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CURRÍCULO E MULTICULTURALISMO: PERSPECTIVAS PARA

CONSCIENCIALIZAÇÃO DAS DIFERENÇAS NA ESCOLA

Elaise Mara Ferreira Crepaldi1

Grupo de Trabalho - Cultura, Currículo e Saberes


Agência Financiadora: não contou com financiamento

Resumo

Este trabalho objetiva contribuir para a identificação e consciencialização da problemática


existente no campo educativo assim como possibilitar aos professores a compreensão do risco
da escola representar uma mera reprodução de projetos hegemônicos. A proposição está
relacionada à nossa pesquisa de doutorado em andamento que versa sobre Currículo,
Identidade e Formação do Pedagogo. O encaminhamento fundamenta-se na perspectiva dos
Estudos Culturais. É uma pesquisa qualitativa do tipo bibliográfica. Para discutir a temática
de currículo e cultura é importante estabelecer o tempo e o espaço do qual estamos
dialogando. A dimensão dessa discussão implica situar o ambiente social, político, econômico
e cultural no qual o currículo está imbricado. A educação formal e seus atores ainda
apresentam dificuldades na compreensão das diferenças sociais e culturais que permeiam as
relações no ambiente escolar e, que de certa forma, promovem o abandono precoce da sala de
aula e, consequentemente, exclusão social. Entendemos que o ambiente educacional é
propício ao trabalho com as diferentes culturas, e o cuidado na elaboração de um currículo
que contemple essa necessidade é fundamental. O currículo é o foco essencial da educação,
constituído como um instrumento que sustenta o funcionamento da escola. Essa poderosa
ferramenta é cultural, econômica, social e política, haja vista que se encontra intimamente
atrelada à sociedade, à construção das identidades, à profissionalização dos sujeitos, dos
profissionais da educação, educadores, docentes e às alterações dos conteúdos. O
multiculturalismo na escola pode ser entendido como possibilidade de inclusão de todos à
educação, independente das diversidades e dos grupos minoritários, geralmente excluídos e
marginalizados. Um currículo ampliado abrangerá as necessidades dos grupos minoritários e
reconhecerá a singularidade dos indivíduos.

Palavras-Chave: Currículo. Educação. Diferenças.

1
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá – UEM – Pr.
Bolsista da Fundação Araucária. Orientadora Teresa Kazuko Teruya, PPE UEM. Professora do Colegiado de
Pedagogia da Universidade Estadual do Paraná – Unespar/Campus de Campo Mourão.

ISSN 2176-1396
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Introdução

A proposição desse artigo originou-se da nossa pesquisa de doutorado em andamento


que versa sobre Currículo, Identidade e Formação do Pedagogo. No âmbito educacional, as
reflexões em torno do multiculturalismo despertou-nos uma discussão sobre o currículo: suas
implicações e seus efeitos no âmbito escolar.
Tem por objetivo contribuir para a identificação e consciencialização da problemática
com a qual, frequentemente, os envolvidos na área educacional estão sempre se deparando:
trabalhar com as diferenças existentes dentro das salas de aula. Por meio desta pesquisa,
intencionamos, ainda, apresentar elementos que possibilitem aos professores a compreensão
quanto ao risco de a escola constituir-se em campo de reprodutor de projetos hegemônicos.
Dividimos a pesquisa em 6 subitens. O primeiro trata da definição e origem do
currículo; o segundo apresenta as teorias do currículo; o terceiro aborda o currículo e o
multiculturalismo na escola – inclusão de todos à educação; o quarto aponta perspectivas para
consciencialização das diferenças na escola; o quinto tece algumas considerações sobre o
tema desta pesquisa e o sexto lista as referências utilizadas para compor este trabalho.

Currículo – origem e definição

O vocábulo ‘currículo’ tem sua origem na palavra ‘classe’. No período no qual a


escolarização se tornava uma atividade de massa, implantou-se o currículo e o constituiu em
níveis ou estágios. Consequentemente, o conceito de disciplina surgiu estabelecendo uma
afinidade direta com o currículo. Deste modo, quando se pensa em conteúdos, pensa-se logo
em disciplinas e em currículo, e procura-se entender porque as disciplinas, o currículo e os
conteúdos se apresentam. Partindo deste entendimento, passa-se à discussão do currículo
tanto na sua forma escrita quanto na sua prática.
Currículo escrito é constituído em um período determinado e contexto histórico-social.
É um currículo delineado que manifesta as intenções da escolarização, e que se concretiza ou
não num currículo em ação. Para Santos e Moreira (1995, p. 47): “Conhecimento escolar e
experiência de aprendizagem representam os dois sentidos mais usuais da palavra currículo,
desde a incorporação desse termo ao vocabulário pedagógico”.
Participado dessa discussão, Silva (2011, p.43) explica que a palavra currículo é
originária do termo “pista e corrida, deriva do verbo currere, em latim, correr. É antes de tudo,
um verbo, uma atividade e não uma coisa, um substantivo. Ao enfatizar o verbo, deslocamos
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a ênfase da pista de corrida para o ato de percorrer a pista”. Portanto, o significado de


currículo é um misto de caminho, trilha, trajetória, um percurso educacional que o sujeito
percorre intencionando encontrar seu espaço social no mundo. Assim sendo, o currículo deve
ser compreendido como atividade que não se limita à vida escolar, educacional, mas à vida
inteira.
O campo de estudo do currículo surgiu nos Estados Unidos da América, nas primeiras
décadas do século XX. “Em 1938, no Teachers´College, da Universidade de Colúmbia, criou-
se o primeiro Departamento de Currículo do país. Nesse momento, o campo atingiu sua
maturidade” (MOREIRA, 2003, p. 49). Os estudos realizados dos anos de 1920 aos anos de
1970 enfocaram o como planejar, implementar e avaliar currículos, planos e projetos.

Provavelmente o currículo aparece pela primeira vez como um objeto específico de


estudo e pesquisa nos Estados Unidos dos anos vinte. Em conexão com o processo
de industrialização e os movimentos imigratórios, que intensificavam a massificação
da escolarização, houve um impulso, por parte de pessoas ligadas, sobretudo à
administração da educação, para racionalizar o processo de construção,
desenvolvimento e testagem de currículo. (SILVA 2011, p. 12).

Essa foi a era do chamado desenvolvimento curricular, em que a intenção era fornecer
subsídios e sugestões para o trabalho prático desenvolvido pelos docentes nas salas de aula
das instituições educacionais. Goodson (1995, p. 22) esclarece que “o currículo é, por
conseguinte, formulado numa variedade de áreas e níveis. Entretanto, fundamental para esta
variedade é a distinção entre o currículo escrito e o currículo como atividade em sala de aula”.
A partir da constatação do poder do currículo para determinar o que devia se processar em
sala de aula descobriu-se outro: “o poder de diferenciar. Isto significa que até mesmo as
crianças que frequentavam a mesma escola podiam ter acesso ao que representava mundos
diferentes através do currículo a elas destinados”. (Idem, p. 33).
Ainda de acordo com Goodson (1995, p.33) as pedagogias de classe introduzidas na
Universidade de Glasgow influenciavam as pedagogias adotadas nas escolas elementares do
século XIX. A conexão comum entre a pedagogia de classe e “um currículo baseado na
sequência e prescrição é nítido, porém a passagem para a dualidade moderna – pedagogia e
currículo – envolve a transição do sistema de classe para o de sala de aula”. A mudança do
sistema de classe para o de sala de aula e a transição nos estágio iniciais da Revolução
Industrial, no final do século XVIII e início do século XIX, foi extremamente relevante para a
administração da escolarização tanto quanto a mudança da produção domestica para a
produção e administração industriais. O desenvolvimento escolar da Inglaterra, nesta fase,
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girava em torno da intersecção da pedagogia e do currículo, os quais se assemelhavam mais


com os padrões modernos.
Atualmente, a prática pedagógica em sala de aula e nas escolas gira em torno do
currículo, o qual se configura na incidência de práticas distintas. Toda proposta ou padrão de
educação precisa abordar explicitamente o referente curricular. Assim como o desempenho
profissional dos docentes depende da função que lhes foi confiada na ampliação do currículo.
Menegolla e Sant´Anna (1999, p. 51), definem currículo como algo “abrangente, dinâmico e
existencial”, visto em uma dimensão profunda e autêntica que abrange todas as circunstâncias
da história escolar e social do aluno. “É a escola em ação, isto é, a vida do aluno e de todos os
que sobre ele possam ter determinada influência. É o interagir de tudo e de todos que
interferem no processo educacional da pessoa do aluno” (Idem, p. 51).
A elaboração do currículo pode ser considerada um processo pelo qual se inventa a
tradição. Esta linguagem é com frequência utilizada quando as disciplinas tradicionais são
justapostas contra a inovação recente sobre temas integrados ou centrados no aluno. “O
currículo é sempre o resultado de uma seleção: de um universo mais amplo de conhecimento
e saberes, seleciona-se aquela parte que vai constituir, precisamente, o currículo”. (SILVA,
2011, p. 15). As teorias do currículo, ao decidir quais conhecimentos devem ser eleitos,
procuram justificar por que tais conhecimentos devem ser selecionados.
O conceito de currículo como uma particularização exata de processos, metodologias e
técnicas para aquisição de implicações que podem ser adequados, passou a fazer parte das
instituições de ensino, do cotidiano dos alunos, professores, e gestores de escola, e de toda
comunidade escolar. Tornou-se, assim, um campo profissional de estudos e pesquisa e,
decorrentes do currículo, novas teorias surgiram como um meio para levantar questões acerca
do mesmo e maneiras de explicá-lo.
Ainda considerando as origens do termo currículo na educação, o contexto de seu
surgimento é identificado com o da Reforma Protestante de final do século XVI, com o
calvinismo. Provavelmente, o termo teria sido usado em 1582, nas escriturações da
Universidade de Leiden, na Holanda, mas o “primeiro registro que dele se constata é, segundo
o Oxford English Dictionary, o de um atestado de graduação outorgado a um mestre da
Universidade de Glasgow, na Escócia, em 1663”. (SAVIANI, 2003, p. 25). Estas
universidades tinham ligação com as ideias calvinistas de formar predicadores protestantes,
portanto adotam o termo latino curriculum que significa ‘movimento progressivo’ ou
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‘carreira’ para indicar uma entidade educativa que denotava uma totalidade estrutural e uma
integridade sequencial, que devia ser seguido.
O ensino passaria a seguir um plano rigoroso, abrangendo as áreas de estudo, a que
cada professor se dedicaria, e as normas de conduta do aluno da qual dependeria para passar
de um nível ao outro do curso. Os alunos deveriam cumprir as normas estabelecidas, e sua
vida estudantil ficaria sob a supervisão do professor. E representando todo este conjunto o
currículo era o nome dado ao certificado de conclusão de curso, após avaliação dos resultados
de cada estudante.
Na concepção de Silva (2011, p. 12), o currículo surgiu, nos anos vinte, nos Estados
Unidos, como tema particular, apenas como um objeto específico de estudo e de pesquisa. O
currículo surgiu

em conexão com o processo de industrialização e os movimentos migratórios, que


intensificavam a massificação da escolarização, houve um impulso, por parte de
pessoas ligadas, sobretudo à administração da educação, para racionalizar o processo
de construção, desenvolvimento e testagem de currículos.

Com a publicação do livro de Bobbitt “The Curriculum”, em 1918, o currículo passa a


ser visto como um processo de racionalização de resultados educacionais, cuidadosamente
especificados e adequados. O modelo institucional dessa concepção de currículo é a fábrica.
No modelo de currículo de Bobbitt, os estudantes devem ser processados como um produto
fabril uma vez que, para ele, o currículo é a especificação precisa de objetivos, procedimentos
e métodos para a obtenção de resultados que podem ser determinados. Por meio deste modelo,
percebe-se o real significado de currículo, para diversas instituições educacionais o que ele
definiu como currículo tornou-se realidade. Nesse entendimento, “o currículo sempre foi o
que Bobbitt diz ser: ele se limitou a descobri-lo e a descrevê-lo”. (SILVA, 2011, p. 13). Dessa
forma, ele criou uma noção particular de currículo, e o que ele dizia ser currículo passou a ser,
efetivamente, currículo.
As teorias e práticas curriculares surgiram no Brasil, entre os anos vinte e trinta, como
resultado de uma transferência dos Estados Unidos. As origens do campo, sua introdução nas
universidades brasileiras e os diversos debates relativos ao conteúdo curricular, assim como a
tentativa de reconceptualização do campo do currículo receberam forte influência americana.
Desses debates tomaram parte os curriculistas, os sociólogos e os filósofos. No final dos 1960
e 1970, o campo curricular tomou forma e a disciplina “currículos e programas foi introduzida
nas faculdades de educação brasileiras.” (MOREIRA, 1990, p. 15).
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Podemos perceber que as influências americanas foram fortes e intensa no campo do


currículo brasileiro uma vez é ressaltada em diversos estudos. “Tende-se a considerar, em
síntese, que teorias e práticas curriculares surgem em nosso país como resultado de uma
transferência dos Estados Unidos.” (MOREIRA, 1990, p. 13). Essa influência pode ser
confirmada pela literatura existente na época que incluía nomes de autores americanos
integrados ao pragmatismo e às teorias propostas por escritores europeus, tentando suplantar
os obstáculos da antiga tradição pedagógica advindas dos jesuítas e da reminiscência
enciclopédica, ocorridas com a influência francesa na educação brasileira.
A maior preocupação deste período compreendido entre os anos finais de 1960 e início
de 1970, era que as escolas brasileiras não poderiam continuar copiando modelos estrangeiros
e ficar restritas ao atendimento de grupos privilegiados, e sim, deveriam superar sua
dependência cultural e subdesenvolvimento. As escolas tinham que colaborar para o processo
de desenvolvimento industrial e apresentar ferramentas intelectuais para a discussão crítica
dos rumos a serem seguidos.
Com a instituição do governo militar de 1964 todo o cenário político, econômico,
ideológico e educacional sofreu muitas transformações e diversos acordos foram assinados
com os Estados Unidos, como escreve Moreira (1990, p. 83).

Visando à modernização e racionalização do país. As teorias americanas consistiram


em combinações de ideias tecnicistas e progressivistas. As discussões sobre
currículo espalharam-se e a disciplina currículos e programas foi introduzida em
nossos cursos superiores. A preocupação principal passou a ser a eficiência do
processo pedagógico, indispensável ao treinamento adequado do capital humano do
país.

Nesta época, muitos acordos foram assinados, referentes a diversas áreas, e em meio a
este contexto surgiram novos debates acerca das questões educacionais, tais como: a
campanha de alfabetização de adultos, criação de cultura popular e organização do
movimento de educação de base. Então, a base institucional do campo do currículo deveria
ser ampliada, o que ocorreu logo em seguida, com a introdução de currículos e programas na
universidade brasileira. O surgimento desta disciplina foi favorecido pela Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (Lei 4024/1961). Nesta ocasião, houve avanços significativos
quanto às experiências pedagógico-administrativas, tais como as classes experimentais, os
ginásios pluricurriculares, os ginásios orientados para o trabalho e, foi também neste período,
que as discussões e os estudos sobre currículo se desenvolveram com maior rapidez.
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Esta mesma Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional definiu a composição e as


atribuições do Conselho Federal da Educação (CFE), que se tornou responsável pela
elaboração dos planos. Entretanto, por meio de acordos com a Agência dos Estados Unidos
para o Desenvolvimento Internacional (USAID), muitos relatórios e planos relacionados à
organização do sistema de ensino brasileiro foram elaborados pelos americanos. A fixação
dos currículos mínimos nos cursos de graduação também estava a cargo do CFE, visto que a
introdução de currículos e programas na universidade brasileira foi definida pelo Conselho.
Assim, a base universitária do campo, o curso de pedagogia, foi criada em 1962 quando o
curso foi reformulado pelo CFE, parecer nº 251/1962.
Currículos e Programas foi considerada uma disciplina especializada, que deveria
favorecer uma abordagem mais profunda e teoricamente fundamentada, nas escolas, de
questões curriculares. Porém, nos 1970, o sistema educacional não havia absorvido
inteiramente a ideologia da eficiência e da racionalidade, como esclarece Moreira (1990, p.
126)

O pano de fundo era mais liberal que tecnicista e o trabalho pedagógico ainda não se
fragmentara muito. Assim, o especialista em educação não era visto como
indispensável e a disciplina não se revelou de grande utilidade. Além disso, não
havia professores que lecionassem. Como consequência, currículos e programas não
se difundiu, de fato, em nossas universidades.

Desta forma, foi criado outro espaço institucional para o desenvolvimento do campo
do currículo, uma vez que a LDB 4024/61 abriu espaço para a organização de cursos de
formação de professores para o ensino normal nos institutos de educação. No Rio de Janeiro,
a estrutura do curso foi regulamentada pela legislação posterior, bem como foram definidas as
matérias e disciplinas a serem estudadas. E currículos e programas constituiu-se em matéria
de caracterização do curso, o qual tinha por finalidade analisar os currículos e programas do
curso elementar e do curso normal, além de integrar todos os aspectos da educação em um
único conjunto. E, nos anos 1970, surgiram os primeiros mestrados em currículo. Em 1973,
de acordo com Moreira (2011, p. 21)

Diversos especialistas em currículo participaram de uma conferência na


Universidade de Rochester, dando início a uma série de tentativas de reconceituação
do campo. A despeito das diferenças entre eles, todos rejeitavam a tendência
curricular dominante, criticando seu caráter instrumental, apolítico e ateórico, bem
como sua pretensão de considerar o campo do currículo como ciência. Rejeitavam,
em outras palavras, as perspectivas behaviorista e empirista que caracterizavam a
ciência social americana e a pesquisa em educação.
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Nos anos 1980, o campo educacional brasileiro buscou uma orientação mais
autônoma, a superação do vocabulário curricular especializado “importado” dos EUA, e a
desvalorização dos modelos educacionais tecnicistas associados ao governo militar. Os
autores americanos não causavam mais tanta influência. Neste período, o campo do currículo
ampliou-se bastante, e a maior parte das propostas curriculares estabelecidas nesta época
permaneceu em vigor até metade dos anos 90, influenciando ainda nas formulações
curriculares das instituições de ensino.
Por volta de 1990, as articulações curriculares advindas do governo federal eram
muito simples. Não incidiam de vastas diretrizes, as mesmas apenas definiam uma base
prosaica e uma parte diferenciada do currículo, intencionando que fossem analisadas a
diversidade regional, as características locais e as particularidades do público alvo. Assim,
após meados de 1990, as diretrizes curriculares, elaboradas pelo MEC, passaram a organizar
os referenciais que abrangem os conteúdos para todo o ensino básico. No entanto, todo esse
movimento institucional foi criticado por toda comunidade acadêmica, uma vez que os
parâmetros curriculares nacionais, não passaram de meras discussões até o período de
aprovação de uma nova LDB (Lei nº 9.394/1996). (MOREIRA, 2011)
Atualmente, o currículo recebe atenção de autoridades, políticos, professores e
especialistas da área da educação. Sua posição central no cenário educacional brasileiro
contemporâneo pode ser percebida pelas constantes reformulações dos currículos nos diversos
níveis de ensino, assim como pelo desenvolvimento da produção teórica do campo curricular.

As teorias do currículo

As teorias são classificadas em tradicionais, críticas e pós-críticas. A temática do


poder separa as teorias tradicionais das críticas e das pós-críticas. As teorias do currículo,
portanto, exercem diversos papéis e se transformam em intermediários entre a ação e o
pensamento em educação.
A teoria tradicional, cuja intenção é a neutralidade, a cientificidade, e a objetividade,
tem por finalidade identificar os objetivos da educação, formar o sujeito especializado ou
proporcionar uma educação mais acadêmica, e geral. Eram teorias de concordância,
adequação e ajustamento, carregadas de ideologia, embora de forma oculta. Os modelos
tradicionais não estavam preocupados em fazer qualquer tipo de questionamento mais
detalhado aos arranjos educacionais existentes, às formas dominantes de conhecimento e,
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mais precisamente, à forma social dominante. Apenas se concentrava em formas de


organização e elaboração do currículo.
Essa teoria tem Bobbitt como principal representante, que escreveu acerca do currículo
em um período em que o poder econômico, político e cultural tentava abranger a educação
destinada às massas com o intuito de garantir a eficácia da ideologia que imperava nesta
época. “Bobbitt propunha que a escola funcionasse da mesma forma que uma empresa
comercial ou industrial”. Silva (2011, p. 23). A questão do currículo, na perspectiva de
Bobbitt, era de organização e incidia de forma mecânica e burocrática na escola. Os
curriculistas tinham como meta levantar as habilidades, desenvolver currículos a fim de
permitir que as mesmas fossem ampliadas, delinear e organizar instrumentos de avaliação e
observar se estas metas foram aprendidas.
Silva (2011, p. 24) também cita Tyler em seu discurso sobre currículo dentro da teoria
tradicional: “Com o livro de Tyler, os estudos sobre currículo se tornam decididamente
estabelecidos em torno da ideia de organização e desenvolvimento. Tal como no modelo de
Bobbitt, o currículo é, aqui, essencialmente, uma questão técnica.” Tyler expande o modelo
de Bobbitt ao incluir duas fontes que não eram contempladas por Bobbitt, a psicologia e as
disciplinas acadêmicas.
Em relação a uma visão tradicional, Silva (2011) expõe a teoria de Dewey, pautada
mais na democracia do que com o funcionamento da economia, preocupando-se com o
método e princípios democráticos no espaço escolar. Diferentemente de Bobbitt, Dewey não
se preocupava com a formação para a vida ocupacional do sujeito. O foco de sua preocupação
também era, em relação ao planejamento curricular, levar em consideração os interesses e as
experiências dos sujeitos. Para ele, o ambiente no qual o jovem fosse criado deveria levá-lo a
comportar-se, sentir, e pensar de acordo com certos padrões, mas o meio não imporia ideias e
comportamentos diretamente. A assimilação dar-se-ia por meio da participação em atividades
em grupo e, gradativamente, passaria a se preocupar com os fins comuns e com os meios
adequados.
Assim, as teorias tradicionais podem ser sintetizadas em objetivos, conteúdos e ensino
destes conteúdos e os resultados. Os modelos mais tradicionais de currículo, tanto os técnicos
quanto os progressistas de base psicológica, só iriam ser definitivamente contestados nos
Estados Unidos, a partir dos anos 70, com o chamado movimento de “reconceptualização do
currículo", um movimento contrário à concepção tecnicista do currículo. Distinguiu-se como
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uma forma de demonstrar insatisfação, a inquietação e a crítica aos modelos tecnocráticos


estabelecidos pelos primeiros exemplos de currículo, como o de Bobbitt e de Tyler.
A teoria crítica surgiu na década de 1960, em meio a tumultos e transformações pelos
quais passavam o mundo todo, como por exemplos: os movimentos de independência das
antigas colônias europeias; os protestos contra a guerra do Vietnã; os movimentos de
contracultura; o movimento feminista; a liberação sexual; as lutas contra a ditadura militar no
Brasil. Nesta mesma época surgiram livros, ensaios, teorizações que colocaram em dúvida o
pensamento e as estruturas tradicionais. As primeiras teorizações críticas, completamente
contrárias aos fundamentos das teorias tradicionais, questionavam o pensamento e a estrutura
educacional tradicional, principalmente as concepções de currículo.

Os modelos tradicionais de currículo limitaram-se à atividade técnica de como fazer


o currículo. As teorias críticas sobre o currículo, em contraste, começam por colocar
em questão precisamente os pressupostos dos presentes arranjos sociais e
educacionais. Para as teorias críticas o importante não é desenvolver técnicas de
como fazer o currículo, mas desenvolver conceitos que nos permitam compreender o
que o currículo faz. (SILVA, 2011, p. 32).

O movimento de reconceptualização traduzia um grande descontentamento dos que se


ocupavam com o campo do currículo e com os parâmetros tecnocráticos estabelecidos por
Bobbitt e Tyler. Aqueles que se identificavam com o movimento de reconceptualização
começavam a perceber que a concepção do currículo como uma atividade puramente técnica e
administrativa não se enquadrava muito bem com as teorias sociais de origem, sobretudo,
européia: a fenomenologia, a hermenêutica, o marxismo e a teoria crítica da Escola de
Frankfurt. “O que era considerado, dentro da perspectiva tradicional, como currículo era o que
precisava, de acordo com as teorias sociais, ser questionado e criticado.” (SILVA, 2011, p.
37).
Na perspectiva fenomenológica, o currículo é visto como experiência e como espaço
de interrogação e questionamento desta experiência. No currículo tradicional os estudantes
são encorajados a adotar a atitude supostamente científica a qual caracteriza as disciplinas
acadêmicas. De acordo com as teorias críticas, esta atitude ensina o conformismo, a
obediência e o individualismo, exatamente as ações que mantêm a ideologia dominante. No
currículo fenomenológico os alunos são encorajados a aplicar a atitude que caracteriza a
investigação fenomenológica à sua experiência, ao seu próprio mundo vivido.
A teoria pós-crítica busca um currículo multicultural - a identidade, a alteridade e a
diferença - que sugere uma disposição para entender, reverenciar e aceitar as diversas culturas
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existentes. Ou mais ainda, as distintas culturas não deveriam ser apenas toleradas e
respeitadas, haja vista que um currículo fundamentado nesta teoria não se limitaria, pois, a
ensinar tolerância e respeito, mas insistiria numa análise dos processos pelos quais as
diferenças são produzidas por meio de relações de assimetria e desigualdade. Esta teoria
clarifica que o poder não pode ser centralizado.

Nas teorias pós-críticas, entretanto, o poder torna-se descentrado. O poder não tem
mais um único centro, como o Estado, por exemplo. O poder está espalhado por toda
a rede social. [...] O mapa do poder é ampliado para incluir os processos de
dominação centrados na raça, na etnia, no gênero e na sexualidade. (SILVA, 2011,
p.148).

Ao questionar alguns dos pressupostos da teoria crítica de currículo, a teoria pós-


crítica introduziu um novo elemento de tensão no centro mesmo da teorização crítica. Na
teoria do currículo, a teoria pós-crítica ajusta-se à teoria crítica para contribuir na
compreensão dos processos pelos quais o ser humano torna-se o que é. A teoria pós-crítica,
embora vista como continuação da teoria crítica não deixa de questionar algumas de suas
primícias. Tanto uma quanto a outra partilha de uma mesma preocupação com as questões de
poder, mas a estrutura da pós-crítica é menos estruturalista, e o poder e o conhecimento não se
opõem, são interdependentes. São as conexões entre significação, identidade e poder que
passam a ser enfatizadas. O currículo está envolvido nos processos de formação do sujeito.
Deste modo, o currículo é uma questão de poder e identidade. A teoria pós-crítica
destaca o currículo multiculturalista, que faz uma separação entre a diversidade das formas
culturais e o mundo contemporâneo.

O multiculturalismo, tal como a cultura contemporânea, é fundamentalmente


ambíguo. Por um lado, o multiculturalismo é um movimento legítimo de
reivindicação dos grupos culturais dominados. [...] O multiculturalismo pode ser
visto, entretanto, também como uma solução para os problemas que a presença de
grupos raciais e étnicos coloca para a cultura nacional dominante. (SILVA, 2011, p.
85).

Apesar da ambiguidade, ou por causa dessa ambiguidade, o multiculturalismo


representa um importante instrumento de luta política. De uma forma ou de outra, o
multiculturalismo não pode ser separado das relações de poder que obrigaram as diferentes
culturas raciais, étnicas e nacionais a viverem no espaço antes destinado apenas à cultura
branca, masculina, europeia e heterossexual que formavam a cultura do grupo social
dominante. Nesta concepção, nenhuma cultura pode ser avaliada como superior ou inferior à
outra. Num currículo multiculturalista crítico, a diferença, mais do que tolerada ou respeitada,
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é colocada permanentemente em questão. Silva (2011, p. 90) afirma que: “O


multiculturalismo mostra que a gradiente da desigualdade em matéria de educação e currículo
é função de outras dinâmicas, como as de gênero, raça e sexualidade, por exemplo, que não
podem ser reduzidas à dinâmica de classe”.
Após as teorias críticas e pós-críticas do currículo, é impossível compreender o
currículo unicamente por meio de conceitos técnicos como os de ensino e eficiência ou de
categorias psicológicas como as de aprendizagem e desenvolvimento ou ainda de imagens
estáticas como as de matriz curricular e lista de conteúdos. O currículo pode ser entendido
como uma composição de todos estes itens, uma vez que ele é também aquilo que se faz dele,
porém pode-se concebê-lo de outras maneiras, percebê-lo de aspectos que estão além das
perspectivas tradicionais.
As teorias do currículo reportam a muitas veracidades e impossibilidades, uma vez
que o currículo pode ser entendido e interpretado de diversas formas, tanto sob o ponto de
vista tradicional, crítico ou pós-crítico. Silva (2011, p.150) acrescenta, ainda, que

Em suma, depois das teorias críticas e pós-críticas, não podemos mais olhar para o
currículo com a mesma inocência de antes. O currículo tem significados que vão
muito além daqueles aos quais as teorias tradicionais nos confinaram. O currículo é
lugar, espaço, território. O currículo é relação de poder. O currículo é trajetória,
viagem, percurso. O currículo e autobiografia, nossa vida, curriculum vitae: no
currículo se forja nossa identidade. O currículo é texto, discurso, documento. O
currículo é documento de identidade.

Compreendemos que a partir da teoria tradicional até à pós-crítica, as teorias do


currículo tem compartilhado as mesmas questões: poder, identidade e significado. Assim
sendo, toda teoria do currículo intervêm de maneira negativa ou positiva na práxis pedagógica
escolar, instituição e na própria ação do educador, visto que a função da teoria curricular é
abranger e delinear as ocorrências da atividade e da práxis curricular. É por meio da teoria que
teremos o entendimento dos objetivos e das vontades de um determinado grupo social. Silva
(2011) acrescenta que o ponto principal de qualquer teoria do currículo é distinguir dentre
tantos qual conhecimento deve ser ensinado e como deve ser ensinado.

O currículo e o multiculturalismo na escola – inclusão de todos à educação

Sacristán (2000) afirma que a escola tem sido um mecanismo de normalização. O


multiculturalismo na escola nada mais é do que a inclusão de todos à educação, procurando
atender aos interesses de todos, independentemente de etnias, deficiências ou diferentes
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grupos minoritários, geralmente excluídos e marginalizados. Na sua concepção o currículo


educacional deve atender a todas estas diversidades, pois a sociedade não é homogênea. Para
tanto, o currículo deve ser ampliado e abranger as necessidades dos grupos minoritários, ou
seja, não pode se prender apenas a cultura dominante e geral, mas sim reconhecer a
singularidade dos indivíduos.
Para que aconteça a inclusão de grupos minoritários, é necessária uma discussão
profunda sobre a temática, a qual deve envolver toda a comunidade escolar. O ponto de
partida para o movimento inicial é o planejamento curricular, mas é no currículo real, ou seja,
as práticas educativas, que de fato ocorrem à desvalorização das experiências dos alunos e as
discriminações. Para Sacristán (2000), a cultura transmitida pela escola confronta com outros
significados prévios, por isso, deve-se pensar em um currículo extraescolar, para que os
educadores possam mediar os educandos com uma perspectiva multicultural, a qual visa o
currículo em coordenadas mais amplas.
Para que não perca a identidade das culturas, o planejamento curricular, de acordo
com Sacristán (1995), deve se pautar na seguinte estratégia: 1) formação de professores; 2)
planejamento de currículos; 3) desenvolvimento de materiais apropriados e, 4) a análise e
revisão crítica das práticas vigentes. Para esta abordagem, segundo o autor, deve-se modificar
muito o currículo.
Em relação ao papel da escola Candau (2002) enfatiza que as diversidades culturais
existentes nas diferentes sociedades, como: os negros americanos; os emigrantes em países
desenvolvidos; os emigrantes no Brasil; e mais, as muitas distintas culturas que variam de
grupos e de pessoas se fazem presentes no interior da escola. A escola neste sentido, não
pode reproduzir a cultura dominante, ela deve considerar as vivências dos educandos e
contribuir para uma pedagogia libertária.
Em decorrência do fracasso escolar, intensificaram-se os estudos a respeito do
multiculturalismo associado com a Antropologia, mas também se viu a Psicologia como uma
das ciências importantíssima para a resolução dos problemas. Esta autora faz referencia à
teoria de Paulo Freire, a qual buscou em uma perspectiva da cultura popular, alfabetizar
muitas pessoas em blocos divididos, os quais os educadores faziam um estudo do cotidiano
das pessoas para daí então, começar alfabetizá-los, considerando a linguagem e os termos
comuns.
O multiculturalismo, de acordo com Candau (2002), tem sua maior representatividade
no EUA, porque lá vivem negros, mexicanos, porto-riquenhos, chineses e uma pluralidade de
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raças e etnias distintas. Durante a década de 1960, tiveram muitas manifestações em prol da
igualdade dos negros perante aos brancos, eles reivindicavam direitos e participação iguais na
sociedade, independentemente de raça, sexo, crenças e religião. O multiculturalismo enfim, se
apresenta de muitas formas, as quais não se limitam a uma única tendência. Por isso, sua
abordagem educacional é muito ampla, fazendo uma reforma drástica no currículo para uma
perspectiva de diversidades.

Perspectivas para consciencialização das diferenças na escola

Entendendo que é no ambiente escolar que mais existe diversidade, principalmente


cultural e social, compreendemos que a escola também é um espaço conveniente para se
trabalhar as diferenças. É essencial, portanto, trazer à consciência a necessidade de elaborar
um currículo que contemple o multiculturalismo, e de preparar o educador/educadora para
lidar com as diferenças no espaço educativo. O currículo, por se referir a todas as situações
que o aluno vive, tanto dentro quanto fora do contexto escolar, não se limita a questões ou
problemas que só se relacionam ao âmbito escolar - nasce fora da escola para, então, entrar
nela.
No âmbito educacional, educadores e educadoras se veem envolvidos em
questionamentos sobre o seu papel, sobre o trabalho que realizam e em que tipo de cidadão
eles estão formando. Corroborando com esse discurso Silva (2010, p. 8) afirma que

Vivemos num tempo de afirmação da identidade hegemônica do sujeito otimizado


[...] É num tempo como esse que nós, educadores e educadoras (pós)críticos/as, nos
vemos moralmente obrigados, mais do que nunca, a fazer perguntas cruciais, vitais,
sobre nosso ofício e nosso papel, sobre nosso trabalho e nossa responsabilidade.

O currículo, a cultura e as diferenças, termos que se entrelaçam firmemente e, ao


mesmo tempo não pode ser estudado separadamente da cultura, são duas teorias essenciais
para a transmissão de uma teoria educacional dentro de uma sociedade. Por isso, dentro de um
currículo escolar é necessário a transmissão das diversas formas culturais expressadas dentro
de uma sociedade, possibilitando ao educando compreender e identificar- se dentro do espaço
escolar o universo no qual ela esteja ou estará inserida dentro de uma sociedade.
De acordo com Tardiff (2010, p. 149), a complexidade de ser professor não está
somente em ser professor, mas sim em ser profissional-pessoa, e ter a sensibilidade de
perceber que o ser humano esta inserido no mundo complexo, onde a cultura, a razão, o afeto
e a vida em sociedade podem conduzir os diversos caminhos da existência e, por meio dessa
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trajetória, estará se constituindo. O autor afirma que o docente é aquele que “deve habitar e
construir seu próprio espaço pedagógico de trabalho de acordo com limitações complexas que
só ele pode assumir e resolver de maneira cotidiana, apoiando necessariamente em visão de
mundo, de homem e de sociedade”.
As instituições educacionais, em sua maioria, comportam profissionais e estruturas
que não correspondem às demandas educativas da sociedade. Os educandos da
contemporaneidade, os quais possuem culturas e realidades diferentes, necessitam de
ambiente favorável que proporcione aporte suficiente para ampliarem suas habilidades
intelectuais e, sobretudo, de educadores com formação adequada ao atendimento às
diferenças, às desigualdades sociais e culturais existentes entre os indivíduos. Não há uma
educação que atenda a todos igualmente, visto que cada indivíduo aprende em seu tempo e
espaço e de forma diversa. É esse justamente um dos maiores obstáculos a ser vencido:
trabalhar com a diversidade dentro da sala de aula.
O mundo globalizado, as informações chegando de modo acelerado, o avanço de
novas e complexas tecnologias exige uma nova forma de pensar e agir que, muitas vezes,
requer rompimento de padrões anteriormente formados. Padrões esses que, em se tratando do
espaço educacional, generalizava os docentes, não atendendo a individualidade de cada um.
Modelos que tolhem do indivíduo a sua singularidade, tão essencial ao seu desenvolvimento e
construção de sua história a partir de seu próprio eu e, após isso, ser capaz de oferecer sua
contribuição na constituição do mundo ao redor.
O caráter de professor está além das paredes da escola, das abordagens técnicas e
metodológicas das práticas educativas, e exige saberes amplos que estão além do saber
ensinar. Portanto, é indispensável que o docente esteja atento quanto as suas percepções no
seu trabalho diário. Nóvoa (1995, p.14), enfatiza que a “maneira de ensinar evolui com o
tempo e com as mudanças sociais”. Conhecer o aluno e ter consciência do que idealiza com
sua ação é imprescindível na atividade docente.
A educação, por conseguinte, é um fenômeno social inseparável da constituição dos
sujeitos e da sociedade, integrante da vida social, econômica, política, cultural. Neste enfoque,
trata-se, pois, de um processo global interligado à prática social, compreendendo processos
formativos que ocorrem numa variedade de constituições e atividades, nas quais os sujeitos
estão envolvidos de modo imprescindível e inevitável, pelo simples fato de existirem
socialmente.
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A escola é compreendida como o espaço de comparação entre os conhecimentos


sistematizados e os conhecimentos do cotidiano dos alunos. É um espaço, no qual se propõe a
formação de indivíduos que compreendam criticamente o contexto social em que se inserem,
que encontrem sentido no seu aprendizado, que tenham acesso ao conhecimento, e que, acima
de tudo, sejam capazes de uma inserção transformadora na sociedade.
Tardif (2010) afirma que os saberes dos professores trazem consigo as marcas de seu
objeto de trabalho: os seres humanos, os quais têm a forte característica de existirem como
indivíduos, apesar de pertencerem ao coletivo, a grupos sociais diversos. Esse autor atenta
quanto à prática profissional do docente:

[...] Esse fenômeno da individualidade está no cerne do trabalho dos professores,


pois, embora eles trabalhem com grupos de alunos, devem atingir os indivíduos que
os compõem, pois são os indivíduos que aprendem. Do ponto de vista
epistemológico, essa situação é muito interessante. É ela que orienta a existência, no
professor, de uma disposição para conhecer e para compreender os alunos em suas
particularidades individuais e situacionais, bem como em sua evolução em médio
prazo no contexto da sala de aula. (TARDIF, 2010, p. 267).

Perceber os alunos como indivíduos, independente de quais sejam os níveis e


modalidades de ensino, exige dos profissionais do ensino uma reflexão sobre suas práticas
educativas.

Considerações

Por meio da proposição de ensino é que se torna possível definir currículo, delineando
com ele a consolidação dos desempenhos da instituição escolar e a sua própria maneira de
enfocá-las no tempo e no espaço. É importante que se tenha um profundo conhecimento de
suas estruturas as quais estão ligadas à adaptação política, à categoria de decisões, ao
planejamento, ao desenvolvimento das atividades relacionadas à aprendizagem e à avaliação
dos resultados. Só assim compreender-se-á o real significado de currículo.
O currículo é o foco fundamental da educação, visto como um instrumento que sustém
o funcionamento da escola, estando ligado fortemente à sociedade, à profissionalização dos
sujeitos, dos profissionais da educação, educadores, docentes e às alterações dos conteúdos.
Essa ferramenta é cultural, econômica, social e política, haja vista que o lugar que a educação
ocupa na sociedade quanto a esses aspectos é imprescindível.
No mundo contemporâneo, cabe à escola ofertar um currículo que consiga
acompanhar as transformações, a fim de não se tornar ultrapassado, fora do contexto do
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acelerado movimento presente na atualidade. Não podemos deixar de concordar quanto ao


valor significativo da política educacional referente à construção do currículo. No entanto, é
imprescindível deixar claro que é função da escola a construção do seu próprio currículo e de
seu próprio PPP. Ressaltamos também que as bases curriculares são: a sociedade, as políticas,
a escola, o professor e o aluno, os quais são responsáveis neste processo.
Procurar meios de combater as discriminações e preconceitos faz parte do trabalho do
educador/educadora, o qual provido de conhecimento cultural, social, econômico, político,
bem como observar a diversidade étnico-cultural existente em nossa sociedade, poderá
atenuar ou talvez erradicar esse imenso problema presente na sociedade atual. Quando se
pensa em uma educação de qualidade, pensa-se logo em uma educação inclusiva, construída
com base em um currículo multicultural, ético e moral, respeitando as diferenças,
reconhecendo a existência da homogeneidade.

REFERÊNCIAS

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propostas. Rio de Janeiro: Vozes, 2002.

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currículo. Belo Horizonte, MG: Autêntica, 2011.

TARDIF, Maurice. Saberes Docentes e Formação Profissional. 11º ed. Petrópolis, RJ:
Vozes, 2010.

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