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Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Instituto de Filosofia e Ciências Humanas


Estudos de Gênero, Movimentos
Feministas e Direitos Humanos ​| HUM06032

RIBEIRO, Paula Regina Costa; QUADRADO, Raquel Pereira. ​“GÊNERO E


DIVERSIDADE NA ESCOLA: NOTAS PARA A REFLEXÃO DA PRÁTICA
DOCENTE” in. “Diversidades: dimensões de Gênero e Sexualidade”. Santa Catarina:
Editora Mulheres, 2010.

RESENHA CRÍTICA

Jéssica Nunes da Silva

O Artigo aqui resenhado trata-se de uma avaliação crítica respeito do curso - aplicado
através do projeto de mesmo nome - “​Gênero e Diversidade na Escola​” (2009,
SECAD/MEC). As autoras analisam algumas das estratégias didático-metodológicas
adotadas ao longo do curso, que destinou-se à formação continuada de Profissionais da
Educação. Desenvolvido através da iniciativa do GESE - Grupo de Pesquisa Sexualidade e
Escola1, trata-se de um curso de aperfeiçoamento realizado à distância,

cujo objetivo é discutir com os/as profissionais da Educação Básica


(professores/as, orientadores/as, supervisores/as, diretores/as, secretários/as,
coordenadores/as pedagógicos/as, faxineiros/as, entre outros) da rede pública da
região sul do Rio Grande do Sul conhecimentos acerca da promoção, respeito
e valorização da diversidade étnico-racial, de orientação sexual e identidade de
gênero, colaborando para o enfrentamento da violência sexista, étnico-racial e
homofóbica no âmbito das escolas. (RIBEIRO e QUADRADO, 2010, p. 401)

A proposta surge a partir da demanda em se discutir no ambiente escolar, questões tão


urgentes, na mesma medida, bastante periféricas e por vezes secundarizadas dentro dos
currículos e debates na área da educação. A relevância de tal projeto fica clara, pois sabemos
que na prática, a Instituição Escolar representa um espaço com potencial tanto para a
reprodução de desigualdades e estereótipos de gênero, quanto para a desconstrução e reflexão
acerca destas questões. Em outras palavras, tem-se por meio do currículo, Projeto Político e

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Grupo do qual as autoras do texto são também integrantes.
Pedagógico, planos de aula, e diversas outras ferramentas de ensino, um espaço bastante
relevante para formação e debate, sobre produção e reprodução das desigualdades de gênero
de demais questões relacionadas à diversidade.
A respeito do Projeto, temos que o mesmo foi desenvolvido através de uma articulação
entre Ministérios e Secretarias do Governo Federal2, o ​British Council e o Centro
Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos3. Dentre seus objetivos principais
e propostas metodológicas, houve o enfoque na instrumentalização acerca do debate em
gênero e diversidade, de modo a possibilitar a problematização, diálogo e o enfrentamento de
desigualdades, discriminações e preconceitos raciais, de gênero e com relação à sexualidade -
tanto no âmbito escolar quanto no meio social, visando uma educação cidadã. As temáticas
trabalhadas - de forma interdisciplinar - foram: ​gênero, sexualidade, orientação sexual e
relações étnico-raciais.
O curso foi dividido em cinco módulos, contando com material teórico, Fóruns para
debate e orientações para a realização de um Projeto de Intervenção a ser desenvolvido no
ambiente de trabalho. Como base teórica para o material disponibilizado no curso, foram
utilizadas referências dos Estudos culturais, bem como abordagens pós-estruturalistas,
especialmente através das contribuições de Michel Focault. A opção por este referencial é
interessante, visto que traz a possibilidade de compreender de forma interseccional desde a
dimensão cultural até as relações de poder que atravessam corpos e gêneros. Debater, por
exemplo, o conceito de hegemonia a partir do próprio ambiente escolar, por vezes duramente
afetado pelos padrões de comportamento próprios de um sistema de dominação, se constitui
como importante contraponto à reprodução naturalizada de preconceitos e estereótipos raciais
e/ou de gênero.
A análise das autoras tem por foco duas estratégias adotadas para a realização do curso:
o Fórum (que contou com 140 participantes, ao todo) e o Projeto de Intervenção. Ambos
representam parte fundamental do desenvolvimento do curso. Isto porque através do fórum, é
materializado o espaço de discussão acerca dos temas trabalhados, além da construção dos
Projetos de Intervenção com contribuições coletivas. Por meio do debate, se torna possível
visualizar e compreender os conceitos estudados, que estando apenas na dimensão da teoria,

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Quais sejam: Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, Secretaria Especial de Políticas de
Promoção da Igualdade Racial e o Ministério da Educação.
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CLAM/IMS/UERJ
podem parecer abstratos. Neste sentido, segundo as autoras, o fórum possibilitou a
desconstrução de muitos estereótipos, paradigmas e questões acerca dos corpos, identidades
étnicas e de gênero, sexualidade e afetividades - além da construção coletiva de narrativas
acerca da experiência vivenciada.
Por meio deste espaço, além do compartilhamento de ideias, se torna possível
compartilhar experiências e vivências acerca da prática docente. Entendo que o debate
instrumentalizado possibilita que se repense o papel da escola frente à esta problemática:
enquanto espaço de socialização, trocas e aprendizagem, a escola pode propiciar experiências
transformadoras ao problematizar e desnaturalizar a reprodução de desigualdades com
relação à diversidade, gênero e sexualidade. Os Projetos de Intervenção são igualmente
importantes: concretizam a experiência teórico-dialogada construindo outras redes de
significação através da escola. Ao todo foram realizados 39 projetos, mobilizando em grande
medida, as comunidades escolares como um todo.
A síntese das autoras traduz de forma pontual o impacto do projeto. Segundo as
mesmas, foi possível a construção de uma ​Comunidade de Aprendizagem​, iniciada através
dos(as) profissionais que realizaram o curso, e que culminou nos ambientes escolares em que
estavam inseridos(as). Enquanto estudante de uma licenciatura em Ciências Sociais, mulher e
Feminista, penso que projetos como este enriquecem a prática docente. Ao refletir sobre a as
abordagens acerca da diversidade nos espaços escolares, percebemos o quanto é
transformador o enfrentamento consciente à desigualdades, violências e estereótipos de
gênero, étnico-raciais e de sexualidade. Dar visibilidade esta temática, tantas vezes
secundarizada e desvalorizada, é também (re)significar a educação.
Ao final, é importante ressaltar que a extinção da ​Secretaria Especial de Políticas
para Mulheres​, e posteriormente do ​Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos
Direitos Humanos (MMIRDH)​, promovidos pela atual gestão do Presidente Michel Temer,
representa um imenso retrocesso em termos da formulação de políticas e práticas que visam a
promoção da equidade de direitos e da diversidade. As ameaças aos direitos da Mulher são
reforçadas pela inexistência de representatividade no governo atual, o que por sua vez pode
tornar projetos como este, impossíveis e até mesmo inimagináveis.

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