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FAZER OPERAR INSTITUIÇÃO FINANCEIRA

SEM AUTORIZAÇÃO
(art. 16 da Lei n. 7.492/86)
Elaborada em 18/11/2013

Márcio André Lopes Cavalcante

CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL


Sistema Financeiro Nacional
Sistema Financeiro Nacional é o conjunto de órgãos, entidades e empresas que atuam na regulamentação,
controle e fiscalização das atividades relacionadas com a circulação de moeda e de crédito em nosso país.
Divide-se em dois subsistemas:
a) Normativo: formado pelos órgãos e entidades responsáveis pela regulamentação e fiscalização da
circulação de moeda e de crédito. Exs: CMN, BACEN, CVM etc.
b) Operativo: constituído pelas pessoas jurídicas que operacionalizam (executam) a circulação de moeda e
de crédito. É o caso dos bancos, bolsas de valores, seguradoras, sociedades de capitalização, entidades
de previdência complementar etc.

Relevância e previsão constitucional


Ter um Sistema Financeiro sólido, confiável e eficiente é muito importante para o progresso de um país
porque assim estará disponível maior volume de crédito circulando no mercado, com um custo menor.
Havendo facilidade de acesso às linhas de crédito, os empresários poderão investir em novos
empreendimentos, gerando empregos e riquezas. De igual modo, o mercado consumidor terá facilidades
para aquisição dos bens e serviços, satisfazendo suas necessidades pessoais e mantendo aquecida a
economia.
Ciente dessa relevância, a CF/88 previu, em seu art. 192, que o Sistema Financeiro Nacional deverá ser
“estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da
coletividade”.

Lei n. 7.492/86


Diante da relevância já exposta, o legislador entendeu ser necessária a edição de uma lei específica para
punir condutas que atentem contra o bom funcionamento do Sistema Financeiro Nacional.
Atualmente, os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional são previstos na Lei n. 7.492/86. Vale
ressaltar que essa Lei continua em vigor, tendo sido recepcionada pela CF/88 (RHC 84182, Rel. Min. Marco
Aurélio, Primeira Turma, julgado em 24/08/2004).
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ESQUEMA de aula – Direito Penal (Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional)


DEFINIÇÃO DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA PARA FINS PENAIS

A Lei n. 7.492/86, antes de tratar sobre os crimes, logo em seu art. 1º, define em que consiste uma
instituição financeira para os efeitos penais.
A Lei conceitua, no caput do art. 1º, o que é instituição financeira e também apresenta entidades que
devem ser a ela equiparadas (parágrafo único).

Art. 1º Considera-se instituição financeira, para efeito desta lei, a pessoa jurídica de direito
público ou privado, que tenha como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não,
a captação, intermediação ou aplicação de recursos financeiros de terceiros, em moeda nacional
ou estrangeira, ou a custódia, emissão, distribuição, negociação, intermediação ou
administração de valores mobiliários.
Parágrafo único. Equipara-se à instituição financeira:
I - a pessoa jurídica que capte ou administre seguros, câmbio, consórcio, capitalização ou
qualquer tipo de poupança, ou recursos de terceiros;
II - a pessoa natural que exerça quaisquer das atividades referidas neste artigo, ainda que de
forma eventual.

INSTITUIÇÃO FINANCEIRA EM SENTIDO PRÓPRIO (ART. 1º, CAPUT)


Instituição financeira é a pessoa jurídica que realize
I – a captação, intermediação ou aplicação de II – a custódia, emissão, distribuição, negociação,
recursos financeiros de terceiros. intermediação ou administração de valores
mobiliários.
Comentários: Comentários:
Essa é a atividade típica dos bancos comerciais. Valores mobiliários são títulos emitidos por
Atenção: os recursos financeiros devem ser de sociedades empresariais e negociadas no mercado
terceiros. Para fins penais, se uma determinada de capitais (bolsa de valores ou mercado de balcão).
pessoa jurídica realiza aplicação de recursos Para a sociedade que emite (vende), é uma forma de
financeiros próprios, ela não realiza ato típico de obter novos recursos. Para a pessoa que adquire,
instituição financeira. trata-se de um investimento. O exemplo mais
conhecido de valor mobiliário são as ações.
Podemos citar também as debêntures e os bônus de
subscrição.
Exemplos: bancos, cooperativas de crédito, Exemplos: bolsas de valores, sociedades corretoras
sociedades de crédito. de títulos e valores mobiliários.

INSTITUIÇÃO FINANCEIRA POR EQUIPARAÇÃO (ART. 1º, PARÁGRAFO ÚNICO)


Equipara-se à instituição financeira
I - a pessoa jurídica que capte ou administre II - a pessoa natural que exerça quaisquer das
seguros, câmbio, consórcio, capitalização ou atividades próprias de instituição financeira, ainda
qualquer tipo de poupança, ou recursos de que de forma eventual.
terceiros; e
Comentários: Comentários:
Importante gravar as atividades equiparadas, quais Repare que, para fins de crimes contra o SFN, a
sejam, seguro, câmbio, consórcio e capitalização. pessoa natural pode ser equiparada a uma
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instituição financeira.
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Exemplos: agência de turismo que faz operações de Exemplo: pessoa física que exercia atividade de
câmbio, fundos de pensão, empresas de consórcio. consórcio sem autorização do BACEN.

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Factoring
As empresas de factoring são consideradas instituições financeiras?
NÃO. A factoring não faz a captação de dinheiro de terceiros, como acontece com os bancos. A empresa de
factoring utiliza recursos próprios em suas atividades.
Logo, a factoring não integra o Sistema Financeiro Nacional nem necessita de autorização do Banco Central
para funcionar. Nesse sentido: CC 98.062/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, Terceira Seção, julgado em
25/08/2010.

Resumo:
Instituição financeira em I – a captação, intermediação ou aplicação de recursos
SENTIDO PRÓPRIO financeiros de terceiros;
é a pessoa jurídica (de direito privado
ou público) que realiza, como atividade II – a custódia, emissão, distribuição, negociação,
principal ou acessória intermediação ou administração de valores mobiliários.

I - a pessoa jurídica que capte ou administre seguros, câmbio,


consórcio, capitalização ou qualquer tipo de poupança, ou
Instituição financeira
recursos de terceiros; e
POR EQUIPARAÇÃO é
II - a pessoa natural que exerça quaisquer das atividades
próprias de instituição financeira, ainda que de forma eventual.

FAZER OPERAÇÃO INSTITUIÇÃO FINANCEIRA SEM AUTORIZAÇÃO LEGAL (ART. 16)

Vamos estudar agora o art. 16 da Lei n. 7.492/86, que traz o delito de fazer operar instituição financeira
sem a devida autorização ou obtida com declaração falsa.

Art. 16. Fazer operar, sem a devida autorização, ou com autorização obtida mediante declaração
(Vetado) falsa, instituição financeira, inclusive de distribuição de valores mobiliários ou de
câmbio:
Pena - Reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Em que consiste o delito


O indivíduo comete esse crime quando faz funcionar uma instituição financeira:
 sem possuir autorização legal; ou
 com uma autorização que ele obteve utilizando-se de documento falso.

Para que uma instituição financeira seja criada e funcione é necessária autorização?
SIM. Uma instituição financeira é uma atividade econômica que, se conduzida de forma inadequada, pode
gerar gravíssimos prejuízos a terceiros e à economia do país. Como exemplo, basta recordar os inúmeros
problemas que ocorreram em razão da liquidação dos Bancos Econômico, Nacional e Bamerindus, na
década de 90. Além disso, se não houver uma intensa fiscalização, a atividade bancária pode servir como
instrumento para a prática de delitos, como a lavagem de dinheiro e a evasão de divisas.
Por essas razões, a Lei n. 4.595/64 afirma que as instituições financeiras somente poderão funcionar no
País com a prévia autorização do Banco Central. Se forem estrangeiras, será necessário ainda um decreto
do Poder Executivo (art. 18).
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Sujeito ativo: pode ser praticado por qualquer pessoa (crime comum).
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Sujeito passivo: Estado (em sentido amplo).

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Distribuição de valores mobiliários ou de câmbio:
O art. 16 afirma que também está incluída no conceito de instituição financeira a atividade de “distribuição
de valores mobiliários ou de câmbio”. Essa menção era desnecessária, uma vez que o inciso I do parágrafo
único do art. 1º da Lei já havia feito essa equiparação.

Consórcios: como vimos nos comentários ao parágrafo único do art. 1º da Lei, quem desempenha a
atividade de “consórcio” é equiparado à instituição financeira. Justamente por isso, o STF entende que a
pessoa que faz funcionar consórcio sem autorização legal pratica o delito do art. 16:
De acordo com os artigos 1º, parágrafo único e inciso I, e 16 da Lei nº 7.492, de 16 de junho de 1986,
consubstanciam crimes contra o Sistema Financeiro Nacional a formação e o funcionamento de consórcio à
margem de balizamento legal, de instrução do Banco Central do Brasil. (...)
(RHC 84182, Rel. Min. Marco Aurélio, Primeira Turma, julgado em 24/08/2004)

Elemento subjetivo: é o dolo, não se exigindo nenhum elemento subjetivo específico.

Consumação: ocorre com a prática de ao menos uma operação própria de instituição financeira.
Para que se consuma, não é necessária a ocorrência de prejuízo para terceiros.
Trata-se de crime formal e de mera conduta.

Tentativa: é possível.

Habitualidade: prevalece que não se trata de crime habitual.

Instalações físicas de banco:


O crime pode se consumar mesmo que a instituição financeira não tenha instalações físicas condizentes
com a de um banco, com caixas, funcionários etc. O que interessa é verificar se foram realizadas atividades
próprias de uma instituição financeira. Nesse sentido: MAIA, Rodolfo Tigre. Dos Crimes contra o Sistema
Financeiro Nacional. Anotações à Lei Federal n. 7.492/86. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 444.

Instituições financeiras por equiparação:


Em provas de concurso, tenha muito cuidado com os exemplos que narram situações envolvendo
atividades próprias de instituições financeiras por equiparação (art. 1º, parágrafo único). Assim, configura o
crime do art. 16 quando a pessoa pratica atividades de seguro, de câmbio, de consórcio ou de capitalização,
sem autorização legal.

Factoring
Se o dono/administrador da factoring utiliza a empresa para emprestar dinheiro, pratica esse crime?
Como vimos acima, a factoring não é uma instituição financeira, considerando que não pode fazer a
captação de dinheiro de terceiros, como acontece com os bancos. Além disso, a factoring não pode
emprestar dinheiro. O que a factoring pode fazer é “comprar” títulos de crédito que ainda irão vencer,
fazendo com que a empresa aumente seu capital de giro.
Desse modo, repito: a factoring não pode fazer empréstimos.

E se o dono da factoring realizar empréstimos, ele cometerá qual delito?


Em regra, pratica o crime do art. 4º da Lei n. 1.521/51. Isso porque, como regra, quando a factoring
realiza, de forma ilegal, empréstimos, ela o faz utilizando recursos próprios. O art. 1º da Lei n. 7.492/86
afirma que somente pode ser considerada instituição financeira quem capta, intermedia ou aplica recursos
financeiros de terceiros. Logo, a factoring, quando empresta recursos próprios para terceiros não atua
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como instituição financeira segundo a definição do art. 1º.


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(...) As empresas popularmente conhecidas como factoring desempenham atividades de fomento
mercantil, de cunho meramente comercial, em que se ajusta a compra de créditos vencíveis, mediante
preço certo e ajustado, e com recursos próprios, não podendo ser caracterizadas como instituições
financeiras.
3. In casu, comprovando-se a abusividade dos juros cobrados nas operações de empréstimo, configura-se o
crime de usura, previsto no art. 4°, da Lei n° 1.521/51, cuja competência para julgamento é da Justiça
Estadual. (...)
(CC 98062/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, Terceira Seção, julgado em 25/08/2010)

Excepcionalmente, pode-se imaginar uma situação em que a factoring, de forma ilegal, capta dinheiro de
terceiros e empresta esses recursos, com cobrança de juros, a outras pessoas. Ex: João cede 100 mil reais
para a factoring e esta empresta esse dinheiro para Antônio, que irá pagar 10% de juros ao mês. A factoring
remunera João com 3% e lucra 7%. Nesse caso, como a factoring captou e aplicou recursos de terceiros,
operou como verdadeira instituição financeira, o que configura, em tese, o crime do art. 16 da Lei n.
7.492/86, de competência da Justiça Federal (CC 115.338/PR, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira
Seção, julgado em 26/06/2013).

Agiota
O chamado “agiota” pratica o delito do art. 16?
Em regra não. O agiota é aquela pessoa que empresta dinheiro seu a outras pessoas, cobrando juros e
multa superiores aos que são legalmente permitidos. Segundo o entendimento majoritário, o agiota não
pode ser equiparado a instituição financeira em razão de emprestar recursos financeiros próprios (e não de
terceiros).
Logo, o agiota responde pelo delito do art. 4º da Lei n. 1.521/51 (Lei de Economia Popular), delito de
competência da Justiça Estadual, e não pelo art. 16 da Lei n. 7.492/86.
(...) Na hipótese em que se cuida de empréstimos a juros, com valores próprios e não captados de terceiros,
há, em tese, delito de usura e, não, contra o Sistema Financeiro.
(CC 99305/PR, Min. Maria Thereza De Assis Moura, Terceira Seção, julgado em 11/02/2009)

No entanto, se ficar comprovado que o agiota faz a captação de recursos de terceiros e, com essas verbas,
empresta para outros, poderá ser equiparado à instituição financeira e, portanto, praticar o art. 16. Essa,
contudo, não é a situação mais comum na prática.

Delito do art. 4º da Lei n. 1.521/51:


Como vimos pelos julgados acima, o ponto de toque para diferenciar os delitos é saber se os recursos
emprestados são próprios ou de terceiros:
Art. 4º da Lei n. 1.521/51 Art. 16 da Lei n. 7.492/86
Recursos próprios Recursos de terceiros

Delito do art. 27-E da Lei n. 6.385/76:


O art. 27-E da Lei n. 6.385/76 prevê o seguinte crime:
Art. 27-E. Atuar, ainda que a título gratuito, no mercado de valores mobiliários, como instituição integrante
do sistema de distribuição, administrador de carteira coletiva ou individual, agente autônomo de
investimento, auditor independente, analista de valores mobiliários, agente fiduciário ou exercer qualquer
cargo, profissão, atividade ou função, sem estar, para esse fim, autorizado ou registrado junto à autoridade
administrativa competente, quando exigido por lei ou regulamento:
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Pena – detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. (Incluído pela Lei 10.303/2001)
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Diante disso, indaga-se: o crime do art. 16 da Lei n. 7.492/86 foi revogado pelo delito do art. 27-E da Lei
n.º 6.404/76 (Incluído pela Lei 10.303/2001)?
Não. Segundo decidiu o STF, não houve revogação, uma vez que a objetividade jurídica dos tipos penais é
distinta e há elementos da estrutura dos dois tipos que também não se confundem. O bem jurídico
tutelado pela Lei n. 7.492/86 é a higidez do Sistema Financeiro Nacional, considerando-se instituição
financeira aquela que tenha por atividade principal a captação, intermediação ou aplicação de recursos
financeiros de terceiros. A seu turno, a Lei 10.303/2001 protege a integridade do mercado de valores
mobiliários (HC 94955/SP, rel. Min. Ellen Gracie, 21.10.2008).
Desse modo, o crime do art. 27-E da Lei n.º 6.404/76 é específico em relação ao do art. 16.

COMPETÊNCIA

De quem é a competência para julgar os crimes contra o sistema financeiro nacional?


Compete à Justiça Federal julgar os crimes contra o sistema financeiro nacional, previstos na Lei n.
7.492/86.

A CF/88 prevê, em seu art. 109, VI:


Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
VI - os crimes contra a organização do trabalho e, nos casos determinados por lei, contra o sistema
financeiro e a ordem econômico-financeira;

O inciso VI afirma que os crimes contra o sistema financeiro e contra a ordem econômico-financeira
somente serão de competência da Justiça Federal nos casos determinados por lei. Em outras palavras, nem
todos os crimes contra o sistema financeiro e contra a ordem econômico-financeira serão de competência
da Justiça Federal, mas apenas nas hipóteses em que lei assim determinar.

Os crimes contra o sistema financeiro estão previstos na Lei n. 7.492/86 e são julgados pela Justiça Federal
por expressa previsão legal. Isso porque o art. 26 da lei n. 7.492/86 estabelece:
Art. 26. A ação penal, nos crimes previstos nesta lei, será promovida pelo Ministério Público Federal,
perante a Justiça Federal.

O crime de concessão de empréstimos vedados, previsto no art. 34 da Lei n. 4.595/64, de certa forma
também atenta contra o Sistema Financeiro Nacional, no entanto, no caso desse delito, a competência
será, em regra, da Justiça Estadual, considerando que não existe lei atribuindo sua apuração à Justiça
Federal. 6
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