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Hélder Pinheiro
1. Introdução
4.1.Literatura e dança
4.5.Temática do medo
4.9.Poesia e guerra
5. Considerações finais
6. Referências
1
Eu ando sozinha
Por cima de pedras
Mas a flor é minha.
(Cecília Meireles)
2
ABORDAGEM COMPARATIVA DE TEXTOS LITERÁRIOS NA ESCOLA
1. Introdução
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apreciá-la). O que entendemos por método comparativo e de que maneira ele se articula a
outros métodos de ensino?
O primeiro passo talvez seja deixarmos claro o que se entende por método. No
âmbito da filosofia, segundo Russ (2010), “O método é antes de tudo, como indica a
etimologia, uma via ou caminho (hodos): um conjunto de procedimentos lógicos e
racionais, que permitem chegar a um fim.” Assim, numa acepção bem geral, fala-se de um
“método de trabalho”, método de estudo, etc. Neste sentido, concordamos com o autor que o
método, “longe de circunscrever-se a um campo estreito, constitui um instrumento universal
pedido pelas próprias exigências da vida e da existência.” (RUSS, 2010, p. 16) Por outro
lado, reconhecer a importância do método não é, necessariamente, absolutizá-lo e,
sobretudo, fechar-se numa única perspectiva metodológica. Portanto, um aspecto da maior
importância, quando se reflete sobre método nas ciências humanas, foi discutido por
Gadamer (1997). Para o filósofo, os métodos advindos das ciências naturais não podem ser
tomados como modelos absolutos para as “ciências do espírito”. Nas palavras do filósofo,
“A experiência do mundo socialmente histórico não se eleva a uma ciência com processo
indutivo das ciências da natureza.” (GADAMER, 1997, p. 40) E, ao referir-se ao método,
afirma:
Ele chama a atenção ainda para a não dependência das humanidades com relação às
ciências da natureza ser da maior importância no âmbito das artes. No vasto campo da
teoria literária pode-se falar de diferentes perspectivas metodológicas2. Discutindo a
questão do método na crítica literária, João Alexandre Barbosa afirma que “em geral
2
As diferentes correntes da teoria literária do século XX apresentam métodos peculiares de abordagem da
obra literária. Bergez (1997) em sua obra Métodos críticos par análise literária, apresenta alguns desses
métodos cujo conhecimento pode ser útil ao leitor pouco ligado à crítica literária. São eles: crítica genética,
crítica psicanalista, crítica temática, sociocrítica e crítica textual. Rallo(2005) em Métodos de crítica
literária, elenca: crítica do imaginário, psicanalítica, sociologia da literatura, leitura estilítica, formalismo,
semiótica, dentre outros.Mais duas obras também sistematizam as várias correntes da crítica e teoria literária
no século XX: Técnicas de análise textual, do teórico português Carlos Reis (1981), em que discute conceitos
como “leitura”, “Leitura crítica”, “análise e interpretação” e discorre com detalhe sobre análise estilística,
análise estrutura e análise semiótica. O autor apresenta, ainda que rapidamente, a crítica psicanalista e a
sociologia da literatura. Por último, Tadié (1987) em A crítica literária, traz uma tipologia diferenciada
nalguns tópicos desenovlvidos, como crítica alemã, crítica da consciência, crítica do imaginário e
linguística e literatura. Muitas destas denominações agregam mais de uma corrente da crítica/teoria literária.
4
assustam os métodos” uma vez que “possuem quase sempre um ar de imposição forçada,
de restrição por incapacidade.” (BARBOSA, 1980, p. 19). Para ele o maior significado do
método “deve ser a capacidade de uma metamorfose, sem que se perca o sentido da vereda
escolhida” (BARBOSA, 1980, p. 19). A imagem construída pelo crítico aponta para uma
perspectiva de não aprisionamento ao método, o que não quer dizer ausência de rigor
reflexivo.
Numa perspectiva didática, as obras de metodologia da pesquisa apontam várias
modalidades de método, como: “Método dedutivo”, “método indutivo”, “metódo
hipotético dedutivo”, “método dialético”, “método fenomenológico”, dentre outros.
(POZZEBON, 2004, p. 28). Cada um atende a uma necessidade específica de pesquisa.
Planejar uma ação, portanto, já pressupõe, em si, um método, tenhamos ou não
consciência desse fato. De maneira geral, pode-se dizer que seguimos um método para
cada coisa que fazemos. E, conforme vimos, não se pode falar num método universal, que
sirva para todos com a mesma eficiência, sobretudo quando se trabalha com arte. Cada
sujeito, a partir de suas capacidades, condições físicas, mentais, psicológicas e culturais
(re)cria seu método de estudar, de realizar certos afazeres, de escrever, de cozinhar, de
arrumar a casa, de dar aula, de escrever um trabalho acadêmico, de plantar uma árvore, de
cuidar de plantas, de animais, etc.
A proposta metodológica que ora apresentamos nasceu da prática cotidiana da
leitura literária em sala de aula – desde nossa passagem pelo ensino básico até a
Universidade. Neste último espaço, em muitas situações, trabalhamos de modo
comparativo tanto nas disciplinas de literatura brasileira, quanto nas de caráter mais
teórico. Também, nas orientações de estágio supervisionado e TCC inúmeras vezes
propomos este tipo de abordagem centrada em determinados temas.
A abordagem comparativa pressupõe tanto um conhecimento da disciplina
Literatura comparada, quanto das obras e temas que se deseja comparar. E, sobretudo, no
âmbito do ensino, pressupõe a consciência de que uma temática abordada
comparativamente necessita estar no horizonte de expectativa dos leitores a que se destina.
Por certo, a abordagem metodológica não se restringe a temas, mas no âmbito escolar este
caminho pode ser uma porta de entrada para o grande universo de experiências humanas a
que literatura nos abre.
Discutiremos, a seguir, alguns pressupostos da Literatura comparada tendo em vista
fundamentar minimamente o leitor ante a metodologia proposta. O objetivo é oferecer ao
5
professor que não teve essa disciplina em seu currículo, no curso de Letras, Pedagogia e
outras licenciaturas, uma notícia de sua formação e de seu(s) método(s). A leitura de
artigos e ensaios que lançam mão do método comparativo também se constitui num
importante instrumento de formação, que pode vir antes ou paralelamente ao estudo das
questões teóricas sobre método. Para um aprofundamento das questões, consulte-se as
referências indicadas ao final deste trabalho.
Cavalhal (2006) nos lembra que “a comparação não é um método específico”; trata-
se de “um procedimento mental que favorece a generalização e a diferenciação.”
(CARVALHAL, 2006, p. 6) Para a autora, que foi uma das mais importantes teóricas do
comparativismo, “Comparar é um procedimento que faz parte da estrutura de pensamento
do homem e da organização da cultura. Por isso, valer-se da comparação é hábito
generalizado em diferentes áres do saber humano (...). (Idem, p. 6) No entanto, lembra a
teórica, “quando a comparação é empregada como recurso preferencial no estudo crítico,
convertendo-se na operação fundamental da análise, ele passa a tomar ares de método e
começamos a pensar que tal investigação é um “estudo comparado.” (Idem, p. 7) Para ela,
“a comparação, mesmo nos estudos comparados, é um meio, não um fim” (p. 07)
Portanto, a primeira questão que colocamos é a de conhecer minimamente a
disciplina Literatura comparada. Nascida no século XX – embora sempre se tenha lançado
mão, nos estudos literários, em certa medida do comparativismo a literatura comparada
experimentou, do final do século XIX ao início do século XXI, diferentes
abordagens/concepções. Para Nitrini (1997, p. 19):
6
literária de uma nação e a história mais geral” (NITRINI, 1997, p. 24). Lembra ainda a
pesquisadora que
Pode-se, portanto, lançar mão desse método não mais apenas voltado para
diferentes literaturas, mas para sistemas diferentes, temas, e até mesmo a literatura e outras
artes e outras manifestações artístico-culturais, como se observará nas concepções
contemporâneas de literatura comparada.
Outro aspecto determinante da constituição da disciplina era a necessidade de se
comparar sempre literaturas de línguas diferentes. A denominada escola francesa não
aceitava “o estudo comparado de literaturas com outras artes ou ramos do saber como
objeto da literatura comparada.” (NITRINI, 1997, p. 28).
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Além de privilegiar a análise do texto literárioem detrimento das relações
entre autores ou obras, os comparativistas norte-americanos aceitam os
estudos comparados dentro das fronteiras de uma única literatura, atuação
recusada pela doutrina clássica francesa. (CARVALHAL, 2006, p. 15)
Esta abertura parece-nos bastante significativa para nossa proposta, uma vez que
quando pensamos na formação de leitores, a comparação entre obras de uma mesma
literatura nacional abre-se para várias possibilidades - o que também não nega acionar
obras de diferentes literatura. Por outro lado, não se pode fechar a leituras comparativas
entre obras infantis e juvenis de diferentes literaturas.
Um mito narrado por um rapsodo certamente era comparado ao desempenho de
outro rapsodo. No âmbito da literatura popular, compara-se um improviso de um cantador
com o de outro com diferentes propósitos: para exaltar os dois, para exaltar um e apontar o
limite do outro ou até mesmo para apontar fragilidade dos dois.
Momento importante na construção da disciplina, foi o aparecimento do conceito
de intertextualidade. Como lembra Carvalhal (2003, p. 19), o conceito de intertextualidade
contribuiu de modo decisivo para os estudos de literatura comparada. Vários teóricos
retomam-no para aplicar à literatura, à canção, a diferentes manifestações artísticas.
Segundo Kristeva ( 1974), “todo texto se constrói como um mosaico de citações, todo texto
é absorção e transformação de outro texto” (p. 13). Gilberto Mendonça Teles chama a
atenção para os vários conceitos relativos às diferentes formas de intertextualidade: a
imitação, a influência, o plágio, a alusão, a paráfrase, a paródia, a epígrafe, “o seguir”, o
prefácio, o manifesto (TELES,1979). Toda a teoria de Genett que se refere ao palimpsesto,
de certo modo é uma ampliação do conceito de intertextualidade. Por outro lado, a grade
conceitual advinda de toda esta construção teórica muitas vezes é empregada de modo
bastante mecânico, levando a mero reconhecimento de um procedimento.
Possivelmente, a importância do conceito de intertextualidade para os estudos
comparativos deve-se ao fato de que
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passivo o receptor, minimizando sua importância e privilegiando a originalidade do
modelo” (CARVALHAL, 2003, p. 19) Neste sentido, “a compreensão de intertextualidade
como propriedade textual elide o sentido negativo anterior e enfatiza a natureza criativa do
processo de produção textual” (CARVALHAL, 2003, p. 19)
Outro aspecto a ser considerado na “revitalização” da literatura comparada é
ampliação do campo de atuação da disciplina. Hoje, segundo Carvalhal (2003, p. 35),
atribui-se à disciplina a “possibilidade de mover-se entre várias áreas, apropriando-se de
diversos métodos, exigidos pelos objetos que coloca em relação.”
Em ensaio em que discutem “Perspectivas da literatura compaarada no Brasil”,
Eneida M. de Souza e Wander M. Miranda afirma que:
Lembram ainda que “Estudos recentes, campo dos discursos das minorias sexuais,
étnicas e de gênero têm desempenhado papel significativo no tocante ao desenvolvimento
de teorias e métodos comparatistas (...) (p. 49) Trata-se de mais um viés a ser investigado e
levado à sala de aula.
Já existe, portanto, uma grande diversidade de estudos comparativos que acionam
as diferentes possibilidades de diálogo entre literatura e outras artes, literatura e cultura
popular, literatura e cinema, bem como abordagens de caráter temático – entre obras de
épocas diferentes, da mesma época, de gêneros literários diversos, dentre as inúmeras
possibilidades que se apresentam ao leitor-analista.
Por outro lado, no âmbito da crítica literária, a abordagem comparativa nos legou
estudos de grande valor. Entre nós, destacamos a leitura que Antonio Candido faz de O
cortiço, de Aluízio Azevedo, comparando-o com a obra L’Assommoir, de Emile Zola.
Candido (1993) não cai na perspectiva da ênfase na influência. Como enuncia no início, “o
interesse analítico se volta para um problema de filiação de textos e de fidelidade aos
contextos.” (p. 124) Amparado nesta delimitação, ele formula algumas categorias que
serão detidamente examinadas a partir das obras escolhidas. Destacamos “texto primeiro” e
“texto segundo” (que não traz valor hierárquico), “diferenciação e indiferenciação”,
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“espontâneo e dirigido”, “cortiço e/ou Brasil”, dentre outras. Sempre importante frisar que
as categorias parecem nascer da convivência analítica das obras, e não como conceitos a
serem aplicados de fora do texto. O método de Candido, portanto, leva em consideração o
contexto de produção das obras, que favorece percepções como esta:
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No ensaio “Os primeiros baudelairianos”, Candido (1987) estuda as ligações de um
grupo de poetas brasileiros, do final do século XIX, com a poesia de Charles Baudelaire.
Nas palavras do crítico, “Vamos pois indagar de que maneira alguns jovens, no decênio de
1970, extraiam d’As flores do mau, em parte arbitrariamente, o alimento mais nutritivo que
elas já forneceram aqui. (CANDIDO, 1987, p. 25)
O crítico mostra como determinados poemas de Carvalho Júniro retomam outros de
As flores do mau, de, de Baudelaire e lembra que “L’ideal” “vale por manifesto anti-
romântico: (CANDIDO, 1987, p. 27). Outros poemas de Carvalho Júnior, Teófilo Dias e
Fontoura Xavier, dentre outros, são convocados na análise comparativa.
Para Candido, esses poetas encontram na obra referida do poeta francês
O ensaio, portanto, nos dá uma amostra de uma leitura comparada sóbria, analítica,
capaz de suscitar no leitor o reconhecimento de, no caso, uma influência, mas como
adverte: “toda influência literária torna o objeto cultural ajustado às necessidades e
características do grupo que o recebe e aproveita. (CANDIDO, 1987, p. 24/25)
A leitura de diferentes abordagens comparativas poderá oferecer ao professor(a)-
mediador(a) respaldo para planejar e efetivar seu trabalho em sala de aula. Neste sentido,
vários estudos podem contribuir para aprofundar diferentes perspectivas de leitura
comparativa. Uma proposta significativa é a retomada de conceitos como paródia,
paráfrase, estilização e apropriação, retomados e aplicados, em várias leituras, por
Sant’Anna (1985). A obra traz, além da discussão teórica, retomando Tynianov e Bakhtin,
vários exemplos desses diálogos intertextuais em nossa literatura, como por exemplo, a
retomada que vários poetas modernos fizeram da “Canção do exílio”, de Gonçalves Dias.
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Importante salientar ainda que nossa proposta de um método comparativo, como
um caminho para o trabalho com a literatura na sala de aula, nasceu da prática cotidiana de
ensino. Mirando os já mais de 30 anos de sala de aula, pude observar que inúmeras vezes
lancei mão de procedimentos comparativos – entre poetas de épocas diferentes, mas que
produziram poemas de temática comum entre obras de diferentes gêneros; entre narrativas
e filmes; narrativas com temática aproximada; narrativa e história, dentre outras
possibilidades. Anos depois, estudando um pouco a Literatura comparada, é que fui
tomando consciência das várias possibilidades que a disciplina oferecia, inclusive para o
ensino básico.
Uma obra de caráter didático da maior importância, que não teve a repercussão
merecida na escola, foi Literatura brasileira em curso, de Dirce Riedel et al. (1968). Nela
encontramos as indicações de um trabalho temático com uma orientação precisa e bastante
abrangente, embora ainda um tanto presa ao modelo de interpretação que circula nos livros
didáticos3. Devemos a esta obra o despertar para as inúmeras possibilidades que a
abordagem temática proporciona e como pode se constituir numa alternativa para o ensino
de literatura.
Passemos aos tópicos, lembrando sempre que são indicações e não propriamente
um roteiro a ser seguido. Não pretendi elaborar sequências didáticas a serem seguidas -
antes, indicar obras e apontar algumas possibilidades, acreditando sempre no potencial do
professor-leitor de utilizar de modo pessoal cada sugestão. Quase todas elas nasceram da
sala de aula, mas exigiram, muitas vezes, leituras teóricas, releituras, descobertas de outras
obras. Neste sentido, o que vai aqui sistematizado é resultado da contribuição às vezes
silenciosa de inúmeros ex-alunos(as), colegas professores e professoras. O propósito é
chamar a atenção para as possibilidades de abordagem do texto literário no contexto de
ensino.
4. Abordagens temáticas
3
Vimos discutindo esta temática há algum tempo, como se pode observar nos artigos (ALVES, 2002 e 2006)
12
lírica, o diálogo direto da literatura dramática, as vozes da narrativa, afora os espaços, os
tempos, os olhares de diferentes narradores.
Outro aspecto é que, um mesmo tema pode ter sido abordado por diferentes
literaturas em épocas diversas. No ensino básico, pode-se também trazer obras de outras
literaturas para uma abordagem comparativa. Como lembram Machado e Pageaux (1988,
p. 118), “um tema tratado na época da Renascença, por exemplo, não pode ter a mesma
expressão literária que na época romântica”. Para ilustrar esta afirmação, bastaria
observarmos poemas de três épocas diferentes, como o soneto 106, de Luís Camões (“O
céu, a terra, o vento sossegado...”, “Este inferno de amar”, de Almeida Garret e “Criação”,
de Olavo Bilac. Em cada poema um aspecto pode ser destacado, dentre tantos: no de
Camões, o pastor lamenta a perda de sua amada e clama à natureza que permanece
indiferente; o título do poema de Garret já indicia a ausência da contenção clássica, que
comparece, sobretudo, na linguagem; já Bilac nos mostra o engradecimento do amor, que
“É um mistério de força e de surpresa!”
A mesma reflexão pode ser estendida à época moderna e contemporânea.
Imaginemos, a título de exemplo, um poema de amor da literatura grega, latina, da Idade
Média, do período camoniano, enfim, de todos os estilos de época que compõem nossa
literatura. Teríamos uma antologia rica de possibilidades de debate, de descobertas de
diferentes visões de amor e de mundo, além das diferentes formas em que estão expressos.
Mas é importante, também, estar atento ao fato de que a abordagem temática exige, “por
consequência, uma leitura extremamente atenta, compreensiva” e que “entrar na lógica de
determinado texto” exige “sólida erudição” (...) para evitar cair na justaposição ou na
comparação mecânica” (MACHADO e PAGEAUX, 1988, p, 120).
Por outro lado, é possível se aproximar do texto e ir apreendendo-o mesmo sem
essa “sólida erudição”, mas com disposição de pesquisa, para construir essa erudição
através de buscas de referências que contribuam para uma compreensão mais ampla do
tema em estudo. Se, por um lado, a erudição ajuda a ter acesso a significados essenciais,
por outro lado, acreditamos que a aproximação a um texto literário, sua apreensão não se
dá meramente por vias cognitivas, pela inteligência e erudição.
Outro aspecto a ser considerado é que, como afirmam Brunel, Pichois e Rousseau
(1995, p. 110), “um tema não está jamais isolado; interfere em outros, e seria mais justo
falar em complexos temáticos.” A observação é da maior importância na perspectiva da
formação de leitores que vimos defendendo. Isto quer dizer que a abordagem temática
13
além de contribuir para que se veja uma mesma questão sobre diferentes perspectivas,
também pode chamar outras questões, outros temas. Por certo, aqui, a experiência do leitor
pode suscitar esses “complexos temáticas”, a que se referem os teóricos.
Na Antologia da poesia brasileira: das origens ao Pré-Modernismo (PINHEIRO,
2017), sugerimos algumas abordagens temáticas. Por exemplo, a temática do tempo é
tratada por poetas diversos, como José de Anchieta (“Em Deus meu criador”), Gregório de
Matos Guerra (“Nasce o sol, não dura mais que um dia”), Tomás Antônio Gonzaga (Lira
XIX – segunda parte de Marília de Dirceu), Gonçalves Dias (“Leito de folhas verdes”). A
experiência de leitura da Antologia, com alunos da graduação em Letras, suscitou
inúmeros debates, descobertas de novos poemas, canções, versos da tradição oral. Em
artigo que remonta esta experiência de sala de aula, indicamos procedimentos para
trabalhar o tempo na sala de aula. Vejamos:
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o máximo, exponham seus pontos de vista. Ouvir, mediar, evitar expor ou
explicar os poemas e sobretudo, dar lições. Deixar que se aproximem ao
máximo do texto. E se a turma é tímida ou desacostumada a este
procedimento, instigar, perguntar. Após esta fase, pode se passar a uma
outra, agora um pouco mais sistemática. Fica aberta a possibilidade de
trabalho junto com profissionais de música e de filosófica – pelo viés
temático.
Terceiro passo seria: tentar levar os leitores a comparar os textos e
levantar aspectos que os aproximam e que os diferenciam. Por exemplo, a
temática seria o grande eixo. Mas como Quintana vê o tempo? O que há
de peculiar neste olhar? Pedir para observarem as imagens de que poetas
e poetisas lançam mão e tentar interpretá-las – atribuir a elas um sentido
dentro do contexto em que se encontram. Atentar para o vocabulário: por
exemplo, “Retrato”, de Cecília Meireles, atentar para a adjetivação e,
sobretudo, para a imagem final. Algum dos textos apresenta um viés
melancólico ou eufórico? Que outros temas estão acoplados ao tema
central do tempo? Retornar aos três poemas comentados e observar o que
os diferenciam destes últimos indicados. Que conclusões podem ser
retiradas? Atentar para a forma dos poemas: quais apresentam uma maior
liberdade – na construção dos versos, na disposição das palavras na folha,
etc. Qual o tom predominante no poema? Poder-se-ia falar de um viés
melancólico, ou reflexivo, ou irônico, ou cético? As várias leituras em
voz alta poderão ajudar a observar o tom predominante no poema.
(ALVES, 2014, p. 56-58)
15
esperança, o desencanto, a melancolia. Como estamos pensando na abordagem
comparativa, observar o tema em outros poetas – contemporâneos a Manuel Bandeira ou
não. Por exemplo, na lírica de Cecília Meireles (1994), dentre as várias referências ao
tema, destacamos: “Morro do que há mundo” (p. 1224) e “Quero receber à morte...” (p.
795); de Murilo Mendes (1994), “A morte” (p. 299) e “A morta viva” (p. 256). O livro
Agreste, de João Cabral de Melo Neto (1994), traz uma série de poemas sobre a morte.
Dentre eles, destacamos: “As astúcias da morte” (p. 576), “A morte dos outros” (p. 577),
“Morrer de avião” (p. 579) e “Direito à morte”, afora outros poemas de outros livros e
alguns episódios de Morte e vida severina. Lembremos ainda, de Carlos Drummond de
Andrade (1979), “Morte do leiteiro” (p. 193) e “Morte no avião” (p. 201).
Contemporaneamente, em Adélia Prado (2015) também encotramos poemas significativos,
numa perspectiva bem diversa dos anteriormente citados, como: “Resumo”, e “Canção de
amor”, do livro Bagagem e “Campo-santo”, de O coração disparado. Nesta pequena
amostra é grande a diversidade de perspectivas de abordagem, o que incita boas
discussões, por exemplo: que poemas trazem uma visão mais religiosa, de fé? Quais
abordam o tema buscando um distanciamento maior ou mesmo uma certa ironia? Há medo
da morte? Perguntas podem estimular a descoberta de sentidos e a comparação entre os
diferentes pontos de vista e/ou as afinidades.
Embora ao longo da apresentação tenhamos já apontado algumas possibilidades,
faremos agora indicações de temas que vimos trabalhando ou que sobre os quais lemos
poemas, contos, romances, peças teatrais e outros gêneros, chamando sempre a atenção
para o fato de que o professor que desejar levar essas sugestões para sala de aula pode e
deve fazer recortes, acréscimos e outros ajustes que julgar necessários tendo em vista o
contexto em que se encontra.
A dança é uma arte que encanta crianças e jovens, mas que fica ao largo do nosso
currículo escolar. Quando aparece é, quase sempre, voltada para apresentações pontuais,
como festas escolares (folclóricas, datas comemorativas, etc), não como uma vivência
artística planejada e com sequência. Não é preciso ser um especialista para compreender o
sentido humano da dança, sobretudo a alegria que brota de sua prática, basta ter vivido
qualquer experiência no contexto familiar ou escolar para perceber o grau de satisfação que
16
ela pode nos proporcionar. Para Garaudy, “A dança é um modo de existir”. E o filósofo
completa:
4
Uma leitura do tema da bailarina na poesia infantil brasileira pode ser encontrado em Tito (2000).
17
Uma possível retomada desta experiência, pode-se proceder do seguinte modo: os
poemas serem lidos na ordem que o professor desejar e discutidos livremente com as
crianças. Normalmente, a leitura oral bem treinada já suscita gestos, movimentos que
podem ser o embrião de uma dança. É sempre bom lembrar que a atividade central é a da
leitura e que as crianças são livres para executarem ou não o poema através do gesto
dançante.
Nas fases finais do ensino fundamental e no médio poder-se-ia ler poemas
importantes de nossos poetas e poetisas. Por exemplo, Mario Quintana nos legou vários em
que o motivo da dança é central, como por exemplo, “Canção da primavera”, “Dança”,
“Soneto XXIV” (A rua dos cataventos), “Inscrição para uma lareira”, e, de modo especial,
“Aula inaugural”, cuja leitura oral deve enfatizar os diferentes tons de que o poeta lança
mão para apresentar o sentido da dança, sobretudo através do vocativo, que incita o leitor à
ação.
Em artigo denominado “Poesia e dança”, Pinheiro (2016), após comentar a
“Canção da primavera”, de Mario Quintana, apresenta um conjunto de propostas para
vivência do poema em sala de aula. Vejamos:
Outros poemas, de diferentes poetas poderiam ainda ser lembrados para o professor
– leitor levar à sala de aula. Indicamos alguns deles: “Dança do ventre”, de Cruz e Sousa;
“O grande circo místico”, de Jorge de Lima; “Aurora”, de Carlos Drummond de Andrade;
“Mensagem”, de Mário Faustino; “Marabaxo”, de Raul Boop; “Meninos carvoeiros”, de
Manuel Bandeira; “Dança cósmica” e “Dança bárbara”, “A bailarina”, de Cecília Meireles;
18
“Bailado das ondas” e “Dança de filhas do terreiro”, de Gilka Machado; “Estudos para
uma bailarina andaluza”, de João Cabral de Melo Neto; “Sombra e luz” (I – Dança.
Deus!)”, de Vinícius de Moraes, dentre tantos outros. O número de poemas é significativo
e pode, portanto, ser trabalhado em blocos. Por exemplo, os poemas de Gilka Machado e
os de João Cabral de Melo Neto podem ser comparados enfatizando diferenças relativas à
linguagem, ponto de vista, erotismo e etc.
Até aqui nos detivemos em exemplos lançando mão da poesia, mas também deve-
se convocar a narrativa e a dramaturgia para ampliar as possibilidades de diálogo. Por
exemplo, Machado de Assis, tem um conto denominado “Terpsícore”, nome da musa da
dança. Buscar o mito da musa da dança e compará-lo com o conto pode render também
boas reflexões. Pode ainda trazer quadros da pintura de Terpsícore e discuti-los, bem como
outros quadros, como as bailarinas de Degas e discutir possíveis aproximações e
distanciamentos com os poemas lidos.
Saindo da literatura brasileira, também pode-se sugerir a leitura da peça A fanfarlô,
de Charles Baudelaire, cuja personagem central é uma bailarina. Ou ainda os vários
poemas voltados para danças fúnebres que, desde a idade média, alimenta o imaginário de
muitos leitores.
Diante de um conjunto significativo de textos, a abordagem comparativa pode
estimular a observação das várias visões que se tem de dança – o que têm em comum, em
que se diferenciam, que dimensões humanas são enfatizadas, que ritmos são convocados,
que imagens são trabalhadas. Pode nascer da aproximação com esta diversidade de textos o
desejo de criar alguma coreografia a partir dos poemas. Uma imagem, um gesto, um ritmo
pode acionar o desejo de expressão corporal. Nesta perspectiva pode surgir um
significativo diálogo com a música e com determinadas canções de nossa MPB, como
veremos no tópico sobre poesia, música e canção.
Por fim, ainda uma reflexão de Garaudy (1980, p. 14) e, a seguir, um dístico de
Mario Quintana: “Dançar é, antes de tudo, estabelecer uma relação ativa entre o homem e a
natureza, é participar do movimento cósmico e do domínio sobre ele.”
Um poema de Quintada nos coloca diante da relação poesia/dança/vida de modo
singular?
O BAILARINO
Não sei dançar.
Minha maneira de dançar é o poema.
19
O poeta gaúcho coloca a questão da particularidade que cada indivíduo traz para se
expressar. Neste sentido, cada um tem o seu próprio modo de dançar. Não está posto aqui
nestas proposições a ideia de competição, antes de percepção, e, possivelmente,
interpretação de textos diversos, sempre atento a seus contextos, favorecendo o diálogo
entre leitores e até a possível expressão corporal de alguns5.
5
O mediador pode sugerir ou mesmo levar para sala de aula vídeos de diferentes formas de dança, como
balés, dança moderna, danças ditas folclóricas, danças de grupos locais, etc. O objetivo seria chamar a
atenção diferenças e aproximações entre elas.
20
literárias, afirmam que uma abordagem adequada “deveria propiciar um encontro das
obras”, ou seja, “ler o original e a recriação do poeta e procurar discutir questões como: em
que aspecto as narrativas se encontram? Em que se distanciam? O poeta popular optou por
uma mera transcrição da obra ou enfatizou certos aspectos e deixou outro na sombra?”
As possibilidades de comparação entre nossa literatura e a literatura de cordel são
os mais diversos e podem envolver diferentes gêneros, como atestam algumas pesquisas já
realizadas6. Pensando especificamente na sala de aula, elencamos algumas possibilidades
de estabelecer um diálogo em que não privilegie o texto de origem erudita, retomando-se
aqui as reflexões de Carvalhal anteriormente citadas. Passemos a algumas sugestões:
6
Algumas dissertações de mestrado do POSLE-UFCG lançaram mão de abordagens comparativas.
Destacamos a pesquisa de FARIAS (2010), em que são experimentadas as leituras do conto “A volta do
marido pródigo”, de Guimarães Rosa e os folhetos O Testamento de Cancão de Fogo, de Leandro Gomes de
Barros, publicados no livreto intitulado Vida e testamento de Cancão de Fogo (2006) O experimento foi
realizado com uma turma de terceiro ano do ensino médio e se constitui num exemplo de como se pode
realizar, na sala de aula, abordagem comparativa.
21
que, no texto base, não foi explicitado. Sempre é importante lembrar que o cordelista
necessita de realizar um grande trabalho de concisão, o que efetivamente pede cortes.
c) Observar se o poeta/poetisa confere à adaptação algum elemento de cor local – por
exemplo, comidas, espaços, falas, dentre outros aspectos. Se revela uma atitude
preconceituosa com relação a personagens, grupos, lugares etc.
d) Também pode ser observado se o autor procedeu a algum comentário sobre a
narrativa, colocando-se, algumas vezes, como narrador em terceira pessoa. Outra
hipótese é se censura ações das personagens e o que o motiva; se constrói numa
linguagem mais poética algumas passagens, etc.
e) Observar se realizou algum acréscimo ao enredo, se ampliou o número de
personagens ou mudou suas ações/funções, etc. Ou ainda, se conferiu algum caráter
poético à narrativa, uma vez que a adaptação está voltada para a linguagem poética.
f) Como procedimento de leitura em sala de aula, pode-se cotejar trechos da narrativa
e do folheto e promover um debate entre os leitores.
Cada narrativa pedirá uma leitura comparativa peculiar, portanto, estas indicações
devem servir para despertar o professor-mediador, e não como um roteiro fechado.
Segue abaixo um conjunto de dez obras literárias adaptadas para o cordel. Algumas
delas têm mais de uma adaptação. A indicação é para o leitor que não conhece essa
tradição e que tenha interesse de conhecê-la, estudá-la e/ou leva-la para sala de aula7.
Obra/Autor Obra/Cordelista(s)
7
A pesquisa de Irany André L. de Souza (2018), em sua dissertação de mestrado traz um levantamento
minucioso de adaptações de folhetos. O trabalho fornece subsídio para quem deseja conhecer melhor esse
diálogo entre literatura.
22
Otelo – W. Shakespeare Otelo e desdêmona – Arievaldo Viana
O mouro de Veneza – Maria Godelivie
23
da utopia, que tem presença marcante nas duas obras. Mas também observam diferenças,
como as personagens, os espaços e a linguagem.
Ainda no campo da literatura infantil, um estudo comparativo mais detido entre as
seguintes obras: Os colegas, de Lígia Bojunga Nunes, Os saltimbancos, de Chico Buarque
de Holanda; o conto Os músicos de Bremen, de Grimn e o folheto A greve dos bichos, de
Zé Vicente. Pode-se estudar, por exemplo, a lenda do Saci e sua retomada por Monteiro
Lobato em obra com o mesmo nome e A turma do Pererê, de Ziraldo e alguns folhetos que
retomam o tema.
A poesia infantil também pode ser abordada comparativamente entre as crianças.
Por exemplo, livros de poemas voltados para animais diversos, como Olha o bicho, de José
Paulo Paes, Televisão da bicharada e A dança dos pica-paus, de Sidónio Muralha, além de
poemas da tradição oral e popular. Duas antologias recolheram inúmeros poemas desta
tradição: Pássaros e bichos na voz de poetas populares e Outros pássaros e bichos na voz
de poetas populares, organizadas, respectivamente, por Pinheiro (2003) e Pinheiro e
Soares (2013). A poesia infantil oferece um lastro de possibilidades de apreciação
comparativa em sala de aula. Um viés poderia ser os poemas que tratam de animais:
jacarés, tatus, pássaros diversos são retomados poeticamente por dezenas de poetas e
poetisas. A consulta a antologia Poesia fora da estante, organizada por Vera Aguiar
(2002), dividida por temas e aspectos formais, pode também ser abordada numa
perspectiva comparativa.
No trabalho com a criança, o que nos parece essencial é acostumá-la com a
musicalidade típica da tradição oral, presente, sobretudo, nos versos de sete e cinco sílabas,
com predominância do primeiro, e as rimas, aliterações e assonâncias. Os mesmos recursos
comparecem em grande parte das obras que não são de extração popular 8. O diálogo da
literatura em geral e a literatura popular é ainda pouco trabalho no universo da escola.
Muitas destas sugestões podem ser realizadas em sala de aula, através da leitura e
discussão com as turmas. Os próprios leitores vão descobrindo aproximações diferenças,
peculiaridades de linguagem. Uma sugestão final seria a leitura comparativa entre o folheto
Viagem ao céu, de Leandro Gomes de Barros, Viagem a São Saruê, de Manoel Camilo dos
Santos, Viagem à santa vontade, de Maria Godelivie e a narrativa infantil A casa da
madrinha, de Lygia Bojunga Nunes. No âmbito da literatura infantil sobretudo a narrativa,
8
O tema comporta pesquisas acadêmicas, como se pode observar nos artigos de ALVES ( ) que compara a
poesia infantil às sextilhas populares e ainda ALVES (2016) em que compara folhetos de ABC com poemas
infantis que também tematizam o alfabeto.
24
várias são as possibilidades de análise comparativa. Por exemplo, Cantaarim de cantará,
de Sylvia Orthof e Morte e vida serverina, de João Cabral de Melo Neto; o drama de xxxx,
de Bem do seu tamanho, de Ana Maria Machado, pode suscitar uma comparação com
Raquel, de A bolsa amarela, de Lígia Bojunga Nunes.
Estar atento a estas formas de “mapeamento” pode contribuir para a reflexão sobre
o tema. E um caminho possível seria partir-se das diferentes concepções e experiências que
os alunos têm com a velhice. Há, por certo, diferentes velhices. Envelhecer na cidade, no
campo pode ter muitas peculiaridades. Ser velho pobre, com recursos, ser morador de asilo
- tudo traz peculiaridades. E mais, ser velho ou velha também tem suas nuances.
O trabalho com esta temática, no nível médio, por exemplo, poderia partir de outros
textos. No âmbito da narrativa curta, temos: “Viagem a Petrópolis”, de Clarice Lispector,
“Eis a primavera” e “Clínica de repouso”, de Dalton Trevisan, dentre outros. Poder-se-iam
25
também trabalhar a temática a partir da literatura dramática, trazendo para leitura em sala
de aula Os embrulhos, de Maria Clara Machado, Encontro no bar, de Bráulio Pedroso.
No âmbito da canção, temos inúmeras possibilidades: “O homem velho”, de
Caetano Veloso”; “O velho”, de Chico Buarque; “Meu querido meu velho, amigo”, de
Roberto Carlos, dentre outras. Certamente a temática da velhice poderá suscitar inúmeras
outras questões, como de ordem social (a velhice solitária em muitos asilos e nas próprias
residências, etc), econômica (a velhice pobre, desassistida, etc), cultural (a valorização ou
não dos saberes dos mais velhos, as festas, a vida social, a velhice da mulher e do homem,
etc)
Também com as crianças pode-se discutir diferentes concepções e percepções da
velhice, por exemplo, na poesia infantil. Cecília Meireles em “Língua do nhém” nos traz a
temática da solidão da velhinha que “dava sua vida /para falar com alguém.” O poema,
numa perspectiva lúdica, traz a presença dos animais - não de pessoas - como gato,
cachorro, pato cabra e galinha, para dialogar com a velhinha. A brincadeira com a
linguagem, o ludismo revelam uma situação humana exemplar. Ainda de Cecília temos “A
avó do meninó”, que também vive só, “mas se o neto/ vai à casa da avó,/ os dois jogam
dominó”. Roseana Murray escreveu sua “Casa de avó” e Ricardo Azevedo nos legou
vários poemas sobre a temática da velhice associada ao universo infantil. Veja-se “Onde
será que ele está”, “A casa do meu avô”, dentre outras.9
Diante das indicações feitas, o professor pode optar por diferentes caminhos: por
exemplo, quando se trata de um conto ou poema, pode ler em sala de aula, colocar em
discussão, sugerir que tragam exemplos da vida de cada um – com avós, bisavós, pais.
Podem também dialogar com outras disciplinas para ver, por exemplo, como a velhice era
tratada em outros momentos da história, em outras culturas, etc. Aspectos da linguagem
são sempre centrais para se perceber, inclusive, nuances da abordagem temática: como se
dá, em cada texto, o tratamento ao velho(a)? predomina o afeto (que expressões revelam
isto), a violência (novamente, que expressões, ações também confirmam isto), a
indiferença, o desrespeito?
9
Dissertação Jéssica Amanda de Souza Silva (2016), em que estuda, dentre outras questões, “Percepção e
representação do idoso na poesia infantil”. A leitura apresenta um número significativo de poemas que
tematizam o idoso em suas relações com crianças.
26
Há na literatura uma diversidade de abordagem da temática da infância. Na tradição
romântica, tende-se a uma espécie de idealização, de tempo de encantamento, como se não
comportasse também a dor, o sofrimento, a incompreensão. Constata-se também
abordagens de caráter social, em que crianças são apresentadas em situação de opressa, de
exploração do trabalho, ete. Importante atentar para essas diversas concepções a partir do
que os poemas e textos narrativos nos apresentam.
Uma compreensão mais contemporânea da infância, chama a atenção, dentre outras
coisas, para o modo como a criança se relaciona com pessoas e com o mundo. Lembra-nos
Damázio (1994) que
Atentar para esse modo de ser da criança é importante para se refletir sobre as
diferentes formas de representá-la que aparecem na literatura. No entanto, a infância é um
período relativamente elástico, e uma criança de 4 anos é bem diferente, em alguns
aspectos, de uma de 8 anos, que, por sua vez, difere de uma de 10 ou 12 anos.
A leitura de poemas como “Meus oito anos”, de Casimiro de Abreu, “A infância”,
de Olavo Bilac, “Crianças órfãs”, de Cruz e Sousa, “Infância”, de Carlos Drummond de
Andrade, “O mundo do menino impossível’, de Jorge de Lima, “Lenda no céu”, de Mário
de Andrade, “Desenho”, de Cecília Meireles podem ser lidos e confrontados no que diz
respeito às diferentes situações em que a infância é retratada e diferentes pontos de vista
que enformam cada um deles.
No âmbito da poesia infantil, surgem modos diversos de representar a criança.
Destaca-se a criança brincando, uma forma especial de descobrir o mundo. Por exemplo,
“A bailarina,” “Jogo de bola” e “Colar de Carolina”, de Cecília Meireles, em que o brincar
se destaca.
A poetisa gaúcha Maria Dinorah (1986) em seu livro Panela no fogo, barriga
vazia,traz, muitas vezes, a voz da criança em situação de abandono, de carência. Marisa
Lajolo (2016), no ensaio “Infância de papel e tinta”, chama a atenção para a ausência do
discurso da criança na literatura infantil.
27
Assim, por não falar, a infância não se fala, não se falando, não
ocupa a primeira pessoa nos discursos que dela se ocupam. E,
por não ocupar esta primeira pessoa, isto é, por não dizer eu,
por jamais assumir o lugar de sujeito do discurso, e,
consequentemente, por consistir sempre um ele/ela nos
discursos alheios, a infância é sempre definida de fora.”
(LAJOLO, 2016, p. 324)
Uma ideia seria colocar lado a lado poemas que trazem essas diferentes visões de
criança - com a voz dela e com a voz de um adulto sobre ela. Um exemplo dos poucos
exemplos da primeira opção é a “Canção do menino”, de Maria Dinorah:
Pra falar a verdade,
nunca tive um pijama.
Pra quê,
se nunca tive cama?
Verdade verdadeira,
nunca tive um brinquedo.
apenas tive medo.
Primeiro, a leitura e releitura oral dos poemas e, a seguir, o diálogo sobre possíveis
repercussões que eles possam ter para os leitores. Várias questões podem ser suscitadas:
em que poemas o eu lírico é, de fato, uma criança? O que há de peculiar em sua voz? Que
espaços são acionados? Predomina uma abordagem lúdica ou fantasioso ou ainda um
caráter mais realista?
No âmbito das canções populares temos inúmeras possibilidades: “Meu guri”, de
Chico Buarque”; “Bola de meia, bola de gude”, de Milton Nascimento; “Valsa para uma
menininha”; de Vinícius de Moraes e Toquinho. Inúmeros são os contos em que as
crianças são personagens. Destacamos alguns: “Menino a bico de pena”, de Clarice
Lispector (1996); “Frio”, de João Antônio (2001); “A menina de lá”, de Guimarães Rosa
(xxx). Veja-se a coletânea A morte sem colete, de Lourenço Diaféria ( em que, dentre
várias crônicas, destaca-se “Retrato de guri’, que tematiza a condição da criança em
28
situação de rua. Se tomarmos a narrativa mais longa, uma possibilidade de leitura
comparativa pode-se efetivar com os romances Capitães de areia, de Jorge Amado e
Oliver Twist, de Charles Dickens. O comparativismo entre duas obras de línguas, épocas e
culturas diferentes pede atenção aos dados contextuais, além da proximidade da situação
social representada.
Esta retomada da infância pode suscitar outras nuances, como: questões de ordem
social – são crianças pobres? em que situações são flagradas pelos autores? Questões de
ordem formal: há alguma ligação entre linguagem/ritmo do poema e seu conteúdo? De
ordem étnica: são crianças brancas, negras, indígenas, estrangeiras? Como esta “origem”
está representada?10
Merece destaque, se o leitor deseja encontrar uma antologia de poemas dividida por
temas, a obra Poemas que escolhi para as crianças, organizada por Ruth Rocha (2013).
São quatro núcleos temáticos: “Bichos e bichinhos”, “Meninas e meninos”, “Valentia” e
“Família”. Predominam autores modernos e contemporâneos, mas comparecem também
alguns do século XIX, como Gonçalves Dias Artur Azevedo, Olavo Bilac, dentre outros.
Como o recorte temático já está dado, o trabalho do mediador seria o de ler, debater,
confrontar, pontos de vistas, percepções diversas, dentre outras questões.
Ou seja, um tema pode levar a muitos outros, e detonar o desejo de fazer outras
leituras e, espera-se, além do espaço escolar. Se a abordagem temática, nalgum momento,
desencadear essa busca, já estará contribuindo para a formação de leitores. Um tema
abordado numa obra inicial de um escritor, pode ser retomado em sua maturidade e revelar
nuances novas, inclusive até a negação do que havia afirmado.
O medo é uma experiência humana interior de grande significado uma vez que nos
acena com situações de perigo. A sensação de medo pode ocorrer em diferes situações.
Medos particulares, como medo de um inseto, de andar de avião, medo de subir num
elevador, medo de determinadas pessoas, medo de regimes autoritários, o medo de amar,
medo da morte, de ficar sozinho, medo de assalto, medo de ameaças as mais diversas, etc.
Conforme lembra Buzzi (2016, p. 172),
10
Para um conhecimento amplo da temática da infância na poesia brasileira, consulte-se Retratos da infância
na poesia brasileira, de Marcia Cristina Silva (2017).
29
O medo nos comanda! Noite e dia procuramos a riqueza, a força, os
pactos de solidariedade, a prece, a fé e a confiança num poder superior
para nos defender e fugir do que nos ameaça. No castelo da segurança,
feito de mil e um artifícios, transmutamos o medo em audácia e desdém.
Vivemos então temerariamente.
Além da morte, outros medos nos rondam, como o “medo do grito e do silêncio; do
vazio e do infinito; do efêmero e do definitivo; do para sempre e do nunca mais” (Idem, p.
36), Temos também “medo da delação e da tortura, da traição e da censura.” Medo da
várias formas de violência, medo “da loucura roubando a placidez das simples coisas
mesmas” (p. 38). “Desde sempre, em toda parte, tem-se medo do feminino, do mistério da
fecundidade e da maternidade, “santuário estranho”, fonte de tabus, ritos e terrores.” (p.
38) E a filósofa ainda aponta o “medo da fala mansa do inimigo, mas muito mais, quão
mais, do inesperado punhal a saltar na mão há pouco amiga para trespassar nosso aberto
peito ou pelas costas nos aniquilar.” (p. 39). Conversar sobre essa diversidade de medos
elencados, destacar os que conhecemos, os de que nem sequer suspeitamos e depois
adentrar os textos literários.
Dentre os poemas de nossa tradição literária que tratam do medo, chama-nos a
atenção “O medo”, “Congresso internacional do medo”, de Carlos Drummond de Andrade.
A leitura detida dos poemas, atentando para a força das imagens favorece uma percepção
mais acurada do tema. Por exemplo, pensar em que sentido o medo “esteriliza os abraços”.
Como cada um atribui sentido a ela? Também sugerimos a leitura de “O poema pouco
30
original do medo”, de Alexandre O’Neill e “O medo”, de Manuel António Pina. Cecília
Meireles abordou o tema em vários poemas. Destacamos “Tu tens medo” e “De que são
feitos os dias”. Há também no nosso cancioneiro popular várias abordagens do tema. A
canção “O medo de amar e o medo de ser livre”, de Beto Guedes e “Pequeno mapa do
tempo”, de Belchior, que pode funcionar também como uma entrada na temática, uma vez
que o poeta elenca seus diversos medos. O poeta paraibano Sérgio de Castro Pinto (2017)
deixou-nos seu “Sobre o medo”, que, como vemos, retoma a temática numa perspectiva do
contexto político da ditadura militar; no entanto, os sentidos do poema, sobretudo pela
riqueza de imagens que aciona, vai além deste dado contextual.
o medo e a enregela.
se aloja na medula
como um cubo com o medo
de gelo. aprendi o ofício
de armazenar as palavras
o medo como num frigorífico
se infiltra no tinteiro
e o congela. com o medo conservo:
dez mil palavras
o medo abaixo de zero.
se instala na palavra (p. 169)
A poetisa gaúcha Lara Lemos, em seu Inventário do medo, nos oferece um número
significativo de poemas que retratam, liricamente, a situação de sujeitos perseguidos,
condenados, prisioneiros também do período da ditatura militar no Brasil. O caráter de
denúncia, de resistência preside toda a obra.
Pode-se, por fim, trazer narativas que suscitem o medo ou que narrem experiências em
que se enfrentou o medo. Neste sentido, veja-se O livro dos medos, organizado por Heloísa
Prieto (1998), com narrativas de Milton Hatoum, Mirna Pinsky e outros. Importante lembrar,
que o tema do medo está, muitas vezes associado à coragem, outro viés interessante a ser
discutido em sala de aula.
Pode-se, por fim, trazer narrativas que suscitem o medo ou que narrem experiências
em que se enfrenta o medo. Neste sentido, veja-se O livro dos medos, organizado por Heloísa
Prieto (1998), com narrativas de Milton Hatoum, Mirna Pinsk, dentre outros. Importante
lembrar que a temática do medo está, muitas vezes, ligada à coragem, ao enfrentamento, o que
já seria outra temática a ser explorada.
31
4.6. A solidão é fera
(...) fica cada vez mais claro para mim que nossa identidade, aquilo que
poderíamos chamar do eu no pleno sentido da palavra, só se forma mesmo a
partir de uma substancial experiência de estar só. É, pois, a última e não a
primeira instância a se formar de verdade dentro de nós. (...) Solidão é a plena
aceitação de nossa individuação. (GIKOVATE, 1998, p. 190)
Em um dos tópicos de sua reflexão está posto: “Ser só ainda é motivo de vergonha”. A
partir daí, reflete sobre as pressões sociais para que as pessoas, sobretudo as mulheres, se
“comprometessem e se casassem o mais cedo possível”. E arremata:
O autor reconhece que estas percepções estão mudando - sua reflexão é do final do
século XX, mas sabemos que há, ainda, muito preconceito explícito ou velado contra quem
32
foge a determinados padrões. Discutir esta questão, a partir de textos literários e da própria
experiência dos leitores - comparando exemplos trazidos, pontos de vista - por certo
contribuirá para se ter uma visão mais humana e menos preconceituosa.
Um módulo sobre esta temática poderia iniciar com uma visão mais positiva da
temática, como comparece na crônica “Da solidão”, de Cecília Meireles. Após referir-se às
pessoas que “sofrem do mal da solidão”, pergunta: “haverá na terra verdadeira solidão? Não
estamos todos cercados por inúmeros objetos, por infinitas formas da Natureza e o nosso
mundo particular não está cheio de lembranças, de sonhos, de raciocínios, de ideias, que
impedem uma total solidão?” (MEIRELES, 1998, p. 35) A seguir como que aponta um
caminho para se buscar uma ligação mais efetiva com as coisas visando superar a sensação de
ausência: “Tudo é vivo e tudo fala, em redor de nós, embora com vida e voz que não são
humanas, mas que podemos aprender a escutar, por muitas vezes essa linguagem secreta ajuda
a esclarecer o nosso próprio mistério.” (p. 35) Para tanto é preciso fazer-se de certo “modo
videntes”.
Vinícius de Moraes também nos legou uma crônica com o mesmo título em que indaga
sobre qual seria a maior das solidões? E aponta alguns exemplos: “Os grandes momentos de
solidão, a de Jó, a de Cristo no Horto, tinham a exaltá-la uma fé. A solidão de Carlitos,
naquela incrível imagem em que ele aparece na eterna esquina no final de Luzes da cidade,
tinha a justificá-la o sacrifício feito pela mulher amada.” (MORAES, 1987, p. 565). A citação
abre-se para outras abordagens comparativas a partir das personagens citadas. Para o poeta, “a
maior solidão é a do ser que não ama”. E conclui: “A maior solidão é a do ser que se ausenta,
que se defende, que se fecha, que se recusa a participar da vida humana. A maior solidão é a
do homem encerrado em si mesmo, no absoluto de si mesmo, e que não dá a quem pede o que
ele pode dar de amor, de amizade, de socorro.” Está posto, portanto, um ponto de vista que
poderá gerar boas discussões.
Poderia, inicialmente, ler as duas crônicas e confrontar pontos de vista, linguagem e
outros elementos levantados pelos leitores. A seguir, trazer outros textos, como “O boi”, de
Carlos Drummond de Andrade (xxx), comparado, por exemplo, aos poemas “Solidão” (p. 60),
de Gonçalves Dias e “Solidão” (p. 77), de Álvares de Azevedo. Sempre é bom lembrar que as
comparações devem levar em conta a época da publicação das obras e os contextos.
O tema é também recorrente em vários contos do mineiro Luiz Vilela: “Luz sob a
porta”, “Solidão” e “Lembrança”. A temática, nos contos do escritor mineiro, como se vê,
cruza com outras abordadas noutros tópicos aqui apresentados, como a velhice, por exemplo,
que em “Luz sob a porta” comparece de modo contundente.
33
Na canção, destacamos “Solidão”, de Alceu Valença e a “Dança da solidão”, de
Paulinho da Viola, na interpretação do próprio compositor ou, mais recentemente, de Marisa
Monte. Uma obra prima da canção é “Solidão”, de Tom Zé, cuja riqueza de imagens para
referir-se ao sentimento da solidão é dos mais significativos, como se pode observar nos
versos: “Solidão, que poeira leve/ solidão olha a casa é sua”; ou ainda: “E de soluço em
soluço esperar/O sol que sobe na cama/E acende o lençol”. Chamar a atenção para a
expressividade de determinadas imgens é um importante modo de contribuir para a educação
literária dos leitores.
O professor tanto poderá discutir/comparar poemas e canções a partir de gêneros ou
cruzando os diferentes textos e da própria percepção dos leitores.
34
Feita a aproximação do poema de Gilka Machado, poderia ler os poemas “Canção”
(Mandaste a sombra de um beijo) e “O beijo” (“Quando a moça lhe estendeu a boca”), de
Manuel Bandeira. Primeiro, atentar para as diferenças entre os dois poemas de Bandeira – por
exemplo, no primeiro, a fala em primeira pessoa, ou seja, o eu lírico assume o dito e no
segundo o poema é construído ao modo de um relato, lançando mão de uma espécie de
terceira pessoa, trazendo a perspectiva mais pessoal apenas no verso final. Que efeitos esse
modo de construção poder ter? Que experiências são mostradas?
A seguir, comparar os poemas de Manuel Bandeira e Gilka Machado atentando, entre
outras coisas, para o ponto de vista, as imagens, os sentidos acionados e se pode falar de
alguma diferença entre o modo de trazer a experiência entre um eu lírico feminino e outro
masculino.
Inúmeros poemas podem ser levados à sala de aula para apreciação. Destaco “Canção”
(“Dá-me pétalas de rosa”) e “Um beijo” (“Foste o beijo melhor da minha vida”), de Olavo
Bilac; “Perfídia”, de Francisca Júlia; “Relógios e beijos”, de Álvares de Azevedo, dentre
outros de nossa tradição lírica. Atentar para a força que contém os poemas de Bilac, poeta
muitas vezes encaixados no estilo parnasiano, mas que , no entanto, criou imagens fortes para
expressar a experiência com o beijo. Como assinalou Marisa Lajolo (1985), “A temática
amorosa bilaquiana percorre todas as gamas de um lirismo adulto e vigoroso” (p,13), uma vez
que “é uma alegre e saudável canção de amor (...) realizado bem longe dos píncaros celestes
da via láctea como um pálio aberto, mas em noites e alcovas rescendendo a rosas” (p. 13)
Nosso cancioneiro é repleto de poemas que tratam, a partir de diferentes perspectivas,
a temática. Em experiência de sala de aula, solicitamos que os alunos trouxessem canções, de
diferentes épocas, para ler-cantar e colocar em confronto: o que há de comum e de
diferenciado entre elas. Por exemplo, pode haver um erotismo mais ou menos explícito, um
tom mais contido ou mais direto, etc.
Outra possibilidade seria o trabalho com a narrativa literária e a narrativa fílimica.
Beijos famosos de filmes de épocas diversas para serem confrontados. Lembremos apenas o
conto “O primeiro beijo”, de Clarice Lispector, que pode estimular além do debate sobre o
conto em si, possível pontes com poemas anteriormente apontados. Por fim, trazer telas de
pintores de diferentes épocas bem como a estatuária – a famosa escultura do “Beijo”, de
Rodin, por exemplo, dentre outras.
35
A vivência e a percepção dos seres humanos para com o animais é das mais ricas e
variadas. Como lembra Bradesco-Goudemand (1982, p. 5), “A literatura está cheia de
histórias sobre animais; muitos escritores dedicam-se a esses companheiros próximos ou
distantes, cujos costumes pintaram (...). Em sua pesquisa sobre o bestiário na literatura
popular no nordeste brasileiro, a pesquisadora elenca vários ciclos: A) dos animais, que
compreende “O vaqueiro, o boi e o cavalo”, “A cabra e o bode”, “os animais predadores (...)”,
“as brigas de galo”, “o gato e o cachorro”, “o jogo do bicho”. B) O ciclo maravilhoso em que
constam “monstros e o dragões”, a “bela e a fera e a besta sem nome”, “os encantamentos –
os pássaros”, “os encantamentos – o cavalo e “o burro que defecava ouro”. Temos ainda o
“ciclo satírico”, “as metamorfoses”, motivadas sobretudo pela maldade. Todos estes tópicos
são acompanhados de uma grande quantidade de indicações obras que podem ser retomadas
numa perspectiva comparatista em sala de aula.
Noutro momento, o historiador chama a atenção, além das perdas incalculáveis, para o
modo como ela muda toda a economia de um país;
Para termos uma visão inicial de um dos caminhos de como poetas e poetisas
apresentam a guerra, observemos uma estrofe de um importante poema de Cecília Meireles
(1994):
Guerra
Tanto é o sangue
que os rios desistem de seu ritmo,
e o oceano delira
e rejeita as espumas vermelhas.
Tanto é o sangue
que até a lua se levanta horrível,
e erra nos lugares serenos,
sonâmbula de auréolas rubras,
com o fogo do inferno em suas madeixas.
(...) (p. 331)
Inúmeros poemas em nossa literatura tratam desta questão. Ainda de Cecília Meireles,
destacamos “Lamento da noiva do soldado” e “Lamento do oficial por seu cavalo morto” . O
poeta Murilo Mendes nos deixou sobre o tema: “Poema de além-túmulo” e “Aproximação do
terror.” Vinícius de Moraes escreveu “Mensagem à poesia”, que articula reflexão
metalinguística às consequências da guerra, a importante poema-canção “A rosa de
Hiroxima” e o poema “Guerra”, que falam da bomba atômica. Carlos Drummond de Andrade
(1979), além dos já citados, legou-nos “Visão 1944”, um dos mais tocantes poemas sobre a
38
guerra em que muitas estrofes se iniciam com os versos: “Meus olhos são pequenos para ver”.
Destaquemos apenas uma estrofe para termos uma percepção inicial:
O mediador poderá ajuntar todos estes poemas numa antologia, acrescer crônicas,
canções e ler em sala de aula. Depois discutir a partir de diferentes entradas que os próprios
leitores apontarão. Um caminho sempre profícuo é a linguagem. Por exemplo, as imagens
criadas pelos(as) poetas para falar da guerra – metáforas, metonímias, etc. Esta aproximação
muitas vezes acorda a percepção dos leitores que, nem sempre, diante da leitura são
estimulados. Por último, um dístico de Mario Quintana (xxxx. P..xxx):
GUERRA
Os aviões abatidos
São cruzes caindo do céu.
a) uma exterior, exposta nos textos de crítica, nos manifestos, nos prefácios
(às dos outros ou às suas próprias obras), nas cartas, nos diários,
entrevistas, etc.
b) outra interior, quando a ação criadora se resolve em si mesma e o fazer
poético se estremostra duplo, como tema e exemplo, como poema do
poema – ou metapoema. Observa-se que no passado a atitude
metalinguística é percebida na referência lexical a termos que dizem
respeito à literatura, às artes (música, pintura, canto, dança), à linguagem
(palavra, verbo, sintaxe, etc) e às técnicas poéticas ou retóricas que o
poeta diz estar usando.” (TELES, 1979, p. 101/102)
40
destaque a função de seu samba e assume um postura reflexiva (“Preciso ser muito sincero e
claro/ Pra confessar que andei sambando errado”). Discutir, por exemplo, os possíveis
sentidos para o verso “Eu acho que meu samba é uma corrente”. Paulinho da Viola, em
“Argumento”, discute possíveis caminhos de “modernização” do samba. O compositor
sustenta o ponto de vista de quem deseja a permanência de alguns instrumentos: “Olha que a
rapaziada está sentido a falta/ De um cavaco, de um pandeiro e de um tambórim.” As duas
canções podem estimular um bom debate sobre o samba - sua tradição, seu lugar nas escolas
de samba, seu ritmo contagiante, etc.
Outra importante figura de nosso cancioneiro que trouxe também sua reflexão sobre os
gêneros musicais que culturais que cultivou foi Luiz Gonzaga. Em “Baião”, o artista se
propõe a ensinar como se dança: “Morena chegue pra cá/ Bem junto ao meu coração/ Agora é
só me seguir/ Pois eu vou dançar o baião.” (cf.xxxx)
Por fim, várias são as leituras deste viés temático na literatura brasileira. A leitura de
alguns ensaios pode fundamentar melhor os professores para o trabalho na sala de aula.
Destacamos a leitura da poesia de João Cabral de Melo Neto por João Alexandre Barbosa
(xxx), xxxxxx, por xxxx
Quando criança, ouvia muitas histórias de pessoas que enlouqueceram e ficava muito
assustado. Depois, conheci alguns loucos e fui, pessoalmente, mudando o modo de ver a
loucura. Dizia-se “fulano correu doido”, “foi pra Parangaba11”. Isto tudo me assustava
profundamente.
Foi na faculdade que me aproximei da loucura via literatura. O grande mentecapto, de
Fernando Sabino, foi uma leitura várias vezes revisitada. Também o conto “A doida”, de
11
Parangaba é um dos mais antigos bairros de Fortaleza onde se localizava um grande hospital psiquiátrico.
41
Carlos Drummond de Andrade, de seu livro Contos de aprendiz, me tocou e toca
profundamente. Só depois é que conheci a abordagem rosiana, eivada de poesia, em “Soroco,
sua mãe, sua filha” e “A terceira margem do rio”.
A vontade de estudar minimamente a loucura veio também na juventude. Ainda tenho
a edição de A política da loucura, de João Francisco Duarte Junior (1983). A perspectiva do
estudioso é a da “antipsiquiatria”, definida por ele como “uma tentativa de compreender o
comportamente humano de um ponto de vista diferente daquele utilizado pela psiquiatria e e
psicologia “tradicionais” (DUARTE JUNIOR, 1983, p. 13) nunca esqueci a afirmação de que
a ciência acabou por “transformar a loucura - uma maneira existencial de ser - numa doença.”
(p. 11) Veio a seguir o livro O que é loucura, de João A. Frayze-Pereira (1982) que muito
contribuiu para compreender a loucura de uma perspectiva diversa. Para Frayze-Pereira
(1982, p. 11), crer numa loucura localizada no indivíduo e emprestar ao louco uma vestimenta
que o transfigura em monstro não só tende a retirar-lhe o estatuto de humanidade, como
também a nos fazer esquecer que algo se diz através da loucura.”
O depoimento de Antonin Artaud, segundo Frayze-Pereira, “artista e pensador
internado em hospício durante nove anos (1937-1946), contribuiu para ir, paulatinamente
repensando aquela visão negativa da loucura. Para Artaud, “um louco é também um home a
quem a sociedade não quis ouvir e a quem quis impedir a expressão de insuportáveis
verdades” (Apude FRAYZE-PEREIRA, 1982, p. 11). Tentei, à epoca, encarar Michel
Foucault e sua História da loucura, mas era “muita areia para o meu caminhãozinho”.
Continuei conhecendo a loucura via literatura e, sobretudo, observando com mais
atenção os “casos” ou os “surtos” que, por vezes, aconteciam bem próximos de nós. Só mais
recentemente soube que meu avô paterno viveu alguns anos fora de sintonia. Homem da roça,
já casado e com filhos, parou de ir para o roçado, como fazia todos os dias e começou a se
esconder dentro de casa, a fugir das pessoas que chegavam, a subir nas paredes, segundo
relatos de familiares. Cresceu o cabelo, e, felizmente, não foi levado para Parangaba. Tempos
depois foi voltando ao “normal”. Minha avó, neste período, assumiu a administração da casa,
dos roçados, o cuidado com os animais. Fez uma promessa com São João - se ele se curasse,
faria uma capelinha para o santo e comemoraria a festa até o final da vida. Até hoje a
capelinha está de pé. Muitas festas juninas foram realizadas na capelinha, muitas novenas
foram rezadas. Quem sabe, as festas tenham alimentado a alma de meu avô, que não teve mais
crise. E, talvez, a poesia também tenha dado sua contribuição, pois o velho sabia muitos
poemas de cor, inclusive cantava muitos folhetos.
42
Uma possibilidade de iniciar a abordagem comparativa com a temática da loucura em
sala de aula poderia ser a leitura da história em quadrinho “Rouco ou louco”, de Marício de
Souza. Mônica aborda Cebolinha e pergunta:
Quadro 1.
A partir daí desencadeia-se um processo de leitura das ações de Cebolinha pela turma
toda que vai gerando isolamento e perplexidade na personagem.
Quadro 2.
A narrativa poderá ser lida integralmente e discutida tendo em vista o modo como se
atribuindo sentido às ações. Como lembra Duarte Júnior (1983, p. 42), “o comportamento do
indivíduo, quando retirado do seu contexto, perde a signifcação e passa a ter o significado que
os observadores lhe imputam.”
Um percurso comparativo interessante poderia ser o cotejo entre filmes e obras
literárias12. Tanto obras literárias que foram transformadas em filme quanto obras com filmes
que não nasceram das referidas obras. No nível médio de ensino, um ponto de partida pode
ser o clássico “O alienista”, de Machado de Assis. Luiz Vilela (1973) nos legou uma
significativa narrativa de um bancário, profissional exemplar, que um dia abandona tudo,
deixando todos perplexos. Trata-se do conto “O caixa”, do livro O fim de tudo.
O futebol é o esporte mais praticado e mais amado em nosso país. O time do coração
leva inúmeros torcedores a sacrifícios, sofrimentos, mas também propicia muitas alegrias. No
entanto, a expressão literária desta paixão nacional não é das mais significativas. É,
possivelmente, no gênero crônica que surgiram grandes expressões. Destaque para Armando
Nogueira e para o dramaturgo Nelson Rodrigues. Inúmeros outros cronistas também deixaram
seu depoimento. É o que se pode observar na antologia O mundo é uma bola: crônicas,
futebol e humor, organizada pela editora Ática. Dividido em três seções - “Futebol tem gosto
de infância”, “O humor entra em campo” e “A bola rola” - e cada parte pode ser lida
comparativamente. A leitura e comparação entre crônicas e outros textos pode estimular os
leitores a também compartilharem experiências locais, familiares e pessoais. Algumas
12
Aqui o clássico conto “O alienista”, de Machado de Assis” e o filme xxxxx. Também a obra Triste fim de
Policarpo Quaresma, de Lima Barreto, cujo filme inspirado na obra também retrata a questão da loucura. Mais
contemporaneamente, o filme Nise: o coração da loucura, se constitui numa obra de referência para se
compreender de um modo mais humano o problema da loucura e toda a história de opressão que milhares de
internos sofreram durante séculos. Veja-se também Bicho de sete cabeças, de xxxxxx.
43
comparações possíveis entre as crônicas, como “Antena ligada”, de Lourenço Diaféria” e
“ABC”, de José Roberto Torero. Atentar para o bom humor com que tratam a confusão entre
times de futebol, jogadores e personagens ou outras literárias.
Outra obra que pode ser lida comparativamente no âmbito desta temática é o livro de
poemas Fotebol, de Lalau e Laurabeatriz (2006). Alguns poemas podem ser lidos e
comparados às crônicas indicadas anteriormente. Comentário sobre o livro
No âmbito do cordel, alguns folhetos se destacam com relação ao tema: O futebol dos
animais, de José Pacheco; Cordel da bola que rola, de Jorge Fernando dos Santos. Nesta obra
- de fato um livro, não um folheto, o autor aponta lugares e nomes que antecedem o modelo
de futebol contemporâneo e um pouco da história da seleção brasileira. Estrofes podem ser
destacadas para um trabalho de apreciação e comparação com outras obras, como:
Outra obra que poderia ser acionada par discutir vários aspectos do futebol é Futebol
da bichaarada, de Edson Gabriel Garcia (2011) Poemas como “Uma partida de futebol”, “E
por falar em torcida”, “O apito” e “Os goleiros” são representativos das diferentes situações
criadas pelo poeta para situar os animais no universo do futebol. Em “O placar do jogo”,
explora-se, com ritmo acelerado, a agitação da torcida, como se pode observar no fragmento
abaixo:
xxxxxxxxx
44
O verso acima inicia um dos poemas mais belos de Cecília Meireles, o “4º motivo da
rosa”, que compõe uma série de cinco motivos, publicados em Mar absoluto. Afora esses, são
inúmeros os versos da poetisa que retomam a temática da rosa, apresentada sob diferentes
perspectivas. Como lembr Elias José, “Falar de rosa/ não é falar de qualquer flor. Trata-se de
uma imagem presente em milhares de poemas de poetas das mais diversas épocas e com os
mais diversos sentidos. Ora ligada ao convite amoroso, como aponta Antonio Candido (xxx),
ora apontada pelo seu encanto, sua beleza, ora como imagem do efêmero, flores e rosas
despertam quase sempre grande encantamento.
Nossa literatura está permeada pela imagem da rosa. Castro Alves nos legou “As duas
flores”, que inicia assim: “São duas flores unidas/São duas rosas nascidas/Talvez do mesmo
arrebol,/ Vivendo no mesmo galho/ Da mesma gota de orvalho/ Do mesmo raio de sol.”
Ainda no romantismo, dentre outros poemas, destacamos “Flor de maracujá”, de Fagundes
Varela, composto em sextilha que terminam com o verso “A flor do maracujá”. A primeira
estrofe da conta da riqueza do poema que se volta também para outras flores de nossa flora e
fauna: “Pelas rosas, pelos lírios, / Pelas abelhas, sinhá,/ Pelas notas mais chorosas/ Do canto
do sabiá, /Pelo cálice de angústias/ Da flor do maracujá!”
O poeta alemão Rainer Maria Rilke escreveu, em francês, um livro sobre As rosas.
Conforme Janice Calofa, “Nos poemas franceses, Rilke olha as coisas, observa-as, quer vê-las
de perto onde se tocam, se colocam - percorrendo seu quarto, seu jardim, a paisagem de
Valais. É assim com As rosas, o poeta atento ao encontro das pétalas, ao perfume, ao arranjo
sobre a mesa” (CALOFA, 2011, p. 15) O poema XVI revela o encantamento do eu lírico ante
a beleza da rosa, seu poder de transformar o espaço em que é posta:
Uma abordagem comparativa a partir de rosas e flores pode contribuir para que se
perceba a constância de determinados temas e as nuanças que assumem. Afora o simbolismo
peculiar que determinadas flores assumem, como flor de lótus, flor lis, flor de mandacaru,
flor de maracujá, flor do deserto, etc.
45
Comecemos nossas sugestões com o poema “Rancho das flores”, de Vinícius de
Moraes. Trata-se de uma canção “com música da Tocata Jesus alegria dos homens”, de J. S.
Bach. O poeta inicia afirmando que “Entre as prendas com que a natureza/ alegrou este
mundo em que há tanta tristeza/ a beleza das flores realça em primeiro lugar.” O poema é um
convite à contemplação de diferentes tipos de flores: rosa, cravo, lírio, crisantemos,
malmequer, dália, hortência, margarida, dentre outras. O poeta lança mão de um rico
processo de animização, visualidade e jogos sinestésicos. Antes de lê-los, e até mesmo cantá-
los poder-se-ia conversar sobre o tema em geral e as experiências dos leitores - o que há de
convencional, de clichê e, a partir de daí realizar a leitura da antologia.
Elencamos, a seguir, alguns poemas que poderão compor uma antologia. Após a
leitura, observar diferenças de abordagem que permeiam os textos: aspectos descritivos;
flor/rosa como símbolo da beleza, da delicadeza, etc; rosa como imagem da fugacidade do
tempo; associação da rosa à mulher, dentre outras perspectivas. Quanto à linguagem, observar
presença de personificação, de de repetições expressivas, de comparações, assonâncias, dentre
outros aspectos. (Também no âmbito da canção pode-se recolher canções (e cantar) sobre
rosas e flores para serem apreciadas e discutidas em sala de aula.
Passemos, pois, à indicação de alguns poetas e poetisas que se voltaram para a
temática das flores e rosas. Gilka Machado: “Odor dos manacás” (p. 66); “Rosas I e II” (p.
67); “Violetas” (p. 69) e “Sempre-viva” (p. 70). Florbela Espanca: “Crisântemos” (p. 21);
“Cravos vermelhos” (p. 79); “Roseria branca” (p. 294). Cecília Meireles: os cinco motivos da
rosa; “Rosa do deserto” (p. 699); “Rosa secreta” (p. 1070); “Pequena flor” (p. 211). Vinícius
de Maraes: “Acalanto da rosa” (p. 381); “Rancho das flores” (p. 289); “A rosa de Hiroxima”
(p. 265). Manuel Bandeira: “Flor de todos...” (p. 289); “Flores murchas” (241); “Rosalina”
(p. 374). Mario Quintana: “Motivos da rosa” (p. 406). Adélia Prado: “Lirial” (p. 234).
No âmbito da narrativa, várias crônicas e contos podem ser também levados para
discussão e comparação. De Clarice Lispector ( ), destacamos, “A imatação de rosa”, conto
longo e complexo, em que a presença da rosa liga-se aos dramas interiores da personagem.
Numa forma bastante poética, Clarice Lispector (1999, p. 105) também nos deixou “Rosas
silvestres”, que pode ser comparado há alguns poemas acima.
Uma hipótese de trabalho seria buscar quadros que têm rosas e flores como objeto de
representação. A partir da apreciação, propor o diálogo com alguns poemas lidos. Uma
questão a ser observada é o modo como cada artista capta uma dimensão do objeto, o que para
ele é mais sensível, que tons e cores são enfatizados. Por exemplo, trazer as inúmeras pinturas
46
de Van Gogh sobre os girassóis. Na pintura impressionista há uma diversidade de retratação
de rosas e flores em geral, com destaque para as ninfeias de Monet.
As reflexões sobre as relações entre Poesia e Pintura são antigas e muitas vezes
marcadas por polêmicas desde que Horácio afirmou que a poesia é uma pintura por palavras
(ut pictura poesis) (nota) Se as relações entre as artes são um fato, conforme apontam tantos
estudos, por outro lado, é preciso também estar atento às especificidades. Segundo Welleck e
Warren (2003, p. 161),
Devemos reconhecer, porém, que o frescor da poesia é algo muito
diferente da real sensação tátil do mármore ou da reconstrução
imaginativa dessa percepção a partir da brancura que a imobilidade da
escultura.
47
“mediação do material é necessário para elevar a matéria a seu ser sensível [...] Ao examinar a
linguagem poética, não esqueceremos de que ela destina-se à fala.”
Mas a poesia - pela magia das palavras - também pode se insinuar enquanto imagem
visual, conforme ocorre em muitos poemas e de forma bastante recorrente. É o caso de grande
parte da poesia de João Cabral de Melo Neto, estudada na sua perspectiva visual por vários
críticos. Destacamos o poema “Os reinos do amarelo”, cujo título já encaminha para uma
percepção visual, como se pode observar:
1.
A terra lauta da Mata produz e exibe
um amarelo rico (se não o dos metais):
o amarelo do maracujá e os da manga,
o do oiti-da-praia, do caju e do cajá;
amarelo vegetal, alegre de sol livre,
beirando o estridente, de tão alegre,
e que o sol eleva de vegetal a mineral,
polindo-o, até um aceso metal de pele.
Só que fere a vista um amarelo outro,
e a fere embora baço (sol não o acende):
amarelo aquém do vegetal, e se animal,
de um animal cobre: pobre, podremente.
2.
Analisando o poema, Aguinaldo Gonçalves (1989) afirma que “seu caráter visual e a
sua gradação de sentido se embaraçam numa integração dos mais perfeitos da obras (p. 82. O
crítico afirma ainda que o poema pertence a uma “sequência de poemas” de “equivalências
observáveis”, que
Atuam como fotografias expressivas de uma realidade específica
(Nordeste brasileiro cujo jogo de imagens propicia uma ampliação para
as condições de injustiça social, apreendendo oposições marcantes de
uma condição da vida. (GONÇALVES, 1989, p. 82)
48
O autor elabora, na referida obra, importantes análises comparativas entre o pintor
catalão J. Miró e a poesia e teoria de João Cabral de Melo Neto. Destaque-se aqui a análise
que o próprio Cabral faz do pintor em vários poemas, com destaque para “O sim contra o
sim” em que comenta os procedimentos de vários artistas e destaca:
(...)
Miró sentia a mão direita
demasiado sábia
e que de saber tanto
já não podia inventar nada.
Uma sugestão, por fim, visando a aproximação do leitor em formação, com poemas
que retomam quadros da pintura, é a leitura da série de poemas denomana “Arte em
exposição”, de Carlos Drummond de Andrade, em seu livro póstumo Farewell. São 32
poemas que expressam a percepção do poeta de diferentes quadros famosos. Destacamos dois
exemplos para uma aproximação inicial: primeiro, a apreciação coletiva do quadro “A
cadeira” e “Sapatos”, de Van Gohg.
Conversar o mais detidamente possível sobre os quadros: cor, formas, nuances,
temporalidade do objeto, aspectos de fundo etc. Dizer das sensações que as obras desperetam,
de lembranças mais pessoais – talvez de outros objetos que possam ter um valor para eles,
entre outras questões que surgirem. Se os leitores não tiverem convivência com a arte do
pintor, trazer outras pinturas para ampliar a experiência e estimular o diálogo. A seguir,
apresentar os versos de Drummond:
49
(os quadros serão postos logo abaixo ou ao lado...)
Cansaram-se de caminhar
Ou o caminho se cansou?
(ANDRADE, 1996. p. 35)
Pode-se observar esse envolvimento mesmo no contato que têm com certos gêneros
musicais patrocinados pela indústria cultura, como o samba, o frevo, o forró dentre outros
ritmos.
Não nos deteremos na contribuição que a música pode trazer para a formação de
nossos jovens uma vez que esta não é nossa formação. Mas como ouvinte de música e de
canção popular de diferentes vertentes e, sobretudo, leitor de poesia, poderemos indicar
algumas aproximações que podem suscitar comparações mais aprofundadas se, por exemplo,
trabalhamos de forma cooperativa com outros profissionais.
Em ensaio denominado “A música e o desenvolvimento do prazer de ler”, Fischer e
Simões (2009) traçam um percurso de aproximação entre música clássica, literatura e canção
popular. Ponderam os autores que
Por outro lado, apontam que “a música tem uma linguagem específica, sendo entre as
artes a menos mimética, a menos ligada com a representação por assim dizer realista da
experiência humana”. (p. 238) O ensaio faz uma apresentação suscinta da história da música
clássica na Europa, apontando algumas aproximações com a literatura. Dentre os gêneros
musicais, destacam que a ópera que é a “forma musical mais diretamente ligada à literatura”
e que “quase sempre toma por base um romance, uma história, um canto e e adapta tal enredo
para canto e orquestra. “ (p. 242))
Ao discutir “a musica dita popular”, afirmam que a canção “associa, de forma
inseparável, uma melodia de uma letra” (p. 224) e que
Trata-se de uma forma que, por seu formato breve e por suas caraterísticas
extremamente comunicativas, alcançam uma divulgação e uma penetração
incomparáveis, tornando-a talvez o veículo estético mais eficaz de toda a
51
história brasileira e um dos mais felizes de todo o século XX, ao lado do
cinema. (FISCHER;SIMÕES, 2009, p. 244)
No que se refere ao diálogo entre poesia e canção, temos uma grande possibilidade de
abordagem. Por exemplo, uma comparação entre o poema “O operário em construção”, de
Vinícius de Moraes e as canções “Construção”, de Chico Buarque de Holanda e “Cidadão”,
de Zé Geraldo. O poema é longo e pede uma leitura cuidadosa. Talvez proceder por partes, se
a turma não tiver uma vivência mínima com poemas. Discutir algumas imagens postas no
poema que revelam a condição do operário no mundo contemporâneo. Por exemplo: 1. O
52
desconhecimento de sua força enquanto categoria; 2. A dicotomia liberdade X escravidão; 3.
Contraste entre construir X não ter onde morar; 4) o sentido simbólico da tentação - que
sentido ela pode ter para os leitores de hoje? Qual o preço que paga o operário que toma
consciência de sua “grande missão”? A leitura do poema a e audição das canções podem ser
feitas e, a seguir, tentar aproximá-las. Que pontos de vista são comuns? Que cenas/situações
se destacam em cada obra artística? Pode-se, inclusive, propor uma encenação envolvendo os
três textos. Uma hipótese seria imaginar um grande canteiro de obras - seus barulhos,
movimentos de operários, conversas, cenas de almoço, café etc. A seguir, o texto de Vinícius
sendo lido/recitado, entrecortado ou não por parte das canções e os barulhos da obra. A
própria turma poderá criar as situações dramáticas a serem encenadas, trazerem outras
canções, outros textos.
Bráulio Tavares (2007), ao comentar sobre aproximações entre poema, música e
rap,coco de embolada, lembra que: Rap e Coco, “pode ser considerado uma arte, uma forma
evoluída e sofisticada de poesia oral. É uma poesia que não pode ser considerada inferior à
poesia escrita: é apenas diferente.” (p. 19) Esta observação é da maior importância, uma vez
que ainda é comum certo tipo de preconceito com a literatura oral. Para o poeta e crítico,
“Quem é mestre em uma pode ser um simples leigo na outra, e não faz sentido compará-las
desfavoravelmente. Cada uma faz o que a outra, por definição, é incapaz de fazer.” (p. 20)
Trazer livro sobreo hap... vivenciado em sala de aula já separado....
5. Considerações finais
53
2. Romance do pavão misterioso, João Melquíades F. de Lima; O pavão misterioso,
Ronaldo Correira de Brito e Assis Lima; a canção “Pavão misterioso”, de Ednardo;
3. Uma das faces da temática social: a canção “De frente pro crime”, João Bosco e
Aldir Blac; “Uma vela para Dario”, Dalton Trevisan;
4. “Poema de sete faces”, Carlos Drummond de Andrade; “Com licença poética”,
Adélia Prado; “Até o fim”, Chico Buarque de Holanda; VER UM DE CAPARELLI;
5. “Ronda”, Olavo Bilac; “Rondó da ronda noturna”, Ricardo Aleixo; a canção
“Ronda”, de Paulo Vanzolini.
A lista poderia se alargar e visa apenas para despertar o professor ou mediadores de
leitura em geral para as inúmeras possibilidades de trabalho com a abordagem comparativa da
literatura no contexto escolar.
E nem indicamos as diversas possibilidades de diálogo com as literaturas de língua
portuguesa da África e Europa. Nos últimos anos a literatura de língua portuguesa produzidas
em países africanos vem ganhando grande visibilidade sobretudo no âmbito da universidade e
da escola em geral, sobretudo com a promulgação da lei....xxxxxxx
Abdala Junior (2012, p. 14) propõe “um comparativismo prospectivo, pautado por
relações comunitárias, um compartivismo da solidariedade, de cooperação.” Neste sentido,
teríamos - já temos - o foco em “Enlaces comparatistas, tendentes a relações de reciprocidade,
não numa relação sujeito/objeto ou aproximações e fricções, tendo em conta desafios que se
colocam em termos da atualidade sociocultural”. (ABDALA JUNIOR, 2012, p. 14) A
perspectiva nos parece bastante rica de possibilidades e, ao adentrar a escola, poderá
contribuir para um olhar menos eurocêntrico de nossa formação.
Postas estas sugestões, espera-se que o professor ou outro mediador de leitura
literária, se achar viável, procure aplicá-las, fazendo as devidas modificações que achar
adequadas ou buscar outros caminhos – outras comparações com outros textos, outras artes,
outras situações. Espera-se que os leitores em formação se sintam estimulados a buscar outros
textos, a trazer experiências pessoais e de leitura para compartilhar em sala de aula.
O que chamamos aqui de método comparativo pode ser articulado a diferentes
métodos de abordagem literária. Por exemplo, uma temática como o amor, trabalhado com
textos de diferentes gêneros literários, pode suscitar atividades de encenação, de criação, a
partir de sugestões, por exemplo, do método criativo (BORDINI & AGUIAR, 1988)
Por fim, é bom lembrar que qualquer método, quando usado de modo exaustivo,
poderá ter efeito contrário ao que se almeja. Ou seja, não é aconselhável trabalhar apenas na
54
perspectiva comparativista em em sala de aula. A leitura de uma obra qualquer, mesmo que
sempre se abra a comparações, pode ser trabalhada sem a insistência nesses diálogos.
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