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Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo

EDA 1222 - Política e Organização da Educação Básica no Brasil II


Profa Iracema Santos do Nascimento

Síntese da “Mesa 7: Formação de Professores/as para a educação das relações


étnico-raciais” do VII Encontro de Educação para as Relações Étnico-Raciais

Vitória Rojas Gouveia


nº USP 13654442

A sétima mesa do VII Encontro de Educação para as Relações


Étnico-Raciais (ERER) aconteceu na Casa de Cultura Japonesa em 8 de novembro
de 2023, e tratou da temática fundamental da formação de professores para a
educação das relações étnico raciais. Durante esse encontro, as convidadas
exploraram estratégias, desafios e oportunidades relacionados à capacitação
desses profissionais para a construção de um ambiente educacional e de uma
sociedade mais igualitários e comprometidos com a causa antirracista e a defesa da
diversidade.
O debate teve início com as palavras da Profa Tatiane Rodrigues, que é
pedagoga, mestre em ciências sociais e doutora em educação. Ela leciona no curso
de pedagogia da UFSCAR e tem como foco de pesquisa a educação das relações
étnico-raciais. Tatiane iniciou sua intervenção propondo uma reflexão sobre os
progressos alcançados desde a promulgação da Lei 10.639 de 2003, que tornou
obrigatório o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana em todas as
escolas do país. Também fez menção aos 10 anos da lei de cotas no ensino
superior, enfatizando a importância de se fazer uma avaliação crítica dessas
conquistas para que possamos compreender até que ponto avançamos com essas
políticas públicas e identificar as áreas em que ainda precisamos progredir.
Na sequência, Tatiane faz referência a estudos que acompanharam a
trajetória dos beneficiários dessas políticas de ação afirmativa. Por um lado, as
mudanças observadas no perfil étnico-racial dos alunos de ensino superior e em
determinados ambientes profissionais apontam para o êxito dessas políticas. Em
contrapartida, os desafios que ainda persistem relacionados à permanência
econômica e simbólica nesses contextos indicam direções possíveis para
progressos futuros.
No âmbito da formação inicial de professores, Tatiane destaca um avanço
significativo: a inclusão de disciplinas obrigatórias que tratem da educação das
relações étnico-raciais nos currículos de pedagogia e das licenciaturas. Entretanto,
ela sublinha as limitações dessa iniciativa, que ao circunscrever a discussão dessa
temática a um contexto específico, pode fazer com que outros docentes sintam-se
“desobrigados” a abordar a questão em seus próprios programas.
Tatiana ressalta a insuficiência da abordagem da BNCC em relação à
diversidade étnico-racial, o que representa uma ameaça à sustentabilidade dos
projetos implementados nas escolas e nas formações de professores. Dado que
trata-se de um documento normativo que é referência obrigatória para a elaboração
dos currículos escolares, o ideal seria que a Base Nacional Comum Curricular, ao
contrário, amparasse esses projetos de forma consistente.
Outro obstáculo identificado por Tatiana na implementação da Lei 10.639/03
está evidenciado nos dados retirados de uma pesquisa da UFMG. Seus resultados
revelam que educadores de todo o país, apesar de declararem conhecer a lei,
possuem um domínio limitado para trabalhar seus conteúdos em sala de aula,
muitas vezes restringindo-se a uma abordagem meramente moralista de combate à
discriminação e permeada por noções estereotipadas. O estudo também observa
que a responsabilidade de tratar das questões étnico-raciais frequentemente recai
sobre um grupo restrito de professores da escola, notadamente pessoas
racializadas. O envolvimento da gestão se mostra crucial para que essas práticas
pedagógicas se convertam em projetos efetivos e duradouros, conforme também
apontado pela pesquisa.
A Profa Tatiane encerra sua participação compartilhando os dados coletados
dos Diários Reflexivos escritos por seus alunos de pedagogia da UFSCAR em 2022.
Nesses diários, os estudantes relatam ter recebido uma educação das relações
étnico-raciais bastante superficial, mediada por clichês e estereótipos, muitas fezes
resumida a conteúdos sobre escravidão e cultura popular. Muitos relatam terem sido
vítimas de crimes de injúria racial na escola. Os diários também expõem um padrão
nas experiências dos estudantes advindos de colégios particulares, os quais
descrevem vivências de isolamento em bolhas de branquitude.
Por último, a Profa Tatiane compartilha os circuitos alternativos em que os
alunos relataram terem se educado sobre esse tema, e que acabam preenchendo a
lacuna deixada pela escola. A arte, as mídias sociais, os centros de cultura e as
amizades ocupam posições de destaque entre esses contextos formativos. Os
estudantes também relatam terem encontrado alguns ambientes propícios a essas
discussões no âmbito da educação formal, como cursinhos, ETECs e a
universidade.
Na sequência, foi a vez da Professora Iracema Santos do Nascimento, que é
doutora em Educação, pesquisa política e gestão da educação e suas intersecções
com a diversidade e leciona no curso de Pedagogia da USP, apresentar suas
contribuições para o debate. A Profa Iracema inicia sua fala resgatando as origens
do ERER, cujo surgimento em 2017 foi resultado da iniciativa de alunas da FEUSP.
A própria existência do ERER, conforme ressaltado por Iracema, representa uma
forma de luta pela efetiva implementação da Lei 10.639/03.
Iracema cita então os dados coletados por uma pesquisa publicada esse ano
pelo Geledés - Instituto da Mulher Negra juntamente com o Instituto Alana sobre o
engajamento das secretarias de educação com a aplicação da Lei 10.639. Esse
estudo revela baixo engajamento no que tange à criação de setores técnicos
dedicados à implementação da lei, presença de profissionais especializados e
destinação de orçamento para essa finalidade. Por outro lado, a pesquisa aponta
para um alto engajamento no que diz respeito à inserção do tema no currículo
escolar. Por trás desse contraste revela-se a percepção equivocada de que a
inclusão do assunto na ementa curricular é a única medida necessária para
assegurar o seu ensino.
A Profa. Iracema também se refere ao trabalho apresentado por ela e pelo
Prof. Eduardo Januário no Congresso Ibero-Americano de Política e Gestão
Educacional desse ano, realizado em Lisboa. Ela destaca o estudo realizado do
tratamento da educação para as relações étnico-racial, educação antirracista e lei
de cotas na formação inicial de professores, com foco não em disciplinas
específicas sobre esse tema, mas em disciplinas sobre política e gestão
educacional.
Outra estratégia adotada pela Professora para assegurar a observação da lei
em sua própria atuação docente é por meio dos estágios curriculares obrigatórios.
Ela conta que, através das temáticas trazidas em suas aulas e das parcerias
nutridas com escolas públicas comprometidas com o enfrentamento das
discriminações e promoção da diversidade, pretende incentivar seus alunos a
observarem as relações étnico-raciais nos estágios. Como resultado desse fomento,
Iracema observou um aumento significativo do número de estudantes que
direcionam seus estágios e trabalhos finais para abordar as relações etnico-raciais
em seus estágios e trabalhos finais ao longo dos anos.
Iracema a seguir discorre sobre alguns elementos identificados em escolas
que conseguem desenvolver projetos robustos de educação antirracista, entre eles:
o estudo, pesquisa e reflexão intenso e constante sobre o tema; o diálogo com
autoridades no assunto, como os movimentos sociais, artistas e mestres de saberes
ancestrais negros e negras; e a realização de encontros formativos de estudo e
discussão.
Para concluir, Iracema chama todos os presentes para a responsabilidade
com a observação da Lei 10.639/03. Ela ressalta que essa legislação representa
uma enorme conquista e um valioso legado dos movimentos negros, e que a
garantia de sua efetiva implementação é um dever também compartilhado pelos
professores. Portanto, reitera a importância de abordar incessantemente essa
temática, tanto na formação inicial quanto ao longo da carreira docente.

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