar as ações do professor em sala de aula e
Bronckart tem-se voltado para a gênese das ações, em situações de trabalho
diferenciadas.

Os estudos de Bronckart versam sobre a estrutura interna dos textos, a partir do


aspecto dialógico e interacional da língua. Na perspectiva adotada por ele, o gênero
é visto como materialização da interação construída por aqueles que participam da
situação de produção de um texto empírico. Os elementos investigados dizem
respeito ao interior do texto, ou seja, ao que se encontra no texto que permite a
percepção de conjunto e de suas características - o que predomina, domina e o
forma o todo.

Para efetuar uma análise da organização do texto, o autor propõe que sejam
utilizados os métodos elaborados pelas ciências da linguagem na atualidade, por
meio de uma análise que deve considerar e abordar os conceitos e hipóteses já
construídos para efeito comparativo “das espécies de textos existentes”
(Bronckart,1999, p.119). Sendo assim, a organização textual é concebida como um
folhado organizado em três níveis superpostos e interativos: i) a infraestrutura geral;
ii) os mecanismos de textualização; iii) e os mecanismos enunciativos. Essas
camadas expõem a trama da organização textual que apresenta uma dada
hierarquia.

A infraestrutura geral do texto é constituída pelo plano mais geral do texto, pelos
tipos de discurso e sequências produzidas.

No plano geral, observa-se a organização do conteúdo temático que pode ser


sintetizado por meio de um resumo, de uma síntese das ideias discutidas, do
encadeamento das ações. O conteúdo temático é revelado a partir da análise dos
mecanismos de textualização, constituídos pelas isotopias e pelas retomadas
nominais. Esse conteúdo temático é estruturado por meio de combinações de tipos
de discurso e de sequências que formam a infraestrutura.

Como exemplo, podemos analisar a infraestrutura de uma crônica de Cecília


Meireles:

PÓS-GRADUAÇÃO 57
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Devíamos poder preparar os nossos sonhos como os artistas, as
suas composições. Com a matéria sutil da noite e da nossa alma,
devíamos poder construir essas pequenas obras primas
incomunicáveis, que, ainda menos que a rosa, duram apenas o
instante em que vão sendo sonhadas, e logo se apagam sem outro
vestígio que a nossa memória.

Como quem resolve uma viagem, devíamos poder escolher essas


excursões sem veículos nem companhia - por mares, grutas, neves,
montanhas, e até pelos astros, onde moram desde sempre heróis
e deuses de todas as mitologias, e os fabulosos animais do
Zodíaco.

[...]

E sonhar com os que amamos e conhecemos, e estão perto ou


longe, vivos ou mortos...Sonhar com eles no seu melhor momento,
quando foram mais merecedores de amor imortal...

Ah!... – (que gostaria você de sonhar esta noite?)

(Cecília Meireles in Escolha o seu sonho)

A organização do conteúdo temático da crônica “Escolha o seu sonho”, de Cecília


Meireles, apresenta coordenadas conjuntas às da ação de linguagem, pois o
conteúdo do texto está relacionado ao mundo discursivo conjunto, próximo ao da
interação social. Há marcas no texto que remetem à situação e ao envolvimento do
sujeito, ou seja, presença do pronome “nós” e da pergunta feita ao leitor: “Devíamos
poder preparar os nossos sonhos, (que gostaria você de sonhar esta noite?)”.

A relação com os parâmetros da ação de linguagem (implicação da situação


material) revela que a ação de descrever está apoiada no eixo do expor, próprio do
discurso interativo. A presença de segmentos como: “nossos sonhos”; “ **devíamos”
expressam a disposição do enunciador em assumir uma posição e revelam seu
engajamento.

Para fazer a descrição do plano geral do texto, é necessário, conforme Bronckart,


fazer um resumo do plano geral e sua relação com o tipo de discurso. O discurso foi
organizado a partir do mundo do expor, por meio de meio de esquematizações,
encontradas nos discursos mistos. A esquematização é acompanhada de
sequências descritivas, que, no caso dessa crônica, oferecem ao leitor um quadro
bastante abrangente das possibilidades do sonhar/ler. As sequências descritivas
apoiam sequências argumentativas ou explicativas, neste tipo de discurso.

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Trata-se de uma crônica elaborada em primeira pessoa do plural, abordando
diferentes modos de sonhar, um deles decorrente da aproximação entre o sonho e
a leitura. O universo do sonho é instaurado pelo emprego da perífrase verbal
“devíamos poder”, com a finalidade de marcar o caráter fictício e deôntico do que é
dito, instaura, ao mesmo tempo, uma certa leveza, atenuação do peso, da
necessidade de que isso venha a ocorrer.

O texto é marcado pela firme convicção de que o ser humano, para viver melhor,
necessita sonhar/ler (viajar), exercitar a imaginação, iludir-se, supor-se em lugares
sonhados ou imaginados, projetar, planejar e dar asas à criatividade. O agente-
produtor sugere que uma das maneiras de se conseguir esse treino imaginativo
seria o constante exercício da leitura e do sonho.

Nesse sentido, conduz o leitor por um caminho em que a leitura é exercida por meio
da contemplação de paisagens, de esculturas, do contato com o pensamento de
autores da literatura universal, da mitologia, de lendas indígenas, de personagens da
História Universal.

A crônica propõe: você tem condições de sonhar com o que quiser: escolha o seu
sonho, escolha sua leitura, escolha sua forma de imaginar e sonhar. Essa
proposição permite aproximar a atitude sonhadora – parte de um processo
imaginativo-construtor do ser humano – da atividade de leitura. Torna-se sonho o
termo metafórico que sugere a relação entre a atividade de sonhar e a de ler/viver.

Conforme Bronckart, um texto comporta segmentos que formam os “tipos de


discurso”. Em um texto podem ser inseridos segmentos de discurso diferentes,
encaixados pelo agente-produtor de acordo com suas necessidades. Esse aspecto
na obra de Bronckart interessa, particularmente, por possibilitar ao produtor inserir
tipos de discurso diferentes e empregar sequências que melhor expressem as
necessidades do agente-produtor.

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Aula 17_Os tipos de discurso

Para explicar como se organiza a infraestrutura textual, Bronckart (1999) em seu


livro “Atividade de linguagem, textos e discursos” classifica e descreve quatro tipos
de discursos, esclarecendo que há possibilidade de haver variantes e fusões em
suas fronteiras. A partir dessas fusões e variações, elaboram-se diferentes textos
empíricos pertencentes a inúmeros gêneros textuais.

Os discursos apresentam características de configuração interna variáveis de língua


para língua. Porém, Machado (2005) ao tecer comentários e explicações sobre os
pressupostos de Bronckart, esclarece que, no caso da língua portuguesa, as
características de configuração interna são mantidas e estão de acordo com os
pressupostos de Bronckart, não havendo assim grande variação.

Configurações dos tipos de discurso

Os tipos de discurso caracterizados por Bronckart apresentam algumas


especificidades que dizem respeito ao modo de configuração do discurso.

O discurso interativo, por exemplo, é marcado pela interação, pelo diálogo.


Predominam frases interrogativas e frases imperativas, a interação é marcada pela
alternância dos turnos de fala. Ocorrem unidades dêiticas, que marcam a conjunção
e/ou a implicação existente entre o mundo discursivo construído e o mundo ordinário
do agente produtor, em virtude da interação social. Os pronomes de pessoa
(primeira e segunda no singular, e segunda no plural) remetem diretamente aos
protagonistas da interação verbal. Nesse tipo de discurso estão presentes anáforas
pronominais em relação às anáforas nominais e aos dêiticos temporal e espacial.
Predomina o subsistema verbal em torno do presente, que inclui o pretérito perfeito
e o imperfeito.

Já o discurso teórico é monologado e não ocorrem unidades dêiticas, tampouco


organizadores temporais. Estão presentes os organizadores lógico-argumentativos e
organizadores como sumários, títulos de capítulos, citações de rodapé, citações de
outras obras. O discurso teórico caracteriza-se pela baixa frequência de frases
interrogativas e imperativas, predominam frases declarativas. O tempo presente é
usado, com alguma frequência, assim como o pretérito perfeito e, raramente, o
futuro. Os verbos apresentam mais um valor genérico do que um valor dêitico.

O relato interativo é monologado e se desenvolve em situações de interação que


podem ser reais (orais), ou colocadas em cena, como nos romances ou peças de
teatro; caracteriza-se pelo predomínio de frases declarativas sobre frases não
declarativas; tem caráter disjunto-implicado; há presença de organizadores
temporais (advérbios, sintagmas preposicionais, coordenativos, subordinativos),
anáforas pronominais associadas a anáforas nominais. O relato interativo possui alta

PÓS-GRADUAÇÃO 60
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densidade verbal e baixa densidade sintagmática. O subsistema verbal assemelha-
se ao da narração: usa o pretérito perfeito e o imperfeito e algumas variações do
passado como o mais-que-perfeito, o futuro simples e o futuro do pretérito.

A narração é um discurso monologado em que há predomínio de frases declarativas.


Apresenta caráter disjunto-autônomo; um subsistema de verbos com predomínio do
pretérito perfeito e do imperfeito, ocorrendo formas verbais do passado, compostas
ou não, para marcar a relação de retroação, ou formas compostas do futuro para
indicar projeção. Os organizadores temporais empregados são os advérbios,
sintagmas preposicionais, coordenativos e subordinativos. São pouco frequentes os
pronomes pessoais de primeira e segunda pessoa do singular.

Um outro tipo de discurso elencado por Bronckart é o discurso misto interativo-


teórico que apresenta características do discurso interativo e do discurso teórico.
Este tipo de discurso emprega unidades dêiticas e lógico-argumentativas. Apresenta
alta densidade sintagmática e seu sistema de verbos é igual ao do discurso
interativo e do teórico.

Coelho (2009), analisa a crônica a seguir e revela como essa organização serve ao
intuito do produtor do texto:

O lucro do arrastão

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO - Não tenho certeza do ano, mas do fato. Em


1992, na semana que antecedeu a eleição municipal aqui do Rio,
ocorreu o primeiro arrastão no Arpoador e em Ipanema. Um
domingo de sol. Desde cedo, equipes da TV se postaram no local,
duas no calçadão, uma na própria areia. Seria mais uma
reportagem sobre o início do verão carioca - foi o que me
informaram.

Eu levara Mila e Titi para o único banho de mar permitido pelas


manhãs aos cães, na praia do Diabo.

[...]

Mais tarde, houve outras tentativas de arrastão, sempre em


vésperas de eleição. O estrago na imagem do Rio e do país é
enorme e irrecuperável. Mas parece que o recurso foi absorvido
como prática.

O lucro do assalto praticado nas areias da zona sul em forma de


arrastão é ridículo. Ninguém leva valores para a praia, leva talvez
um celular, uns trocados para a água-de-côco, nenhuma bijuteria, o

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relógio mais vagabundo de cada um. Qualquer lanchonete, ali pelo
meio-dia, oferece mais dinheiro e mercadoria. E os bandidos sabem
disso.

Folha de S.Paulo 04/10/2004-caderno A2

A crônica “O lucro do arrastão” faz referência direta ao fato noticioso que serve de
ponto de partida para sua produção: o arrastão –fato que suscita no cronista a
necessidade de trazer à tona fato que se repete - é preciso refrescar a lembrança do
leitor e observar o recurso utilizado por aqueles que mantêm interesses não muito
nobres.

O conteúdo do texto é abordado em mundo discursivo conjunto e disjunto, pois há


no texto marcas de afastamento e proximidade, marcas de interação social, que
evidenciam a presença do agente produtor e de seu posicionamento: “ RIO DE
JANEIRO - Não tenho certeza do ano, mas do fato,” dados que confirmam sua
relação com a situação descrita e sua implicação, o que caracteriza esse segmento
com o discurso misto e dados que remetem a disjunção-observáveis nos momentos
em que há relato interativo, que, segundo Bronckart, caracterizam a disjunção: “Em
1992, na semana que antecedeu a eleição municipal aqui do Rio, ocorreu o primeiro
arrastão no Arpoador e em Ipanema...”, a referência temporal empregada no início
revela sua ligação com o relato interativo que emprega recursos do mundo do
narrar.

São seis parágrafos que apresentam o fato que desencadeou a produção da


crônica: o arrastão, suas implicações e consequências. Ao longo de seu texto, o
cronista insere sequências narrativas, expositivas e descritivas que permitem que
ele organize seu texto de forma a concretizar seu intuito,o seu querer-dizer.

A crônica faz referência a um fato que se transformou em manchete de jornal num


dado período da história política do Brasil e serve como estratégia para retomar o
assunto e desencadear o comentário crítico e irônico do cronista. Para isso, ele
emprega verbos do passado, ou seja, do pretérito perfeito, mais-que-perfeito e
imperfeito para relatar o que ocorreu no Rio de Janeiro. O cronista ao empregar
esses tipos de sequências faz referência a fatos e também os ilustra, pois o leitor por
meio das sequências descritivas recupera os dados da cena.

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Aula 18_Os gêneros, o intertexto e as formas de planificação

O intertexto está relacionado ao conjunto de gêneros de textos que foram ela-


borados pela sociedade, pelas gerações que precederam e os utilizaram. A
organização dos gêneros é ampla, constituindo-se por “conjuntos de textos muito
claramente delimitados e rotulados pelas avaliações sociais e por conjuntos mais
vagos, compostos de espécies de textos para os quais os critérios de rotulação e de
classificação ainda são móveis e/ou divergentes”,conforme postula Bronckart (1999).

Os gêneros comportam valores de uso, expressam uma determinada formação


social e esta os considera mais ou menos pertinentes para uma situação de ação.
Logo, os gêneros existentes foram e são moldados de acordo com a situação.
Empregando o que diz Bakhtin a esse respeito, eles seriam infinitos.

Conforme Coelho (2009), todo ser humano dispõe de um certo conhecimento sobre
os gêneros. De acordo com as circunstâncias de seu desenvolvimento pessoal,
todos são expostos a um número de gêneros. Cada sujeito, cada leitor conheceu
suas características e as “experimentou”, colocando-as em prática numa
determinada situação de ação.

Assim o agente produtor de um texto escolhe, a partir dos parâmetros da situação


de ação, das representações que tem do contexto físico e sociosubjetivo, o gênero
que considera mais eficaz em relação ao objetivo visado.

Trata-se de um processo de empréstimo que se inspira:

"(...) em um modelo existente, quase nunca acaba em uma cópia


integral ou em uma reprodução exata de um exemplar desse
modelo. Os valores do contexto sociosubjetivo e do conteúdo
temático de uma ação de linguagem sendo, pelo menos em parte,
sempre novos, o agente que adota um modelo de gênero também
deve, necessariamente, adaptá-lo a esses valores particulares.
Esse processo de adaptação incidirá sobre a composição interna
do texto assim como sobre as modalidades de gestão dos
mecanismos de textualização e dos mecanismos enunciativos. Ao
final do processo, portanto, o texto empírico produzido se
encontrará dotado de seu estilo próprio ou individual."
(Bronckart,1999,p.101)

Conforme já afirmado antes, os gêneros são meios para uma ação de linguagem em
que o agente produtor aplica esquemas de utilização: calcula a adequação do
gênero à situação de ação e emprega os mecanismos de que dispõe e que conhece
para concretizar essa ação.

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Durante esse processo, é possível observar as adaptações que o produtor realiza,
gerando assim novos gêneros ou variações de um mesmo gênero, que se
assemelham mais ou menos aos existentes. Explica-se assim a mudança que se
observa em alguns gêneros: “é pelo acúmulo desses processos individuais que os
gêneros se modificam permanentemente e tomam um estatuto fundamentalmente
dinâmico ou histórico”. (Bronckart,1999,p.102)

Em Coelho (2009), encontramos um exemplo de intertexto ao analisar a crônica Em


defesa das nádegas: o intertexto está presente na referência à notícia, a Manuel
Bandeira e na forma de organização que remete outros gêneros como manual ou
receita.

Para inchar estádios, CBF manda encolher bumbum. Confederação


conclui que o padrão internacional é demais para o conforto do
torcedor; orienta federações a cortar espaço e dar só 45 cm para
“bunda no chão” nas arquibancadas. Folha Esporte, 26. set. 2004.

Durante muito tempo, a expressão "bundão" foi considerada


depreciativa no Brasil. Agora sabemos que representará também
um transtorno. Num país que sempre valorizou as cadeiras (ao
menos nas mulheres) o espaço para assento foi reduzido, ao
menos nas arquibancadas dos estádios, lugar antes popular e
democrático. Pergunta: o que fazer? Aqui vão algumas sugestões:

1. Proteste. Proteste, e de forma organizada. Recrute seus amigos


bundudos e forme com eles o MDNG, o Movimento de Defesa das
Nádegas Grandes. Denunciem o preconceito, característico de uma
certa cultura. Lembrem que, para os hotentotes, por exemplo,
nádegas opulentas são sinal de saúde. Criem um lema do tipo “As
nádegas exigem seu espaço”. Formem piquetes, como na
Argentina. Enfim, lutem.

[...]

7. Assista aos jogos em casa. Lá, como Bandeira em Pasárgada,


você é amigo do rei, isto se você não for o próprio rei. Lá, você
poderá dizer: “Terei as nádegas que quero/no assento que
escolherei.

O escritor Moacyr Scliar escreve às segundas-feiras, nesta coluna,


um texto de ficção baseada em matérias publicadas no jornal.
Segunda-feira,4 de outubro de 2004 COTIDIANO Folha de
S.Paulo

Acrônica se assemelha, portanto, a outro gênero- ela incorpora elementos do outro


que a precedeu.

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É graças ao acúmulo desses processos que são observadas as mudanças, as
alterações nos gêneros. O processo criativo de adaptação que o agente produtor
investe em seu texto revela suas necessidades, preferências, estilo e deixa evidente
sua marca - a autoria emerge nesse processo. Conforme Bronckart, as planificações
mais encontradas nos tipos de discurso são:

• a sequência dialogal no discurso interativo;


• sequência descritiva, explicativa e argumentativa, ou plano expositivo puro ou
esquematização no discurso teórico;
• script e sequência narrativa no relato interativo;
• sequência narrativa e sequência descritiva na narração.

Fundamentando-se na noção de sequência textual apresentada por Adam,


Bronckart emprega o termo planificação de linguagem para explicar as formas
desenvolvidas no plano geral do texto. Essas formas prototípicas são
representações de superestruturas canônicas de texto, as quais circulam na
sociedade, são apreendidas pelos agentes, armazenadas e ficam disponíveis na
memória. As sequências podem assumir formas linguístico-estruturais que se
originam a partir das decisões do agente em relação à situação. Segundo Bronckart,
há seis categorias: argumentativa, injuntiva, explicativa, narrativa, descritiva e a
dialogal. Devido à heterogeneidade textual, Bronckart afirma que as duas dimensões
maiores da infraestrutura de um texto são os tipos de discurso e as formas de
planificação local, nas quais estão inseridas as sequências, os scripts e as
esquematizações.

Coelho (2009) esquematiza o raciocínio por Bronckart da seguinte forma:

Para Bronckart, as sequências servem aos tipos de discurso que mantêm relações
com os mundos discursivos.

Adam, em publicações de 1999 e de 2004, utiliza tanto o termo intertexto quanto


interdiscurso. O primeiro é definido como “La présence d’un texte dans un autre sous
forme, plus ou moins implicite et littérale, de citation, de plagiat (emprunt non
déclaré) ou d’allusion” – Adam (2004, p.69) – sendo independente de qualquer
gênero. Já o segundo está diretamente relacionado com os modelos de gênero

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indexados a determinada formação sócio-discursiva que interagem numa certa
circunstância (Adam, 1999: 85). Bronckart (2005) considera o intertexto como os
diversos processos de interação implícita ou explícita entre textos, reservando o
termo arquitexto, advindo de Genette, a uma organização de textos pré-existentes.
Com isso, o sentido do termo empregado por Bronckart para intertexto é o mesmo
observado em Adam. Em contrapartida, Bronckart utiliza a expressão de arquitexto,
no lugar do interdiscurso de Adam.(PINTO e TEIXEIRA,p.387 in
http://www.apl.org.pt/docs/23-textos-seleccionados/ 28-Pinto_Teixeira.pdf)

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Aula 19_Os tipos de sequências

As sequências compõem os textos empíricos, originam-se do intertexto e são


fundadas, como todas as propriedades do intertexto, em dimensões práticas e
históricas, podem modificar-se de acordo com a interação verbal. As sequências
resultam de uma reestruturação do conteúdo temático que é organizado pelo
produtor do texto de forma lógica em macroestruturas semânticas, organizadas
linearmente para formar um todo coerente que expressa o efeito de sentido que o
agente produtor do texto pretende criar. Elas dependem das decisões tomadas, do
gênero e do tipo de discurso e têm um estatuto dialógico.

A sequência narrativa, de acordo com Bronckart, é uma organização baseada numa


intriga que envolve personagens implicados em acontecimentos estruturados no eixo
da sucessão. Há um estado de equilíbrio seguido de uma tensão, que desencadeará
uma ou mais de uma transformação. Há três fases: situação inicial, transformação e
situação final.

A sequência descritiva é apresentada por Bronckart a partir das discussões


propostas por Adam e Petitjean. A sequência descritiva é analisada a partir de três
fases: ancoragem, aspectualização e relacionamento. A fase da ancoragem
apresenta o tema-título introduzido por uma forma nominal, desde que não trate de
uma descrição de processo. A segunda fase é chamada aspectualização - nessa
fase são apresentados aspectos do tema que dizem respeito a suas propriedades,
possíveis sub-temas são decompostos em outras partes que são, também,
apresentados a partir da aspectualização e de relações estabelecidas. Ocorre na
sequência uma espécie de enumeração de qualidades hierarquizadas. A terceira
fase é a de relacionamento, a qual descreve os elementos por meio de comparações
e de metáforas. De acordo com Bronckart, a sequência descritiva é utilizada para
fazer ver, guiar o olhar, mostrar algum detalhe dos elementos do objeto do discurso
ao seu interlocutor, sem influenciar na progressão temática do texto.

De acordo com Coelho (2009), é preciso observar que o aspecto descritivo


apresenta uma intenção que vai além do mostrar, do dar a ver. Uma sequência
descritiva que normalmente funciona em um texto como pano de fundo para
descrição de eventos, ações ou personagens, pode ter uma intenção argumentativa,
pois o agente produtor ao atribuir uma qualidade ao objeto que é tema-título do
texto, não o faz aleatoriamente, mas intencionalmente, há, assim,
complementarmente, uma intenção argumentativa ou explicativa.

Conforme Bronckart, uma sequência argumentativa é organizada numa sucessão de


quatro fases: fase de premissa (dados) - constatação inicial; fase de apresentação
dos argumentos que orientam para uma conclusão (exemplos, justificativas); fase de
apresentação de contra-argumentos, restrições em relação à orientação
argumentativa, os quais podem ser ratificados ou refutados por justificativas; fase de
conclusão que resume e integra os efeitos dos argumentos e contra-argumentos.

A sequência explicativa origina-se a partir de uma incompletude, de uma


problematização presumida pelo produtor do discurso sobre o conhecimento, as

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atitudes, os sentimentos do interlocutor. Há, portanto, necessidade de prover-se uma
explicação, apresentando-se causas e razões da afirmação inicial. O raciocínio
explicativo apresenta uma fase de constatação inicial – introdução do tema
incontestável; uma fase de problematização e explicitação dos motivos; uma fase de
resolução, que traz informações que respondem às questões colocadas; uma fase
de avaliação ou conclusão, que completa a formulação inicial.

Para exemplificar, podemos analisar a crônica a seguir para identificar algumas


sequências que configuram o discurso misto e como as sequências explicativas,
descritivas e argumentativas se misturam.

OS QUE FICAM

(...)Praia é uma república em que todos são iguais perante o Sol.


Nenhuma democracia social é tão adiantada quanto a praia, onde
as raças não apenas convivem como fazem tudo para se tornarem
iguais. Suam, literalmente, para diminuir suas diferenças. Os
brancos tentam ficar marrons, embora às vezes só fiquem
vermelhos, os marrons ficam pretos e os pretos já estão prontos. A
praia também é a democracia econômica com que tantos sonham.
É difícil distinguir o rico do pobre sem roupa. Muitas vezes a única
diferença entre o biquíni de uma granfina e o biquíni de uma
suburbana é a etiqueta, e você não pode ficar pedindo para ver a
etiqueta da moça. Mesmo que, muitas vezes, o biquíni seja só a
etiqueta.

As sequências do texto apresentam-se misturadas, encaixadas umas nas outras:


são descritivas-explicativas-argumentativas, pertencem ao eixo do expor,
caracterizando-se assim como discurso misto. Esse tipo de organização permite ao
produtor do texto expor o que pensa, analisar e interpretar fatos de uma realidade,
usando para isso uma organização diferenciada que revela o estilo do gênero
crônica.

O raciocínio do produtor do texto é comparativo, visando à produção da reflexão, da


observação, convocando o leitor, o interlocutor a pensar sobre as semelhanças e as
diferenças, sobre os aspectos pitorescos da praia e de uma democracia.

A praia é um lugar, que normalmente não suscita qualquer reflexão no leitor, o


cronista ao expor seu ponto de vista sobre esse lugar – a república-praia e a
democracia econômica revela a criatividade do cronista e sua criticidade, pois a
crônica não deixa de estabelecer sua ligação com fatos que afetam a todos que
vivem neste país: a praia é do povo, pertence a todos, sem distinção; mas também
pertence a alguns que têm acesso a tudo. Sendo assim, ele tem o cuidado de
combinar as sequências de modo a produzir esse efeito: “Muitas vezes a única
diferença entre o biquíni de uma granfina e o biquíni de uma suburbana é a etiqueta,
e você não pode ficar pedindo para ver a etiqueta da moça. Mesmo que, muitas

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vezes, o biquíni seja só a etiqueta”. Observa-se neste trecho uma sequência de
orações coordenadas e subordinadas que expressam relações de dependência
construídas por meio do uso nexos subordinativos próprios do discurso do expor:
relações de finalidade e de concessão que têm relação com a argumentação
desenvolvida e que, na crônica, produz o efeito de ironia - a subordinada concessiva
empregada comenta o fato constatado.

A sequência dialogal apresenta como principal característica a de realizar-se apenas


nos segmentos de discursos interativos dialogados. A sequência monologal é uma
variante da sequência dialogal, que organiza o relato interativo. O discurso interativo
primário e secundário são variantes do discurso interativo. A semiotização do
conteúdo temático mobilizado na interação está relacionada ao mundo ordinário dos
agentes dessa interação no discurso interativo primário, como, por exemplo, nos
gêneros conversação, entrevista (oral/escrita). Há, porém, discurso interativo
secundário nos gêneros romance, novela quando são encaixados segmentos de
relatos interativos ou de narração, na forma de discurso direto. Nesse caso, os
segmentos remetem a personagens e acontecimentos textualizados, como na
narração, ou encenados, como no teatro.

Os relatos interativos, as narrações e os discursos teóricos são organizados na


forma de monólogo, enquanto o discurso interativo se apresenta em forma de
diálogo.

Bronckart trata da sequência injuntiva como uma sequência autônoma cujo objetivo
é fazer agir o destinatário, o interlocutor. Pretende-se que ele faça algo ou modifique
sua visão sobre determinado ser ou objeto. Essas sequências são encontradas em
cartas, receitas que dão instruções sobre como proceder, manuais de instrução,
placas de jardins, de garagens: “não pise na grama”, “ não estacione”. São
empregados verbos na forma imperativa.

Um outro tipo de sequência é o script, que apresenta os acontecimentos de uma


história do mundo do narrar dispostos em ordem cronológica, sem deflagrar nenhum
processo de tensão.

Outra forma de sequência é a esquematização, usada no mundo do expor, quando o


objeto do discurso não é considerado nem contestável nem problemático. O
desenvolvimento de suas propriedades é feito a partir de um segmento de texto
puramente expositivo ou informativo, então, a organização desses segmentos não
se dá nem por intermédio de uma sequência convencional nem por um script, mas
por outras formas de esquematização constitutivas da lógica natural, como é o caso
da definição, da enumeração, do enunciado de regras, da cadeia causal, etc.

A organização dos discursos do expor pode ser feita também, por meio de
esquematizações, apresentando sequências de forma local e breve, frequentes nos
discursos teóricos e acompanhadas de sequências descritivas. As sequências
argumentativa, explicativa e injuntiva ocorrem nos discursos mistos e nos discursos
interativos enquanto as sequências descritivas apoiam sequências argumentativas
ou explicativas, neste tipo de discurso.

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As sequências no discurso do narrar: relatos interativos e narrações são
organizadas em forma de script, de sequência narrativa e na forma secundária de
sequência descritiva. Esta última aparece como a forma de planificação comum às
duas ordens do Narrar e do Expor.

Espero que esta aula tenha contribuído para ajudá-lo (a) a compreender como
podem ser organizadas as sequências dos mundos do expor, narrar, argumentar.

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Aula 20_Mecanismos de textualização

Nesta aula, damos continuidade aos pressupostos da teoria enunciativa de


Bronckart. Para o autor, os mecanismos de textualização contribuem para a
construção da coerência temática e estão relacionados a quem é dirigido o texto.
São três os mecanismos considerados pelo autor: a conexão, a coesão nominal e a
coesão verbal.

A conexão marca as articulações da progressão temática construídas a partir das


conjunções, das preposições, dos advérbios, das locuções adverbiais, grupos
nominais, grupos de frases e que são considerados organizadores textuais.

A coesão nominal e a coesão verbal são construídas por meio de mecanismos que
introduzem o tema, o retomam e o substituem. É o caso dos anafóricos (pronomes),
das elipses e alguns sintagmas nominais. A organização temporal resulta do
emprego dos tempos verbais, dos advérbios e de outros organizadores textuais.

Mecanismos enunciativos

Os mecanismos enunciativos correspondem ao nível superficial, pois dependem do


tipo de interação estabelecida entre o agente produtor do texto e o destinatário.
Bronckart considera esse nível o mais superficial das três camadas superpostas.
Esses mecanismos são responsáveis pela coerência pragmática do texto e
expressam avaliações, julgamentos, opiniões, sentimentos, formulados a partir do
conteúdo temático do texto, das instâncias de agentividade que são responsáveis
por essas avaliações.

Conforme já se disse em aula anterior, os gêneros textuais veiculam representações


ou conhecimentos que estão disponíveis no intertexto e foram elaborados por
gerações anteriores ou contemporâneas que as semiotizam. Essas representações
mantêm, portanto, relação dialógica com as representações de outros textos e
outros sujeitos, assim não podem estar apenas no espaço mental do autor, exigindo
por vezes a criação de um espaço mental coletivo, ou seja, os chamados “mundos
discursivos” - instâncias de enunciação que dividem com o autor a responsabilidade
do que será dito no texto. Essas instâncias são o narrador, pertencente ao mundo do
narrar e o expositor, relativo ao mundo do expor; há também o textualizador,
responsável pela articulação dos tipos de discurso, do plano geral do texto e dos
mecanismos de textualização. Outra entidade que assume a responsabilidade do
que é enunciado é a voz, já que a instância discursiva pode lançar mão de uma ou
de várias vozes que serão identificadas de forma superposta, em relação ao
narrador ou ao expositor, como a voz de personagens; as vozes sociais:
provenientes de personagens ou grupos sociais que não intervêm diretamente na
ação que compõe o conteúdo temático, mas que servem como instâncias externas
para a avaliação desse conteúdo. A voz do autor é aquela que procede diretamente

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da pessoa que está na origem da produção verbal e que intervém no texto com
comentários, avaliando ou explicando algum aspecto do conteúdo temático.

Outros mecanismos de enunciação são as modalizações que pertencem à dimensão


configuracional do texto e contribuem para o estabelecimento da coerência
pragmática ou interativa. As modalizações aparecem para orientar o interlocutor na
interpretação do conteúdo temático do texto. Bronckart elenca quatro tipos de
funções de modalização que surgem no texto por meio de marcas linguísticas
específicas.

• modalizações lógicas: avaliam o conteúdo temático por meio de


conhecimentos organizados no mundo objetivo sob o ponto de vista de suas
condições de verdade e possibilidades: é evidente, é necessário,
provavelmente, talvez;
• modalizações deônticas: avaliam o conteúdo temático por meio de opiniões e
regras do convívio social: é lamentável;
• modalizações apreciativas: avaliam o conteúdo temático por meio de
expressões oriundas do mundo subjetivo, da voz originária dos julgamentos,
que podem ser, de acordo com a entidade avaliadora: infelizes ou felizes,
benéficos ou maléficos, absurdos, estranhos. Ex.:infelizmente;
• modalidades pragmáticas: indicam a responsabilidade das instâncias
enunciativas em relação às ações, intenções, razões, etc, na proposição de
um conteúdo temático. Ex.: se soubesse disso...

As marcas linguísticas que indicam a modalização podem ser expressas por verbos
condicionais ou modais: “ gostar, querer, dever, ser necessário, poder”. Como
também podem ser expressas por advérbios ou locuções adverbiais; orações
impessoais ou adverbiais:: “com certeza”, “certamente”, “infelizmente”, “talvez”,
“necessariamente”. Podem ser orações impessoais ou adverbiais: “é provável que, é
lamentável que, sem dúvida que”.

Na perspectiva da Linguística do Texto, conforme Koch (2001), os modalizadores se


originaram na lógica clássica: os advérbios, as locuções adverbiais e as orações
modalizadoras sempre tiveram a função de modificar um conteúdo proposicional.

Numa perspectiva voltada para os aspectos pragmáticos da linguagem, Kerbrat-


Orecchioni (1999) afirma que, ao descrever um referente, o sujeito da enunciação
escolhe do estoque lexical e sintático armazenado, o tipo de discurso de que
necessita: discurso objetivo, que procura apagar os traços de existência de um
enunciador individual; ou o subjetivo, que revela e expressa explicitamente a
presença do enunciador. As unidades enunciativas revelam diferentes graus de
subjetividade no discurso, pois todas as escolhas implicam o locutor/enunciador, seu
modo de ver uma dada situação, traços reveladores de sua posição e opinião. O
posicionamento e a opinião são então revelados por meio da escolha de termos.

Kerbrat-Orecchioni faz a distinção entre termos objetivos e subjetivos. De acordo


com ela, há no discurso um sistema de índices que traduzem a apropriação do
discurso pelo locutor: pronomes pessoais/dêiticos e modalizadores. Por meio da

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observação desses índices, percebe-se como o autor/locutor constrói as relações
entre os interlocutores e o enunciado, e como manifesta sua opinião, basta observar
os substantivos, os adjetivos, os advérbios e os verbos empregados. O uso de
termos avaliativos expressa a opção ideológica do sujeito da enunciação e revela
ao leitor caminhos para a construção dos sentidos. A utilização dessas formas revela
pistas para o nível interpretativo da linguagem.

Os adjetivos, por exemplo, são classificados por Kerbrat-Orecchioni como objetivos


(céu azul) e subjetivos, estes subdivididos em: afetivos (filme emocionante) e
avaliadores – por sua vez, de dois tipos: axiológicos (filme cansativo) e não
axiológicos (filme longo). O adjetivo afetivo enuncia uma propriedade do objeto que
ele determina e uma reação emocional do sujeito falante face ao objeto, como
também manifesta a presença do enunciador no enunciado.

Os avaliativos não-axiológicos avaliam o objeto quantitativa e qualitativamente,


expressando a experiência pessoal do locutor. Já os axiológicos expressam os
valores éticos e estéticos do enunciador, indicando um julgamento de valor positivo
ou negativo. Sendo assim, são duplamente enunciativos, pois o uso de axiológicos
varia, conforme a natureza particular do sujeito da enunciação e na medida em que
se manifesta uma tomada de posição a favor ou contra o objeto denotado. É
importante observar que seu uso pode aparecer superposto, trazendo uma noção
de valorização e desvalorização, enfatizado pelo papel da entonação.

Os substantivos são classificados pela autora como afetivos, avaliadores ou


substantivos com certa tendência à neutralidade, aparecendo geralmente em
sequências que apresentam gradação.

Quanto aos verbos, há uma distinção entre os verbos subjetivos e os


ocasionalmente subjetivos. Os verbos subjetivos implicam uma avaliação feita pelo
sujeito da enunciação ou pelo locutor. Os verbos ocasionalmente subjetivos
expressam uma disposição favorável, como “apreciar”, “gostar” ou uma disposição
desfavorável como “depreciar”, “criticar”.

Sobre os dêiticos, a autora explica que a referência é mais importante que o sentido,
pois a linguagem é ancorada à situação de comunicação por meio dos dêiticos. O
“eu” organiza o aqui-agora da situação comunicativa. O pronome “eu”, por exemplo,
tem sempre o mesmo sentido, porém, a cada emprego a referência muda. Os
pronomes são orientados para quem enuncia – o locutor “eu/nós”; para quem se
dirige o enunciado - o “tu”, “você”, “vocês” ou “vós”. O pronome “ele” indica a que ou
quem se refere o enunciado.

O grau de adesão do sujeito ao conteúdo afirmado é dado pelos modalizadores que


funcionam como indicadores das intenções e atitudes do locutor em relação ao seu
discurso. Alguns advérbios especificam a natureza e as condições da ação do
sujeito, outros expressam seu grau de adesão ao conteúdo. Há também orações
modalizadas que têm a função de orientar uma determinada conclusão.

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Para exemplificar como esses elementos podem se manifestar num texto,
analisemos o trecho da cônica a seguir:

Devíamos poder preparar os nossos sonhos como os artistas, as


suas composições. Com a matéria sutil da noite e da nossa alma,
devíamos poder construir essas pequenas obras primas
incomunicáveis, que, ainda menos que a rosa, duram apenas o
instante em que vão sendo sonhadas, e logo se apagam sem outro
vestígio que a nossa memória.

A forma verbal “devíamos” em primeira pessoa do plural, torna perceptível a


presença do locutor e de um ou mais interlocutores/destinatários no enunciado, ou
seja, um eu e um tu inscritos em um nós, ideia reforçada pela presença do pronome
possessivo “nossos” acompanhando “sonhos” e retomado no final do parágrafo pelo
pronome possessivo “nossa”. A presença implícita do pronome dêitico “nós” permite
identificar a pessoa do discurso e associá-la à instância da enunciação na figura do
enunciador que representa a pessoa de cujo ponto de vista são apresentados os
acontecimentos. Desse modo, locutor e enunciador são equivalentes, ou seja,
identificados com a autora empírica, pois as marcas deixadas permitem reconhecê-
la.

O sujeito encontra-se emocionalmente implicado, pois registra sua marca no


enunciado e se posiciona em relação a ele, como se verifica na sequência: “Com a
matéria sutil da noite e da nossa alma”. O adjetivo “sutil + da noite e da nossa
alma”, caracterizadores do substantivo matéria, acrescentam ao enunciado uma
avaliação subjetiva sobre o conteúdo veiculado no discurso. Para o sujeito da
enunciação, supõe-se haver uma correlação entre os substantivos noite e alma ,
imagens que evocam o mistério, o tempo e os desejos escondidos no homem e
pelo homem, na alma do homem.

O emprego de modalizadores marca o discurso e deixa explícita a presença do


sujeito que se expressa, revela, portanto, sua opinião, sua intenção de orientar e
encaminhar a direção do olhar do leitor.

PÓS-GRADUAÇÃO 74
UNIVERSIDADE METROPOLITANA
Núcleo de Educação a Distância
DE SANTOS

PÓS-GRADUAÇÃO 75

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