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ABORDAGEM COMPARATIVA DE TEXTOS LITERÁRIOS NA ESCOLA

Hélder Pinheiro

1. Introdução

2. Literatura comparada ontem e agora

3. Comparativismo em sala de aula

4. Abordagens temáticas (no final sobre diálogo com artes...)

4.1.Literatura e dança

4.2.Literatura e cultura popular

4.3.A temática da velhice

4.4.Infância, narrativa e poesia

4.5.Temática do medo

4.6.A solidão é fera

4.7.De olho no beijo

4.8. O humor e os animais

4.9.Poesia e guerra

4.10. Metalinguagem na poesia

4.11. “Sem a loucura o que é o homem”

4.12. Com a bola no pé

4.13. “Uma rosa não é só uma flor”

4.14. Poesia e pintura

4.15. Música, poesia e canção

5. Considerações finais

6. Referências

1
Eu ando sozinha
Por cima de pedras
Mas a flor é minha.

(Cecília Meireles)

2
ABORDAGEM COMPARATIVA DE TEXTOS LITERÁRIOS NA ESCOLA

José Hélder Pinheiro Alves

Poesía, arquitectura, danza, música, escultura,


pintura: son otras tantas atividades que sin duda,
profunda y misteriosamente, comunican o comulgan
entre si. Mas también, cuántas diferencias entre
ellas! Unas pretenden hablarle a la vista, otras ao
oído. Unas erigen monumentos sólidos, pesados,
estables, materiales, y palpables; otras suscitan el
fluir de uma sustância punto menos que inmaterial,
notas o inflexiones de la voz, actos, sentimentos,
imágenes mentales. Unas utilizan tal o cual trozo de
piedra o de tela, definitivamente destinado a
determinada obra; otras, el cuerpo, o la voz humana,
préstanse por um momento, para em seguida
libertarse y dedicarse a la presentación de uma obra
distinta, y de outra, y de otras más. (Étiene Souriau,
ANO p. 11)

1. Introdução

Dentre as muitas possibilidades de trabalhar com o texto literário na sala de aula,


pode-se dar mais ênfase ao que denominamos aqui de método comparativo. Não se trata de
abandonar os diferentes caminhos já trilhados pelas mais diversas abordagens
metodológicas a que se tem acesso; antes, de agregar uma possibilidade a mais visando
contribuir para a formação de leitores.1 Como veremos, o método comparativo, inclusive,
pode associar-se a qualquer outro procedimento metodológico de abordagem da obra
literária.
Pensar um método de ensino é, muitas vezes, entendido como elencar técnicas,
procedimentos, sequências didáticas que possam ser aplicadas e que garantam o efetivo
exercício do ensino. No entanto, é preciso refletir de modo mais atento sobre a questão. O
que há de peculiar na “aplicação” de um método de ensino de literatura? Que exigências
devem ser feitas a quem vai “ensinar” uma arte? (ensinar, aqui, não a produzir a arte, mas a
1
Sobre os diferentes métodos, Bordini & Aguiar (1988) elencam 5 métodos de abordagem do texto literário
na escola: “Método científico”,“Método criativo”, “Método recepcional”, “Método comunicacional” e
“método semiológico”. Cada método parte de uma teoria, a seguir são expostas as etapas de abordagem e
várias sugestões concretas de aplicação. Outros métodos comparecem na literatura voltada para o ensino de
literatura, como, por exemplo, o “metódo rizomático”, proposto por Hildeia Boberg (2008), “método
hermenêutico”, formulado Eichenberg (2016), que tem por base a teoria de Paul Ricoeure o método
performático, proposto pela professora Eliane K. Oliveira (2018), a partir da teoria da performance de Paul
Zumthor.

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apreciá-la). O que entendemos por método comparativo e de que maneira ele se articula a
outros métodos de ensino?
O primeiro passo talvez seja deixarmos claro o que se entende por método. No
âmbito da filosofia, segundo Russ (2010), “O método é antes de tudo, como indica a
etimologia, uma via ou caminho (hodos): um conjunto de procedimentos lógicos e
racionais, que permitem chegar a um fim.” Assim, numa acepção bem geral, fala-se de um
“método de trabalho”, método de estudo, etc. Neste sentido, concordamos com o autor que o
método, “longe de circunscrever-se a um campo estreito, constitui um instrumento universal
pedido pelas próprias exigências da vida e da existência.” (RUSS, 2010, p. 16) Por outro
lado, reconhecer a importância do método não é, necessariamente, absolutizá-lo e,
sobretudo, fechar-se numa única perspectiva metodológica. Portanto, um aspecto da maior
importância, quando se reflete sobre método nas ciências humanas, foi discutido por
Gadamer (1997). Para o filósofo, os métodos advindos das ciências naturais não podem ser
tomados como modelos absolutos para as “ciências do espírito”. Nas palavras do filósofo,
“A experiência do mundo socialmente histórico não se eleva a uma ciência com processo
indutivo das ciências da natureza.” (GADAMER, 1997, p. 40) E, ao referir-se ao método,
afirma:

O que se denomina método na ciência moderna é algo único e o


mesmo por toda parte e só especialmente nas ciências da natureza
cunha-se como modelar. Não existe nenhum método específico para
as ciências do espírito. (GADAMER, 1997, p. 45)

Ele chama a atenção ainda para a não dependência das humanidades com relação às
ciências da natureza ser da maior importância no âmbito das artes. No vasto campo da
teoria literária pode-se falar de diferentes perspectivas metodológicas2. Discutindo a
questão do método na crítica literária, João Alexandre Barbosa afirma que “em geral

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As diferentes correntes da teoria literária do século XX apresentam métodos peculiares de abordagem da
obra literária. Bergez (1997) em sua obra Métodos críticos par análise literária, apresenta alguns desses
métodos cujo conhecimento pode ser útil ao leitor pouco ligado à crítica literária. São eles: crítica genética,
crítica psicanalista, crítica temática, sociocrítica e crítica textual. Rallo(2005) em Métodos de crítica
literária, elenca: crítica do imaginário, psicanalítica, sociologia da literatura, leitura estilítica, formalismo,
semiótica, dentre outros.Mais duas obras também sistematizam as várias correntes da crítica e teoria literária
no século XX: Técnicas de análise textual, do teórico português Carlos Reis (1981), em que discute conceitos
como “leitura”, “Leitura crítica”, “análise e interpretação” e discorre com detalhe sobre análise estilística,
análise estrutura e análise semiótica. O autor apresenta, ainda que rapidamente, a crítica psicanalista e a
sociologia da literatura. Por último, Tadié (1987) em A crítica literária, traz uma tipologia diferenciada
nalguns tópicos desenovlvidos, como crítica alemã, crítica da consciência, crítica do imaginário e
linguística e literatura. Muitas destas denominações agregam mais de uma corrente da crítica/teoria literária.

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assustam os métodos” uma vez que “possuem quase sempre um ar de imposição forçada,
de restrição por incapacidade.” (BARBOSA, 1980, p. 19). Para ele o maior significado do
método “deve ser a capacidade de uma metamorfose, sem que se perca o sentido da vereda
escolhida” (BARBOSA, 1980, p. 19). A imagem construída pelo crítico aponta para uma
perspectiva de não aprisionamento ao método, o que não quer dizer ausência de rigor
reflexivo.
Numa perspectiva didática, as obras de metodologia da pesquisa apontam várias
modalidades de método, como: “Método dedutivo”, “método indutivo”, “metódo
hipotético dedutivo”, “método dialético”, “método fenomenológico”, dentre outros.
(POZZEBON, 2004, p. 28). Cada um atende a uma necessidade específica de pesquisa.
Planejar uma ação, portanto, já pressupõe, em si, um método, tenhamos ou não
consciência desse fato. De maneira geral, pode-se dizer que seguimos um método para
cada coisa que fazemos. E, conforme vimos, não se pode falar num método universal, que
sirva para todos com a mesma eficiência, sobretudo quando se trabalha com arte. Cada
sujeito, a partir de suas capacidades, condições físicas, mentais, psicológicas e culturais
(re)cria seu método de estudar, de realizar certos afazeres, de escrever, de cozinhar, de
arrumar a casa, de dar aula, de escrever um trabalho acadêmico, de plantar uma árvore, de
cuidar de plantas, de animais, etc.
A proposta metodológica que ora apresentamos nasceu da prática cotidiana da
leitura literária em sala de aula – desde nossa passagem pelo ensino básico até a
Universidade. Neste último espaço, em muitas situações, trabalhamos de modo
comparativo tanto nas disciplinas de literatura brasileira, quanto nas de caráter mais
teórico. Também, nas orientações de estágio supervisionado e TCC inúmeras vezes
propomos este tipo de abordagem centrada em determinados temas.
A abordagem comparativa pressupõe tanto um conhecimento da disciplina
Literatura comparada, quanto das obras e temas que se deseja comparar. E, sobretudo, no
âmbito do ensino, pressupõe a consciência de que uma temática abordada
comparativamente necessita estar no horizonte de expectativa dos leitores a que se destina.
Por certo, a abordagem metodológica não se restringe a temas, mas no âmbito escolar este
caminho pode ser uma porta de entrada para o grande universo de experiências humanas a
que literatura nos abre.
Discutiremos, a seguir, alguns pressupostos da Literatura comparada tendo em vista
fundamentar minimamente o leitor ante a metodologia proposta. O objetivo é oferecer ao

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professor que não teve essa disciplina em seu currículo, no curso de Letras, Pedagogia e
outras licenciaturas, uma notícia de sua formação e de seu(s) método(s). A leitura de
artigos e ensaios que lançam mão do método comparativo também se constitui num
importante instrumento de formação, que pode vir antes ou paralelamente ao estudo das
questões teóricas sobre método. Para um aprofundamento das questões, consulte-se as
referências indicadas ao final deste trabalho.

2. Literatura comparada de ontem e de agora

Cavalhal (2006) nos lembra que “a comparação não é um método específico”; trata-
se de “um procedimento mental que favorece a generalização e a diferenciação.”
(CARVALHAL, 2006, p. 6) Para a autora, que foi uma das mais importantes teóricas do
comparativismo, “Comparar é um procedimento que faz parte da estrutura de pensamento
do homem e da organização da cultura. Por isso, valer-se da comparação é hábito
generalizado em diferentes áres do saber humano (...). (Idem, p. 6) No entanto, lembra a
teórica, “quando a comparação é empregada como recurso preferencial no estudo crítico,
convertendo-se na operação fundamental da análise, ele passa a tomar ares de método e
começamos a pensar que tal investigação é um “estudo comparado.” (Idem, p. 7) Para ela,
“a comparação, mesmo nos estudos comparados, é um meio, não um fim” (p. 07)
Portanto, a primeira questão que colocamos é a de conhecer minimamente a
disciplina Literatura comparada. Nascida no século XX – embora sempre se tenha lançado
mão, nos estudos literários, em certa medida do comparativismo a literatura comparada
experimentou, do final do século XIX ao início do século XXI, diferentes
abordagens/concepções. Para Nitrini (1997, p. 19):

As origens da literatura comparada se confundem com as da própria


literatura. Sua pré-história remonta às literaturas grega e romana. Bastou
existirem duas literaturas para se começar a compará-las, com o intuito de
se apreciar seus respectivos méritos, embora se estivesse ainda longe de
um projeto de comparativismo elaborado, que fugisse de uma mera
inclinação empírica. (NITRINI, 1997, p. 19)
Por certo, para um projeto acadêmico, necessita-se ir além do empírico, mas é
importante não esquecer que o empírico é nosso ponto de partida e, a depender do modo
como se trabalhe, ele pode ter grande valor.

Segundo Nitrini (1997, p. 24), “O conceito de literatura comparada explicita-se, no


livro de Paul Van Tieghem, como uma disciplina particular que se situa entre a história

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literária de uma nação e a história mais geral” (NITRINI, 1997, p. 24). Lembra ainda a
pesquisadora que

a literatura comparada tem objeto e método próprio. O objeto é


essencialmente o estudo das diversas literaturas nas suas relações entre si,
isto é, em que medida umas estão ligadas às outras na inspiração, no
conteúdo, na forma, no estilo. Propõe-se a estudar tudo o que passou de
uma literatura para outra, exercendo uma ação, de variada natureza.
(NITRINI, 1997, p. 24).

Importante destacar o objeto e método da disciplina, como fica claro na formulação


da teórica. Se a literatura comparada visava “o estudo das diversas literatura nas suas
relações entre si”, o objeto pressupõe um método que aponte estas ligações – “no conteúdo,
na forma, no estilo”. Embora ainda preso à ideia de influência, Guyard (1994) traz uma
reflexão ainda atual sobre o método em Literatura comparada

Os métodos deverão adaptar-se a pesquisas também variadas. Todos,


entretanto, pressupõem preencher as mesmas condições necessárias:
conhecimento aprofundado da obra e do homem, dos quais estudamos o
destino, bem como do meio receptor; estudo escrupuloso dos livros, dos
jornais, das revistas; atenção constante à cronologia; na exposição das
conclusões, prudente distinção entre influência e sucesso e entre os
diferentes tipos de influência. (GUYARD : 1994, p. 105)

Destacamos, da citação, a importância do “conhecimento aprofundado da obra”,


sobretudo quando pensamos que o professor-mediador necessita de uma formação mais
sólida, para poder contribuir com o crescimento intelectual e humano de seus alunos.

Pode-se, portanto, lançar mão desse método não mais apenas voltado para
diferentes literaturas, mas para sistemas diferentes, temas, e até mesmo a literatura e outras
artes e outras manifestações artístico-culturais, como se observará nas concepções
contemporâneas de literatura comparada.
Outro aspecto determinante da constituição da disciplina era a necessidade de se
comparar sempre literaturas de línguas diferentes. A denominada escola francesa não
aceitava “o estudo comparado de literaturas com outras artes ou ramos do saber como
objeto da literatura comparada.” (NITRINI, 1997, p. 28).

Diferentemente desta perspectiva francesa, surge a denominada por alguns


estudiosos de “escola americana”, que “admitiam o estudo comparativo das obras ou
autores no interior de uma literatura nacional,” (NITRINI, 1997, p. 29) Reforça Carvalhal
que

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Além de privilegiar a análise do texto literárioem detrimento das relações
entre autores ou obras, os comparativistas norte-americanos aceitam os
estudos comparados dentro das fronteiras de uma única literatura, atuação
recusada pela doutrina clássica francesa. (CARVALHAL, 2006, p. 15)

Esta abertura parece-nos bastante significativa para nossa proposta, uma vez que
quando pensamos na formação de leitores, a comparação entre obras de uma mesma
literatura nacional abre-se para várias possibilidades - o que também não nega acionar
obras de diferentes literatura. Por outro lado, não se pode fechar a leituras comparativas
entre obras infantis e juvenis de diferentes literaturas.
Um mito narrado por um rapsodo certamente era comparado ao desempenho de
outro rapsodo. No âmbito da literatura popular, compara-se um improviso de um cantador
com o de outro com diferentes propósitos: para exaltar os dois, para exaltar um e apontar o
limite do outro ou até mesmo para apontar fragilidade dos dois.
Momento importante na construção da disciplina, foi o aparecimento do conceito
de intertextualidade. Como lembra Carvalhal (2003, p. 19), o conceito de intertextualidade
contribuiu de modo decisivo para os estudos de literatura comparada. Vários teóricos
retomam-no para aplicar à literatura, à canção, a diferentes manifestações artísticas.
Segundo Kristeva ( 1974), “todo texto se constrói como um mosaico de citações, todo texto
é absorção e transformação de outro texto” (p. 13). Gilberto Mendonça Teles chama a
atenção para os vários conceitos relativos às diferentes formas de intertextualidade: a
imitação, a influência, o plágio, a alusão, a paráfrase, a paródia, a epígrafe, “o seguir”, o
prefácio, o manifesto (TELES,1979). Toda a teoria de Genett que se refere ao palimpsesto,
de certo modo é uma ampliação do conceito de intertextualidade. Por outro lado, a grade
conceitual advinda de toda esta construção teórica muitas vezes é empregada de modo
bastante mecânico, levando a mero reconhecimento de um procedimento.
Possivelmente, a importância do conceito de intertextualidade para os estudos
comparativos deve-se ao fato de que

A contribuição do conceito para os estudos de literatura comparada é


decisiva, pois modificou as leituras dos modos de apropriação, das
absorções e das transformações textuais, alterando o entendimento da
mobilidade contínua dos elementos literários e revertendo a compreensão
das tradicionais noções de fontes e influências. (CARVALHAL, 2003,
76)
O conceito de influência, em sua concepção tradicional, se constituiu como central
por muito tempo e em muitas abordagens. Ele começa a enfraquercer-se a partir da
segunda metade do século XX, uma vez que, ainda segundo Carvalhal, “parecia deixar

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passivo o receptor, minimizando sua importância e privilegiando a originalidade do
modelo” (CARVALHAL, 2003, p. 19) Neste sentido, “a compreensão de intertextualidade
como propriedade textual elide o sentido negativo anterior e enfatiza a natureza criativa do
processo de produção textual” (CARVALHAL, 2003, p. 19)
Outro aspecto a ser considerado na “revitalização” da literatura comparada é
ampliação do campo de atuação da disciplina. Hoje, segundo Carvalhal (2003, p. 35),
atribui-se à disciplina a “possibilidade de mover-se entre várias áreas, apropriando-se de
diversos métodos, exigidos pelos objetos que coloca em relação.”
Em ensaio em que discutem “Perspectivas da literatura compaarada no Brasil”,
Eneida M. de Souza e Wander M. Miranda afirma que:

De modo geral, pode-se dizer que o comparativismo tem indicado, sob


variadas perspectivas, que a transferência de sentidos nunca é total entre
sistemas literários e culturais distintos. As diferenças são elas próprias
reinscritas ou reconstituídas em todo ato de comunicação e transmissão, o
que acaba por revelar a instabilidade de toda divisão de sentidos baseada
num dentro e num fora, num centro e numa periferia. (SOUZA;
MIRANDA, 1997, p. 48)

Lembram ainda que “Estudos recentes, campo dos discursos das minorias sexuais,
étnicas e de gênero têm desempenhado papel significativo no tocante ao desenvolvimento
de teorias e métodos comparatistas (...) (p. 49) Trata-se de mais um viés a ser investigado e
levado à sala de aula.
Já existe, portanto, uma grande diversidade de estudos comparativos que acionam
as diferentes possibilidades de diálogo entre literatura e outras artes, literatura e cultura
popular, literatura e cinema, bem como abordagens de caráter temático – entre obras de
épocas diferentes, da mesma época, de gêneros literários diversos, dentre as inúmeras
possibilidades que se apresentam ao leitor-analista.
Por outro lado, no âmbito da crítica literária, a abordagem comparativa nos legou
estudos de grande valor. Entre nós, destacamos a leitura que Antonio Candido faz de O
cortiço, de Aluízio Azevedo, comparando-o com a obra L’Assommoir, de Emile Zola.
Candido (1993) não cai na perspectiva da ênfase na influência. Como enuncia no início, “o
interesse analítico se volta para um problema de filiação de textos e de fidelidade aos
contextos.” (p. 124) Amparado nesta delimitação, ele formula algumas categorias que
serão detidamente examinadas a partir das obras escolhidas. Destacamos “texto primeiro” e
“texto segundo” (que não traz valor hierárquico), “diferenciação e indiferenciação”,

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“espontâneo e dirigido”, “cortiço e/ou Brasil”, dentre outras. Sempre importante frisar que
as categorias parecem nascer da convivência analítica das obras, e não como conceitos a
serem aplicados de fora do texto. O método de Candido, portanto, leva em consideração o
contexto de produção das obras, que favorece percepções como esta:

No seu romance o enriquecimento é feito à custa da exploração brutal do


trabalho servil, da renda imobiliária arrancada ao pobre, da usura e até do
roubo puro e simples, constituindo o que se poderia qualificar de
primitivismo econômico. (CANDIDO, 1993, p. 127)
A partir da percepção dessa peculiaridade contextual/econômica do romance, o
ensaísta aponta a diferença de enredo entre as duas obras. Primeiro,

O cortiço narra com efeito a ascensão do taverneiro português João


Romão, começando pela exploração de uma escrava fugida que usou
como amante e besta de carga, figindo tê-la alforriado, e que se mata
quando ele a vai devolver ao dono, pois uma vez enriquecido, precisa
liquidar hábitos do passado para assumir as marcas da posição nova.
(CANDIDO, 1993, p. 127)
Ao referir-se a L’Assommoir, afirma que

trata-se de uma história de trabalhadores intimamente ligados ao projeto


econômico de um ganhador de dinheiro, por isso o romancista pôs ao
lado da habitação coletiva dos pobres o sobrado dos ricos, meta visada
pelo esforço de João Romão. A consciência das condições próprias do
meio brasileiro interferiu na influência literária, tornando o exemplo
francês uma fórmula capaz de funcionar com liberdade e força criadora
em circunstâncias diferentes. (CANDIDO, 1993, p. 127)
O ensaio aborda inúmeras outras questões, como a “redução biológica do
Naturalismo” (p. 134), a dialética “espontâneo” e “dirigido”, o cortiço como alegoria do
Brasil, o “meio” e a “raça” e aspectos relacionados à sexualidade. Cada questão é tratada
com rigor e sensibilidade, de modo que a leitura dos romances sai engrandecida. Ao final,
destacamos uma formulação que traz a marca do equilíbrio na avaliação:

Mas no livro de Aluísio, entre a representação concreta do particular


(cortiço) e a nossa percepção da pobreza se interpõe o Brasil como
intermediário. Essa necessidade de representar o país por acréscimo, que
se impunha a Zola em relação à França, diminui o alcance geral do
romance de Aluísio, mas aumenta o seu significado específico.
(CANDIDO, 1993, P. 152)
Não sabemos em que sentido haveria uma diminuição do “alcance geral do
romance”, mas, por certo, o autor soube mostrar com clareza o que se propôs: apontar “o
problema de filiação de textos e de fidelidade aos contextos” (p. 124).

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No ensaio “Os primeiros baudelairianos”, Candido (1987) estuda as ligações de um
grupo de poetas brasileiros, do final do século XIX, com a poesia de Charles Baudelaire.
Nas palavras do crítico, “Vamos pois indagar de que maneira alguns jovens, no decênio de
1970, extraiam d’As flores do mau, em parte arbitrariamente, o alimento mais nutritivo que
elas já forneceram aqui. (CANDIDO, 1987, p. 25)
O crítico mostra como determinados poemas de Carvalho Júniro retomam outros de
As flores do mau, de, de Baudelaire e lembra que “L’ideal” “vale por manifesto anti-
romântico: (CANDIDO, 1987, p. 27). Outros poemas de Carvalho Júnior, Teófilo Dias e
Fontoura Xavier, dentre outros, são convocados na análise comparativa.
Para Candido, esses poetas encontram na obra referida do poeta francês

um tratamento não-convencional do sexo, um lutuoso spleen e um senso


refinado da análise moral; mas refugaram ou não sentiram bem a coragem
do prosaísmo e dos torneios coloquiais. Também não interessaram pelos
espaços externos da vida contemporânea, inclusive o senso penetrante da
rua e da multidão; ficaram quase sempre dentro de casa e mais
especialmente do quarto de dormir. (CANDIDO, 1987, p. 38)

O ensaio, portanto, nos dá uma amostra de uma leitura comparada sóbria, analítica,
capaz de suscitar no leitor o reconhecimento de, no caso, uma influência, mas como
adverte: “toda influência literária torna o objeto cultural ajustado às necessidades e
características do grupo que o recebe e aproveita. (CANDIDO, 1987, p. 24/25)
A leitura de diferentes abordagens comparativas poderá oferecer ao professor(a)-
mediador(a) respaldo para planejar e efetivar seu trabalho em sala de aula. Neste sentido,
vários estudos podem contribuir para aprofundar diferentes perspectivas de leitura
comparativa. Uma proposta significativa é a retomada de conceitos como paródia,
paráfrase, estilização e apropriação, retomados e aplicados, em várias leituras, por
Sant’Anna (1985). A obra traz, além da discussão teórica, retomando Tynianov e Bakhtin,
vários exemplos desses diálogos intertextuais em nossa literatura, como por exemplo, a
retomada que vários poetas modernos fizeram da “Canção do exílio”, de Gonçalves Dias.

3. Comparativismo em sala de aula

Pensando no aproveitamento destas veredas abertas pelo comparativismo para o


trabalho com o texto literário no contexto escolar, poderemos apontar algumas
possibilidades de abordagens a partir de temas/tópicos, conforme aparecem a seguir. Os
referidos tópicos ligam-se a estudos, e, nalguns casos, a experiências realizadas em sala de
aula, bem como a proposições ainda não testadas.

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Importante salientar ainda que nossa proposta de um método comparativo, como
um caminho para o trabalho com a literatura na sala de aula, nasceu da prática cotidiana de
ensino. Mirando os já mais de 30 anos de sala de aula, pude observar que inúmeras vezes
lancei mão de procedimentos comparativos – entre poetas de épocas diferentes, mas que
produziram poemas de temática comum entre obras de diferentes gêneros; entre narrativas
e filmes; narrativas com temática aproximada; narrativa e história, dentre outras
possibilidades. Anos depois, estudando um pouco a Literatura comparada, é que fui
tomando consciência das várias possibilidades que a disciplina oferecia, inclusive para o
ensino básico.
Uma obra de caráter didático da maior importância, que não teve a repercussão
merecida na escola, foi Literatura brasileira em curso, de Dirce Riedel et al. (1968). Nela
encontramos as indicações de um trabalho temático com uma orientação precisa e bastante
abrangente, embora ainda um tanto presa ao modelo de interpretação que circula nos livros
didáticos3. Devemos a esta obra o despertar para as inúmeras possibilidades que a
abordagem temática proporciona e como pode se constituir numa alternativa para o ensino
de literatura.
Passemos aos tópicos, lembrando sempre que são indicações e não propriamente
um roteiro a ser seguido. Não pretendi elaborar sequências didáticas a serem seguidas -
antes, indicar obras e apontar algumas possibilidades, acreditando sempre no potencial do
professor-leitor de utilizar de modo pessoal cada sugestão. Quase todas elas nasceram da
sala de aula, mas exigiram, muitas vezes, leituras teóricas, releituras, descobertas de outras
obras. Neste sentido, o que vai aqui sistematizado é resultado da contribuição às vezes
silenciosa de inúmeros ex-alunos(as), colegas professores e professoras. O propósito é
chamar a atenção para as possibilidades de abordagem do texto literário no contexto de
ensino.

4. Abordagens temáticas

Neste universo, inúmeras são as possibilidades de abordagem em sala de aula. O


professor-leitor poderá eleger seus temas prediletos e buscar diferentes obras, que, de
algum modo, abordem os temas. O cruzamento de gêneros literários contribui para que o
leitor em formação tenha acesso a diferentes formas de linguagem: a concisão da poesia

3
Vimos discutindo esta temática há algum tempo, como se pode observar nos artigos (ALVES, 2002 e 2006)

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lírica, o diálogo direto da literatura dramática, as vozes da narrativa, afora os espaços, os
tempos, os olhares de diferentes narradores.
Outro aspecto é que, um mesmo tema pode ter sido abordado por diferentes
literaturas em épocas diversas. No ensino básico, pode-se também trazer obras de outras
literaturas para uma abordagem comparativa. Como lembram Machado e Pageaux (1988,
p. 118), “um tema tratado na época da Renascença, por exemplo, não pode ter a mesma
expressão literária que na época romântica”. Para ilustrar esta afirmação, bastaria
observarmos poemas de três épocas diferentes, como o soneto 106, de Luís Camões (“O
céu, a terra, o vento sossegado...”, “Este inferno de amar”, de Almeida Garret e “Criação”,
de Olavo Bilac. Em cada poema um aspecto pode ser destacado, dentre tantos: no de
Camões, o pastor lamenta a perda de sua amada e clama à natureza que permanece
indiferente; o título do poema de Garret já indicia a ausência da contenção clássica, que
comparece, sobretudo, na linguagem; já Bilac nos mostra o engradecimento do amor, que
“É um mistério de força e de surpresa!”
A mesma reflexão pode ser estendida à época moderna e contemporânea.
Imaginemos, a título de exemplo, um poema de amor da literatura grega, latina, da Idade
Média, do período camoniano, enfim, de todos os estilos de época que compõem nossa
literatura. Teríamos uma antologia rica de possibilidades de debate, de descobertas de
diferentes visões de amor e de mundo, além das diferentes formas em que estão expressos.
Mas é importante, também, estar atento ao fato de que a abordagem temática exige, “por
consequência, uma leitura extremamente atenta, compreensiva” e que “entrar na lógica de
determinado texto” exige “sólida erudição” (...) para evitar cair na justaposição ou na
comparação mecânica” (MACHADO e PAGEAUX, 1988, p, 120).
Por outro lado, é possível se aproximar do texto e ir apreendendo-o mesmo sem
essa “sólida erudição”, mas com disposição de pesquisa, para construir essa erudição
através de buscas de referências que contribuam para uma compreensão mais ampla do
tema em estudo. Se, por um lado, a erudição ajuda a ter acesso a significados essenciais,
por outro lado, acreditamos que a aproximação a um texto literário, sua apreensão não se
dá meramente por vias cognitivas, pela inteligência e erudição.
Outro aspecto a ser considerado é que, como afirmam Brunel, Pichois e Rousseau
(1995, p. 110), “um tema não está jamais isolado; interfere em outros, e seria mais justo
falar em complexos temáticos.” A observação é da maior importância na perspectiva da
formação de leitores que vimos defendendo. Isto quer dizer que a abordagem temática

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além de contribuir para que se veja uma mesma questão sobre diferentes perspectivas,
também pode chamar outras questões, outros temas. Por certo, aqui, a experiência do leitor
pode suscitar esses “complexos temáticas”, a que se referem os teóricos.
Na Antologia da poesia brasileira: das origens ao Pré-Modernismo (PINHEIRO,
2017), sugerimos algumas abordagens temáticas. Por exemplo, a temática do tempo é
tratada por poetas diversos, como José de Anchieta (“Em Deus meu criador”), Gregório de
Matos Guerra (“Nasce o sol, não dura mais que um dia”), Tomás Antônio Gonzaga (Lira
XIX – segunda parte de Marília de Dirceu), Gonçalves Dias (“Leito de folhas verdes”). A
experiência de leitura da Antologia, com alunos da graduação em Letras, suscitou
inúmeros debates, descobertas de novos poemas, canções, versos da tradição oral. Em
artigo que remonta esta experiência de sala de aula, indicamos procedimentos para
trabalhar o tempo na sala de aula. Vejamos:

Um primeiro passo poderia ser levantar, entre os próprios alunos, a


concepção que eles têm do tempo. O tempo para uma criança, para um
jovem e para um adulto são entidades bem diversas. Sabemos pelos
estudos de psicologia (e também pela convivência com elas) que a
criança vive no seu agora, sem preocupação com o que virá ou com o que
passou. É no brincar que ela revela mais intensamente o seu modo de
viver o tempo. Já o jovem tende a projetar o tempo – ou as realizações
que começa a esboçar para a vida – para o futuro. O desejo de liberdade,
por exemplo, leva-o a querer completa maioridade, poder ser dono de seu
destino. Nada disso ocorre de modo absoluto. Há sempre variações, mas,
no geral, é assim que se vive nesta fase da vida. A idade adulta traz a
preocupação, a necessidade do planejamento do tempo entre o trabalho, o
lazer, o cultivo de um esporte e tantas outras tarefas. Depois, vem a
constatação de que tudo passou muito rápido... E quando chega a velhice,
quase sempre o olhar volta-se para o passado, muitas vezes de modo
idealizador.
Como nos colocamos diante do tempo? O que é o tempo para o
jovem? O grupo social a que pertence, o tipo de escola que frequenta tudo
isto pode gerar peculiaridadesna visão do tempo. Colocar esta discussão e
pedir que indiquem canções que conhecem, versos, ditos, etc.
O segundo passo seria colocá-los diante de uma antologia e passar
à leitura e releitura dos poemas (não precisa ser só poemas, pode-se
também levar crônicas, contos, reflexões filosóficas, etc). Além dos três
poemas comentados, poderia entrar nesta antologia: “Oração ao tempo”,
de Caetano Veloso, “Tempo rei”, de Gilberto Gil, “O tempo, de Mário
Quintana e “Retrato”, de Cecília Meireles.
Iniciar um trabalho com a música, entre jovens, ajuda a “quebrar
o gelo” que a seriedade do tema pode gerar. Ouvir, cantar junto, depois
ler a letra, dizer que versos ou fragmentos se destacam poderia ser o
procedimento inicial de trabalho com a poesia. Estimular para que falem

14
o máximo, exponham seus pontos de vista. Ouvir, mediar, evitar expor ou
explicar os poemas e sobretudo, dar lições. Deixar que se aproximem ao
máximo do texto. E se a turma é tímida ou desacostumada a este
procedimento, instigar, perguntar. Após esta fase, pode se passar a uma
outra, agora um pouco mais sistemática. Fica aberta a possibilidade de
trabalho junto com profissionais de música e de filosófica – pelo viés
temático.
Terceiro passo seria: tentar levar os leitores a comparar os textos e
levantar aspectos que os aproximam e que os diferenciam. Por exemplo, a
temática seria o grande eixo. Mas como Quintana vê o tempo? O que há
de peculiar neste olhar? Pedir para observarem as imagens de que poetas
e poetisas lançam mão e tentar interpretá-las – atribuir a elas um sentido
dentro do contexto em que se encontram. Atentar para o vocabulário: por
exemplo, “Retrato”, de Cecília Meireles, atentar para a adjetivação e,
sobretudo, para a imagem final. Algum dos textos apresenta um viés
melancólico ou eufórico? Que outros temas estão acoplados ao tema
central do tempo? Retornar aos três poemas comentados e observar o que
os diferenciam destes últimos indicados. Que conclusões podem ser
retiradas? Atentar para a forma dos poemas: quais apresentam uma maior
liberdade – na construção dos versos, na disposição das palavras na folha,
etc. Qual o tom predominante no poema? Poder-se-ia falar de um viés
melancólico, ou reflexivo, ou irônico, ou cético? As várias leituras em
voz alta poderão ajudar a observar o tom predominante no poema.
(ALVES, 2014, p. 56-58)

O artigo foi construído a partir da vivência de leitura com alunos da graduação em


Letras. Portanto, o fato de haver testado o procedimento com a temática do tempo -
também com outros temas - nos faz acreditar que é possível ampliar as sugestões a partir
de diversos vieses temáticos.
Um caminho que o professor pode seguir é buscar na crítica literária algumas
inspirações temáticas para levar à sala de aula – não necessariamente para ficar na leitura
que o crítico fez, mas discuti-las e, na reta final, trazer a leitura do crítico para ser
conhecida e confrontada. Imagino que no ensino médio é possível realizar atividades,
desta ordem. Por exemplo, se o professor tiver acesso ao livro Humildade, Paixão e Morte:
a poesia de Manuel Bandeira, de Davi Arrigucci Jr (1990), pode recolher vários poemas
que tematizam a morte (como por exemplo, “Profundamente”, “Momento num café”,
“Consoada”, dentre outros) e discutir com os leitores. Este procedimento poderá ajudar a
ter uma visão mais ampla de um tema central em um poeta, mas, mais uma vez, mesmo os
poemas sobre a morte podem apontar outros aspectos da lírica bandeiriana. Por exemplo, o
tempo em que viveu o poeta, as doenças, as formas de cura, ou ainda, a morte ligada a
outros temas, como a luta pela vida, pela sobrevivência, portanto, a construção da

15
esperança, o desencanto, a melancolia. Como estamos pensando na abordagem
comparativa, observar o tema em outros poetas – contemporâneos a Manuel Bandeira ou
não. Por exemplo, na lírica de Cecília Meireles (1994), dentre as várias referências ao
tema, destacamos: “Morro do que há mundo” (p. 1224) e “Quero receber à morte...” (p.
795); de Murilo Mendes (1994), “A morte” (p. 299) e “A morta viva” (p. 256). O livro
Agreste, de João Cabral de Melo Neto (1994), traz uma série de poemas sobre a morte.
Dentre eles, destacamos: “As astúcias da morte” (p. 576), “A morte dos outros” (p. 577),
“Morrer de avião” (p. 579) e “Direito à morte”, afora outros poemas de outros livros e
alguns episódios de Morte e vida severina. Lembremos ainda, de Carlos Drummond de
Andrade (1979), “Morte do leiteiro” (p. 193) e “Morte no avião” (p. 201).
Contemporaneamente, em Adélia Prado (2015) também encotramos poemas significativos,
numa perspectiva bem diversa dos anteriormente citados, como: “Resumo”, e “Canção de
amor”, do livro Bagagem e “Campo-santo”, de O coração disparado. Nesta pequena
amostra é grande a diversidade de perspectivas de abordagem, o que incita boas
discussões, por exemplo: que poemas trazem uma visão mais religiosa, de fé? Quais
abordam o tema buscando um distanciamento maior ou mesmo uma certa ironia? Há medo
da morte? Perguntas podem estimular a descoberta de sentidos e a comparação entre os
diferentes pontos de vista e/ou as afinidades.
Embora ao longo da apresentação tenhamos já apontado algumas possibilidades,
faremos agora indicações de temas que vimos trabalhando ou que sobre os quais lemos
poemas, contos, romances, peças teatrais e outros gêneros, chamando sempre a atenção
para o fato de que o professor que desejar levar essas sugestões para sala de aula pode e
deve fazer recortes, acréscimos e outros ajustes que julgar necessários tendo em vista o
contexto em que se encontra.

4.1. Literatura e dança

A dança é uma arte que encanta crianças e jovens, mas que fica ao largo do nosso
currículo escolar. Quando aparece é, quase sempre, voltada para apresentações pontuais,
como festas escolares (folclóricas, datas comemorativas, etc), não como uma vivência
artística planejada e com sequência. Não é preciso ser um especialista para compreender o
sentido humano da dança, sobretudo a alegria que brota de sua prática, basta ter vivido
qualquer experiência no contexto familiar ou escolar para perceber o grau de satisfação que

16
ela pode nos proporcionar. Para Garaudy, “A dança é um modo de existir”. E o filósofo
completa:

Não apenas jogo, mas celebração, participação e não espetáculo, a dança


está presa à magia e à religião, ao trabalho e à festa, ao amor e à morte.
Os homens dançaram todos os momentos solenes de sua existência: a
guerra e a paz, o casamento e os funerais, a semeadura e a colheita.
(GARAUDY, 1980, p. 13)

Inúmeros poemas de poetas e poetisas de diferentes épocas buscaram expressar o


encantamento e a complexidade da dança. Nossa proposta é de, a partir da leitura de
poemas, sugerir que sejam discutidos tendo como foco o sentido que a dança assume em
cada um deles. E mais, dentro das condições de trabalho escolar, propor, inclusive, que
sejam dançados – livremente, em grupo, de modo improvisado, de modo mais sistemático,
com o auxílio de outros professores, enfim, do modo como for adequado a cada situação
escolar.
Em um experimento com crianças do quarto ano do ensino fundamental, de uma
escola pública, Marília de Almeida e Bueno (2015) vivenciou a leitura e a performance de
poemas que tematizavam diferentes formas de dança. O objetivo não era montar um
espetáculo com as crianças, mas, sobretudo, fazê-las vivenciar a poesia de modo mais
corporal. As crianças, mesmo com dificuldades de leitura, leram, encenaram, brincaram, se
divertiram, dançaram os versos a seu modo. Como afirmou acima Garaudy, dança é
“participação e não espetáculo”.
Os poemas trabalhados por Bueno (2015) foram: “Valsa da vassoura”, de Dilan
Camargo; “Valsa das pulgas”, de Ruth Rocha; “O baile na flor”, de Castro Alves; “As
abelhas”, de Vinícius de Moraes; “Ciranda da bailarina”, de Chico Buarque; “Vou, voo e
volto”, de Marina Colassanti; “Canção da chuva e do vento”, de Mario Quintana, dentre
outros. No geral, houve um envolvimento significativo de toda a turma com o trabalho,
apesar das dificuldades de leitura/decodificação que a turma revelava. Por outro lado, estas
dificuldades de leitura podem ter suscitado o interesse dos alunos de ler com um pouco
mais de proficiência, movidos pelo desejo de participar das atividades propostas.
Lembraríamos ainda, pensando no público leitor dos primeiros anos do ensino
fundamental, “A bailarina”, de Cecília Meireles; “Bailarina”, de Beré Lucas e “Bailarina”,
de Roseana Murray4.

4
Uma leitura do tema da bailarina na poesia infantil brasileira pode ser encontrado em Tito (2000).

17
Uma possível retomada desta experiência, pode-se proceder do seguinte modo: os
poemas serem lidos na ordem que o professor desejar e discutidos livremente com as
crianças. Normalmente, a leitura oral bem treinada já suscita gestos, movimentos que
podem ser o embrião de uma dança. É sempre bom lembrar que a atividade central é a da
leitura e que as crianças são livres para executarem ou não o poema através do gesto
dançante.
Nas fases finais do ensino fundamental e no médio poder-se-ia ler poemas
importantes de nossos poetas e poetisas. Por exemplo, Mario Quintana nos legou vários em
que o motivo da dança é central, como por exemplo, “Canção da primavera”, “Dança”,
“Soneto XXIV” (A rua dos cataventos), “Inscrição para uma lareira”, e, de modo especial,
“Aula inaugural”, cuja leitura oral deve enfatizar os diferentes tons de que o poeta lança
mão para apresentar o sentido da dança, sobretudo através do vocativo, que incita o leitor à
ação.
Em artigo denominado “Poesia e dança”, Pinheiro (2016), após comentar a
“Canção da primavera”, de Mario Quintana, apresenta um conjunto de propostas para
vivência do poema em sala de aula. Vejamos:

1. Pode-se personificar a Primavera, que chegaria dançando, tocando a todos,


envolvendo em seus movimentos (estamos pensando o espaço sala de aula). A
partir desta cena inicial, outras personagens iriam acordando e entrando no
ritmo da dança.
2. Poderiam dançar cirandas, cantigas de roda; colheriam flores enquanto
dançam. Poder-se-ia criar cenários que iam sendo construídos no decorrer da
dança. Estas ideias devem ser ampliadas com outras sugestões dos próprios
participantes.
3. Algumas hipóteses: como estaria vestida a Primavera? As pessoas estariam
dormindo com sua chegada? Em que espaços? Enquanto ela entra, alguns
podem repetir de diferentes modos a primeira estrofe. Depois outros versos e
estrofes podem ser livremente repetidos.
4. Pode-se, também, articular poema, dança e canção: tendo em vista que o poema
é formado por versos de sete sílaba, sua musicalização não é das mais difíceis.
Poder-se-ia cantar o poema enquanto se faz a encenação. Outra hipótese é fazer
a encenação tendo como música de fundo “A primavera”, uma das composição
de As quatro estações, de Vivaldi. (PINHEIRO, 2016, p. 22)

Outros poemas, de diferentes poetas poderiam ainda ser lembrados para o professor
– leitor levar à sala de aula. Indicamos alguns deles: “Dança do ventre”, de Cruz e Sousa;
“O grande circo místico”, de Jorge de Lima; “Aurora”, de Carlos Drummond de Andrade;
“Mensagem”, de Mário Faustino; “Marabaxo”, de Raul Boop; “Meninos carvoeiros”, de
Manuel Bandeira; “Dança cósmica” e “Dança bárbara”, “A bailarina”, de Cecília Meireles;

18
“Bailado das ondas” e “Dança de filhas do terreiro”, de Gilka Machado; “Estudos para
uma bailarina andaluza”, de João Cabral de Melo Neto; “Sombra e luz” (I – Dança.
Deus!)”, de Vinícius de Moraes, dentre tantos outros. O número de poemas é significativo
e pode, portanto, ser trabalhado em blocos. Por exemplo, os poemas de Gilka Machado e
os de João Cabral de Melo Neto podem ser comparados enfatizando diferenças relativas à
linguagem, ponto de vista, erotismo e etc.
Até aqui nos detivemos em exemplos lançando mão da poesia, mas também deve-
se convocar a narrativa e a dramaturgia para ampliar as possibilidades de diálogo. Por
exemplo, Machado de Assis, tem um conto denominado “Terpsícore”, nome da musa da
dança. Buscar o mito da musa da dança e compará-lo com o conto pode render também
boas reflexões. Pode ainda trazer quadros da pintura de Terpsícore e discuti-los, bem como
outros quadros, como as bailarinas de Degas e discutir possíveis aproximações e
distanciamentos com os poemas lidos.
Saindo da literatura brasileira, também pode-se sugerir a leitura da peça A fanfarlô,
de Charles Baudelaire, cuja personagem central é uma bailarina. Ou ainda os vários
poemas voltados para danças fúnebres que, desde a idade média, alimenta o imaginário de
muitos leitores.
Diante de um conjunto significativo de textos, a abordagem comparativa pode
estimular a observação das várias visões que se tem de dança – o que têm em comum, em
que se diferenciam, que dimensões humanas são enfatizadas, que ritmos são convocados,
que imagens são trabalhadas. Pode nascer da aproximação com esta diversidade de textos o
desejo de criar alguma coreografia a partir dos poemas. Uma imagem, um gesto, um ritmo
pode acionar o desejo de expressão corporal. Nesta perspectiva pode surgir um
significativo diálogo com a música e com determinadas canções de nossa MPB, como
veremos no tópico sobre poesia, música e canção.
Por fim, ainda uma reflexão de Garaudy (1980, p. 14) e, a seguir, um dístico de
Mario Quintana: “Dançar é, antes de tudo, estabelecer uma relação ativa entre o homem e a
natureza, é participar do movimento cósmico e do domínio sobre ele.”
Um poema de Quintada nos coloca diante da relação poesia/dança/vida de modo
singular?

O BAILARINO
Não sei dançar.
Minha maneira de dançar é o poema.

19
O poeta gaúcho coloca a questão da particularidade que cada indivíduo traz para se
expressar. Neste sentido, cada um tem o seu próprio modo de dançar. Não está posto aqui
nestas proposições a ideia de competição, antes de percepção, e, possivelmente,
interpretação de textos diversos, sempre atento a seus contextos, favorecendo o diálogo
entre leitores e até a possível expressão corporal de alguns5.

4.2. Literatura e cultura popular

Os diálogos entre literatura e cultura popular são muitos e diversos. Uma


perspectiva mais tradicional, com certo ranço de preconceito, tendia a considerar as
manifestações artísticas de origem popular como pouco elaboradas, rústicas, e, portanto,
menos significativas. Usava-se, muitas vezes, um critério advindo da escrita para julgar
obras ou produções que lançavam mão de outros recursos expressivos, como a
performance, por exemplo.
Situamos aqui a literatura de cordel como uma das manifestações da cultura popular
que lança mão do suporte escrito, no caso, o folheto, mas cuja linguagem está permeada
pela oralidade. Como afirma Ayala, (1997, p. 168),

A literatura popular, como as outras práticas culturais, se nutre da


mistura. Seu fazer precisa da mescla, e esse processo de hibridização
talvez seja um dos seus componentes mais duradouros e mais
característicos. O sério mesclado com o cômico; o sagrado, com o
profano; o oral, com o escrito; elementos de uma manifestação cultural,
transpostos para outra; o que é transmitido através dos meios de
comunicação, oral ou escrito (rádio, televisão, jornal) e, ainda, por meio
de livros, pode vir a alimentar versos e narrativas populares orais ou
escritos, sendo antes ajustados à sua poética.

Como se vê, esse traço que a pesquisadora denomina de hibridização se constitui


como característica básica dessa literatura e, portanto, abre-se para as mais diversas formas
de comparação.
Nossa experiência de colocar em diálogo a literatura e a cultura popular lançou
mão, quase sempre, da literatura de cordel. Mas, por certo, há outros caminhos, com outras
manifestações de tradição oral e popular. Em Cordel no cotidiano escolar..., Marinho e
Pinheiro (2012, p. 117), ao comentarem sobre as “adaptações e recriações” de obras

5
O mediador pode sugerir ou mesmo levar para sala de aula vídeos de diferentes formas de dança, como
balés, dança moderna, danças ditas folclóricas, danças de grupos locais, etc. O objetivo seria chamar a
atenção diferenças e aproximações entre elas.

20
literárias, afirmam que uma abordagem adequada “deveria propiciar um encontro das
obras”, ou seja, “ler o original e a recriação do poeta e procurar discutir questões como: em
que aspecto as narrativas se encontram? Em que se distanciam? O poeta popular optou por
uma mera transcrição da obra ou enfatizou certos aspectos e deixou outro na sombra?”
As possibilidades de comparação entre nossa literatura e a literatura de cordel são
os mais diversos e podem envolver diferentes gêneros, como atestam algumas pesquisas já
realizadas6. Pensando especificamente na sala de aula, elencamos algumas possibilidades
de estabelecer um diálogo em que não privilegie o texto de origem erudita, retomando-se
aqui as reflexões de Carvalhal anteriormente citadas. Passemos a algumas sugestões:

I - Adaptação de narrativas canônicas

A adaptação ou recriação de obras canônicas por cordelistas é bastante antiga. Um


exemplo clássico é a da peça Romeu e Julieta, de Willian Shakespeare, pelo poeta João
Martins de Ahtayde, no início do século XX. Refletindo sobre esse procedimento, Márcia
Abreu (2004, p. 201) lembra que: “Estudando-se as alterações introduzidas nas narrativas,
percebesse claramente que os dois grupos de textos – originais e adaptações – requerem
habilidades bastante distintas para sua compreensão e apreciação.” Isto significa que não se
pode avaliar estas produções a partir de uma perspectiva específica da produção para ser
lida noutro contexto.
O procedimento de adaptar obras clássicas ganhou força neste início de século, uma
vez que a escola vem se tornando o espaço de maior divulgação dos folhetos e acredita-se
que este procedimento pode, de algum modo, contribuir para a formação de leitores.
Portanto, o leque de romances – nacionais e estrangeiros -, contos de fadas, fábulas, peças
teatrais e até narrativas orais populares adaptados é enorme. O procedimento comparativo
deveria levar em consideração:
a) A oralidade marcante na literatura de cordel. Trata-se de uma literatura produzida
para ser lida, ser pronunciada, desde seu nascedouro;
b) Destacar níveis de fidelidade ao texto original, mas não como critério absoluto.
Muitas vezes o cordelista faz cortes, mas também chama a atenção para algum aspecto

6
Algumas dissertações de mestrado do POSLE-UFCG lançaram mão de abordagens comparativas.
Destacamos a pesquisa de FARIAS (2010), em que são experimentadas as leituras do conto “A volta do
marido pródigo”, de Guimarães Rosa e os folhetos O Testamento de Cancão de Fogo, de Leandro Gomes de
Barros, publicados no livreto intitulado Vida e testamento de Cancão de Fogo (2006) O experimento foi
realizado com uma turma de terceiro ano do ensino médio e se constitui num exemplo de como se pode
realizar, na sala de aula, abordagem comparativa.

21
que, no texto base, não foi explicitado. Sempre é importante lembrar que o cordelista
necessita de realizar um grande trabalho de concisão, o que efetivamente pede cortes.
c) Observar se o poeta/poetisa confere à adaptação algum elemento de cor local – por
exemplo, comidas, espaços, falas, dentre outros aspectos. Se revela uma atitude
preconceituosa com relação a personagens, grupos, lugares etc.
d) Também pode ser observado se o autor procedeu a algum comentário sobre a
narrativa, colocando-se, algumas vezes, como narrador em terceira pessoa. Outra
hipótese é se censura ações das personagens e o que o motiva; se constrói numa
linguagem mais poética algumas passagens, etc.
e) Observar se realizou algum acréscimo ao enredo, se ampliou o número de
personagens ou mudou suas ações/funções, etc. Ou ainda, se conferiu algum caráter
poético à narrativa, uma vez que a adaptação está voltada para a linguagem poética.
f) Como procedimento de leitura em sala de aula, pode-se cotejar trechos da narrativa
e do folheto e promover um debate entre os leitores.
Cada narrativa pedirá uma leitura comparativa peculiar, portanto, estas indicações
devem servir para despertar o professor-mediador, e não como um roteiro fechado.
Segue abaixo um conjunto de dez obras literárias adaptadas para o cordel. Algumas
delas têm mais de uma adaptação. A indicação é para o leitor que não conhece essa
tradição e que tenha interesse de conhecê-la, estudá-la e/ou leva-la para sala de aula7.

Obra/Autor Obra/Cordelista(s)

A escrava Isaura em cordel - Varneci


Escrava Isaura – Bernardo Guimarães Nascimento

Menino de Engenho – José Lins do Rego Menino de Engenho – Jahnduí Dantas

O tronco do Ipê – José de Alencar O tronco do Ipê - Rouxinol de Rinaré

A cigarra e a formiga – La Fontaine xxxxx- Manoel Monteiro;

As aventuras de Robson Crusoé – Daniel As aventuras de Robson Crusoé em cordel


Defoe – Moreira de Acopiara;

7
A pesquisa de Irany André L. de Souza (2018), em sua dissertação de mestrado traz um levantamento
minucioso de adaptações de folhetos. O trabalho fornece subsídio para quem deseja conhecer melhor esse
diálogo entre literatura.

22
Otelo – W. Shakespeare Otelo e desdêmona – Arievaldo Viana
O mouro de Veneza – Maria Godelivie

Os três mosqueteiros – Alexandre Dumas Os três mosqueteiros em cordel –


Klévisson Viana

Gabriela – Jorge Amado Gabriela em cordel – Manoel D’Almeida


Filho

xxxx - Leon Tolstoy As três verdades de Deus – Janduhi Dantas

II - Recriação de cenas e personagens de folhetos

Outra possibilidade de abordagem comparativa refere-se à retomada de temas,


motivos e até mesmo de cenas e personagens da literatura de cordel por obras canônicas. O
exemplo mais conhecido é a construção da peça O auto da compadecida, de Ariano
Suassuna, em que retoma cenas de dois folhetos de Leandro Gomes de Barros, O dinheiro
e O cavalo que defecava dinheiro, bem como a narrativa popular “O castigo da soberba”,
recolhido nas primeiras décadas do século XX por Leonardo Mota (1976, p. 145). Além
dessa retomada, há a presença da personagem João Grilo, que remonta longa tradição oral
e que é personagem central em um dos folhetos mais populares, As proezas de João Grilo,
de João Ferreira de Lima/João Martins de Athayde.
No âmbito do romance, Clotilde Tavares escreveu A botija, em que
personagens e situações do folheto Romance do pavão misterioso, de José Camelo de Melo
Rezende/João Melquíades são retomados e recriados. Outros romances, contos e peças que
poderiam ser abordadas desta perspectiva são: O casamento suspeitoso, de Ariano
Suassuna, que retoma a personagem Cancão, que dá título a dois folhetos de Leandro
Gomes de Barros (Testamento de Cancão de Fogo).

III - Comparação entre obras

Neste âmbito, as possibilidades de análise comparativa são grandes e significativas.


A nossa literatura infantil e juvenil fornece material para inúmeras pesquisas. Em artigo
publicado na revista Serrados, Rodrigues e Alves (2016) comparam o romance juvenil A
casa da madrinha, de Lygia Bojunga Nunes, com o folheto Viagem a São Saruê, de
Manoel Camilo dos Santos. O elemento norteador da abordagem comparativa é a temática

23
da utopia, que tem presença marcante nas duas obras. Mas também observam diferenças,
como as personagens, os espaços e a linguagem.
Ainda no campo da literatura infantil, um estudo comparativo mais detido entre as
seguintes obras: Os colegas, de Lígia Bojunga Nunes, Os saltimbancos, de Chico Buarque
de Holanda; o conto Os músicos de Bremen, de Grimn e o folheto A greve dos bichos, de
Zé Vicente. Pode-se estudar, por exemplo, a lenda do Saci e sua retomada por Monteiro
Lobato em obra com o mesmo nome e A turma do Pererê, de Ziraldo e alguns folhetos que
retomam o tema.
A poesia infantil também pode ser abordada comparativamente entre as crianças.
Por exemplo, livros de poemas voltados para animais diversos, como Olha o bicho, de José
Paulo Paes, Televisão da bicharada e A dança dos pica-paus, de Sidónio Muralha, além de
poemas da tradição oral e popular. Duas antologias recolheram inúmeros poemas desta
tradição: Pássaros e bichos na voz de poetas populares e Outros pássaros e bichos na voz
de poetas populares, organizadas, respectivamente, por Pinheiro (2003) e Pinheiro e
Soares (2013). A poesia infantil oferece um lastro de possibilidades de apreciação
comparativa em sala de aula. Um viés poderia ser os poemas que tratam de animais:
jacarés, tatus, pássaros diversos são retomados poeticamente por dezenas de poetas e
poetisas. A consulta a antologia Poesia fora da estante, organizada por Vera Aguiar
(2002), dividida por temas e aspectos formais, pode também ser abordada numa
perspectiva comparativa.
No trabalho com a criança, o que nos parece essencial é acostumá-la com a
musicalidade típica da tradição oral, presente, sobretudo, nos versos de sete e cinco sílabas,
com predominância do primeiro, e as rimas, aliterações e assonâncias. Os mesmos recursos
comparecem em grande parte das obras que não são de extração popular 8. O diálogo da
literatura em geral e a literatura popular é ainda pouco trabalho no universo da escola.
Muitas destas sugestões podem ser realizadas em sala de aula, através da leitura e
discussão com as turmas. Os próprios leitores vão descobrindo aproximações diferenças,
peculiaridades de linguagem. Uma sugestão final seria a leitura comparativa entre o folheto
Viagem ao céu, de Leandro Gomes de Barros, Viagem a São Saruê, de Manoel Camilo dos
Santos, Viagem à santa vontade, de Maria Godelivie e a narrativa infantil A casa da
madrinha, de Lygia Bojunga Nunes. No âmbito da literatura infantil sobretudo a narrativa,
8
O tema comporta pesquisas acadêmicas, como se pode observar nos artigos de ALVES ( ) que compara a
poesia infantil às sextilhas populares e ainda ALVES (2016) em que compara folhetos de ABC com poemas
infantis que também tematizam o alfabeto.

24
várias são as possibilidades de análise comparativa. Por exemplo, Cantaarim de cantará,
de Sylvia Orthof e Morte e vida serverina, de João Cabral de Melo Neto; o drama de xxxx,
de Bem do seu tamanho, de Ana Maria Machado, pode suscitar uma comparação com
Raquel, de A bolsa amarela, de Lígia Bojunga Nunes.

4.3. Temática da velhice:

A velhice é um tema bastante complexo e sua abordagem em sala de aula pode


favorecer um diálogo entre várias áreas do saber. Muitas perguntas podem nortear essa
possibilidade de trabalho: O que é a velhice ou como ela é vista da perspectiva biológica,
sociológica e psicológica? Historicamente, como ela foi caracterizada em diferentes
momentos e sociedades? Juriidicamente, na atualidade, que leis protegem a velhice? Que
direitos lhes são assegurados? No âmbito das artes, que filmes, romances, peças teatrais
tratam do tema - direta ou indiretamente? Que pinturas ou canções abordam o
envelhecimento?
Discutindo “A velhice - biopolítica , violência, direitos”, Alarcon Agra do Ò (2017,
p. 12, lembra que
Constrói-se, na modernidade, uma espécie de mapeamento geral da
velhice, responsável tanto pela indicação - diagnóstica - daquilo que
define, na presença do outro, o velho, quanto pela demarcação de uma
agenda - prognóstica - daquilo que se fazer para envelhecer (ou não) e do
que se deve fazer (ou não) para se envelhecer (ou para fugir do
envelhecimento) da forma correta. Este mapeamento se realiza e se acopla
em séries de práticas discursivas e não-discursivas, nas quais se
materializa o como do poder, ou seja, os regimes de normatividade que
devem ser edificados e difundidos em nome de uma sociedade que,
naquela circunstância, seja entendida por alguém como a mais legítima, a
mais adequada, a mais apropriada.

Estar atento a estas formas de “mapeamento” pode contribuir para a reflexão sobre
o tema. E um caminho possível seria partir-se das diferentes concepções e experiências que
os alunos têm com a velhice. Há, por certo, diferentes velhices. Envelhecer na cidade, no
campo pode ter muitas peculiaridades. Ser velho pobre, com recursos, ser morador de asilo
- tudo traz peculiaridades. E mais, ser velho ou velha também tem suas nuances.
O trabalho com esta temática, no nível médio, por exemplo, poderia partir de outros
textos. No âmbito da narrativa curta, temos: “Viagem a Petrópolis”, de Clarice Lispector,
“Eis a primavera” e “Clínica de repouso”, de Dalton Trevisan, dentre outros. Poder-se-iam

25
também trabalhar a temática a partir da literatura dramática, trazendo para leitura em sala
de aula Os embrulhos, de Maria Clara Machado, Encontro no bar, de Bráulio Pedroso.
No âmbito da canção, temos inúmeras possibilidades: “O homem velho”, de
Caetano Veloso”; “O velho”, de Chico Buarque; “Meu querido meu velho, amigo”, de
Roberto Carlos, dentre outras. Certamente a temática da velhice poderá suscitar inúmeras
outras questões, como de ordem social (a velhice solitária em muitos asilos e nas próprias
residências, etc), econômica (a velhice pobre, desassistida, etc), cultural (a valorização ou
não dos saberes dos mais velhos, as festas, a vida social, a velhice da mulher e do homem,
etc)
Também com as crianças pode-se discutir diferentes concepções e percepções da
velhice, por exemplo, na poesia infantil. Cecília Meireles em “Língua do nhém” nos traz a
temática da solidão da velhinha que “dava sua vida /para falar com alguém.” O poema,
numa perspectiva lúdica, traz a presença dos animais - não de pessoas - como gato,
cachorro, pato cabra e galinha, para dialogar com a velhinha. A brincadeira com a
linguagem, o ludismo revelam uma situação humana exemplar. Ainda de Cecília temos “A
avó do meninó”, que também vive só, “mas se o neto/ vai à casa da avó,/ os dois jogam
dominó”. Roseana Murray escreveu sua “Casa de avó” e Ricardo Azevedo nos legou
vários poemas sobre a temática da velhice associada ao universo infantil. Veja-se “Onde
será que ele está”, “A casa do meu avô”, dentre outras.9
Diante das indicações feitas, o professor pode optar por diferentes caminhos: por
exemplo, quando se trata de um conto ou poema, pode ler em sala de aula, colocar em
discussão, sugerir que tragam exemplos da vida de cada um – com avós, bisavós, pais.
Podem também dialogar com outras disciplinas para ver, por exemplo, como a velhice era
tratada em outros momentos da história, em outras culturas, etc. Aspectos da linguagem
são sempre centrais para se perceber, inclusive, nuances da abordagem temática: como se
dá, em cada texto, o tratamento ao velho(a)? predomina o afeto (que expressões revelam
isto), a violência (novamente, que expressões, ações também confirmam isto), a
indiferença, o desrespeito?

4.4. Infância, poesia e narrativa

9
Dissertação Jéssica Amanda de Souza Silva (2016), em que estuda, dentre outras questões, “Percepção e
representação do idoso na poesia infantil”. A leitura apresenta um número significativo de poemas que
tematizam o idoso em suas relações com crianças.

26
Há na literatura uma diversidade de abordagem da temática da infância. Na tradição
romântica, tende-se a uma espécie de idealização, de tempo de encantamento, como se não
comportasse também a dor, o sofrimento, a incompreensão. Constata-se também
abordagens de caráter social, em que crianças são apresentadas em situação de opressa, de
exploração do trabalho, ete. Importante atentar para essas diversas concepções a partir do
que os poemas e textos narrativos nos apresentam.
Uma compreensão mais contemporânea da infância, chama a atenção, dentre outras
coisas, para o modo como a criança se relaciona com pessoas e com o mundo. Lembra-nos
Damázio (1994) que

A criança se relaciona com o mundo de um modo mais concreto e aberto


porque ela está apreendendo o mundo, está operando traduções da
realidade e criando sentidos. Por isso a criança é um ser supersensível que
está contatando a realidade pela primeira vez. Descobrir é des-velar,
apropriar-se, ou identificar-se com a experiência. (DAMÁZIO, 1994, p.
41)

Atentar para esse modo de ser da criança é importante para se refletir sobre as
diferentes formas de representá-la que aparecem na literatura. No entanto, a infância é um
período relativamente elástico, e uma criança de 4 anos é bem diferente, em alguns
aspectos, de uma de 8 anos, que, por sua vez, difere de uma de 10 ou 12 anos.
A leitura de poemas como “Meus oito anos”, de Casimiro de Abreu, “A infância”,
de Olavo Bilac, “Crianças órfãs”, de Cruz e Sousa, “Infância”, de Carlos Drummond de
Andrade, “O mundo do menino impossível’, de Jorge de Lima, “Lenda no céu”, de Mário
de Andrade, “Desenho”, de Cecília Meireles podem ser lidos e confrontados no que diz
respeito às diferentes situações em que a infância é retratada e diferentes pontos de vista
que enformam cada um deles.
No âmbito da poesia infantil, surgem modos diversos de representar a criança.
Destaca-se a criança brincando, uma forma especial de descobrir o mundo. Por exemplo,
“A bailarina,” “Jogo de bola” e “Colar de Carolina”, de Cecília Meireles, em que o brincar
se destaca.
A poetisa gaúcha Maria Dinorah (1986) em seu livro Panela no fogo, barriga
vazia,traz, muitas vezes, a voz da criança em situação de abandono, de carência. Marisa
Lajolo (2016), no ensaio “Infância de papel e tinta”, chama a atenção para a ausência do
discurso da criança na literatura infantil.

27
Assim, por não falar, a infância não se fala, não se falando, não
ocupa a primeira pessoa nos discursos que dela se ocupam. E,
por não ocupar esta primeira pessoa, isto é, por não dizer eu,
por jamais assumir o lugar de sujeito do discurso, e,
consequentemente, por consistir sempre um ele/ela nos
discursos alheios, a infância é sempre definida de fora.”
(LAJOLO, 2016, p. 324)

Uma ideia seria colocar lado a lado poemas que trazem essas diferentes visões de
criança - com a voz dela e com a voz de um adulto sobre ela. Um exemplo dos poucos
exemplos da primeira opção é a “Canção do menino”, de Maria Dinorah:
Pra falar a verdade,
nunca tive um pijama.
Pra quê,
se nunca tive cama?

Verdade verdadeira,
nunca tive um brinquedo.
apenas tive medo.

Mas hoje há tanto frio,


tanta humidade,
que invento um cobertor
de sol poente,
e um pijama de sonho
em cama quente.

É bom brincar de gente. (p. 15)

Primeiro, a leitura e releitura oral dos poemas e, a seguir, o diálogo sobre possíveis
repercussões que eles possam ter para os leitores. Várias questões podem ser suscitadas:
em que poemas o eu lírico é, de fato, uma criança? O que há de peculiar em sua voz? Que
espaços são acionados? Predomina uma abordagem lúdica ou fantasioso ou ainda um
caráter mais realista?
No âmbito das canções populares temos inúmeras possibilidades: “Meu guri”, de
Chico Buarque”; “Bola de meia, bola de gude”, de Milton Nascimento; “Valsa para uma
menininha”; de Vinícius de Moraes e Toquinho. Inúmeros são os contos em que as
crianças são personagens. Destacamos alguns: “Menino a bico de pena”, de Clarice
Lispector (1996); “Frio”, de João Antônio (2001); “A menina de lá”, de Guimarães Rosa
(xxx). Veja-se a coletânea A morte sem colete, de Lourenço Diaféria ( em que, dentre
várias crônicas, destaca-se “Retrato de guri’, que tematiza a condição da criança em

28
situação de rua. Se tomarmos a narrativa mais longa, uma possibilidade de leitura
comparativa pode-se efetivar com os romances Capitães de areia, de Jorge Amado e
Oliver Twist, de Charles Dickens. O comparativismo entre duas obras de línguas, épocas e
culturas diferentes pede atenção aos dados contextuais, além da proximidade da situação
social representada.
Esta retomada da infância pode suscitar outras nuances, como: questões de ordem
social – são crianças pobres? em que situações são flagradas pelos autores? Questões de
ordem formal: há alguma ligação entre linguagem/ritmo do poema e seu conteúdo? De
ordem étnica: são crianças brancas, negras, indígenas, estrangeiras? Como esta “origem”
está representada?10
Merece destaque, se o leitor deseja encontrar uma antologia de poemas dividida por
temas, a obra Poemas que escolhi para as crianças, organizada por Ruth Rocha (2013).
São quatro núcleos temáticos: “Bichos e bichinhos”, “Meninas e meninos”, “Valentia” e
“Família”. Predominam autores modernos e contemporâneos, mas comparecem também
alguns do século XIX, como Gonçalves Dias Artur Azevedo, Olavo Bilac, dentre outros.
Como o recorte temático já está dado, o trabalho do mediador seria o de ler, debater,
confrontar, pontos de vistas, percepções diversas, dentre outras questões.
Ou seja, um tema pode levar a muitos outros, e detonar o desejo de fazer outras
leituras e, espera-se, além do espaço escolar. Se a abordagem temática, nalgum momento,
desencadear essa busca, já estará contribuindo para a formação de leitores. Um tema
abordado numa obra inicial de um escritor, pode ser retomado em sua maturidade e revelar
nuances novas, inclusive até a negação do que havia afirmado.

4.5. Temática do medo

O medo é uma experiência humana interior de grande significado uma vez que nos
acena com situações de perigo. A sensação de medo pode ocorrer em diferes situações.
Medos particulares, como medo de um inseto, de andar de avião, medo de subir num
elevador, medo de determinadas pessoas, medo de regimes autoritários, o medo de amar,
medo da morte, de ficar sozinho, medo de assalto, medo de ameaças as mais diversas, etc.
Conforme lembra Buzzi (2016, p. 172),

10
Para um conhecimento amplo da temática da infância na poesia brasileira, consulte-se Retratos da infância
na poesia brasileira, de Marcia Cristina Silva (2017).

29
O medo nos comanda! Noite e dia procuramos a riqueza, a força, os
pactos de solidariedade, a prece, a fé e a confiança num poder superior
para nos defender e fugir do que nos ameaça. No castelo da segurança,
feito de mil e um artifícios, transmutamos o medo em audácia e desdém.
Vivemos então temerariamente.

Num ensaio de grande densidade, denominado “Sobre o medo”, Marilena Chauí


(1987) insiste numa pergunta central: “Do que temos medo?”. Depois de perguntar, a
filósofa aponta uma diversidade de medos que nos assolam, sempre recorrendo a
personagens da literatura, da bíblia e textos filosóficos.
Iniciar um trabalho sobre o medo poderia partir da pergunta: “Do que temos
medo?” A partir daí , ampliar o leque de medos que acompanham os participantes com
algumas das elencadas por Marilena Chauí. O primeiro medo que parece que nos assola é o
medo da morte.

E de todos os males que possam simbolizá-la, antecipá-la, recordá-la aos


mortais. Da morte violenta, completaria Hobbes. De todos os medos, entre
reais e imaginários que sabemos ou cremos dotado de poder de vida e de
extermínio: da natureza desacorrentada, da cólera de Deus, da manha do
Diabo, da crueldade do tirano, da multidão enfurecida; dos cataclismos, da
peste, da fome e do fogo, da guerra e do fim do mundo. (CHAUÍ, 1987, p.
36)

Além da morte, outros medos nos rondam, como o “medo do grito e do silêncio; do
vazio e do infinito; do efêmero e do definitivo; do para sempre e do nunca mais” (Idem, p.
36), Temos também “medo da delação e da tortura, da traição e da censura.” Medo da
várias formas de violência, medo “da loucura roubando a placidez das simples coisas
mesmas” (p. 38). “Desde sempre, em toda parte, tem-se medo do feminino, do mistério da
fecundidade e da maternidade, “santuário estranho”, fonte de tabus, ritos e terrores.” (p.
38) E a filósofa ainda aponta o “medo da fala mansa do inimigo, mas muito mais, quão
mais, do inesperado punhal a saltar na mão há pouco amiga para trespassar nosso aberto
peito ou pelas costas nos aniquilar.” (p. 39). Conversar sobre essa diversidade de medos
elencados, destacar os que conhecemos, os de que nem sequer suspeitamos e depois
adentrar os textos literários.
Dentre os poemas de nossa tradição literária que tratam do medo, chama-nos a
atenção “O medo”, “Congresso internacional do medo”, de Carlos Drummond de Andrade.
A leitura detida dos poemas, atentando para a força das imagens favorece uma percepção
mais acurada do tema. Por exemplo, pensar em que sentido o medo “esteriliza os abraços”.
Como cada um atribui sentido a ela? Também sugerimos a leitura de “O poema pouco

30
original do medo”, de Alexandre O’Neill e “O medo”, de Manuel António Pina. Cecília
Meireles abordou o tema em vários poemas. Destacamos “Tu tens medo” e “De que são
feitos os dias”. Há também no nosso cancioneiro popular várias abordagens do tema. A
canção “O medo de amar e o medo de ser livre”, de Beto Guedes e “Pequeno mapa do
tempo”, de Belchior, que pode funcionar também como uma entrada na temática, uma vez
que o poeta elenca seus diversos medos. O poeta paraibano Sérgio de Castro Pinto (2017)
deixou-nos seu “Sobre o medo”, que, como vemos, retoma a temática numa perspectiva do
contexto político da ditadura militar; no entanto, os sentidos do poema, sobretudo pela
riqueza de imagens que aciona, vai além deste dado contextual.

o medo e a enregela.
se aloja na medula
como um cubo com o medo
de gelo. aprendi o ofício
de armazenar as palavras
o medo como num frigorífico
se infiltra no tinteiro
e o congela. com o medo conservo:
dez mil palavras
o medo abaixo de zero.
se instala na palavra (p. 169)

A poetisa gaúcha Lara Lemos, em seu Inventário do medo, nos oferece um número
significativo de poemas que retratam, liricamente, a situação de sujeitos perseguidos,
condenados, prisioneiros também do período da ditatura militar no Brasil. O caráter de
denúncia, de resistência preside toda a obra.
Pode-se, por fim, trazer narativas que suscitem o medo ou que narrem experiências em
que se enfrentou o medo. Neste sentido, veja-se O livro dos medos, organizado por Heloísa
Prieto (1998), com narrativas de Milton Hatoum, Mirna Pinsky e outros. Importante lembrar,
que o tema do medo está, muitas vezes associado à coragem, outro viés interessante a ser
discutido em sala de aula.
Pode-se, por fim, trazer narrativas que suscitem o medo ou que narrem experiências
em que se enfrenta o medo. Neste sentido, veja-se O livro dos medos, organizado por Heloísa
Prieto (1998), com narrativas de Milton Hatoum, Mirna Pinsk, dentre outros. Importante
lembrar que a temática do medo está, muitas vezes, ligada à coragem, ao enfrentamento, o que
já seria outra temática a ser explorada.

31
4.6. A solidão é fera

Discutimos e indicamos alguns poemas sobre a solidão em nossas sugestões para


leitura na antologia Poesia brasileira: das origens ao Pré-modernismo (PINHEIRO, 2017). A
solidão se constitui num sentimento que assola o ser humano em diferentes situações. Como
assinala Buzzi (2006), a solidão em si não é uma experiência negativa.

Em seu sentido próprio, solidão não significa isolamento, mas busca de


formas diferentes e superiores de comunicação, esforço de transcender os
liames padronizados, para estar junto a si, aos outros e às coisas na novidade
de cada instante. Para tanto, o pensamento deve ir ao deserto, esvaziar-se dos
preconceitos e até da ciência. (BUZZI, 2006, p. 185)

Na mesma perspectiva, mas chamando a atenção para outros aspectos, Gikovate


(1998) lembra que “a palavra solidão é usada para descrever o sentimento correspondente ao
que vivenciamos quando deixamos de ter certo tipo de proteção e aconchego” (GIKOVATE,
1998, p. 188) Para o psicólogo, essa sensação “deriva, para a maior parte das pessoas, apensa
do que vivenciamos durante uma transição, do que sentimos durante a ruptura de algum elo
que nos atenuava a dor do desamparo (p. 188). Ele atribui à solidão um significado mais
profundo, uma vez que ela “é a nossa condição de indivíduo levada às últimas
consequências”. Sente sentido, afirma:

(...) fica cada vez mais claro para mim que nossa identidade, aquilo que
poderíamos chamar do eu no pleno sentido da palavra, só se forma mesmo a
partir de uma substancial experiência de estar só. É, pois, a última e não a
primeira instância a se formar de verdade dentro de nós. (...) Solidão é a plena
aceitação de nossa individuação. (GIKOVATE, 1998, p. 190)

Em um dos tópicos de sua reflexão está posto: “Ser só ainda é motivo de vergonha”. A
partir daí, reflete sobre as pressões sociais para que as pessoas, sobretudo as mulheres, se
“comprometessem e se casassem o mais cedo possível”. E arremata:

A sociedade desencorajava, pois, aquelas pessoas mais aventureiras e sem


grande vocação para o matrimônio e para uma vida semelhante a de todos.
Havia forte pressão para que vivêssemos de forma igual. Não existia espaço
para figuras originais e nem a menor preocupação com as peculiaridades de
cada um: todos deveriam se adequar a um mesmo molde. (GICOVATE,
1998, p. 193)

O autor reconhece que estas percepções estão mudando - sua reflexão é do final do
século XX, mas sabemos que há, ainda, muito preconceito explícito ou velado contra quem
32
foge a determinados padrões. Discutir esta questão, a partir de textos literários e da própria
experiência dos leitores - comparando exemplos trazidos, pontos de vista - por certo
contribuirá para se ter uma visão mais humana e menos preconceituosa.
Um módulo sobre esta temática poderia iniciar com uma visão mais positiva da
temática, como comparece na crônica “Da solidão”, de Cecília Meireles. Após referir-se às
pessoas que “sofrem do mal da solidão”, pergunta: “haverá na terra verdadeira solidão? Não
estamos todos cercados por inúmeros objetos, por infinitas formas da Natureza e o nosso
mundo particular não está cheio de lembranças, de sonhos, de raciocínios, de ideias, que
impedem uma total solidão?” (MEIRELES, 1998, p. 35) A seguir como que aponta um
caminho para se buscar uma ligação mais efetiva com as coisas visando superar a sensação de
ausência: “Tudo é vivo e tudo fala, em redor de nós, embora com vida e voz que não são
humanas, mas que podemos aprender a escutar, por muitas vezes essa linguagem secreta ajuda
a esclarecer o nosso próprio mistério.” (p. 35) Para tanto é preciso fazer-se de certo “modo
videntes”.
Vinícius de Moraes também nos legou uma crônica com o mesmo título em que indaga
sobre qual seria a maior das solidões? E aponta alguns exemplos: “Os grandes momentos de
solidão, a de Jó, a de Cristo no Horto, tinham a exaltá-la uma fé. A solidão de Carlitos,
naquela incrível imagem em que ele aparece na eterna esquina no final de Luzes da cidade,
tinha a justificá-la o sacrifício feito pela mulher amada.” (MORAES, 1987, p. 565). A citação
abre-se para outras abordagens comparativas a partir das personagens citadas. Para o poeta, “a
maior solidão é a do ser que não ama”. E conclui: “A maior solidão é a do ser que se ausenta,
que se defende, que se fecha, que se recusa a participar da vida humana. A maior solidão é a
do homem encerrado em si mesmo, no absoluto de si mesmo, e que não dá a quem pede o que
ele pode dar de amor, de amizade, de socorro.” Está posto, portanto, um ponto de vista que
poderá gerar boas discussões.
Poderia, inicialmente, ler as duas crônicas e confrontar pontos de vista, linguagem e
outros elementos levantados pelos leitores. A seguir, trazer outros textos, como “O boi”, de
Carlos Drummond de Andrade (xxx), comparado, por exemplo, aos poemas “Solidão” (p. 60),
de Gonçalves Dias e “Solidão” (p. 77), de Álvares de Azevedo. Sempre é bom lembrar que as
comparações devem levar em conta a época da publicação das obras e os contextos.
O tema é também recorrente em vários contos do mineiro Luiz Vilela: “Luz sob a
porta”, “Solidão” e “Lembrança”. A temática, nos contos do escritor mineiro, como se vê,
cruza com outras abordadas noutros tópicos aqui apresentados, como a velhice, por exemplo,
que em “Luz sob a porta” comparece de modo contundente.
33
Na canção, destacamos “Solidão”, de Alceu Valença e a “Dança da solidão”, de
Paulinho da Viola, na interpretação do próprio compositor ou, mais recentemente, de Marisa
Monte. Uma obra prima da canção é “Solidão”, de Tom Zé, cuja riqueza de imagens para
referir-se ao sentimento da solidão é dos mais significativos, como se pode observar nos
versos: “Solidão, que poeira leve/ solidão olha a casa é sua”; ou ainda: “E de soluço em
soluço esperar/O sol que sobe na cama/E acende o lençol”. Chamar a atenção para a
expressividade de determinadas imgens é um importante modo de contribuir para a educação
literária dos leitores.
O professor tanto poderá discutir/comparar poemas e canções a partir de gêneros ou
cruzando os diferentes textos e da própria percepção dos leitores.

4.7. De olho no beijo

Uma definição de beijo posta em dicionários, afirma ele é “o ato de tocar


primeiramente, os lábios sobre pessoa, animal ou objeto querido”; “geralmente para
demonstrar carinho, afeto, etc.” Trata-se, portanto, de um gesto do corpo que tem um sentido
tanto para quem dá quanto para quem o recebe. Pressupõe-se sempre o ato de beijar é eivado
de afeto, tanto que, quando usado para enganar gera, normalmente, repulsa, conforme o
conhecido beijo de Judas.
O beijo é representado de diferentes modos e em diferentes artes. No poema inicial do
Cântico dos Cânticos, da Bíblia, temos a convocação do amado para o beijo: “Beija-me com
os beijos da sua boca!/ Teus amores são melhores que o vinho,/ o odor do teu perfume é
suave”. (BIBLIA DE JERUSALÉM, 1985, p.1185)
Em nosso universo poético, mais uma vez se destaca a produção da poetisa Gilka
Machado. Seu poema “O beijo”, pode ser um dos primeiros a serem lidos. O professor poderá,
após a leitura e releitura oral, situar um pouco a poetisa, tendo em vista que sua obra é ainda
muito pouco conhecida. O período de publicação do poema, por exemplo, é a segunda década
do século XX, portanto, a condição da mulher à época, era marcada pela dominação, por não
poder expressar seus desejos, por não ser considerada apta a votar, entre outros limites
imposto à mulher naquele momento histórico. Caso haja alguma dificuldade de apreciação e
apreensão do poema, chamar a atenção para as imagens acionadas e como elas se ligam a
diferentes sentidos. Por exemplo, as metáforas acionadas pela poetisa para definir o beijo e o
caráter sensitivo que muitas delas assumem. Por exemplo, as imagens da “ave”, da “vespa”,
da “flor da luxúria”, “pomo da árvore da alma”, dentre outras.

34
Feita a aproximação do poema de Gilka Machado, poderia ler os poemas “Canção”
(Mandaste a sombra de um beijo) e “O beijo” (“Quando a moça lhe estendeu a boca”), de
Manuel Bandeira. Primeiro, atentar para as diferenças entre os dois poemas de Bandeira – por
exemplo, no primeiro, a fala em primeira pessoa, ou seja, o eu lírico assume o dito e no
segundo o poema é construído ao modo de um relato, lançando mão de uma espécie de
terceira pessoa, trazendo a perspectiva mais pessoal apenas no verso final. Que efeitos esse
modo de construção poder ter? Que experiências são mostradas?
A seguir, comparar os poemas de Manuel Bandeira e Gilka Machado atentando, entre
outras coisas, para o ponto de vista, as imagens, os sentidos acionados e se pode falar de
alguma diferença entre o modo de trazer a experiência entre um eu lírico feminino e outro
masculino.
Inúmeros poemas podem ser levados à sala de aula para apreciação. Destaco “Canção”
(“Dá-me pétalas de rosa”) e “Um beijo” (“Foste o beijo melhor da minha vida”), de Olavo
Bilac; “Perfídia”, de Francisca Júlia; “Relógios e beijos”, de Álvares de Azevedo, dentre
outros de nossa tradição lírica. Atentar para a força que contém os poemas de Bilac, poeta
muitas vezes encaixados no estilo parnasiano, mas que , no entanto, criou imagens fortes para
expressar a experiência com o beijo. Como assinalou Marisa Lajolo (1985), “A temática
amorosa bilaquiana percorre todas as gamas de um lirismo adulto e vigoroso” (p,13), uma vez
que “é uma alegre e saudável canção de amor (...) realizado bem longe dos píncaros celestes
da via láctea como um pálio aberto, mas em noites e alcovas rescendendo a rosas” (p. 13)
Nosso cancioneiro é repleto de poemas que tratam, a partir de diferentes perspectivas,
a temática. Em experiência de sala de aula, solicitamos que os alunos trouxessem canções, de
diferentes épocas, para ler-cantar e colocar em confronto: o que há de comum e de
diferenciado entre elas. Por exemplo, pode haver um erotismo mais ou menos explícito, um
tom mais contido ou mais direto, etc.
Outra possibilidade seria o trabalho com a narrativa literária e a narrativa fílimica.
Beijos famosos de filmes de épocas diversas para serem confrontados. Lembremos apenas o
conto “O primeiro beijo”, de Clarice Lispector, que pode estimular além do debate sobre o
conto em si, possível pontes com poemas anteriormente apontados. Por fim, trazer telas de
pintores de diferentes épocas bem como a estatuária – a famosa escultura do “Beijo”, de
Rodin, por exemplo, dentre outras.

4.8. O homem e os animais

35
A vivência e a percepção dos seres humanos para com o animais é das mais ricas e
variadas. Como lembra Bradesco-Goudemand (1982, p. 5), “A literatura está cheia de
histórias sobre animais; muitos escritores dedicam-se a esses companheiros próximos ou
distantes, cujos costumes pintaram (...). Em sua pesquisa sobre o bestiário na literatura
popular no nordeste brasileiro, a pesquisadora elenca vários ciclos: A) dos animais, que
compreende “O vaqueiro, o boi e o cavalo”, “A cabra e o bode”, “os animais predadores (...)”,
“as brigas de galo”, “o gato e o cachorro”, “o jogo do bicho”. B) O ciclo maravilhoso em que
constam “monstros e o dragões”, a “bela e a fera e a besta sem nome”, “os encantamentos –
os pássaros”, “os encantamentos – o cavalo e “o burro que defecava ouro”. Temos ainda o
“ciclo satírico”, “as metamorfoses”, motivadas sobretudo pela maldade. Todos estes tópicos
são acompanhados de uma grande quantidade de indicações obras que podem ser retomadas
numa perspectiva comparatista em sala de aula.

Bradesco-Goudemand (1982) lembra ainda que

A poesia popular reflete (...) a metalidade peculiar do cantador, intérprete e


reflexo do povo: frescura de invenção, imaginação, riqueza verbal, senso do
achado pitoresco, mistura de ingenuidade e malícia, fé, sinceridade, senso
moral, e, muitas vezes, uma equilibrada dosagem de lirismo e rudeza.
(BRADESCO-GOUDEMAND,1982, p. 14)

Destaque-se, entre a tradição mais ocidental, as mais diversas experiências com os


cachorros. Duas perspectivas, basicamente, presidem a escritura destas vivências: a) a
alegorização dos animais, que ocorre em fábulas e narrativas mais longas; b) o relato de
experiências pontuas com animais domésticos, sobretudo com cachorros.
Apontaremos algumas narrativas que têm como fulcro a profunda interação de pessoas
com cachorros. O primeiro texto que trazemos é o folheto de cordel O cachorro dos mortos,
de Leandro Gomes de Barros. Trata-se de uma narrativa em verso em que a paixão e
fidelidade do animal será determinante para desvendar o assassinato de seus donos. Outra
narrativa, agora em prosa, e de grande força, é “A disciplina do amor”, de Lígia Fagundes
Teles (xxxx). A espera diária de seu dono, que partiu para a guerra, se constitui no fulcro
desta tocante narrativa. Dalton Trevisan (xxx), por sua vez, deixou-nos dois contos curtos e
intensos, “Firififi” e “O fim da Fifi”. Cada um traz um certo momento da convivência com a
cachorrinha – que vai da infância à adolescência da menina e da infância à velhice de Fifi.
Uma abordagem comparativa entre esses diferentes textos poderá partir da própria
experiência dos leitores com estes animais. A partir daí, ir discutindo os diferentes modos
como as experiências são figuras e os sentidos que assumem para cada leitor. Enveredar aqui
36
pela linguagem pode ser um caminho para importantes descobertas. Por exemplo, observar a
adjetivação, imagens cunhadas, ações recíprocas ou não. Discutir a própria concepção de
fidelidade que sempre vem associada aos cães.
Uma página clássica de nossa literatura é “Cachorra Baleia”, do livro Vidas secas, de
Graciliano Ramos. Aqui, o animal contribui para a própria sobrevivência da família, tradição
forte para o homem do campo que muitas vezes cria os chamados cachorros caçadores.
Um material de grande utilidade é a antologia Os melhores contos de cães & gatos,
organizada por Flávio Moreira Costa (2007). São certa de 40 narrativas, de autores das mais
diversas literaturas, com importante representação da literatura brasileira. A obra divide-se
em duas partes: “Contos caninos” e “Contos felinos e abre-se com o clássico “Argos, o cão de
Ulisses”. Esse material abre-se para inúmeras possibilidades comparativas, levando-se sempre
em conta, aspecto como época de publicação, recursos estilísticos, caráter alegórico, dentre
outras possibilidades.

4.9. Poesia e guerra

Em dois versos do poema “A bomba”, Carlos Drummond de Andrade (1979) afirma:


“A bomba é uma flor de pânico atormentando os agricultores”, “A bomba é a miséria
conferederando milhões de misérias” (p. 395). O poema é longo e todo construído com
imagens fortes para apontar a destruição advinda das guerras que, quase sempre, têm como
instrumentos de destruição as bombas. Mesmo que, em nosso contexto, não tenhamos há
algum tempo guerras declaradas entre povos e países, é preciso estar atento à experiências
próximas no tempo, como a Segunda Guerra mundial, que detonou muitos dos poemas abaixo
indicados.
Um módulo de leitura comparativa de poemas sobre a guerra poderia ser articulado ao
ensino da História. Pode-se comparar, por exemplo, o modo como um poema de Carlos
Drummond de Andrade descreve a cidade de Stalingrado (São Petsburgo), na Rússia, e o
modo como os historiadores se referem aos fatos históricos lá ocorridos. A temática, portanto,
pode se ampliar no diálogo com narrativas que também abordaram a guerra. Há muitos filmes
que podem ser acionados, como, por exemplo, A vida é bela, de Roberto Benigni,
documentários, quadros importantes, como a Guernica, de Picasso e inúmeros outros.
O modo de abordagem pode variar, de acordo com a turma, os objetivos, o acesso a
materiais diversos. Por exemplo, buscar depoimentos de pessoas que viveram – e vivem, pois
muitas guerras estão em andamento – situações de guerra. Informar-se sobre o potencial de
37
destruição da guerra também pode ser um ponto de partida. Por exemplo, o historiador Eric
Hobsbawn, em sua obra Era dos extremos, ao referir-se à Segunda Guerra mundial, afirma:

Suas perdas são literalmente incalculáveis, e mesmo estimativas


aproximadas se mostram impossíveis, pois a guerra (...) matou tão
prontamente civis e pessoas de uniforme, e grande parte da pior matança se
deu em regiões , ou momentos, em que não havia ninguém a postos para
contar, ou se importar. (HOBSBAWN, 1995, p. 5)

Noutro momento, o historiador chama a atenção, além das perdas incalculáveis, para o
modo como ela muda toda a economia de um país;

Temos como certo que a guerra moderna envolve todos os cidadãos e


mobiliza a maioria; é travada com armamentos que exigem um desvio de
toda a economia para a sua produção, e são usados em quantidades
inimagináveis; produz indizível destruição e domina e transforma
absolutamente a vida dos países nela envolvidos. (HOBSBAWN, 1995, p.
51)

Para termos uma visão inicial de um dos caminhos de como poetas e poetisas
apresentam a guerra, observemos uma estrofe de um importante poema de Cecília Meireles
(1994):

Guerra

Tanto é o sangue
que os rios desistem de seu ritmo,
e o oceano delira
e rejeita as espumas vermelhas.

Tanto é o sangue
que até a lua se levanta horrível,
e erra nos lugares serenos,
sonâmbula de auréolas rubras,
com o fogo do inferno em suas madeixas.
(...) (p. 331)

Inúmeros poemas em nossa literatura tratam desta questão. Ainda de Cecília Meireles,
destacamos “Lamento da noiva do soldado” e “Lamento do oficial por seu cavalo morto” . O
poeta Murilo Mendes nos deixou sobre o tema: “Poema de além-túmulo” e “Aproximação do
terror.” Vinícius de Moraes escreveu “Mensagem à poesia”, que articula reflexão
metalinguística às consequências da guerra, a importante poema-canção “A rosa de
Hiroxima” e o poema “Guerra”, que falam da bomba atômica. Carlos Drummond de Andrade
(1979), além dos já citados, legou-nos “Visão 1944”, um dos mais tocantes poemas sobre a

38
guerra em que muitas estrofes se iniciam com os versos: “Meus olhos são pequenos para ver”.
Destaquemos apenas uma estrofe para termos uma percepção inicial:

Meus olhos são pequenos para ver


a fila de judeus de roupa negra,
de barba negra, prontos a seguir
para perto do muro - e o muro é branco. (p.227)

O mediador poderá ajuntar todos estes poemas numa antologia, acrescer crônicas,
canções e ler em sala de aula. Depois discutir a partir de diferentes entradas que os próprios
leitores apontarão. Um caminho sempre profícuo é a linguagem. Por exemplo, as imagens
criadas pelos(as) poetas para falar da guerra – metáforas, metonímias, etc. Esta aproximação
muitas vezes acorda a percepção dos leitores que, nem sempre, diante da leitura são
estimulados. Por último, um dístico de Mario Quintana (xxxx. P..xxx):
GUERRA
Os aviões abatidos
São cruzes caindo do céu.

4.10. Metalinguagem na poesia

A reflexão metalinguística tornou-se praticamente um lugar comum na poesia


moderna e contemporânea. Tematizar o próprio ato de escrever, de fazer poemas, com
destaque para a concepção de poesia a que se está ligado, as dificuldades de expressão, as
frustrações, a denúncia de concepções anteriores, ironia são comuns na poesia moderna. Por
traz desta frequência há, por certo, uma consciência aguda do trabalho com a palavra, da
posição ideológica, dentre outras questões. O confronto de poemas de diferentes autores, da
mesma época ou de diferentes épocas, poderá contribuir para compreender e aprecisar mais
detidamente a poesia.

A retomada do conceito de metalinguagem pode ajudar o mediador a contribuir com a


reflexão. Não acreditamos que se deva partir do conceito, embora o mediador deva conhecê-lo
com clareza. A partir da leitura e releitura dos poemas, pode-se fazer um exercício de
formulação do conceito com os leitores. Retomemos o autor que se dedicou de modo mais
sistemático sobre a “função metalinguística” e cuja obra serviu de esteio para quem veio
depois. Trata-se de Roman Jakbson (1971) que, no ensaio “Linguística e poética”, trata das
diferentes funções da linguagem. O autor se detém na denominada função poética e afirma
que a “função metalinguística” ocorre quando a linguagem “fala da linguagem” (p. 127). A
partir daí, inúmeras pesquisas voltaram-se para o sentidos possível da metalinguagem.
39
Em ensaio pioneiro do início dos anos de 1970, Gilberto Mendonça Teles (1979) ao
refletir sobre “A poesia na crítica”, aponta a presença da metalinguagem na poesia brasileira
do período colonial até o Romantismo, com destaque para a poesia de Gonçalves Dias. Teles
(1979, p. 101/102) aborda a Metalinguagem a partir de “duas atitudes possíveis do poeta em
face de sua concepção literária.”

a) uma exterior, exposta nos textos de crítica, nos manifestos, nos prefácios
(às dos outros ou às suas próprias obras), nas cartas, nos diários,
entrevistas, etc.
b) outra interior, quando a ação criadora se resolve em si mesma e o fazer
poético se estremostra duplo, como tema e exemplo, como poema do
poema – ou metapoema. Observa-se que no passado a atitude
metalinguística é percebida na referência lexical a termos que dizem
respeito à literatura, às artes (música, pintura, canto, dança), à linguagem
(palavra, verbo, sintaxe, etc) e às técnicas poéticas ou retóricas que o
poeta diz estar usando.” (TELES, 1979, p. 101/102)

Indicaremos alguns poemas de caráter metalinguístico de poetas e poetisas a partir de


nosso Modernismo e também poemas de épocas anteriores. Comecemos com Manuel
Bandeira que deixou-nos inúmeros poemas metalinguísticos. Dele destacamos: “Poética”,
“Nova poética” e “O último poema.” Carlos Drummond de Andrade legou-nos inúmeros
poemas metalinguísticos: “Poesia” (“Passei uma hora pensando num verso); “Explicação”, “O
lutador”, “Consideração da poesia” e “Procura da poesia”. Vinícius de Moraes: “Mensagem à
poesia” e “Poética II”. Ferreira Gullar: “Meu povo e meu poema”; “Não há vagas”; “Arte
poética”; “A subversiva” e “Muitas vozes”. A obra da poetisa mineira Adélia Prado é pródiga
de poemas metalinguísticos: só do livro Bagagem, destacamos “Com licença poética”, “Antes
do nome”, “Explicação de poesia sem ninguém pedir” e “Sedução”. Outras poetisas como
Alice Ruiz, Hilda Hilst e Henriqueta Lisboa ostentam em suas obras inúmeros poemas
metalinguísticos.
Várias questões podem ser levantadas a partir da leitura dos poemas. Primeiro, atentar
para o que há de peculiar em cada autor. Questões de forma são discutidas, questionadas?
Questões mais ideológicas? Articulação entre questões formais e ideológicas? Visões
diferenciadas de poesia? Dificuldades no fazer poético? Presença ou ausência da noção de
inspiração? Linguagem mais ou menos complexa, gerando dificuldades iniciais de leitura?
Atualidade de questões levantadas? Possíveis diferenças e/ou aproximações entre poemas que
ostentam um eu lírico feminino e masculino?
No âmbito da canção popular, várias letras apresentam uma dimensão metalinguística
e podem suscitar comparações enriquecedoras. Chico Buarque, em “Corrente”, põe em

40
destaque a função de seu samba e assume um postura reflexiva (“Preciso ser muito sincero e
claro/ Pra confessar que andei sambando errado”). Discutir, por exemplo, os possíveis
sentidos para o verso “Eu acho que meu samba é uma corrente”. Paulinho da Viola, em
“Argumento”, discute possíveis caminhos de “modernização” do samba. O compositor
sustenta o ponto de vista de quem deseja a permanência de alguns instrumentos: “Olha que a
rapaziada está sentido a falta/ De um cavaco, de um pandeiro e de um tambórim.” As duas
canções podem estimular um bom debate sobre o samba - sua tradição, seu lugar nas escolas
de samba, seu ritmo contagiante, etc.
Outra importante figura de nosso cancioneiro que trouxe também sua reflexão sobre os
gêneros musicais que culturais que cultivou foi Luiz Gonzaga. Em “Baião”, o artista se
propõe a ensinar como se dança: “Morena chegue pra cá/ Bem junto ao meu coração/ Agora é
só me seguir/ Pois eu vou dançar o baião.” (cf.xxxx)
Por fim, várias são as leituras deste viés temático na literatura brasileira. A leitura de
alguns ensaios pode fundamentar melhor os professores para o trabalho na sala de aula.
Destacamos a leitura da poesia de João Cabral de Melo Neto por João Alexandre Barbosa
(xxx), xxxxxx, por xxxx

4.11. “Sem a loucura o que é o homem?”

O verso acima é do poema “Dom Sebastião, Rei de Portugal”, do livro Mensagem, de


Fernando Pessoa. Ele traz uma concepção de loucura, dentre tantas, que consideramos
bastante significativa. A leitura do poema, associada à figura histórica do imperador cujo
sonho era maior que sua própria condição. Dimensão utópica do modo como o poeta concebe
o governante? O poema pode ser lido a partir de nossos sonhos, nossos desejos? A voz do
imperador é forte: “sem a loucura o que é o homem/ mais que besta sadia/ cavalo adiado que
procria.”

Quando criança, ouvia muitas histórias de pessoas que enlouqueceram e ficava muito
assustado. Depois, conheci alguns loucos e fui, pessoalmente, mudando o modo de ver a
loucura. Dizia-se “fulano correu doido”, “foi pra Parangaba11”. Isto tudo me assustava
profundamente.
Foi na faculdade que me aproximei da loucura via literatura. O grande mentecapto, de
Fernando Sabino, foi uma leitura várias vezes revisitada. Também o conto “A doida”, de

11
Parangaba é um dos mais antigos bairros de Fortaleza onde se localizava um grande hospital psiquiátrico.
41
Carlos Drummond de Andrade, de seu livro Contos de aprendiz, me tocou e toca
profundamente. Só depois é que conheci a abordagem rosiana, eivada de poesia, em “Soroco,
sua mãe, sua filha” e “A terceira margem do rio”.
A vontade de estudar minimamente a loucura veio também na juventude. Ainda tenho
a edição de A política da loucura, de João Francisco Duarte Junior (1983). A perspectiva do
estudioso é a da “antipsiquiatria”, definida por ele como “uma tentativa de compreender o
comportamente humano de um ponto de vista diferente daquele utilizado pela psiquiatria e e
psicologia “tradicionais” (DUARTE JUNIOR, 1983, p. 13) nunca esqueci a afirmação de que
a ciência acabou por “transformar a loucura - uma maneira existencial de ser - numa doença.”
(p. 11) Veio a seguir o livro O que é loucura, de João A. Frayze-Pereira (1982) que muito
contribuiu para compreender a loucura de uma perspectiva diversa. Para Frayze-Pereira
(1982, p. 11), crer numa loucura localizada no indivíduo e emprestar ao louco uma vestimenta
que o transfigura em monstro não só tende a retirar-lhe o estatuto de humanidade, como
também a nos fazer esquecer que algo se diz através da loucura.”
O depoimento de Antonin Artaud, segundo Frayze-Pereira, “artista e pensador
internado em hospício durante nove anos (1937-1946), contribuiu para ir, paulatinamente
repensando aquela visão negativa da loucura. Para Artaud, “um louco é também um home a
quem a sociedade não quis ouvir e a quem quis impedir a expressão de insuportáveis
verdades” (Apude FRAYZE-PEREIRA, 1982, p. 11). Tentei, à epoca, encarar Michel
Foucault e sua História da loucura, mas era “muita areia para o meu caminhãozinho”.
Continuei conhecendo a loucura via literatura e, sobretudo, observando com mais
atenção os “casos” ou os “surtos” que, por vezes, aconteciam bem próximos de nós. Só mais
recentemente soube que meu avô paterno viveu alguns anos fora de sintonia. Homem da roça,
já casado e com filhos, parou de ir para o roçado, como fazia todos os dias e começou a se
esconder dentro de casa, a fugir das pessoas que chegavam, a subir nas paredes, segundo
relatos de familiares. Cresceu o cabelo, e, felizmente, não foi levado para Parangaba. Tempos
depois foi voltando ao “normal”. Minha avó, neste período, assumiu a administração da casa,
dos roçados, o cuidado com os animais. Fez uma promessa com São João - se ele se curasse,
faria uma capelinha para o santo e comemoraria a festa até o final da vida. Até hoje a
capelinha está de pé. Muitas festas juninas foram realizadas na capelinha, muitas novenas
foram rezadas. Quem sabe, as festas tenham alimentado a alma de meu avô, que não teve mais
crise. E, talvez, a poesia também tenha dado sua contribuição, pois o velho sabia muitos
poemas de cor, inclusive cantava muitos folhetos.

42
Uma possibilidade de iniciar a abordagem comparativa com a temática da loucura em
sala de aula poderia ser a leitura da história em quadrinho “Rouco ou louco”, de Marício de
Souza. Mônica aborda Cebolinha e pergunta:

Quadro 1.

A partir daí desencadeia-se um processo de leitura das ações de Cebolinha pela turma
toda que vai gerando isolamento e perplexidade na personagem.

Quadro 2.

A narrativa poderá ser lida integralmente e discutida tendo em vista o modo como se
atribuindo sentido às ações. Como lembra Duarte Júnior (1983, p. 42), “o comportamento do
indivíduo, quando retirado do seu contexto, perde a signifcação e passa a ter o significado que
os observadores lhe imputam.”
Um percurso comparativo interessante poderia ser o cotejo entre filmes e obras
literárias12. Tanto obras literárias que foram transformadas em filme quanto obras com filmes
que não nasceram das referidas obras. No nível médio de ensino, um ponto de partida pode
ser o clássico “O alienista”, de Machado de Assis. Luiz Vilela (1973) nos legou uma
significativa narrativa de um bancário, profissional exemplar, que um dia abandona tudo,
deixando todos perplexos. Trata-se do conto “O caixa”, do livro O fim de tudo.

4.12. Com a bola no pé

O futebol é o esporte mais praticado e mais amado em nosso país. O time do coração
leva inúmeros torcedores a sacrifícios, sofrimentos, mas também propicia muitas alegrias. No
entanto, a expressão literária desta paixão nacional não é das mais significativas. É,
possivelmente, no gênero crônica que surgiram grandes expressões. Destaque para Armando
Nogueira e para o dramaturgo Nelson Rodrigues. Inúmeros outros cronistas também deixaram
seu depoimento. É o que se pode observar na antologia O mundo é uma bola: crônicas,
futebol e humor, organizada pela editora Ática. Dividido em três seções - “Futebol tem gosto
de infância”, “O humor entra em campo” e “A bola rola” - e cada parte pode ser lida
comparativamente. A leitura e comparação entre crônicas e outros textos pode estimular os
leitores a também compartilharem experiências locais, familiares e pessoais. Algumas

12
Aqui o clássico conto “O alienista”, de Machado de Assis” e o filme xxxxx. Também a obra Triste fim de
Policarpo Quaresma, de Lima Barreto, cujo filme inspirado na obra também retrata a questão da loucura. Mais
contemporaneamente, o filme Nise: o coração da loucura, se constitui numa obra de referência para se
compreender de um modo mais humano o problema da loucura e toda a história de opressão que milhares de
internos sofreram durante séculos. Veja-se também Bicho de sete cabeças, de xxxxxx.
43
comparações possíveis entre as crônicas, como “Antena ligada”, de Lourenço Diaféria” e
“ABC”, de José Roberto Torero. Atentar para o bom humor com que tratam a confusão entre
times de futebol, jogadores e personagens ou outras literárias.

Outra obra que pode ser lida comparativamente no âmbito desta temática é o livro de
poemas Fotebol, de Lalau e Laurabeatriz (2006). Alguns poemas podem ser lidos e
comparados às crônicas indicadas anteriormente. Comentário sobre o livro

Outra possibilidade é a comparação com o poema ABC FUTEBOL CLUB, de Mário


Alex Rosa (xxxx). O livro é um longo poema que mimetiza um jogo de futebol em que os
atletas são as letras do alfabeto. A leitura oral do poema pode ser inspirada no modo como os
locutores de rádio narram partidas de futebol.

No âmbito do cordel, alguns folhetos se destacam com relação ao tema: O futebol dos
animais, de José Pacheco; Cordel da bola que rola, de Jorge Fernando dos Santos. Nesta obra
- de fato um livro, não um folheto, o autor aponta lugares e nomes que antecedem o modelo
de futebol contemporâneo e um pouco da história da seleção brasileira. Estrofes podem ser
destacadas para um trabalho de apreciação e comparação com outras obras, como:

O coração é uma bola


Onde o amor entra sola
Para marcar o seu gol.
Quem joga o jogo da vida
Sabe que o fim da partida
Pode não ser como um show.
(SANTOS, 2013, p. 7)
http://cordelparaiba.blogspot.com/2012/07/futebol-em-cordel.html - dar uma olhada...

Outra obra que poderia ser acionada par discutir vários aspectos do futebol é Futebol
da bichaarada, de Edson Gabriel Garcia (2011) Poemas como “Uma partida de futebol”, “E
por falar em torcida”, “O apito” e “Os goleiros” são representativos das diferentes situações
criadas pelo poeta para situar os animais no universo do futebol. Em “O placar do jogo”,
explora-se, com ritmo acelerado, a agitação da torcida, como se pode observar no fragmento
abaixo:

xxxxxxxxx

Comentar as canções: “Fio Maravilha’, de Jorge Bem; “Canhoteiro”, de Zeca Baleiro;

4.13. “Não te aflijas com a pétala que voa”

44
O verso acima inicia um dos poemas mais belos de Cecília Meireles, o “4º motivo da
rosa”, que compõe uma série de cinco motivos, publicados em Mar absoluto. Afora esses, são
inúmeros os versos da poetisa que retomam a temática da rosa, apresentada sob diferentes
perspectivas. Como lembr Elias José, “Falar de rosa/ não é falar de qualquer flor. Trata-se de
uma imagem presente em milhares de poemas de poetas das mais diversas épocas e com os
mais diversos sentidos. Ora ligada ao convite amoroso, como aponta Antonio Candido (xxx),
ora apontada pelo seu encanto, sua beleza, ora como imagem do efêmero, flores e rosas
despertam quase sempre grande encantamento.
Nossa literatura está permeada pela imagem da rosa. Castro Alves nos legou “As duas
flores”, que inicia assim: “São duas flores unidas/São duas rosas nascidas/Talvez do mesmo
arrebol,/ Vivendo no mesmo galho/ Da mesma gota de orvalho/ Do mesmo raio de sol.”
Ainda no romantismo, dentre outros poemas, destacamos “Flor de maracujá”, de Fagundes
Varela, composto em sextilha que terminam com o verso “A flor do maracujá”. A primeira
estrofe da conta da riqueza do poema que se volta também para outras flores de nossa flora e
fauna: “Pelas rosas, pelos lírios, / Pelas abelhas, sinhá,/ Pelas notas mais chorosas/ Do canto
do sabiá, /Pelo cálice de angústias/ Da flor do maracujá!”
O poeta alemão Rainer Maria Rilke escreveu, em francês, um livro sobre As rosas.
Conforme Janice Calofa, “Nos poemas franceses, Rilke olha as coisas, observa-as, quer vê-las
de perto onde se tocam, se colocam - percorrendo seu quarto, seu jardim, a paisagem de
Valais. É assim com As rosas, o poeta atento ao encontro das pétalas, ao perfume, ao arranjo
sobre a mesa” (CALOFA, 2011, p. 15) O poema XVI revela o encantamento do eu lírico ante
a beleza da rosa, seu poder de transformar o espaço em que é posta:

Não falemos de ti. Tu és inefável


em tua natureza.
Outras flores ornam a mesa
que transfiguras.

Colocam-te num simples vaso -


Eis que tudo muda neste arranjo:
É a mesma frase talvez
Mas cantada por um anjo. (RILKE, 2011, p. 53)

Uma abordagem comparativa a partir de rosas e flores pode contribuir para que se
perceba a constância de determinados temas e as nuanças que assumem. Afora o simbolismo
peculiar que determinadas flores assumem, como flor de lótus, flor lis, flor de mandacaru,
flor de maracujá, flor do deserto, etc.

45
Comecemos nossas sugestões com o poema “Rancho das flores”, de Vinícius de
Moraes. Trata-se de uma canção “com música da Tocata Jesus alegria dos homens”, de J. S.
Bach. O poeta inicia afirmando que “Entre as prendas com que a natureza/ alegrou este
mundo em que há tanta tristeza/ a beleza das flores realça em primeiro lugar.” O poema é um
convite à contemplação de diferentes tipos de flores: rosa, cravo, lírio, crisantemos,
malmequer, dália, hortência, margarida, dentre outras. O poeta lança mão de um rico
processo de animização, visualidade e jogos sinestésicos. Antes de lê-los, e até mesmo cantá-
los poder-se-ia conversar sobre o tema em geral e as experiências dos leitores - o que há de
convencional, de clichê e, a partir de daí realizar a leitura da antologia.
Elencamos, a seguir, alguns poemas que poderão compor uma antologia. Após a
leitura, observar diferenças de abordagem que permeiam os textos: aspectos descritivos;
flor/rosa como símbolo da beleza, da delicadeza, etc; rosa como imagem da fugacidade do
tempo; associação da rosa à mulher, dentre outras perspectivas. Quanto à linguagem, observar
presença de personificação, de de repetições expressivas, de comparações, assonâncias, dentre
outros aspectos. (Também no âmbito da canção pode-se recolher canções (e cantar) sobre
rosas e flores para serem apreciadas e discutidas em sala de aula.
Passemos, pois, à indicação de alguns poetas e poetisas que se voltaram para a
temática das flores e rosas. Gilka Machado: “Odor dos manacás” (p. 66); “Rosas I e II” (p.
67); “Violetas” (p. 69) e “Sempre-viva” (p. 70). Florbela Espanca: “Crisântemos” (p. 21);
“Cravos vermelhos” (p. 79); “Roseria branca” (p. 294). Cecília Meireles: os cinco motivos da
rosa; “Rosa do deserto” (p. 699); “Rosa secreta” (p. 1070); “Pequena flor” (p. 211). Vinícius
de Maraes: “Acalanto da rosa” (p. 381); “Rancho das flores” (p. 289); “A rosa de Hiroxima”
(p. 265). Manuel Bandeira: “Flor de todos...” (p. 289); “Flores murchas” (241); “Rosalina”
(p. 374). Mario Quintana: “Motivos da rosa” (p. 406). Adélia Prado: “Lirial” (p. 234).
No âmbito da narrativa, várias crônicas e contos podem ser também levados para
discussão e comparação. De Clarice Lispector ( ), destacamos, “A imatação de rosa”, conto
longo e complexo, em que a presença da rosa liga-se aos dramas interiores da personagem.
Numa forma bastante poética, Clarice Lispector (1999, p. 105) também nos deixou “Rosas
silvestres”, que pode ser comparado há alguns poemas acima.
Uma hipótese de trabalho seria buscar quadros que têm rosas e flores como objeto de
representação. A partir da apreciação, propor o diálogo com alguns poemas lidos. Uma
questão a ser observada é o modo como cada artista capta uma dimensão do objeto, o que para
ele é mais sensível, que tons e cores são enfatizados. Por exemplo, trazer as inúmeras pinturas

46
de Van Gogh sobre os girassóis. Na pintura impressionista há uma diversidade de retratação
de rosas e flores em geral, com destaque para as ninfeias de Monet.

4. 14. Poesia e pintura:

As reflexões sobre as relações entre Poesia e Pintura são antigas e muitas vezes
marcadas por polêmicas desde que Horácio afirmou que a poesia é uma pintura por palavras
(ut pictura poesis) (nota) Se as relações entre as artes são um fato, conforme apontam tantos
estudos, por outro lado, é preciso também estar atento às especificidades. Segundo Welleck e
Warren (2003, p. 161),
Devemos reconhecer, porém, que o frescor da poesia é algo muito
diferente da real sensação tátil do mármore ou da reconstrução
imaginativa dessa percepção a partir da brancura que a imobilidade da
escultura.

A perspectiva dos autores - importantes críticos e teóricos da literatura - é a de que as


comparações contribuem para “um avanço cooperativo no nosso conhecimento” (p. 163).
Neste sentido, eles acreditam que

Os paralelos entre as artes que permanecem dentro das reações


individuais de um leitor ou espectador, e que se contentam em descrever
alguma similaridade emocional de nossas reações a duas artes, nunca
irão, portanto, prestar-se à verificação e, assim, tornar-se um avanço
cooperativo no nosso conhecimento. (p. 163)

Para o trabalho de formação de leitores, essas “Reações individuais” devem ser


estimuladas e favorecer, cada vez mais, uma aproximação entre as artes. No entanto, é sempre
adequado conhecer minimamente as peculiaridades de cada arte, tanto para ler com mais
“intimidade” quanto para poder fazer inferências adequadas. Como nos ensina Gonçalves
(1997, p. 67),

A linguagem da pintura é a linguagem do olhar. Nela o conceito advém


de uma manifestação espacial, icônica, que possui natureza anlógica em
relação ao que pode representar. As representações da pintura dependem
do olhar mental que a lê ou a escreve.

Por outro lado, quando adentramos no universo da linguagem da poesia observamos


que ela também tem suas peculiaridades. Dentre elas, destaca-se a com a fala. Dufrenne
(1969, p. 12) , afirma que “o poeta compõe encarnando a língua na fala”; portanto, a

47
“mediação do material é necessário para elevar a matéria a seu ser sensível [...] Ao examinar a
linguagem poética, não esqueceremos de que ela destina-se à fala.”
Mas a poesia - pela magia das palavras - também pode se insinuar enquanto imagem
visual, conforme ocorre em muitos poemas e de forma bastante recorrente. É o caso de grande
parte da poesia de João Cabral de Melo Neto, estudada na sua perspectiva visual por vários
críticos. Destacamos o poema “Os reinos do amarelo”, cujo título já encaminha para uma
percepção visual, como se pode observar:

1.
A terra lauta da Mata produz e exibe
um amarelo rico (se não o dos metais):
o amarelo do maracujá e os da manga,
o do oiti-da-praia, do caju e do cajá;
amarelo vegetal, alegre de sol livre,
beirando o estridente, de tão alegre,
e que o sol eleva de vegetal a mineral,
polindo-o, até um aceso metal de pele.
Só que fere a vista um amarelo outro,
e a fere embora baço (sol não o acende):
amarelo aquém do vegetal, e se animal,
de um animal cobre: pobre, podremente.

2.

Só que fere a vista um amarelo outro:


se animal, de homem: de corpo humano;
de corpo e vida; de tudo o que segrega
(sarro ou suor, bile íntima ou ranho),
ou sofre (o amarelo de sentir triste,
de ser analfabeto, de existir aguado):
amarelo que no homem dali se adiciona
o que há em ser pântano, ser-se fardo.
Embora comum ali, esse amarelo humano
ainda dá na vista (mais pelo prodígio):
pelo que tardam a secar, e ao sol dali,
tais poças de amarelo, de escarro vivo.

Analisando o poema, Aguinaldo Gonçalves (1989) afirma que “seu caráter visual e a
sua gradação de sentido se embaraçam numa integração dos mais perfeitos da obras (p. 82. O
crítico afirma ainda que o poema pertence a uma “sequência de poemas” de “equivalências
observáveis”, que
Atuam como fotografias expressivas de uma realidade específica
(Nordeste brasileiro cujo jogo de imagens propicia uma ampliação para
as condições de injustiça social, apreendendo oposições marcantes de
uma condição da vida. (GONÇALVES, 1989, p. 82)

48
O autor elabora, na referida obra, importantes análises comparativas entre o pintor
catalão J. Miró e a poesia e teoria de João Cabral de Melo Neto. Destaque-se aqui a análise
que o próprio Cabral faz do pintor em vários poemas, com destaque para “O sim contra o
sim” em que comenta os procedimentos de vários artistas e destaca:
(...)
Miró sentia a mão direita
demasiado sábia
e que de saber tanto
já não podia inventar nada.

Quis então que desaprendesse


o muito que aprendera,
a fim de reencontrar
a linha ainda fresca da esquerda.

Pois que ela não pôde, ele pôs-se


a desenhar com esta
até que, se operando,
no braço direito ele a enxerta.

A esquerda (se não se é canhoto)


é mão sem habilidade;
reaprende a cada linha,
cada instante, a recomeçar-se.

Uma sugestão, por fim, visando a aproximação do leitor em formação, com poemas
que retomam quadros da pintura, é a leitura da série de poemas denomana “Arte em
exposição”, de Carlos Drummond de Andrade, em seu livro póstumo Farewell. São 32
poemas que expressam a percepção do poeta de diferentes quadros famosos. Destacamos dois
exemplos para uma aproximação inicial: primeiro, a apreciação coletiva do quadro “A
cadeira” e “Sapatos”, de Van Gohg.
Conversar o mais detidamente possível sobre os quadros: cor, formas, nuances,
temporalidade do objeto, aspectos de fundo etc. Dizer das sensações que as obras desperetam,
de lembranças mais pessoais – talvez de outros objetos que possam ter um valor para eles,
entre outras questões que surgirem. Se os leitores não tiverem convivência com a arte do
pintor, trazer outras pinturas para ampliar a experiência e estimular o diálogo. A seguir,
apresentar os versos de Drummond:

A CADEIRA ( Van Gogh)

Ninguém está sentado


Mas adivinha-se o homem angustiado.
(ANDRADE, 1996. p. 31)

49
(os quadros serão postos logo abaixo ou ao lado...)

SAPATOS (Van Gogh)

Cansaram-se de caminhar
Ou o caminho se cansou?
(ANDRADE, 1996. p. 35)

Após a leitura e releitura dos poemas, confrontar as percepções que os leitores


tiveram dos quadros e a interpretação do poeta. Houve aproximação? Divergência? Novos
olhares? Em que o poema contribuiu para ampliar a percepção do grupo? O mediador poderá
trazer também comentários sobre os quadros de críticos e outros leitores, bem como leituras
críticas sobre a série de poemas de Drummond.

4.15. Música, poesia, canção

É praticamente lugar comum afirmar que, na atualidade, os jovens estão mais


próximos da canção popular do que da poesia e menos ainda, da música erudita. Quando
falamos canção, por certo há muitas nuanças, muitas peculiaridade. Primeiro, o rádio, depois
a televisão, os instrumentos de reprodução de sons (discos, k7, cd, pen drives, etc), e
atualmente, as plataformas digitais, divulgam diferentes gêneros de canções, para os mais
diversos gostos e (des)gostos. Portanto, há um acesso constante e diversificado à canção. Mas
que tipo de canção e que tipo de letra é trabalhada nesta canção?
Aguiar (1998, p. 10) lembra-nos que “Durante muito tempo a poesia foi destinada à
voz e ao ouvido”. Só com a invenção da imprensa, na idade moderna, “e com ela o triunfo da
escrita, acentuou-se a distinção entre música e poesia.” (p. 10) E conclui: “A partir do século
XVI a lírica foi abandonando o canto para se destinar, cada vez mais, à leitura silenciosa.” (p.
10). Por certo a afirmação refere-se a um certo tipo de leitor, uma vez que, de fato, a poesia
oral, em suas múltiplas manifestações e gêneros, muitos ligados à dança, nunca deixou de
existir. E mesmo a poesia escrita, publicada em livros e atualmente via redes sociais, sempre
teve leitores que vocalizavam-na.
Discutindo a relação poesia e música, Wellek e e Warren (2003, p. 163), lembra que
“A colaboração entre poesia e música existe, com certeza, mas a poesia mais elevada não
tende para a música, e a música mais sublime não tem necessidade de palavras”.
Snyders (2008) escreveu um livro (A escola pode ensinar as alegrias da música) para
mostrar caminhos que possibilitem vivenciar a alegria da música. Ele refere-se quase sempre
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à música clássica que, em nossa tradição, praticamente não chega à escola. Para o pedagogo
francês, a música:
nos agarra, sacode, invade, até impor-nos um determinado comportamento,
um determinado jeito de ser. E, com frequência, os alunos vivem a música
como uma pressão em direção a movimentos ritmados e controladores
ininterruptos. (SNYDERES, 2008, p. 82)

Pode-se observar esse envolvimento mesmo no contato que têm com certos gêneros
musicais patrocinados pela indústria cultura, como o samba, o frevo, o forró dentre outros
ritmos.
Não nos deteremos na contribuição que a música pode trazer para a formação de
nossos jovens uma vez que esta não é nossa formação. Mas como ouvinte de música e de
canção popular de diferentes vertentes e, sobretudo, leitor de poesia, poderemos indicar
algumas aproximações que podem suscitar comparações mais aprofundadas se, por exemplo,
trabalhamos de forma cooperativa com outros profissionais.
Em ensaio denominado “A música e o desenvolvimento do prazer de ler”, Fischer e
Simões (2009) traçam um percurso de aproximação entre música clássica, literatura e canção
popular. Ponderam os autores que

(...) o modo como pensamos na literatura - as ideias que associamos a cada


estilo de época, os valores que sabemos terem sido apreciados e cultivados
em cada momento, os debates que atravessaram essas etapas - serve
perfeitamente de moldura para pensarmos a música. (FISCHER;SIMÕES,
2009, p .238)

Por outro lado, apontam que “a música tem uma linguagem específica, sendo entre as
artes a menos mimética, a menos ligada com a representação por assim dizer realista da
experiência humana”. (p. 238) O ensaio faz uma apresentação suscinta da história da música
clássica na Europa, apontando algumas aproximações com a literatura. Dentre os gêneros
musicais, destacam que a ópera que é a “forma musical mais diretamente ligada à literatura”
e que “quase sempre toma por base um romance, uma história, um canto e e adapta tal enredo
para canto e orquestra. “ (p. 242))
Ao discutir “a musica dita popular”, afirmam que a canção “associa, de forma
inseparável, uma melodia de uma letra” (p. 224) e que

Trata-se de uma forma que, por seu formato breve e por suas caraterísticas
extremamente comunicativas, alcançam uma divulgação e uma penetração
incomparáveis, tornando-a talvez o veículo estético mais eficaz de toda a

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história brasileira e um dos mais felizes de todo o século XX, ao lado do
cinema. (FISCHER;SIMÕES, 2009, p. 244)

Destacam ainda, os autores, a importância da modinha e do lundu no “destino do


samba” (p. 246), bem como o papel da polca, no final do século XIX, o chorinho, dentre
outros gêneros musicais. Embora apontem inúmeros compositores, o ensaio não analisa
nenhuma letra de canção. No entanto, na conclusão apontam algumas aproximações que
podem ser abordadas na perspectiva comparatista uma vez que “A peça musical com letra,
como é o caso saliente da canção brasileira, repitamos, é por si só uma experiência literária,
uma leitura, mesmo não sendo apenas uma leitura de texto escrito.” (p. 256) Ainda, para os
autores, “é fácil (...) ver quão aparentados são Noel Rosa, Chico Buarque e, digamos, os
cronistas Rubem Braga ou Luís Fernando Veríssimo: em todos eles se encontra o comentário
da vida cotidiana, com algum humor, de vez enquanto a melancolia, sempre com talento.” (p.
256/257)
Uma hipótese de abordagem comparativa entre música clássica e poesia poderia ser a
seguinte:
1. Leitura dos poemas “Canção da primavera”, “Canção do outono”, “Canção de
outono”, “Canção do inverno”, “Veranico” e “Veranico de janeiro”, todos de Mario
Quintana. A seguir, conversar sobre os poemas, articulando-os com a experiência que
se tem sobre as quatro estações ou os conhecimentos teóricos que trazem sobre elas.
2. Um passo seguinte seria ouvir a obra “As quatro estações”, de Vivaldi. Talvez iniciar
pela Primavera e, em seguida, reler a “Canção da primavera” e procurar expressar as
sensações sobre a música e possíveis aproximações com o poema. Por exemplo, o
ritmo do poema pode ser associado à música? Há expressão de uma certa alegria no
poema e na música? Realizar o mesmo procedimento com os demais poemas. Por
certo, sobretudo no nordeste brasileiro, não se tem vivência das quatro estações de
modo tão definido. Por exemplo, não temos verão frio, como se tem na Europa e no
sul e sudeste do país.

No que se refere ao diálogo entre poesia e canção, temos uma grande possibilidade de
abordagem. Por exemplo, uma comparação entre o poema “O operário em construção”, de
Vinícius de Moraes e as canções “Construção”, de Chico Buarque de Holanda e “Cidadão”,
de Zé Geraldo. O poema é longo e pede uma leitura cuidadosa. Talvez proceder por partes, se
a turma não tiver uma vivência mínima com poemas. Discutir algumas imagens postas no
poema que revelam a condição do operário no mundo contemporâneo. Por exemplo: 1. O
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desconhecimento de sua força enquanto categoria; 2. A dicotomia liberdade X escravidão; 3.
Contraste entre construir X não ter onde morar; 4) o sentido simbólico da tentação - que
sentido ela pode ter para os leitores de hoje? Qual o preço que paga o operário que toma
consciência de sua “grande missão”? A leitura do poema a e audição das canções podem ser
feitas e, a seguir, tentar aproximá-las. Que pontos de vista são comuns? Que cenas/situações
se destacam em cada obra artística? Pode-se, inclusive, propor uma encenação envolvendo os
três textos. Uma hipótese seria imaginar um grande canteiro de obras - seus barulhos,
movimentos de operários, conversas, cenas de almoço, café etc. A seguir, o texto de Vinícius
sendo lido/recitado, entrecortado ou não por parte das canções e os barulhos da obra. A
própria turma poderá criar as situações dramáticas a serem encenadas, trazerem outras
canções, outros textos.
Bráulio Tavares (2007), ao comentar sobre aproximações entre poema, música e
rap,coco de embolada, lembra que: Rap e Coco, “pode ser considerado uma arte, uma forma
evoluída e sofisticada de poesia oral. É uma poesia que não pode ser considerada inferior à
poesia escrita: é apenas diferente.” (p. 19) Esta observação é da maior importância, uma vez
que ainda é comum certo tipo de preconceito com a literatura oral. Para o poeta e crítico,
“Quem é mestre em uma pode ser um simples leigo na outra, e não faz sentido compará-las
desfavoravelmente. Cada uma faz o que a outra, por definição, é incapaz de fazer.” (p. 20)
Trazer livro sobreo hap... vivenciado em sala de aula já separado....

1. Vide ideias do livro Música popular e moderna poesia brasileira, de Affonso


Romando de San’Anna.

5. Considerações finais

As indicações postas aqui, nem de longe esgotam as muitas possibilidades de leitura


comparada. Pontualmente, pode-se comparar entre si poemas, narrativas, obras dramatúrgicas,
situações e fatos históricos. Mas também pode-se comparar obras de diferentes gêneros
literários com as mais diversas manifestações artísticas. O leque, portanto, abre-se para muitas
experiências. Alguns exemplos ficaram de fora do inventário que fizemos - quase todo
baseado em nossa experiência de sala de aula - como se pode ver nas indicações abaixo:
1. “Trem de ferro”, de Manuel Bandeira; “Trem das Alagoas”, de Ascenso Ferreira;
“Tem gente com fome”, de Solano Trindade;

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2. Romance do pavão misterioso, João Melquíades F. de Lima; O pavão misterioso,
Ronaldo Correira de Brito e Assis Lima; a canção “Pavão misterioso”, de Ednardo;
3. Uma das faces da temática social: a canção “De frente pro crime”, João Bosco e
Aldir Blac; “Uma vela para Dario”, Dalton Trevisan;
4. “Poema de sete faces”, Carlos Drummond de Andrade; “Com licença poética”,
Adélia Prado; “Até o fim”, Chico Buarque de Holanda; VER UM DE CAPARELLI;
5. “Ronda”, Olavo Bilac; “Rondó da ronda noturna”, Ricardo Aleixo; a canção
“Ronda”, de Paulo Vanzolini.
A lista poderia se alargar e visa apenas para despertar o professor ou mediadores de
leitura em geral para as inúmeras possibilidades de trabalho com a abordagem comparativa da
literatura no contexto escolar.
E nem indicamos as diversas possibilidades de diálogo com as literaturas de língua
portuguesa da África e Europa. Nos últimos anos a literatura de língua portuguesa produzidas
em países africanos vem ganhando grande visibilidade sobretudo no âmbito da universidade e
da escola em geral, sobretudo com a promulgação da lei....xxxxxxx
Abdala Junior (2012, p. 14) propõe “um comparativismo prospectivo, pautado por
relações comunitárias, um compartivismo da solidariedade, de cooperação.” Neste sentido,
teríamos - já temos - o foco em “Enlaces comparatistas, tendentes a relações de reciprocidade,
não numa relação sujeito/objeto ou aproximações e fricções, tendo em conta desafios que se
colocam em termos da atualidade sociocultural”. (ABDALA JUNIOR, 2012, p. 14) A
perspectiva nos parece bastante rica de possibilidades e, ao adentrar a escola, poderá
contribuir para um olhar menos eurocêntrico de nossa formação.
Postas estas sugestões, espera-se que o professor ou outro mediador de leitura
literária, se achar viável, procure aplicá-las, fazendo as devidas modificações que achar
adequadas ou buscar outros caminhos – outras comparações com outros textos, outras artes,
outras situações. Espera-se que os leitores em formação se sintam estimulados a buscar outros
textos, a trazer experiências pessoais e de leitura para compartilhar em sala de aula.
O que chamamos aqui de método comparativo pode ser articulado a diferentes
métodos de abordagem literária. Por exemplo, uma temática como o amor, trabalhado com
textos de diferentes gêneros literários, pode suscitar atividades de encenação, de criação, a
partir de sugestões, por exemplo, do método criativo (BORDINI & AGUIAR, 1988)
Por fim, é bom lembrar que qualquer método, quando usado de modo exaustivo,
poderá ter efeito contrário ao que se almeja. Ou seja, não é aconselhável trabalhar apenas na

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perspectiva comparativista em em sala de aula. A leitura de uma obra qualquer, mesmo que
sempre se abra a comparações, pode ser trabalhada sem a insistência nesses diálogos.

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