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MULTICULTURALISMO E PÓS
PÓS-MODERNIDADE:
MODERNIDADE: REFLEXÕES SOBRE
CULTURA, EDUCAÇÃO MUSICAL E CURRÍCULO EDUCACIONAL
Renan Santiago147
Resumo: Este artigo tem como objetivo levantar reflexões teóricas que levem ao leitor a entender a
emergência de um pensar na Educação musical brasileira que abranja não somente as capacidades
cognitivas dos educandos, mas também a sua cultura, a sua musicalidade e os seus interesses. Esse
texto mostra-se
se relevante, pois, com a Lei nº11.769, que obriga haver a presença do conteúdo
“Música” nas escolas, a sociedade precisará de mais professores de Música para suprir as
necessidades dessa nova lei, e estes professore
professoress têm que estar minimamente preparados para os
desafios que a multiculturalidade encontrada na sala de aula impõe.
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"Núcleo Sociocultural Semente do Amanhã" (RJ). Licenciado em Música pelo Conservatório Brasileiro de
Música - Centro Universitário (CBM-CEU) CEU). Graduando
raduando em Licenciatura em Pedagogia pela Universidade
Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Experiência
xperiência na área de Currículo, Didática e legislação
educacional voltados para a realidade multicultural ddasas aulas de Música da educação básica. Professor de
Música em organizações não-governamentais
governamentais e em cursos de Música na cidade do Rio de Janeiro.
holy_renan@yahoo.com.br
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Doutorando
outorando em Educação (Universidade do Estado do Rio de Janeiro - ProPEd/UERJ – com estágio e
aperfeiçoamento no exterior financiado pela CAPES - Universidad Alcalá de Henares (Madri - Espanha);
Mestre em Educação (Universidade Católica de Petrópolis); Especialista em Gestão Escolar e Coordenação
Pedagógica (Universidade Gama Filho). Lice Licenciatura Plena em Educação Artística - Habilitação em Música
(Conservatório Brasileiro de Música - Centro Universitário, CBM CBM-CEU),
CEU), Licenciatura Plena em Pedagogia
(Universidade Nove de Julho); Bacharelado em Música Sacra (Piano) (Seminário Teológico Batist
Batista do Sul do
Brasil). Membro da equipe que elaborou o currículo obrigatório de Artes/Música da rede de escolas da
Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro (SEEDUC); Avaliador do Ministério da Educação
(MEC/INEP), participa na elaboração e revisão do Banco Nacional de Itens - BNI do Exame Nacional de
Desempenho de Estudantes do Ensino Superior (ENADE). Coordenador Geral Acadêmico (CBM – CEU);
Regente coral do Sistema Petrobrás. Artigos publicados em congressos acadêmicos internacionais e periódicos
científicos do Brasil, Espanha, Portugal, México e Argentina. ednardomonti@gmail.com
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Introdução
Segundo Santos apud Santos et al. (2012), a partir do século XVI, com
acontecimentos históricos como a queda do feudalismo e o nascimento da burguesia, o
Iluminismo, a descoberta do “Novo Mundo”, o pensamento humano verificado na Idade
Média começa a evoluir para o que conhecemos como pensamento moderno.
Com o modelo educacional moderno, a Educação ganha mais organização, porém ela
se torna extremamente rígida e inflexível, tendendo ao tecnicismo e ao produtivismo, à
homogeneização do que deveria ensinado e para quem deveria ser ensinado. É o zênite da
pedagogia tradicional, onde o professor é absoluto e os alunos, meros receptores de
conhecimentos.
foi idealizada para um período que já foi superado, cujo projeto fracassou.
Diz-se que esse período já foi superado, pois com outros acontecimentos históricos,
como a Revolução Industrial, a evolução da tecnologia, a globalização, o neo-imperialismo,
entre outros acontecimentos, o mundo entra na era da pós-modernidade, onde a solidariedade
orgânica ganha força e espaço nas sociedades, impondo dependência mútua aos habitantes
das cidades e grandes centros, sendo que essa dependência apenas aumenta o individualismo
cultural dos membros da sociedade.
Segundo Quintaneiro et al. (2002) Durkheim elogiava essa divisão, pois para ele as
especializações e a diferença de erudição e de classes sociais eram necessárias para que
ocorresse a interdependência e a coesão entre membros da sociedade; porém, é notório como
esses fenômenos causaram cissiparidades entre a cultura de diferentes grupos de uma
sociedade.
Esses fatores possibilitam que em qualquer ambiente social de uma sociedade com
solidariedade orgânica, surja o fenômeno que conhecemos como multiculturalidade, que deve
ser administrado pelo multiculturalismo.
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Segundo Lazzarin (2008), é relevante que conheçamos a diferença entre estes dois
termos, comumente vistos como sinônimos. Para este autor, multiculturalidade é a presença
de grupos com culturas diferentes compartilhando o mesmo ambiente social, e entende-se por
multiculturalismo a forma na qual os problemas gerados pelo convívio desses grupos (ou
seja, pelo choque de culturas) são administrados a fim de não haja conflitos e de que nenhum
grupo se torne hegemônico.
A Educação é uma das fortes armas do multiculturalismo. Penna (2012) nos diz que
“questionando o currículo como expressão da cultura dominante, o multiculturalismo busca
propostas que possam acolher a diversidade cultural presente na sociedade, contribuindo para
a formação de cidadãos tolerantes e democráticos (PENNA, 2012, p. 87).
Não havendo modificação nas políticas internas e externas nas escolas, o fenômeno da
multiculturalidade passa ser visto como negativo, como um problema. Sobre isso Carrano
(2008) afirma que:
Os jovens, mesmo aqueles das periferias onde a cidade não rima com cidadania, são
mais plurais do que aquilo que a instituição escolar normalmente intui ou deseja
receber. As escolas esperam alunos e o que lhes chega são sujeitos de múltiplas
trajetórias e experiências de vivência do mundo. (CARRANO In MOREIRA &
CANDAU, 2008, p. 205).
Ora, nossas instituições escolares temem a multiculturalidade não por seus atores em
si, mas sim, porque não sabem como trabalhar com Educação para um ambiente
multicultural; em outras palavras, não sabem aplicar o multiculturalismo na
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Assim, ele critica arduamente o ensino conservatorial “por [este] não levar em conta a
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natureza peculiar da criança, as suas tendências e seus interesses” (PEREIRA, 1937, p.79). O
ensino da leitura e escrita musical deveria ser precedido pelo envolvimento corporal e mental
do educando com a Música. Primeiramente a criança deveria aprender a gostar de Música e
se sentir motivada a aprender. Acerca desse assunto, assim Sá Pereira se expressa:
[sic]Si o mestre não tiver sabido despertar na criança interesse e vontade de aprender,
a aprendizagem facilmente se tornará odiosa, assim como tudo que com o estudo se
relacione, a começar pelo próprio mestre. As letras, no nosso caso: as notas, aqueles
sinais sem vida e sem significação para o seu espirito ainda refractario a abstrações
simbolicas, só tedio e desinteresse lhe podem causar. Muito mais divertido seria estar
brincando lá fora, onde tanta coisa interessante acontece, em vez de estar ali quieta,
sentada deante de um livro cacête, a aprender coisas aborrecidas sem mesmo saber
porque e para quê (PEREIRA, 1937, p. 14).
Despertar o interesse no educando era uma regra principal. É mais interessante que o
educando goste de música e seja desafinado do que solfeje perfeitamente sem gostar do que
está fazendo.
Porém, mesmos com os avanços feitos por Sá Pereira e Liddy Mignone, uma
Educação musical lúdica ainda não se tornou referência para o ensino de Música e resquícios
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e influências do ensino tradicional de Música são perceptíveis até hoje na realidade educativa
do Brasil.
Com o auxílio do governo Vargas e pelo renome que Villa-Lobos conquistara como
compositor, sua proposta, mesmo que fosse de certa forma um pouco desatualizada até para a
época, teve uma amplitude e reconhecimento bem maior do que as propostas de Sá Pereira e
de Liddy Mignone, porém devemos saber que esses três educadores têm a mesma
importância, no que tange à estrutura da atual Educação musical brasileira. Sobre isso
Menezes apud Amato (2007) afirma que:
fim de atender a idade cognitiva do educando. Nos dias atuais, já é possível ver que o ensino
lúdico está bem mais presente na dinâmica dos professores de Música da Educação básica.
Piaget descreve a sucessão dos estágios como constante, ainda que as idades
cronológicas em que aparecem possam diferir de criança para criança e de uma
sociedade para outra. Cita os resultados de Monique Laurendeau e Adrien Pinard,
psicólogos canadenses que desenvolveram muitos dos experimentos de Piaget e
encontraram os mesmos estágios entre as crianças de língua francesa de Montreal.
Contudo, ao refazerem a pesquisa na Martinica, uma ilha do Caribe onde se fala o
francês, constataram um retardo de cerca de quatro anos no atingimento dos diferentes
estágios. Piaget explica esse fato como resultante de uma civilização tropical muito
repousante, simples e não-desafiadora. Ele próprio constatou um retardo sistemático
de dois anos entre as crianças camponesas da Suíça, em comparação com as crianças
urbanas de Genebra (PULASKI, 1980, p.31).
Santos (2012) continua a dizer que logo após a morte de Villa-Lobos e a instauração
da Ditadura Militar no Brasil, o projeto do Canto Orfeônico encontra seu encerramento,
sendo substituído pelo governo militar pela Educação artística, que “sem priorizar nenhuma
manifestação estética, [...] se dirigiria mais para o preparo de ‘apreciadores de arte’, como a
investir no lazer, mais do que na formação do artista” (SANTOS, 2012, p. 193).
Silva (2009) diz também que currículo escolar é muito mais do que um documento que
organiza, direciona e formaliza a Educação formal. Este é, principalmente, um documento que
expressa lugar, espaço, território (no sentido que separa geograficamente, por meio da Educação,
grupos sociais distintos); de poder (pois os conteúdos escolares diferenciados corroboram para que
uma classe social seja dominante, e a outra, dominada); e trajetória, viagem, percurso (se referindo à
nossa história educacional). O currículo, portanto, mais do que um mero documento físico, é uma
ferramenta simbólica, que se mistura à nossa trajetória de vida, forjando a nossa identidade. Nossa
identidade atual é consequência direta do currículo escolar que esteve, ou está, presente em nossas
vidas (SILVA, 2009, p. 150).
Ainda em Silva (2009), temos que o currículo escolar era primeiramente classificado como
currículo tradicional. Este buscava ser neutro (não favorecer nenhuma classe), científico e objetivo,
porém, essa teoria não demonstrou essa neutralidade, por abordar, em sua maioria, conteúdos que são
apenas de interesse da classe dominante.
Ora, nas décadas de 60 e 70 do século XX, surge uma corrente da Sociologia da Educação
que combate a teoria de ensino tradicional e seu currículo. Essa corrente é conhecida como teoria da
Sociologia crítica ou teoria crítico-reprodutivista e são representadas principalmente pelos franceses
Louis Althusser e Pierre Bourdieu. Uma breve explicação de Saviani apud Cassin (2008) vem a
seguir:
A escola dessa forma tende a funcionar como uma instituição reprodutora das
desigualdades sociais, o que Louis Althusser denominou de Aparelhos Ideológicos do Estado,
ou simplesmente, AIE (CASSIN, 2008).
A escola, fazendo parte do AIE escolar, força os indivíduos pertencentes às classes populares
a não aprender sobre suas próprias culturas, sobre sua própria identidade, mas, muito pelo contrário,
faz com que estes venham a aprender hábitos, costumes, atitudes e erudições que não lhes pertencem.
Esse fenômeno foi chamado por Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron (1990) de violência
simbólica, ou seja, quando um grupo social dominante impõe sua cultura e outros conceitos
simbólicos a outro grupo dominado.
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Portanto, o ensino que não leva em conta a questão cultural tende a ser hegemônico,
ensinando apenas a cultura de um grupo social em especial: aquele que domina todos os outros
grupos. A Educação (incluindo a musical) tende, dessa forma, a ser uma ferramenta que faz com que
o grupo dominador continue com seu status quo, ao impedir que os outros grupos se desenvolvam.
Em resumo, pode-se dizer que a teoria crítica do currículo buscou analisar a teoria tradicional
do currículo e simplesmente fez uma crítica não pragmática, sendo assim, sabia-se das deficiências da
teoria tradicional do currículo, mas, conhecendo os pontos falhos desta, não se sabia para onde
conduzir a Educação a fim que estes fossem dissipados. Em meio às dúvidas tormentosas, surge a
teoria pós-crítica do currículo.
Esta teoria nasce como uma continuidade da teoria crítica. A partir da sociologia marxista e
da crítica dos críticos do reprodutivismo, sabemos que existe luta entre as classes sociais e que a
classe dominante usa a escola e o currículo oculto desta para manter-se dominante e propagar a sua
cultura, e também sabemos das graves consequências educacionais que as classes populares convivem
por causa dessa ideologia, sendo essas principais consequências a violência simbólica e a falta de
interesse pela escolarização.
A Educação musical, portanto, precisa se situar dentro das teorias críticas e pós-
críticas, pois, desta forma, a cultura do educando e o multiculturalismo poderá ser mais
respeitado nas salas de aulas, e a disciplina de Música não será mais uma ferramenta de
reprodução das desigualdades sociais. Acreditamos que essa será a segunda grande
transformação na Educação musical no Brasil e o próximo subtópico falará mais sobre isso.
Mesmo com todos os avanços no contexto educacional, a Educação musical ainda não
se adequou de forma satisfatória às questões culturais. O ensino conservatorial que privilegia
a Música dita como “erudita” e superioriza esta em relação à música dos grupos dominados,
ainda é encontrado no meio educativo.
Bourdieu (2008) afirma que cada classe social tem um campo de produção simbólica
e dependendo dos critérios de hierarquização e classificação desses bens produzidos, um
padrão cultural será visto como superior e o outro será tido como inferior. Os grupos
dominantes, dessa forma, tendem a tentar manter sua posição hierárquica privilegiada
impondo sua cultura à outra classe, sendo essa estratégia a base da violência simbólica. Como
conseguinte, a classe dominada nada pode fazer a não ser tentar se moldar a essa cultura ou
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lutar para que a sua seja valorizada; pois a tendência é que haja apenas uma cultura legítima em
uma sociedade.
Considerações Finais
atender essa demanda cultural. Os riscos de haver violência simbólica nos dias de hoje é
exponencialmente maior em comparação ao início do século passado.
Por tais razões, se faz necessária uma nova grande transformação no cenário da
Educação musical brasileira. Uma transformação que leve em conta a necessidade de
situarmos a cultura dos nossos educandos na Educação musical.
REFERÊNCIAS
BOURDIEU, Pierre. Os três estados do capital cultural. In: NOGUEIRA, Maria Alice;
CATANI, Afrânio (Org.). Escritos de educação. 10. ed. Petrópolis: Vozes, 2008, p.71-79.
HONRNBURG, Nice; SILVA, Rubia da. Teorias sobre o currículo: uma análise para
compreensão e mudança. Revista de divulgação técnico-científico do ICP. Vol. 3 n.10 – jan.
– jun./2007
discursivas na educação musical. Revista da ABEM, Porto Alegre, V. 19, 121-128, mar.
2008.
PENNA, Maura. A(s) Música(s) e seu ensino. Porto Alegre: Sulina: 2008
SANTOS, Regina Marcia Simão dos. Educação musical, educação artística, arte-
educação e música na escola básica no Brasil: trajetórias de pensamento e prática. In:
SANTOS, Regina Márcia Simão (org.). Música, Cultura e Educação: Os múltiplos espaços
de educação musical. Porto Alegre: Sulina, 2012.