Você está na página 1de 217

lOMoARcPSD|4918561

Sebenta Direito Bancário

Direito Bancário (Universidade do Porto)

A StuDocu não é patrocinada ou endossada por alguma faculdade ou universidade


Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)
lOMoARcPSD|4918561

1.ª aula - 11 de Fevereiro – Carla Pinto

Começaremos o programa com uma breve introdução. Como está bom de ver, o
Direito Bancário versa sobre o dinheiro. O dinheiro é importante para desenvolver
diversos tipos de atividade. Sem dinheiro não se pode comprar casa para habitação
própria, uma empresa não pode investir no respetivo desempenho... Portanto, sem
dinheiro há muitas atividades que não se podem empreender. Isto implica a
intervenção dos bancos. Implica a intervenção de um particular que queira adquirir
uma casa para habitação própria, em que muitas vezes tem que recorrer a um banco
para contrair um mútuo para a aquisição dessa mesma habitação. Do mesmo modo,
uma empresa que tenha em vista melhorar o respetivo desempenho, muitas vezes, vai
obter um financiamento junto de um banco e esse financiamento pode ser obtido de
diversas formas, mútuo, abertura de crédito, etc., mas tem que recorrer a um banco
para realizar esse objetivo. Os bancos vão emprestar o dinheiro para a satisfação
desses objetivos. O comércio do dinheiro é efetivamente o cerne do direito bancário.
Está em causa, fundamentalmente, o comércio do dinheiro, que é o âmago do direito
bancário.

Nós temos aqui o sector das instituições de crédito e das sociedades financeiras.
Portanto, o fulcro em sentido amplo, globalmente considerado, consiste precisamente
no sector das instituições de crédito e das sociedades financeiras. Mas em sentido
amplo nós podemos referir as instituições de crédito e as sociedades financeiras, mas
podemos referir também o sector dos valores mobiliários, podemos referir o sector
dos serviços de investimento, o sector dos seguros e o sector dos bens financeiros que
são objeto das respetivas operações. Podemos dizer que a atividade financeira cobre
todas estas diversas atividades. A atividade financeira globalmente considerada cobre
no fundo a tripartição da finança e da finança privada. Ou seja, a tripartição em
crédito, em seguro e em investimento. Então o que é que fica de fora? Fica de fora
precisamente o orçamento do estado e ficam de fora as finanças públicas. Nós temos
aqui uma summa divisio em três partes e nesta summa divisio temos o crédito, o
seguro e o investimento, ou seja, termos o mercado bancário, o mercado dos seguros
e o mercado de capitais. Nesta tripartição nós temos a atividade creditícia, a atividade
do crédito que é reservada aos bancos. Esta última é uma atividade que se encontra
reservada à banca. Os bancos são intermediários financeiros que recolhem do público,
das famílias - do sector doméstico - as poupanças. Portanto, recolhem disponibilidades
monetárias, o aforro do público e recolhem esse aforro sob a forma de depósitos ou
sobre a forma de outros fundos reembolsáveis. Não têm necessariamente de ser
depósitos, pode ser sob a forma de outros fundos reembolsáveis, aliás na própria
definição da lei. E recolhem estas poupanças para quê? Com vista precisamente à

concessão de crédito. Recolhem o aforro de uns, aqueles que têm excedentes, para
conceder créditos a terceiros, a outros que precisam de financiamento.1 Só que, e isto
é muito importante, os bancos agem, fazem esta transferência no fundo de fundos
1

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

daqueles que têm excedente, para aqueles que têm défice, por conta própria. Os
bancos agem por conta própria. Esta atividade é exercida por conta própria. Esta
atividade de intermediação creditícia que é exercida pela banca é exercida por conta
própria e este financiamento é essencialmente concedido pelos bancos a empresas, a
empresas da administração pública. Deste modo, os bancos são grandes financiadores
da administração publica, através da concessão de empréstimos ou ao recurso a outras
modalidades de financiamento. Nós temos aqui um mercado de crédito que se
caracteriza pela interposição da banca, pela intermediação da banca. Temos a
intermediação da banca entre os depositantes e aqueles que precisam de
financiamento e isto é a atividade característica da banca desde sempre. Temos o
banco, temos X que deposita as suas economias no banco e temos Y que precisa de
financiamento. Temos, assim, a interposição da banca precisamente na circulação das
disponibilidades monetárias, a intermediação creditícia da banca. A banca age por
conta própria no exercício desta mesma atividade. Ora e isto, esta atividade, assenta
em quê? Para que a banca possa exercer esta atividade tem que haver uma relação de
confiança do público com a banca. Ou seja, o público tem que confiar na solvabilidade
da banca porque se não confiar na solvabilidade da banca não deposita as suas
disponibilidades na banca. (Deixa-as debaixo do colchão.) Tem que confiar na liquidez
e rendibilidade da banca, ou seja, tem que confiar na estabilidade do sistema bancário
porque sem essa confiança naturalmente que não há intermediação creditícia
suscetível de ser levada a cabo com êxito. Assim, essa intermediação baseia-se numa
relação de confiança do público com a banca. Temos aqui uma captação do aforro por
parte da banca. A banca capta as disponibilidades monetárias do público, das famílias
sob a forma de depósitos ou de outros fundos reembolsáveis. A nova noção de
instituição de crédito está no art.2.º da lei bancária. O art.2.º transformou-se no art.2.
- A /g). A banca capta sob a forma de depósitos ou de outros fundos reembolsáveis,
com vista à concessão de crédito. Isto é precisamente o monopólio da banca. Esta é a
atividade que constitui o monopólio da banca, em sentido estrito, conforma consta do
art.8º da Lei bancária. É o monopólio dos bancos. Isto decorre claramente da lei.

Ora, de acordo com os diversos manuais de direito bancário, o direito bancário


abrange as normas e abrange os princípios que dizem respeito às instituições de
crédito e às sociedades financeiras. Isto precisamente para utilizar a terminologia de
que lança mão o legislador na lei bancária. A lei bancária é o regime geral das
instituições de credito e sociedades financeiras. Costuma ser denominada por lei
bancária, que é o DL 298/92, sucessivamente alterado cuja
1 Recolhem as disponibilidades monetárias junto das famílias ou de outras entidades,
para depois concederem crédito a outros terceiros, entidades que precisem de
financiamento.

grande reforma teve lugar agora em Outubro de 2014. Normalmente chama-se lei
bancária por simplicidade de linguagem. Costuma dizer-se que diz respeito aos

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

princípios e normas que dizem respeito às instituições de credito e às sociedades


financeiras.

O direito bancário é um direito dos atores e um direito das atividades. É um ramo do


direito que tem por objeto regulamentar precisamente as atividades exercidas a título
habitual ou seja, a titulo profissional, pelas instituições de crédito e pelas sociedades
financeiras e esta definição mostra que o direito bancário é simultaneamente um
direito dos atores e um direito das atividades. É um direito dos atores porque as
normas legais designadamente as normas constantes da lei bancária são normas que
regulam as condições de acesso e as condições de exercício da atividade bancária.
Quando compulsarem a lei bancária, vamos ver quais são os requisitos legalmente
estabelecidos para que uma determinada entidade possa exercer a atividade bancária.
É necessário uma autorização a conceder caso a caso pelo banco de Portugal e para
que essa autorização seja concedida pelo banco de Portugal é necessário que se
verifiquem determinados requisitos e sem essa verificação a autorização é recusada. E
após ser concedida, é necessária a verificação permanente desses mesmos requisitos.
Se algum desses requisitos desaparecer, não se verificarem supervenientemente, a
autorização é revogada por parte do banco de Portugal. Temos aqui de facto uma
regulamentação das condições de acesso e de exercício da atividade bancária. Por isso
se diz que é um do direito dos atores, o direito bancário uma vez que, temos normas
legais que regulam as condições de acesso e de exercício desta atividade, ou seja, a
atividade desenvolvida por estes atores que são as instituições de crédito e as
sociedades financeiras e entre as instituições de crédito encontram-se os bancos que
são as instituições de crédito por excelência. As instituições de crédito estão e
deveriam ter estado sempre estritamente supervisionadas. Uma supervisão estrita
porque é necessário proteger a clientela dos bancos. Está em causa a tutela da
clientela dos bancos e está em causa também a tutela da estabilidade do sistema
bancário e se está em causa a tutela do sistema bancário está também em causa a
tutela dos sistema financeiro em geral. Daí a necessidade de uma supervisão rigorosa
das instituições de crédito em geral e dos bancos em particular.

O direito bancário é um direito das atividades porque a lei estabelece quais são as
atividades que as instituições de crédito e que as sociedades financeiras podem
desenvolver. E estas atividades são principalmente as operações de banca e no que
toca aos bancos já vimos que estas atividades compreendem a receção de depósitos
ou de outros fundos reembolsáveis, em vista da concessão de crédito por conta
própria. Claro que isto não exclui o exercício de outras atividades na medida em que os
bancos podem exercer outras atividades para além desta. Nós temos um modelo de
banca universal consagrado no art.4º. da lei bancaria que é o modelo europeu,
contrariamente ao sistema norte-americano. O nosso modelo de banca é um modelo
de banca universal e não de banca especializada Os bancos podem exercer outras
atividades, mas

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

este é o âmago da atividade bancária: a receção de depósitos ou de outros fundos


reembolsáveis, por conta própria, para conceder crédito a terceiros, ou seja, distribuir
crédito a partir dos depósitos recebidos do público, dos aforradores. Esta é a função
tradicional da banca: a intermediação creditícia, que é indiscutivelmente a função que
a banca sempre desempenhou. Existe, deste modo, intermediação porque a banca
recolhe estes excedente, estas disponibilidades monetárias junto do público, para
distribuir esta mesma poupança sobre a forma de crédito. A banca estabelece aqui
uma ponte, uma ligação entre os depositantes e aqueles que precisam de
financiamento. Esta é a intermediação creditícia, é a chamada intermediação bancária
que é o que a banca tradicionalmente faz. E é muito importante, como referido, ter em
conta que a banca age por conta própria. E o que é que isto quer dizer? Quer dizer que
são os bancos que dispõem por conta própria dos fundos que lhe são confiados por
estes terceiros, designadamente pelos depositantes. São os bancos que por conta
própria dispõem dessas disponibilidades monetárias, dos fundos que são depositados
pela sua clientela e são os bancos que estão em relação com aqueles que precisam de
financiamento, ou seja, não se estabelece qualquer relação entre X e Y (caso anterior).
Não há qualquer relação entre aqueles que depositam as suas disponibilidades
monetárias no banco e aqueles que precisam de financiamento. Há apenas uma
relação entre o X e o banco e outra relação entre Y e o banco. É isto que significa o
banco agir por conta própria. Os clientes do banco não estabelecem qualquer vínculo
entre si e isto tem uma enorme relevância jurídica. O dinheiro depositado por X serve
para o banco conceder crédito a Y. O dinheiro não vai ficar parado no banco. Como vão
ver o banco não é obrigado a manter em caixa o dinheiro que é depositado, apenas
tem que manter uma determinada percentagem desses depósitos de acordo com a lei
dos grande números porque nem todos os depositantes vão levantar no mesmo dia e
hora o dinheiro que depositam nos bancos. As reservas que os bancos têm que ter, são
estabelecidas percentualmente de acordo com a lei dos grande números. O dinheiro
circula e assim estes fundos reembolsáveis são depositados precisamente para
circular, mas os bancos fazem-no por conta própria. Há uma relação bilateral entre o
banco e X e outra entre o banco e Y. Não há qualquer relação entre os dois clientes do
banco. Isto quer dizer que se porventura o cliente do banco Y incumprir o seu contrato
de crédito naturalmente que X não tem nada a ver com isso. Vencido o seu depósito o
banco tem que o reembolsar. O banco agiu por conta própria. O banco terá sempre
que cumprir o contrato que celebrou com X. X não tem nada a ver com o contrato que
o banco celebrou com Y.

Relativamente a algumas das atividades desenvolvidas pela banca existe, como vimos,
o monopólio. Portanto, a banca goza de um determinado monopólio, o que quer dizer
que os bancos são as únicas entidades a poder exercer essas actividades. Logo, essas
actividades estão vedadas a quaisquer outras entidades porquanto este monopólio
existe relativamente a

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

determinadas operações de banca, que é precisamente a receção de depósitos ou de


outros fundos do público. Portanto, há distribuição do crédito e há gestão de meios de
pagamento. Naturalmente que há outras actividades que constam do art.4.º da Lei
bancária, da listagem das atividades permitidas aos bancos, mas que não são
exclusivas dos bancos, podem ser desenvolvidas por outras entidades,
designadamente por outras instituições de crédito e por exemplo a locação de um
cofre forte não está sujeita ao monopólio bancário. É um tipo de atividade que pode
ser naturalmente exercida por outras entidades pois não há qualquer razão para que
esteja sujeita a um monopólio bancário, aliás como outras atividades constantes do
art.4.º da Lei bancária. Não há qualquer fundamento para um monopólio da banca.
Portanto, o que se pode dizer é que há uma ligação legalmente estabelecida entre as
atividades e os atores, ou seja, certas atividades estão reservadas a certos
profissionais. Por outro lado, a atividade bancária é uma atividade que por natureza é
universal. É uma atividade internacional porque as trocas internacionais são cada vez
mais indispensáveis para o desenvolvimento de qualquer economia. A partir de um
determinado estádio de desenvolvimento económico as trocas internacionais são
imprescindíveis e daí a vocação internacional, praticamente universal do direito
bancário.

Por outro lado, também se pode dizer que o direito bancário tem uma dupla acessão.
Por um lado, o direito bancário é compreendido como um conjunto de princípios e de
normas jurídicas nos quais se encontra o adjetivo bancário e por outro lado, é
entendido como a disciplina, já não como o conjunto de normas e de princípios
jurídicos nos quais se encontra esse predicativo de bancário, mas como a disciplina
jurídico-cientifica que tem por objeto o estudo dessas normas e desses princípios
jurídicos. O que nos importa é a primeira acessão de direito bancário enquanto
compreendendo o conjunto de normas e de princípios jurídicos que dizem respeito às
instituições de crédito e às sociedades financeiras, que têm o tal adjetivo ou
predicativo bancário. Temos aqui as duas grandes áreas, os tais dois grandes sectores.
Por um lado, a organização do sistema bancário e por outro lado, a atividade das
instituições de crédito e das sociedades financeiras. No primeiro caso, ou seja, quando
está em causa a organização do sistema bancário, nós estamos a tratar do direito
bancário institucional, estamos a estudar os bancos e as outras instituições de crédito
assim como, as sociedades financeiras. Estamos a estudar as condições de acesso e de
exercício da atividade bancária, a supervisão prudencial e comportamental desta
atividade. Quando nos referimos ao segundo sector, à atividade das instituições de
crédito e das sociedades financeiras, já estamos a falar das relações que se
estabelecem entre estas entidades e os particulares, designadamente as relações de
natureza contratual que se estabelecem entre os bancos e os seus clientes, os
contratos de depósito, os contratos de mútuo, os contratos de garantia, etc. que se
estabelecem entre os bancos e os seus clientes. Estamos já a falar do direito bancário
material. Portanto, são duas áreas diferentes a

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

que vamos estudar em momentos diferentes deste curso, o direito bancário


institucional e direito bancário material.

Estávamos a analisar o direito bancário. Direito bancário institucional e o direito


bancário material. A doutrina em geral considera que é possível a confeção de um
sistema de normas e de princípios ordenados em função da realidade bancária. Isso de
acordo com os tais dois eixos fundamentais, por um lado, o vetor da organização
bancária, que é o tal direito institucional da banca e por outro lado, o vetor das
relações da banca com os particulares, as relações dos bancos com os seus clientes. O
direito bancário institucional consubstancia-se na disciplina jurídica do sistema
bancário e atualmente este direito bancário institucional corresponde ou reporta-se ao
regime do Banco de Portugal, ao regime das instituições de crédito e das sociedades
financeiras, portanto à lei orgânica do banco de Portugal, à lei bancária. É
fundamentalmente a isso que se reporta o direito bancário institucional e portanto o
direito bancário tem aqui esta particularidade de surgir com fortes traços
institucionais. Prende-se com os bancos, as articulações que entre os bancos existem,
naturalmente, e aos sistemas de supervisão e de controlo que existem sobre os
bancos. Nós aqui no direito bancário institucional dos bancos, neste vetor do direito
bancário, temos fundamentalmente um direito público e dentro do direito público,
tendencialmente de direito administrativo. Mas não só, é apenas tendencialmente
direito público e tendencialmente direito administrativo, na medida em que temos
aqui também o direito das sociedades comerciais pois os bancos são sociedades
comerciais, são sociedades anónimas. Temos aqui também direito privado, não só
direito das sociedades comerciais, mas também outro direito privado. E para além
disto, temos aqui outros direitos, como direitos instrumentais e direitos acessórios que
também aqui estão presentes. Portanto, o direito público, o direito bancário
institucional é tendencialmente direito público. Isto tem a ver sobretudo com a função
e a atuação financeira do estado.

O Banco de Portugal tem funções e competências latas, como podem ver se lerem a lei
orgânica no capítulo das competências do Banco de Portugal. O Banco de Ortugal
ainda hoje apesar da sua integração no sistema europeu de bancos centrais, mantém
competências latas. (... período inaudível...) Tem competência e atribuições latas que
são efetivamente concedidas por lei, que é a lei orgânica. O que é que comete
fundamentalmente ao Banco de Portugal, que é o nosso banco central, o banco dos
bancos ? Compete-lhe definir e executar a política monetária e cambial, gerir as
disponibiidades, e isto está na lei orgânica, externas e outras disponibilidades, gerir as
relações monetárias internacionais, o refinanciamento, em última instância, do
sistema financeiro nacional, etc. Agora com algumas nuances, a partir de Novembro de
2014, também, o Banco de Portugal é a autoridade supervisora e fiscalizadora do
sistema financeiro, com algumas nuances se disse porque temos o BCE com

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

competências de supervisão também, precisamente a partir de Novembro de 2014.


Cabe-lhe (ao Banco de Portugal) autorizar a

constituição de instituições de crédito e de sociedades financeiras e, com algumas


nuances, supervisionar essas mesmas entidades. E porquê? Porque naturalmente se
trata de entidades que estão sujeitas a diversos perigos, a perigos que decorrem
designadamente da instabilidade mundial, da instabilidade da economia mundial. E
perigos que decorrem também de erros humanos. Um erro humano pode ser fatal na
economia de um banco. Trata-se de evitar prejuízos para a clientela dos bancos, trata-
se de evitar prejuízos para a economia nacional e para o comércio internacional.
Portanto, também é preciso ter em conta que os sistemas bancários
fundamentalmente do mundo ocidental se encontram intimamente interligados. Há
uma conexão muito intima entre os sistemas bancários nacionais do mundo ocidental
e portanto são sistemas que cada vez mais funcionam de forma harmonizada, que por
necessidades económicas funcionam cada vez mais de forma harmonizada. Deste
modo, tem que haver uma base sólida de confiança e essa confiança só existe se
houver naturalmente essa supervisão. Por outro lado, como referi, o direito das
sociedades comerciais rege as instituições de crédito e as sociedades financeiras. Aqui
também referi que havia outros direitos acessórios e instrumentais, estão em causa os
direitos registrais, os direitos contraordenacionais, etc. que também se inscrevem no
âmbito do direito bancário institucional.

Por seu lado, o direito das atividades bancárias, ou o direito dos atos bancários, que é
o direito bancário material, ou o direito material dos bancos corresponde
fundamentalmente, ou é tendencialmente, direito privado e dentro do direito privado
é tendencialmente direito obrigacional e dentro do direito obrigacional é
tendencialmente de natureza contratual. Portanto, trata-se das relações que estas
entidades quer os bancos, instituições de crédito, quer sociedades financeiras,
estabelecem com os particulares, clientes. Temos aqui fundamentalmente direito das
obrigações que aqui se reveste de algumas especificidades que são ditadas pela
natureza comercial dos atos bancários e por outro lado pelas especificidades
propriamente bancárias, pelo facto de termos de um dos lados da relação jurídica um
banco e isso vai ditar algumas particularidades e daí a disciplina do direito bancário. De
outra forma não se justificaria pois já temos o direito comercial e o direito das
obrigações. Essas especificidades decorrem da natureza bancária de um dos sujeitos
da relação jurídica. Assim sendo, temos aqui fundamentalmente contratos bancários e
aqui como é típico do direito das obrigações ao abrigo do princípio da autonomia
privada, temos uma regra do numeros apertus, pode ser celebrado em princípio
qualquer negocio jurídico que melhor satisfaça os interesses das partes desde que
sejam respeitados os limites estabelecidos no art.280.º do CC. Temos aqui um direito
fundamentalmente privado: o direito bancário material.

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

Ora, atualmente tem sido reconhecida a necessidade de adotar uma definição de


direito bancário, que esclareça a origem do próprio direito bancário e que esclareça os
objetivos, as finalidades que o direito bancário visa efetivamente prosseguir. Está em
causa agora uma

perspetiva funcional na própria definição do direito bancário. Esta perspetiva


pretenderia no fundo acolher a natureza dinâmica do próprio direito bancário e
pretenderia no fundo ensaiar o esclarecimento ou a distinção de uma operação
bancária perante operações de outra natureza, estabelecer um critério de distinção
das operações intrinsecamente bancárias perante outras operações. Um critério que
permitisse afirmar que determinada operação praticada por determinada entidade se
reveste de natureza bancária e outra operação praticada por essa mesma entidade não
tem essa mesma natureza bancária. De acordo com esta perspetiva, dever-se-á acolher
uma definição que permitisse essa distinção, ou seja, estabelecer um critério que nos
permitisse afirmar a natureza ou a não natureza bancária de determinada operações
praticadas por determinados sujeitos. Temos entre nós um modelo de banca universal,
os bancos são instituições, na maioria dos casos, multifuncionais, que desenvolvem
uma enorme diversidade de funções ao abrigo do art.4.º da Lei bancária,
nomeadamente recolhem junto do público depósitos para por conta própria conceder
crédito a quem deles precisar, mas para além disso praticam operações de locação
financeira, de cessão financeira, locação cofre forte, consultoria de investimentos,
gestão de patrimónios, etc. Há toda uma enorme diversidade de atividades
desenvolvidas pelos bancos permitida pelo modelo de banca universal que vigora
entre nós e esta abordagem tem sido considerada segundo a perspetiva de se saber se
é a prática de determinados atos que confere a quem os realiza a qualificação ou a
qualidade de entidade bancária, ou se pelo contrário é o facto de estes atos serem
praticados por uma entidade bancária que qualifica estes atos como bancários. No
fundo, temos aqui uma questão muito parecida, uma vertente objetivista e uma
vertente subjetivista, como estudaram a propósito do ato de comercio em direito
comercial. Uma querela muito semelhante agora a propósito das operações bancárias.
i.e., saber se efetivamente é a prática de determinados atos que confere a quem os
pratica a qualificação de entidade bancária, ou se pelo contrário, é o facto de esses
atos serem praticados por uma instituição bancária que lhes confere a qualificação de
atos bancários. A este respeito reconhece-se que a atividade bancária é uma atividade
que se desenvolve através de um conjunto, como já vimos, muito diversificado de atos
jurídicos e entre estes atos jurídicos alguns, nem todos, podem ser qualificados como
atos intrinsecamente bancários, pois nem todos os atos praticados pelos bancos,
designadamente, são suscetíveis de serem qualificados como atos intrinsecamente
bancários. Ora, o conjunto destes atos, daqueles atos que são passíveis de serem
qualificados como intrinsecamente bancários no âmbito da atividade bancária, o
conjunto desses actos que merece essa qualificação corporiza no fundo a área da
atividade bancária que normalmente é definida como típica, como fundamental, como

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

absoluta. Mas a razão dessa qualificação de acordo com a doutrina deve ser
encontrada não apenas no elemento objetivo, não apenas no elemento subjetivo,
individualmente considerados cada um deles, mas precisamente na simbiose de ambos
os elementos, no entendimento de que cada um desses elementos é configurado, é
regulamentado em função do outro. Portanto, o elemento objetivo é

regulamentado em função do elemento subjetivo e o elemento subjetivo é


regulamentado em função do elemento objetivo, ou seja, a atvidade bancária é
regulada em função do respetivo exercício por entidades determinadas, entidades que
em si mesmas estão sujeitas a um especial controlo, vigilância e por outro lado, estas
entidades são objeto de uma regulamentação que é definida em função da atividade
que exercem. Há uma simbiose entre as duas dimensões. Quer o estatuto da atividade,
quer o estatuto da própria entidade/ instituição é dirigido precisamente à prossecução
de uma, segundo a doutrina, tarefa fundamental e essa tarefa é aquela de que já
falámos, a intermediação no crédito e é aqui que se encontra a essencialidade das
operações que assumem um carácter estruturante, precisamente na prossecução
deste objetivo.

Aqui importa realçar que a reforma da lei bancária de outubro de 2014 é coerente
nesta matéria. Antes de 2014, nós tínhamos uma definição de instituição de crédito no
art.2.º e depois uma enunciação dos diversos tipos de instituição de crédito no art.3.º
que não se subsumiam à definição do art.2.º. Hoje não é assim. Há uma maior
coerência entre a noção que nos é apresentada pelo legislador na noção de instituição
de crédito e os diversos tipos de instituição de crédito que constam da lei bancária.
Havia uma enorme inconsistência entre a definição de instituição de crédito antes de
outubro de 2014 e os diversos tipos de instituição de crédito que eram enumerados no
art.3.º da lei bancária. Não se subsumiam à definição. Muitas instituições de crédito
eram insubsumíveis à noção de instituição de crédito o que hoje não acontece, após a
reforma de outubro de 2014. E porque é que isto acontecia? Acontecia porque o
legislador antes pretendendo atribuir o passaporte comunitário a determinadas
entidades qualificou-as como instituições de crédito, inseriu-as na enumeração do
art.3.º da lei bancária, considerou-as como instituições de crédito, para que estas
pudessem beneficiar do passaporte comunitário, tornando incoerente a enumeração
tal como era definido o conceito no art.2.º. Verão que agora há uma maior coerência,
o tipo que nos é definido pelo legislador na alínea b) do art. 2.º- A da ei bancária
reformada, o que é efetivamente muito importante porque durante muito tempo
vigorou entre nós uma noção distorcida de instituição de credito. Tudo isto, a
propósito das operações que são intrinsecamente bancárias, aquele núcleo duro e
irredutível da atividade bancária e do qual se pode extrair a materialidade bancária da
atividade desenvolvida pelos bancos que reside precisamente nesta tal intermediação
bancária: a receção de depósitos ou outros fundos reembolsáveis do público para por
conta própria conceder crédito. Esta é a atividade considerada fundamental e é a

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

partir daqui que se retira a essencialidade das operações que assumam um papel
estruturante dessa mesma intermediação creditícia para o desenvolvimento desta
intermediação como operações ou atos intrinsecamente bancários.

Portanto, de acordo com esta perspetiva funcional que é proposta por uma doutrina
relativamente recente de direito bancário, interessa também salientar a ligação íntima,
aliás que sempre existiu, entre a ideia de banco e a ideia de dinheiro. A origem
histórica dos bancos está

precisamente na ideia do dinheiro, mas esta perspetiva funcional salienta essa ligação,
essa associação entre a ideia de banco e a ideia de dinheiro, pois que sem essa ligação
íntima não existe banco, nem existe direito bancário. Há aqui esta interligação
funcional entre estas duas ideias e nesta perspetiva também se afirma que o
aparecimento dos bancos no fundo traduz uma resposta que as sociedades humanas
encontraram para satisfazer uma determinada necessidade e essa necessidade foi
precisamente a necessidade de assegurar uma gestão profissionalizada do dinheiro.
Temos aqui no sistema bancário uma resposta para satisfazer essa necessidade de
organização do dinheiro, de organização da ideia do dinheiro e isto não é ignorado
pelo direito bancário, pela própria definição do direito bancário. Portanto, no direito
bancário reúnem-se as regras também necessárias para cumprir esse objetivo, que é
precisamente organizar a própria ideia do dinheiro. Para concretizar essa mesma ideia,
profissionalizou-se a criação do dinheiro, a circulação do dinheiro está
profissionalizada e a conservação do dinheiro também e deste modo, os bancos foram
criados para satisfazer este tipo de necessidade. Uma definição ampla do direito
bancário naturalmente tem em conta esta ideia do dinheiro e, portanto, há quem fale
em direito do dinheiro, direito bancário enquanto direito do dinheiro, enquanto direito
de tudo o que diga respeito ao dinheiro, direito que regule tudo o que se relacione
com o mesmo, nomeadamente, a criação do dinheiro, a circulação do dinheiro, a
guarda do dinheiro, o investimento do dinheiro e a própria destruição do dinheiro. Há
aqui uma grande profissionalização em todas estas áreas e isto naturalmente diz
respeito ao direito bancário.

Uma abordagem funcional do direito bancário conduz a uma certa indiferenciação


entre o direito bancário institucional e o direito bancário material, a uma certa
irrelevância dessa distinção entre o direito bancário público e o direito bancário
privado porque no fundo todas as regras do direito bancário se vão agrupar em torno
de um grande objetivo que é a regulamentação das operações com dinheiro e das
entidades que tratam do dinheiro. Isto coloca em segundo plano essa summa divisio
do direito bancário: entre direito institucional dos bancos e direito material dos
bancos. Todavia, isto não significa que não existam no direito bancário zonas
privilegiadas de incidência do direito público e zonas privilegiadas de incidência do
direito privado. Continua a ser evidente que há uma área de regulamentação da
organização do sistema bancário, o tal direito institucional dos bancos, organização do
10

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

sistema bancário e do exercício de funções de supervisão. Aqui temos uma


intervenção pública fundamentalmente, uma intervenção reguladora por parte do
poder público. Por outro lado, temos o tal direito material dos bancos, a
regulamentação das relações entre os bancos e os particulares, relações de natureza
privada, que são de natureza fundamentalmente contratual. O direito bancário ainda
que numa perspetiva funcional não deixa de ser composto por estes dois vetores, um
vetor institucional e um vetor material.

Temos depois a questão da autonomia do direito bancário, que é outra questão que
se coloca a este propósito. Fará ou não sentido autonomizar o direito bancário
enquanto ramo do direito? Não é uma questão consensual. Aliás, como poderão
verificar, sobretudo no âmbito do direito bancário material, quem não souber direito
das obrigações tem grande dificuldade nesta matéria. O direito das obrigações é
fundamental, poder-se-á falar num direito das obrigações um pouco especializado no
âmbito do direito bancário material, mas é fundamentalmente direito das obrigações
que está em causa no âmbito do direito bancário material com algumas
especificidades. É muito importante o conhecimento do direito das obrigações e do
direito dos contratos. Portanto, não é unânime a doutrina acerca desta questão. Há
quem negue a autonomia do direito bancário e há quem afirme a necessidade da sua
autonomia, o direito bancário considerado na sua área institucional e na sua área
material. De acordo com parte da doutrina, esta autonomia é hoje um dado adquirido
e é um dado adquirido quer no plano legislativo, quer no plano substancial, quer no
plano científico. Em todos estes planos para parte da doutrina hoje esta autonomia é
um dado adquirido. Não haverá nada a objetar a esta autonomia, há efetivamente
autonomia do direito bancário. E aqui diz-se que quando se considera uma qualquer
disciplina jurídica com pretensões de autonomia, que se tem em vista não é apenas
um somatório de normas, um somatório de princípios. Tem-se em vista um sistema
considerado enquanto conjunto de normas, de princípios ordenados em função de
determinados pontos de vista considerados em si mesmo unitários. Portanto, este
sector da doutrina que é o que nos interessa, estamos na disciplina de direito bancário,
partimos do pressuposto de que a sua autonomia é um dado adquirido, podemos
considerar que de facto foi possível confecionar um sistema de normas e de principio
jurídicos, precisamente em função da realidade bancária e isto de acordo com os tais
dois vetores ou eixos fundamentais, o vetor da organização bancária (tal direito
institucional da banca) e o vetor das relações da banca com os seus clientes (o vetor do
direito material dos bancos). Depois considerou-se que estes dois vetores ou dois eixos
fundamentais, direito institucional dos bancos e o direito material dos bancos
exerceram eles mesmos um papel centrípeto, no sentido de formarem um sistema,
constituíram eles próprios um sistema. Para a autonomia do direito bancário terá sido
também determinante, de acordo com esta perspetiva, o papel da ciência jurídica, na
medida em que terá apontado normas e princípios específicos que serão próprios
desta disciplina do direito bancário, que apontariam funções diferenciadas de outros

11

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

ramos do direito, das soluções apresentas ou sugeridas por outros ramos do direito,
soluções que seriam mais adequadas para os problemas surgidos no seio do mundo
bancário, problemas particulares que mereciam um novo sector normativo. Normas e
princípios específicos precisamente para este sector da realidade económico social.
Portanto, o direito bancário também de acordo com esta perspetiva terá visto o seu
crescimento dever-se a uma certa impotência do direito privado em geral e do direito
civil em especial para acompanhar o desenvolvimento económico, designadamente o
desenvolvimento económico do

sector da banca. uma certa impotência do direito económico para acompanhar o


desenvolvimento bancário. E isto é verdade porque pensem que o mercado bancário é
extraordinariamente inovador, criativo e move-se a uma velocidade enorme, para
além de que apresenta dificuldades próprias, manifestando-se de alguma forma essa
impotência do direito civil e do direito comercial para resolver problemas surgidos em
sede da banca. Há aqui aspetos processuais e anémicos do mundo bancário que não
encontravam resposta precisamente no direito comercial e no direito civil.

Nós temos um direito bancário privado no que toca ao segundo vetor do direito
bancário (o direito material dos bancos), temos aqui um direito bancário que é
dominado por um princípio muito importante, que é o princípio da simplicidade. Lá
está, os tais princípios e normas que permitem afirmar a autonomia de um
determinado ramo do direito e que permitem afirmar uma determinada autonomia de
uma determinada disciplina. Um desses princípios terá sido o princípio da simplicidade
e este principio da simplicidade é um principio que resulta de vários subprincípios. Em
primeiro lugar, o principio da simplicidade resulta do subprincípio da desformalização,
ou seja, os atos bancários surgem e são praticados sem especiais formalidades.

Em segundo lugar, o principio da simplicidade surge do subprincípio da unilateralidade,


ou seja, os atos bancários completam-se muitas vezes apenas por meras cartas que
são assinadas pelo cliente da banca ou hoje por mensagens eletrónicas. Isto quer dizer
que, se dispensa o procedimento tradicional da proposta contratual e da respetiva
aceitação. Temos aqui um subprincípio de unilateralidade.

Em terceiro lugar, este principio da simplicidade resulta do subprincípio da rapidez. O


giro bancário não se compadece com delongas, não se compadece com negociações
complexas, por via de regra. Claro que há negociações muito complexas no mundo
bancário, de grande engenharia jurídico financeira, etc., mas o giro quotidiano da
banca não se compadece efetivamente com negociações complexas, não se
compadece com tempos de espera. Isto quer dizer, que se impõe uma natureza
formulária, ou seja, a adesão a claúsulas contratuais gerais nos contratos por adesão.
Necessidades de rapidez estão aqui em causa isto quer dizer que, aquelas opções que
aparentemente são ilimitadas ao abrigo do principio da autonomia privada, neste
domínio do direito material dos bancos, na prática estão limitadas porque o principio

12

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

da rapidez impõe precisamente a adoção do contrato por adesão, o recurso a clausulas


contratuais gerais. Assim, na prática, em muitos casos, são apenas admitidas
possibilidades pré estabelecidas com reduzidíssima negociação prévia.

Em quarto lugar, o principio da simplicidade resulta do subprincípio da


desmaterialização. Este subprincípio da desmaterialização resulta naturalmente em
grande medida da informática. O direito bancário lida as mais das vezes com valores e
representações desmaterializadas. No que

toca por seu turno à regulamentação, o direito bancário encaminha-se no fundo para
um modo próprio de gerir as próprias realidades sociais e alguns autores a este
propósito falam ou referem que este modo de regulamentação do direito bancário fica
algures entre a materialidade subjacente e a tutela da aparência. Situa-se algures entre
estes dois polos. E este propósito falase num principio de ponderação bancária. Este
principio resulta com alguma clareza precisamente no vetor da prevalência das
realidades, ou seja, o banqueiro ou o banco não vai atender tanto ou não vai
considerar tanto a regularidade formal dos atos, pois não é isso que tanto importa
neste sector. O que vai é ter em conta fundamentalmente, sobretudo quando está em
causa o dever de informar, é a substancia económica da questão em causa. Não tanto
a regularidade formal, mas a substância económica. Este principio da ponderação
bancária também resulta do vetor da abrangência e o que é que isto quer dizer? Quer
dizer, isto é extremamente interessante também, que o direito bancário tende a gerar
atos em cadeia. Raramente se fica por atos irregulares porque o que normalmente se
verifica nesses casos são casos de uniões de contratos. Há muitas uniões de contratos.
Diversos tipos mas muitas uniões de contratos. Este X (caso anterior) não se limita a
celebrar em contrato de depósito, antes de disso celebrou um contrato de abertura de
conta, depois temos o contrato de depósito de disponibilidades monetárias e depois
vem um contrato de mútuo e depois vem um contrato de gestão de património... são
atos em cadeia. O que se verifica muitas vezes é que haverá uma conexão entre os
diversos contratos celebrados entre a pessoa e a entidade bancária que não está
expressamente estabelecida pelas partes, mas que resulta da interpretação dos
diversos negócios jurídicos. Através deste principio da abrangência, que manifesta o
principio da ponderação bancária, nós vemos que raramente se praticam um ato
isolado. Este principio da ponderação bancária também se manifesta no vetor da
flexibilidade, isto significa que o direito bancário é fortemente responsivo, ou seja, o
direito bancário enfrenta problemas novos com soluções diferentes, com soluções
também elas novas. Portanto, o direito bancário promove a criação de figuras novas, é
fortemente inovador. Depois o principio da ponderação bancária também se manifesta
ou expressa no vetor do primeiro entendimento, isto quer dizer que perante atos
jurídicos quotidianos, correntes, o direito bancário dá primazia ao primeiro
entendimento que resulte desses mesmos atos. Há como que uma tutela da aparência,

13

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

embora em moldes particulares pois que prevalece o primeiro entendimento desses


mesmos atos.

E agora, ainda no âmbito da defesa da autonomia do direito bancário, na afirmação


dessa mesma autonomia, no que toca às sanções, o direito bancário apresenta um
principio de eficácia. Bom podemos discutir isso face ao nosso passado recente, mas
doutrinalmente afirma-se o principio da eficácia. Um principio de eficácia, isto quer
dizer que não está em causa a observância das vias sancionatórias pré estabelecidas na
lei (não estamos a falar de sanções do direito institucional da banca, mas o direito
material da banca, não está em causa a observância

dos mecanismos estabelecidos pela lei). Portanto, em primeiro lugar, o direito


bancário é fortemente preventivo, profilático, remove à partida as dificuldades, tenta
remove-las e perante incumprimentos, verificando-se essas dificuldades, tenta
ultrapassar este tipo de dificuldades com recurso a conversões, a esquemas laterais ou
a garantias. Por outro lado, a que é muito importante ter em conta, exerce uma
influência fortíssima a pressão da quebra da relação bancária complexa. A quebra da
confiança, dentro deste esquema sancionatório próprio do direito bancário, por força
de um incumprimento tem efeitos prático - económicos enormes, não menos graves
do que a propositura de uma ação por incumprimento.

Quais são as fontes do direito bancário?

Ao dizermos que o direito bancário, no fundo acaba por não ser auto suficiente. O
direito bancário é composto por uma parte institucional e por outra material. A parte
institucional é fundamentalmente de natureza pública, tendencialmente direito
administrativo, mas não só: direito das sociedades comerciais, direitos registrais,
direitos contraordenacionais, direito civil ... diversos direitos integram o direito
bancário. Já vimos que as fontes do direito bancário são múltiplas e fragmentadas.
Temos, desde logo, normas constitucionais, com fontes de direito bancário. Ora, por
imperativo constitucional a estruturação por lei e decreto-lei, a estruturação dos
sistema financeiro, deve ser feita de forma a garantir precisamente a formação, a
captação e a segurança das poupanças, bem como a aplicação dos meios financeiros
necessários ao desenvolvimento económico e social, art.101.º da CRP. Este é o texto
do art.101.º da CRP. Por outro lado, ainda nos termos da Constituição, o espaço
financeiro é enformado pela iniciativa privada, pela iniciativa económica privada que é
exercida livremente, como sabem, nos limites constitucionais e nos limites legais e
tendo em conta o interesse geral. Temos a liberdade de escolha de profissão também,
nos limites legais impostos pelo interesse coletivo e temos naturalmente os limites
inerentes à capacidade do agente económico, temos o direito de propriedade privada,
que também é aqui relevante, etc. Temos ainda como relevante nesta matéria o
principio de uma economia de mercado aberto e de livre concorrência e temos o
objetivo de integração na economia internacional da economia portuguesa. O que

14

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

podemos dizer a partir destas diferentes normas constitucionais é que a regulação ou


estruturação do sistemas financeiro nacional tem por objetivo incentivar e garantir as
poupanças das pessoas e portanto tem também por objetivo incentivar e garantir
precisamente o financiamento do desenvolvimento económico do país, isto sobretudo
com base no art.101.º da CRP, que no fundo é a norma para nós que mais releva. Sob
um ponto de vista jurídico constitucional, esta norma do art.101. da CRP desempenha
um papel central. Quando se diz precisamente que o sistema financeiro é estruturado
por lei, de modo a garantir a formação, a captação e a segurança das poupanças, bem
como a aplicação dos meios financeiros necessários ao desenvolvimento económico e
social do pais. no art. 101.º, pressupõe-se uma noção de sistema financeiro mas

não se explicita essa noção de sistema financeiro. Uma noção que é dotada de um
sentido amplo, esta noção de sistema financeiro e atribui-se a esta disposição do
art.101.º uma dimensão dupla, ou seja, uma dimensão formal e uma dimensão
teleológica. A dimensão formal resulta da referência do art.101.º, expressa aliás ao ato
normativo que se afigura idóneo à estruturação do sistema financeiro, uma referência
expressa à lei. Todavia, esta expressão "lei" deve aqui ser interpretada no sentido de
ato legislativo porque se trata de uma matéria de competência legislativa
concorrencial, suscetível de ser tratada quer pela AR quer pelo Governo. Quanto à
dimensão teleológica da norma do art.101.º, que também se encontra na base da
estruturação do sistema financeiro, decorre dos objetivos que lhe estão subjacentes. A
formação e a formação em sentido amplo do capital, ou seja, do capital financeiro. O
que é o capital financeiro? é o capital que não é destinado ao consumo. A formação do
capital financeiro que é destinado à realização de um investimento económico e
socialmente produtivo. Um investimento que seja gerador de utilidades e de níveis de
bem-estar acrescidos.

Depois temos a lei material e aqui interessa sobretudo a lei bancária. A lei bancária
naturalmente que ao lado da lei bancária há muitas outras, o CCom, o CSocCom, e
vária legislação avulsa que cai nesta categoria de lei material. No direito bancário
material, a fonte mais antiga está precisamente no CCom de1888, embora sejam
muitas poucas as disposições do CCom que versam sobre esta matéria das operações
bancárias, mas temos as normas dos artigos 362.º a 365.º do CCom. Algumas das
matérias que encontravam originariamente codificadas, como sabem, passaram a ser
reguladas em legislação especial, em diplomas especiais. Isto aconteceu quanto aos
cheques, quanto às letras e quanto às livranças, no âmbito das leis uniformes que
formam adotadas no século passado, nos anos 30. Temos imensa legislação avulsa e
extravagante que é aplicável à atividade bancária. Já vimos alguns exemplos, a locação
financeira, a cessão financeira, etc. Toda esta regulamentação se encontra em
legislação avulsa. Regulamentação que está dispersa, daí que se diga que as fontes do
direito bancário estão fragmentadas. Por outro lado, também há muitas operações

15

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

que não se encontram reguladas e que são regidas pelo principio da autonomia
privada de acordo com o art.405.º do CC.

A que interessa ter em conta, a lei material como referi, o DL 298/92, o regime geral
das instituições de credito e sociedades financeiras, a lei bancária. No âmbito do
direito da família, interessa ter em conta o art.1680.º do CC, que é uma norma de
direito bancário. Também é uma lei material, fonte de direito bancário.

2ª aula – 18 de Fevereiro – Joana Silva

Tínhamos ficado nas fontes do direito bancário. No que tocas às normas


comunitárias, cada vez mais relevantes nesta matéria, e uma vez que Portugal é
membro da União Europeia, o sistema financeiro português encontra-se naturalmente
integrado num espaço mais amplo, o espaço financeiro europeu, o espaço bancário
europeu. Temos desde logo as diretivas comunitárias, que necessitam de textos
nacionais de aplicação adequados à realização dos resultados ou objetivos fixados nas
diretivas comunitárias. Portanto, textos nacionais vinculativos e os objetivos
estabelecidos nas diretivas são obviamente vinculativos para os estados-membros
signatários. São necessários atos de transposição das diretivas para a ordem jurídica
interna. Isto acontece no que toca à área institucional do direito bancário, portanto
àquele ramo do direito bancário institucional, mas também se verifica no âmbito
material do direito bancário, portanto no âmbito do direito bancário material. Aqui, foi
muito importante, no que toca à Lei Bancária, que data de 1992, a recepção da 1ª e da
2ª Diretivas de coordenação bancária que agora naturalmente já têm alguma idade
mas foram diretivas muitíssimo importantes. São diretivas de coordenação de
disposições legislativas, coordenação de disposições regulamentares, coordenação de
disposições administrativas, designadamente no que toca ao acesso à actividade
bancária, portanto, coordenação nesta matéria do acesso à atividade bancária, à
atividade dos estabelecimentos de crédito e ao exercício dos estabelecimentos de
crédito e também no que toca ao mecanismo do chamado passaporte comunitário.
Este mecanismo muitíssimo importante do passaporte comunitário no que toca ao
sistema bancário, ao mercado bancário, assenta principalmente nos princípios da
unicidade da autorização e da supervisão. A unicidade de controlo pelo país de
origem. E por outro lado, o princípio do reconhecimento mútuo. Naturalmente que
este reconhecimento mútuo por parte dos outros estados-membros da UE só era
possível a partir do momento em que existisse uma harmonização mínima no que toca
às disposições legislativas, regulamentares e administrativas relativamente ao acesso e
ao exercício da atividade bancária. Esse reconhecimento mútuo tinha que se fundar
numa confiança no acesso e no exercício da atividade bancária, nos outros países

16

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

membros da UE. Tinha que haver uma harmonização mínima, designadamente no que
tocas aos requisitos de acesso à atividade bancária. Esses requisitos não podiam ser
levíssimos num país e pesadíssimos noutro país, por exemplo. Portanto, tinha que
haver uma harmonização mínima para que pudesse haver um reconhecimento mútuo
da autorização concedida num estado por parte dos outros estados-membros. De
facto, isto só foi possível a partir do momento do passaporte comunitário, a partir do
momento em que houve essa harmonização mínima no espaço europeu. Portanto, o
passaporte comunitário assenta fundamentalmente nestes 2 princípios: princípio da
unicidade da autorização e do controlo ou supervisão e princípio do reconhecimento
mútuo, que resulta precisamente da harmonização mínima que teve lugar no âmbito
da UE. Para além das diretivas, existe também, no âmbito do direito bancário, o direito
comunitário que é diretamente aplicável, que não carece de transposição, ainda que
nalguns casos este direito comunitário que é diretamente aplicavel seja
complementado por legislação nacional, mesmo que necessite ou que seja
voluntariamente por parte dos estados complementado por legislação nacional. Assim,
no plano do direito originário, a disposição sobre acesso privilegiado das entidades do
setor público a operações financeiras, que é o art. 104º-A do TUE e também, na esfera
do direito derivado, o regime dos encargos bancários por pagamentos intra-
comunitários em euros, de modo a homogeneizar estes encargos com encargos por
pagamentos domésticos, por pagamentos internos são exemplos deste direito
diretamente aplicável ainda que complementado por legislação nacional. Estamos a
falar naturalmente dos regulamentos comunitários que têm caráter geral, que são
obrigatórios em todos os seus elementos e que são diretamente aplicáveis em todos
os estados-membros da UE, sem necessidade de qualquer diploma nacional e de
qualquer publicação no Diário da República. E aqui interessa também referir o Sistema
Europeu de Bancos Centrais1 e também dentro do SEBC, o Banco Central Europeu2. O
SEBC e o BCE foram instituídos em Julho de 1998 e isto precisamente em vista da
passagem para a moeda única, prevista para 1 de Janeiro de 1999. A partir daí, esta
matéria, a matéria da moeda única, passou a ser tratada por regulamento,
regulamento este imediatamente aplicável, portanto à margem do sistema de fontes
de cada estado-membro da UE, à margem do sistema de fontes nacional. Cada vez
mais se assistiu, exemplo disto é o mecanismo/medida de resolução (aqui através de
transposição de diretivas e já não de regulamento) que foi aplicado ao BES, que resulta
de direito comunitário3. Portanto, a relevância, a influência, a grande importância que
efetivamente o direito comunitário teve no direito bancário dos países membros da
UE. A consecução do mercado bancário único europeu estava efetivamente entravada
por barreiras jurídicas nacionais que se procuraram paulatinamente diluir, ultrapassar.
Este mercado de serviços foi paulatinamente transformado num mercado único, no
mercado bancário europeu. Para além disso, o BCE tem poderes normativos expressos,
1
Doravante designado SEBC
2
Doravante designado BCE
3
A frase não faz muito sentido mas efetivamente foram estas as palavras utilizadas pela professora.

17

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

designadamente tem poder regulamentar com as mesmas catacterísticas da


generalidade e da aplicação direta que têm os regulamentos comunitários noutras
matérias, emitidos pelos órgãos da UE. E tem este poder regulamentar em matérias
como o controlo monetário, no que toca à moeda única e no que toca aos sistemas de
pagamentos, nos termos do art. 108º-A, por exemplo, do TUE. Nesta matéria, interessa
ter em conta (e disto também vamos falar mais à frente) a supervisão tanto prudencial
como comportamental a que estão sujeitas as instituições de crédito e as sociedades
financeiras, designadamente a propósito do mecanismo único de supervisão que
vigora entre nós desde 4 de Novembro de 2014. Interessa todavia ter em conta, ainda
no que toca latu sensu a estas fontes comunitárias, que este controlo articulado é
extraordinariamente importante, o controlo articulado a nível europeu. Desde logo,
porque nós vivemos num espaço integrado e efetivamente é importante que esse
controlo integrado exista, que existam mecanismos que permitam esse controlo
integrado a nível europeu. Todavia, recuando um pouco no tempo, recuando às duas
primeiras diretivas de coordenação bancária que representam verdadeiramente um
marco histórico nesta matéria, interessa ter em conta que a 1ª diretiva de
coordenação bancária confirmou a noção de instituição de crédito, de instituição, de
atividade bancária como uma atividade de intermediação entre o aforro e o crédito.
Esta 1ª diretiva de coordenação bancária veio confirmar a noção de atividade bancária
como uma atividade de concessão de crédito exercida por conta própria, aquela nota
de atividade desenvolvida por conta própria como característica da instituição de
crédito. Porque se não for exercida por conta própria, essa entidade não pode ser
qualificada como insituição de crédito. Poderá ser uma instituição financeira mas não
será certamente uma instituição de crédito. Portanto, essa atividade tem de ser
exercida por conta própria. Portanto, esta precisão que resulta da 1ª diretiva de
coordenação bancária serve precisamente para distinguir a empresa bancária de
outras atividades de intermediação da recolha e do emprego de fundos recolhidos
junto do público. Atividade esta exercida como um encargo gestório. Portanto, não
exercida por conta própria e logo não exercida enquanto empresa bancária, não
enquanto instituição de crédito. E isto é muitíssimo importante. É uma nota
qualificadora de uma verdadeira e própria instituição de crédito. São os intermediários
não bancários que procedem a uma intermediação entre a poupança e o crédito não
por conta própria mas por conta de terceiros. São empresas não bancárias, que não
são instituições de crédito. Não se trata de operatividade bancária. Esta primeira
diretiva foi muitíssimo importante a este propósito. A 2ª diretiva de coordenação
bancária estabelece precisamente a repartição da vigilâcia sobre os bancos
comunitários. E estabelece esta reparticação segundo o príncipio do home country
control. É este o princípio que vigora de acordo com esta diretiva. Este controlo ou
supervisão é confiado à autoridade competente do estado em que o banco tiver a sua
sede legal. É este o princípio que vigora em sede de controlo. Naturalmente que isto
implica uma autorização e controlos porque a empresa bancária pode exercer através

18

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

de sucursais, filiais, estabelecimentos, etc, portanto livremente a sua atividade, prestar


livremente os respetivos serviços noutros estados da UE. Portanto, é preciso uma
articulação dos respetivos controlos sobre essa mesma atividade. O controlo pertence
ao estado que autorizou essa mesma entidade e lhe concedeu autorização, há um
reconhecimento dessa autorização e logo dessa instituição por parte dos restantes
estados da UE mas isso implica também uma articulação de controlos a nível europeu.
É isso que depois mais à frente vamos estudar.

Com a entrada no SEBC e com a consequência da introdução da moeda única,


do euro, muitas das funções, no que toca designadamente à definição de política
monetária que dantes competiam ao Banco de Portugal4 passaram para a esfera do
BCE; portanto, para um nivel supra-nacional. O BP é parte integrante mas perdeu
funções que dantes lhe competiam e passaram para a esfera do BCE. Funções que
tradicionalmente competiam ao BP enquanto banco central do sistema bancário
nacional passaram para o BCE. São funções que apenas podem ser cumpridas em
aplicação de normas emitidas pelo SEBC. O BP perdeu competências, funções com a
sua integração no SEBC. Todavia, reforçou-se a sua autonomia perante o poder
executivo, perante o Governo. Houve como que uma desgovermentalização do BP
imposta pelos próprios estatutos do SEBC. Teve que se proceder a algumas alterações
legislativas para que essa integração tivesse lugar, essa autonomização do BP perante
o governo. Foi reforçada essa autonomia. O BP manteve poderes de vigilância sobre o
sistema bancário. Mesmo agora, após a introdução ou a entrada em vigor do
mecanismo único de supervisão, o BP também mantém poderes de vigilância. O
mecanismo único de supervisão tem por objeto fundamentalmente instituições de
crédito significativas, o que quer dizer que não abrange todas as instiuições de crédito
de todos os países mas apenas as instituições de crédito consideradas significativas.
Portanto, sempre restariam aquelas instituições não significativas que ficam a cargo
dos respetivos bancos centrais dos paises membros da UE. Naturalmente que o BP
ainda assim conserva os respetivos poderes de supervisão. E a tipologia dos controlos
bancários inclui diversos tipos de controlos, desde logo há os chamados controlos
prescritivos e estes controlos prescritivos dizem respeito aos poderes que estas
entidades têm de emanarem disposições de caráter geral. Podem emitir disposições
gerais, tendo como destinatários as instituições de crédito e as sociedades financeiras.
Têm também controlo de tipo assertativo, designadamente de tipo inspetivo. São
também controlos exercidos sobre as instituições de crédito e as sociedades
financeiras. E têm também controlo de tipo repressivo sobre estas entidades que
resultam da verificação da violação de determinadas normas, quer estas normas sejam
legais, regulamentares ou administrativas. Portanto, perante a verificação de violação
de qualquer destas regras, os bancos centrais têm o chamado controlo repressivo
sobre estas entidades. Naturalmente que os expoentes da empresa bancária
encontram-se sujeitos a determinado tipo de obrigações. E vamos ver mais à frente
4
Doravante designado BP.

19

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

também quais são os requisitos que efetivamente têm que cumprir para seja
concedida a autorização ou para que se mantenha a autorização de uma instituição de
crédito.5 Têm de cumprir o requisito da idoneidade para que seja concedida
autorização e para que se mantenha a autorização. Tudo isto está sujeito a um
processo constitutivo. É necessário que se cumpram rigorosos requisitos. A empresa
bancária naturalmente não é uma empresa qualquer, precisamente pelas
consequências que uma empresa que não tenha sustentabilidade possa produzir no
sistema bancário, financeiro e económico nacional. Está sujeita ao cumprimento de
requisitos estritos. Abrir uma empresa bancária não é o mesmo que abrir uma
empresa de artigos de desporto ou de artigos de restauração. Portanto, a um
complexo processo de constituição. Diferentemento do que por vezes se diz a
propósito de uma liberalização da constituição de estabelecimentos bancários, que
terá sido introduzida pela disciplina comunitária, designdamanete pela 2ª diretiva de
coordenação bancária, a propósito da expansão territorial dos bancos, o
desenvolvimento da atividade bancária para além fronteiras, isto não é rigorosamente
assim. No fundo, as únicas hipóteses, por exemplo no que toca aos bancos
portugueses, em que não subsiste um poder de autorização do BP são os casos
relativos à abertura em Portugal de sucursais por parte de bancos comunitários. São os
únicos casos em que não há necessidade de autorização a conceder por parte do BP. E
isto não se verifica em virtude de uma opção de liberalização que tenha sido feita a
propósito da 2ª diretiva de coordenação bancária. Sucede precisamente em virtude
daquilo que já foi referido, de haver uma autorização que procede da autoridade do
país de origem desse mesmo país. Isto é uma decorrência da aplicação do príncipio do
home country control. Portanto, não tem nada a ver com uma opção deliberada de
uma liberalização do exercício da atividade bancária. Tem a ver com a tal
harmonização minima dos requisitos do acesso à atividade bancária no espaço
europeu e do reconhecimento mútuo que foi consentido por essa harmonização
mínima adoptada nos vários países membros da UE. Se se recursar, se houver uma
recusa da autorização requerida para o exercício da atividade bancária, naturalmente
que há possibilidade de recurso para os Tribunais Administrativos. Se por qualquer
motivo houver uma disputa acerca de uma recusa de autorização, há sempre
possibilidade de recurso para os Tribunais Administrativos. Portanto, perante a recusa
do BP entre nós, recorre-se para os Tribunais Administrativos. O banco virtual também
se encontra sujeito à disciplina ordinária da autorização a conceder caso a caso por
parte do BP. A constituição dos chamados bancos virtuais também está sujeita a
autorização do BP. São bancos cuja operatividade se desenvolve quase ou
exclusivamente por via telefónica ou informática. Bancos em que os serviços bancários
são prestados à distância, sem necessidade de o cliente se deslocar às estruturas
tradicionais, às estruturas materiais bancárias, portanto à empresa prestadora destes
5
A este propósito podem consultar os pareceres, designadamente a carta do governardor o BP a
propósito do caso BES no site do BP, em novembro de 2013 quando se pensou retirar a idoneidade ao
presidente do conselho de administração do BES.

20

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

serviços. Também as modificações estatutárias de uma empresa bancária, as fusões, as


cisões estão sujeitas a autorização. É necessária autorização do BP. Todas estas
operações que são efetivamente susceptíveis de incidir sobre a própria estrutura dos
bancos isoladamente considerados ou sobre elementos complexos do sistema
bancário estão sujeitos a autorização do BP. O BP, no que toca designadamente às
modificações estatutárias que se pretendam introduzir na empresa bancária, é
chamado a apreciar a compatibilidade dessas modificações com as exigências de uma
gestão sã e prudente da empresa bancária. Essas modificações não se podem realizar
sem uma autorização prévia do banco central. Temos aqui a necessidade de uma
autorização em que no fundo há uma liberdade de apreciação por parte do BP. Assiste-
lhe uma liberdade significativa de apreciação dessa compatibilidade. Isto também se
aplica às fusões que se pretendam efectuar, às fusões e às cisões. Portanto, o BP é
sempre chamado a apreciar dessa compatibilidade com a chamada gestão sã e
prudente. Também o mesmo se refira a propósito da gestão de empresa e da
transferência de relações bancárias. Também aqui é necessária a autorização prévia do
BP. Portanto, é necessária a sua intervenção para que efetivamente seja lícita a
realização dessa operação. Também é importante chamar a atenção para o sistema
europeu de supervisão financeira. O sistema europeu de supervisão financeira
pressupõe a articulação do conselho europeu de risco sistémico e três autoridades
europeias de regulação, que são coletivamente designadas por autoridades europeias
de supervisão. No âmbito nacional, temos a supervisão macro-prudencial que compete
ao Conselho Nacional de Estabilidade Financeira, como vamos ver mais à frente, que é
integrado por representantes do Ministério das Finanças, do BP, da Autoridade de
Seguros e Fundos de Pensões6. Portanto, representantes do Ministério das Finanças,
do BP, da Autoridade de Seguros e Fundos de Pensões e da CMVM. Isto foi um
pequeno à parte das normas comunitárias.

Temos depois (continuando nas fontes do Direito Bancário) os regulamentos


não comunitários. Como sabem, são atos normativos de caráter administrativo. São
regulamentos que fundamentalmente aparecem no dominio do Direito Bancário
institucional. Em especial, como forma de realizar a supervisão bancária. Todavia,
também no domínio do Direito Bancário material, embora não seja aqui tão relevante,
o regulamento pode ser fonte de direito. Embora não seja tão relevante como no
domínio do Direito Bancário institucional. Pode ser fonte de Direto Bancário material,
como sucede, por exemplo, com algumas normas profissionais ou normas de boa
conduta, que são normas emanadas por autoridades administrativas. Normas
profissionais ou de boa conduta.

Entre as normas regulamentares que nos importam nesta matéria do Direito


Bancário, ganham particular relevância os avisos do BP. E aqui interessa ter em conta a
Lei Bancária e a Lei Orgânica do BP (art. 59º). A questão dos regulamentos já foi, há
6
Antigo Instituto dos Seguros de Portugal – mudou muito recentemente (em 2015) a designação.

21

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

bastante tempo atrás, fonte de querela, a chamada questão dos avisos do BP. Temos
aqui regras e este era o problema: a legitimidade do BP para emitir regras gerais e
abstratas. Portanto, temos aqui no fundo (isto tornou-se uma questão mais ou menos
pacífica com o decurso do tempo) regras gerais e abstratas que são aprovadas pelo BP.
Que são consideradas leis materiais, porque são gerais e abstratas. Têm as
características da generalidade e da abstração. E a positividade jurídica destas normas
que são emanadas pelo BP resulta do poder regulamentar desta entidade que é o BP,
resulta precisamente das normas jurídicas que instituem ou consagram o poder
regulamentar do BP. Portanto, a positividade das normas emanadas pelo BP, contidas
nos avisos, é uma positividade que resulta daquelas normas que instituem o poder
regulamentar, que conferem poder regulamentar ao BP. Naturalmente que estas
normas emanadas pelo BP, os avisos, as normas contidas nos avisos, são normas que
não podem contrariar as leis emanadas pelos órgãos de soberania. Se contrariarem as
leis fixadas pela Assembleia da República ou os Decretos-Lei emanados pelo governo,
padecem de ilegalidade. Por outro lado, estas normas emitidas pelo BP através de
avisos, dos chamados avisos, não se aplicam a entidades que não estejam submetidas
à supervisão do BP. Só têm como destinatários as entidades que estão sujeitas à
supervisão do BP. Não se aplicam a qualquer outro terceiro, apenas àquelas entidades
sujeitas à supervisão do BP. Por outro lado, estas normas constantes dos avisos
naturalmente que não devem ultrapassar, transcender o âmbito dos poderes de
supervisão do BP. Devem conter-se dentro dos limites dos poderes de supervisão do
BP. Ou seja, o âmbito subjetivo de aplicação são os destintários da supervisão. O
âmbito objetivo são os limites dos poderes de supervisão, no que toca a estas normas
regulamentares, às normas constantes dos avisos.

Normas regulamentares são consideradas ainda as instruções do BP. Também


se lhes atribui natureza normativa, também se lhes reconhece natureza regulamentar,
nos termos do art. 59º da Lei Orgânica do BP. Portanto, não só os avisos como as
instruções do BP.

Ora, a questão que aqui surge é a questão de se saber se as regras aprovadas


pelo BP podem ser constitutivas de direitos para os particulares. Portanto, há um
determinado aviso, que é emitido pelo BP, aviso este que é violado por um
determinado banco e da violação desse aviso podem resultar prejuízos para o cliente
desse mesmo banco. A dúvida é como é que esse aviso pode ser constitutivo de
direitos para os particulares, para os quais resultaram prejuízos pela violação daquele
aviso por parte daquele banco. É uma questão que se coloca a propósito dos avisos do
BP: saber se esas regras podem ser constitutivas de direitos para os particulares, uma
vez que só se aplicam às entidades que estão sujeitas à supervisão do BP e os
particulares naturalmente que não estão sujeitos à supervisão do BP. E a resposta é
negativa. A doutrina tende a responder negativamente a esta pergunta com base
neste argumento: não é possível constituir direitos privados para uns sem onerar

22

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

outros. Portanto, como sabem, para haver um direito para uma determinada pessoa, a
um direito de uma determinada pessoa, corresponde a obrigação de uma outra
pessoa. Portanto, não é possível constituir direitos para uns sem constituir obrigações
para outros. Não é possível fazê-lo através destes avisos. Ou seja, para este efeito têm
de exigir-se leis formais, leis dotadas de cobertura constitucional. Não bastam leis
materiais, têm de ser leis formais. A violação destas regras, destes avisos, destas
normas regulamentares emitidas pelo BP apenas poderão ou poderiam dar origem à
responsabilidade disciplinar do tal banco que violou esse mesmo aviso. Essa instituição
de crédito estaria sujeita à responsabilidade disciplinar, a sanções disciplinares. A
entidade prevaricadora seria sujeito de responsabilidade disciplinar. Todavia, como
vimos, pode acontecer que efetivamente da violação dessas regras, resulte
verdadeiramente um prejuízo ou um dano para um particular. E portanto, pode surgir
efetivamente um dever de indeminizar por parte do banco. E qual seria o fundamento
legal desta obrigação de indeminizar por parte da instituição de crédito que violou o
aviso do BP de cuja violação resultou um prejuízo para o seu cliente ? Negou-se a
titularidade de um direito ao particular, a possibilidade de estas normas serem
constitutivas de direitos para o particular. O que é que diz a 2ª parte do nº 1 do art.
483º do CC? “Violar normas destinadas a proteger interesses allheios”. Portanto, não é
violar direitos mas normas destinadas a proteger interesses alheios, segundo a
modalidade de ilicitude. Estaria em causa a segunda modalidade de ilicitude, prevista
na 2ª parte do nº1 do art. 483º do CC. Ou seja, considerar-se-ia que a violação das
normas aprovadas pelo BP, a violação dos avisos do BP, consubstanciaria a violação
das normas precisamente que conferem ao BP os poderes exercidos pelo próprio BP,
os poderes que ele próprio exerceu. Ora, estas regras visam a proteção de interesses
alheios. Portanto, tratar-se-ia das clássicas normas de proteção. Teria de se ver, caso a
caso, se se trataria, perante o aviso em apreço, de uma verdadeira norma de proteção
naturalmente, se se verificariam os requisistos de uma verdadeira e própria norma de
proteção, para saber se estavamos perante a 2ª modalidade de ilicitude do nº1 do art.
483º, cuja violação conduz à responsabilidade civil. Então estaríamos perante normas
de fonte legal. Porquê normas de fonte legal ? Precisamente porque, para que uma
norma possa ser qualificada como norma de proteção e logo ser subsumível à 2º
modalidade de ilicitude do nº1 do art. 483, exige-se normalmente que seja uma norma
de fonte legal. Só que se interpreta este legal em sentido lato. Aqui estariam em causa
por exemplo, o art. 59º da Lei Organica do BP, que institui o poder regulamentar do
BP. Considera-se que, ao violar um aviso, a instituição de crédito estaria a violar a
própria norma que confere o poder regulamentar ao BP. Portanto, este é o 1º
requisito, que se trate de uma norma de fonte legal. Em 2º lugar, que proteja
interesses particulares. E em 3º lugar, uma norma que se insira no sistema de
responsabilidade civil, que justifique pretensões indeminizatórias por parte do tal
particular, cliente do banco. São os requisitos cuja verificação é necessária para que
possamos falar de uma norma de proteção.

23

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

Aqui há uns anos atrás, levantava-se a questão da constitucionalidade: havia


quem considera-se que este reconhecimento de poder normativo ao BP violava o
princípio da separação dos poderes. Era a querela, tinha por objeto o princípio da
separação dos poderes. É uma querela que em grande medida foi ultrapassada e hoje,
mais ou menos de forma consensual, esta é a posição maioritariamente assumida por
parte da jurisprudência e da doutrina, aquilo que lhes expus. Todavia, como vimos,
estes regulamentos, a consideração destes avisos como regulamentos, devem conter-
se naturalmente no âmbito das atribuições legalmente conferidas ao BP.

Passamos agora para os usos bancários. Aqui temos padrões de atuação,


padrões de atuação dos bancos que muitas vezes se encontram sedimentados ao
longo de um vastíssimo período de tempo. Não se trata de um verdadeiro costume.
Aqui temos apenas o chamado corpus do costume e não o elemento espiritual, apenas
o elementos material. Estes usos bancários podem ser assumidos pelas partes de um
contrato como cláusulas contratuais. E se assim for, se forem assumidos como
cláusulas de um negócio jurídico, valem como estipulações das partes. Não valem por
si mesmos como usos, mas enquanto disposições contratuais, enquanto estipulações
contratuais. A este propósito refere-se o depósito bancário de cheques ou de outros
títulos. Portanto, o depósito bancário que não de disponibilidades monetárias. Aqui,
ainda que não haja uma cláusula expressa de que a conta do depositante é creditada
salvo boa cobrança, é isso que deve entender-se como tendo sido tacitamente
estipulado pelas partes. Quando há o depósito de um cheque, ainda que não haja uma
cláusula expressa nesse sentido, deve entender-se que a conta do depositante é
creditada salvo boa cobrança, é isso que se deve entender como tendo sido
tacitamente acordado pelas partes. É creditada a conta bancária do depositante no
montante constante do cheque salvo boa cobrança.

Temos o art. 3º nº1 do CC em que os usos são considerados como fonte


autónoma do direito, mas apenas como fonte mediata, ou seja, apenas podem relevar
por força da lei. Um desses casos respeita ao mandato. O mandato é uma relação
contratual que se estabelece muito frequentemente entre os bancos e os respetivos
clientes. E aqui poderão ser relevantes os usos do comércio ou da praça, no que toca
quer à remuneração do mandatário, quer à responsabilidade do mandatário, conforme
os arts 232º e 238º do Código Comercial. E o nosso Código Comercial remete ainda
para os usos bancários a propósito do regime do depósito. Temos aqui a norma do art.
407º do Ccom. O depósito, nos termos do art. 407º, deve reger-se pelos estatutos dos
bancos. O termo estatutos é um termo que foi importado do direito espanhol e que se
entende (também entre nós) como siginificando usos. Estatutos quer aqui significar
usos. É o sentido que se atribui a este vocábulo do art. 407º. E no âmbito deste artigo,
nem se trata de usos correntes ou usos gerais de certa atividades, não é isso que está
em causa. Trata-se de usos próprios de cada banco, ainda que esses usos, na maioria
dos casos, sejam os mesmos, na esmagadora maioria dos bancos, ou pelo menos

24

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

sejam muito similares entre os vários bancos. Mas no ambito do art. 407º são os usos
de cada banco que estão em causa. E aqui vale a pena referir, a propósito deste usos
particulares a que se refere a norma do art. 407º do Código Comercial, um acórdão do
Tribunal Constitucional (Ac. de 22 de maio de 1996), a propósito de um depósito
bancário de disponibilidades monetárias poder ser movimentado por uma pessoa
analfabeta, através de impressão digital, aposta precisamente no respetivo
documento. E uma assinatura precisamente a rogo de terceiro. Portanto, para assim
essa pessoa analfabeta poder movimentar o depósito de disponibilidades monetárias.
Segundo esse entendimento do Tribunal da Relação (que não foi censurado pelo
Tribunal Constitucional), o uso da Caixa Geral de Depósitos era precisamente um uso
que se deveria assimiliar a um uso da banca, no sentido de uso da praça ou de uso ou
prática bancária, nos termos e para os efeitos do art. 407º do Código Comercial. E os
usos bancários podem também relevar no domínio da legislação da concorrência,
designadamente no âmbito do art. 78º da Lei Bancária, na aplicação do regime da
concorrência às instituições de crédito e às respetivas associações empresariais. Outro
caso de relevância dos usos, que todos conhecem, é o do art. 560º nº3 do CC, que
deixa de opôr restrições ao anatocismo, aos juros de juros, se houver regras ou usos
particulares do comércio em sentido contrário. É precisamente o que se verifica no
âmbito dos depósitos bancários. Não há restrições ao anatocismo.

Temos depois as normas de conduta. Aqui temos normas ou princípios que


são emanados pelas entidades ou associações representativas das instituições de
crédito e que têm justamente por objeto quer as relações entre os membros dessas
mesmas associações representativas das instituições de crédito quer (e é
principalmente este o objeto) as relações entre as instituições de crédito e terceiros,
ou seja, as relações entre as instituições de crédito e os seus clientes. Por exemplo, a
Associação Portuguesa de Bancos estabeleceu princípios de boa prática a observar
pelos bancos portugueses na transição para o euro. Temos também códigos de
conduta ou de boas praticas que são elaborados a nível transnacional e que vinculam
os nossos bancos, designadamente os códigos que são elaborados pela Federação
Bancária Europeia. São códigos que vinculam o nosso setor bancário e, portanto,
também as associações congéneres relativamente aos bancos de natureza cooperativa
e às taxas enconómicas. Portanto, também vinculam as nossas instituições de crédito
nacionais.

Estas normas de conduta são de elaboração privada. Como se vê, quem as


emana são instituições privadas. A Lei Bancária prevê a elaboração de códigos de
conduta por parte das instituições representativas das instituições de crédito. E estes
códigos estariam sujeitos à aprovação por parte do BP. Códigos de conduta elaborados
por associações privadas que devem ser aprovados pelo BP. Aliás, a sua própria
elaboração pode ser ordenada pelo próprio BP. O próprio BP pode estabelecer
diretrizes para a elaboração destes códigos de conduta, tem poderes para isso. Há aqui

25

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

uma natureza auto-regulatória do sistema bancário. E em vista desta natureza auto-


regulatória, de fonte privada, os códigos. De alguma forma seria desvirtuar esta
natureza privada e auto-regulatória reconhecer ao banco central, ao BP, a intervenção
que o BP aqui tem, neste processo, reconhecer a esta intervenção um papel
constitutivo. De alguma forma, isto desvirtuaria a natureza auto-regulatória e privada,
reconhecer um papel constitutivo à intervenção do BP. O que se diz, precisamente em
vista de não desvirtuar esta natureza verdadeiramente auto-regulatória do próprio
sistema bancário, das próprias instituições de crédito, é que esta intervenção do BP,
esta autorização a conceder por parte do BP visa apenas fiscalizar ou controlar a
legalidade dos códigos de conduta. Portanto, não visa imprimir-lhes força vinculativa, o
que visa é fiscalizar a legalidade das normas de conduta. Não iria para além disso, não
teria outro objetivo que não o controlo da própria legalidade. Não visaria emprestar-
lhes força vinculativa. É isso que está aí em causa. Nós temos aqui uma fonte privada
de direito bancário. Os códigos e normas de conduta traduzem uma fonte privada do
direito bancário. Isto significa que a vinculatividade que eventualmente se deva
reconhecer aos códigos de conduta não deriva naturalmente ou não depende do facto
de terem sido aprovados ou autorizados pelo BP. Essa vinculatividade que se lhes
venha a reconhecer não decorre efetivamente dessa autorizaçao do BP ou do facto de
terem sido apresentados ao BP para esse efeito. E também não depende da sua
publicação no Diário da República.

A questão que se coloca nesta matéria é a de se saber qual é a espécie e o grau


de vinculatividade destas normas de conduta. A violação das normas de conduta pode
implicar sanções de natureza disciplinar. Estas sanções de natureza disciplinar são
aplicáveis pela associação que elabora as próprias normas de conduta, associação a
que pertence a instituição de crédito prevaricadora, infratora. A associação vai aplicar-
lhe uma sanção disciplinar nos termos dos respetivos estatutos da associação. Pode
aplicar-lhe uma sanção disciplinar. A questão que se coloca é qual é a consequência
jurídica, se é que existe uma consequência jurídica, para a violação de uma norma de
conduta no âmbito da relação jurídica que se estabelece entre a instituição de crédito
e o seu cliente. Precisamente a relação que as mais das vezes os códigos de conduta
têm em vista disciplinar, a relação entre a instituição de crédito e terceiros, ou seja, a
instituição de crédito e os clientes. Qual é a consequência da violação de uma norma
de conduta no âmbito desta relação? Não no âmbito da instituição de crédito
enquanto associada com a associação mas no âmbito da relação que estabelece com o
respetivo cliente. Ora, os códigos de conduta são considerados como um importante
elemento coadjuvante na interpretação e na integração dos negócios jurídicos
bancários. Hoje não há dúvidas relevantes acerca disto, são considerados efetivamente
como um elemento muito importante no âmbito da interpretação e da integração dos
negócios jurídicos bancários e mesmo em relação a instituições de crédito que não os
tenham subscrito. E mesmo no âmbito de contratos bancários celebrados entre
instituições de crédito que não tenham subscrito estes códigos de conduta e os

26

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

respetivos clientes. Mesmo nestes contratos bancários desempenham um papel


relevante de interpretação e de integração, nos contratos que estas instituições
tenham estabelecido com os respetivos clientes, independentemente de estas
instituições de crédito serem ou não serem associadas da entidade que fez aprovar
esses códigos de conduta. Portanto, em qualquer caso, estes códigos de conduta
desempenham esse papel muito relevante no âmbito da interpretação e integração
dos contratos bancários celebrados com os clientes. E em tal sentido aponta o facto de
estes códigos de conduta estabelecerem padrões de conduta correta, padrões de
conduta deontológica. Isto deve entender-se como imposto pelo princípio da boa-fé.
Em determinadas circunstâncias, deve entender-se como sendo uma decorrência do
princípio da boa-fé ou dos bons costumes. Daí que estes códigos de conduta sirvam
como elemento de interpretação e integração dos contratos bancários em geral,
independentemente de a respetiva instituição de crédito ter ou não ter subscrito o
código de conduta, ser ou não ser associada à instituição que o fez aprovar. Entende-
se também que, para além de ser um elemento de interpretação e de integração dos
negócios jurídicos, os códigos de conduta não podem deixar de vincular as instituições
de crédito que, precisamente através desses códigos de conduta, quiseram obrigar-se,
em relação àqueles a quem se dirigem, ou seja, em relação aos clientes e nos termos
em que as instituições de crédito declaram auto-vincular-se. Isto siginifica que em
determinados casos da violação de normas de conduta, verificados os respetivos
requisitos, podem também resultar consequências indeminizatórias.

Depois, temos também a velha questão da jurisprudência. Como sabem, é a


velha questão que estudaram em Introdução ao Estudo do Direito: saber se a
jurisprudência é ou não é fonte do direito entre nós e a evolução que essa questão
tem sofrido. Aliás, a questão das fontes do direito em geral tanto entre nós como nos
sistemas anglo-saxónicos, no fundo a aproximação, a convergência dos vários
sistemas, por força precisamente da aproximação civilizacional dos dois mundos anglo-
saxónico e ocidente. Não vale a pena repeti-la, já a conhecem, a velha questão da
jurisprudência, tendo em conta que muitas das questões bancárias são resolvidas em
tribunais arbitrais e não em tribunais judiciais.

Distinção entre direito bancário, direitos dos seguros e dos fundos


de pensões e direito dos valores mobiliários
Começámos por dizer na primeira aula que o direito financeiro, no fundo, se
reparte em direito bancário, em direito dos seguros e dos fundos de pensões e em
direito dos valores mobiliários. E no âmbito daquilo que se designa por direito
financeiro, nós temos precisamente um duplo movimento: temos autonomização das
suas 3 áreas (direito bancário, dos seguros e dos fundos de pensões e dos valores

27

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

mobiliários), uma autonomização progressiva a que se assistiu, uma independência de


umas perante aos outras precisamente em virtude do grau de especialização que cada
uma delas adquiriu perante as outras e perante o grau de especiailização que também
cada uma delas adquiriu face ao direito comercial e ao direito da economia. Temos
portanto a independência, a autonomia destas 3 grandes áreas, em primeiro lugar
perante o direito comercial e perante o direito da economia e depois a independência
de cada uma delas perante as outros. Cada uma delas se afastou, se autonomizou
dentro do direito comercial e do direito da economia e depois cada uma delas ganhou
a sua independência perante as outras.

Portanto, emergiu o direito bancário, o direito dos seguros e dos fundos de


pensões e o direito dos valores mobiliários. Todavia, não se assistiu a uma
autonomização integrada do direito financeiro, embora tivesse e faça sentido de facto
algum objetivo de aglutinação, uma autonomização integrada do direito bancário, do
direito dos seguros e dos fundos de pensões e do direito dos valores mobiliários. Ou
seja, o direito bancário, o direito dos seguros e dos fundos de pensões e o direito dos
valores mobiliários têm sido vistos de forma estanque, isolada, de costas viradas uns
para os outros. Não têm sido vistos de forma integrada, dentro do próprio direito
financeiro. Também os bancos comercializam seguros, há aqui de facto alguma
integração e fazem intermediação financeira no mercado de valores mobiliários, no
mercado de capitais. Por outro lado, as próprias empresas de seguros exercem uma
atividade que por vezes se aproxima muito da atividade de concessão de crédito
exercida pela banca. Muitas vezes, as empresas de seguros realizam operações de
capitalização, participam também no mercado de valores mobiliários (portanto, no
mercado de capitais) e exercem uma atividade de gestão de ativos que se aproxima
muitíssimo da figura dos organismos de investimento coletivos, da figura dos fundos
de investimento, que são instituições, grande parte delas, que atuam no mercado de
valores mobiliário. Isto para dizer que o direito bancário, o direito dos seguros e dos
fundos de pensões e o direito dos valores mobiliários não contemplam realidades
estanques. E isto do ponto de vista económico. São realidades integradas ao nível dos
mercados. Nós não temos instituições que exercem apenas a atividade que
corresponde ao respetivo tipo. Temos instituições que exercem atividades típicas de
outros tipos de instituições financeiras. Para além de desenvolverem a atividade
correspondente ao respetivo tipo, exercem também atividades típicas de outras
instituições financeiras. Daí a necessidade de haver alguma integração, uma
autonomização integrada destas 3 áreas do direito financeiro. Portanto, para além da
principal e da tradicional atividade creditícia dos bancos, a tal recepção de depósitos
ou de outros fundos reembolsáveis do público, como já vimos a fim de conceder
crédito por conta própria, como fazem as instituições de crédito, os bancos podem,
enquanto intermediários, prestar serviços de investimento, podem prestar serviços
auxiliares do investimento, podem ser operadores no mercado de capitais, podem
investir por conta própria, podem participiar no mercado de capitais por conta própria.

28

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

Podem investir em valores mobiliários por conta própria, dinheiros ou disponibilidades


monetárias provindas de depósitos, que no modelo de banca comercial, que nós não
temos, seriam destinadas à concessão de crédito. Por outro lado, os bancos podem
participar no capital das sociedades gestoras da bolsa. Assiste-se também à produção e
à comercialização de produtos concorrentes, de produtos complementares. Produtos
concorrentes, produção e comercialização de produtos como por exemplo: seguros de
vida (os bancos podem fazê-lo), seguros que vencem juros e capitalizam, depósitos a
prazo, etc.

O que se pode dizer é que em qualquer um destes segmentos do direito


financeiro, quer no âmbito da banca, dos seguros ou da bolsa, estamos no âmbito de
um processo de formação, de agregação e de mobilização das poupanças, tendo
precisamente em vista a disponibilização de recursos para o financiamento de
atividades produtivas. Isto em qualquer um dos segmentos do direito financeiro. E por
isso mesmo, os interesses subjacentes à disciplina da captação das poupanças, da
poupança coletiva e da gestão dessa mesma poupança, estão em condições de
segurança, é isso que está em causa, uma gestão em condições de segurança. Os
interesses subjacentes à regulamentação jurídica são interesses mais ou menos
próximos, são mais ou menos os mesmos no setor da banca, dos seguros e da bolsa.
Daí a justificação de uma autonomização integrada destes 3 sectores. Nós temos uma
cooperação crescente e uma concorrência simultânea entre a banca, os seguros
(sobretudo entre esses) e também os intermediários financeiros, ou seja, entre banca,
seguros e bolsa. Portanto, comparticipações recíprocas entre as várias entidades. Ou
seja, temos seguradoras que são filiais de bancos, bancos que são filiais de
seguradoras, seguradoras que são accionistas de bancos, bancos que são accionistas
de seguradoras, etc. Há uma interpenetração progressiva dos sectores, há uma
interligação, uma integração entre os 3 sectores de atividade financeira, em que os
diversos produtos oferecidos pelas várias entidades constituem alternativas de
investimento do aforro das famílias. É isso que está fundamentalmente em causa.

Aqui interessa ter em conta o DL nº 18/2013 de 6 de Fevereiro que procede à


transposição de diretivas comunitárias relativas à adopção de medidas com vista a
uma maior integração da supervisão europeia, no âmbito do setor bancário, dos
instrumentos financeiros e dos seguros e pensões complementares. E em vista, la está,
desta autonomização integrada destes 3 sectores de atividade. Temos também o DL
nº 143/2013 de 18 de Outubro, que veio alterar o DL nº 228/2000 de 23 de Setembro.
Criou o Conselho Nacional de Supervisores Financeiros. Este DL de 2000 foi o diploma
que criou o Conselho Nacional de Supervisores Financeiros. Foi alterado em 2008 e
agora em 2013, é a alteração mais recente. E esta alteração (que é a que nos interessa,
a de 2013) decorre precisamente da necessidade de integração e de interdependência
entre os diversos setores de atividade: banca, bolsa e seguros. Foi em vista desta
necessidade de autonomização integrada que este DL veio alterar o de 2000.

29

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

Designadamente, com vista ao estabelecimento de canais de comunicação


estruturados entre as referidas autoridades de supervisão de cada um dos sectores
porque, reparem, verificavam-se grandes falhas de comunicação (isto verificou-se
nomeadamente com o caso BPP): o BP tinha conhecimento de determinados factos
que eram relavantes em sede de supervisão do mercado de capitais mas como não
eram do âmbito da competência do BP, descurava mas não comunicava à CMVM, o
que era grave. Este diploma veio, de facto estabelecer, esses canais de comunicação
entre as várias entidades de supervisão: entre a CMVM, o BP e agora a Autoridade de
Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões. Verificou-se a necessidade de essa
autonomização integrada entre os vários sectores de atividade e as várias entidades de
supervisão dos 3 sectores de atividade: banca, bolsa e seguros. Portanto, não são
setores de atividade estanques e as respetivas entidades de supervisão também não
podem funcionar sectorialmente, de costas viradas umas para as outras. Têm que
atuar coordenadamente. Este diploma é também muito importante nesta matéria.

Grosso modo, também já sabem o que é o direito dos seguros: o conjunto de


normas jurídicas que regulam o seguro enquanto fenómeno social e económico. O
direito dos fundos de pensões é o conjunto de normas jurídicas que disciplina os
patrimónios exclusivamente afetos à realização de um ou de mais planos de pensões,
sendo considerados como tais, ou seja, como planos de pensões, os programas que
definem as condições em que se constitui o direito à precepção de uma pensão que
pode ser a título de pré-reforma, de reforma, de sobrevivência, de validez. Isto é o
direito dos fundos de pensões. Temos o direito dos valores mobiliários, que é o
conjunto de normas jurídicas que regula os valores mobiliários, as ofertas públicas de
valores mobiliários, os mercados em que se negoceiam os valores mobiliários, a
liquidação e a intermediação de operações sobre valores mobiliários, assim como o
respetivo regime de supervisão e o seu regime sancionatório. E o direito bancário
também já temos uma noção.

Relevância económica da atividade bancária


Já sabemos que a principal função dos bancos é a intermediação e há funções
associadas a esta intermediação. A principal função já vimos que consiste
principalmente na intermediação creditícia. Portanto, há muito, desde sempre, foi
realçada pela ciência económica a relevância desta intermediação, função
intermediadora exercida pelos bancos. E esta função coloca os bancos numa posição
privilegiada de intervenção nos mercados financeiros. Os bancos transformam-se em
entidades primordiais de toda e qualquer economia agregada. Também é salientada a
relevância das atividades creditícias para qualquer desenvolvimento económico. Não
há desenvolvimento económico sem atividade creditícia. A atividade creditícia induz o
desenvolvimento económico. E deste desenvolvimento naturalmente que também

30

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

retira um estímulo para a sua própria expansão, a atividade creditícia expande-se com
o próprio desenvolvimento económico. De acordo com uma visão clássica, o principal
contributo da atividade bancária para a economia tem sido precisamente a articulação
que a atividade bancária permite entre aforradores e investidores, ou seja, a atividade
bancária permite ou conduz à recepção de fundos do setor doméstico da economia,
permite a manutenção desses fundos sob a forma de depósitos ou de outros fundos
reembolsáveis e permite a sua reciclagem, a reciclagem desses fundos em capital de
investimento. Temos aqui uma função de intermediação que têm sido o elemento
verdadeiramente identificador da atividade dos bancos. E é no âmago desta
intermediação que se apreende também o desempenho de muitas outras funções ou
retira-se do âmago da intermediação o desempenho de muitas outras funções por
parte dos bancos, funções que estão necessariamente associadas à intermediação
creditícia. Desde logo, os bancos vão assegurar a necessária transformação de
maturidade que permite relacionar as operações passivas, ou seja, depósitos, as
operações em que a banca assume a posição devedora (nos depósitos, a banca fica
devedora do depositante - é isso que caracteriza uma operação bancária passiva: a
posição devedora que o banco assume), que têm naturalmente um prazo mais curto,
com as operações ativas, que são as operações em que a banca assume uma posição
de credora: as operações de financiamento, as operações de concessão de crédito,
quando a banca celebra um contrato de mútuo com um cliente. Normalmente as
operações ativas são de prazo mais longo do que as operações passivas. Portanto, é
preciso saber coordenar, em termos de prazo, as operações passivas com as operações
ativas. Os bancos têm que observar as regras prudenciais sob pena de uma gestão não
sã e imprudente, sob pena, em último recurso, de insolvência, porque concedem
crédito com as disponibilidades monetárias oriundas de depósitos e outros fundos
reembolsáveis. Ora se os depósitos, imaginem, são de 3 anos e os contratos de
abertura de crédito são de 5 anos, há um desfasamento de 2 anos. Logo, é preciso
saber coordenar as operações passivas com as operações ativas, saber relacionar a
maturidade das operações passivas com as operações ativas. Os bancos oferecem,
asseguram, a transformação de maturidade que permite relacionar as operações
passivas com as operações ativas. Através precisamente das leis dos grandes números,
os bancos diversificam e acrescentam valor, através da observância de normas
prudenciais que são elaboradas em leis de grandes números. É precisamente a
demonstração dessas leis de grandes números que permite aos bancos arriscar a
disponibilização das somas recebidas do público, dos aforradores, recebidas em
depósitos para conceder créditos a terceiros. Ao emprestar a empresas dinheiro que
receberam em depósitos, os bancos estão a arriscar porque a qualquer momento os
depositantes podem ir ao banco e exigir a restituição daqueles montantes. Estão a
arriscar porque os bancos não têm a certeza de que no dia seguinte os depositantes
não se desloquem ao banco a exigir a restituição dos montantes e os bancos não têm
esses montantes. Seriam, com certeza, declarados insolventes. Correm o risco mas é

31

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

com base na demonstração dessas leis dos grandes números que arriscam a
disponibilização desses montantes na concessão de crédito. E isso permite-lhes, em
princípio, respeitar sempre as expectativas dos aforradores que depositam as suas
disponbilidades monetárias. Essas leis dos grandes números permitem-lhes, em
princípio respeitar, essas expectativas. A análise da realidade social e económica,
permite concluir que, em condições normais, nem todos os depositantes dispõem dos
seus fundos ao mesmo tempo, a não ser que haja, por exemplo, uma catástrofe, haja
rumores grandes e sérios de que há graves problemas acerca de um banco e haja o
contágio desse banco a outros bancos: então, os depositantes correm aos bancos para
exigir a restituição dos respetivos depósitos. Aí sim, há um gravíssimo problema dos
bancos em particular e do sistema bancário em geral. Em princípio, é possível
satisfazer os levantamentos regulares dos fundos por parte dos aforradores, com base
numa reserva mínima de liquidez por parte dos bancos. Os bancos apenas precisam de
ter uma reserva mínima de liquidez, com base nas tais leis dos grandes números.
Tendo essa reserva mínima, observando essas regras prudenciais feitas com base nas
leis dos grandes numeros, é suficiente para que acudam aos pedidos dos depositantes.
Não precisam de mais do que isso. Em condições normais, não há efetivamente que
temer.

Qual é o quadro funcional da atividade bancária e quais foram os fatores que


implicaram a respetiva diversificação, a diversificação da atividade bancária?

A atividade creditícia surge reservada aos bancos, é uma atividade por excelência dos
bancos, que são intermediários creditícios, que recebem ou recolhem do público,
especialmente das famílias, do setor doméstico da economia, as poupanças, as
disponibilidades monetárias aforradas sob a forma de depósitos ou de outros fundos
reembolsáveis, com vista à sua transferência por conta própria para quem precise de
crédito de financiamento, para outros operadores económicos, designadamente para
empresas e para a administração pública (para conceder crédito sob a forma de
empréstimos ou outras modalidades). Temos aqui a interposição da banca entre
depositantes e pessoas carecidas de financiamento. Uma interposição que é baseada
na tal relação de confiança do público na solvabilidade, na liquidez e na rendibilidade
da atividade bancária e do sistema bancário em geral. Ora, vimos também, ao falar da
distinção entre direito bancário, direito dos seguros e de fundos de pensões e direito
dos valores mobiliários que o investimento direto do aforro das famílias em valores
mobiliários em alternativa à intermediação bancária, por parte do público/das famílias
que tem excedentes monetários, e que estão dispostos a correr de per si o risco dos
emitentes dos valores mobiliários, os respetivos riscos económicos, designadamente o
risco de insolvência do emitente dos valores adquiridos, naturalmente que têm em
vista a obtenção de rendimentos superiores àqueles que obteria num depósito
bancário. Correm um risco maior mas poderão obter rendimentos superiores àqueles
de um depósito bancário. É uma alternativa ao depósito bancário. O investimento

32

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

direto em mercado de capitais. O investidor pode tomar estas decisões: em vez de


investir no mercado bancário, investe no mercado de capitais. E hoje muito mais
facilmente porque se proletarizou 7 ou democratizou o acesso a investidores
profissionais, como nos fundos de investimento. A participação em fundos de
investimento permite obter ao investidor o acesso a uma gestão profissional das suas
poupanças. Hoje é mais fácil investir no mercado de capitais, através de um gestor
profissional do que era há umas décadas atrás. Através da participação de um
organismo de investimento coletivo. O que quer dizer que os bancos sofrem uma
concorrência, desde logo pelo mercado de capitais, uma forte concorrência, em os
fundos das famílias escaparem ao mercado bancário e fluirem para o mercado de
capitais.

E o mesmo se diga relativamente aos seguros. As empresas de seguros exercem


uma grande concorrência com os bancos. Os bancos sentiram também esta pressão,
esta concorrência por parte da atividade seguradora. Conseguiram que os fundos que
tradicionalmentes eram destinados aos bancos por parte do setor doméstico da
economia se destinassem agora para o mercado segurador. Através da grande
inovação do mercado segurador, dos novos produtos ofereridos pelo mercado
segurador. Fundos cujo destino era tradicionalmente o mercado bancário, o destino
passou também a ser o mercado dos seguros. Os bancos confrontaram-se com uma
nova realidade: os bancos que exerciam fundamentalmente a intermediação creditícia,
que recolhiam das famílias os depósitos, os excedentes monetários, viram esses
excedentes começarem a escapar, para o mercado de capitais e para o mercado de
seguros. Começaram a sofrer uma concorrência de outras empresas. A aplicação de
poupanças em pagamentos também de prémios de seguros em lugar de irem para
depósitos a prazo, designadamente. As pessoas preferiram pagar prémios de seguros
para fazer face a necessidades futuras. Seguros de vida, por exemplo. Isto conduziu
naturalmente à necessidade de diversificação da atividade bancária. Foi uma
necessidade também de alguma forma de sobrevivência dos próprios bancos. A forte
concorrência de que foram objeto por parte de outras instituições financeiras.

3.ª Aula – 25 de Fevereiro de 2015 (Bernardo Natal)

Tínhamos ficado na relevância económica da actividade bancária. A


intervenção dos bancos, como todos sabemos, é extraordinariamente importante na
economia real. Aqui há, fundamentalmente, duas dimensões, duas vertentes, que
importa relevar, a propósito desta actividade bancária

Os bancos fornecem à economia real os fundos que são imprescindíveis ao


desenvolvimento. Esses fundos são fornecidos pelos bancos para o desenvolvimento

7
Não tenho a certeza absoluta de ter sido esta a palavra utilizada pela professora. De facto, na gravação
é o que entendo e, dado o contexto em que ela surge, fará sentido que tenha sido efetivamente esta a
palavra proferida.

33

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

das operações cuja realização é necessária. Os bancos são um elemento fundamental


de progresso, de desenvolvimento social, do desenvolvimento industrial, de
desenvolvimento económico em geral.

Por outro lado, os bancos incrementam, naturalmente, o valor das aplicações


dos depositantes. E isto explica o facto de os bancos, normalmente, precederem os
mercados secundários, o facto de os bancos incrementarem as aplicações dos
depositantes. E por isso, normalmente, os bancos precedem os mercados secundários
de capital, no respectivo processo de desenvolvimento económico, de
desenvolvimento social. Portanto, os bancos são principal fonte de financiamento da
economia.

No exercício das funções típicas que competem aos bancos (e nós já sabemos
quais são), no âmbito do quadro tradicional da actividade dos bancos, já sabemos que
os bancos, ao longo das últimas décadas, têm sofrido a concorrência de outros
intermediários financeiros. E esta concorrência foi muito grande, foi especialmente
acérrima nas últimas duas décadas. Trata-se de intermediários financeiros (estes que
concorreram com os bancos) que apresentavam estruturas mais leves e, também,
intermediários financeiros mais especializados em determinados tipos de operações e
que por isso desenvolveram um tipo de concorrência muito acérrima com os bancos.

Portanto, os bancos, o sector bancário, desde há bastante tempo, que se


encontra num contexto de actividade muito diferente daquele em que se encontrava
anteriormente, esse contexto alterou-se significativamente. Portanto, o quadro de
desenvolvimento da respectiva actividade, o quadro económico, o quadro
institucional, o quadro jurídico em que os bancos desenvolvem a sua actividade sofreu,
e continua a sofrer, profundas alterações, portanto, uma acentuada evolução, em cuja
origem se encontram diversos factores, na origem desta evolução do quadro
económico, institucional e jurídico da actuação dos bancos. E aqui referem-se,
fundamentalmente, entre os factores que estão na origem desta mutação do contexto
da actividade do sector bancário, referem-se, desde logo, o factor da inovação
financeira, o factor da desespecialização, o factor da desregulamentação 8. Temos
também o factor da internacionalização e, a um nível geograficamente mais restrito,
um factor muitíssimo importante que é o factor da construção da União Europeia – e
aqui o que nos interessa é o factor da construção da união bancária europeia, no seio
da União Europeia.

Quanto ao factor da inovação financeira e também da desintermediação.


Temos aqui, de facto, a inovação financeira, que é um factor determinante da
8
Hoje, desde a crise nacional e global a que se assistiu desde o verão de 2007, o facto “re-
regulamentação”. Até lá, desde a grande depressão, foi o da desregulamentação. Desde o verão de
2007, portanto, desde a grande crise do subprime nos Estados Unidos que se alastrou, naturalmente, a
todo o globo, e portanto à crise da dívida soberana dos países mediterrânicos, naturalmente que esse
factor inverteu-se, passou a ser o da “re-regulamentação” do quadro de actividade do sector bancário.

34

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

redefinição do quadro de actuação do sector bancário, do enquadramento tradicional


do âmbito de actividade dos bancos. E temos aqui, fundamentalmente, duas
perspectivas a propósito deste factor da inovação financeira: a perspectiva dos
elementos de facto, em que se traduz essa mesma inovação financeira, onde se
analisam, precisamente, os diversos produtos financeiros que ao longo das últimas
décadas conheceram um enorme desenvolvimento no mercado, os novos produtos
financeiros; e temos, por outro lado, a dimensão ou a perspectiva das consequências
estruturais que decorrem dessa mesma inovação financeira, onde se vai analisar o
impacto da inovação financeira ao nível do declínio da actividade bancária tradicional e
a emergência, nestas últimas décadas, de novos agentes financeiros. E como
elementos associados a esta inovação financeira temos aquilo de que hoje já todos
ouviram falar9, [os derivados financeiros (contratos de swap, empréstimos sindicados,
titularização de créditos, etc.), que são produto ou resultam da inovação financeira].
Quanto à desintermediação, temos aqui um corolário lógico de todo o fenómeno da
inovação e da desburocratização, é um corolário dessa inovação e dessa
desburocratização. E esta desintermediação tem um papel importante na redefinição
dos esquemas clássicos de relacionamento entre os bancos e os seus clientes. A
desintermediação implicou uma redefinição do modo clássico de relacionamento dos
bancos com os seus clientes. O que é que se pretende significar com este vocábulo
“desintermediação”? É, precisamente, a diminuição progressiva da relevância da
actividade bancária tradicional, que tem como contraponto o desenvolvimento do
mercado de capitais. À redução da relevância da intermediação creditícia contrapõe-se
o desenvolvimento do mercado de capitais, há aqui uma desintermediação bancária 10.
De qualquer forma, assistiu-se a esse desenvolvimento proporcional ao decréscimo da
intermediação creditícia, proporcional do mercado de capitais. Há aqui o
reconhecimento da diminuição do papel desempenhado pela intermediação creditícia,
ou seja, pela intermediação inerente à relação clássica entre a recepção de depósitos
por parte dos bancos e a concessão de crédito por parte dos mesmos bancos. Isto
explica-se porque parte das poupanças das famílias, parte do aforro do sector
doméstico da economia, uma parte crescente desse aforro, deixou de ser canalizado

9
Aliás, muito curioso. Como todos sabem, a nossa jurisprudência tem sido extraordinariamente
conservadora, cum grano salis, a propósito da aplicação do instituto da alteração das circunstâncias do
art. 437.º do Código Civil, mas, curiosamente, a propósito dos contratos de swap, permitiu a alteração
desses contratos precisamente ao abrigo da alteração das circunstâncias que terá ocorrido,
precisamente, pela crise do subprime e pela crise da dívida soberana. Isto a propósito destes contratos
que são contratos aleatórios, aplicou-lhes o instituto da alteração das circunstâncias, quando no
passado foi extraordinariamente conservadora na aplicação deste instituto. Isto a propósito da inovação
financeira, o contrato de swap é precisamente um desses exemplos, de um produto financeiro novo,
que decorre deste fenómeno da inovação financeiras. Os contratos de swap, que são um derivado
financeiro. Os derivados financeiros são, de facto, produto da inovação financeira. E temos também,
como exemplo disto, os empréstimos sindicados, temos a titularização de créditos, etc., portanto,
imensos produtos financeiros novos que resultam deste fenómeno da inovação financeira.
10
Isto, naturalmente, também se deve entender cum grano salis porque sabemos que nos países
da europa em geral a economia sempre dependeu mais dos bancos e do Estado do que por exemplo em
países como os Estados Unidos, em que a economia sempre dependeu mais do mercado de capitais.

35

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

pelos aforradores para depósitos nos bancos. Essas poupanças passaram a ser
alternativamente direccionadas para a aquisição de títulos emitidos e comercializados
directamente pelas empresas no mercado de capitais. A esta desintermediação, ou à
redução da relevância da desintermediação creditícia, têm sido associadas duas
manifestações fundamentais: por um lado, o alargamento do mercado monetário,
onde se negoceia dinheiro a curto prazo, e, por outro lado, o desenvolvimento do
mercado financeiro, que tratado dinheiro a médio e longo prazo. Temos aqui o
desenvolvimento do mercado monetário, onde se negoceia dinheiro a curto prazo, e o
desenvolvimento, também, do mercado de capitais, do mercado financeiro, onde se
trata de negociar dinheiro a médio e longo prazo. O mercado monetário deixou de ser
exclusivo das entidades bancárias, passou a ser permitido o relacionamento directo,
neste mercado monetário, entre agentes económicos de [natureza não bancária]. No
mercado financeiro, [no mercado de capitais,] que é a sede de operações sobre valores
mobiliários, neste mercado passaram a ser acolhidos os fundos que eram
classicamente, tradicionalmente, destinados a depósitos bancários. Desenvolveu-se o
mercado de capitais, um desenvolvimento proporcional à [involução] do mercado
bancário tradicional. Tudo isto apresenta, ou implica, como consequência directa a
emergência do modelo que é denominado como modelo de mercado, em que este
passa a consubstanciar um veículo privilegiado de circulação de capitais destinados às
empresas ou às entidades públicas que precisam desses mesmos capitais. E este
processo apenas se concebe numa situação de abertura e de modernização dos
mercados financeiros. O que no caso da europa acontece e é reforçado,
designadamente, por força da integração dos mercados, esses mercados foram
integrados e, portanto, hoje existe um mercado financeiro único, europeu. Esta
desintermediação é uma medalha de duas faces. Numa dessas faces da medalha, esta
desintermediação representa ou significa a aproximação dos agentes económicos, ou
seja, a aproximação entre os agentes económicos que necessitam de liquidez e os
agentes económicos que têm liquidez em excesso. Há aqui uma aproximação directa
entre essas duas categorias de agentes em virtude dessa desintermediação: por um
lado os agentes que precisam dessa liquidez, e, por outro, os agentes que têm, em
excesso, liquidez. Portanto, temos aqui uma relação directa, mais directa, uma relação
que não é intermediada, portanto, sem qualquer intermediação pelos agentes
tradicionais (os bancos) – é uma face dessa desintermediação. A outra face da
medalha desta desintermediação traduz-se na diversificação dos agentes que actuam
no sistema financeiro, e até na assunção de actividades financeiras por agentes
económicos que tradicionalmente não estavam vocacionados para o desenvolvimento
dessas mesmas actividades. Estas são as duas faces da medalha deste fenómeno, que
é a desintermediação. Desintermediação que, como referi, representa, de alguma
forma, um corolário da inovação financeira e da desburocratização.

O impacto, no sector bancário, deste fenómeno da desintermediação é um


impacto que tem sido sentido, essencialmente, a dois níveis: por um lado, ao nível da

36

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

evolução que se verificou no âmbito e na natureza das actividades prosseguidas pelos


bancos, neste novo modelo de mercado os bancos vão, evidentemente, desempenhar
menos o seu papel clássico de intermediários creditícios e de transformadores (isto é
verdade mas também não deixa de ser verdade que os bancos, em virtude dessa
desintermediação creditícia, têm uma intervenção cada vez mais relevante na
organização de operações financeiras, a intervenção dos bancos nesta matéria de
organização, estruturação, de operações financeiras chega mesmo a ser indispensável,
imprescindível, os bancos têm um conhecimento muito profundo dos mercados e
estes conhecimentos são imprescindíveis para a engenharia jurídico-financeira que
muitas vezes se impõe na estruturação destas operações financeiras, e por outro lado,
este conhecimento que os bancos têm dos mercados naturalmente facilita o
relacionamento entre as diversas partes envolvidas nestas operações financeiras); por
outro lado, a outro nível, o impacto desta desintermediação sente-se ao nível da
procura de novas fontes de rendimentos. Os bancos, em virtude da redução da
relevância do seu papel clássico de intermediação creditícia sentiram a necessidade de
procurar novas fontes de rendimentos. Reduziu-se a relevância do seu clássico,
portanto, tiveram, forçosamente, que procurar novas fontes de rendimentos. E
portanto, também já sabemos, aumentaram as comissões, designadamente, a esse
nível, aumentaram as comissões cobradas pelos serviços prestados para fazer face à
redução dos recursos da intermediação a que normalmente procediam. A importância
dos bancos reduziu-se a este nível, portanto, procuraram novas fontes de
rendimentos, designadamente ao nível das comissões11.

Outro factor que esteve na base da alteração do quadro económico, social,


institucional e jurídico, a alteração desse quadro de actuação do sector bancário, foi o
factor da desespecialização. Este fenómeno da desespecialização é, naturalmente,
uma consequência directa e uma consequência necessária da adopção de um modelo
de banca universal, entre nós consagrado no art. 4.º da Lei Bancária, que nos diz que
[operações podem os bancos efectuar], e é desta norma que se recolhe a
materialidade da actividade bancária. Diz-nos que os bancos podem receber
depósitos ou outros fundos reembolsáveis; podem realizar operações de crédito,
incluindo concessão de garantias e outros compromissos, locação financeira e
factoring; serviços de pagamento tal como referidos no art. 4.º do regime jurídico dos
serviços de pagamento e da moeda electrónica; emitir e gerir outros meios de
pagamento, não abrangidos pela alínea anterior, tais como cheques em suporte de
papel, cheques de viagem em suporte de papel e cartas de crédito; transacções por
conta própria ou da clientela sobre instrumentos do mercado monetário e cambial,
instrumentos financeiros a prazo, opções e operações sobre divisas, taxas de juro,
mercadorias e valores mobiliários; participações em emissões e colocações de valores
mobiliários e prestação de serviços correlativos; actuação nos mercados
interbancários; consultoria, guarda, administração e gestão de carteiras de valores
11
Claro que não só mas também aí.

37

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

mobiliários12; operações sobre pedras e metais preciosos; tomada de participações no


capital de sociedades; mediação de seguros; prestação de informações comerciais;
aluguer de cofres e guarda de valores; locação de bens móveis, nos termos permitidos
às sociedades de locação financeira; prestação dos serviços e exercício das actividades
de investimento a que se o artigo 199.º-A, não abrangidos pelas alíneas anteriores;
emissão de moeda electrónica; outras [operações análogas e que a lei lhes não proíba]
– e esta alínea é extraordinariamente importante porque para além de tudo o que o
legislador refere anteriormente, esta alínea vem ainda dizer “outras operações
análogas e que a lei lhes não [proíba]”. Portanto, os bancos podem praticar enorme
diversidade de operações, ao abrigo do modelo de banca universal que se encontra
consagrado no nosso ordenamento jurídico.

E a desespecialização é também uma consequência da adopção de um modelo


como este que é o da banca universal. Vejam a enorme diversidade de actividades e de
operações que os bancos, ao contrário do que se passa, por exemplo, nos Estados
Unidos, podem praticar, entre nós. Os bancos podem actuar de uma forma muitíssimo
diversificada, podem penetrar em áreas que anteriormente se encontravam
reservadas a outras entidades financeiras (que não de natureza bancária), o que
significa que os bancos se confrontam ou deparam, necessariamente, nessas novas
áreas de actuação, de intervenção, com outras entidades que já desempenhavam
nessas áreas essas mesmas actividades, que já tinham o know-how nessas áreas em
que os bancos começaram a intervir ao abrigo do art. 4.º da Lei bancária. Daí,
naturalmente, também, o aumento do impacto concorrencial que se fez notar.
Portanto, uma das formas encontradas pelos bancos para obviar, para atenuar,
esta concorrência (uma concorrência acérrima) foi exactamente a via da assunção de
controlo (um controlo directo ou um controlo indirecto) das instituições financeiras
que operam no mercado, das instituições financeiras que potencialmente seriam as
suas concorrentes. Os bancos acabaram por controlá-las de forma directa ou indirecta
e, assim, reduziram a concorrência através da assunção desse mesmo controlo, da
aquisição de participações sociais de controlo nessas sociedades.

A desespecialização tem-se ainda manifestado, também, pela emergência, por


paradoxal que pareça, de novas entidades especializadas que surgem ou provêm
precisamente do sector não financeiro da economia. E, por outro lado, também pelo
desenvolvimento de nichos especializados do próprio sector financeiro.

Temos, depois, com [o?] contraponto da “re-regulação” 13, mas na base,


precisamente, da alteração do contexto ou do quadro económico, social, institucional
e jurídico de actuação dos bancos, teve a desregulamentação – não foi a

12
[A professora saltou a al. j): “consultoria das empresas em matéria de estrutura do capital, de
estratégia empresarial e de questões conexas, bem como consultoria e serviços no domínio da fusão e
compra de empresas”].
13
De que depois falaremos.

38

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

[rer?]regulamentação, foi a desregulamentação. Foi esse factor que esteve, também,


na origem dessa grande alteração – a desregulamentação. E por “desregulamentação”
tem sido entendido o fenómeno de reacção que se fez sentir àquilo que foi
considerado um intervencionismo exagerado por parte do Estado no estabelecimento
de regras, no estabelecimento de restrições, no estabelecimento […] 14. Este factor da
desregulamentação surge como reacção àquilo que foi tido como um intervencionismo
exagerado do Estado, quando o Estado veio fixar restrições, proibições, limitações ao
livre exercício da actividade económica em geral, e bancária em particular. Veio
estabelecer limitações ao livre funcionamento das regras do mercado. Este
intervencionismo por parte do Estado, um intervencionismo maior, surge na sequência
da grande depressão dos anos 30. Naturalmente, depois de passados os efeitos dessa
grande depressão, esse intervencionismo começou a ser posto em causa por se
entender que determinadas matérias, designadamente a fixação das taxas de juro de
depósitos, a separação rígida de funções, ou os controlos rígidos dos mercados
poderiam ser substituídos (e isto com vantagens concorrenciais) por sistemas de
regulação mais leves, também mais fluídos, e que abandonassem determinadas
matérias ao livre funcionamento do mercado. Houve aqui uma aposta na dinamização
de um maior espírito concorrencial, com as vantagens que se previam daí resultar para
o sistema e que para todos os participantes ou intervenientes no sistema. Este
fenómeno da desregulamentação não pode ser entendido como uma redução total ou
abrupta (aliás, nunca o foi) de todos os obstáculos de natureza prudencial, no que toca
ao exercício da actividade bancária. Nunca limites ou requisitos de natureza prudencial
foram eliminados para o exercício da actividade bancária. Quando se fala em
desregulamentação não se pode entender por “desregulamentação” o
desaparecimento de qualquer regulamentação a propósito do acesso e do exercício da
actividade bancária, isso nunca aconteceu. O que houve foi uma redução da
regulamentação. Mas nunca uma eliminação dessa regulamentação. E o objectivo
fundamental deste processo de desregulamentação foi o de reforçar o papel do
mercado no seio do sistema financeiro. E este propósito, é interessante lembrar que
isto se relaciona com as tendências que tiveram lugar de o próprio Estado
impulsionar15 e até, de alguma forma, acarinhar o aparecimento de normas éticas ou
de normas de conduta. Falamos disso a propósito das normas de conduta enquanto
fontes de Direito Bancário. É interessante notar que enquanto se assistia a um
fenómeno de desregulamentação da actividade bancária, o próprio Estado estimulava
a produção de normas de conduta no âmbito da actividade bancária, embora o próprio
Estado estivesse empenhado num esforço de desregulamentação do sector bancário.
Assistiu-se a demissões legislativas por parte do Estado, em virtude de
desregulamentação, houve aqui uma demissão legislativa por parte do Estado, dos
vários Estados ocidentais, em áreas sociais relevantes que teriam justificado uma

14
[Deu-se uma tertúlia sobre as alterações de trânsito na Foz].
15
Aliás, já falamos disso na aula anterior.

39

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

regulamentação mais cuidadosa16. E essa regulamentação acabou por ser confiada a


certas entidades de natureza pública ou de natureza privada, de natureza associativa,
de entidades profissionais, etc., como alternativa à regulamentação jurídica estadual.
Assistiu-se à criação de ordenamentos jurídicos privativos, à criação de normas ou de
códigos de conduta. Aqui surge como exemplo o artigo 77.º-B da Lei Bancária – lá está
o estímulo à elaboração de códigos de conduta.

Como referi, ([e] isto não está na base da alteração desse quadro tradicional do
exercício da actividade bancária, mas), desde o verão de 2007 assistiu-se ao fenómeno
inverso: o da “re-regulamentação” do acesso e do exercício da actividade bancária. E a
produção de normas, a este respeito, a nível comunitário como a nível interno, tem
sido grande. Em Outubro, todos nos deparamos com a transposição da Directiva CRD
IV que alterou profundamente a nossa Lei Bancária, no que toca a matérias
extraordinariamente importantes de acesso e de exercício de actividade bancária.
Assistiu-se ao fenómeno inverso a partir dessa grande crise global e das crises
nacionais de determinados países. O fenómeno passou a ser o inverso, passou a ser o
da “re-regulamentação”. E a vários níveis, a nível da autorização a conceder para o
exercício da actividade, a nível da supervisão da actividade bancária, etc., aspectos
muitíssimo importantes do sector bancário. Portanto, “re-regulamentação” desta
actividade, implicada pela grande crise. Uma grande alteração a que se assistiu, o
fenómeno inverso ao da desregulamentação 17. E esta nova Lei Bancária entrou em
vigor em Janeiro de 2015.

Temos, depois, a internacionalização, outro factor que esteve na base dessa


alteração do enquadramento institucional, etc., da actividade bancária. A
internacionalização da actividade bancária. E isto tem como corolário lógico uma
globalização crescente dos mercados. E, naturalmente, uma crescente mobilidade dos
capitais e da clientela. Para isto, para esta internacionalização, para esta globalização
crescente dos mercados, para esta mobilidade crescente dos capitais e da clientela,
contribuíram as inovações tecnológicas, as enormes inovações tecnológicas que têm
tido lugar, proporcionaram uma relevantíssima redução dos custos da informação e,
por outro lado, permitiram, também, aumentar a velocidade da propagação dessa
mesma informação. E o desenvolvimento do comércio internacional também impõe,
naturalmente, que a actividade bancária não tenha, não conheça, fronteiras físicas.
Naturalmente, os bancos, as instituições de crédito, têm de responder de uma forma
eficiente às exigências da sua clientela, aos desafios que lhes são constantemente
colocados. Daqui nasceu a necessidade de uma evolução sustentada desse quadro
16
Aliás, como se veio a verificar mais tarde.
17
Claro que isto é o que nos importa, mas isto não é só a nível europeu, esta “re-
regulamentação” teve lugar, também, noutros países fora da União Europeia. Naturalmente que o que
nos importa é o que vigora entre nós, o Direito Comunitário, que é directamente aplicável e que é
transposto.

40

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

institucional e jurídico de actividade. E aqui assumiram particular relevância as


questões que poderiam surgir ao nível do controlo e da supervisão da actividade
bancária, questões de muitíssima relevância.

A internacionalização da actividade bancária impôs a construção de um sistema


bancário que assegure, naturalmente, a coordenação das políticas de supervisão
bancária, precisamente em vista do reforço de um sistema bancário internacional. E
também em vista da eliminação de distorções de competitividade, de concorrência. E
foram feitos, ao longo dos anos, vários esforços no sentido de atingir estes objectivos,
cuja consecução não é absolutamente nada fácil. Aqui são muito importantes os
Acordos de Basileia18, são extraordinariamente relevantes nesta matéria e assentam
em diversos pilares.

Depois, temos como factor que determinou essa alteração de todo o quadro de
actividade do sector bancário a própria União Europeia. Lá está o tal âmbito
geográfico mais restrito, o âmbito da União Europeia. Também determinou a alteração
desse enquadramento da actividade bancária.

[???] que é importante referir19 a aplicação definitiva das soluções constantes


da Segunda Directiva de Coordenação Bancária. Através das directrizes20
implementou-se a liberdade de estabelecimento e a liberdade de prestação de
serviços. Portanto, dinamizou-se o exercício da actividade bancária no espaço
europeu. Facilitou-se a abertura de escritórios de representação em qualquer Estado-
Membro da União Europeia, em qualquer Estado-Membro se permitiu isto.

A União Europeia alargou, efectivamente, o mercado. Nós hoje temos um


mercado único, um mercado integrado. Portanto, há aqui também, daqui resulta, um
esforço de concorrência entre as entidades (ou instituições) bancárias nacionais e as
instituições bancárias estrangeiras. Desde logo porque se perdeu, já há muitos anos,
uma das últimas protecções naturais das instituições nacionais. Qual era essa última
protecção das instituições bancárias nacionais? 21 A moeda nacional ou própria.
Perdeu-se a moeda própria que era, de facto, uma protecção natural das instituições
bancárias nacionais. Perderam essa protecção natural, a moeda própria de cada um
dos países. Com a introdução da moeda única, isso desvaneceu-se. Naturalmente que
isto teve custos assinaláveis. A introdução do euro teve custos assinaláveis, custos
grandes22, desvantagens para os próprios bancos. Os bancos perderam receitas com a
introdução da moeda única, desapareceu mais uma fonte de rendimentos dos bancos.
18
De que vamos falar mais à frente.
19
Tal como se mencionou na semana passada.
20
[destas directrizes? Destas Directivas?]
21
[Não sendo, embora, a resposta] A questão ou matéria do sigilo bancário está regulamentada
de modo mais ou menos uniforme nos Estados-Membros da União Europeia. E conseguiu-se que a
Suíça, de alguma forma, cooperasse com os bancos centrais europeus.

41

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

Desapareceram as comissões de troca. Se queríamos ir a Itália, à Alemanha, à França,


tínhamos de fazer o câmbio, havia comissões de troca que desapareceram 23. Os bancos
perderam essa fonte de rendimentos, também, que era significativa.

Surge, então, por força de todos estes factores, uma nova perspectiva dos
serviços de intermediação. E essa perspectiva, agora, vai focar-se na avaliação de
projectos, no acompanhamento de clientes e na gestão e no controlo de sistemas de
pagamentos. Há aqui uma nova perspectiva de exercício da actividade bancária, uma
deslocalização da intermediação creditícia, como actividade primordial dos bancos,
para outros sectores de actividade. Há aqui uma alteração do pano de fundo da
actividade dos bancos. Procuraram uma nova área para prestarem os serviços de
intermediação. Serviços que são cada vez mais abrangentes, como se pode ver ou
retirar da leitura do art. 4.º da Lei Bancária, ao abrigo do modelo da banca universal.

Assumem grande relevância as funções de avaliação de projectos, por parte


dos bancos, as funções de acompanhamento dos clientes, também por parte dos
bancos, as funções de prospecção também de24 clientes (que estejam à procura de
fundos), e então os bancos são vistos, também, como avaliadores de oportunidades
de investimento, oportunidades que se encontrem disponíveis no mercado, tanto no
mercado primário como no mercado secundários. Os bancos são agora, também,
vistos como entidades avaliadoras de oportunidades de investimento. Já não só, ou
não principalmente, como intermediários creditícios, mas como entidades capazes,
peritas, na avaliação de oportunidades de investimento. A função dos bancos tem
vindo a ser, também, a função de identificarem projectos com valor potencial efectivo,
quer em termos de risco, quer em termos de perspectiva de retorno sério do
investimento. E uma vez identificados esses projectos, por parte dos bancos, os bancos
vão acompanhar o desenvolvimento desses projectos, os bancos vão monitorizar o
desenvolvimento desses projectos, precisamente em ordem a assegurar que esses
projectos são executados com regularidade, compete-lhes o acompanhamento, a
monitorização desses mesmos projectos que identificam como boas oportunidades de
investimento para os seus clientes.

Naturalmente que, num sistema de informação imperfeita, é relevante esta


nova actividade desempenhada pelos bancos. Os bancos acabam por regularizar e
estabilizar as assimetrias que existem em sede de informação. Designadamente, entre
a informação que tem quem disponibiliza os fundos para o investimento e a

22
Naturalmente que teve vantagens, tudo tem vantagens e desvantagens. Mas também teve
desvantagens.
23
Agora só, praticamente, para o Reino Unido, que conseguiu manter essa protecção natural,
mantém a libra. Mas nos outros Países-Membros da União Europeia acabou essa barreira natural.
24
[para?]

42

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

informação que tem quem procura esses mesmos fundos. Os bancos acabam por
estabilizar essa mesma informação.

Por último, têm um papel relevante os bancos na gestão e no controlo do


sistema de pagamentos. É um papel muitíssimo importante desempenhado pelos
bancos25.

[Intervalo]

Estávamos a ver, nesta nova perspectiva que os bancos adoptaram acerca da


sua actividade em virtude daqueles factores, daqueles fenómenos que se verificaram,
também passaram a ter um papel relevante no âmbito do controlo e da gestão dos
sistemas de pagamentos. Em que é que este papel desempenhado pela banca no
controlo e na gestão do sistema de pagamentos se traduz, concretamente?

Em primeiro lugar, como sabemos, a generalidade dos pagamentos em


qualquer economia minimamente desenvolvida, em qualquer economia moderna,
continua a ser feita, muitas vezes, através de cheques emitidos sobre determinados
bancos e depositados noutros bancos, ou através de transferências bancárias. Por
outro lado, também temos o desenvolvimento de meios electrónicos de pagamento, e
isto realça o valor acrescentado resultante dos serviços bancários nesta matéria do
sistema de pagamentos. Os bancos continuam, naturalmente, a ser as entidades
idóneas, com responsabilidade primordial, na gestão neste tipo de actividade. O papel
primordial que os bancos desempenham no sistema de pagamentos ressalta dos
serviços de regularização das transacções que os bancos proporcionam. Os bancos
promovem, através disto, eficiência financeira. Promovem, de alguma forma, a saúde
da economia em geral. Este papel desempenhado pelos bancos no sistema de
pagamentos é extraordinariamente relevante para o desenvolvimento da economia
em geral. Em primeiro lugar está em causa a rapidez dos pagamentos, a facilidade dos
pagamentos e a segurança dos pagamentos. Esta rapidez, facilidade e segurança de
pagamentos traduz-se, também, na facilidade, na rapidez e na segurança das
respectivas transacções a que os pagamentos dizem respeito. Sem esta facilidade,
rapidez e segurança de pagamentos não haveria, certamente, segurança, rapidez e
facilidade nos respectivos negócios. Isto é proporcionado pelo sistema de pagamentos.
Naturalmente, esta eficiência do sistema de pagamentos é tanto maior quanto
menores forem os custos associados a esses pagamentos. Ora os bancos, pela posição
que ocupam no sistema económico, estão, naturalmente, em circunstância privilegiada
para reduzir esses custos, para conter esses custos dentro de limites razoáveis que
sejam simultaneamente lucrativos. A sua situação no sistema económico permite-lhes
25
De que falamos já na próxima aula.

43

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

precisamente isso: manter ou preservar esses custos dentro de limites aceitáveis mas
que sejam, também, lucrativos para eles mesmos, bancos. É isso que está em causa.

Os bancos adoptaram, de facto, uma nova perspectiva da sua actividade.

Temos, então, agora, esta transição. Convém ter em conta que esta transição é
a transição da banca especializada para a banca universal. Aqui estão em causa os
fenómenos designados no direito comparado de “Allfinanz”26, na doutrina alemã, e por
“bancassurance”27, na doutrina francesa. Portanto, a banca universal. São os conceitos
de banca universal utilizados no direito comparado. Isto corresponde àquilo que já
vimos no que respeita à banca, na comercialização de seguros pela banca (lá está a
penetração da banca no mercado segurador), e, por outro lado, a prestação de
serviços de investimento pela banca (portanto, a penetração da banca no mercado de
capitais). Portanto, lá está, estes conceitos resultam do alargamento ou da penetração
dos bancos nestas áreas de actividade. Temos aqui uma diversidade funcional que
resulta, como vimos, da leitura do art. 4.ª da Lei Bancária, resulta com toda a clareza
da nossa Lei Bancária.

Esta diversidade funcional foi uma resposta estrategicamente adoptada à


concorrência que os bancos vinham a sofrer por parte dos outros participantes ou
intervenientes no mercado financeiro. E esta resposta dos bancos a essa concorrência
é retratada pela doutrina estrangeira como Allfinanz ou bancassurance ou banca
universal. Esta implementação, a implementação desta estratégia de bancassurance,
constituiu um dos desenvolvimentos mais significativos da história bancária europeia,
da indústria bancária europeia. Justamente a partir de 1985, que traduz o fenómeno
da interpenetração entre o sector da banca, o sector segurador e o mercado de
capitais. Há aqui um processo de fusão entre diversos sectores cujo campo de
actividade (de cada um destes sectores) se encontrava dantes bem definido e
segmentado. Havia como que uma difusão estrutural. Hoje temos esta fusão que
também teve em vista obter ou alcançar um objectivo de eficiência. Este processo,
esta resposta estratégica, teve também em vista alcançar um objectivo de eficiência,
uma redução de custos, uma redução de preços. Teve-se em vista essa redução. E
teve-se em vista também um desenvolvimento de mais inovação que, portanto,
acabou no corolário, ou que teve como corolário, a adopção de um modelo de banca,
que é precisamente o do artigo 4.º, o modelo de banca universal. Este conceito de

26
[? Conferir apontamentos]
27
[? Conferir apontamentos]

44

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

bancassurance ou de Allfinanz tem sido adoptado ou estudado segundo diversas


perspectivas.

Para alguns autores, este fenómeno ou este conceito, a ênfase deste conceito
deve ser colocada na diversidade de actividades que são susceptíveis de integrar esse
mesmo conceito. Para alguns autores, para parte da doutrina, a ênfase deve ser
colocada, precisamente, na diversidade do conjunto de actividades passível de integrar
esse mesmo conceito. Designadamente a produção, a distribuição, o marketing e a
procura, pelo consumidor, e o consumo.

Para outros autores, a ênfase do conceito deve ser colocada nos aspectos
organizacionais. O conceito seria, então, definido como a integração ou a combinação
do fornecimento de serviços que vêm ou provêm de três sectores distintos, três grupos
distintos de organizações económicas, portanto na organização, na integração
organizada ou na organização integrada de serviços que vêm de três grupos distintos
de organizações económicas.

Para outros, este conceito de bancassurance traduz-se, pura e simplesmente,


em integração, da distribuição de serviços financeiros diversificados. Nada mais do que
isso.

Ora, esta nova estratégia, que é adoptada pelos bancos, de prestação de


serviços pelos bancos e de fornecimento de produtos financeiros pelos bancos, esta
nova estratégia acaba por residir numa ideia de diversificação das respectivas
actividades bancárias. No fundo, tendo em vista uma integração da produção, da
distribuição e da procura de produtos financeiros pela clientela, pelos clientes
particulares e pelas empresas. E aqui basta pensar naquele cliente bancário que se
dirige a um balcão de um banco que, junto dessa mesma instituição, adquire um
imóvel para habitação, portanto, obtém o financiamento para a aquisição desse
imóvel, e contrata os seguros necessários. Este exemplo ilustra bem a diversidade da
actividade bancária.

Temos aqui uma estratégia de interpenetração funcional por parte da banca. É


esta, claramente, a estratégia adoptada pelos bancos em geral, que visa, no fundo,
uma combinação ideal entre a capacidade que os bancos têm de distribuição e a
capacidade que as seguradoras têm de criação de novos produtos, a combinação
destas duas capacidades, mas isto, naturalmente, também gera dificuldades,
designadamente, a nível de gestão. Naturalmente, a banca e os seguros têm culturas e
filosofias diferentes. A gestão apresenta ou suscita dificuldades. Há aqui culturas
organizacionais distintas que os bancos tiveram que ultrapassar.

45

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

Quais são os modos de concretização do modelo de banca universal? Aqui o


conceito de Allfinanz ou de bancassurance constitui, naturalmente, o conceito central
de banca universal, que constitui o resultado final da estratégia adoptada pelos bancos
para fomentar a intervenção activa dos bancos nos outros sectores do mercado
financeiro, portanto, no mercado segurador e no mercado de capitais. É isto que se
visa. Os bancos podem prestar serviços de investimento, enquanto intermediários
financeiros, passam a prestar serviços de investimento e serviços auxiliares aos
serviços de investimento. Os bancos podem também ser operadores de bolsa,
investindo por conta própria em valores mobiliários, portanto, investindo por conta
própria dinheiros que foram depositados pelos seus clientes em contas de depósito,
dinheiros esses que, num modelo de banca comercial, seriam destinados à concessão
de crédito – temos aqui a expansão da banca para o mercado de valores mobiliários.
Portanto, temos aqui, para além do exercício de actividades tipicamente bancárias, a
extensão da banca a outros sectores, designadamente ao sector, também, dos
seguros. Os bancos passam, também, a comercializar seguros. E no próprio sector
bancário, os bancos passam a assumir funções quer de banca comercial, quer de banca
de investimento. A banca comercial deixa de estar separada da banca de investimento.
Portanto, a mesma instituição de crédito, o mesmo banco, vai desenvolver actividades
de banca comercial e de banca de investimento. Vai passar a desenvolver funções de
recepção de depósitos nas suas diversas modalidades para conceder crédito a curto
prazo – são as funções da banca comercial – e vai passar, também, a desenvolver
funções de recepção de depósitos a prazo para conceder crédito a médio e longo prazo
– que são, precisamente, as funções da banca de investimento. E, portanto, vai poder,
também, participar no capital social de outras empresas que também é função da
banca de investimento. O mesmo banco vai desenvolver funções de banca comercial e
de banca de investimento, para além de desenvolver funções no mercado de capitais e
de desenvolver, também, actividades na área do mercado dos seguros.

Na Europa, o conceito de banca universal não é um conceito novo. É um


modelo de organização bancária que, no fundo, tem norteado a evolução dos sistemas
bancários mais relevantes a nível europeu. E, portanto, tem-se afirmado que este
modelo constitui um dos maiores contributos da banca europeia para o
desenvolvimento da banca a nível global. Esta consideração foi posta em causa, de
alguma forma28, por parte da doutrina a propósito da crise que se fez sentir na europa,
designadamente da crise dos bancos e, em Portugal, com a que se verificou em três
dos nossos bancos29. Isto a propósito [??? 30] sobre a questão da ética e da segregação
de funções a propósito da actividade bancária. Que de alguma forma questionava o
modelo da banca universal. Exaltava o modelo da banca especializada, que é o modelo
norte-americano. Mas a verdade é que a crise do subprime começou, precisamente,

28
O que também é questionável…
29
Como sabem: BPN, BPP e BES.
30
00:27:10

46

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

nos Estados Unidos, no verão de 2007, e não na Europa. E isso levou, como sabem, à
insolvência de um dos grandes bancos, que teve consequências desastrosas a nível
mundial. Portanto, talvez não seja imputável ao modelo de banca universal o que
aconteceu nos últimos anos. Mas, isto para dizer que, de alguma forma, a
consideração deste modelo de organização como um dos contributos para a
organização bancária a nível global, tem sido questionado nos últimos tempos, em
virtude de acontecimentos recentes.

Quais são, então, as concretizações deste modelo de banca universal? De um


modo geral, temos três modelos possíveis. São apontados ou referidos três modelos
possíveis de concretização deste modelo de banca universal.

Temos em primeiro lugar uma integração completa. A concretização do


modelo de banca universal que se traduz numa integração completa. E aqui todas as
áreas de actividade (a actividade comercial, a actividade de investimento, a actividade
seguradora e a actividade dos produtos financeiros, portanto, do mercado de capitais)
estão concentradas numa única unidade empresarial. Este é o modelo da integração
completa.

Temos, depois, o modelo da integração parcelar. E aqui o banco exerce a


actividade comercial e de investimento e controla totalmente (tem um controlo de
100%) sobre subsidiárias. Portanto, nas áreas restantes, que são as áreas dos seguros e
do mercado de capitais. E este modelo de integração parcelar é tradicionalmente
entendido como sendo o “modelo germânico ou alemão”.

Temos, depois, um outro modelo que é o modelo do “bank subsidiary


structure”, que é o modelo inglês. Nem é tanto anglo-saxónico porque os Estados
Unidos nem sequer o têm, é o modelo britânico, o modelo inglês. E aqui os bancos
universais dominam a actividade comercial e deixam para as subsidiárias as restantes
actividades, incluindo a actividade de investimento, da banca de investimento. Este
modelo apresenta algumas especificidades. Permanece a actividade de instituições de
carácter especializado, todavia, há unanimidade quanto à natureza universal da banca
inglesa. Considera-se que este é um modelo de concretização da banca universal.

Como vimos, entre nós, está consagrado expressamente o modelo de banca


universal no art. 4.º da Lei Bancária. E este modelo pode concretizar-se quer através de
uma integração completa, quer através de uma integração parcelar. Temos uma banca
de competência genérica ou de competência geral que pode realizar ou praticar todas
as operações permitidas por lei. E isto na esteira da Segunda Directiva Comunitária de
Coordenação Bancária. Portanto, pode praticar todas as operações permitidas por lei.
Ora, dantes (ou seja, antes de 1992), invocando-se uma actividade parabancária, em
que se encontrava envolvida a banca (portanto, no exercício de uma actividade
parabancária), era necessário precisar que actividade é essa, que actividade

47

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

parabancária era essa desenvolvida, também, pela banca. Actividade parabancária,


essa, que na esmagadora maioria dos casos não era directamente desenvolvida pelos
bancos. Os bancos estavam envolvidos no exercício dessa actividade mas não a
desenvolviam directamente, desenvolviam-na através de sociedades por si
participadas. Essas actividades parabancárias eram indirectamente desenvolvidas
pelos bancos. Nessa altura, nesse tempo, por outro lado, a realidade dos grupos de
empresas, dos grupos de sociedades, era ignorada pela nossa legislação interna.
Temos, então, hoje, este modelo de banca universal, decorrente do art. 4.º da Lei
Bancária, mas não deixa de ser claro, também, que subsiste firme a conexão entre
aforro e crédito. Esta conexão é o elemento identificador da empresarialidade
bancária. A conexão entre aforro e crédito é que identifica a empresarialidade
bancária. O que se fez foi dilatar o âmbito da operatividade da empresa bancária,
precisamente para abarcar ou abranger instrumentos ou sectores de actividade que no
passado eram considerados como parabancários e que hoje são qualificados como
bancários. A maior novidade surge, precisamente, quando estas actividades deixam,
ou não têm de ser realizadas ou praticadas por sociedades participadas pelos bancos
(portanto, por sociedades em cujo capital os bancos participem), mas passam a poder
ser directamente praticadas pelos próprios bancos, de acordo com o modelo de banca
universal. E aqui reside a grande novidade. Os bancos podem praticá-las sem
necessidade de participarem no capital de outras sociedades que tenham por objecto
o desenvolvimento dessas mesmas actividades. Por outro lado, é preciso ter em conta
que permanece clara, na Lei Bancária, a distinção entre a actividade que a banca
desenvolve a título exclusivo (portanto, que só a banca e nenhuma outra entidade
pode desenvolver) e aquela outra actividade que a banca desenvolve em via
concorrencial com outros agentes económicos. Esta distinção permanece ou subsiste,
com toda a clareza, também na Lei Bancária. O legislador manteve-a bem clara.

Sem prejuízo da numerosa legislação avulsa que existe nesta matéria 31, as
instituições de crédito e as sociedades de investimento têm a base do seu regime
jurídico na Lei Bancária, a base do seu regime jurídico encontra-se na Lei Bancária. Na
Lei Bancária, para além de se prever o regime jurídico das instituições de crédito e das
sociedades financeiras, a base do regime jurídico 32, mas também encontramos a figura
das empresas de investimento. E as empresas de investimento são simultaneamente
qualificadas como sociedades financeiras e como intermediários financeiros. Têm esta
dupla qualificação jurídica33. No que se refere aos intermediários financeiros, no que se
refere às empresas de seguros e às sociedades gestoras de fundos de pensões, a
respectiva regulamentação encontra-se noutra sede, naturalmente que não na Lei
Bancária (não é aqui que nós encontramos a regulamentação destas entidades). E em

31
Encontram muita legislação avulsa no âmbito do Direito Bancário institucional.
32
Naturalmente que não está aqui o regime jurídico de todas as instituições de crédito nem de
todas as sociedades financeiras.
33
O que é relevante, como vamos ver mais tarde.

48

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

função dos diversos tipos de instituições e em função dos diversos tipos de actividades
desenvolvidas por essas instituições, com referência aos bens e aos serviços
transaccionados, podemos distinguir entre os vários mercados existentes. Então,
podemos distinguir entre mercados de bens e mercados de serviços financeiros.
Apesar de nem sempre ser fácil uma separação clara entre o que é bem e/ou bem e
serviço prestado, nem sempre é fácil esta distinção: o que é exactamente um bem e
/ou um serviço financeiro prestado. E podemos, no âmbito do mercado de serviços
financeiros, em geral, distinguir entre o mercado bancário, o mercado segurador e o
mercado de intermediação financeira.

O mercado segurador é o mercado através do qual, de forma organizada e


mediante o pagamento de um preço (de um “prémio”, neste caso), se transferem
riscos para outrem. E este outrem assume estes riscos de modo profissional. Para este
efeito, as empresas de seguros podem desempenhar uma função semelhante àquela
da actividade de concessão de garantias, que é uma actividade desempenhada,
tipicamente, pelos bancos. E com a vantagem de não terem qualquer direito de
regresso contra o segurado, que apenas suporta o prémio do seguro. Embora a
actividade das seguradoras consista na recepção de fundos não reembolsáveis do
público (em vista, precisamente, da assunção de riscos, ou da assunção de
compromissos), embora assim seja, as seguradoras não se encontram impedidas de
receberem fundos reembolsáveis, tal como os bancos. E fazem-no no âmbito das
operações de capitalização34. E quando praticam operações de capitalização estão a
receber do público fundos reembolsáveis (tal como os bancos fazem), e, portanto, as
diferenças nesta matéria, entre a actividade desenvolvida por uma seguradora e a
actividade desenvolvida por um banco, são diferenças que surgem como muito menos
nítidas, muito menos claras. E daí que se justificasse, de alguma forma, um regime com
alguns traços comuns35. Isto justifica-se na área dos seguros quando as empresas de
seguros praticam operações de capitalização. Estão a desenvolver uma actividade
muito próxima da actividade bancária (recebem fundos reembolsáveis do público).

Por outro lado, podemos, ainda, distinguir entre o mercado do crédito e o


mercado de valores. O mercado do crédito é um mercado que abrange a concessão de
crédito a curto, a médio e a longo prazo. Enquanto o mercado de valores é um
mercado que inclui o mercado monetário e o mercado cambial, e abrange ainda o
mercado de valores não monetários (portanto, o mercado de valores mobiliários). O
mercado monetário e cambial é um mercado em que se transaccionam activos
dotados de uma elevadíssima liquidez. Transacciona-se a moeda em sentido amplo.
Portanto, activos dotados de enorme liquidez ou com prazo de maturidade inferior a
um ano. O mercado monetário e cambial é um mercado onde intervêm, naturalmente,
as autoridades monetárias e cambiais (ou seja, os bancos centrais) no exercício das
34
Como sabem, as seguradoras praticam operações de capitalização.
35
De que se falou a propósito da tal autonomização que devia ser integrada das áreas do Direito
Bancário, do Direito dos Valores Mobiliários e do Direito dos Seguros.

49

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

suas funções de estabilização monetária, no exercício das suas funções de


estabilização cambial. E intervêm, também, outras instituições monetárias, tendo em
vista, precisamente, facilitar a liquidez recíproca, assim como facilitar uma aplicação
eficiente dos recursos monetários excedentes.

Estas classificações dos diversos mercados não são, naturalmente,


classificações estanques. São classificações que se sobrepõem de algum modo, embora
não sejam sinónimos. Mas há uma certa sobreposição das diversas classificações dos
mercados. Além das diferenças que intercedem entre si, o mercado de crédito a médio
e longo prazo não coincide, naturalmente, com o mercado de valores em sentido
estrito (que é o mercado de valores mobiliários), mas o crédito bancário a longo prazo
é um mercado que, naturalmente, se apresenta como estruturalmente diferente da
obtenção de financiamento (no que toca à obtenção de financiamento é
estruturalmente diferente do mercado de capitais). Temos aqui formas diferentes de
obtenção de financiamento em sentido económico e, também, sob o ponto de vista
jurídico-institucional. Por outro lado, estas classificações dos mercados são
classificações que podem atender tanto a critérios materiais (ser feitas de acordo com
critérios materiais), tendo em conta, por isso, a natureza dos activos transaccionados
nesses mercados. São classificações que podem ser feitas de acordo com critérios
institucionais formais, portanto, atendendo à entidade prestadora dos bens ou
serviços financeiros e ao respectivo enquadramento institucional. E podem ser feitas –
estas classificações – conforme critérios funcionais. Há aqui diversos critérios que
podem conduzir a diferentes classificações dos mercados.

Instituições de Crédito

Vamos agora ver a noção de instituição de crédito que nos é dada pela Lei
Bancária.

A Lei Bancária, no art. 2.º, n.º 1, dizia-nos que as instituições de crédito são
definidas como empresas cuja actividade consiste em receber do público depósitos ou
outros fundos reembolsáveis a fim de os aplicarem, por conta própria, mediante a
concessão de crédito. Era a definição que nos dava a Lei Bancária antes da reforma de
Outubro de 2014. Na lei agora em vigor, o art. 2.º, al. p), diz-nos que “instituição de
crédito” é a empresa cuja actividade consiste em receber do público depósitos ou
outros fundos reembolsáveis e em conceder crédito por conta própria. Como podem
verificar, em termos gramaticais, as definições não se sobrepõem - a definição de
instituição de crédito, antes e de pois de Outubro de 2014 36. Em termos gramaticais,
36
Este até era um tema de trabalho extraordinariamente relevante: saber que conclusões se
podem retirar da diferente redacção do conceito de instituição de crédito.

50

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

não há uma sobreposição das duas noções legais de instituição de crédito, por força da
nova Directiva. Há aqui uma alteração. Saber-se, concretamente, que conclusões se
podem retirar desta alteração terminológica 37. O que é significativo é que o legislador
retirou “a fim de os aplicarem”, esta parte foi eliminada do conceito de instituição de
crédito. Portanto, terá ou não alguma relevância a eliminação desta parte da
definição? É uma questão que se coloca a propósito desta alteração de redacção. Esta
é a noção ou definição que o art. 2.º, p), nos dá de “instituição de crédito”.

Por outro lado, o art. 9.º da Lei Bancária tem uma delimitação negativa da
definição de “instituição de crédito”, porque vem dizer-nos que, para os efeitos do
presente regime geral, não são considerados como fundos reembolsáveis recebidos do
público os fundos obtidos mediante emissão de obrigações, nos termos e limites do
Código das Sociedades Comerciais, ou da legislação aplicável, nem os fundos obtidos
através da emissão de papel comercial, nos termos e limites da legislação aplicável.
Para efeitos dos artigos anteriores, não são considerados como concessão de crédito
os suprimentos e outras formas de empréstimos e adiantamentos entre uma
sociedade e os respectivos sócios, a concessão de crédito por empresas aos seus
trabalhadores por razões de ordem social, as dilações ou antecipações de pagamento
acordadas entre as partes em contratos de aquisição de bens ou serviços, etc..
Portanto, no art. 9.º, temos uma delimitação negativa da definição de “instituição de
crédito” que nos é dada na al. p) do art. 2.º da Lei Bancária.

É evidente que a definição que nos é dada nesta al. p) do art. 2.º da Lei
Bancária é uma definição que quadra muitíssimo bem à noção de “banco”, esta
definição legal quadra melhor à noção de “banco”, quando o legislador nos diz que
“instituição de crédito” é a empresa cuja actividade consiste em receber do público
depósitos ou outros fundos reembolsáveis e em conceder crédito por conta própria. Cá
temos a materialidade da actividade bancária, [tal?] conexão íntima entre aforro e
crédito. Esta é a materialidade bancária. Isto quadra à noção de “banco”.

E o banco ou os bancos são a instituição de crédito paradigmática, por


excelência, são, efectivamente, os bancos. E são, precisamente, os bancos a instituição
de crédito que tem o leque de actividades mais alargado, nos termos do art. 4.º,
conforme vimos. O art. 4.º, n.º 2, diz-nos que as restantes instituições de crédito só
podem efectuar as operações permitidas pelas normas legais e regulamentares que
regem a sua actividade, muito diferentemente do que se passa com os bancos, para os
quais vigora o modelo de banca universal (que podem praticar uma enorme
diversidade de operações). Muito diferente é o regime das outras instituições de
crédito. Essas outras apenas podem praticar as actividades que lhes sejam legalmente

37
Reparem, a antiga lei dizia-nos “empresas cuja actividade consiste em receber do público
depósitos ou outros fundos reembolsáveis a fim de os aplicarem, por conta própria, mediante a
concessão de crédito”, a al. p) diz-nos “a empresa cuja actividade consiste em receber do público
depósitos ou outros [fins?] reembolsáveis e em conceder crédito por conta própria”.

51

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

consentidas, só podem praticar essas, enquanto os bancos podem praticar todas as


que não lhes sejam proibidas. Portanto, é o oposto.

Ora, nos termos do art. 3.º da Lei Bancária, são “instituições de crédito” os
bancos, as caixas económicas, a caixa central de crédito agrícola mútuo e as caixas de
crédito agrícola mútuo, as instituições financeiras de crédito, as instituições de crédito
hipotecário, e outras empresas que, correspondendo à definição do artigo anterior,
como tal sejam qualificadas pela lei. Como vamos ver, e se virmos este artigo, temos
uma data de alíneas revogadas, precisamente pelo DL 157/2014, há aqui muitas
instituições que deixaram de ser consideradas como instituições de crédito, que eram
instituições de crédito até Janeiro de [2015?], que foi quando o DL da Lei Bancária
entrou em vigor. Foram desqualificadas como instituições de crédito. Muitas outras
instituições, que eram consideradas instituições de crédito (e mal), deixaram de o ser,
deixaram de ser qualificadas como instituições de crédito. E deixaram de o ser, por
exemplo, as sociedades de investimento. As sociedades de investimento eram
instituições de crédito, deixaram de o ser. As sociedades de locação financeira ou de
leasing eram também instituições de crédito, deixaram de o ser. As sociedades de
cessão financeira ou de factoring eram também instituições de crédito, deixaram de o
ser. As sociedades para aquisições a crédito também eram instituições de crédito,
deixaram de o ser. As sociedades de garantia mútua também deixaram de ser
instituições de crédito. Etc., portanto, houve aqui várias instituições financeiras que
foram desqualificadas como instituições de crédito com esta reforma da Lei Bancária.

A noção de instituição de crédito que nos é dada na al. p) do art. 2.º é uma
noção in genere, portanto, engloba diversas espécies ou diversas categorias de
instituições que exercem a profissão bancária. Engloba as instituições referidas no art.
3.º, que são as instituições que exercem a profissão bancária, exercem a profissão
permitida pela Lei Bancária. Portanto, esta é a noção dada pelo art. 2.º, al. p) da Lei
Bancária. Temos aqui uma noção que se traduz num prolongamento da antiga
definição de “banca comercial”. São dois os elementos que fundamentalmente
integram esta noção, tal como anteriormente (portanto, antes da reforma). Temos o
elemento empresa e temos o elemento da actividade financeira exercida – são estes
os dois elementos que compõem a noção de instituição de crédito. Em primeiro lugar,
empresa, em segundo lugar, a actividade financeira exercida.

Quanto ao elemento empresa38 consubstancia-se, neste caso, na recondução


ou na sua recondução à forma jurídica de sociedade anónima, nos termos do art. 14.º,
n.º 1, al. b), é recondutível à forma jurídica de sociedade anónima. Com excepções,
naturalmente. Com a excepção das caixas económicas, que por via de regra, não são
sociedades, estão ligadas às associações de socorros mútuos 39. Por outro lado, as
caixas de crédito agrícola mútuo e a caixa central de crédito agrícola mútuo também
38
Reparem que a al. p), tal como anteriormente, diz-nos que instituição de crédito é “a
empresa”.

52

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

não são sociedades anónimas, são cooperativas, é a “banca cooperativa” entre nós 40.
São excepções, não revestem a forma de sociedade anónima. Mas, por via de regra, as
instituições de crédito são sociedades anónimas. Isto no que toca ao primeiro
elemento da noção: empresa.

No que toca ao segundo elemento da noção – a actividade financeira exercida


– que é o elemento que compõe a noção de instituição de crédito, a actividade
exercida consiste em receber do público fundos reembolsáveis e em conceder crédito
por conta própria. Temos aqui uma actividade cumulativa. Recepção do público de
depósitos ou de outros fundos reembolsáveis. Importa ter aqui em conta o conceito de
“público” (“receber do público depósitos ou outros fundos reembolsáveis”) – que quer
dizer isto? “Público” quer dizer, precisamente, número indeterminado e
indeterminável de pessoas. Isto quer dizer que para o efeito desta norma (da al. p) do
art. 2.º da Lei Bancária) não se considera “público”, não é considerada susceptível de
ser considerado como uma instituição de crédito o conjunto de sócios de uma
sociedade ou o conjunto das entidades que com o beneficiário estejam numa relação
de grupo. Também não é “público” o conjunto, ainda que indeterminado, o conjunto
das instituições de crédito. Ou seja, estas (as instituições de crédito), pela lógica da
própria definição, contrapõem-se ao próprio “público”, portanto, elas próprias não são
“público”. O Banco de Portugal pode aceitar depósitos do BPI, da Caixa Geral de
Depósitos, do Novo Banco, etc., pode aceitar depósitos das instituições de crédito, nos
termos da respectiva lei orgânica, o Banco de Portugal pode aceitar depósitos. Será o
Banco de Portugal susceptível de ser considerado como uma instituição de crédito, na
medida em que aceita depósitos das instituições de crédito? Não se podem considerar
os bancos como “público”, portanto, o Banco de Portugal, nessa medida, também
enquanto aceita esses depósitos, não pode ser considerado como instituição de
crédito (portanto, quando aceita depósitos de dinheiro ou equivalente com a
obrigação de o restituir ou de reembolsar essas instituições de crédito 41). Portanto, o
Banco de Portugal não pode ser considerado como instituição de crédito. As
instituições de crédito que procedem a depósitos ou outros fundos reembolsáveis, que
guardam junto do banco central, não podem ser consideradas como “público” para
efeitos da definição dada na al. p) do art. 2.º da Lei Bancária. Temos os “depósitos e
outros fundos reembolsáveis”. Trata-se de dinheiro ou equivalente a dinheiro. E o

39
A natureza jurídica das caixas económicas é bastante controvertida, considera-se que
têm um substrato [fundacional?], como vamos ver.

40
Que aliás tem alguma relevância, alguma expressão económica. O sistema integrado do crédito
agrícola mútuo, entre nós, tem alguma expressão. Como noutros países da União Europeia.
41
E pode aceitar esses fundos para os aplicar por sua conta e risco, é isso que vai fazer o Banco
de Portugal, tal como fazem os bancos. Não vai agir na qualidade de mandatário das instituições de
crédito, vai agir por sua conta, por conta própria, designadamente mediante a concessão de crédito,
pode proceder à concessão de crédito.

53

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

banco fica obrigado à sua restituição, tem a obrigação de restituir esse dinheiro ou o
equivalente a dinheiro à sua contraparte.

Já vimos que o art. 9.º, n.º 1, da Lei Bancária afasta do universo dos fundos
reembolsáveis determinados fundos que enumera nos respectivos números. Ora, estas
regras permitem destacar o elemento do dinheiro que o banco recebe, não na
qualidade de sujeito ou agente que recorre ao crédito (não é nessa qualidade que o
banco recebe o dinheiro, portanto, o banco não se endivida nessa qualidade), mas o
banco recebe esse dinheiro, precisamente, para prosseguir a sua actividade na
qualidade de especialista, de perito, no manuseio do dinheiro. É essa a perícia do
banco. Portanto, recebe o dinheiro junto do público para fazer produzir esse dinheiro
enquanto dinheiro, uma vez que o banco é especialista no manuseio do dinheiro. E é
nessa qualidade que recebe os depósitos ou outros fundos reembolsáveis do público.
A Lei Bancária não se preocupa com a fórmula jurídica da recepção do dinheiro,
preocupa-se apenas com o resultado, que é a recepção em si mesma do dinheiro por
parte do banco. Não se preocupa minimamente com o meio ou mecanismo que
permite ao banco receber esse dinheiro do público, dos aforradores. A Lei apenas
previu o resultado, que é a percepção em si mesma considerada. Não se preocupa com
o meio de lá chegar, a esse resultado. Esses meios, mecanismos, podem ser os mais
diversos. Ora esses fundos reembolsáveis serão aplicados por conta própria mediante
a concessão de crédito. É esta a materialidade da actividade bancária. E aqui temos,
naturalmente, uma noção muito ampla de concessão de crédito, a Lei Bancária
também não se preocupou com o mecanismo jurídico que permite conceder crédito.
Há uma multiplicidade de meios para alcançar esse resultado de financiamento, de
concessão de crédito. Portanto, temos aqui imensos mecanismos, como os contratos
reais (tradicionalmente, como o mútuo 42 e o desconto bancário), temos os contratos
consensuais (como o contrato de abertura de crédito, que permitem também,
naturalmente, esse resultado), temos a prestação de garantias, a locação financeira, a
cessão financeira, a aquisição de obrigações e outros títulos de dívida, etc., toda uma
multiplicidade de mecanismos que se traduzem, depois, na obtenção desse mesmo
resultado que é a concessão de crédito. Portanto, que compõem este segundo
elemento da definição de instituição de crédito.

4.º aula – 4 de Março – 1.ª parte (Sofia Alves)

Noção de Instituição de Crédito (IC)

Instituição de Crédito (IC) é a empresa cuja atividade consiste em receber do


42
Embora seja discutível que o mútuo bancário seja um contrato real quanto à constituição. Isso
pode ser discutido.

54

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

público depósitos ou outros fundos reembolsáveis e em conceder crédito por conta


própria (artigo 2º-A/b) Lei Bancária).

Não se entende muito bem esta numeração porque o artigo 2º foi revogado,
depois acrescentou-se o artigo 2º-A, pelo que deveria ter ficado apenas artigo 2º, mas
é a numeração que está.
Esta noção é delimitada por outras normas da Lei Bancária e complementada pelo
artigo 3º da mesma Lei.
O cerne da atividade bancária consiste, de acordo com a própria noção do
artigo analisado, na prática habitual da receção de disponibilidades monetárias do
público e na concessão de crédito por conta própria, e neste sentido se fala de
monopólio bancário (artigo 8º Lei Bancária).

No número 1 do artigo 8º da Lei Bancária, quando nos diz "Só as instituições de


crédito podem exercer a atividade de receção, do público, de depósitos ou outros
fundos reembolsáveis, para utilização por conta própria", estamos perante o princípio
da exclusividade ou do monopólio bancário.
Este principio da exclusividade ou do monopólio continua no artigo 11º Lei
Bancária, no uso exclusivo de certas formas ou denominações justamente em nome da
verdade e para evitar a indução em erro do público.

Compreende-se, por isso, o disposto no artigo 9º da Lei Bancária.

O principio da exclusividade comporta as exceções do nº3 do artigo 8, pelo que


o disposto no nº1 não obsta a que as seguintes entidades recebam do público fundos
reembolsáveis nos termos das disposições legais, regulamentares ou estatutárias
aplicáveis.

É preciso ter em conta que só as IC e as Sociedades Financeiras (SF) podem


desenvolver a título profissional a atividade bancária.

Principio da abertura Internacional (artigo 10º/1 Lei Bancária)

“Estão habilitadas a exercer as atividades a que se refere o presente diploma as


seguintes entidades:
a)Instituições de crédito e sociedades financeiras com sede em Portugal;
b) Sucursais de instituições de crédito e de instituições financeiras com
sede no estrangeiro.“

Neste sentido, as IC e SF autorizadas nos outros Estados-Membros (EM) da


Comunidade Europeia podem prestar em Portugal, nos termos do presente diploma,
serviços que se integrem nas mencionadas atividades e que os prestadores estejam
autorizados a efetuar no seu país de origem.

55

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

Naturalmente que neste caso há uma distinção que se impõe que é a de entre
entidades com sede na União Europeia e entidades com sede em país terceiro em
relação à União Europeia, pois o respetivo regime é distinto.

Princípio de verdade das firmas e denominações (artigo 11º Lei Bancária)

Princípio da conformação legal (artigo 14º/1 Lei Bancária)

Trata-se de um princípio de tipicidade consagrado na Lei Bancária (a Professora


leu o artigo).

Princípio da colegiabilidade (artigo 15º Lei Bancária)

De acordo com o nº1, o órgão de administração das instituições de crédito deve


ser constituído por um mínimo de três membros, com poderes de orientação efetiva
da atividade da instituição.
Por sua vez, o nº2 dispõe que a gestão corrente da instituição será confiada a,
pelo menos, dois dos membros do órgão de administração.

Quais são as fontes do Direito Bancário?


-> Lei Bancária
-> Legislação Comercial
-> Legislação Civil

Os Bancos encontram a sua regulamentação na Lei Bancária (Regime geral das


Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras), mas as outras IC encontram a
sua regulamentação em legislação especial que, naturalmente, se encontra adaptada à
Lei Bancária apesar de, atualmente, nem toda, porque a Lei Bancária foi revista em
Outubro de 2014 e entrou em vigor em Janeiro de 2015, pelo que se pode verificar que
nem todas as IC têm, ainda, a sua regulamentação adaptada à nova Lei Bancária (por
exemplo, a regulamentação das caixas económicas e das caixas de crédito agrícola
mútuo).
Há problemas que se colocam atualmente devido ao atraso na adaptação da
legislação especial destas IC à nova Lei Bancária, que foi alterada no seguimento da
Diretiva Comunitária CRD4 (transposta em Outubro de 2014) e impõe determinados
requisitos das IC que não se verificam em algumas das nossas IC, designadamente em
termos de dimensão e complexidade, o que pode causar constrangimentos ao nível
das AG dessas IC, dos seus estatutos e de regulamentação a aplicar em termos de
eleição dos órgãos de administração e fiscalização.
De qualquer forma, a base para esta disciplina é a Lei Bancária (DL 298/92, de
31 de Dezembro), com as suas sucessivas reformas.

Os Bancos constituem, efectivamente, a IC por excelência e vêm logo referidos


no artigo 3º/a) da Lei Bancária, artigo este que enumera os tipos de IC. Os Bancos
aparecem em primeiro lugar por serem a IC paradigmática. É precisamente com base
nesta IC que são os Bancos que a Lei os define na alínea p) do artigo 2º-A da Lei
Bancária.

56

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

Nós já vimos que desde 1993 vigora entre nós o modelo de banca universal, e
que este modelo de banca permite aos bancos exercer ou praticar quase todas as
operações financeiras, ao contrário de outras IC que apenas podem desenvolver as
actividades que a lei expressamente lhes permita, de acordo com o artigo 4º/2 da Lei
Bancária (“2 - As restantes instituições de crédito só podem efetuar as operações
permitidas pelas normas legais e regulamentares que regem a sua actividade”).
Conforme podemos constatar, isto é diferente do que se passa com os Bancos que, de
acordo com o artigo 4º/1, s) Lei Bancária, podem praticar todas as operações referidas
nas alíneas anteriores e “Outras operações análogas e que a lei lhes não proíba”.
Entre as operações passiveis de realização por parte dos bancos, destacam-se,
precisamente, nos termos do artigo 4º da Lei Bancária, aquelas que se encontram
entre as alíneas a) e d), pois representam o núcleo da actividade bancária (receção de
depósitos e concessão de crédito por conta própria).
Enquanto os Bancos podem praticar quaisquer operações constantes do artigo
4º da Lei Bancária, bem como operações análogas que a lei lhes não proíba nos termos
da alínea s) do mesmo artigo, já as outras IC podem apenas praticar aquelas operações
que a lei, expressamente, lhes consinta.

Entre os Bancos encontra-se, naturalmente, a Caixa Geral de Depósitos. Antes


de Outubro, a Caixa Geral de Depósitos era enumerada no artigo 3º da Lei Bancária,
sendo referida como título autónomo. A Caixa Geral de Depósitos é um Banco, pelo
que, após a reforma da Lei Bancária, foi eliminada pelo legislador, encontrando-se
incluída no artigo 3º/ a) da Lei Bancária.
A Caixa Geral de Depósitos é o maior Banco português, representando cerca de
1/3 do sistema bancário português e, atualmente, é o único Banco público que nós
temos, permitindo-se-lhe o exercício da actividade bancária nos mais amplos termos
permitidos por lei (abrange todo o leque de operações do artigo 4º da Lei Bancária). Há
uns anos atrás, a Caixa Geral de Depósitos foi transformada em Sociedade Anónima de
capitais exclusivamente públicos. Neste sentido, continua a tratar-se de uma empresa
pública, encontrando-se sujeita ao regime jurídico do setor empresarial do Estado e
das empresas públicas.

Na alínea d) do artigo 3º da Lei Bancária, o legislador refere as caixas


económicas, ou seja, outro tipo de IC.
As caixas económicas surgiram na Europa nos finais do século XVIII, mas em
Portugal surgiram um pouco mais tarde, por volta da década de 30 do século XIX.
Diferentemente do que se verificou no estrangeiro, em que as caixas económicas
surgiram por iniciativa privada, entre nós as caixas económicas surgem por iniciativa
pública, ou seja, do Estado. Portanto, uma das principais características das caixas
económicas entre nós consiste, precisamente, na estreita ligação que estas mantêm
com as associações de socorros mútuos.
Estas caixas económicas funcionaram, desde o seu surgimento, precisamente
com uma missão complementar de beneficência, em virtude da sua ligação íntima às
associações de socorros mútuos.
No século XIX, dentro do universo das caixas económicas, distinguia-se entre
caixas de economias e caixas de empréstimos. Portanto, em paralelo com as
associações de socorros mútuos e com as misericórdias, era possível a constituição de

57

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

caixas económicas que podiam funcionar ou atuar de forma diversificada e em


complementaridade: ou seja, enquanto caixas económicas de economias, tinham o
propósito de recolha de poupanças do público, do aforro das famílias; por sua vez,
enquanto caixas económicas de empréstimos, podiam conceder empréstimos
hipotecários ou empréstimos com base em penhores.
A matéria das caixas económicas sofreu, naturalmente, evolução e hoje
entende-se que nestas sobreleva o seu substrato fundacional, isto é, releva um
património afeto a um fim específico. Apesar de ter havido uma conexão genética das
caixas económicas às associações de socorros mútuos, as caixas económicas não se
confundem com essas associações. Por outro lado, essa conexão com as associações
de socorros mútuos e com as misericórdias, não retira às caixas económicas o fim
lucrativo.
Reitera-se, portanto, que as caixas económicas foram excecionadas do âmbito
da Diretiva Comunitária CRD4, transposta em Outubro de 2014, ou seja, não são
abrangidas por esta fonte derivada de Direito Comunitário.
Entre as actividades que as caixas económicas podem exercer, para além de
poderem receber depósitos, as caixas económicas têm algumas limitações no que diz
respeito às operações ativas. Estas operações ativas são essencialmente empréstimos
hipotecários ou sobre penhores. Todavia, o objeto das caixas económicas foi
potencialmente alargado, pelo que pode haver uma autorização ad hoc do Banco de
Portugal (BP) para que as caixas económicas possam praticar operações ativas para
além daquelas que se encontram especialmente previstas no respetivo regime jurídico
(antes de 1997 este alargamento do objeto das caixas económicas não era possível).

No artigo 3º/c) da Lei Bancária são referidas a Caixa Central de Crédito Agrícola
Mútuo e as caixas de crédito agrícola mútuo, sendo, portanto, o terceiro tipo de IC
referido pela nossa lei.
Por qualquer motivo que a Professora desconhece (ou porque não houve
lobbying, ou porque as caixas de crédito agrícola mútuo nacionais não o quiseram para
não ficarem de fora do sector bancário relevante nacional, ou por qualquer outro
motivo que se desconhece), as caixas de crédito agrícola mútuo não foram
excecionadas do âmbito de aplicação da Diretiva CRD4, ao contrário do que se
verificou em outros países da União Europeia, em que as caixas ou os Bancos de base
cooperativa foram excluídos do âmbito da referida Diretiva.
Temos aqui, portanto, entidades sob forma cooperativa, ou seja a Banca
Cooperativa Nacional que são as caixas de crédito agrícola mútuo, estando sujeitas à
Lei Bancária e à legislação especial (a Professora acha que a legislação é de 1991, mas
não se recorda), para além de se sujeitarem, subsidiariamente, ao código cooperativo
e aos seus princípios.
As caixas de crédito agrícola mútuo têm por actividade fundamental a
concessão de crédito agrícola aos seus associados (é de reparar que esta terminologia
que se usa não é, em rigor, a mais correta, porque se se tratam de cooperativas
deveriam ser designados de cooperadores e não de associados), e as operações com
não associados encontram-se sujeitas a restrições estabelecidas pelo BP e ainda essas
operações (com os tais não associados) encontram-se sujeitas à observância em base
individual de regras prudenciais aplicáveis.

58

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

Além da concessão de crédito e da realização limitada de operações cambiais,


as caixas de crédito agrícola mútuo podem ainda praticar outras operações financeiras,
tais como: locação financeira, cessão financeira, emissão e gestão de meios de
pagamento, colocação de valores mobiliários, participação nos mercados
interbancários, prestação de consultoria, gestão de patrimónios e carteiras de valores
mobiliários.
No que toca à estrutura organizativa do crédito agrícola em Portugal, esta
constitui uma das grandes especificidades do regime jurídico do crédito agrícola mútuo
relativamente às restantes IC. Porquê? Ora, as caixas de crédito agrícola mútuo têm
um âmbito territorial limitado, designadamente municipal, onde gozam de
exclusividade, funcionando, por via de regra, de forma articulada. Ou seja, nem todas,
mas quase todas estão integradas num sistema próprio, designado sistema integrado
do crédito agrícola mútuo (a Professora referiu que no território nacional existem 88
caixas de crédito agrícola mútuo, sendo que cerca de 85 delas se integram no referido
sistema). Este sistema integrado é gerido pela Caixa Central do Crédito Agrícola
Mútuo, entidade esta que tem poderes de orientação, poderes de fiscalização, poderes
de intervenção e poderes de disciplina (no que toca ao acesso e à exclusão) sobre as
várias caixas que compõem o sistema integrado.

Nota: quanto a este aspeto do âmbito territorial limitado, esta especifidade destas IC
quer dizer, desde logo, que as diversas caixas de crédito agrícola mútuo não são
sucursais ou agências da Caixa Central do Crédito Agrícola mútuo, ao contrário do que
se verifica na organização dos Bancos em geral (que estão territorialmente
estruturados com base na sua sede, tendo agências distribuídas pelo território
nacional, sem personalidade jurídica).
Assim sendo, estamos perante IC autónomas, pelo que cada uma das caixas
tem personalidade jurídica, tendo, em regra, um único estabelecimento num
determinado município.

Este sistema integrado do crédito agrícola mútuo apresenta, desde logo, uma
grande vantagem representada no âmbito da regulação e da supervisão com base
consolidada. Isto, naturalmente, sem prejuízo a que haja lugar à supervisão individual,
ou seja, “caixa a caixa”. Esta regulação e supervisão e regulação competem, em
primeiro lugar, à Caixa Central do Crédito Agrícola Mútuo, sem prejuízo, naturalmente,
dos poderes do BP. Temos aqui, portanto, uma participação das diversas caixas de
crédito agrícola mútuo na Caixa Central do Crédito Agrícola Mútuo, e daqui não resulta
apenas a sujeição das diversas caixas à Caixa Central (claro que há sujeição, mas esta
deve ser entendida cum grano salis, porque estamos a falar de cooperativas, sendo a
Caixa Central ela própria uma cooperativa). Portanto, temos aqui a vantagem que é
propiciada pela aferição das exigências prudenciais em termos consolidados,
agregando IC independentes, sendo tal permitido pela integração das diversas caixas
num sistema único.
Este sistema permite, também, uma certa compensação em situações de
desequilíbrio que se verifiquem individualmente em determinadas caixas,
compensando excedentes verificados numa caixa com situações deficitárias verificadas
noutras caixas de crédito agrícola mútuo.

59

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

A Caixa Central do Crédito Agrícola Mútuo garante também as obrigações das


caixas associadas, porque estas caixas podem ter acesso a outros meios de
financiamento para além dos depósitos e outros fundos reembolsáveis. Por outro lado,
podem também ver o seu leque de atuação alargado a outras actividades para as quais
não se encontravam inicialmente habilitadas, precisamente por força da sua
integração nesse sistema único em cujo vértice da pirâmide se encontra a Caixa
Central do Crédito Agrícola Mútuo.
A Caixa Central do Crédito Agrícola Mútuo é uma IC sob forma cooperativa de
responsabilidade limitada, tal como as outras caixas, e é o organismo central do
sistema integrado. A esta é permitida a realização de operações e a prestação de
serviços financeiros em termos mais amplos do que é permitido às diversas caixas do
crédito agrícola mútuo individualmente consideradas, ou seja, tem mais margem de
manobra.
O sistema integrado tem, também, um Fundo de Garantia de Depósitos próprio
que, provavelmente, com a nova regulamentação, vai passar a estar integrado no
Fundo Geral de Garantia de Depósitos.

Temos ainda, as Instituições Financeiras de Crédito, referidas no artigo 3º/d)


da Lei Bancária.
As Instituições Financeiras de Crédito são instituições que podem exercer todas
as actividades permitidas aos Bancos com a exceção de receção de depósitos. Temos,
portanto, uma figura criada pelo legislador, com o intuito de possibilitar o exercício por
uma mesma entidade não bancária de diversas atividades que eram passíveis, apenas,
de exercício segregado por diferentes instituições. É esta a novidade das Instituições
Financeiras de Crédito.
Repare-se que isto demonstra, também, que se continua a manter a
inadequação da noção de IC. Efetivamente, o legislador agora em Outubro de 2014,
afinou a noção de IC, no sentido de que eliminou do artigo 3º da Lei Bancária imensas
entidades que estavam incluídas no elenco deste artigo por motivos alheios à noção de
IC, designadamente entidades que constavam deste artigo para efeitos que lhes
permitido o acesso passaporte comunitário. Pois bem, estas foram erradicadas do
referido artigo com a reforma da Lei Bancária porque algumas não eram acolhidas
pelos agente económicos, e outras efectivamente não se coadunavam com a noção de
IC e passaram a ser consideradas como Sociedades Financeiras.
Todavia, mesmo assim, podemos confirmar alguma inadequação da noção de
IC face ao elenco do artigo 3º da Lei Bancária, porque nas Instituições Financeiras de
Crédito temos um tipo de instituição que não recebe depósitos, não se subsumindo na
perfeição à noção que nos é dada na alínea d) do artigo 2º-A da Lei Bancária.

Em seguida temos as Instituições de Crédito Hipotecário referidas na alínea e)


do artigo 3º da Lei Bancária.
Em 1990, a lei veio regular pela primeira vez, entre nós, as denominadas
obrigações hipotecárias, tendo sido o regime jurídico alterado em 1995 e em 2006.
Trata-se de um produto financeiro muito conhecido, que já era utilizado noutros
Estados-Membros da União Europeia, e que teria sido concebido com grandes
preocupações de desburocratização e flexibilidade.

60

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

Houve grandes desenvolvimentos nesta matéria, bem como se verificou um


saldo muito positivo da experiência acolhida noutros Estados-Membros, justificando-se
a introdução de alterações na matéria das obrigações hipotecárias, assim como a
possibilidade de utilização de instrumentos financeiros derivados (ou seja, derivados
financeiros para cobertura de riscos cambiais, de taxas de juro e de liquidez).
Uma das principais inovações a que se assistiu foi, precisamente, ao
alargamento dos ativos elegíveis, passando a admitir-se que o instrumento financeiro
tivesse como subjacente, em alternativa aos créditos hipotecários, créditos com
garantia prestada por administrações centrais, regionais ou locais de um dos Estados-
Membros da União Europeia.
Nestes casos, as obrigações assumem a denominação de obrigações sobre o
sector público, sendo-lhes aplicável, com as devidas alterações, o regime das
obrigações hipotecárias.
Outra inovação introduzida consiste no leque das entidades habilitadas a emitir
obrigações hipotecárias, por forma a garantir uma segregação dos créditos afetos a
essas obrigações. Surge, assim, uma nova espécie de IC que segue a instituição de
crédito hipotecário a que alude a alínea d) do artigo 3º da Lei Bancária.
O objecto social destas instituições de crédito hipotecário consiste na
concessão e aquisição de créditos hipotecários ou de créditos sobre ou com a garantia
de administrações centrais, regionais ou locais de Estados-Membros da União Europeia
para a emissão de obrigações hipotecárias ou obrigações sobre o sector público.
Portanto, foi isto que veio introduzir o Decreto-Lei nº58/2006, de 20 de Março.
Em primeiro lugar, no que toca ao leque dos emitentes, importa chamar à
atenção para a relevante novidade que é a introdução das Instituições de Crédito
Hipotecário, sem afastar de todo a emissão destas obrigações pelas IC que se
encontram autorizadas a conceder créditos garantidos por hipotecas, tal como
podemos encontrar entre nós IC que dispõe de determinados fundos próprios não
inferiores a determinados montantes.
A garantia hipotecária adquire uma verdadeira relevância quando as obrigações
emitidas por instituições que tenham por objecto exclusivo essa emissão são
introduzidas no sector financeiro. Se estas instituições não existirem, temos apenas
instituições que não têm estrutura, dimensão, fundos próprios e património
adequados para a emissão de obrigações hipotecárias. Em termos de competitividade
no mercado comunitário, foi extraordinariamente importante a introdução na nossa lei
(em 2006) deste tipo de instituições entre as IC portuguesas já existentes. Assim
sendo, a obrigação garantida por hipoteca adquire uma dimensão muito maior do que
aquela que tinha anteriormente.
Tratam-se, portanto, de instituições especializadas que se apresentam mais
ágeis no desenvolvimento desta actividade de comercialização deste produto,
comparativamente com as restantes entidades, designadamente no seio do mercado
internacional.
Cria-se portanto, um património autónomo constituído pelos créditos
hipotecários que é afeto à emissão das obrigações hipotecárias, respondendo pelas
obrigações hipotecárias com limites, ou seja, só responde pelas obrigações emitidas
até ao integral cumprimento dessas mesma obrigações, pelo que o excedente desse
património regressa ao património do emitente. Na insuficiência do pagamento,
segundo a opinião da doutrina dominante quanto a este tema, o credor da obrigação

61

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

hipotecária é, também, um credor comum do emitente. O legislador definiu com


grande rigor este património autónomo que é constituído por aqueles ativos, para
efeitos de segurança jurídica (ao contrário do que fez com outros patrimónios
autónomos, com os quais a sua preocupação de os definir não foi tão acentuada).

Direito Bancário – 4.º aula – 4 de Março – 2.º parte (David Moura)

Regressando às Instituições de Crédito Hipotecário, conforme estávamos a ver


a alínea e) do art 3ª da Lei bancária. Cria-se também nesta legislação especial das
instituições de crédito hipotecário a figura do auditor independente, que está
encarregado da vigilância do cumprimento das normas legais aplicáveis. Isto é
extraordinariamente interessante em termos de governance destas instituições. É uma
figura que o legislador nacional importou de outros ordenamentos jurídicos, cada vez
mais relevante esta figura no âmbito deste tipo de instituição. Temos aqui um
supervisor da legalidade que naturalmente não contende com outros supervisores,
designadamente com o Banco de Portugal ou com a CMVM. Não vai contender com o
exercício da supervisão por parte de outras entidades, mas pode controlar, mais de
perto, a observância da legalidade na defesa dos interesses dos investidores, por parte
das instituições de crédito hipotecário.

Por outro lado, o legislador, em 2006, veio instituir o princípio da continuidade


das emissões, mediante a designação de entidades gestoras do património autónomo,
afecto a essas emissões, pelo que, quando ocorram situações de grave incumprimento
ou até mesmo situações de insolvência do emitente, o património autónomo pode
prosseguir sob a gestão de uma terceira entidade, designada pelo próprio Banco de
Portugal ou, poderá também ser declarado o vencimento da própria emissão com
liquidação integral e imediata.

Por outro lado, permite-se que até 20% dos activos subjacentes não sejam
constituídos por créditos hipotecários, o que cria alguma perplexidade no âmbito das
obrigações hipotecárias, tornando menos enganosa a designação de obrigações
hipotecárias. Já vimos que o legislador cria, neste diploma, as obrigações sob o sector
público sujeitas ao regime das obrigações hipotecárias, equiparando as obrigações sob
o sector público às obrigações hipotecárias. Temos aqui um produto que nada tem a
ver com um crédito garantido por uma hipoteca, nem sequer com a existência de bens
imóveis, o que também gera aqui alguma perplexidade portanto a introdução desta
figura no mesmo diploma das obrigações hipotecárias. Trata-se de activos constituídos
a 100% por créditos sob administrações centrais, regionais, ou locais. As obrigações
hipotecárias são títulos de divida, que traduzem a obrigação do emitente de pagar o

62

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

capital e os juros, nas condições constantes do título. E deste ponto de vista, são
obrigações clássicas.

O que têm de especial as obrigações hipotecárias, o que apresentam de


especial é a natureza dos activos que subjazem precisamente à emissão dos títulos, e
às garantias de que os respectivos titulares beneficiam, e é aqui que residem as
especificidades das obrigações hipotecárias. Os activos subjacentes têm de ser créditos
hipotecários, agora, com aquela especificidade de até 20% poderem ser outros activos.
E, uma vez, agregados esses créditos hipotecários, passam a constituir uma carteira,
definida quanto ao valor, naturalmente, quanto à origem e quanto às garantias de que
efectivamente gozam. É, precisamente, sob essa carteira de créditos hipotecários que
são emitidas as obrigações hipotecárias, nos termos e nas condições previstas na lei.
Portanto, temos aqui como activos subjacentes os créditos hipotecários, isto quer dizer
que cada um destes créditos está garantido por hipoteca e o conjunto de créditos está
garantido por um conjunto de hipotecas e o titular de uma carteira de créditos
hipotecários (se preencher os respectivos requisitos legalmente previstos para ser
emitente) pode proceder à emissão de títulos, à emissão de obrigações hipotecárias,
que beneficiarão das garantias dos créditos hipotecários (créditos afectos à emissão
das obrigações hipotecárias). Mas, beneficiam ainda de outras garantias conferidas por
lei. Quais são essas outras garantias? É o caso, por exemplo, do privilégio creditório
que foi especialmente criado para este efeito (não gozam só das hipotecas mas
também de um privilegio creditório especialmente criado para este efeito). Por outro
lado, as hipotecas que garantem os créditos, os créditos hipotecários, são hipotecas
que prevalecem sobre quaisquer privilégios creditórios imobiliários nos termos da lei
também.

Temos, depois, as sociedades financeiras, para além disso nos termos da aliena
k) do artigo 3.º, temos ainda como instituições de credito outras empresas que
correspondendo à definição do artigo como tal sejam qualificadas pela lei. Nos termos
do artigo 2 - A alínea z) são sociedades financeiras: as empresas, com a excepção das
instituições de crédito, cuja actividade principal consista em exercer pelo menos uma
das actividades permitidas aos bancos, com a excepção da recepção de depósitos ou
outros fundos reembolsáveis do público, incluindo as empresas de investimento e as
instituições financeiras referidas na subalínea ii) da alínea s). E no artigo 6.º, a lei diz-
nos que são sociedades financeiras, as empresas de investimento referidas no art. 4.º
A, as instituições financeiras referidas na alínea tal, as sociedades financeiras de
crédito, as sociedades de investimento, as sociedades de locação financeira, etc. E, no
art. 7.º diz-nos que as sociedades financeiras só podem efectuar as operações
permitidas pelas normas legais e regulamentares que regem a respectiva actividade.
De facto, a lei limita-se a definir as sociedades financeiras de forma negativa na alínea
z) do artigo 2ª A da Lei.

63

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

Portanto, as sociedades financeiras conforme o artigo 7.º, à semelhança das


instituições de crédito não bancárias, só podem efectivamente exercer ou praticar as
operações permitidas pelas normas legais e regulamentares que regem a respectiva
actividade. Por outro lado, o elenco diferenciado de actividades referido no artigo 4-º
da lei bancária não é passível de inclusão, precisamente, em termos genéricos, no
objecto social de uma sociedade financeira. As sociedades financeiras são
tendencialmente e, apenas tendencialmente, instituições prestadoras de serviços
financeiros, que actuam por conta dos respectivos clientes, quer dizer que elas
próprias não incorrem nos riscos das operações que praticam, por que actuam por
conta dos respectivos clientes. Mas não podem receber depósitos nem conceder
crédito. Todavia, esta noção que apenas é tendencial de sociedade financeira também
não é uma noção inteiramente satisfatória. E não é inteiramente satisfatória porquê?
Desde logo, por que se encontram em situação próxima precisamente de certas
instituições de credito. Por outro lado, algumas sociedades financeiras praticam
operações por conta própria. Há sociedades financeiras que praticam operações por
conta própria e arcam, elas próprias, com os respectivos riscos das operações que
realizam, por exemplo, as sociedades financeiras de corretagem, as sociedades de
desenvolvimento regional. Não há coerência na classificação das sociedades
financeiras. Por fim, as sociedades financeiras não podem receber depósitos, mas
algumas delas podem receber fundos reembolsáveis à semelhança do que se verifica
com as instituições de crédito.

Vamos começar por analisar algumas destas sociedades financeiras. Vamos


começar com as sociedades financeiras de corretagem e as sociedades correctoras,
que estão referidas precisamente na alínea a) do número 1 do artigo 6.º que remete
para o artigo 4.º A. Temos aqui sociedades que são simultaneamente qualificadas
como empresas de investimento, para efeitos do regime jurídico precisamente das
actividades de intermediação financeira prevista no Código dos Valores Mobiliários.
São simultaneamente sociedades financeiras e empresas de investimento. As
sociedades correctoras têm um objecto, objecto social, mais limitado do que as
sociedades financeiras de corretagem. As sociedades correctoras têm por objecto
actividades que envolvem operações sobre valores mobiliários, como por exemplo, a
recepção, a transmissão e a execução de ordens sobre valores mobiliários por conta de
outrem. Podem também praticar operações de gestão de carteiras de valores
mobiliários por conta de outrem, e podem também proceder à simples colocação de
valores mobiliários em ofertas públicas de distribuição. Além disso, as sociedades
correctoras podem ainda exercer os serviços auxiliares de registo e de depósito e
podem ainda praticar a consultoria para investimento em valores mobiliários. Por seu
turno, as sociedades financeiras de corretagem têm um objecto social mais amplo do
que as sociedades correctoras. As sociedades financeiras de corretagem podem, para
além de todas essas actividades que as sociedades correctoras podem desenvolver,
negociar valores mobiliários por conta própria, e para além disso, podem também

64

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

conceder crédito e emprestar valores mobiliários para a realização de operações sobre


valores mobiliários e, ainda, prestar serviços de consultoria, consultoria empresarial,
prestar serviços de assistência em ofertas públicas.

Todavia, em qualquer caso a aquisição involuntária de bens cuja titularidade


seja vedada vai obrigar à alienação no prazo de um ano. Pode dizer-se que as
sociedades correctoras são meros intermediários, aquilo a que se chama brokers, nas
operações entre os investidores, nos mercados de valores mobiliários organizados em
geral e em especial os mercados regulamentados, portanto os agentes económicos
não participam directamente nesses mercados, são necessários intermediários, como
sabem.

Os agentes económicos não negoceiam livremente nesses mercados, há uma


negociação intermediada, há uma intermediação obrigatória nesses mercados, é
necessário o recurso a entidades que exercem essa actividade de modo profissional, e
lá estão os brokers, os intermediários, portanto as correctoras para exercerem essa
intermediação.

Já as sociedades financeiras de corretagem, para além de poderem agir


enquanto brokers, são também dealers, podem também desempenhar o papel de
dealers, porque elas próprias podem deter e negociar valores mobiliários por sua
própria conta, diferentemente das sociedades correctoras, e este é o principal traço
distintivo entre as sociedades correctoras e as sociedades financeiras de corretagem.
As sociedades financeiras de corretagem podem ter carteira própria diferentemente
das sociedades correctoras e por isso isto explica que possam conceder crédito, e que
possam emprestar valores mobiliários e que possam também prestar serviços de
colocação em termos mais amplos do que aqueles que são permitidos às sociedades
correctoras, por si só. Este é o principal traço distintivo entre estes dois tipos de
sociedades financeiras.

Depois, vamos passar agora para a alínea d), temos as sociedades mediadoras
dos mercados monetários e/ou de câmbios, que são também empresas de
investimento e sociedades financeiras. Aqui temos simples intermediários que actuam
nesses mercados: monetário e de câmbios. Se são simples intermediários, isto significa
que só podem agir por conta de outrem, é lhes vedado efectuar transacções por conta
própria, não podem também receber depósitos, conceder crédito, prestar garantias,
não podem deter participações de capital em sociedades. No exercício das respectivas
actividades, estas entidades, encontram-se sujeitas a normas de conduta semelhantes
àquelas que regem os intermediários financeiros. Estas sociedades não se confundem
com as agências de câmbios, estas agências de câmbios são outro tipo de sociedade
financeira, que vem referida na alínea viii) da alínea b) do número 1 do artigo 6.º, não
se confundem com as agências de câmbios. O que são as agências de câmbios? Isto é
uma numeração muito complexa desta lei bancária. As agências de câmbios são

65

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

sociedades financeiras, são sociedades que têm por objecto principal a realização de
operações de compra e venda de notas e de moedas estrangeiras ou então de cheques
de viagem. Este é o principal objecto das agências de câmbios, e estas compras e
vendas são feitas contra moeda nacional. Acessoriamente, as agências de câmbios
podem comprar ouro e prata e podem também comprar moedas para fins de
numismática e, também ser autorizadas a prestar serviços de transferência de dinheiro
para o exterior. Ora, enquanto estas operações podem ter de lidar directamente com o
público, as operações feitas pelas agências de câmbios referidas no artigo 6.º, as
operações nos mercados monetário e de câmbios, praticadas pelas sociedades
mediadoras dos mercados monetário ou de câmbios, do artigo 4.º A, são mercados por
via de regra organizados, são operações que têm lugar entre os respectivos
intermediários, que são entidades devidamente credenciadas para poderem actuar
nesse mercado e não têm lugar directamente com o público.

Temos, depois, na alínea c) do número 1 do artigo 4.ºA, as sociedades gestoras


de património. Também à semelhança do que vimos quanto às sociedades correctoras
e às sociedades financeiras de corretagem, estas entidades são simultaneamente
qualificadas como sociedades financeiras e como empresas de investimento, portanto
são intermediários financeiros e estão simultaneamente sujeitos à lei bancária e ao
código dos valores mobiliários. Temos aqui sociedades que têm por objecto exclusivo o
exercício da actividade de administração de conjuntos de bens que se designam por
carteiras, ou conjuntos de bens que pertencem a terceiros e podem ainda prestar
serviços de consultoria de investimentos. Esta actividade de gestão tem lugar
mediante um contrato de mandato, que é celebrado entre a sociedade gestora de
patrimónios e o seu cliente. E este mandato para gestão é reduzido a escrito.

E neste contrato de mandato, celebrado entre a sociedade gestora e o


respectivo cliente deve fixar-se o grau de discricionariedade que o cliente confere à
sociedade gestora na gestão do seu património. O cliente deve estabelecer no
contrato de mandato, deve acordar com a sociedade gestora, o grau de
discricionariedade que lhe confere, precisamente na gestão do respectivo património.
Pode até nem conferir discricionariedade nenhuma, até estabelecer-se nesse contrato
para administração, que efectivamente a sociedade gestora fica vinculada a obedecer-
lhe na gestão dessa carteira, ou desse património, a obedecer à uma política de
investimento genérica e que se encontra previamente fixada, portanto sem qualquer
discricionariedade, apesar de haver sempre alguma liberdade de decisão
relativamente ao património sobre gestão, é sempre indispensável nestes casos em
que há a vinculação da sociedade gestora a uma política genérica de gestão
previamente fixada, há sempre uma margem de decisão, de liberdade, quanto à
decisão que pontualmente é necessário tomar, que essa margem de liberdade é
necessário conferir à sociedade gestora. Talvez não se fale já de discricionariedade mas
de cumprir inteligentemente o contrato de mandato de gestão. Também naturalmente

66

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

que não fica impedida a sujeição da sociedade gestora a determinadas instruções do


próprio mandante. Pode estabelecer-se nesse contrato, um contrato de mandato, de
grosso modo sui generis, porque a sociedade gestora poderá não ficar vinculada às
instruções do mandante, ou poderá ficar vinculada em determinadas situações às
instruções do mandante. Se essa vinculação às instruções do mandante não estiver
contratualmente afastada, em princípio o mandante poderá dar essas instruções à
sociedade gestora. Mas se a sociedade gestora garantir uma rendibilidade mínima da
carteira do cliente, naturalmente que não poderá estar sujeita às instruções do cliente,
não deve obediência às instruções do cliente, sob pena de não poder garantir, cumprir
essa rendibilidade mínima do património sob gestão. Naturalmente que isto é muito
importante, porque ao garantir uma rendibilidade mínima sobre a carteira sob gestão
implica uma ampla margem de discricionariedade na gestão por parte da sociedade
gestora. Implica uma incompatibilidade com a sujeição a ordens do mandante por
parte da sociedade gestora, que não pode estar sujeita a ordens do mandante se
garantir uma rendibilidade mínima dessa carteira. Isto quer dizer que a sociedade
gestora numa situação destas será a única responsável precisamente pelas decisões de
investimento que venha a adoptar, não será responsável apenas pela execução das
decisões do cliente, mas será responsável pelas decisões de investimento que vier
efectivamente a assumir em virtude da ampla discricionariedade que terá por ter
garantido uma rendibilidade mínima ao seu cliente.

E este património sob gestão pode incluir uma enorme diversidade de bens.
Pode incluir os mais diversos instrumentos financeiros, pode incluir valores
mobiliários, naturalmente, pode incluir bens imóveis, os mais diversos bens móveis,
metais preciosos, etc., um leque vastíssimo de bens que podem integrar uma carteira
ou um conjunto sob administração. Os valores mobiliários que sejam dados em
administração a uma sociedade gestora, que os vai administrar, estas operações sob
valores mobiliários por conta dos clientes, quando for exercida em termos agregados,
naturalmente, sem prejuízo da posterior locação destes valores mobiliários ou dos
valores transaccionados às respectivas carteiras de cada um dos clientes
individualmente considerados, isto numa perspectiva financeira apresenta algumas
semelhanças com a gestão de organismos de investimento colectivo em valores
mobiliários. Portanto, em termos materiais podemos estar aqui precisamente fundos
de investimento, se a sociedade gestora de patrimónios age desta forma, se gere de
forma agregada estes valores mobiliários, materialmente temos um fundo de
investimento. Agora não se chama fundo mas organismo de investimento colectivo
em valores mobiliários, é precisamente disso que do ponto de vista material se trata.
Gere financeiramente estas carteiras como se tratasse de um fundo de investimento,
todavia sem obedecer às respectivas regras, regras fixadas para a gestão dos
organismos de investimento colectivo, que, naturalmente, são mais restritivas e têm
preocupações prudenciais que aqui não estarão presentes. Há aqui regras específicas
em matéria de organismo de investimento colectivo que não são observadas por esta

67

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

sociedade gestora de patrimónios, que não age de forma correcta ao gerir de forma
agregada as várias carteiras de valores mobiliários. Temos aqui as sociedades gestoras
de patrimónios que são simultaneamente empresas de investimento e sociedades
financeiras. Já vimos que é aplicável, tal como às sociedades financeiras de corretagem
e às sociedades correctoras, o CVM e a Lei Bancária e estão sujeitas a dois
supervisores: a CMVM e o Banco de Portugal.

No exercício da respectiva actividade, as sociedades gestoras de patrimónios


encontram-se naturalmente sujeitas a regras prudenciais e a regras de conduta
específicas que interessa salientar neste aspecto as regras relativas à segregação
patrimonial, há aqui uma forte segregação patrimonial, o legislador foi
extraordinariamente cauteloso na elaboração das regras respeitantes à segregação
patrimonial. Há uma inspiração muito grande no trust anglo-saxónico, no que diz
respeito às regras respeitantes à segregação patrimonial, à blindagem que se
estabeleceu nesta matéria. Interessa ter também em conta nesta matéria as limitações
que a lei estabeleceu nas operações por conta própria ou nas operações que possam
envolver conflitos de interesses que possam ser desenvolvidas pelas sociedades
gestoras de patrimónios, em que o legislador foi extraordinariamente prudente,
cauteloso na regulamentação destas operações. As sociedades gestoras de
patrimónios devem depositar os fundos e os valores dos clientes em conta bancária
aberta em nome dos clientes ou, então em nome da própria sociedade gestora de
patrimónios mas por conta dos clientes. Portanto temos aqui a segregação
patrimonial. A lei permite ainda a abertura de uma conta única, uma conta única
respeitante a uma pluralidade de clientes mas, neste caso, se a sociedade gestora abrir
uma conta única deve desdobrar os movimentos da conta única, tem a obrigação de
desdobrar os movimentos da conta única em tantas subcontas quantos os clientes
abrangidos por essa mesma conta única.

Temos aqui entidades, as sociedades gestoras de patrimónios, que prestam


serviços que se traduzem na prática de operações por conta alheia, por conta dos
respectivos clientes, em princípio é lhes vedada a realização de operações, há fortes
limitações à realização de operações por conta própria. Só lhes são permitidas
operações por conta própria na medida em que sejam essenciais, necessárias, ao
desenvolvimento da respectiva actividade, só nessa medida é que lhes é permitida a
prática de operações por conta própria, na medida em que seja necessária ao
desenvolvimento da prática da respectiva actividade. Não podem conceder crédito,
contrair crédito, não podem prestar garantias, receber depósitos, não podem adquirir
valores mobiliários. E para prevenir conflitos de interesses encontram-se sujeitas a
uma autorização escrita dos clientes para praticar operações, operações por conta
alheia que envolvam, precisamente, a aquisição de valores que sejam emitidos ou
detidos por entidades relacionadas com as sociedades gestoras de patrimónios.

68

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

A proibição da prestação de garantias entende a doutrina que esta proibição


não deve ser entendida em termos rígidos, e se refere apenas à prestação de garantias
tipicamente definidas, algumas das quais são típicas da actividade, ou próprias da
actividade bancária. A doutrina entende que existe a possibilidade de as sociedades
gestoras de patrimónios garantirem aos seus clientes uma rendibilidade mínima,
entendendo que isto é uma garantia e, neste sentido, podem prestar esta garantia, a
garantia de uma rendibilidade mínima do património. Quando a lei fala e as proíbe de
prestar garantias, a doutrina não inclui esta prestação de garantia de rendibilidade
mínima nesta proibição. É discutível se era necessária esta interpretação.

Temos, depois, passamos agora para o artigo 6.º alínea viii) da aliena b), as
sociedades de desenvolvimento regional. Estas sociedades de desenvolvimento
regional adquiriram relevância com a integração de Portugal na União Europeia, ou
pelo menos pretendiam ter relevância com a adesão de Portugal à Comunidade
Económica Europeia. As sociedades de desenvolvimento regional são entidades cuja
actividade se encontra estritamente relacionada com as políticas de desenvolvimento
regional, contribuem para a prossecução do objectivo da coesão económica e social,
em articulação com a aplicação dos respectivos fundos públicos nacionais e
comunitários. Nós temos aqui entidades, as sociedades de desenvolvimento regional,
que são qualificadas como sociedades financeiras que têm objecto a promoção do
investimento produtivo na respectiva área regional, na área da respectiva região, e
têm por finalidade o apoio ao desenvolvimento económico e social dessa mesma
região.

Como têm uma área de actuação regional, estas sociedades financeiras, as


comissões de coordenação regional que sejam competentes na respectiva região
devem pronunciar-se a respeito da respectiva autorização da constituição destas
entidades, das sociedades de desenvolvimento regional. E a realização do objecto
social deste tipo de sociedade financeira tem lugar através da realização de operações
financeiras, e, para além disso, podem envolver a prestação de serviços financeiros,
designadamente da prestação de apoio técnico, as sociedades de desenvolvimento
regional, muitas vezes prestam apoio técnico. Todavia não podem exercer
directamente qualquer actividade agrícola, industrial ou comercial, isto encontra-se
vedado às sociedades de desenvolvimento regional. Entre as operações financeiras
que estas sociedades podem praticar estão a participação no capital de sociedades,
podem adquirir obrigações, podem conceder crédito a médio e longo prazo a
empresas, podem adquirir créditos, prestar garantias, podem gerir fundos de capital
de fundos, fundos de investimento de capital de risco. Nós temos aqui uma área de
actuação das sociedades de desenvolvimento regional que se encontram muito
próximas, precisamente, dos sectores, que já vamos ver mais à frente, que são
sectores de actividade das sociedades de garantia mútua e do capital de risco (de que

69

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

não vamos falar do capital de risco mas das sociedades de garantia mútua, portanto
muito próximo da garantia mútua).

Temos no fundo uma multiplicação de regimes jurídicos que subsiste apos a


reforma da lei bancaria que tem a ver com a abordagem institucional, que é da nossa
tradição, subjectivista, em detrimento da regulação de actividades. O legislador optou
por uma regulação institucional, por instituição e por uma regulação de actividades,
daí que haja uma sobreposição, uma multiplicação de regulamentações em virtude da
abordagem adoptada pelo nosso legislador. Para o financiamento das respectivas
actividades, as sociedades de desenvolvimento regional podem emitir obrigações,
obrigações de prazo não inferir a 2 anos, e podem contrair empréstimos junto de
instituições de crédito ou até junto de sociedades financeiras que estejam habilitadas a
fazê-lo, e podem ainda praticar operações cambiais que sejam necessárias ao exercício
da respectiva actividade.

Direito Bancário- 5ª aula, 11 de Março de 2015 (Cláudia Couto)

Tipos de sociedades financeiras (continuação)

Sociedades de garantia mútua: estão previstas no artigo 6º/nº1 al) b, V. Estas


sociedades eram inicialmente qualificadas pela lei bancária como sociedades
financeiras, depois passaram a ser qualificadas como instituições de crédito e agora
voltaram à origem (foram desqualificadas como instituições de crédito e portanto
voltaram a ser qualificadas como sociedades financeiras). No dia 4 de Março de 2015,
saiu o novo regime jurídico do capital de risco que também tem pontos de contacto e
faz referência às sociedades de garantia mútua. A finalidade principal destas
entidades, consiste no apoio às pequenas e médias empresas43 e também às micro-
empresas. Estas últimas (PME’s e micro), são empresas cujo acesso ao capital de que
necessitam para o desenvolvimento da respectiva actividade, é um acesso que se
encontra mais dificultado ou é mais oneroso do que é para as grandes empresas, têm
mais dificuldade no acesso ao crédito. Esta maior dificuldade na obtenção de crédito
implica desvantagens competitivas de mercado para as PME’s e micro-empresas.
Sociedades de garantia mútua, têm no fundo uma actuação mais restrita do ponto de
vista económico-financeiro, visam apoiar efectivamente este tipo de empresas,
portanto obedecem também a propósitos extra-financeiros. Há aqui uma sobreposição
com a área do capital de risco, que também tem em vista precisamente o apoio às
PME’s e micro-empresas. O capital de risco também tem esse objectivo de facilitar e
investir nessas sociedades, devido às dificuldades que estas entidades têm no acesso
ao crédito. Embora não seja só isto que está em jogo na área do capital de risco, são
43
Doravante designadas PME’s.

70

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

outros objectivos também, de qualquer forma há uma área de sobreposição entre as


sociedades de capital de risco e as sociedades de garantia mútua, por exemplo. Como
as sociedades de garantia mútua visam também objectivos extra-financeiros ou
propósitos de natureza não financeira, inserem-se num subsistema próprio que é o
sistema de caucionamento mútuo, que está apoiado num fundo- o fundo de
contragarantia mútua, que se destina a cobrir os riscos das operações em que
incorrem as sociedades de garantia mútua. Temos esta qualificação como sociedades
financeiras, apesar das sociedades de garantia mútua também realizarem ou
desempenharem uma função indirecta de crédito e como tal também se expoêm ao
risco destas entidades. Portanto não se cingem à simples prestação de serviços
financeiros. As suas especificidades começam, desde logo, pela respectiva estrutura
accionista em que se distingue entre accionistas beneficiários e accionistas promotores
e estabelecem-se também limitações à livre transmissão de acções, no âmbito das
sociedades de garantia mútua. Os accionistas beneficiários serão PME’s ou micro-
empresas e, para além disso, devem deter pelo menos 50% do capital social das
sociedades de garantia mútua. As sociedades de garantia mútua podem realizar
operações a favor dos accionistas beneficiários. Procura-se que a actividade
desenvolvida por estas entidades tenha lugar de forma integrada, precisamente no
âmbito do sistema do caucionamento mútuo- sistema constituído pelas sociedades de
garantia mútua e pelo fundo de contragarantia mútua (fundo de natureza pública, é
autónomo e tem personalidade jurídica). Este fundo de contragarantia mútua, é
financiado pelas contribuições, periódicas ou especiais, realizadas pelas diversas
sociedades de garantia mútua que integram esse sistema (isto também vai ser alterado
provavelmente durante o ano de 2015, por força, precisamente da transposição da
directiva e por força da nova lei bancária, mas até agora é assim que funciona). O
fundo também pode ser financiado por empréstimos e pelos rendimentos das
aplicações financeiras que forem por ele realizadas. No exercício da sua actividade,
este fundo tem de assegurar, naturalmente sem prejuízo das competências próprias
do Banco de Portugal, o equilíbrio e a solvibilidade das sociedades de garantia mútua,
de cada uma das sociedades de garantia mútua como das diversas sociedades de
garantia mútua consideradas no seu conjunto. O fundo é gerido por uma sociedade
gestora, que é uma sociedade de investimento, anónima, à qual compete também
incentivar a criação de sociedades de garantia mútua. Esta sociedade gestora tem a
qualidade de accionista promotor.

Sociedades de consultoria para investimento: referidas no artigo 4º-A, nº1, al e) e


artigo 6º, nº1, al. a) que remete para essa norma- para o artigo 4º -A. As sociedades de
consultoria para investimento são empresas de investimento e são-no as referidas no
artigo 4º-A, que são consideradas sociedades financeiras. Temos aqui uma espécie de
bancos de investimento que, de alguma forma, se encontram privados da captação de
depósitos. Estas sociedades não podem captar depósitos, função que lhes é vedada
precisamente pelo respectivo regime jurídico especial, uma vez que não estão sujeitas

71

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

à lei bancária como resulta do artigo 4º-A, nº2 (não estão sujeitas ao regime geral das
instituições de crédito e sociedades financeiras mas sim ao código dos valores
mobiliários e a um regime especial que o legislador para elas criou). Sociedades de
consultoria para investimento foram sociedades que, de alguma forma, já existiam
entre nós sob outra designação e sob uma figura jurídica um pouco diferente desta. A
introdução deste tipo de sociedade, agora considerada como sociedade financeira, não
interferiu com a existência dos anteriores consultores para investimento que já
existiam entre nós. Nós temos aqui sociedades que têm precisamente por objecto
social exclusivo a prestação de serviços de consultoria para investimento em
instrumentos financeiros, portanto, prestam consultoria para esse tipo de
investimento e recebem e transmitem ordens por conta de outrem relativamente
àqueles instrumentos financeiros. A consultoria para investimento em instrumentos
financeiros, que é o que está aqui em jogo, é uma das actividades de intermediação
financeira. Passou a ser considerada como uma das actividades de intermediação
financeira que integram o conjunto de serviços e de actividades principais de
investimento. Por outro lado, só as empresas de investimento que é o caso e as
instituições de crédito, de que falamos na aula anterior, que sejam devidamente
autorizadas podem efectivamente desenvolver numa base transfronteiriça estas
actividades e prestar este tipo de serviços. Afigurou-se necessário ao legislador
garantir que estas entidades reunissem os requisitos mínimos necessários que
permitissem qualificar-se como empresas de investimento e beneficiar do passaporte
comunitário. Permite-se às empresas de investimento e, logo permite-se às sociedades
de consultoria para investimento, que operem em todo o espaço da UE, com base na
autorização única que lhes é concedida no Estado membro em que se situa a sua sede.
Essa autorização é suficiente para que possam desenvolver a sua actividade em todos
os restantes países da UE- é o que se chama de passaporte comunitário.

Sociedades de locação financeira: referidas no artigo 6º, nº1, al. b) III. Estas sociedades
foram desqualificadas porque antes da reforma de Outubro de 2014 eram
consideradas instituições de crédito, erradamente mas eram. Agora são sociedades
financeiras. Sociedades de locação financeira, têm como objecto principal o exercício
da actividade de locação financeira. O que é o contrato de locação financeira? Este
consiste no contrato através do qual uma das partes se obriga perante a outra,
mediante retribuição, a ceder-lhe o gozo temporário de uma coisa móvel ou imóvel,
adquirida (pela sociedade de locação) a terceiro ou mandada construir a terceiro por
indicação da sua contraparte- o locatário financeiro. O locatário poderá vir a adquirir
essa coisa, decorrido o prazo acordado pelas partes, por um preço determinado no
contrato ou por um preço determinável mediante a aplicação dos critérios para esse
efeito estabelecidos no contrato de locação financeira. Temos aqui estas sociedades
que se dedicam exclusivamente ao exercício da locação financeira. Sem tipificação da
lei, a par da locação financeira temos uma outra actividade gerada pela prática
comercial que gerou contratos um pouco diferentes como o ALD- aluguer de longa

72

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

duração. A prática comercial também gerou outros contratos que se designam por
locação operacional ou renting, que passaram a poder ser celebrados também pelas
locadoras financeiras, a partir de 2001. O ALD, consiste num aluguer de determinado
bem em que as partes não têm porque estipular uma opção de compra relativamente
a esse mesmo bem. Teoricamente, trata-se de uma mera operação de aluguer sem
qualquer componente de financiamento. A locação financeira tem claramente uma
componente de financiamento, a locadora financeira está a financiar a utilização de
um determinado bem pelo locatário. O ALD, teoricamente tratando-se de uma mera
operação de aluguer, está despojado ou estaria despojado de qualquer componente
de financiamento. Este tipo contratual, teve particular relevância enquanto a legislação
só permitia a locação financeira de bens móveis de equipamento e não de outros bens
móveis, daqui que se desenvolveu exponencialmente, paralelamente, este contrato na
prática comercial que era o ALD. Só que, simultaneamente ao ALD, o que as partes
faziam era celebrarem também uma promessa de compra e venda que teria um preço
no fundo equivalente àquele que seria o valor residual num contrato de locação
financeira. As partes celebravam o contrato normal de ALD e anexavam esta promessa
de compra e venda, em que o preço era efectivamente correspondente ao valor
residual que aquele bem teria se tivesse sido celebrado um contrato de locação
financeira e não um contrato de ALD. Isto foi um expediente muitíssimo utilizado na
prática comercial que permitia financiamento para a aquisição de bens de consumo.
De alguma forma em fraude à lei mas que permitia o financiamento de bens de
consumo. Fraude à lei porquê? Porque as entidades que se dedicam à locação
financeira a título profissional têm de obter a devida autorização do Banco de Portugal
enquanto quem se dedicasse a título profissional à celebração de ALD a que anexavam
a promessa de venda não tinham de ter autorização do Banco de Portugal, portanto
isto contornava a lei daí ser um mecanismo em fraude à lei. Obtia-se o mesmo
resultado que na locação financeira por vias não legalmente admitidas (entidades não
estavam sujeitas a todas as regras prudenciais que a lei estabelece para as outras
entidades que desenvolvem actividades materialmente análogas). Quanto ao renting
ou locação operacional, esta faculta ao locatário a utilização de um determinado bem
a longo prazo mediante o pagamento de uma determinada prestação. Para além do
preço do uso do bem, vai incluir-se aqui o preço ou o custo de todos os serviços de
manutenção desse bem, todos os custos de assistência técnica desse bem, todos os
seguros e todas outras despesas que possam correr. Em 2001, o legislador abriu a
porta às locadoras financeiras para celebrarem este tipo de contratos de locação
operacional, criou-se com isto uma reserva de mercado (mais uma) a favor das
locadoras financeiras mas de alguma forma também de terceiros, porque estes
serviços (de assistência técnica, de manutenção, etc ) não podem ser prestados pelas
locadoras financeiras mas sim por terceiros cujos serviços são contratados para esse
efeito pelas locadoras financeiras. Nós temos nas locadoras financeiras, entidades que
têm por actividade principal a aquisição de bens, que podem ser móveis ou imóveis,

73

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

para os darem em locação aos seus clientes e os estes utilizam-nos mediante o


pagamento de prestações pecuniárias periódicas- chamadas rendas e têm ainda uma
opção de compra (opção que poderão exercer no termo do contrato se estiverem
interessados em adquirir a propriedade do bem aquando da cessação do contrato e
para isso pagam um determinado montante que é o tal valor residual 44, fazem
determinado cálculo económico onde naturalmente confluem diversos factores, como
a utilidade45, e portanto vêm se lhes convem ou não adquirir aquele bem pelo
respectivo valor residual). O que está em causa na locação financeira do ponto de vista
económico, material e funcional é uma actividade de alguma forma de financiamento,
de concessão de crédito. Os clientes das locadoras financeiras carecem de
determinados bens para o exercício de determinadas actividades e poderiam obtê-los
através do mecanismo clássico do mútuo bancário (uma aquisição directa ao tal
terceiro, uma aquisição financiada por um banco) em lugar da locação financeira. Se
preferem a locação, não recorrem a um empréstimo para essa aquisição mas o leasing
ou locação financeira desempenha uma função muito semelhante a esse empréstimo:
as amortizações do capital que teriam lugar num empréstimo bancário, portanto num
múto, são substituídas pelo pagamento das rendas ou alugueres conforme se trate de
imóveis ou móveis. E para além disso, na locação financeira, subjaz ao comprador a
possibilidade de no termo do contrato adquirir ou não aquele bem de acordo com o
seu juízo de oportunidade, decidirá nessa altura se o pretende adquirir ou não. Há
semelhanças fortes entre locação financeira e o mútuo bancário. O valor residual, na
locação financeira, que é a contrapartida da aquisição feita pelo locatário financeiro,
acaba por corresponder de alguma forma à diferença entre o valor de aquisição
capitalizado e as respectivas amortizações. Há de facto uma grande semelhança
material entre as duas operações. Isto para dizer que as locadoras financeiras
desenvolvem uma função de financiamento, não recebem depósitos, não são
instituições de crédito e portanto foram correctamente retiradas do elenco das
instituições de crédito. Mas podem captar fundos reembolsáveis, designadamente
através da emissão de obrigações.

Sociedades de cessão financeira ou de factoring: referidas no artigo 6º, nº 1, al. b) e IV.


Aqui temos sociedades cuja actividade consiste na aquisição de créditos a curto prazo,
que derivam da venda de produtos ou da prestação de serviços no mercado interno e
no mercado externo. A utilidade da cessão financeira reside na triangulação de uma
relação bilateral estabelecida entre os agentes económicos, ou seja, entre os
comerciantes e os seus clientes. Os comerciantes, através da cessão financeira podem
centralizar os pagamentos a que têm direito numa única entidade. Isto permite-lhes
evitar uma gestão atomística desses pagamentos. As sociedades de cessão financeira,
44
Colocaram a seguinte questão: se for uma locação financeira de um automóvel, o valor residual tem
em conta a caução paga inicialmente? Professora diz que sim, as cláusulas contratuais é que poderão ser
diferentes das que estamos habituadas mas a função da caução é a mesma, garantística. Residual
porque é o que resta/o que falta.
45
Não se consegue perceber se será esta a palavra mas pelo contexto parece que sim.

74

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

têm como actividade principal a aquisição de créditos sobre devedores. Adquirem-nos


por cessão do credor, o credor cede ao factor esses créditos. Através da cessão de
créditos não vencidos, o comerciante, recebe da sociedade de cessão financeira um
adiantamento por conta do crédito cedido. Se recebe um adiantamento, o
comerciante realiza um encaixe monetário no momento anterior ao termo do
respectivo prazo de vencimento do crédito. Há aqui também uma operação de
financiamento dos comerciantes por parte das sociedades de cessão financeira. As
instituições financeiras de crédito também podem praticar a cessão financeira. As
sociedades de cessão financeira podem fazê-lo de forma habitual como cessionários,
portanto há aqui de facto uma função de concessão de crédito desta actividade. Um
comerciante que necessite de fundos para o exercício da sua actividade económica,
não tendo capitais próprios e sendo-lhe inconveniente contrair empréstimos, podem
obter esses fundos alienando créditos, direitos de crédito de que seja titular a curto
prazo (direito de crédito de que seja titular perante terceiros e ainda não vencidos). As
sociedades de cessão financeira, também não são instituições de crédito, já foram mas
não são, daqui que não recebem depósitos. O contrato de cessão financeira é um
contrato que não se encontra materialmente regulado na lei, há várias normas
relativas ao contrato de cessão financeira mas materialmente é um contrato que não
encontra um regime completo na lei.

Sociedades financeiras de crédito: referidas no artigo 6º, nº1, al. b), I. Estas sociedades
ainda não foram dotadas de um regime jurídico próprio. Vão ter um regime
aparentemente recortado daquele que é actualmente aplicável às instituições
financeiras de crédito. As sociedades financeiras de crédito são sociedades financeiras.
As instituições financeiras de crédito, não as sociedades financeiras de crédito, que são
actualmente qualificadas como instituições de crédito que optarem por se converter
em sociedades financeiras de crédito dispõem do prazo de um ano e dispõem de um
procedimento simplificado junto do Banco de Portugal para o fazerem- para se
converterem em sociedades financeiras de crédito.

Instituições de moeda electrónica: deixaram de ser qualificadas como sociedades


financeiras.

Sociedades gestoras de fundos de investimento: previstas no artigo 6º, nº1, al. b) VI.
São sociedades financeiras, já o eram antes da reforma de Outubro de 2014. São
sociedades que têm por objecto a gestão de organismos de investimento colectivo sob
a forma de fundos de investimento (fundos de investimento mobiliário ou fundos de
investimento imobiliário). O regime jurídico dos organismos de investimento colectivo,
agora chama-se regime geral, a lei bancária foi alterada em Fevereiro de 2015 apesar
de só ter entrado em vigor em Janeiro e foi alterada por esse regime geral. O regime
geral dos organismos de investimento colectivo é de Fevereiro de 2015 e altera a lei

75

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

bancária46. Temos aqui as sociedades gestoras de organismos de investimento


colectivo sob a forma de fundos de investimento e conforme os activos
primordialmente geridos que integram os respectivos patrimónios autónomos em que
se traduzem esses fundos, podem ser fundos de investimento mobiliário ou
imobiliário. As sociedades gestoras de fundos de investimento, fundos que são
organismos de investimento colectivo, vêm referidas aquando das sociedades gestoras
de patrimónios mas são diferentes, a gestão das duas é feita de forma diferente
porque aqui temos organismos de investimento colectivo, logo, a gestão é colectiva no
sentido de que todas as entradas dos diversos participantes formam uma carteira que
é gerida por uma sociedade gestora, diferentemente nas sociedades gestoras de
patrimónios que gere a carteira do senhor A, a do senhor B, individualmente
consideradas, não é uma gestão colectiva ou não deve ser (o contrato de gestão é aqui
diferente do que se passa num contrato de administração ou de investimento com
uma sociedade gestora de fundos de investimento). Os objectivos dos investidores são
diferentes quando celebram um contrato com uma sociedade gestora de patrimónios
ou quando celebram um contrato com uma sociedade gestora de organismos de
investimento colectivo. Os fundos de investimento podem ser abertos (aqueles cujo
capital não se encontra limitado à partida, em que se permite uma contínua emissão
de unidades de participação representativas do valor patrimonial do fundo- podem
entrar continuamente novos participantes para esse organismo, ou seja, os
investidores num fundo de investimento chamam-se participantes, não tem acções
porque não são sócios, têm unidades de participação num fundo de investimento) ou
fechados (as unidades de participação são emitidas em número fixo, em função de um
valor patrimonial estabelecido, não é permitida aquela emissão contínua que é
permitida nos fundos abertos). Os fundos de investimento correspondem a
patrimónios autónomos, são formados desde logo pelas contribuições ou entradas de
cada um dos participantes que depois são investidas conforme o regulamento de
gestão de cada um dos fundos -os activos em que cada um deles pode investir. O
legislador manteve sempre ao longo de todas as alterações legislativas esta
terminologia, fundos como patrimónios autónomos que pertencem em regime de
comunhão a uma pluralidade de titulares. O legislador entende que esses patrimónios
podem ser avultadíssimos, e que eles pertencem em regime de comunhão aos
participantes, o que é altamente discutível mas é a terminologia legal. O que acontece
é que, estes participantes, não têm qualquer poder de administração e por isso é que
optam por canalizarem os seus investimentos para um fundo porque não querem
sequer ter poderes de administração porque se quisessem, dentro do direito
organizacional, optavam por outro tipo de entidade. A sociedade gestora vai gerir
estes patrimónios autónomos sem qualquer interferência por parte dos participantes.
É muito interessante estudar esta matéria porque verifica-se, naturalmente, uma
dissociação claríssima nesta figura entre a propriedade que a lei atribui aos

46
Professora vai inserir este diploma no campus.

76

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

participantes e a gestão a cargo da sociedade gestora. A sociedade gestora vai


proceder à tal gestão colectiva de todo esse património, de acordo com critérios
próprios dessa gestão colectiva. As sociedades gestoras de fundos de investimento são
simultaneamente sociedades financeiras sujeitas à lei bancária e intermediários
financeiros sujeitos ao código dos valores mobiliários. Para além disso, regem-se ainda
por o seu regime próprio, que agora data de Fevereiro de 2015- regime geral dos
organismos de investimento colectivo; a magna carta dos organismos de investimento
colectivo. Há uma sobreposição de regimes jurídicos como acontece com outras
entidades. No plano da supervisão, vamos também ter uma novidade, uma vez que
compete ao Banco de Portugal a autorização para a constituição e a supervisão
prudencial das sociedades gestoras de fundos de investimento e, compete à CMVM a
supervisão comportamental destas sociedades. Nem em todas as sociedades a
autorização cabe ao Banco de Portugal, designadamente no domínio do capital de
risco, mas em regra é assim. Por outro lado, como já foi referido, em regra, a
supervisão comportamental competirá à CMVM e a autorização e a supervisão
prudencial dos próprios fundos de investimento, não das sociedades gestoras mas dos
fundos de investimento, compete à CMVM47.

Sociedades de investimento: encontram-se ligadas com as sociedades gestoras de


fundos de investimento. Temos organismos de investimento colectivo que podem ter
ou não personalidade jurídica e dos que falamos são os que não têm, são os fundos de
investimento- são patrimónios autónomos, logo, é necessário uma entidade que os
administre. Por outro lado, temos as sociedades de investimento que são organismos
de investimento colectivo personalizados- dotados de personalidade jurídica. Bom
tema para trabalho: saber se no âmbito destas sociedades de investimento, ver aqui
de alguma forma, quais as sociedades de investimento que estão incluídas no artigo
6º, nº1, al b), II, confrontando este artigo com a anterior redação. O que é que o
legislador pretendeu significar, abranger com a denominação de sociedades de
investimento: se ele só quis referir a sociedades de investimento, as que no fundo são
bancos de investimento sem a possibilidade de captar depósitos junto do público e não
teve em conta as sociedades de investimento mobiliário e imobiliário. Se assim for,
quanto a estas sociedades de investimento, se abrangerem as de investimento
mobiliário ou imobiliário, o que é discutível, também não se sabe se são todas quer
sejam heterogeridas ou autogeridas, o legislador nada diz sobre isto. Se o legislador se
refere apenas às sociedades de investimento que são como bancos de investimento
privados da faculdade de recolher depósitos, temos aqui apenas instituições que agem
como financiadores de projectos- projectos de investimento, portanto é só disso que
estará em causa sob a designação de sociedades de investimento- financiam projectos
de investimento e prestam apoio às respectivas empresas que desenvolvem esses
projectos, não podem contudo conceder crédito ao consumo. Se for no sentido da
expressão antes da reforma de Outubro de 2014, estas sociedades de investimento
47
Há uma contradição?!

77

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

podem também participar no mercado interbancário, no monetário, no cambial,


podem adquirir participações sociais em sociedades, podem realizar operações sobre
valores mobiliários por conta própria ou por conta alheia, podem proceder à tomada
firme de valores mobiliários, podem gerir patrimónios individuais ou patrimónios
colectivos, podem exercer funções de depositário desses mesmos patrimónios
colectivos, e podem prestar consultoria em matéria de valores mobiliários. Era
interessante ver se podem ou não, pelo menos algumas sociedades de investimento
enquanto organismos de investimento colectivo, se estão aqui abrangidas e não só
sociedades gestoras de fundos de investimento fechados, se pode ser interpretado de
forma mais ampla atendendo à evolução da norma do artigo 6º.

Sociedades gestoras de fundos de titularização de créditos: referidas no artigo 6º, nº1,


al. b), IX. Professora nota que, os veículos da titularização de créditos muito
contribuíram para a crise do subprime no verão de 2007 48. Estas sociedades, têm por
objecto a realização de operações de titularização de créditos- adquirem esses
créditos, gerem esses créditos e emitem obrigações titularizadas para pagamento dos
créditos adquiridos. Temos aqui a emissão de valores mobiliários por parte destas
sociedades. Elas emitem verdadeiros valores mobiliários. O activo subjacente a esta
emissão de valores mobiliários são determinados bens e estes bens são direitos de
crédito- o conteúdo destes direitos vai influenciar o conteúdo dos valores mobiliários
que são emitidos por estas sociedades gestoras de fundos de titularização de créditos.
São operações que podem ser levadas a cabo por fundos de titularização de créditos,
através da emissão de unidades de participação ou então são operações levadas
através de sociedades de titularização de créditos, que emitem obrigações
titularizadas. Apenas as sociedades gestoras dos fundos de titularização de créditos,
que são diferentes das sociedades de titularização de créditos, são qualificadas como
sociedades financeiras pela lei bancária. As sociedades de titularização de créditos não
são sociedades financeiras mas já foram, deixaram de o ser quando houve uma
transferência de competências do Banco de Portugal para a CMVM, em 2002. Esta
desqualificação, é uma alteração que está na mesma linha com o que se passou com o
capital de risco, pois também as sociedades de capital de risco deixaram de ser
qualificadas como sociedades financeiras e também não constam do elenco do artigo
6º como já não constavam antes de Outubro de 2014- pelo mesmo motivo da
transferência de poderes de supervisão do Banco de Portugal para a CMVM. Todavia
isto pode ser criticável, porque tanto as sociedades de titularização de créditos como
as sociedades de capital de risco desenvolvem uma actividade de natureza financeira,
logo não seria descabido a lei bancária em vez de as ignorar antes considera-las como
sociedades financeiras. Por outro lado, esta actividade de gestão de fundos de
titularização de crédito é considerada actividade de intermediação financeira, o que
quer dizer que aplicamos aqui também o código dos valores mobiliários.49

48
Tema interessante para trabalho.

78

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

Sociedades gestoras de sistemas de negociação multilateral: previstas no artigo 4º-A,


nº1, al f). São empresas de investimento e sociedades financeiras, conforme o artigo
6º, nº1, al a). O artigo 200º CVM 50 refere-se a estas sociedades. Os sistemas de
negociação multilateral definem-se como sistemas multilaterais geridos por
intermediários financeiros ou por entidades gestoras do mercado, que permitem
dentro do próprio sistema e de acordo com as suas regras que são não discricionárias
o confronto de múltiplos interesses de compra e de venda de instrumentos
financeiros, tendo em vista a sua negociação. A distinção que se estabelece entre estes
sistemas de negociação multilateral e os mercados regulamentados prende-se
essencialmente com o facto de que nos sistemas de negociação multilateral não é
exigido um funcionamento regular, em tudo o resto há uma proximidade funcional, no
que toca, designadamente, à multilateralidade e às regras de funcionamento não
discricionárias. A actividade de gestão de sistemas de negociação multilateral é
qualificada pelo CVM como serviço e actividade de investimento em instrumentos
financeiros. Assim sendo, é qualificada como uma actividade de intermediação
financeira. Só os intermediários financeiros podem exercer, a título profissional,
actividades de intermediação financeira, o que significa que o exercício da actividade
de gestão de sistemas de negociação multilateral fica sujeita ao regime jurídico que é
aplicável aos intermediários financeiros, mesmo que essa actividade seja exercida por
entidades gestoras de mercados regulamentados ou de sistemas de negociação
multilateral. A entidade gestora de um sistema de negociação multilateral deve prestar
ao público informação sobre os instrumentos financeiros que são admitidos à
negociação ou que são selecionados para negociação, deve também prestar
informação sobre as operações realizadas no mercado (nesse sistema) e os respectivos
preços. Mas, diferentemente do que se verifica no âmbito dos mercados
regulamentados, considera-se cumprida a obrigação de prestação de informação sobre
os instrumentos financeiros admitidos ou selecionados para a negociação, se a
entidade gestora do sistema de negociação multilateral se certificar de que existe
acesso à informação em causa pelo público.

Sociedades financeiras de microcrédito: referidas no artigo 6º, nº1, al b) X. Estas


sociedades, novidade no direito português desde 2010, têm por obejcto a concessão
de crédito em montantes reduzidos, a particulares e a empresas que pretendam
desenvolver uma determinada actividade económica. Para além disto, têm também
em vista o aconselhamento dos mutuários, aqueles a quem se emprestam esses
montantes, acompanham também os projectos financiados, desenvolvidos pelos
particulares ou pelas empresas. Visou-se relançar a economia com este tipo de
sociedades e a sua actividade e também promover o emprego e dinamizar o
microcrédito. Instrumento que se dirigiu ao empreendedorismo, à criação de auto-

49
No início da 2ª parte a professora avisou que a lei bancária vai ser alterada outra vez e para o exame
temos de ter em conta todas as alterações, mas ela insere no campus as alterações relevantes.
50
Código dos Valores Mobiliários.

79

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

emprego e oportunidades, que gera riqueza através deste tipo de financiamento. No


ordenamento jurídico português, data de 2010 a possibilidade de se constituírem
sociedades especificamente vocacionadas para o microcrédito, pretende-se alargar o
acesso à actividade de concessão de micro-crédito a agentes económicos que
actualmente não exercem, ou que na altura 2010-2011 não exerciam uma actividade
financeira, permitindo-lhes enquadrar essa actividade de financiamento nas
finalidades económicas e sociais que prosseguissem, tendo em vista potenciar o
desenvolvimento de novos investimentos e a criação de novo emprego- foi isto que se
teve em vista. Temos aqui a concessão de crédito de valor reduzido a pessoas com
motivação e capacidade para desenvolver um determinado projecto económico,
pessoas em situação de desemprego ou que sejam pequenos empresários- são esses
os segmentos visados pelo âmbito subjectivo destas sociedades financeiras de
microcrédito. Este novo conceito de crédito, o microcrédito, proporcionou noutros
países com grande sucesso o desenvolvimento de projectos de pequenas empresas e o
auto-emprego. As pessoas51 que tiveram acesso ao microcrédito poderam gerar
rendimentos e portanto melhorar a sua condição de vida. Temos aqui a aplicação de
um montante, de um empréstimo, logo há um controlo da aplicação do montante à
finalidade que presidiu à concessão desse empréstimo, controlo feito pela sociedade
financeira de microcrédito. A violação dessa finalidade acarreta o vencimento do
empréstimo. Esta actividade encontra-se sujeita à lei bancária, ao regime geral das
instituições de crédito e sociedades financeiras. Estas sociedades financeiras de
microcrédito devem ser constituídas com um capital social mínimo de um milhão de
euros e podem conceder microcréditos até ao valor máximo de vinte e cinco mil euros
52
por mutuário.

Podemos ainda ter outras empresas que não constam do elenco do artigo 6º mas que
correspondam à definição de sociedades financeiras e sejam como tal qualificadas por
lei.

A figura do intermediário financeiro não corresponde a um novo tipo de instituição


financeira, é apenas uma sobrequalificação aplicável a algumas das instituições que
fomos falando- quer instituições de crédito quer sociedades financeiras, com o
propósito de disciplinar a actividade de intermediação financeira para que também se
encontram vocacionadas- a disciplina do CVM. Os intermediários são entidades que
têm por função estabelecer a ligação entre a oferta e a procura no mercado de capitais
porque os agentes económicos não financeiros, em regra, não podem aceder/negociar

51
São obrigadas a prestar contas, garantias não -isto no seguimento de uma pergunta que não consegui
perceber.
52
Montante muito baixo, daí não ter de haver garantias. As partes havendo possibilidade podem prestar
garantias mas em princípio não, no microcrédito são negócios visados de forma a acompanhar o
desenvolvimento do projecto de forma a que gere rendimento para cumprir e pagar o contrato de
concessão de crédito que foi celebrado, daí que há uma fiscalização por parte da sociedade financeira de
microcrédito, o que não acontece com um banco quando concede um empréstimo- no seguimento da
mesma pergunta, a professora reiterou a ideia.

80

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

directamente ao mercado de capitais, daí que têm de o fazer através de intermediários


financeiros. São intermediários financeiros nos termos do CVM, as instituições de
crédito e as empresas de investimento, etc, portanto é ver o elenco referido no CVM.
Temos aqui uma duplicação gerada pela sobreposição de regimes gerais previstos na
lei bancária por um lado, e por outro no CVM. Para além disso, como já foi referido a
propósito das sociedades gestoras de fundos de investimento, temos os regimes
especiais constantes em legislação avulsa que são aplicáveis aos vários tipos de
entidades financeiras.

Artigo 6º, nº3 exclui da qualificação de sociedade financeira as empresas de seguros,


as sociedades gestoras de fundos de pensões e as sociedades de investimento
mobiliário e imobiliário. O legislador foi muito claro aqui, não estabeleceu foi a
distinção entre sociedades de investimento mobiliário e imobiliário heterogeridas e
autogeridas, ou seja, será que esta desqualificação se justifica para elas todas
independentemente de serem auto ou heterogeridas? A dúvida é esta. Nas sociedades
de investimento mobiliário e imobiliário autogeridas porque não a qualificação de
sociedades financeiras tal como o são qualificadas as sociedades gestoras de fundos de
investimento? É esta a questão que se pode colocar.

Empresas de seguros e sociedades gestoras de fundos de pensões já não eram no


direito anterior sociedades financeiras. As empresas de seguros têm como actividade a
cobertura ou a assunção remunerada de riscos ou compromissos, têm o regime
previsto numa outra lei onde se prevêm três tipos de empresas de seguros: sociedades
anónimas, as mútuas de seguros e as empresas de seguros públicas. E temos o regime
de seguro directo ou resseguro. Como se distinguem? Conforme o objecto incida sobre
os riscos em que incorrem quaisquer entidades- aqui temos o regime do seguro direco;
ou então quando o objecto incida sobre riscos incorridos sobre outras empresas de
seguros no exercício da respectiva actividade, actividade seguradora- regime do
resseguro. Sociedades gestoras de fundos de pensões dedicam-se ao exercício em
exclusividade de patrimónios autónomos, são os fundos de pensões e não os fundos
de investimento mobiliário ou imobiliário. Patrimónios autónomos estes que estão
afectos à realização de um ou mais planos de pensões, podem ainda exercer
actividades complementares a essa gestão, não são sociedades financeiras. Questão:
quanto às sociedades de investimento mobiliário e imobiliário, se é permitida ou não
uma interpretação restritiva, no sentido de que o legislador terá dito mais do que
aquilo que quis abrangendo também as sociedades de investimento autogeridas.

Pergunta colocada pela professora: a câmara municipal do porto pode ser qualificada
como instituição de crédito quando procede ao financiamento do restauro de edifícios
antigos? Outra: A pede a B que lhe conceda vinte mil euros de empréstimo; B
responde que não o pode fazer porque não tem autorização do Banco de Portugal.

81

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

Quanto à primeira, a resposta de B não faz sentido 53. Com a nova lei bancária há uma
redução do número das instituições de crédito e portanto passaram para o elenco das
sociedades financeiras. Limpou-se a lista de instituições de crédito para as fazer
subsumir à alínea p) do artigo 2º, mas manteve como tal uma que não recebe
depósitos, qual? Fala-se aqui das sociedades financeiras em geral e não das empresas
de investimento que gozam do passaporte- são as instituições de crédito hipotecário
(talvez para que goze do passaporte comunitário, pois as que foram desqualificadas já
não gozam). Quanto à Câmara, não se reúnem os pressupostos da noção de instituição
de crédito, que são três: ser uma empresa;... 54

Condições de acesso e de exercício à actividade bancária: regras que condicionam o


acesso à actividade bancária e a definição destas regras é elemento essencial da
supervisão desta actividade, designadamente da supervisão prudencial que é a parte
mais importante da supervisão exercida sobre as instituições de crédito. Só deste
modo, definidas estas regras de acesso e de exercício, é que é possível evitar a entrada
no mercado de instituições que possam gerar instabilidade no sistema financeiro. A
intervenção do Banco de Portugal neste processo de autorização de instituições de
crédito, de sociedades financeiras e também de instituições de pagamento, é
fundamental. Os requisitos de acesso à actividade bancária podem ser incluídos em
três grandes grupos que procuram realizar objectivos diferentes embora relacionados
entre si. Estes três grandes grupos de requisitos de acesso à profissão bancária são: 1.
a idoneidade e a qualificação profissional dos órgãos de administração e de fiscalização
da instituição e a idoneidade dos acionistas. Porquê? Esta matéria (estas características
quer dos titulares dos órgãos de administração e de fiscalização quer dos accionistas
das instituições de crédito) foi profundamente alterada em 2014 e contribui para um
aumento do grau de eficiência de todo o sistema financeiro e contribui também para a
manutenção da confiança dos depositantes e de outros consumidores de serviços
financeiros. Esta matéria na Directiva CRD4 55 foi bastante alterada, aliás, hoje o que
está em causa é a adequação dos membros dos órgãos de administração e fiscalização
e dos titulares de funções essenciais nas instituições de crédito. Vejamos o artigo 30º/
1, 2 e 3 (este último remete para o 30º-A, B, C, D, 31º, 31º-A, 32º, etc) da lei bancária-
estes artigos transpuseram a directiva. 2. a viabilidade do plano de actividades- este
plano de actividades está ligado à obtenção de níveis de rendibilidade que assegurem,
a longo prazo, a solvibilidade da instituição de crédito. 3. existência de meios
humanos, técnicos e financeiros que permitam uma adequada gestão e controlo dos
riscos subjacentes às actividades bancárias, porque todos estes meios oferecem uma
base mínima de proteção dos interesses dos credores o que também permite a
prevenção dos efeitos de contágio e de riscos sistémicos. Para a constituição de uma
instituição de crédito, de uma sociedade financeira ou de uma instituição de

53
Não consegui perceber o resto da resposta dada por uma aluna, se é que houve resposta certa.
54
Não foram dados mais nenhuns.
55
Penso ter sido esta a designação.

82

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

pagamento, temos de ter uma autorização do Banco de Portugal sob pena de não se
poder constituir qualquer uma destas entidades. Há situações excecionais em que esta
competência é atribuída ao ministro das finanças, mas a regra é que é da competência
do Banco de Portugal. Os elementos que devem ser apresentados ao Banco de
Portugal, junto com o pedido de constituição de uma instituição de crédito são: a
caracterização do tipo de instituição a constituir; apresentar o projecto do contrato de
sociedade; apresentar um programa de actividades; tem de ser referir a implantação
geográfica dessa instituição; descrever a sua estrutura orgânica; descrever os meios
humanos, técnicos e materiais; referir contas previsionais; identificar os accionistas,
exposição acerca do sistema de governo dessa instituição- tem de ter uma estrutura
organizativa clara, com linhas de responsabilidade bem definidas e transparentes.
Quanto às sociedades financeiras, os elementos a juntar ao pedido de autorização são
diferentes. O Banco de Portugal, para além destes elementos, pode solicitar
informações adicionais, complementares e fazer as averiguações que considerar
necessárias para decidir se autoriza ou não a constituição da entidade em vista. Estas
entidades não podem iniciar a sua actividade enquanto não se encontrarem inscritas
em registo especial no Banco de Portugal- consta no artigo 66º da lei bancária e todos
esses elementos têm de constar do registo. Nos termos dos artigos 30º ss, os membros
dos órgãos de administração e fiscalização e também os titulares de funções essenciais
nas instituições de crédito têm de cumprir esse critério da adequação, estão sujeitos a
requisitos de idoneidade, qualificação profissional, independência e disponibilidade
conforme os artigos subsequentes. Há aqui um controlo desta adequação destas
pessoas para o exercício das respectivas funções, há critérios e procedimentos
aplicáveis ao controlo desta adequação- tudo isto foi alterado em Outubro de 2014. A
finalidade deste controlo é assegurar uma gestão sã e prudente das instituições em
causa porque estão em causa interesses muito vastos, públicos, de terceiros, está em
causa o sistema económico em geral e não só o bancário com a fragilidade que uma
instituição possa ter. Este controlo, hoje mais rigoroso do que antes, é feito em
primeiro lugar pela própria instituição de crédito e depois pelo Banco de Portugal. Este
último, feito pelo banco, não desresponsaliza as instituições supervisionadas pelo
próprio banco nem os accionistas dessas instituições que têm como obrigação aplicar
os critérios de adequação previstos nos artigos 30º ss da lei bancária, relativamente às
pessoas que vão integrar os seus órgãos sociais, designadamente os de administração
e fiscalização e têm essa obrigação durante todo o mandato. Temos de ter em conta
todas estas normas que estão em vigor em matéria de controlo da adequação destes
órgãos. Há necessidade de autorização e depois de registo e sem ele não se pode
iniciar actividade. A autorização do Banco de Portugal concede-se caso a caso, de
acordo com critérios técnico- prudenciais, ou seja, não decide em função das
necessidades económicas do mercado. Por outro lado, esta autorização é
obrigatoriamente comunicada à Autoridade Bancária Europeia que vai inscrever as
instituições de crédito numa lista pública que actualiza no Jornal Oficial de

83

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

Comunidade Europeia- artigo 16º da lei bancária. Esta autorização, seja qual for a
forma que assuma, é um acto emanado pela autoridade competente, que entre nós é
o Banco de Portugal e confere o direito de exercer a actividade de instituição de
crédito, de sociedade financeira, etc, precisamente nos termos do artigo 14º 56.
Portanto é uma autorização administrativa, que se prende com as particularidades da
actividade desenvolvida que é a actividade bancária, porque está em causa um
fortíssimo interesse público na estabilidade do sistema financeiro. Função muito
importante desempenhada pelos bancos e que influencia toda a actividade económica,
daí que há o interessa também na segurança dos clientes dos bancos e é por isso que
se condiciona o acesso à profissão bancária, em virtude deste tipo de interesses.
Temos depois os requisitos dessa autorização e a harmonização mínima deles no
âmbito da UE, que foi necessário consagrar em virtude do passaporte comunitário das
instituições de crédito em geral e dos bancos em especial, que têm toda a liberdade de
prestar serviços e desenvolver as suas actividades no espaço comunitário.

6ª aula de Direito Bancário – 18/03/2015 – Catarina Pereira

Estávamos na análise do processo constitutivo destas entidades que se encontram sob


a supervisão do Banco de Portugal.

Instituições de moeda eletrónica

De facto, na aula anterior, não referi as instituições de pagamento e as instituições de


moeda eletrónica. Estas não são qualificadas nem como instituições de crédito nem
como sociedades financeiras. Já foram qualificadas como instituições de crédito mas
naturalmente não são. Contudo, estão de qualquer forma sujeitas à supervisão do
Banco de Portugal e, portanto, para se constituírem necessitam também da sua
autorização.

Estas instituições de moeda eletrónica são uma novidade relativamente recente entre
nós. O seu regime jurídico teve em vista estender a estas entidades o benefício do
passaporte comunitário. Foram consideradas qualificadas como instituições de crédito,
inicialmente. Enquanto instituições de crédito beneficiaram do passaporte
comunitário. Hoje, não são qualificadas como instituições de crédito, o que não quer
dizer que não beneficiem do passaporte comunitário, em determinada medida, em
determinados moldes. Mas não são qualificadas como instituições de crédito. Teem
56
Professora não diz ao certo qual o artigo, falou no artigo 15º e 14º mas este último adequa-se mais.

84

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

por objeto a emissão de moeda eletrónica. De alguma forma, pode dizer-se que é uma
designação imprópria através da qual se pretendem abranger valores
desmaterializados, ou seja, valores não mobiliários. Valores desmaterializados com a
natureza de meios de pagamento com poder liberatório, suscetíveis de serem aceites
por terceiros, como meio de pagamento.

A professora vai inserir no site o diploma do capital de risco, DL 242/2012

O DL 242/2012, que veio alterar o DL de 2009, refere na sua alínea d) do artigo 2º a


moeda eletrónica – valor monetário armazenado eletronicamente, inclusivamente de
forma magnética, representado por um crédito sobre o emitente, emitido após
receção de notas de banco e moeda escritural para efetuar operações de pagamento
na aceção da alínea g) e que seja aceite por pessoa singular ou coletiva diferente do
emitente de moeda eletrónica).

Não estamos aqui perante um novo tipo de moeda, na é isto que está em causa.
Estamos perante formas diversas de circulação da verdadeira moeda. São formas
diferentes de circulação da moeda formalmente emitida, com base no meio de
pagamento em que esta figura da moeda eletrónica se caracteriza. São formas
diferentes de circulação da moeda formalmente emitida. Esta expressão, valor
monetário, que se utiliza na própria definição de moeda eletrónica é uma expressão
que deve ser entendida com as reservas necessárias. Portanto, enquanto meio de
pagamento totalmente líquido, pagável á vista, representativo de um direito de crédito
junto da entidade emitente da moeda eletrónica. Um direito de crédito a quê? Um
direito de crédito à receção de moedas ou notas de banco. Quem recebe um
pagamento em moeda eletrónica tem junto do emitente da moeda eletrónica, um
direito de crédito de receber moedas de metal ou notas de papel, moedas ou notas de
banco. É este o direito de crédito que tem sobre a entidade emitente.

A utilidade da moeda eletrónica consiste na facilidade, na rapidez e na segurança


inerente ao processo de pagamentos que imprime ao processo de pagamentos com
uma

redução de custos. Portanto, o manuseamento da moeda física e das notas de papel


implica custos muito maiores do que a moeda eletrónica.

Portanto, isto quer dizer que tanto em operações entre empresas integradas no
mesmo grupo, como entre empresas de grupos diferentes, ou então mesmo junto do
público em geral, a moeda eletrónica pode circular no âmbito de específicos
subsistemas de pagamentos de forma a que o último beneficiário possa, junto da
entidade emitente da moeda eletrónica, proceder ao levantamento dos fundos, das
notas de papel ou da moeda metálica, da moeda formalmente emitida pelo banco
precisamente é que tem direito como contrapartida do direito de crédito de que é
efetivamente titular, em virtude do débito da moeda eletrónica.

85

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

Além da atividade de emissão deste meio de pagamento, em forma de moeda


eletrónica, as instituições de moeda eletrónica podem também prestar outros serviços
financeiros, relacionados com a moeda eletrónica, tais como a gestão da moeda
eletrónica. Podem gerir a moeda eletrónica e podem ainda desempenhar outras
funções de caráter operacional que a lei lhes consinta. Por outro lado é preciso ter em
conta que esta atividade das instituições de moeda eletrónica não é exclusiva destas
instituições, é uma atividade que os bancos em geral podem desenvolver, como consta
do artigo 4º da lei bancária. Os bancos, em geral, podem emitir e gerir moeda
eletrónica. Não é uma atividade exclusiva destas instituições.

A moeda eletrónica, enquanto meio de pagamento que efetivamente é, o meio de


pagamento que representa um direito de crédito sobre o emitente, a moeda
eletrónica é emitida contra a receção de fundos, é aceite por outras entidades para
além do emitente.

Por outro lado, os fundos recebidos pelas instituições de moeda eletrónica não podem
ser inferiores ao meio de pagamento que elas próprias emitem, sob pena de
duplicação monetária ou de criação artificial de moeda. Isto em desrespeito à
proibição de conceção de crédito. Estas instituições não podem, naturalmente,
conceder crédito. E por isso só podem emitir moeda eletrónica na medida dos fundos
que tenham recebido e nunca em medida superior aos fundos que efetivamente hajam
recebido. Essa moeda tem que ser totalmente representativa dos fundos que essas
instituições tenham recebido.

Por contrapartida da disponibilização de liquidez, da liquidez consubstanciada na


moeda eletrónica recebida, que passa a poder circular como meio de pagamento,
normalmente procede-se à absorção de liquidez em montante idêntico por força das
entregas efetuadas pelo detentor inicial da moeda eletrónica. Isto quer dizer, sob o
ponto de vista sistémico, isto não significa que a operação também seja
monetariamente neutra. Isto tendo em conta que se o depósito ou a receção inicial de
fundos por parte do emitente não for imediatamente convertida em moeda eletrónica,
há aqui como que um efeito multiplicador dos depósitos, portanto, do crédito. Não é
uma operação totalmente neutra. A moeda eletrónica é reembolsável. É reembolsável
a pedido dos portadores, e durante o respetivo período de validade. É reembolsável
pelo valor nominal em notas ou moedas de banco, ou então por transferência
bancária. E é reembolsável sem outros encargos que não sejam os necessários para a
realização dessa operação. E naturalmente que os termos do reembolso devem
constar do contrato celebrado entre essas instituições e o portador da moeda
eletrónica.

Portanto, naturalmente para o cumprimento das respetivas responsabilidades exige-se


a estas instituições que cumpram determinadas regras prudenciais. Estão sujeitas à

86

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

observância se regras substanciais, tanto estabelecidas na lei como estabelecidas pelo


banco de Portugal. Estão sujeitas à supervisão do banco de Portugal.

Para além disso podem ainda exercer um leque de atividades que a lei lhes consente
ao abrigo desse diploma legal de 2012. Embora este seja o seu objeto principal, podem
ainda desenvolver outras atividades que a lei lhes concede.

Processo de autorização

A construção da união bancária europeia impôs alterações profundas sobre a


organização e o funcionamento dos sistemas bancários de todos os EM da UE. Entre os
instrumentos fundamentais que integram o projeto da união bancária europeia, está a
diretiva CRD IV de que temos vindo a falar ao longo das aulas. Esta diretiva diz respeito
ao acesso à atividade das instituições de crédito e à supervisão prudencial das
instituições de crédito e das empresas de investimento. É a tal diretiva CRD IV.

É um diploma extraordinariamente relevante, foi transposto em Outubro 2014 pelo DL


157/2014, de 24 de Outubro, que introduziu extensas alterações à lei bancária, ao
regime geral das instituições de crédito e sociedades financeiras. Impôs alterações
num leque de matérias com início de vigência em Janeiro de 2015. Este diploma
transpôs para a ordem jurídica nacional a diretiva CRD IV e esta diretiva juntamente
com o regulamento comunitário nº 2013/36 da UE, também da mesma data da
diretiva, de 26 de Junho de 2013. Juntamente com esse regulamento são dois
diplomas que regulam o acesso à atividade bancária, regem a supervisão prudencial e
regem os requisitos prudenciais aplicáveis às instituições de crédito e às empresas de
investimento.

Portanto, o DL que transpôs a diretiva, o DL 157/2014, introduziu, como já sabemos,


importantíssimas alterações na lei bancária e também noutros diplomas que também
regulam a atividade bancaria, outras normas que estão noutros diplomas que não a lei
bancária.

O DL nº 157/2014 resume as alterações que introduziu na lei bancária, na parte que


agora nos interessa, importa ter em conta que reduziu o tipo de entidades
consideradas como instituições de crédito. Como vimos quando analisamos os tipos de
instituições de crédito, os tipos de instituições de crédito foram substancialmente
reduzidos em 2014. Há uma maior coerência entre os tipos e a noção, o conceito, de
instituição de crédito. Uma coerência que não existia antes de 2014. Ou seja, as
sociedades de investimento, as sociedades de locação financeira, as sociedades de
cessão financeira, as sociedades de garantia mútua, passaram a ser consideradas como
sociedades financeiras. Foram desqualificadas como instituições de crédito e passaram
a ser qualificadas como sociedades financeiras. Isto significa que não estão sujeitas a
algumas normas prudenciais que são apenas aplicáveis às instituições de crédito,

87

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

portanto, que recorrem da regulamentação europeia e não se aplicam às sociedades


financeiras.

Foi ainda criada, neste tópico, nesta matéria, a modalidade da sociedade financeira de
crédito, que não existia. Surge em outubro de 2014 com um regime jurídico que
aparentemente é recortado das instituições financeiras de crédito que inexistiam até
outubro de 2014. Surge este novo tipo de sociedade financeira.

Em segundo lugar, surgem novas regras em matéria de governo societário. Em 2014


surgem novas regas em sede de governo societário. Isto em especial no que toca aos
requisitos de idoneidade, de qualificação profissional, de disponibilidade, de
independência dos membros, dos órgãos de administração e fiscalização assim como
dos titulares de funções essenciais das instituições de crédito e sociedades financeiras.
E quais são estes titulares de funções essenciais? São, por exemplo, as funções de
auditoria interna, as funções de controlo e gestão de riscos, as funções de compliance,
etc.. Surgem agora estas novas regras em sede de governo societário.

Portanto, com as alterações que se introduziram, verifica-se a necessidade das


instituições de crédito e das sociedades financeiras elaborarem uma política interna de
seleção e de avaliação da adequação dos membros dos órgãos de administração e
fiscalização e também dos titulares de funções essenciais. Teem que elaborar essa
política interna, é obrigatório nos termos da lei. Se ainda não tiverem essa política
interna teem que a aprovar próxima assembleia geral, nos termos da nova lei.

Por outro lado, são clarificados os critérios pela apreciação pelo banco de Portugal, da
adequação, em especial, da idoneidade dos membros dos órgãos de fiscalização e
administração das instituições de crédito e sociedades financeiras. E também os
titulares de funções essenciais poderão passar a estar sujeito por parte do banco de
Portugal a um processo de avaliação semelhante àquele que vigora para os membros
de administração e fiscalização.

Por outro lado, ainda nesta matéria, impõe-se limites à acumulação de cargos por
parte dos membros dos órgãos de administração e fiscalização das instituições de
crédito e das sociedades financeiras. Prevê-se, designadamente na lei, que é vedado
aos membros dos órgãos de administração e fiscalização acumular mais do que um
cargo executivo. A lei estabelece limites à acumulação de cargos, o que não acontecia
anteriormente. Houve, no passado, titulares de órgãos de administração
simultaneamente em diversas e instituições de créditos, independentemente dos
conflitos de interesses que poderiam surgir. Hoje isso não é possível, a lei proibi isso
expressamente, desde outubro de 2014, em transposição da diretiva CRD IV.

Em terceiro lugar, há regras mais exigentes em matéria de políticas e práticas


remuneratórias. Também isso consta da lei. Isto no que respeita à estrutura e
composição da remuneração, especialmente no que toca à componente variável da

88

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

remuneração. Isto tendo em vista que estas remunerações sejam consentâneas com
uma gestão eficaz dos riscos. Reparem que nem sempre assim foi. Muitas vezes a
componente variável da remuneração dos administradores não era consentânea com
uma gestão eficaz dos riscos. Muitas vezes quanto

mais arriscadas eram as operações, maior era a probabilidade de obtenção de


dividendos por parte da instituição e maior seria a componente variável da respetiva
remuneração. Todas estas práticas e regras foram alteradas tendo em vista uma
gestão mais consentânea com uma maior prudência na contenção dos riscos. Houve
uma maior adequação da política remuneratória. Tudo isto de acordo com a nova lei
bancária.

Por outro lado, em quarto lugar, também se adotaram novas regras em matéria de
gestão de riscos, no que toca à organização interna e às políticas e procedimentos que
devem ser implementados pelas instituições de crédito e pelas sociedades financeiras.

Em quinto lugar, adotaram-se também novas regras em matéria de reservas de fundos


próprios das instituições. Então quer dizer que se prevê a manutenção de uma reserva
de conservação e de uma reserva contra-cíclica específica da instituição. Estas reservas
ficam sujeitas a um regime transitório até ao final de 2018.

Em sexto lugar, há regras aplicáveis à base de contas do sistema bancário. Isto quer
dizer que o sistema bancário, ou que essa base de contas do sistema bancário, passa a
incluir as contas de depósito, as contas de pagamento, as contas de crédito e as contas
de instrumentos financeiros. E as sociedades financeiras e as instituições de crédito
devem enviar ao banco de Portugal todas as informações sobre essas contas.

Em sétimo lugar, há uma obrigatoriedade de registo e de comunicação ao Banco de


Portugal de todas as operações de pagamento com jurisdições offshore, ainda em
termos a definir pelo Banco de Portugal.

Por último, há também várias alterações no regime sancionatório com vista a tornar
mais eficaz o regime ou o processo contraordenacional.

Política interna de seleção e de avaliação de membros dos órgãos sociais e dos


titulares de funções essenciais

Quanto à política interna de seleção e de avaliação dos membros dos órgãos sociais
(órgãos de administração e de fiscalização) e dos titulares de funções essenciais. Já em
abril de 2013, a autoridade bancária europeia tinha divulgado estas orientações acerca
desta matéria, sobre a avaliação da aptidão dos membros destes órgãos sociais e dos
titulares de funções essenciais. Aqui já se incluía a necessidade de uma política de
seleção e de uma política de avaliação e, portanto, já se impunha a necessidade das
instituições de crédito adotarem e elaborarem internamente essa política. Isso veio a
ser tornado obrigatório entre nós, como vimos, pelo DL 157/2014. Consta do artigo
89

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

30º-A da lei Bancária, a exigência de uma política interna de seleção e avaliação da


adequação dos membros da administração e fiscalização das instituições de crédito.

Ainda nos termos do artigo 30º-A da lei bancaria, verifica-se a exigência de que os
resultados de qualquer avaliação ou reavaliação constarem de um relatório. Relatório
este que, no caso de avaliação de pessoas de cargos eletivos, deve ser colocado à
disposição da assembleia geral, no âmbito das respetivas informações preparatórias. E
naturalmente que este relatório deve acompanhar o requerimento de autorização
para o exercício de funções que é dirigido ao banco de Portugal.

Por outro lado, nos termos do artigo 33º-A da lei bancária, esta política interna deve
abranger os titulares de funções essenciais.

O conteúdo desta política interna, desta política de seleção e avaliação da adequação


dos membros da administração e fiscalização, que também se vai aplicar com as
necessárias adaptações aos titulares de funções essenciais, o que é que deve abranger
nos termos dos artigos 30º e seguintes da lei bancaria?

1. Em primeiro lugar, deve atender, naturalmente, a esses critérios dos artigos 30º e
seguintes: deve promover a diversidade de qualificações e competências necessárias
para o exercício das funções, fixando objetivos para a representação de homens e
mulheres e concedendo uma política destinada a aumentar o número de pessoas do
género sub-representado com vista a atingir os respetivos objetivos (artigo 30º/6). Isto
não existia antes de outubro de 2014, está aqui a igualdade de género como critério de
política interna. Um dos critérios que deve ser adotado na política interna de cada
instituição de crédito. 2. Artigos 30º-A/2 e 33º/9 da lei bancária. São elementos que
devem constar obrigatoriamente da política interna de cada uma das instituições de
crédito e depois também de cada uma das sociedades financeiras, por remissão na
respetiva secção para este mesmo regime jurídico.

Tínhamos visto que há uma necessidade de autorização e de registo para que cada
instituição possa efetivamente começar a laborar. Necessidade de autorização e de
registo junto do Banco de Portugal.

Tínhamos visto que no âmbito dos requisitos de autorização há uma harmonização


mínima. Os estados membros da UE fixaram as condições de concessão dessa
autorização pelas autoridades competentes de cada um dos estados. As autoridades
nacionais (banco Portugal), as autoridades nacionais habilitadas para o efeito de
controlar as instituições de crédito, fazem-no de acordo com determinados
parâmetros que estão no espaço europeu devidamente harmonizados. Há aqui uma
harmonização mínima. Há aqui um conjunto de harmonizações mínimas consideradas
indispensáveis para que a autorização fosse concedida por cada uma das autoridades
nacionais competentes, por força da criação do mercado europeu bancário. Por força
do reconhecimento mútuo do passaporte comunitário. Por exemplo, para que França

90

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

reconhecesse uma instituição de crédito autorizada em Portugal era necessário que os


requisitos exigidos aqui fossem semelhantes àqueles que são exigidos pela lei francesa,
e vice-versa, sob pena de o mercado bancário não funcionar. Essa harmonização
mínima impôs-se através da imposição de requisitos considerados indispensáveis no
espaço europeu.

E assim aconteceu com a nossa lei bancária, que adotou também esses requisitos
mínimos.

Forma jurídica das instituições de crédito

Quanto à forma jurídica, também já sabemos que só pode ser autorizada instituição de
crédito que corresponda a um dos tipos previstos na lei portuguesa. Que adote a
forma de sociedade anónima, salvo quanto às caixas económicas que não são
sociedades anónimas, e quanto às caixas de crédito agrícola mútuo que também não
são sociedades anónimas. Em princípio terá que ter a forma de sociedade anónima e
tem que ter por objeto exclusivo o exercício da atividade permitida pelo artigo 4º da lei
bancária, que estabelece o modelo da banca universal. Isto de acordo com o artigo 14º
da lei bancária e artigo 4º alíneas a), b) e c).

Por outro lado, ainda de acordo com o artigo 14º/1/d), tem que ter um capital social
não inferior ao mínimo legal e representado por ações nominativas. Portanto, é outro
dos requisitos. Porque é que tem que ser representado por ações nominativas e não
pode ser representado também por ações ao portador? Já pode, no passado. Porque é
que, diferentemente de outras sociedades anónimas, aqui o capital social não pode ser
representado também por ações ao portador? Para facilitar o controlo dos acionistas,
não é permitido que o capital seja representado por ações ao portador. Tem que ter
um capital social não inferior ao mínimo legal, e a ratio legis desta norma é evidente: é
garantir que desde a sua constituição, desde a origem, as instituições de crédito
tenham liquidez. Tenham liquidez e tenha solidez financeira, para que com viabilidade
iniciarem o exercício da sua atividade e, portanto, assegurarem à sua clientela um nível
de segurança satisfatório. Para que também não ponham em risco a segurança do
sistema financeiro. A violação deste requisito constituiu um ilícito de mera ordenação
social punível com coima.

Requisitos quanto à administração das instituições de crédito

Depois temos requisitos quanto à administração. Nos termos do artigo 15º, o órgão de
administração das instituições de crédito deve ser constituído por um mínimo de três
membros com poderes de orientação efetiva da atividade da instituição. A gestão
corrente da instituição deverá ser confiada a pelo menos dois dos membros do órgão
de administração. Estas pessoas teem que cumprir aqueles requisitos de que falei, os
requisitos da adequação, dos artigos 30º e seguintes. Teem que dar garantias,

91

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

designadamente, de uma gestão sã e prudente, garantias de uma segurança dos


fundos confiados à instituição de crédito.

Aqui vai ser tida em conta a sua experiencia profissional, vão ser tidos em conta
aspetos, como por exemplo, aqueles que revelem alguma incapacidade da parte
destas pessoas para decidir de forma ponderada e de forma criteriosa, aspetos que
revelem alguma incapacidade para cumprir pontualmente as suas obrigações, vai
haver aqui um escrutínio de determinadas dimensões da sua vida, determinadas
dimensões da sua atividade profissional e até da sua personalidade. Tem que haver
aqui alguma preservação da confiança do mercado, nos termos dos artigos 30º e
seguintes. Esse rigor aumentou após a reforma de outubro de 2014.

Por outro lado, nos termos do artigo 14º/1/e), as instituições de crédito, com sede em
Portugal, deve ter a sede principal e efetiva da administração situada em Portugal. É
outro requisito que a lei aqui estabelece. A sede efetiva em Portugal. A exigência de
que a administração central de uma instituição de crédito se situe no estado da
respetiva sede estatutária. É o que está aqui em jogo, que a sede que a administração
central se situe no estado da respetiva sede estatutária. É esse o pressuposto que está
subjacente ou prevista na alínea e), do nº1, do artigo 14º.

Por outro lado, está também em jogo a consideração da idoneidade dos grandes
acionistas, portanto, dos detentores de participações qualificadas. Naturalmente que a
credibilidade de uma instituição de crédito repousa ainda na idoneidade dos grandes
acionistas, nos acionistas de referência, dos acionistas detentores de participações
qualificadas. Há também que apreciar a idoneidade desses grandes acionistas.

Por outro lado, há que ter em conta a estrutura do grupo. Apreciar a estrutura do
grupo a que pertence a instituição de crédito. O Banco de Portugal vai ter que ter em
conta também a estrutura do grupo em que se integra a instituição de crédito a
constituir. Para quê? Para verificar se essa estrutura em que se vai integrar essa
instituição de crédito permite ou dificulta um exercício da supervisão por parte do
Banco de Portugal. Há também que ter em conta essa estrutura de grupo.

Por outro lado, está também em jogo o programa de atividades. O Banco de Portugal
vai apreciar igualmente o plano de atividades. O plano de atividades é um dos
elementos que deve ser junto ao pedido de autorização, nos termos do artigo 17º da
lei bancária. É necessário que se junte esse programa de atividades. O Banco de
Portugal vai ter em conta se a instituição dispõe ou não dos meios técnicos e dos
recursos financeiros suficientes para a prossecução das operações que pretende
realizar. Se chegar à conclusão que não dispõe dos meios técnicos nem dos recursos
financeiros idóneos para o desenvolvimento das atividades ou das operações que se
propõe recusa a respetiva autorização.

92

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

No caso de filiais é necessário proceder a uma consulta prévia. A autorização para


constituir, em Portugal, uma instituição de crédito que seja uma filial, por exemplo, de
uma instituição de crédito autorizada noutro estado-membro, pressupõe uma consulta
prévia às autoridades competentes do respetivo estado-membro da UE. O Banco de
Portugal vai consultar o Banco central, se essa for a entidade competente, de outro EM
da UE, antes de decidir se autoriza ou não a constituição dessa mesma filial. Temos
aqui a constituição de uma pessoa jurídica, dentro da instituição de crédito constituída
dentro de outro EM da UE, e daí se pressuponha ou se exija a autorização do Banco de
Portugal. Não é a constituição de uma sucursal, mas sim de uma filial, que é uma
pessoa jurídica distinta, ao contrário de uma sucursal. Como tal, pressupõe a
autorização de uma entidade competente, que é o Banco de Portugal. Como qualquer
outra instituição de crédito que se queira constituir no nosso país, também a filial
precisa da autorização por parte da entidade competente, o nosso Banco Central.

Condições de exercício da atividade bancária

Quanto as condições de exercício da atividade bancária. Essas condições de exercício


são, ou traduzem-se, na manutenção, na preservação, das condições de acesso. Para
que se exerça a atividade bancária é necessário que se preservem as condições de
acesso, que se continuem a cumprir as condições de acesso, as condições permitiram a
obtenção da autorização para o exercício dessa mesma atividade. Se essas condições
desaparecerem naturalmente que não pode continuar-se a exercer a atividade
bancária. É necessário o cumprimento permanente das condições de acesso. As
condições que são exigidas para permitir o acesso à profissão bancária, devem ser
permanentemente respeitadas e cumpridas no seu exercício. Portanto, o mesmo é
dizer que as condições de acesso são simultaneamente condições de exercícios da
atividade bancária.

Depois, é necessário que se mantenha a autorização concedida pelo Banco de


Portugal, que a autorização não caduque. A autorização pode caducar se: 1) os
requerentes renunciarem à autorização expressamente; 2) ou se a instituição não for
constituída dentro de determinado prazo; 3) ou se não iniciar a atividade dentro de
determinado prazo; 4) ou se a instituição for dissolvida. Portanto, é necessário que se
mantenha a autorização. Artigo 21º da lei bancária.

Por outro lado, é necessário que a autorização não seja revogada, nos termos do artigo
22º da lei bancária. A autorização pode ser revogada se: 1) tiver ser obtido por meio de
falsas declarações ou outros expedientes; 2) se deixar de se verificar algum dos
requisitos estabelecidos no artigo 14º; 3) se a atividade da instituição de crédito não
corresponder ao objeto; etc.. É necessário que não seja revogada a autorização, é uma

93

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

condição de exercício da atividade bancária. A revogação da autorização é da


competência da autoridade de supervisão bancária, a revogação da autorização é da
competência do Banco de Portugal. A revogação deve ser fundamentada, deve ser
notificada à respetiva instituição de crédito e deve ser comunicada às autoridades de
supervisão dos estados-membros da UE, onde essa instituição de crédito tenha
sucursais ou preste serviços, nos termos do artigo 22º/3. O Banco de Portugal vai dar à
decisão de revogação a publicidade que achar pertinente e vai adotar as medidas
necessárias que considere necessárias para o encerramento imediato de todos os
estabelecimentos dessa instituição, cuja autorização revogou.

Vamos ver agora o monopólio bancário, o seu objeto e o seu fundamento.

Já sabemos qual é o objeto do monopólio bancário, é a intermediação creditícia. E qual


é o fundamento?

A professora divagou, os alunos falaram e, no final, não se respondeu concretamente à


questão do fundamento.

De que é que se fala tanto quando se fala destes desastres como o BPN, o BPP, o BES?
Segurança dos depositantes, segurança do sistema bancário.

O sistema bancário, sistema financeiro e sistema económico: gradualmente, são estes


os três.

Nós temos aqui que o cumprimento permanente das condições de acesso ao exercício
da atividade bancária é necessário mas não é suficiente para garantir o êxito ou o
sucesso contínuo da respetiva atividade.

Portanto, uma gestão sã e prudente de uma instituição de crédito ou de uma


sociedade financeira pressupõe a observância de regras e obrigações que permitam a
todo o tempo, a qualquer momento, mensurar os riscos assumidos e mensurar os
riscos suscetíveis de virem a ser assumidos e mensurar também a rendibilidade da sua
atividade para assegurar ou garantir, em permanência, níveis adequados de liquidez e
de solvabilidade.

É precisamente em nome destes objetivos que existem a regulação e a supervisão


prudenciais. Temos aqui normas de conduta, normas de conduta pré-estabelecidas,
que as instituições de crédito e as sociedades financeiras devem observar, devem
observar continuadamente no exercício da sua atividade. Portanto, precisamente para
evitar uma assunção de riscos excessivos que sejam suscetíveis de ameaçar a sua
estabilidade, que sejam suscetíveis de ameaçar a sua liquidez, que sejam suscetíveis de
ameaçar a sua solvabilidade. É necessário assegurar uma gestão sã e prudente destas
instituições.

94

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

Estas normas prudenciais são normas que repousam em instrumentos técnicos de


gestão. Instrumentos que são fundamentais na revelação permanente da situação da
empresa e que são indispensáveis ao exercício do controlo por parte da entidade
supervisora e também por parte do órgão de controlo interno da própria instituição.
Portanto, há que observar estas regras para prevenir crises, para evitar dificuldades.
No caso das instituições de crédito vão atingir necessariamente os depositantes, crises
que acabam por se refletir nos depositantes, acabam por atingir a estabilidade e a
credibilidade do sistema bancário e, consequentemente, do sistema financeiro e,
portanto, as pessoas em geral e a economia em geral. Há que evitar esse tipo de crise,
de dificuldade.

Aqui, à semelhança do que acontece no caso do acesso à atividade bancária, no que


toca ao exercício da atividade bancária há uma harmonização mínima a nível europeu,
de normas e de controlo prudenciais. Também aqui se procedeu a essa harmonização.
Há aqui um denominador comum no espaço europeu, naquilo que toca à linha de
conduta das instituições de crédito e das sociedades financeiras. Portanto, um
denominador comum que é forçosamente indispensável para a confiança recíproca
dos estados-membros da UE, na construção do mercado único bancário. Sem este
denominador comum não era possível o funcionamento deste mercado europeu
bancário, não era possível o princípio do reconhecimento mútuo que vigora neste
mercado, nem era possível a aplicação do princípio do controlo pelo estado de origem,
ou da supervisão pelo estado de origem.

Também aqui não se entendeu bem de onde surgiu esta afirmação. Os alunos estavam
a falar, não se percebia o que diziam, e a professora disse isto.

Portanto, não basta a existência de normas prudenciais, de regras prudenciais. É


necessário a supervisão prudencial.

Muitas vezes a lei e a doutrina utilizam como sinónimos estes termos, regulação e
supervisão prudenciais. O termo regulação é utilizado em sentido amplo, abrangendo
a supervisão. Todavia, em termos teóricos, seja rigorosa separar a regulação da
supervisão. A emanação de normas em si mesmas da própria supervisão, do controlo
da observância dessas mesmas normas. Na prática, usam-se indistintamente os dois
termos como sinónimos, a supervisão e a regulação prudenciais. A própria lei utiliza os
dois termos como sinónimos, até porque, muitas vezes, a lei bancária não é feita por
juristas.

As instituições de crédito e as sociedades financeiras estão sujeitas à supervisão do


Banco de Portugal.

Temos um mecanismo único de supervisão, as instituições de crédito significativas


estão sujeitas ao mecanismo único de supervisão, à supervisão a nível europeu.

95

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

Mas não falando agora nisso, a supervisão compete ao Banco de Portugal. Estas
instituições devem observar as regras prudenciais. A observância destas regras visam
controlar os riscos inerentes ao exercício da atividade bancária. Por outro lado, como
se viu, tem-se em vista garantir a solvabilidade e a solidez financeira destas instituições
e, portanto, manter a estabilidade e manter a confiança nessa estabilidade no sistema
financeiro. Por outro lado, tem-se também em vista proteger os utilizadores, ou seja,
os depositantes, os investidores, protegê-los contra perdas resultantes de uma má
gestão, de uma gestão que não seja sã e prudente, protege-los contra fraudes,
protege-los contra insolvências de fornecedores de serviços financeiros. Tem que se
proteger os utilizadores do sistema bancário e do sistema financeiro.

A lei bancária tem aqui um papel muito importante, um papel central na


regulamentação prudencial. E, portanto, esta lei bancária também reflete, em ampla
medida, as diretivas comunitárias relativas à atividade bancária. Temos aqui uma
regulamentação, como se viu, minimamente harmonizada nesta matéria. Isto em
matérias tão diferentes, como a matéria de adequação de fundos próprios, como a
matéria dos limites de concentração de riscos ou então a matéria da supervisão em
base consolidada, etc.. Harmonização em matérias muito distintas no que toca à
regulamentação prudencial. Há também matérias que não estão ainda harmonizadas
em sede prudencial. Portanto, em que o estabelecimento de regras prudenciais
compete às autoridades competentes a nível nacional que, entre nós, é o Banco de
Portugal.

A maioria dos limites estabelecidos no âmbito das regras prudenciais assenta no


conceito de fundos próprios. É um conceito muito importante em termos de regras
prudenciais. Umas das principais regras prudenciais consiste na imposição de
requisitos de fundos próprios em função dos riscos decorrentes da atividade
desenvolvida, designadamente, dos riscos decorrentes da atividade do crédito, do
risco de mercado e do risco operacional. Nós aqui temos vários acordos: acordo de
Basileia I, acordo de Basileia II e o acordo de Basileia III. O que nos interessa,
fundamentalmente, é o acordo de Basileia III.

Outro princípio muito importante no controlo dos riscos de uma instituição, consiste
na imposição de limites à concentração das posições credoras assumidas perante um
cliente ou grupo de clientes, grupo de clientes ligados entre si. Portanto, também é
outro princípio muito importante em sede prudencial.

No âmbito ainda das regras prudenciais são também estabelecidos limites à


participação noutras sociedades. Para além do contexto da prevenção de conflitos de
interesses, existem limites à concessão de crédito a acionistas detentores de
participações qualificadas.

96

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

Por outro lado, as instituições estão também obrigadas a manter um equilíbrio


adequado entre fluxos financeiros associados às rúbricas do balanço. Temos aqui
fundamentalmente regras prudenciais de natureza preventiva que são
complementadas por regras prudenciais de caráter corretivo. Por exemplo, regras
prudenciais que exigem níveis mínimas de provisionamento de créditos vencidos, aqui
são de natureza corretiva.

Existem ainda outras regras prudenciais. Por exemplo, as instituições de crédito podem
deter imóveis que sejam indispensáveis à sua instalação mas é-lhes limitado o
exercício de atividades não financeiras.

O estabelecimento de regras prudenciais mínimas tem em vista criar uma base


uniforme de enquadramento para a atuação das instituições no mercado. Nós temos
aqui regras que são incumprimento de uma gestão sã e prudente. Regras que não vão
nunca substituir sistemas de avaliação de uma gestão sã e prudente. Sistemas de
controlo interno de riscos. Portanto, sistemas que devem ser desenvolvidos pelas
próprias instituições, uma vez que são sistemas internos de controlo que as
instituições de crédito teem obrigatoriamente que ter, nos termos da lei.

O Banco de Portugal definiu, através de avisos, conjuntos amplos de requisitos de


controlo interno que as instituições que são por ele supervisionadas devem respeitar,
são sistemas de controlo interno que todas essas instituições (instituições de crédito,
instituições de pagamento, instituições de moeda eletrónica, sociedades financeiras e
outras) teem que respeitar. Sistemas de controlo interno para garantir o cumprimento
das obrigações legais, para garantir o cumprimento de uma gestão sã e prudente, para
garantir a solvabilidade e a liquidez dessas instituições. O Banco de Portugal analisa a
informação que lhe é reportada numa base sistemática pelas diversas instituições que
estão sujeitas à sua supervisão, estes campos que são obrigatórios encontram-se
definidos através de avisos elaborados, emitidos, pelo Banco de Portugal. Este controlo
ficou mais restrito a partir da crise do Verão de 2007, a partir daí restringiu-se o
liberalismo que parecia haver até lá. Isto também se verifica quanto aos grupos
financeiros, não só às sociedades financeiras e as instituições de crédito, mas também
aos grupos financeiros globalmente considerados.

A supervisão pelo Banco de Portugal também abrange os grupos em que as instituições


de crédito e as sociedades financeiras se integram. Os sistemas financeiros teem
evoluído nesse sentido, no sentido da constituição de grupos que fornecem serviços
em diversos setores de atividade. Essa supervisão é feita de forma articulada com os
outros supervisores. Há uma articulação com a Autoridade para os Seguros e para os
Fundos de Pensões (a professora não tinha a certeza se era esta a denominação) e com
a CMVM. Há uma articulação entre os diversos supervisores de forma a proceder a
uma supervisão adequada desses conglomerados financeiros, precisamente porque os
sistemas financeiros evoluíram nesse sentido. Há legislação nesse sentido também de

97

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

2015, no sentido de estabelecer essa colaboração entre esses diferentes supervisores


porque no passado nem sempre existiu, no sentido de impor e de facilitar na prática o
relacionamento entre os vários supervisores no sentido dessa supervisão transversal
ser efetivamente realizada.

A par do autocontrolo ou do controlo interno de cada uma dessas instituições nós


temos a supervisão prudencial para prevenir crises de liquidez, para prevenir crises de
solvabilidade das diversas instituições supervisionadas pelo Banco de Portugal.

Já vimos que compete ao Banco de Portugal autorizar a constituição de instituições de


crédito, de sociedades financeiras, de instituições de pagamento e de instituições de
moeda eletrónica, é da sua competência autorizar ou recusar a autorização à
constituição dessas instituições e é da sua competência acompanhar a atividade destas
instituições, acompanhar o exercício da atividade destas instituições, vigiar a
observância das normas prudenciais por parte destas instituições, normas prudenciais
que disciplinam a respetiva atividade.

Compete também ao Banco de Portugal emitir recomendações para o exercício dessa


mesma atividade, emitir recomendações designadamente para que sejam sanadas
irregularidades que sejam detetadas no exercício dessa mesma atividade.

E compete ainda ao Banco de Portugal sancionar as infrações detetadas e adotar


medidas extraordinárias que se afigurem necessárias para essas mesmas infrações
cometidas por essas instituições.

Portanto, a supervisão, como vimos, tem por objetivo último a estabilidade financeira
das instituições e a segurança dos fundos que foram confiados a essas instituições.
Essa atividade de supervisão sendo, sobretudo, preventiva, daí a designação de
supervisão prudencial, sendo sobretudo preventiva, não substitui a gestão competente
dessas mesmas instituições e também não substitui o controlo interno, eficaz, das
instituições de crédito e sociedades financeiras. E não substitui também o papel
desempenhado pelos auditores, que é um papel fundamental, auditores internos e
auditores externos dessas instituições.

Como vimos a lei a prevê regras de acesso à atividade bancária e com essas regras
pretende evitar-se que atuem no mercado bancário entidades de reputação duvidosa
que ponham em risco a estabilidade do mercado bancário por não terem solidez
financeira suficiente para o exercício da respetiva atividade.

Já vimos quais são essas regras de acesso, os requisitos essenciais para que se conceda
autorização ao exercício da atividade bancária e, uma vez conseguida autorização para
o exercício, o Banco de Portugal acompanha sistematicamente e continuadamente a
atividade dessas atividades. Velando pela observância das regras prudenciais e
adotando todo um conjunto de procedimento de supervisão. Adota ações de inspeção

98

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

às diversas instituições de crédito, sociedades financeiras, etc., pode adotar esse tipo
de procedimento, ações de inspeção. Como vimos também, analisa todos os reportes
que lhe são feitos numa base regular. Para além de outros procedimentos que possa
adotar.

Temos aqui todo um conjunto de regras prudenciais que é necessário observar para
que se respeite a estabilidade do sistema financeiro. 4

Temos várias faculdades, vários poderes que o Banco de Portugal tem. Desde logo
pode revogar a própria autorização que concedeu à instituição de crédito
supervisionada.

Mecanismo único de supervisão (MUS)

Vamos ver rapidamente o que consiste o mecanismo único de supervisão.

O mecanismo único de supervisão, chamado MUS, é o sistema europeu de supervisão


bancária e está em funcionamento desde 4 de novembro de 2014.

O MUS tem como objetivos garantir a segurança e a solidez do sistema bancário


europeu e promover a integração e a estabilidade financeira na Europa.

Como é que é composto este MUS? É composto pelo Banco Central Europeu (BCE) e
pelas autoridades nacionais competentes dos estados-membros da área euro, da zona
do euro. Entre nós, é o Banco de Portugal.

Podem ainda participar no MUS outros estados-membros da UE que estabeleçam com


o BCE uma cooperação estreita neste domínio.

O BCE supervisiona diretamente instituições de crédito significativas. As autoridades


nacionais competentes dos estados supervisionam as restantes instituições de crédito
e supervisionam em estreita colaboração com o BCE. O BCE pode assumir a qualquer
tempo a supervisão de instituições de crédito menos significativas.

Este MUS é considerado o primeiro passo para a criação de uma união bancária. É
considerado também uma etapa fundamental na concretização de uma verdadeira e
própria união económica e monetária na europa.

A prazo, a união bancária vai assentar em três pilares que são complementares:

1. Mecanismo único de supervisão (MUS). 2. Mecanismo único de resolução (ainda não


existe). 3. Sistema comum de garantia de depósitos (ainda não existe).

Estes serão os três pilares da união bancária. Para já temos o primeiro apenas.

Fez-se uma pausa porque uma colega fez uma questão, a qual não ouvi. Contudo, a
resposta da professora foi a seguinte: “Não há supervisores no Banco de Portugal.”.

99

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

Este MUS é composto pelo BCE e pelas autoridades nacionais competentes dos
estados-membros da área europa. Já vimos que podem participar aqui também outros
estados-membros.

A união bancária vai ter esses três pilares a médio ou longo prazo.

É preciso ter em conta que este mecanismo único de resolução ainda não existe. Mas
para já temos um mecanismo único de resolução nacional que é relativamente
recente. Reparem que ele não existe desde outubro de 2014, ele já tinha sido imposto
pela Troika, pelo memorando da Troika. Ele resulta da diretiva mas já resultava de uma
imposição da troika.

Este mecanismo único de resolução dos bancos, tal como foi adotada a propósito do
BES, vai permitir a resolução das instituições sem afetar a estabilidade sistémica e a
situação financeira dos países onde essas instituições atuam.

O sistema comum de garantia de depósitos visa reduzir a probabilidade de ocorrerem


fenómenos de corrida aos depósitos. Estas corridas aos depósitos ocorrem quando há
situações de contágio e isto condiciona rapidamente a liquidez do sistema. Se há uma
situação de contágio de bancos, todos os depositantes correm aos balcões dos bancos
para levantar os respetivos fundos e isto naturalmente põe em risco a liquidez do
sistema bancário e do sistema financeiro.

Portanto, os três pilares da união bancária teem como pressuposto a existência de um


conjunto de regras prudenciais. Conjunto este de regras prudenciais que poderá ser
flexibilizado por vários motivos, designadamente por motivos de política macro-
prudencial que está sujeito a coordenação ao nível da união europeia.

Ora, nós também sabemos que vigora o princípio da competência dos estadomembros
de origem e o princípio do reconhecimento mútuo.

O princípio da supervisão prudencial pelo país de origem, é um prolongamento natural


da autorização única e do passaporte comunitário. Foi introduzido pela diretiva da
coordenação bancária. Se o país A, membro da união europeia, autoriza a instituição X
a exercer a atividade bancária e se na UE vigora o princípio da autorização única, se
este banco X pode desenvolver a sua atividade nos outros países da UE,
designadamente mediante sucursais, então isto significa que o controlo prudencial
pertence à autoridade nacional competente do estado que autorizou a sua
constituição. Este princípio do controlo pelo estado de origem é um prolongamento
natural do passaporte comunitário. O controlo da atividade desenvolvida pela sucursal
deste banco no país B não pertence à autoridade nacional do país B, ao banco central
desse país, mas à autoridade nacional competente do país de origem, portanto, como
prolongamento natural do princípio do passaporte comunitário. A atividade exercida
mediante sucursal ou mediante a livre prestação de serviços noutros países membros

100

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

está sob o controlo ou a vigilância das autoridades nacionais do estado-membro em


que foi autorizada a instituição de crédito. Portanto, vale aqui o princípio do
reconhecimento mútuo também do controlo das competências dos estados-membros.

Temos depois a competência do governo, a superintendência do ministro das finanças.


Ora, o poder de polícia da atividade financeira é um poder que é repartido pela
superintendência do ministro das finanças e pela supervisão do Banco de Portugal, da
CMVM e da autoridade dos seguros e dos fundos de pensões. Portanto, autoridades
estas, ou supervisores estes, entidades estas aliás, que são coordenados pelo Conselho
Nacional de Supervisores Financeiros. Compreende-se esta superintendência do
ministro das finanças. E compreende-se porquê esta superintendência do ministro das
finanças? Precisamente no quadro da vigilância ou no quadro da supervisão geral da
economia nacional. Precisamente em nome da ordem pública de direção. Portanto, a
ordem pública monetária. Porquê? Porque os bancos criam moeda e os bancos
desempenham um papel de longa manus no exercício da atividade económico-
financeira e também social, de alguma forma, essa política que é desenhada pelo
próprio governo. Daí que se compreenda a superintendência do ministro das finanças,
designadamente no que toca à política de crédito e à política de controlo da inflação.
Portanto, e isto atendendo também ao monopólio da atividade bancária que está
estabelecido na lei.

Na base desta preocupação, o que é que está? Está a segurança do público e a


segurança do sistema financeiro. É o que está na base desta preocupação, ou seja, os
depositantes devem confiar no reembolso dos seus fundos. E isto naturalmente passa
pela estabilidade e pela solidez dos bancos. Isto para que o público possa acreditar na
fiabilidade dos bancos, na credibilidade dos bancos e possa acreditar na consistência
do próprio sistema bancário e do próprio sistema financeiro em geral.

Qual é o papel do Banco de Portugal? Portanto, o Banco de Portugal, aqui interessa a


lei orgânica do Banco de Portugal, tem competência na orientação e fiscalização dos
mercados monetário e cambial. Tem aqui competências relevantes, naturalmente que
tem que agir de acordo com as normas que são aprovadas pelo Banco Central
Europeu. Não pode agir com desconhecimento dessas normas. O Banco de Portugal
tem também competências, de acordo com a respetiva lei orgânica, na supervisão das
instituições de crédito e das sociedades financeiras. Portanto, tem competências de
supervisão em sentido amplo e competências de supervisão prudencial.

Vamos ver na próxima aula em que é que consiste essa supervisão em sentido amplo.
A supervisão comportamental e a supervisão prudencial.

7ª aula – 8/4/2015 – Sara Azevedo

101

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

Esclarecimento relativamente ao Manual da disciplina: O livro do professor Menezes


Cordeiro é o mais atualizado do mercado, embora não esteja atualizado.

Na aula anterior tínhamos ficado aqui na análise de algumas das competências do


banco de Portugal, e tínhamos visto que o Banco de Portugal tinha competências para
orientar e também para fiscalizar os mercados monetário e cambial. Mas o Banco de
Portugal, para além dessa competência de acordo com a respetiva Lei orgânica, tem
também outras competências. Como todos sabem, esta é uma competência
tradicional e por excelência de todos os bancos centrais (hoje, e como vamos ver mais
à frente, um pouco mais limitada do que até aqui era) que é a da supervisão das
instituições de crédito e sociedades financeiras.

Aqui penso que tínhamos visto a distinção entre supervisão comportamental e


supervisão prudencial. Na supervisão em sentido amplo, exercida pelo Banco de
Portugal, integra-se a supervisão comportamental e a supervisão prudencial; isto é
uma atribuição do Banco de Portugal, nos termos da respetiva Lei Orgânica: exercer a
supervisão das instituições de crédito e sociedades financeiras, e não só, também de
outras entidades cuja supervisão lhes esteja legalmente atribuída. Portanto, não é só
das Instituições de crédito e das Sociedades Financeiras, há também outras instituições
cuja supervisão, nos termos da lei, compete ao Banco de Portugal.

O Banco Portugal, no exercício desta competência/ atribuição legal vai estabelecer


determinadas diretrizes ou diretivas através de avisos, através das instruções que,
normalmente vêm publicadas na II série do DR, avisos e instruções precisamente para
a atuação dessa mesma competência de supervisão, isto nos termos da Lei Orgânica
do Banco de Portugal.

Também a Lei Bancária, o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades


Financeiras atribui ao Banco de Portugal esta competência de supervisão de
Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, muito em especial a supervisão
prudencial.

E Esta supervisão, exercida pelo nosso banco central, estende-se também,


naturalmente, às atividades que sejam exercidas no estrangeiro, mediante sucursais
ou em regime de livre prestação de serviços; portanto, é uma supervisão que abrange
também essa atividade, de acordo aliás com o regime previsto na Lei Orgânica do
Banco de Portugal.

De acordo com a Lei Bancária, compete em especial ao Banco de Portugal, no exercício


das funções ou competências de supervisão, acompanhar a atividade das instituições
de crédito, vigiar a observância, por estas instituições, das normas que disciplinam a
sua atividade, e compete também ao Banco de Portugal emitir recomendações no
sentido da sanação de irregularidades que sejam detetadas pelo Banco de Portugal
nessas instituições; portanto, o Banco de Portugal tem competência para emitir

102

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

recomendações precisamente no sentido de sanar essas irregularidades e,


naturalmente, tem competência para adotar outro tipo de medidas que se afigurem
idóneas para essas situações. E competência para sancionar as infrações cometidas
pelas entidades supervisionadas.

Temos aqui o exercício da supervisão pelo Banco Central, uma supervisão em sentido
amplo, no sentido de que o Banco de Portugal acompanha a atividade desenvolvida
pelas entidades supervisionadas. Vai controlar, vigiar o cumprimento, por parte de
todas estas entidades, das obrigações a que estas entidades se encontram vinculadas,
dos constrangimentos a que se encontram adstritas, que lhes são impostas por
normas, legais, regulamentares ou de outra natureza (designadamente administrativa)
e que estas entidades terão de observar, designadamente no que toca às normas
prudenciais.

Temos desde logo aqui a supervisão prudencial, que se traduz fundamentalmente na


vigilância, na fiscalização e no controlo das regras de uma gestão sã e prudente por
parte das entidades vigiadas.

O que se visa com isto? Naturalmente que se visa, com o exercício desta supervisão,
assegurar o equilíbrio financeiro, com níveis adequados de liquidez e solvabilidades
dessas entidades. Mas esta supervisão, como vimos, não esgota as competências de
supervisão atribuídas ao Banco de Portugal. A supervisão prudencial é a fatia mais
importante desta competência conferida ao Banco Central, da supervisão em sentido
amplo que a lei atribui ao banco de Portugal, mas não é a única; temos também a
supervisão comportamental, que compete ao Banco de Portugal.

Temos uma atuação pública; Muitas vezes, usa-se indistintamente os termos regulação
e supervisão (regulação e supervisão prudencial e regulação ou supervisão
comportamental), tanto em temos de doutrina como de jurisprudência muitas vezes
não se estabelece a distinção entre regulação e supervisão, usam-se os termos
indistintamente, se consultarem vários trabalhos doutrinais de direito bancário
confrontam-se com esta utilização indistinta dos dosi termos: regulação e supervisão.

Temos aqui efetivamente uma atuação pública, agora no que toca à supervisão
comportamental, uma atuação publica de regulação e uma atuação publica de
supervisão da atuação das instituições nos mercados financeiros a retalho. Esta
atuação publica designa-se precisamente por supervisão comportamental; está
consagrada no Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedade Financeiras.

O regime jurídico de acesso à atividade de instituições de pagamento e à prestação de


serviços de pagamento (trata-se de um outro tipo de instituições, não se trata de
instituições de crédito nem de sociedades financeiras) vem estabelecer também regras
específicas para estas entidades, no que toca à prestação de serviços de pagamento.
Esta legislação atribui ao BP a competência para exercer a supervisão comportamental

103

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

do exercício desta atividade de prestação de serviços de pagamento. O Banco de


Portugal tem competências para estabelecer regras de conduta para instituições de
crédito, para as sociedades financeiras e para as instituições de pagamento. É uma
competência de que goza.

Isto quer dizer que se visa com isto assegurar a transparência da informação; estamos
no âmbito da regulação e supervisão comportamental. Transparência da informação
tanto na fase pré-contratual, como contratual. Falamos fundamentalmente das
relações que se encetam entre estas entidades e os seus clientes, entre um banco e os
particulares. Trata-se de assegurar a transparência da informação na fase pré-
contratual e contratual, destas entidades e dos seus clientes -isto diz respeito
sobretudo ao domínio da publicidade, mas também se visa assegurar a equidade das
transações celebradas pelas partes; também está em jogo a equidade das transações
de produtos e instrumentos financeiros que estas entidades prestem aos respetivos
clientes. Consagra-se neste âmbito o direito dos clientes reclamarem diretamente para
o Banco de Portugal. Os clientes podem apresentar diretamente uma reclamação ao
Banco de Portugal por falta de transparência na informação ou por falta de equidade
nas transações de produtos e serviços financeiros.

Ao mesmo tempo, também foram reforçados os poderes regulamentar, fiscalizador e


sancionatório do Banco de Portugal, com vista a assegurar a transparência e o rigor da
informação prestada aos particulares, e também em vista a assegurar o cumprimento
da lei e o cumprimento das normas emitidas pelo Banco de Portugal, designadamente,
através de avisos.

Nos já sabemos que o poder regulamentar do Banco de Portugal é exercido


predominantemente através de avisos e também de instruções, designadamente no
âmbito da informação a prestar ao público pelas entidades supervisionadas, no âmbito
da informação que deve ser prestada na fase pré-contratual aos clientes destas
instituições.

O poder fiscalizador do Banco de Portugal é exercido através de inspeções realizadas


pelo Banco de Portugal; este poder fiscalizador é também exercido através do
tratamento das reclamações apresentadas junto do Banco de Portugal; tem-se em
vista assegurar a transparência e o rigor das informações prestadas aos particulares,
fiscalizando o cumprimento da lei e das normas a que todas estas entidades
(instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições de pagamento) se
encontram adstritas.

O Banco de Portugal pode também, naturalmente, exigir a retificação ou sanação das


irregularidades que detete no exercício dos seus poderes, através das emissões das
tais recomendações que referi. Assim, vai sancionar os incumprimentos cometidos

104

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

pelas entidades supervisionadas, designadamente através da aplicação de coimas e da


aplicação de sanções acessórias, que se encontram legalmente previstas.

A supervisão comportamental do Banco de Portugal atua sobre do lado da oferta; é


essencialmente sobre o lado da oferta que atua esta supervisão, precisamente para
que todas as entidades (instituições de credito, sociedades financeiras e instituições de
pagamento) reúnam elevadas competências no exercício das respetivas atividades e
que, no que toca as relações que encetam com os seus clientes, respeitem os
princípios da transparência, diligencia, integridade e honestidade que se impõem nesta
matéria. Mas a supervisão comportamental atua também do lado da procura (não
essencialmente, mas também) quando desenvolve atividades que visam aumentar os
níveis de informação e formação financeira; isto através do Portal do cliente bancário,
que é um portal que existe no site do Banco de Portugal. Temos aqui
fundamentalmente que ter em conta esses aspetos.

Quanto à tutela dos depositantes e dos investidores não institucionais, a tutela dos
consumidores de serviços financeiros:

Já sabemos que no cerne da atividade bancária está a tal intermediação creditícia,


sendo este o monopólio da atividade bancária: a captação de depósitos em vista á
concessão de crédito. Este é o âmago da atividade bancária

Isto quer dizer que a pedra angular do sistema bancário reside nos aforradores que
depositam as suas economias, as suas poupanças, nos bancos/ instituições de crédito.
Esta é a pedra-de-toque, o “canto de cisne” de qualquer sistema bancário: os
aforradores que depositam as suas economias nos bancos. Naturalmente que sem
estes depósitos não seria possível aos bancos desenvolverem a sua atividade
fundamental: a concessão de crédito. É precisamente com base nesta captação de
poupanças que os bancos, por conta própria, concedem crédito a quem desse crédito
necessita.

Nos temos aqui, em torno destes aforradores, uma arquitetura de controlo/regulação


e supervisão, que se justifica em prol do interesse público que reside no
funcionamento regular, estável, são e prudente do sistema bancário; este interesse
público e manifesto e está subjacente a esta arquitetura (de forma mediata ou
indireta) a tutela dos aforradores/depositantes/consumidores de serviços bancário
(empresas e agentes económicos). Aqui se fundamenta o monopólio bancário. Aqui
encontra a sua última justificação o monopólio que os bancos têm no exercício
profissional do recebimento de depósitos – só os bancos o podem fazer.

Fundo de garantia de depósitos

Temos aqui uma pessoa coletiva de direito público, que tem autonomia administrativa
e financeira, encontrando-se sediada no banco de Portugal.

105

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

Qual é o objeto principal do Fundo de Garantia de Depósitos? É precisamente o


reembolso dos montantes correspondentes aos saldos monetários credores, que se
encontrem registados em conta dos depositantes, portanto em conta de depósito
bancário. Visa garantir o reembolso de depósitos indisponíveis, de saldos credores.
Estes depósitos (indisponíveis) foram constituídos em instituições de crédito que
participam no fundo de garantia de depósito.

Há aqui que esclarecer algumas coisas a este propósito:

Nem todos os depósitos são reembolsáveis por estes fundo de garantia de depósitos

-Dessa garantia, estão excluídos os depósitos de depositantes institucionais, portanto


os depositantes institucionais não gozam da garantia do fundo de garantia de
depósitos;

- Os depósitos que sejam captados em Portugal, ou então que sejam captados por
sucursais de Bancos Portugueses noutros estados, que são garantidos por depositante
e não por conta - A garantia tem por referência o depositante e não a conta.

O limite máximo de reembolso é do Fundo de Garantia de Depósitos 100 000 euros.

Pergunta de colega: Uma situação em que eu tenha, por exemplo, 10 000 euros no
BPI, 10 000 euros na Caixa Geral de Depósitos, 10 000 euros no Millenium BCP, se
houver uma situação de risco sistémico, este fundo garante-me o que eu tenho em
cada banco?

Professora: Claro, mas quando eu refiro que, de facto, a referência é ao depositante e


não à conta, estou a referir-me a uma mesma instituição de crédito; por exemplo, se
tiver 3 ou 4 depósitos de 100 000 euros no Millenium BCP e o Millenium BCP,
porventura, entrasse em insolvência, nesse caso o seu teto era de 100 000 euros,
porque o limite não é por conta, mas por depositante, numa instituição de crédito. Por
isso é que se diz que não se devem pôr todos os ovos no mesmo cesto, por isso é que
então, de acordo com esse princípio, devia ter uma conta de 100 000 euros no
Millenium BCP, outros 100 000 euros na Caixa Geral de Depósitos, outros 100 000 no
Novo Banco, etc. Porque cada um destes depósitos seria totalmente reembolsado no
caso de haver um colapso sistémico bancário, seria a totalidade dos depósitos
assegurada pelo Fundo de Garantia de Depósitos

O Fundo de Garantia de Depósitos naturalmente vai ficar sub-rogado nos direitos dos
depositantes, por exemplo reembolsa um depositante no tal de 100 000 euros e fica
sub-rogado no direito desse depositante; no âmbito do processo de liquidação da
instituição de crédito, o fundo de garantia de depósitos fica sub-rogado no direito dos
depositantes, precisamente na medida do reembolso do depositante que tenha
efetuado. Se o reembolsou no montante de 100 000 euros no caso BPP, o FGD, no

106

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

processo de liquidação do BPP subroga-se no direito de crédito dos depositantes, na


medida de 100 000 euros.

Os recursos financeiros do fundo provém de contribuições dos participantes nesse


mesmo fundo, essas participações podem ser contribuições iniciais (realizadas pelos
diversos participantes), ou ser anuais. E estas contribuições, feitas pelos diversos
participantes, são calculadas em função (o montante das contribuições que cada banco
tem de entrega)r é calculado em função do valor médio dos saldos mensais de
depósitos. Essas contribuições, para além de iniciais ou anuais, podem também ser
especiais.

O Fundo de Garantia de Depósitos, para além de se financiar através de contribuições,


pode financiar-se também através de empréstimos, que contraia.

Também se financia através dos rendimentos de aplicações dos recursos, pode fazer
aplicações financeiras dos meios que dispõe, e os rendimentos são, naturalmente, um
meio de financiamento do Fundo de Garantia de Depósitos.

Também se financia através de liberalidades que eventualmente lhe sejam feitas, bem
como com o produto das coimas aplicadas às instituições de crédito pelo Banco de
Portugal, que revertem em grande parte para o Fundo de Garantia de Depósitos. É
outra forma de financiamento deste fundo.

Os participantes obrigatórios no fundo são as instituições de crédito com sede em


Portugal; as instituições de crédito com sede em países terceiros, relativamente a
depósitos que essas mesmas instituições de crédito recebam através de sucursais em
Portugal, a não ser que estes estejam cobertos nos países de origem, em termos
semelhantes aos proporcionados pelo fundo português, o que será avaliado pelo
Banco de Portugal. Em complemento da garantia prevista no país de origem, as
instituições de crédito com sede num outro país membro da União Europeia,
relativamente aos depósitos captados em Portugal através das suas sucursais, poderão
participar no Fundo de Garantia de Depósitos se a garantia do país de origem for
inferior à concedida pelo nosso Fundo de Garantia de Depósitos.

Sabemos que tudo isto tende a evoluir, uma vez que um dos pilares da união bancária
é, precisamente, a constituição de um fundo de garantia de depósitos à escala
europeia – está para breve a constituição de um fundo desta natureza.

O Fundo de Garantia de Depósitos está vocacionado para a resolução de desequilíbrio


a nível individual; quer dizer que permanece no âmbito do Banco de Portugal a
competência de supervisão e correção sistémica, embora se preveja na Lei Bancaria
que, verificando-se uma situação de urgência (designadamente se puderem estar em
causa aspetos de estabilidade sistémica), o Banco de Portugal pode facultar
temporariamente ao fundo os recursos adequados à resolução das suas necessidades

107

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

imediatas, nos termos da sua Lei Orgânica. Aqui não está em causa a atribuição ao
Fundo de Garantia de competências em sede de resolução de crises sistémicas, o
fundo não tem essa competência; atribui-se apenas a possibilidade de ser financiado
junto do Banco de Portugal, em vista da resolução de problemas individuais, que são
potencialmente geradores de instabilidade sistémica –têm in germen essa
possibilidade de garra crises sistémicas. Mas o que se visa com este mecanismo de
financiamento direto junto do Banco de Portugal é resolver problemas individuais,
embora tenham potencialidade de dar origem a crises sistémicas.

Temos depois o Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo; quando falamos das
caixas de crédito agrícola mutuo, referi a possibilidade que está em cima da mesa (e
com certeza, se vai realizar) de toda a reforma destes sistema do crédito agrícola
mutuo, que abrange naturalmente o fundo de garantia do crédito agrícola mutuo.
Este, em termos grosseiros, provavelmente vai fundir-se comos Fundos de Garantia de
Depósitos.

Temos uma garantia dos depósitos captados pelas caixas do sistema integrado de
crédito agrícola mútuo. Temos aqui um instrumento de garantia dos depositantes em
caso de insolvência de uma dessas caixas de crédito agrícola mútuo, que pertençam ao
tal sistema integrado. É um mecanismo de apoio as caixas com dificuldades
financeiras.

É também uma pessoa coletiva de direito Público, que se encontra sediada no Banco
de Portugal. Os seus recursos financeiros do Fundo de Garantia de Crédito Agrícola
Mútuo provém de participações iniciais, periódicas e especiais das entidades que
participam no Fundo. Provém também de empréstimos que se possam contrair, de
rendimentos de aplicações financeiros que o Fundo faça, de liberalidades que possam
ser feitas ao Fundo e de coimas que sejam aplicadas às caixas de crédito agrícola
mutuo.

Temos aqui um aspeto tradicional de assistência que é desempenhada por este Fundo,
em situação de crise de um dos seus participantes- de uma caixa de crédito agrícola
mútuo que seja integrada no Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo. Para o
restabelecimento da sua situação patrimonial da Caixa de crédito agrícola, quando se
considere que esteja em perigo o seu funcionamento normal ou solvabilidade, o fundo
poderá conceder a essa mesma caixa subsídio ou empréstimos, tendo essa faculdade
no desenvolvimento tradicional da função de assistência. Este fundo pode ainda
prestar a essas caixas garantias a favor dessas mesmas caixas, adquirir-lhes créditos ou
outros valores que integrem os respetivos ativos – competências acabam por se
afastar um bocado das atribuídas aos Fundos de Garantia de Depósitos.

Temos depois Sistema de indemnização dos investidores não institucionais.

108

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

Já sabemos que entro nós vigora o sistema da Banca Universal, de acordo com o artigo
4º da Lei Bancária, determinando que os bancos podem prestar serviços de
investimento sobre valores mobiliários e outros instrumentos financeiros aos seus
clientes. Já vimos, quando estudamos o fenómeno da banca universal, que se
desvaneceu a separação entre investment banking (bancos de investimento) e
comercial banking (bancos comerciais);

Aos bancos de investimento pertenciam os clássicos contratos de depósito (e outros),


havendo uma distinção rígida, designadamente no que toca aos investimentos sobre
valores mobiliários e sobre outros instrumentos financeiros, que eram operações
realizadas pelos bancos de investimento. Em princípio, qualquer banco pode prestar
este tipo de serviço aos seus clientes, ou seja, as instituições de crédito podem ser
autorizadas, na prática, a prestar todos os tipos de serviços de investimento.

Isto quer dizer que a insolvabilidade ou liquidação de um banco põe em causa não
apenas os depositantes, mas também os investidores que recorrem a essa instituição
na qualidade de intermediário financeiro, de prestador de serviços financeiros. Assim,
paralelamente à proteção conferida pelo Fundo de Garantia de Depósitos aos
depositantes, existe também a proteção dos pequenos investidores não
institucionais/qualificados que investem as suas poupanças no mercado de capitais,
quando estes não possam ver satisfeitos os seus direitos em virtude da situação em
que se encontra a instituição de crédito que lhe prestou os serviços. Esta tutela
justifica-se também em nome da confiança que é importante preservar no mercado
financeiro.

Ao lado desta proteção direta do pequeno investidor, temos uma proteção indireta
que resulta da supervisão e regulação do mercado de valores mobiliários; esta
regulação e supervisão dos mercados tem sobretudo em vista a transparência e
eficiência do mercado de capitais, tutelando indiretamente os investidores, impondo a
livre formação de preços e igualdade de oportunidades dos investidores, mediante,
precisamente, a proibição de informação privilegiada. Esta regulação e supervisão do
mercado de capitais tem em vista ainda a difusão da informação sobre os valores
mobiliários oferecidos nos mercados de capitais.

O sistema de indemnização dos investidores não institucionais é uma pessoa coletiva


de direito público, com autonomia administrativa e financeira e que funciona na
CMVM- Comissão de Mercado de Valores Mobiliários. O seu objeto é a cobertura dos
créditos que os investidores não institucionais tenham perante uma entidade
participante nos sistema de indemnização, entidade essa que seja incapaz de
reembolsar esses investidores (esteja impossibilitada de lhes restituir os fundos
devidos, afetados a operações de investimento, geridos por essa sociedade por conta
dos investidores). Isto quer dizer que procura-se não confundir o âmbito de aplicação
do sistema de garantia de investidor e o âmbito de aplicação do fundo de garantia de

109

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

depósitos, uma vez que tem âmbitos de aplicação subjetiva e objetiva diferentes: o
mesmo crédito não pode ser objeto de uma dupla tutela/dupla indemnização, não
pode ser duplamente coberto (tanto pelo fundo de depósitos, como pelo sistema de
indemnização aos investidores) – ou cai na competência de um fundo ou de outro, mas
não na competência de ambos os sistemas de tutela.

Esta foi uma questão que se suscitou com muita acuidade no colapso do BPP, a de
saber se determinados contratos, celebrados entre o BPP e os seus clientes, eram
qualificados como contratos de depósito ou antes como contratos de gestão de
carteira; na prática, a distinção nem sempre é fácil porque os contratos podem ter
uma aparência formal e corresponder, materialmente, a outro tipo contratual.

Uma das primeiras coisas a fazer era a qualificação destes contratos, saber se o BPP
tinha celebrado com os seus clientes contratos de depósito ou contratos de gestão de
carteira. A qualificação destes contratos é um dos primeiros passos, para se saber a
que sistema recorrer (Fundo de Garantia de Depósitos ou Sistema de Indemnização
dos Investidores). Esta qualificação importa não só devido a este problema, mas
também porque o regime não é o mesmo nos dois contratos, por exemplo, no que
toca ao regime da distribuição do risco contratual.

Tal como acontece no Fundo de Garantia de Depósitos, o sistema de indemnização


dos investidores vai ficar sub-rogado na titularidade dos direitos dos investidores, na
medida das indemnizações que tenha pago.

Participantes obrigatórios do sistema de indemnização aos investidores: empresas de


investimento com sede em Portugal e também instituições de crédito autorizadas a
realizar operações de investimento nos termos do artigo 4º da Lei Bancária, com sede
em Portugal; são também obrigados a participar instituições de crédito e empresas de
investimento sediadas no estrangeiro que realizem serviços de investimento nas suas
sucursais de Portugal, e relativamente a créditos decorrentes de operações de
investimento efetuadas nessas sucursais, a não ser que esses créditos estejam
cobertos por um sistema de indemnização equivalente ao português. Tal como vimos
para o Fundo de Garantia de Depósitos, em complemento da indemnização prevista
no país de origem, também podem participar no sistema de indemnização aos
investidores, as empresas de investimento e instituições de crédito com sede num país
da UE, relativamente a créditos decorrentes de operações efetuadas pelas suas
sucursais em Portugal.

Todos os participantes neste sistema têm obrigação de entregar a este sistema,


quando o sistema seja acionado, os montantes que sejam necessários para pagar
indemnizações que sejam devidas aos investidores, montantes esses que
correspondem a uma determinada percentagem do valor global das indemnizações.

É uma pessoa coletiva de direito público, como vimos.

110

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

Temos depois a figura do Mediador do crédito

Esta figura foi introduzida entre nós em 2009;

Qual é a atividade do mediador do crédito? É a defesa e promoção de direitos,


garantias e interesses legítimos de quaisquer pessoas ou entidades em relações de
crédito, é isso que visa o mediador do crédito -designadamente no que toca ao crédito
à habitação. Tem em vista contribuir para melhorar o acesso ao crédito junto do
sistema financeiro.

Tem uma importante responsabilidade no domínio da promoção da literacia


financeira, no que toca ao crédito, desempenhando um papel muitíssimo relevante; o
mediador do crédito deve fomentar o conhecimento dos direitos e deveres dos
cidadãos em matéria de crédito, porque se verificou que a iliteracia financeira era
enorme na população portuguesa, competindo-lhe prestar informações que se
afigurem necessárias e que lhe sejam solicitadas- é esta também uma função do
mediador do crédito.

Compete-lhe colaborar com o Banco de Portugal no sentido de contribuir para o


cumprimento das regras legais e cumprimento dos contratos em matéria de concessão
do crédito, em matéria de adoção de elevados padrões de responsabilidade e de
elevados padrões éticos em sede de concessão do crédito. Tem um importante papel
junto

Para além disso, o mediador do crédito exerce ainda com imparcialidade e


independência um papel de mediação. Contribui naturalmente para a tutela dos
direitos de quaisquer pessoas ou entidades em relações de crédito, e emite
recomendações que considere adequadas à situação.

Funciona junto do Banco de Portugal, mas goza de independência e imparcialidade no


exercício das respetivas funções. Ao Banco de Portugal compete prestar ao mediador
do crédito toda a assistência técnica, administrativa e financeira que se afigure
necessária ao desempenho das respetivas funções. O Banco de Portugal tem ainda de
disponibilizar todas as informações necessárias ao exercício das suas funções. É
importante ter em conta esta novidade relativamente recente no ordenamento
português, que não tenho certeza de ser referida no manual de Direito Bancário.

Importa também aqui referir que, naturalmente, O BP integra o sistema europeu de


bancos centrais. Aqui, efetivamente, interessa ainda ter em conta as últimas novidades
nesta matéria: Temos uma autoridade europeia bancária, de valores mobiliários e de
seguros e pensões complementares.

Ora, a crise financeira que se desencadeou o Verão de 2007 (crise do subprime) veio
confirmar a existência de deficiências sérias no sistema europeu de supervisão
financeira; essas deficiências manifestaram-se tanto a nível nacional, no que toca à
111

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

supervisão efetuada pelas autoridades nacionais, que são por via de regra os bancos
centrais, mas também a nível europeu. Tornou-se claríssima uma falta de cooperação
e coordenação entre as diversas autoridades competentes para o exercício da
supervisão. Havia, efetivamente, uma falta de capacidade das estruturas de supervisão
nacionais para acompanhar a globalização progressiva dos mercados financeiros; esse
processo de globalização é naturalmente potenciador de risco de contágio ou risco
sistémicos, que foi o que se verificou com a crise do subprime em 2007. Tornou-se,
assim claro, que a cooperação e comunicação das informações entre as diversas
autoridades era extraordinariamente lacunosa. Contribuía para estas deficiências a
disparidade que se verificava ao nível da interpretação das normas, o que dificultava a
integração.

Temos aqui, a criação do objetivo de assegurar uma aplicação adequada das regras
respeitantes ao sector, em vista da preservação da estabilidade e confiança no sistema
financeiro, de modo a proteger os consumidores de produtos e serviços financeiros.

Formou-se então um Comité Europeu do risco sistémico e a Autoridade Bancária


Europeia, Autoridade Europeia de valores mobiliários e mercados e a Autoridade
Europeia Seguros e pensões complementares; constituiu-se ainda o comité conjunto
das autoridades europeias de supervisão, e as autoridades de supervisão competentes
dos Estado a Membros – Nova arquitetura institucional que brotou da crise do verão
de 2007

O Comité europeu do risco sistémico foi um comité criado especificamente para


assegurar a supervisão macro-prudencial do sistema financeiro europeu. No quadro
desta nova arquitetura institucional, as autoridades (de supervisão) nacionais mantém
o seu papel central no que toca á supervisão; esse papel e respeitado ao nível de cada
um dos EM. Todavia, este papel tem vindo a ser moldado com as novas competências
e atribuições das autoridades europeias -designadamente da autoridade bancaria
europeia, que interessa aqui ter em conta.

A autoridade bancária europeia é uma autoridade que foi constituída com o objetivo
de proteger o interesse público de contribuir para a estabilidade e eficiência do
sistema financeira, quer a curto, médio ou longo prazo, em benefício da economia da
EU, das empresas e cidadão da EU.

Importa aqui o acordo de Basileia III, de que muito se tem falado, porque o quadro que
resultou deste acordo foi integrado na reforma da Lei Bancária, de Outubro de 2014.
Desenvolveu um programa de reforma, que abordou as lições da crise e promoveu um
esforço de solvência dos bancos e de estabilidade do sistema bancário internacional.

Teve-se em vista, em termos amplos, o reforço dos requisitos mínimos de capital para
os bancos, com o Acordo de Basileia III, e os padrões mínimos internacionais de
liquidez.

112

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

Quais foram as principais alterações?

1. Novo quadro regulatório do capital

2. Introdução de Novo quadro regulatório da liquidez

3. Criação de uma nova categoria de entidades supervisionadas; a categoria das


instituições financeiras sistemicamente importantes; considera-se que são as que mais
potenciam o risco de contágio/sistémico.

5 Mecanismos que a nossa Lei prevê para a intervenção em Bancos em crise de


solvabilidade

1 – Temos, desde logo, a capitalização com recurso a fundos privados

A instituição de crédito lança mão de um aumento do Capital Social junto do mercado


financeiro, através de uma oferta pública de subscrição; pode resultar de uma
exigência do Banco de Portugal, mas a iniciativa de promover o aumento de capital
social da instituição de crédito, compete exclusivamente aos accionistas da instituição
de crédito m causa. É uma decisão que compete à AG dessa instituição. Naturalmente,
também pode competir ao órgão de administração, se tiver sido previamente
autorizado para isso.

Quais as funções do Banco de Portugal? Tem de registar o novo valor do Capital Social,
não estando prevista qualquer possibilidade de o Banco de Portugal poder recusar um
aumento de capital, o que iria contra a função de autoridade responsável pela
supervisão prudencial das instituições de crédito. Se as circunstâncias o permitirem, o
que nem sempre acontece (temos um exemplo recente em que tal não terá sido
possível) esta é a melhor solução para resolver um problema de insuficiência de fundos
próprios de uma instituição de crédito, porque mantém a instituição de crédito em
funcionamento, sem qualquer constrangimento dessa instituição de crédito e sem
recurso ao investimento público. Aparentemente, é a melhor solução.

Quem são as pessoas afetadas pela solução da capitalização com recurso a fundos
privados? Há uma diluição das participações sociais de todos os accionistas (decorre
naturalmente do aumento do capital social)

2 – Para além da capitalização com recursos a fundos próprios, temos a Resolução


(que foi adotada no caso do BES)

Temos aqui uma alienação parcial ou total da atividade a outra instituição ou


transferência total ou parcial da atividade a um ou mais banco de transição,
precisamente para prosseguir as finalidades deste mecanismo que é a resolução.

113

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

Quais são as finalidades? Assegurar a continuidade da prestação de serviços


financeiros essenciais; acautelar o risco sistémico; salvaguardar os interesses do erário
público e dos contribuintes.

Assim que estiver alcançado ou realizado este objetivo, a autorização da instituição de


crédito objeto da medida de resolução é revogada, seguindo-se a liquidação judicial
dessa mesma instituição de crédito. É o caso do BES, do Novo Banco, e do Banco Mau.

A quem pertence a iniciativa de adotar esta medida de resolução? Iniciativa compete


exclusivamente ao Banco de Portugal; é uma medida que pode ser aplicada a
instituição de crédito que não cumpra ou esteja em risco de não cumprir os requisitos
para a manutenção da autorização para o exercício da atividade bancária. Esta medida
aplica-se quando o Banco de Portugal considera que não é previsível que a instituição
consiga, em prazo razoável, alcançar ou executar as medidas necessárias para
recuperar as condições necessárias de solidez e de cumprimento dos ratios
prudenciais.

Quais as funções do Banco de Portugal? O banco de Portugal aplica a media e vai


dirigir todo o seu processo, como está a fazer com o caso do BES

Quais as limitações práticas à aplicação desta medida? O sucesso da medida de


resolução/alienação depende da existência de um comprador interessado; aqui, a
necessidade urgente de celebrar uma venda, reduz o poder negocial do Banco de
Portugal. A contrapartida paga pelo adquirente pode não corresponder ao valor da
atividade efetivamente vendida. Ora, a transferência da atividade para um banco de
transição (como foi o caso do Novo Banco) que não é uma solução definitiva e
apresenta dificuldades operacionais, pode ser aplicada imediatamente sem outro
requisito adicional.

Quais são as consequências desta medida de resolução para a estabilidade financeira e


erário público? A partida não cria risco da estabilidade financeira, tendo sido criada
especificamente para mitigar o risco que surgiria com a liquidação judicial, com a
resolução assegura-se o financiamento de exercícios financeiros essenciais e
salvaguarda-se o erário público. O financiamento da medida de resolução é feito com
contribuições que as instituições de crédito têm de pagar: Fundo de resolução, no qual
as instituições de crédito são obrigadas a participar.

Quais são as pessoas afetadas? Os acionistas e credores da instituição de crédito; os


depositantes não são afetados. Os accionistas e os credores são chamados a suportar
os prejuízos da instituição de crédito. Naturalmente que o impacto concreto desta
medida de resolução sobre accionistas e credores depende da extensão das perdas da
instituição de crédito objeto de resolução.

114

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

Qual a extensão das medidas? Depende de decisão do Banco de Portugal, sendo certo
que a diferença entre ativos e passivos da instituição de crédito devera ser
compensada pelo fundo de resolução, fundo de garantia de depósitos e de garantia do
crédito mutuo.

Isto quer dizer que quanto menor a extensão das perdas imputadas aos accionistas e
credores da instituição objeto da resolução, maior será a medida do apoio financeiro
concedido pelo fundo de resolução.

3 – Temos depois, como terceira medida, a capitalização com recurso ao investimento


público

Temos aqui um reforço dos fundos próprios de uma instituição de crédito através de
operações de capitalização com recurso a esse investimento público. Isto pode ser
feito através de aquisição de ações próprias que sejam detidas pela instituição de
crédito, pelo amento do CS da instituição de crédito (emissão de ações especiais), e
pela aquisição de outros instrumentos que sejam elegíveis para os fundos próprios da
instituição de crédito. Estas operações podem ser da iniciativa da instituição de crédito
ou por Proposta do Banco de Portugal ao membro do governo responsável pelas
finanças.

Depois do Banco de Portugal determinar a existência de uma insuficiência de fundos


próprios, compete a instituição de crédito apresentar proposta ou pedido de
capitalização com recurso a fundos públicos. Este plano de reforço decapitais que seja
inicialmente apresentado, tem de ser aprovado pelo banco de Portugal;

Para beneficiar de uma media desta natureza, de capitalização com recurso ao


investimento público, a instituição tem de demonstrar a sua viabilidade a longo prazo,
sob pena de não se adotar a medida. Quais são as limitações práticas à aplicação desta
medida?

Em primeiro lugar, os procedimentos prévios são complexos e morosos, por se tratar


de um investimento público;

Por outro lado, a injeção de fundos do Estado numa instituição de crédito depende de
uma aprovação por parte da Comissão Europeia (aprovação do plano de
reestruturação do banco)

Medida que só pode ser aplicada a instituições de crédito que possam demonstrar a
sua viabilidade a longo prazo.

Quais são as consequências para a estabilidade financeira? É uma medida que é


financiada pelo erário público, e portanto, pelos contribuintes. É uma solução que não
é a mais adequada para resolver problemas de entidades privadas.

115

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

4 – Temos depois a Liquidação judicial

Temos aqui um processo judicial através do qual se vende o património de uma


instituição de crédito, com o objetivo de satisfazer os credores dessa instituição de
crédito, de acordo com a graduação de créditos que for feita ao longo do processo de
liquidação. A iniciativa par a adoção desta medida compete exclusivamente ao Banco
de Portugal, através da revogação da autorização para o exercício da atividade
bancária. O Banco de Portugal é a única entidade com competência para revogar a
autorização que ele próprio concedeu, despoletando a liquidação judicial.

A revogação da autorização produz os efeitos da insolvência. A liquidação da


instituição de crédito é requerida pelo Banco de Portugal junto do Tribunal
competente (o que aconteceu com o BPP).

O Banco de Portugal pode revogar a autorização para o exercício da atividade bancária


com os fundamentos previstos no RGIC (desde logo, se não se mantiverem as
condições de acesso, que são também condições de exercício da atividade bancária).
Segue-se a liquidação da instituição de crédito.

Quais as funções do Banco de Portugal? Revoga autorização; requer ao tribunal


competente a liquidação da instituição; propõe ao juiz um liquidatário judicial ou uma
comissão liquidatária (caso do BPP); acompanha a atividade exercida pelo liquidatário
judicial ou comissão liquidatária; pode requerer ao juiz o que entender conveniente;
tem legitimidade para reclamar ou recorrer das decisões judiciais;

Este processo de liquidação judicial é muito moroso (experiência do BPP), podendo


demorar vários anos, o que é uma limitação pratica a sua aplicação.

Consequências para a estabilidade financeira: a liquidação implica a interrupção


imediata de pagamentos, de todos os serviços financeiros prestados pela instituição de
crédito-é possível que crie um contágio a outros operadores no mercado financeiro,
quer nacional quer internacional. Por outro lado, tem custos operacionais muitíssimos
elevados.

5 – Nacionalização

Em termos grosseiros, trata-se de uma apropriação pública (total ou parcial) de uma


pessoa coletiva de direito privado (através de transferência da titularidade de
participações para o Estado). A iniciativa (e decisão) cabe ao Governo e deve ter a
forma de DL. Aqui, no âmbito da nacionalização de uma instituição de crédito, a lei não
atribui qualquer competência específica ao Banco de Portugal.

Os custos inerentes a esta medida, bem como perdas atuais ou futuras a que a
instituição seja exposta, são suportados na totalidade pelo erário público
(contribuintes); a gestão da instituição compete, naturalmente, ao Estado.

116

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

A criação de um regime de resolução visou fornecer às autoridades publicas uma


alternativa para resolverem problemas de insolvência de bancos, que por não
poderem ser liquidados, tinham de ser nacionalizados.

Vamos agora falar muito brevemente, ainda a propósito da supervisão, do MUS-


Mecanismo Único (Europeu) de Supervisão Bancário; Em vigor desde NOVEMBRO de
2014;

Visa garantir a segurança e solidez do sistema bancário europeu; visa promover a


integração e estabilidade financeira no espaço europeia. É composto pelo BCE e pelas
autoridades competentes pelos Estados Membros da área do euro; o Banco de
Portugal integra o mecanismo único de supervisão. Podem ainda participar outros
Estados Membros da EU que estabeleçam com o BCE uma cooperação estreita no
domínio da supervisão.

O BCE exerce supervisão direta sobre as instituições de crédito significativas- as que


têm possibilidade de gerar o tal risco sistémico. As autoridades nacionais
supervisionam as outras instituições de crédito (as instituições de credito não
significativas), em estreita colaboração com o BCE. Neste mecanismo funciona o
sistema de pick-up, podendo o BCE avocar a si, em qualquer momento, a supervisão
de instituições de crédito menos significativas. Se, por qualquer razão, considerar
adequado supervisionar uma instituição de crédito não considerada significativa, pode.

Pergunta de colega: Relativamente aos testes de stress, onde se inserem aqui?

Professora: Os testes de stress inserem-se na supervisão prudencial.

Mas ao nível do BCE?

Era a nível de diretrizes do sistema europeu de bancos centrais, para o cumprimento


de ratio de solvabilidade fundos próprios dos bancos; tiveram de passar os testes de
stress por imposições comunitárias, do Sistema Europeu de Bancos Centrais.

Então o Banco de Portugal não pode ordenar que sejam feitos testes de stress aos
bancos nacionais?

O Banco de Portugal pode fazê-lo, tem competência para o fazer. O que está é
conformado pelas normas que ditam a elaboração desses testes, os objetivos desses
testes; mas tem competência para o fazer.
Eu usei o termo diretrizes, mas não no termo de Diretiva Comunitária, não há
nenhuma Diretiva comunitária quanto aos testes de stress; trata-se de decisões
tomadas a nível do sistema europeu de bancos centrais não tem nada a ver com
Diretivas Comunitárias.

117

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

Naturalmente que este mecanismo único de supervisão (em vigor entre nós desde
Novembro de 2014) é o primeiro passo fundamental para a criação de uma verdadeira
união bancária. Mais tarde, está prevista também a criação de um mecanismo único de
resolução e de um sistema comum de garantia de depósitos – estes são os três pilares
da União Bancária.

O mecanismo único de resolução permite a resolução das instituições sem afetar a


estabilidade sistémica e sem afetar a situação financeira dos países onde as
instituições de crédito operam.

O sistema comum de garantia de depósitos visa minimizar a probabilidade de


ocorrerem corridas aos depósitos; numa situação de contágio essa corrida é quase
forçosa, e isso condicionaria naturalmente a liquidez do sistema bancário (se todos os
depositantes corressem aos banco para levantar os respetivos depósitos, ameaçaria e
de que maneira o sistema bancário).

Estes três pilares da União Bancária têm como pressuposto a existência de um


conjunto único de regras prudenciais, como já vimos.

Vimos então que a supervisão do Banco de Portugal pode ser comportamental ou


prudencial. A comportamental preocupa-se fundamentalmente com as relações entre
as entidades supervisionadas e ou seus clientes, enquanto a prudencial visa garantir a
estabilidade do sistema financeiro, através da garantia da liquidez e solvabilidade das
instituições de crédito, a todo o tempo. Tanto a supervisão prudencial como a
comportamental são da competência do Banco de Portugal.

Ao Banco de Portugal compete a supervisão e a regulação, quando se distinga, não


sendo usado o termo supervisão em sentido amplo; compete a regulação, feita através
de normas regulamentares (avisos).

A questão suscitada na aula anterior é a que se coloca quando uma instituição de


crédito viola uma norma constante de um aviso do Banco de Portugal, no exercício da
sua competência de regulação e supervisão comportamental, e da sua violação
decorrem danos para um cliente. Esse cliente tem ou não direito a ser indemnizado
pela instituição de crédito, pelos danos que lhe foram causados? Isto uma vez que a
regulação supervisional e comportamental tem em vista as relações entre a instituição
de crédito e o cliente.

Resposta de um colega: Professora, não poderá ser ao abrigo da responsabilidade


civil? Se está a violar uma norma que protegia o interesse dos depositantes (norma de
proteção), de acordo com o artigo 483º do CC?

Professora: O artigo 483º CC nº 1, segundo a modalidade de ilicitude – ao abrigo da


responsabilidade extra-contratual; Consideraria esta norma como uma norma de

118

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

proteção, apesar de ser uma norma que não é uma lei formal; desde logo, não é
emanada por um órgão estadual.

O que é necessário para que uma norma seja qualificável como norma de proteção?
Gostava que vissem se concordam ou não com a posição do professor Menezes
Cordeiro a esta propósito, que está no manual.

Em primeiro legal, quais são os requisitos para que uma norma seja suscetível de ser
qualificável como norma de proteção? A norma em causa, que tipo de interesses deve
tutelar?

Se proteger só interesses públicos é suscetível de ser qualificada como norma de


proteção, e a sua violação dar origem a responsabilidade extra-contratual? Ou não?

Também terá de tutelar um interesse particular, este é um dos requisitos mais


importantes das normas de proteção, tem de tratar da proteção não só do interesse
particular. O cliente bancário tem de ter efetivamente um interesse particular
protegido pela norma.

Queria que estudassem esta matéria e me respondessem na próxima aula, quais os


requisitos necessários para que se possa trazer à luza segunda modalidade de ilicitude
do artigo 483º do CC, e também se é necessário o recurso à norma habilitadora (que é
a posição do professor Menezes Cordeiro), se é preciso a norma habilitadora, quando
há violação de uma norma emitida pelo banco de Portugal, para que se possa falar de
uma norma de proteção.

Vamos começar com o estudo do Direito Bancário Material;

Estamos, no fundo, numa parte do Direito Bancário que vai ser fundamentalmente de
Direito Privado. Terminamos essencialmente uma parte de Direito Público, e
começamos agora o Direito Bancário Material, o direito das atividades bancárias, dos
atos bancários, é isso que está em jogo: operações bancárias de natureza contratual.
Releva aqui o princípio da autonomia privada. Em que se traduz o princípio da
autonomia privada?

Livre conformação das relações jurídicas pelos particulares, de acordo com a sua
vontade; o princípio da liberdade contratual é um dos desenvolvimentos da autonomia
privada. Esta autonomia privada também pode ser cumprida a partir do direito
subjetivo, fora da liberdade contratual. A que mais nos interessa agora é a do 405º CC,
a liberdade contratual, para efeito do Direito Bancário.

Temos aqui um grande recurso às cláusulas contratuais gerais, às quais os bancos


recorrem muito nas relações que estabelecem com os seus clientes Com este recurso
visam assegurar a padronização, racionalização e tipificação das relações negociais.

119

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

Temos, a propósito dos grandes temas do direito bancário material, um grande recurso
às cláusulas contratuais gerais. Os contratos por adesão assumem uma importância
assinalável; permitem ao banco uma redução de custos e, por outro lado, uma maior
segurança jurídica. Temos assim uma grande massificação dos negócios bancários.

Há um sistema (e encontram imensa jurisprudência acerca deste tema) de fiscalização


de cláusulas contratuais bancárias legalmente consagrado que confere aos tribunais
uma competência exclusiva para proceder ao controlo incidental das cláusulas
contratuais gerais. O tribunal vai, no âmbito de um litígio que surja relativamente a
cláusulas de um contrato, o tribunal vai resolver a questão da validade (ou vigência,
até) dessas cláusulas. Também compete ao tribunal um controlo abstrato dessas
cláusulas, e esse controlo faz-se através da ação inibitória- visa impedir a utilização de
cláusulas gerais consideradas imícuas(?), independentemente da efetiva utilização em
contratos singulares.

Importância dos usos e costume no direito bancário material – juros podem ser
juridicizados por uma de 3 vias: através do exercício da autonomia privada, através da
lei, ou através da convicção de obrigatoriedade; a autonomia privada juridifica os usos
quando remete para eles – os usos não valem enquanto meros usos, mas valem em
virtude da positividade jurídica que lhes e insuflada pela vontade das partes (através
do exercício da sua autonomia privada). Materialmente, os usos consubstanciam
verdadeiras cláusulas contratuais.

Os usos podem também valer como fonte mediata, quando a lei para eles remete, nos
termos art. 3º do CC; quando acompanhados pela convicção de obrigatoriedade,
adquirem positividade jurídica – Direito consuetudinário

As operações bancárias, de acordo com uma classificação clássica um pouco


controvertida atualmente, podem ser passivas ou ativas. Quando podem ser
consideradas passivas? Quando a banca assuma uma posição devedora, recebendo
crédito; a banca recebe credito quando recebe depósitos ou outros fundos
reembolsáveis do publico. Um deposito é uma operação bancária passiva.

Constituem operações bancarias ativas aquelas em que a banca assume uma posição
credora, aquelas em que concede crédito. Tendo em conta a atividade tradicional da
banca (intermediação creditícia), a banca recebe dinheiro do público em operações
passivas (assume posição devedora) e oferece dinheiro ao público em posições ativas
(assume posição credora).

Há quem refira uma terceira categoria de operações bancarias, que não seriam nem
ativas nem passivas, mas operações neutras -não implicam concessão de crédito por
nenhuma das partes.

120

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

8.ª Aula - 15 de Abril de 2015 (Ricardo Saraiva)

Bom, então tínhamos começado este segundo capítulo - Direito Bancário


Material - e tínhamos distinguido as operações bancárias ativas das passivas, havendo
inclusivamente uma terceira categoria, um tertium genus, as operações bancárias
neutras (há quem também invoque esta terceira categoria).
Nós então vamos começar com a abertura de conta, portanto, a conta
corrente. A conta corrente é uma técnica muito antiga, que já vem, efetivamente, da
Antiguidade e que no séc. XIX assumiu a forma contratual, passou a revestir a forma
contratual. Portanto hoje, naturalmente por força de um progresso tecnológico, é
usada tecnologicamente. A conta corrente é um operação bancária fundamental, vai
permitir precisamente relevar num simples quadro, é disso que se cura, num simples
quadro de deve e haver, as operações que são efetuadas entre as partes (entre o
banco e o seu cliente). Ou seja, vai permitir no fundo, registar todos os créditos e
débitos de ambas as partes.
Do ponto de vista jurídico, a conta corrente permite ainda regularizar, através
de compensações sucessivas (compensações que têm lugar de forma continuada), os
créditos recíprocos das partes (ou seja, os créditos que vão sendo inscritos nesse
quadro, que vão sendo contabilizados). Isto significa que, a final, nós temos apenas um
saldo que será exigível pela parte que nesse momento estiver na posição credora.
Ora, nesta conta corrente no fundo vão confluir todas as relações que se
estabelecem entre o banco e o seu cliente. Reparem que é raríssimo haver um único
ato bancário isolado. Há uma relação bancária complexa onde se inscreve uma
multiplicidade de atos bancários, de operações bancárias que vão sendo praticados (no
fundo, de contratos que vão sendo celebrados) entre o banco e o respetivo cliente. E
nesta conta corrente vão confluir todas essas operações negociais que vão sendo
celebradas entre as partes.
Hoje considera-se que a conta corrente é um elemento necessário, essencial,
do contrato de abertura de conta bancária. Ora, o banco, ou os bancos em geral - a
Banca - desenvolveram um função monetária. Portanto isto naturalmente que tem
alguma complexidade inerente também à atividade bancária atual, que é muito mais
sofisticada do que foi no passado - há uma grande variedade e multiplicidade de
operações que vão sendo praticadas a que corresponde uma pluralidade de relações
jurídicas. Toda uma atividade que os bancos vieram a desenvolver, em benefício
também dos seus clientes (claro que não exclusivamente, *risos*). Tudo isso é inscrito
na conta corrente. Isto é, se cada operação, acordo ou contrato celebrado entre o
banco e o seu cliente fosse considerado individualmente naturalmente que a
liquidação de qualquer uma das operações praticadas implicaria uma circulação
contínua de dinheiro entre as partes - porque são múltiplas as operações que têm
lugar no âmbito da relação bancária. Isto implicaria, considerando individualmente
cada uma das operações, um fluxo constante de dinheiro entre o banco e o seu cliente;

121

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

implicaria uma grande quantidade de moeda legal. A conta corrente evita


precisamente isso: a confluência de todas estas operações num único quadro de deve
haver, com a tal compensação continuada e sucessiva no âmbito deste contrato, evita
também isso.
Portanto, nós temos que ter em conta que no fundo toda esta variedade de
relações que se estabelecem entre uma IC, um banco, e o respetivo cliente, vai
encontrar uma regulamentação unitária no âmbito deste quadro do deve haver. No
âmbito desta regulamentação unitária de todas essas operações que se vão sucedendo
no tempo, naturalmente temos o poder do cliente do banco de a todo o tempo poder
levantar as quantias que resultam a seu crédito. Isto é uma característica também da
conta corrente. Este poder que se confere ao cliente bancário de a todo o tempo fazer
uso das quantias pecuniárias de que seja credor.
No contrato de conta corrente, que é uma operação bancária muito
importante, identifica-se, de forma expressa ou tácita, um conjunto de cláusulas muito
importantes.
Em primeiro lugar, uma cláusula de importação, de inscrição ou inclusão dos
créditos e pagamentos recíprocos. Nesse quadro de deve e haver. Temos esta
cláusula de imputação.
Em segundo ligar temos um pacto de extinção, mediante o mecanismos da
compensação. Extinção dos créditos inscritos precisamente na conta, créditos de parte
a parte (do banco e do cliente).
Em terceiro lugar, temos uma cláusula de determinação conjunta de um saldo,
ou crédito único, no termo de cada período da conta corrente. É assim que se
denomina.
O que é que visa, essencialmente, este regime? Este regime visa simplificar a
satisfação dos créditos recíprocos (o que é evidente através do mecanismo
compensatório), que venham a surgir precisamente no decurso desta relação bancária
complexa que é uma relação duradoura. A relação bancária tende a ser uma relação
duradoura. E, portanto, créditos que são corrente entre o banco e o seu cliente. Para
este efeito, são inscritos neste quadro, nesta conta, todos esses créditos e débitos e no
final surge o saldo. Saldo a cargo da parte devedora, que, normalmente, é o banco. Por
isso, na doutrina, diz-se que o contrato de conta corrente tem uma causa
eminentemente, ou fundamentalmente, solutória. Ou seja, que consiste na extinção
de dívidas pecuniárias, através da tal compensação - que é uma compensação global e
conjunta.
Para além dessa função, a conta corrente assegura também uma função de
garantia. Mais uma vez com recurso ao mecanismo compensatório, porque a
compensação desempenha também uma função garantística, como sabem. A
compensação, tal como se encontra descrita nos art.º 847.º e seguintes do C.C.
(compensação legal - aqui, muitas vezes, teremos uma compensação convencional)
tem também uma função garantística para além da função solutória.

122

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

Temos aqui esta adstrição, uma adstrição geral à conta, das remessas
pecuniárias entre o banco e o seu cliente que se inscrevem como artigos de deve e
haver no tal quadro. Isto vem traduzir-se na afetação de determinados créditos à
satisfação de débitos de cada uma das partes. Temos aqui um afetação recíproca, e
isto não afeta minimamente a validade ou a eficácia das operações subjacentes à
conta corrente - dos vários contratos celebrados entre as partes, as várias operações
que vão sendo praticadas, e que vão sendo inscritas em conta corrente. Isto quer dizer
que não há qualquer novação com a inscrição destes créditos e débitos em conta
corrente. Não há qualquer novação dessas relações jurídicas subjacentes ao contrato
de conta corrente, ou seja, a conta corrente é algo que acresce a essas relações
jurídicas. Algo que não substitui as relações subjacentes, que não se substitui às
relações substanciais, mas algo que lhes acresce e, portanto, algo que se considera
representar uma grande mais-valia para ambas as partes.
Portanto, a compensação é efetivamente um mecanismo muitíssimo
importante. A compensação, tal como nós a conhecemos dos artigos supracitados.
Como sabem, tem como efeito a extinção dos créditos ou dos débitos a favor,
precisamente, da parte em cujo favor são inscritos os créditos (perante a outra parte):
nos moldes do art.º 847/1 do CC. Mas aqui a compensação opera automaticamente,
diferentemente do que se passa com a compensação tal como nós a conhecemos, aqui
não é necessária uma declaração de compensação. Aqui esta compensação, no âmbito
da conta corrente, atua automaticamente. Não há qualquer declaração de qualquer
compensante à sua contraparte. É uma compensação automática, continuada,
sucessiva, corrente. Naturalmente que isto é permitido e potenciado pelo
desenvolvimento da informática e da tecnologia. Há aqui uma informatização de toda
a contabilidade que permite também o funcionamento dessa compensação
continuada.
Em função do saldo disponível, que se revele a final do termo de cada período
da conta corrente, determina-se a faculdade de reembolso do cliente bancário. Aqui a
determinação de um saldo final, no âmbito do contrato de conta corrente, produz, de
acordo com a doutrina dominante, uma verdadeira novação. Uma verdadeira novação
de acordo com a doutrina maioritária nesta matéria. Ou seja, o saldo (ou crédito único)
que venha a ser fixado no termo convencionado para a conta corrente vai substituir-se
por novação ao saldo apurado em resultado da compensação. Aqui a doutrina
considera que há novação.
Em geral, é assumida atualmente a autonomia do contrato de conta corrente
bancária. A conta corrente surgiu como acessória, como um mecanismo acessório do
depósito bancário. Depois evoluiu para uma figura contratual autónoma que cobre
praticamente todas as operações bancárias, todos os contratos bancários de execução
continuada.
Há quem considere que o contrato de conta corrente bancária é um contrato
sui generis. Quer dizer, nem é bem um mecanismo acessório do depósito bancário

123

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

nem tampouco autonomizado (independentemente do que se considere que seja um


contrato sui generis¸ nesta matéria). Há quem o qualifique nestes moldes.
A conta bancária, como vimos, permite uma emissão contínua de saldos e,
portanto, o saldo constitui uma posição jurídica de relevo. Uma posição juridicamente
relevante e uma posição autónoma em relação aos créditos que a antecedem, como
vimos. E o cliente pode dispor em qualquer momento do saldo da sua conta, desde
que se trate de saldo disponível. Há aqui um serviço de caixa permanentemente
prestado pelos bancos aos clientes, e esta função de caixa que os bancos exercem
perante os seus clientes - que asseguram, aliás, contratualmente, de forma cada vez
mais ampla - é possível também a partir da conta corrente, do contrato de conta
corrente. A conta corrente que também permite a prestação desses serviços de caixa
em sentido amplo que os bancos cada vez mais asseguram aos clientes.
A legislação portuguesa regula o contrato de conta corrente comercial e não
regula de forma específica o contrato de conta corrente bancária. Portanto temos as
disposições do direito positivo que se referem à conta corrente, são as normas dos
art.º 344 a 350 do Código Comercial. São as únicas normas que efetivamente se
referem à conta corrente. Não temos normas que regulem o contrato de conta
corrente bancária em especial.
Ora, o problema, ou a questão, da qualificação jurídica da conta corrente, no
fundo, traduz-se em saber se a conta corrente bancária se distingue ou não das outras
operações ou de outras operações em conta corrente, de outras operações que se
encontrem reguladas em conta corrente.
Em caso afirmativo, ou seja se se responder afirmativamente (como vimos que
é, hoje, a tendência doutrinal no direito nacional e comparado) - considerando que a
conta corrente se distingue das operações subjacentes que são inscritos no quadro de
deve e haver - a questão que surge agora é a de saber se este contrato de conta
corrente é uma figura ou não prevista pelo ordenamento jurídico português,
designadamente no CC, ou se constitui uma outra figura contratual, designadamente,
se integra um contrato misto ou uma coligação negocial. Saber, exatamente, do que se
cura na conta corrente bancária.
A conta corrente bancária é um contrato inominado. Como vimos, o Código
Comercial apenas prevê a conta corrente comercial, não cura da conta corrente
bancária. E é um contrato atípico, pois já vimos que não tem um RJ próprio, o
legislador não lhe destinou um RJ próprio. Há quem considere então, muito grande
parte da doutrina considera, que se trata de um contrato misto, que nós temos no
contrato de conta corrente um contrato misto. Ou seja, encontramos fundidos
elementos que são próprios do contrato de mandato, elementos que são próprios do
contrato de depósito e ainda de outros contratos. A estes elementos típicos do
depósito e do mandato, acrescem elementos de outros contratos típicos, que se
referem precisamente às diversas operações praticadas pela Banca no âmbito da
relação bancária geral e complexa.

124

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

Há quem considere, também, que se trata de uma coligação funcional - que não
é propriamente um contrato misto que está em jogo, mas sim uma união intrínseca de
contratos. Portanto, uma coligação de contratos. Embora esta posição seja minoritária,
efetivamente, no âmbito da conta corrente, nós não podemos descortinar ou
identificar contratos formalmente autónomos. O que temos é a fusão de elementos
típicos de diferentes contratos num único contrato. Não temos diferentes contratos
formalmente autónomos, mas com uma relação de dependência unilateral ou bilateral
entre eles. Essa posição da coligação é hoje uma posição minoritária.
Considera-se, tendencialmente, que se trata aqui de um contrato misto com
uma causa única. Isto funda-se, aliás, no princípio da liberdade contratual. Funda-se na
própria vontade das partes, dos contraentes, que não querem a celebração de
negócios jurídicos isolados, querem um acordo negocial único/unitário, em que haja
uma conexão objetiva entre as várias prestações que resultam da conjugação dos
elementos típicos de diferente contratos.
Quando qualquer cliente bancário inicia ou enceta uma relação bancária, o
primeiro ato que pratica, ou o primeiro contrato que celebra com o Banco é
precisamente o contrato de conta corrente. Este é o primeiro ato bancário que se
pratica quando se inicia uma relação bancária. É uma matriz, uma matriz que tanto o
banco como o cliente pretendem ter como base de todas as operações que vão
realizar, a matriz onde vão confluir todas as relações jurídicas que entre si vão
estabelecer. Temos aqui um contexto único (que é o da conta corrente), um contexto
elástico que varia segundo a evolução natural do relacionamento que se venha a
estabelecer entre as partes. Naturalmente que o contexto, o conteúdo da conta
corrente varia em conformidade com o número e tipo de operações que venham a ser
prestados, a ser celebrados pelas partes.

Ora, nós temos aqui uma relação de confiança. Tudo isto assenta numa relação
de confiança entre o banco e o seu cliente. Associada, como disse, desde a origem, a
conta corrente ao depósito bancário - hoje com reconhecimento de autonomia
dogmática perante as operações subjacentes.

Há várias espécies de depósitos bancários.


Desde sempre que nos bancos se efetuaram operações de depósito, operações
de depósito que são muito diferentes entre si. Nós temos os depósitos correntes de
dinheiro, que todos conhecemos, os depósitos de disponibilidades monetárias. Mas
temos também os depósitos que se podem fazer em cofres-fortes, quando se querem
salvaguardar valores, joias, documentos, etc. Celebram-se contratos com bancos para
que esses objetos sejam conservados em cofre-forte. Podem também confiar-se à
guarda dos bancos (e também de outras instituições que não de natureza bancária)
títulos e valores para gestão ou administração. Temos aqui já três tipos de depósitos
que são celebrados entre os bancos e os respetivos clientes. O de disponibilidades

125

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

monetárias, o em cofre forte e o de títulos ou valores. Três modalidades de depósito


bancário.

A própria lei, de alguma forma, regula com maior ou menos pormenor estas
várias formas de depósito. Desde logo o aluguer de cofres juntamente com a guarda
de valores é uma operação que está especificamente prevista na Lei Bancária. É uma
operação própria das IC e que se encontra prevista nos art.º 4º da Lei Bancária (na tal
norma que consagra o Modelo da Banca Universal). Aqui o depósito em cofre forte é
uma operação que se encontra expressamente prevista neste artigo da lei bancária
(LB).
Também as contas de depósito que são abertas no âmbito do mercado de
capitais, no âmbito do mercado de valores mobiliários por intermediários financeiros
(que podem não ser bancos; mas os bancos são-no - ao abrigo do CVM, a
intermediação é obrigatória, salvo raríssimas exceções, e os bancos são um dos tipos
de intermediários financeiros). A intermediação financeira, como já vimos, visa
essencialmente corrigir as assimetrias de informação que existem no mercado, as
deficiências inerentes ao próprio mercado. O mercado não se autocorrige, é necessária
uma intermediação forçosa/obrigatória. A figura do intermediário financeiro surge,
precisamente, para a retificação dessa assimetria no mercado de capitais e portanto
arca com deveres de informação para com os seus clientes. Celebra com os seus
clientes contratos de intermediação financeira, contratos que os obrigam a deveres de
informação, diligência, lealdade, etc, perante os clientes. Deveres estes que se
encontram previstos no CVM e que integram o conteúdo obrigatório de um contrato
de gestão de carteiras (de um contrato de intermediação financeira). Isto é muito
importante porque no caso de incumprimento haverá uma responsabilidade
contratual, porque se trata de deveres de prestar (e não de deveres laterais de
conduta). Estes deveres de informação a cargo dos intermediários financeiros, que se
encontram legalmente previstos, porque integram obrigatoriamente o conteúdo do
contrato, nos termos do CVM, consubstanciam verdadeiros deveres de prestas. O seu
incumprimento origina responsabilidade contratual perante o cliente.
Aqui, estas contas de depósito têm características especiais. Têm características
diferenciadas. Desde logo, a da segregação patrimonial. Tem de haver uma fortíssima
segregação patrimonial. Por seu turno, a guarda, a administração e a gestão de valores
mobiliários são previsto pelo legislador também como atividade bancária no artigo 4.º
da LB. Há aqui, de facto, uma atividade profissionalmente exercida pela Banca. Não é
uma atividade exclusiva dos bancos, mas é uma atividade que os bancos também
desenvolvem ao lado de outras instituições (designadamente, empresas de
investimento). Temos aqui outro tipo de depósito.

Quanto ao contrato de depósito de valores em cofre forte. Aqui é muito


discutível a qualificação jurídica. Esta operação é denominada como operação de

126

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

depósito em cofre forte. Alguém que pretende guardar documentos ou joias e que se
dirige a um banco para salvaguardar a integridade desses objetos no cofre forte dessa
instituição.
A qualificação deste contrato como um contrato de depósito é muito discutível.
Porquê? Desde logo, porque o banco pode não saber ( e nem tem por que saber) quais
são os objetos que o cliente deposita no cofre forte. O cofre até pode estar vazio. O
banco não tem por que conhecer os objetos que são efetivamente guardados no cofre
que alberga. Há quem fale, a este propósito, de um contrato de aluguer. Um contrato
de aluguer que se celebra entre o o banco e o respetivo cliente. Mas mais rigoroso será
falar de um contrato de locação porque a qualificação como aluguer ou arrendamento
depende da tipologia do cofre. Se é considerado móvel ou imóvel - há diversos tipos
de cofre e serão qualificáveis como móveis em inúmeras circunstâncias e qualificados
como imóveis noutras circunstâncias. Portanto, há quem fale na celebração num
contrato de locação.
Todavia, o acesso ao cofre pressupõe a colaboração ou a cooperação do banco.
O cliente não pode pura e simplesmente entrar no banco e dirigir-se, sem mais, ao
cofre que pretensamente locou, que tomou em locação. Precisa da colaboração do
banco para ter acesso ao cofre. Há um condicionamento no acesso ao cofre porque o
cliente precisa dessa cooperação por parte do banco. Há um condicionamento e um
controlo por parte do banco. Um controlo à utilização do espaço que é dado em
locação.
Por outro lado, sobre o locador, incidem outras obrigações. Quais são as outras
obrigações que impendem sobre o banco num contrato desta natureza? Um dever de
vigilância, de segurança. São obrigações que recaem sobre o banco. Poderá falar-se
aqui de um contrato de um contrato misto. Talvez um contrato misto de locação e de
depósito. Mas não só, como vamos ver. Muitas vezes o cofre apenas pode ser aberto,
aliás na esmagadora maioria dos casos, o cofre de um banco apenas pode ser aberto
com duas chaves. Uma chave que o próprio cliente tem e outra chave que está na
posse da instituição de crédito. Apenas as duas chaves, em conjunto, permitem o
acesso ao banco. Isto também significa que, de alguma forma, a IC vai responder
perante o seu cliente pela própria integridade do cofre. E responde por essa
integridade e pela vigilância do local. Não responde é pelo conteúdo do cofre -
depende, naturalmente, do que as partes tenham concretamente acordado, mas, por
via de regra, o banco não responde pelo conteúdo do cofre. Poderá ser
responsabilizado pela integridade e pela segurança, mas nunca pelo conteúdo do cofre
(as joias, os documentos, os valores, etc, que se inseriram no interior do cofre).
Temos indiscutivelmente uma combinação de elementos da locação com
elementos do depósito, mas há também uma prestação de serviço. Aos elementos da
locação e aos elementos do depósito acrescem elementos do contrato de prestação de
serviço. Há aqui uma conjugação de elementos típicos de vários contratos.

127

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

Não se pode é falar em depósito, não só porque efetivamente, como referi, o


banco não conhece o objeto que se guarda no cofre, mas, por outro lado, porque este
contrato chamado de depósito em cofre forte é um contrato válida e eficazmente
celebrado ainda que não haja entrega de valores. E como sabem, o contrato de
depósito, nos termos do nosso direito civil, é um contrato real quanto à constituição. E
aqui este contrato celebra-se independentemente da entrega de qualquer objeto. Por
outro lado ainda, a responsabilidade do banco nunca se refere, a não ser que as partes
tenham convencionado em sentido diferente, ao conteúdo do próprio cofre. Temos
elementos do contrato de depósito, do de locação e do de prestação de serviço.

Temos depois os depósito de títulos. Quanto a este contrato, contrato de


depósito de títulos, o depositário, portanto o banco, fica obrigado a guardá-los.
Impende sobre o banco um dever de custódia, o banco tem o de dever de guardar
esses títulos. Naturalmente, tem a obrigação de restituir esses títulos ao depositante
logo que este lhos exija. Mas também acontece, muitas vezes, que o cliente vá
incumbir o banco de gerir ou administrar esses títulos - incumbe o banco de exercer
uma administração ordinária desses mesmos títulos. Eventualmente até de uma
administração extraordinária - pode conceder ao banco poderes de disposição desses
mesmos títulos que deposita.
Reparem que este contrato é um mecanismo jurídico através do qual se edifica
o contrato de gestão de carteiras. Então, há um contrato de depósito que está na base
do contrato de gestão de carteiras ou de gestão de património, se se tratar de títulos
de valores mobiliários ou de outros instrumentos financeiros. Há um facto que tem por
base, em princípio, um depósito de títulos.
Temos aqui que, aos elementos do contrato de depósito vão juntar-se
elementos do contrato de prestação de serviço. Designadamente a administração:
quando o banco administra esses mesmos títulos, através da prática de atos materiais.
O banco vai administrar, por exemplo, esses títulos, apresentando-os a pagamento
através da prática de atos materiais.
Mas pode ser também com a combinação de elementos do mandato. Portanto,
elementos do depósito, elementos da prestação de serviço e elementos do mandato.
Por exemplo, quando o banco vai proceder à alienação desses valores, está a praticar
um ato jurídico, em princípio, por conta e em nome do seu cliente. Teremos aqui um
mandato, em principio, com representação, mas que poderá ser também sem
representação. Ou seja, elementos típicos de três contratos distintos.
O valor económico eminentemente instrumental dos títulos vem ilustrar um
nível de intervenção diferente relativamente à custódia passiva que é típica do
depósito comum. No depósito do CC há uma custódia passiva por parte do depositário.
Isso não se verifica no âmbito do contrato de títulos, em que há uma intervenção ativa
por parte do depositário, que, designadamente, em muitos casos, é o administrador
desses mesmos títulos. Temos aqui que sobre o depositário, sobre o banco, recaem

128

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

obrigações de tutela dos direitos inerentes ao título. O banco vai ter que cumprir ou
realizar as operações necessárias para salvaguardar, por exemplo, a função
instrumental do documento - do título.
Por outro lado, o banco vai ter que praticar os atos de conservação substancial
dos direitos incorporados no próprio título. Por exemplo, a declaração de interrupção
da prescrição do direito incorporado no título, se for caso disso.
A quem compete a iniciativa processual? Por via de regra, quando a estes
direitos incorporados nos títulos, é suficiente que o banco despolete a intervenção
direta do cliente e fá-lo através do cumprimento de obrigações de aviso. Cumpre as
suas obrigações de aviso perante o cliente e este age então diretamente.
Todavia, se o cliente não estiver em condições de agir tempestivamente, essa
iniciativa é da competência do banco. Essa iniciativa processual a que haja lugar.
Há aqui obrigações de cooperação no exercício dos direitos e no cumprimento
das obrigações por parte do cliente. Obrigações de cooperação que recaem sobre o
cliente bancário.

Agora, o contrato de depósito de disponibilidades monetárias. Neste depósito


podemos classificar a conta bancária, por exemplo, atendendo ao grau de
disponibilidade do depositante.

De acordo com este critério, o critério do grau de disponibilidade do


depositante, temos o Depósito à Ordem (ou à vista). Aqui o depositante pode solicitar
ao banco a entrega total ou parcial das quantias depositadas quanto muito bem
entender. Quando quiser. Em qualquer momento. E isto independentemente de
qualquer aviso prévio.
Este depósito é reembolsável imediatamente a pedido do depositante.
Naturalmente que a entrega das quantias depositadas é um entrega que pode ser feita
de diversas formas. Pode ser feita, por exemplo, através de um levantamento que seja
efetuado pelo próprio depositante. Mas essa entrega da quantia depositada pode ser
feita também por via da emissão de uma ordem de pagamento a favor de um terceiro,
designadamente através da emissão de uma cheque ou de uma transferência bancária.

Temos depois o Depósito a Prazo. Aqui estabelece-se um prazo, um prazo para


o reembolso. Isto quer dizer que a quantia depositada só pode ser levantada, em
princípio, a partir do termo do prazo estipulado pelas partes. E considera-se, no
depósito a prazo, que o prazo (ou o termo) é estabelecido a favor de ambas as partes:
a favor do banco e a favor do depositante. A favor do devedor e a favor do credor.
O que significa que o credor, que é o depositante, não pode reclamar a entrega
do montante em depósito antes do vencimento do prazo. Porque esse prazo foi
também estabelecido a favor da IC, a favor do banco. Ou seja, isso só pode acontecer,

129

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

esse reembolso antecipado da quantia depositada, em princípio, com o consentimento


do banco (se o banco assentir nesse levantamento).
Há diversos tipos de depósito a prazo no que toca à faculdade da sua
mobilização antecipada ou não. Há depósitos a prazo que são mobilizáveis
antecipadamente pelo cliente e há depósitos a prazo que não são mobilizáveis
antecipadamente pelo cliente.
No caso de serem mobilizáveis antecipadamente pelo cliente, se o cliente
efetivamente o fizer vai arcar com penalizações. Desde logo na respetiva remuneração
(que, hoje, tende a ser igual a zero - está salvaguardado pelo Banco de Portugal [BP]
que não pode ser negativa essa remuneração).

Temos depois o depósito com pré aviso. Aqui não há um prazo estipulado, mas
a quantia depositada só pode ser levantada na sua totalidade ou em parte depois de o
banco ter sido avisado com determinada antecedência.

Temos depois depósitos que são constituídos em regime especial. Ora, a


celebração de depósitos em regime especial sujeita os bancos à prévia comunicação
das características destes depósitos ao BP; e o BP tem poderes para emitir
recomendações acerca destes mesmos depósitos especiais.

Hoje, no âmbito ainda dos depósitos de disponibilidades monetárias, podemos


ainda distinguir os vários depósitos tendo em conta o número de titulares.
Como temos a conta singular, que como a própria denominação indica, é
quando o titular da conta é uma única pessoa.
Por contraposição à conta singular, temos a conta plural (ou coletiva). Esta é a
conta em que figuram como titulares duas ou mais pessoas. Esta conta pode, por sua
vez, ser conjunta ou solidária. Será uma conta plural conjunta se apenas puder ser
movimentada a débito pelos contitulares em conjunto; se os titulares da conta forem A
e B esta conta será conjunta se apenas puder ser movimentada a débito
conjuntamente por A e B. Por outro lado, o banco, numa conta conjunta, só pode
efetuar a prestação aos dois em conjunto ( a A e a B). Ou seja, não pode efetuar o
reembolso a A ou a B, tem de o efetuar conjuntamente a A e a B.

A conta poderá ser solidária, em vez de conjunta. Sê-lo-á se for movimentável


por qualquer dos titulares disjuntivamente. Portanto, por A ou por B. A ou B podem,
isoladamente, movimentar a conta bancária. Isto é o mais frequente no ambo dos
depósitos bancários no casamento. São normalmente depósitos solidários, os
depósitos dos cônjuges costumam ser depósitos solidários. O banco aqui só tem de
pagar uma vez a soma devida. O art.º 528 do CC permite ao banco escolher o credor
solidário, ou seja A ou B, a quem pagar. Enquanto não for judicialmente citado para a

130

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

respetiva ação por outro credor cujo crédito se haja vencido. Isto é o que nos diz o
art.º 528º no âmbito da solidariedade ativa.
Qualquer dos credores, portanto qualquer dos titulares da conta, ou A ou B,
apesar da indivisibilidade da prestação que está em causa, qualquer um deles tem a
faculdade de exigir do banco, por si só, a prestação integral. Ou seja, A ou B,
isoladamente, podem exigir do banco o reembolso da totalidade da quantia
depositada. Naturalmente, acrescida dos respetivos juros, quando e se os houver.
Portanto, A ou B podem exigir isoladamente esse montante.
O banco, realizando/cumprindo essa prestação de reembolso perante A ou
perante B, fica liberado. O banco depositário fica liberado para com o outro, ou outros,
credor(es) solidário(s), nos termos do art.º 512 do CC.
Portanto, qualquer dos titulares pode, na conta solidária, por si só, livremente,
realizar qualquer tipo de operação.

Mas podemos ter ainda, quanto ao número de titulares, uma conta mista. Uma
conta que vai combinar características da conjunção com características da
solidariedade. Por exemplo, uma conta que seja movimentada necessariamente por A
(uma conta titulada por A, B e C). Essa conta será sempre movimentada forçosamente
por A em conjunto com outro dos titulares. Esse outro titular poderá ser,
indiferenciadamente, B ou C. E aqui nós temos características da conjunção e da
solidariedade. Temos aqui uma conta denominada conta mista. Não é nem puramente
conjunta nem solidária. No fundo, é uma combinação das características das
anteriores.

E aqui coloca-se uma questão, no âmbito do depósito bancário de


disponibilidades monetárias. A questão da compensação. É uma questão
controvertida, a questão da compensação no âmbito do depósito bancário.
[Exemplo prático:] o Banco X celebrou (por exemplo) com A um contrato de
mútuo para aquisição de habitação própria. Temos aqui uma operação bancária ativa,
certo? O banco assume uma posição credora. Temos aqui um mútuo.
E o banco X celebra também com A um contrato de depósito de
disponibilidades monetárias.
A incumpre o seu dever de restituir o capital mutuado e pagamento dos juros
ao banco X. E o banco pretende saber se pode proceder à compensação. O banco é
credor no contrato de mútuo e é devedor no contrato de depósito de disponibilidades
monetárias. Operação bancária ativa e passiva, respetivamente. O banco pretende
saber se pode compensar o crédito de que é titular, por força do contrato de mútuo,
com o contracrédito do seu cliente. Portanto o crédito ativo que decorre do contrato
de mútuo com o crédito passivo que decorre do contrato de depósito de
disponibilidades monetárias a favor de A.
Pretende saber se poderá proceder a esta compensação.

131

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

Não estamos a falar de penhor, ou seja, não há a constituição de penhor deste


depósito para garantia do cumprimento do contrato de mútuo. Não há qualquer
constituição de uma garantia especial. Trata-se apenas de saber se funciona ou não
funciona o mecanismo compensatório se não tiver sido estabelecida uma
compensação convencional entre as partes. Portanto, se opera ou não opera a
compensação dos artigos 847.º e seguintes do CC. Se se verificam ou não os requisitos
da compensação legalmente previstos no art.º 847/1.

É isso que vamos ver na aula a seguir.

[INTERVALO]

Bom, então voltemos aqui à compensação.


É a questão de saber se o banco pode proceder à compensação de créditos
sobre A, baseados no contrato de mútuo com os créditos de que A é titular perante o
banco, em virtude do depósito.
Este é um caso muito simples de compensação. Se consultarem as normas dos
artigos 847.º e seguintes do CC poderão ver que, tratando-se de um depósito singular,
que tem A como único titular, a resposta não é muito difícil. Verificar-se-ão os
requisitos previstos no art.º 847 do CC. Portanto aqui, este caso, não suscita grandes
dificuldades.
Não suscita grandes dificuldades desde que se trate, quanto ao grau de
disponibilidade do depositante, de que tipo de depósito?
Caso mais simples: um depósito singular à ordem (ou à vista). À partida este
caso não suscita grandes dúvidas. Verificam-se os requisitos do art.º 847, partindo-se
do princípio de que se trata de um deposito à ordem singular entre o banco X e A.
Então, se for um depósito a prazo? Se entre A e X tiver sido celebrado um
contrato de depósito de disponibilidades monetárias a prazo? O banco poderá
proceder a esta compensação do crédito de que é titular perante A em virtude do
mútuo, com o crédito de que A é titular perante o banco em virtude do, ou não?
Verificam-se, ou não, os requisitos da compensação do art.º 847 do CC?
A compensação, como sabem, é uma das formas de extinção das obrigações
previstas no CC. Trata-se da extinção de duas obrigações em que o credor de uma
delas é devedor da outra. Há uma reciprocidade de créditos para que tenha lugar este
instituto. Há um encontro de contas entre o banco X e A. Este encontro de contas em
que se consubstancia a compensação justifica-se pela conveniência de evitar
pagamentos recíprocos às partes (um "ir e vir" desnecessário - o banco pagava a A
para depois A pagar ao banco). Tal movimento é dispensado através da compensação.
Este "ir e vir" de que fala a doutrina não tem lugar por força da compensação.

132

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

Estas dívidas, em princípio, não serão de igual montante. Ou seja, a dívida de


que A é titular perante o banco (em virtude do mútuo) e que incumpre e a dívida de
que o banco é titular perante A (em virtude do depósito de disponibilidades
monetárias) não serão de igual montante. Então, não o sendo (só por grande
coincidência é que as dívidas em causa teriam o mesmo valor), como é que se processa
a compensação?
Temos uma norma do CC que permite que se extinga a dívida de menor
montante. É o art. 847º n.º 2 que permite que se extinga a dívida de menor montante.
O devedor da outra obrigação (da dívida de maior valor), o sujeito passivo dessa dívida
continua obrigado a prestar a diferença. A diferença entre o que devia inicialmente ae
aquilo que deve agora, depois da compensação - art.º 847, n.º 2.
Nós temos aqui um caso de compensação legal, que é o caso em que o banco X,
por ato unilateral, compensa um crédito sobre A, com um Depósito que A tem no
banco X.
Quais são os pressupostos da compensação? São os que constam, como referi,
do art.º 847. E nesse artigo constam:
 A reciprocidade dos créditos; portanto a reciprocidade é o primeiro requisito
que o legislador refere para a compensação;
 A validade, a exigibilidade e a exequibilidade do crédito ativo, ou seja do
crédito do compensante - neste caso, o crédito de que o banco X é titular; o
crédito de que o banco X é titular tem que ser um crédito exigível, tem que ser
também um crédito válido e tem que se rum crédito exequível, nos termos do
art. 847.º;
 Por outro lado, outro mecanismo para que atue, ou possa atuar, o mecanismo
da compensação é a fungibilidade do objeto das prestações; portanto a
fungibilidade; ora nós temos aqui prestações pecuniárias, logo o objeto é
claramente fungível; é a homogeneidade de que nos fala o artigo 847.º;
 Por último, tem que verificar-se a existência e a validade do crédito passivo, ou
seja, existência e validade do crédito de A [no caso], do crédito de que A é
titular em virtude da celebração do contrato de depósito de disponibilidades
monetárias.

São estes os requisitos legalmente consagrados para que a compensação possa


ocorrer, posso proceder.
Quanto à reciprocidade dos créditos. Nos termos do art.º 847.º, e reparem na
linguagem, na terminologia do legislador, o legislador diz que quando as pessoas sejam
reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação.
"Livrar-se" não é uma terminologia propriamente rigorosa do ponto de vista jurídico.
"Pode livrar-se da sua obrigação". Não é a terminologia semanticamente, digamos, não
é talvez a fórmula mais correta. Pode livrar-se, em primeiro lugar e, segundo lugar,

133

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

obrigação. Pode livrar-se da dívida. Não se compensam obrigações, compensam-se


créditos ou compensam-se dívidas, mas não obrigações.
Bom, então quanto a este requisito da reciprocidade. Para que o devedor, nos
termos da lei, se possa livrar da sua dívida, por compensação, é necessário que ele,
devedor, seja também credor do seu credor. Quanto à reciprocidade, este requisito
verifica-se, ou não, no caso em apreço? Sim, verifica. Este primeiro requisito, não há
dívida, os créditos são recíprocos. Há aqui uma reciprocidade. A lei não exige, para
efeitos de compensação, qualquer tipo de conexão entre os créditos. Exige apenas a
reciprocidade, mas sem qualquer necessidade de requisito adicional de conexão entre
os créditos. Diferentemente do que sucede no âmbito da exceção de não
cumprimento do contrato ou no âmbito do direito de retenção, etc., que
desempenham funções semelhantes, de alguma, forma, do ponto de vista garantístico,
à função exercida pela compensação, aqui a lei não exige qualquer conexão. Basta a
reciprocidade subjetiva.
Esta reciprocidade pressupõe, de alguma forma, uma intersubjetividade. Será
necessária esta intersubjetividade em todos os casos? Se se tratar de patrimónios
autónomos, se uma pessoa for titular de vários patrimónios, será necessária a
intersubjetividade para que se verifique a reciprocidade dos créditos? É uma questão
que pode surgir também.
De qualquer forma, este requisito, no caso concreto, verifica-se. Há
reciprocidade dos créditos.

Por outro, o crédito ativo, ou seja, o crédito do banco X sobre A, é um crédito


válido (não temos nenhum elemento que aponte em contrário).
É um crédito exigível, ou seja, é um crédito que se não for cumprido, o banco
pode recorrer aos mecanismos judiciais. É exigível judicialmente, é o que se quer dizer
com este requisito. Não se trata, não corresponde a nenhuma obrigação natural. Não
se trata de nenhum poder de pretender, trata-se de um verdadeiro poder de exigir. É
judicialmente exigível.
E é exequível. Portanto, este requisito também se verifica.

No que toca à homogeneidade das prestações: que as duas obrigações tenham


por objecto coisas fungíveis, da mesma espécie e qualidade. É o que nos diz o art.º 847
n.º 1 al. b). Este requisito também se preenche no caso concreto, uma vez que ambas
as prestações, ou as duas obrigações, têm por objeto o dinheiro (e não há nada mais
fungível do que o dinheiro). Este requisito também se verifica.

Em quarto lugar, é necessário que verifique a existência e a validade do crédito


passivo, do crédito de que é titular A perante X para que a compensação processa. Ao
que parece, sem outros elementos, poder-se-á também dizer que este requisito é
observado no caso em apreço.

134

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

Então, o banco X teria que emitir uma declaração de compensação. Uma


declaração de compensação, ora nós temos aqui uma declaração recetícia. Só uma
declaração que nos termos do art.º 224 n.º 1 do CC, para produzir efeitos tem que ser
recebida pelo destinatário, tem que chegar ao seu conhecimento para produzir os
respetivos efeitos.
Ora, uma vez feita a declaração de compensação pelo banco X a A, os efeitos da
compensação retroagem precisamente ao momento em que os créditos se tornaram
compensáveis, conforme o art.º 854. Esta norma é muito importante, é a norma que
estabelece a retroatividade da compensação.
Porquê? Quando há declaração de compensação, os créditos consideram-se
extintos desde o momento em que se tornaram compensáveis. Ou seja, a
compensação não opera ipso iure, sendo que é necessária uma declaração de
compensação emitida pelo compensante ao destinatário para que seja recetícia. Só
produz efeitos nos termos do art. 224º n.º 1, quando chega ao conhecimento do
declaratário.
Mas, vai retroagir, nos termos art.º 854. Os créditos consideram-se extintos
desde o momento em que se tornaram compensáveis. Ou seja, não é desde o
momento em que se emite a declaração de compensação ou desde o momento em
que a declaração de compensação chega à esfera de conhecimento do
destinatário/compensário, mas é a partir do momento em que os créditos se tornaram
compensáveis. E os créditos tornam-se compensáveis quando se verificam aqueles
pressupostos.
Qual é a relevância prática? Um exemplo da relevância prática desta norma que
estabelece a retroatividade da compensação?
Os juros! Portanto, se os créditos se consideram extintos no momento em que
se tornaram compensáveis, quer dizer que a partir desse momento não são devidos
juros, desde logo.
Outro exemplo da relevância prática desta norma: imaginem que no momento
em que se verificam os requisitos da compensação, por exemplo o A não pode invocar
a prescrição do direito do banco X; mas quando o banco X emite a declaração de
compensação a dívida está prescrita. O facto de nós termos uma norma que
estabelece a retroatividade significa que A não pode invocar a prescrição porque no
momento em que os créditos se tornaram compensáveis a dívida ainda não estava
prescrita, portanto nesse momento não poderia nunca invocar a prescrição. Como há
essa retroatividade, fica também arredada essa possibilidade. É uma norma com
consequências práticas relevantes, a norma do art.º 854 do CC.
Os créditos consideram-se extintos, e, também, as respetivas garantias do seu
cumprimento e os acessórios dos créditos, desde o momento em que se tornaram
compensáveis e não apenas a partir do momento em que o compensante manifesta a
intenção de compensar ou de extinguir esses créditos por via da compensação.

135

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

E se for um depósito a prazo? Agora não é um depósito à ordem que foi


celebrado entre A e B. (Ou pode ser também! Mas suponhamos que o montante
depositado nesta conta é manifestamente insuficiente para que o banco proceda à
compensação.)
Há também um contrato de depósito a prazo celebrado entre o banco X e A.
Agora banco X quer saber se pode ou não compensar o crédito de que é titular perante
A com crédito de que A é titular perante ele, banco X, em virtude do depósito a prazo.
Em primeiro lugar nós tínhamos de ver se o prazo já estava vencido ou não. A
dificuldade surge se o prazo não se tiver vencido.
Ora, neste caso o depósito só é exigível quando ocorrer o termo. Um dos
requisitos da compensação é o da exigibilidade do crédito. É um dos requisitos para
que a compensação efetivamente processa. Só que este requisito da exigibilidade do
crédito, nos termos do 847.º/1/a), refere-se a que crédito? Refere-se ao crédito do
compensante, ao crédito do banco X. E o crédito do banco X, que é o crédito corrente
do contrato de mutuo, é exigível. O que não é exigível é o crédito passivo, o crédito de
que é titular A perante o banco X em virtude deste contrato de depósito.
Quanto ao crédito passivo, o crédito de A perante o banco X, só se exige a sua
existência e a sua validade. Nada mais se exige do que exista e que seja válido no que
toca ao crédito da contraparte. À primeira vista, parece que se existir o crédito do
depositante, como parece que existe (A é titular de um direito de crédito à restituição
do montante depositado no banco X), e sendo esse crédito válido. Parece que nenhum
obstáculo se levantaria possibilidade de compensação de que o banco X pretende
lançar mão.

Todavia, a dívida do banco ainda não está vencida, como vimos. A dívida
corrente deste contrato de depósito. Ora o banco pode renunciar ao benefício do
prazo. Portanto o banco pode, para exercer a compensação, renunciar ao benefício do
prazo. Se quiser extinguir, por compensação, a sua dívida com o crédito que já é
exigível (o crédito oriundo do contrato de mútuo) o banco pode renunciar ao benefício
do prazo para si decorrente do contrato de depósito a prazo. Não há nenhuma razão
que o impeça de renunciar ao benefício do prazo.
No entanto, o prazo nos contratos de depósito a prazo é estabelecido, não
apenas em benefício do banco, mas também em benefício do depositante. Em
benefício de A, de acordo com art.º 1147 do CC. O prazo é estabelecido em benefício
de ambas as partes.
Sendo assim, há autores que consideram que não é viável a compensação
nestes casos, nestas hipóteses. Não é viável na hipótese em apreço, uma vez que o
prazo não é estabelecido em benefício exclusivo do banco que é o devedor no contrato
de depósito bancário.

136

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

Mas, outra tese (que parece ser a mais correta), num caso destes, como
resolveria o problema? Ninguém tem o Código Civil? [não…].
Esta tese, que tende a ganhar foros de cidadania, permite ao banco lançar mão
da compensação mas pagando antecipadamente os juros, uma vez que o prazo é
estabelecido também em benefício do depositante. Antes do vencimento vai exercer a
compensação e portanto vai pagar antecipadamente os juros, por força dos artigos
1147.º e 1206.º do CC.

Outra situação que pode surgir e suscita algumas dificuldades:


Imagine-se que tudo se mantém igual a não ser que os titulares do depósito são
A e B. No contrato de mútuo se mantem apenas A como devedor. No depósito de
disponibilidades monetárias, os credores do banco são a e B.
Vamos colocar a primeira hipótese, a hipótese de se tratar de um depósito
conjunto. Portanto este contrato de depósito celebrado entre A e B, por um lado, e o
bano X, por outro, é um depósito conjunto. O depósito é à ordem.
Nós temos aqui um depósito que se caracteriza pelo facto de apenas poder
mobilizado, quer na sua totalidade quer em parte, pela atuação conjunta dos dois
titulares: por A e B. Só os dois, conjuntamente, podem mobilizar esta conta de
depósito.
Isto significaria, como consequência desta característica do depósito em causa,
que poderia parecer o banco não poderia compensar um crédito de que é titular
perante A (e apenas A), decorrente do contrato de mútuo que celebrou com A, com
um crédito que todos os contitulares da conta têm perante o banco X. Compensar um
crédito de que é titular unicamente perante A com um crédito que todos os
contitulares da conta têm perante o banco X. Esta impossibilidade pareceria uma
consequência lógica da conjunção. Isto é, se nenhum dos titulares da conta pode,
individualmente, proceder ao levantamento da quantia depositada, isto quer dizer que
também o banco não pode, ele próprio, unilateralmente, extinguir o débito que tem
perante a totalidade dos titulares (A e B) com a compensação com um crédito de que o
banco é titular perante apenas um dos contitulares da conta de depósito bancário. Ou
seja, A, que é um contitular da conta bancária e devedor do banco, por si só, uma vez
que se trata de uma conta plural e conjunta, não poderia extinguir o débito do banco
decorrente do depósito bancário, uma vez que ele isoladamente não poderia proceder
ao levantamento da respetiva quantia.
Qual é o requisito da compensação que falta aqui? Ou que, à primeira vista,
não se cumpre? É o da reciprocidade. Não seria observado esse requisito que é o da
reciprocidade dos créditos, um requisito fundamental para que a compensação
proceda. Ou seja, era necessário que o banco fosse credor do seu credor; que o banco
fosse credor do seu cliente. Ora o banco é credor de um dos depositantes: de A, e só
de A. Mas sabemos que a conta tem dois titulares e que o banco é apenas credor de
um desses titulares. Portanto, o banco não é credor, nesta perspetiva, do seu credor,

137

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

porque os seus credores são, conjuntamente, A e B, e X é apenas credor de A (foi


apenas com ele que celebrou o contrato de mútuo para aquisição de habitação
própria).
Para além disso, uma vez que se trata de uma conta conjunta, de um depósito
conjunto, para que os direitos inerentes a essa mesma conta possam ser exercidos,
como vimos, exige-se a atuação de A e B (todos os titulares da conta). Admitir uma
compensação pelo débito de apenas um dos contitulares da conta bancária diz-se que
iria forçar a vontade das partes. Não estaria de acordo com a vontade das partes
quando foi celebrado o contrato de depósito bancário.
Por outro lado, também se diz que , ao permitir-se a compensação nestas
circunstâncias estar-se-ia a abrir a porta para defraudar os próprios termos do
contrato de abertura de conta. Ou seja, A, que nos termos do contrato que celebrou
com o banco juntamente com B, não pode, ele sozinho, movimentar aquela conta
(proceder à respetiva movimentação, ao respetivo levantamento das quantias
depositadas), o que faz é contrair dívidas junto do banco - o que conduz ao mesmo
resultado quando o banco lança mão da compensação. Ou seja, o resultado, ou a
consequência, seria aquela que as partes não quiseram quando celebraram este tipo
de contrato com o banco X, isto é, a utilização isolada do saldo da conta bancária. A
acabaria, indiretamente, por movimentar este depósito bancário através da contração
de dívidas junto do banco X porque a seguir este banco acabaria por fazer uso do
instituto da compensação. Defraudar-se-iam os termos do contrato que foi celebrado e
não terá sido essa a vontade das partes quando celebraram esse contrato.

Todavia, poder-se-ia dizer que desta forma uma conta conjunta ou um depósito
conjunto tornar-se-ia indisponível. Tornar-se-ia impenhorável. Tornar-se-ia inatingível,
por força das dívidas de apenas um dos seus contitulares. A é devedor do banco e é
contitular desta conta bancária em conjunto com B e por força dos termos do contrato
de depósito que celebraram com X o credor ficaria definitivamente insatisfeito. Porque
esta conta se tornava, por força da pluralidade de titulares e do regime da conjunção,
totalmente inatingível por parte do credor. Também é um resultado que não se
pretende, tornar essa conta totalmente à margem da satisfação do crédito do banco X.

Isto quer dizer que se assim fosse, A poderia eximir-se às regras da


responsabilidade patrimonial. Podia eximir-se, escapar a essas regras. Bastar-lhe-ia ir
abrindo contas conjuntas com pessoas da sua confiança. Essas contas eram inatingíveis
para os credores, designadamente para os bancos (é isso que está em jogo) que não
poderia lançar mão da compensação. A ia contraindo débitos e salvaguardava o seu
património, contornando as regras da garantia do cumprimento das obrigações, da
garantia geral do cumprimento das obrigações, mediante a celebração de diversos
contratos de depósito conjunto com pessoas da sua confiança.

138

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

O que se diz, ou o que se pode dizer nestes casos é então que o banco poderá
lançar mão da compensação. Poderá lançar mão da compensação, mas em que moldes
é que o banco poderá proceder a essa compensação? Atendendo às particularidades
do caso em apreço? (um depósito plural conjunto, ainda que se trate de um depósito à
ordem).
O que aqui se diz é que se pode aplicar a norma do art.º 1403º nº 2, 2.ª parte.
Ou seja, as quotas presumem-se todavia quantitativamente iguais na falta de indicação
em contrário do título constitutivo. Portanto, nos termos deste artigo, aplicam-se as
regras da compropriedade a outras formas de comunhão ou contitularidade; portanto
vai aplicar-se a norma do art.º 1403/2/2ªpt, por força do art.º 1404, e vão presumir-se
iguais as quotas de A e B. É uma presunção iuris tantum, naturalmente que pode ser
ilidida mediante prova do contrário. Não se fazendo essa prova, o banco poderia
compensar até 50% do saldo da conta bancária.

Agora, em vez de ser conjunto, o depósito é solidário.


[aluno propõe solução: banco teria a faculdade de esgotar o saldo da conta
solidária, no caso em apreço]
É uma das posições, mais uma vez.
Todos estão de acordo?
[aluno discorda, embora sem base legal, por considerar "injusto" que seria B a
ter de, "internamente", acionar um direito de regresso sobre A, caso o banco
esgotasse a totalidade do saldo da conta solidária por compensação com o crédito que
detém em virtude do contrato de mútuo]

Aqui interessa terem em conta que há uma querela (tal como no caso anterior).
As soluções não são pacíficas. Há uma querela que não é recente, mas que se mantém.
Uma querela a propósito da compensação no âmbito dos depósitos, sobretudo plurais
quer conjuntos quer solidárias. Não há unanimidade, a querela subsiste. Há
argumentos favoráveis e desfavoráveis em qualquer das teses invocadas ou
preconizadas neste contexto. Num caso destes, se forem advogados, terão de
defender aquela ["que der mais jeito", diz um aluno; *risos*]. Não, então se forem
juízos, aquela que considerem mais adequada [*mais risos, mais prolongados*].
Sabendo que existe a querela, conhecendo de facto essas divergências, optam
por aquela que considerem mais correta. Ou até por uma terceira via, não tem de ser
uma delas. Pode ser uma outra.
Esta questão agora, do depósito solidário - já sabemos que qualquer dos
titulares da conta pode, por si só, esgotar o saldo da conta bancária. É essa umas das
características da solidariedade: tanto A como B podem, disjuntivamente, exigir do
banco X a restituição/o reembolso total da quantia que foi depositada. Podem
proceder a essa movimentação.

139

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

A e B são credores solidários do banco X, o que implica que cada um deles, na


qualidade de credor solidário, tem a faculdade de exigir, por si só, a prestação integral
do banco, nos termos do art.º 512º do CC.
O banco, neste caso, tem efetivamente um crédito sobre um dos cotitulares da
conta. Sobre um deles, que é A. E o banco, tendo esse crédito sobre um dos
contitulares da conta (imagine-se até que a conta tem um saldo superior ao montante
em dívida por A), não quer deixar escapar esta possibilidade de se autossatisfazer, de
recorrer a este meio de autotutela que é a compensação. Quer lançar mão do instituto
da compensação. Quer compensar o crédito de que é titular perante A com o crédito
de que A e B são contitulares perante ele (banco X), com o saldo positivo da conta de
que o banco é devedor perante ambos os titulares.

Há quem diga que não pode ser reconhecido ao banco o poder de debitar esta
conta co-titulada por A e B. Não pode ser debitada num montante de um crédito de
que o banco é titular contra apenas um dos depositantes, portanto contra A. Não
poderia fazê-lo. Trata-se de uma RJ estranha ao contrato de depósito. O contrato de
mútuo que foi celebrado entre A e X é uma relação estranha, alheia, ao contrato de
depósito que foi celebrado entre o banco, por um lado, e A e B, por outro lado.
Ora, o art.º 532º do CC estabelece que a satisfação de um dos credores por
compensação produz a extinção relativamente a todos os credores da obrigação do
devedor. É o que nos diz a norma do art.º 532º. Este preceito, no âmbito da
solidariedade ativa, estabelece que a satisfação de um dos credores por compensação
produz efetivamente a extinção relativamente a todos os credores da obrigação do
devedor. Portanto, este preceito permitiria que um crédito com titularidade solidária
(que é o caso) se extinga por compensação com um débito de um dos seus titulares
( que é o débito de A perante o banco X).
Todavia, naturalmente, há que saber em que casos é que essa extinção pode
ocorrer. Esta norma do art.º 532º do CC abrange os casos em que é um dos credores
solidários, portanto A ou B (no nosso exemplo), a invocar a compensação de um
crédito que tem sobre o devedor - com o crédito que o banco tem sobre ele,
depositante. Ao que parece, o cliente bancário só pode, para que a compensação
proceda, invocar um débito seu. Não pode invocar um débito que não seja seu. Não
pode invocar um débito de outro dos titulares da conta bancária. Ou seja, de outro
cocredor solidário. Só pode invocar um débito seu.
A hipótese que nós estamos a ver é a da invocação da compensação por parte
do banco. Não por parte de um dos cocredores solidários, que são os casos abrangidos
pela norma do art.º 532º, mas um caso de compensação invocada unilateralmente
pelo banco (o devedor no depósito bancário).
Resta saber se a solução, ou as soluções adotadas no âmbito da norma do art.º
532º do CC são aplicáveis ou não a esta situação. Aqui é necessário saber se existem,

140

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

ou não, normas referentes ao regime jurídico da solidariedade ativa que se aplicam, ou


não, ao depósito bancário. E em causa está a norma do art.º 528º do CC.
Esta norma diz-nos que é permitido ao devedor escolher o credor solidário a
quem satisfaça a prestação enquanto não tiver sido judicialmente citado para a
respetiva ação por outro credor cujo crédito se ache vencido. Se esta norma do art.º
528º se aplicasse ao depósito bancário, isto significava que o banco, perante um
depósito solidário, poderia escolher o cocredor solidário a quem satisfazer a prestação
em dívida. Poderia escolher entre A e B para se liberar da sua obrigação.
Todavia, os interesses que subjazem à norma do art.º 528º são os interesses do
devedor. São os interesses do devedor que estão subjacente à norma do art.º 528º. É
ao devedor que é facultada a possibilidade de escolher o credor a quem realizar a
prestação.
Então, não é isso que se verifica nos depósitos bancários. Nos depósitos
bancários solidários podemos dizer que o regime jurídico se encontra consagrado no
interesse de ambas as partes, não apenas no interesse do devedor - o banco- mas
também no interesse dos credores - no interesse, também, de A e B, cotitulares da
conta bancária.
Qual é o interesse dos credores na solidariedade? Porque é que, por exemplo,
os cônjuges abrem contas de depósito solidárias?
[ocorre pequena tertúlia que se me afigura impercetível]
É precisamente para haver uma enorme liberdade de movimentação, uma
enorme facilidade. Esse é o interesse que é tutelado juridicamente, no que toca aos
credores, pela solidariedade ativa nos depósitos bancários. É isso que está
fundamentalmente em causa.
Neste regime jurídico, dos depósitos solidários, não há qualquer interesse, ou
qualquer pretensão, qualquer intenção, de realizar um interesse do banco - como seria
a facilitação do pagamento da dívida.
Segundo uma determinada posição, esta norma do art.º 528º, que é uma
norma respeitante à solidariedade ativa, seria uma norma inaplicável aos depósitos
solidários. Se aderir a esta tese, defendo que nos depósitos solidários se visa quase
exclusivamente a tutela do interesse dos credores na facilidade de movimentação da
conta (que não há aqui qualquer interesse do devedor tutelado pelo ordenamento
jurídico). De acordo com esta tese, os bancos não têm qualquer interesse na faculdade
de escolha concedida pelo art.º 528º do CC. Inexiste qualquer interesse dos bancos
nesse sentido.
Se assim é, isto significa que o banco não pode, por sua iniciativa, lançar mão
da compensação. Como não é possível ao banco tomar a iniciativa de restituir a
quantia depositada a um dos cocredores, a A ou a B (ao cocredor que muito bem
entender), uma vez que não se aplica a norma do art.º 528º, também não seria
possível ao banco compensar um débito de que seja titular perante um dos cocredores
solidários (o crédito que todos os cocredores detêm sobre ele, o banco X).

141

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

Se o banco não pode extinguir aquela relação jurídica, não pode ele próprio
escolher o credor a quem realizar a prestação ( e portanto, cumprir a sua obrigação),
também não pode extinguir a sua obrigação por uma via diferente do cumprimento -
que seria através da compensação.

Mas a situação seria diferente em que circunstâncias?


A situação seria diferente se fosse A ou B, um dos cotitulares da conta bancária,
a solicitar ao banco a restituição do montante pecuniário depositado. Então o banco
não atenderia a essa solicitação, não restituiria o montante depositado, opondo a esse
credor a compensação. A compensação desse crédito, de que o titular está a fazer
valer junto do banco, com um débito que os mesmo cliente tem perante o banco.
Ou seja, o banco, de acordo com esta tese, só poderia lançar mão da
compensação se fosse A a dirigir-se ao banco e a pedir a restituição do montante
depositado. Então, nessas circunstâncias, o banco oporia a compensação a A. Não
partiria da iniciativa do banco, seria através da oposição da compensação quando A
pretende fazer valer o seu direito de crédito enquanto credor solidário deste depósito
bancário. Uma vez que não se aplicaria a norma do art.º 528º do CC.

Será assim?
[… pausa…]
Ou não?
[… pausa…]

Em primeiro lugar, deve contrariar-se a ideia de que a solidariedade nos


depósitos bancários é estabelecida apenas no interesse dos depositantes. A
solidariedade é também estabelecida no interesse do próprio banco. Tal como
qualquer cláusula contratual, em princípio é sempre estabelecida no interesse de
ambas as partes.
Nos depósitos bancários, a cláusula de solidariedade funciona tanto a favor dos
depositantes como a favor do próprio banco. Já vimos que cada depositante tem, de
facto, a vantagem de poder movimentar sozinho o saldo. E qual é a desvantagem? Tem
a desvantagem de se poder ver despojado, involuntariamente, da totalidade do
montante depositado.
Quanto ao banco, qual é o seu interesse nessa solidariedade? Tem a vantagem
de se poder exonerar perante um único depositante, o que representa uma grande
vantagem para o banco. Tem a desvantagem de aumentar a volatilidade dos depósitos
porque qualquer dos depositantes pode, sozinho, esgotar o saldo da conta bancária.
Não pode então dizer-se que a cláusula de solidariedade é consagrada
unicamente a favor dos depositantes.

142

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

Bom, aqui a norma em jogo seria norma do art.º 516º: "Nas relações entre si,
presume-se que os devedores ou credores solidários comparticipam em partes iguais
na dívida ou no crédito sempre que da relação jurídica entre eles existente não resulte
que são diferentes as suas partes ou que um só deles deve suportar o encargo da
dívida ou obter o benefício do crédito". Isto significa que, de acordo com a posição
hoje maioritária, vamos ter uma solução muito próxima que foi adotada, ou que pode
ser adotada, no âmbito dos depósitos conjuntos.
Esta é uma das teses. Talvez a maioritária do ponto de vista doutrinal e
jurisprudencial, nos depósitos solidários. Relativamente à compensação nos depósitos
solidários. Que conduz a uma solução muito próxima daquela que foi referida a
propósito dos depósitos conjuntos.

A outra é aquela que permite o esgotamento do saldo por força da


solidariedade.
E há também quem não permita a compensação nos depósitos solidários.
Mas, como referi, a tese hoje dominante é a aquela que permite a
compensação com o limite art.º 516º.

9ª Aula de Bancário – 22 de Abril de 2015 – Leonor Melo

Estávamos a terminar a matéria da Compensação. No âmbito de uma conta


solidária vale a presunção iuris tantun estabelecida no art.516ºCC, no que toca à
repartição do saldo da conta. Isto significa que a compensação que o banco possa
exercer contra um dos titulares dessa conta solidária é uma compensação que não
pode ir além, de acordo com esta posição doutrinal, da quota parte desse titular na
respetiva conta bancária solidária. Na conta conjunta vale também a presunção iuris
tantun do art.1403º nº2 CC aplicada por força do art.1404ºCC que diz que a outras
formas de comunhão se aplicam as normas da compropriedade, isto significa que a
faculdade que o banco possa ter, de acordo com algumas teses, de proceder à
compensação dos débitos de um dos titulares da conta conjunta perante o banco,
débitos que não decorrem de relações incluídas nessa conta bancária, com a
compensação, com o saldo da conta conjunta, co-titulada por vários titulares, não
poderá ir além da conta presumida desse co-titular. Tanto no caso da conta solidária
como no da conjunta poder-se-á provar o contrário, de que a cada um dos co-titulares
não tem metade desse saldo, que as quotas têm medidas diferentes. De acordo com
esta tese parece mais razoável, é um resultado que se impõe em nome de um justo
equilíbrio das prestações de ambas as partes que seria imposto em último recurso,
neste caso, pelo princípio da boa-fé. Estamos a tratar do caso em que não há
autorização dos co-titulares para que o banco proceda à compensação, estamos a falar

143

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

da compensação legal, que não convencionada. Esta é uma solução, talvez a mais
razoável, mas que não deixa de ser discutida e discutível, não é uma posição
consensual, nem no âmbito das contas conjuntas nem das solidárias, é discutida pela
doutrina e pela jurisprudência. Contra isto, desde logo, invoca-se o argumento do
princípio da relatividade dos contratos, ou seja, o banco não poderia por força deste
princípio, reclamar de terceiros, do outro co-titular da conta que não é o devedor do
banco, terceiros estes que são alheios em relação ao facto que origina o crédito a favor
do banco, p.ex. o tal contrato de crédito à habitação que tinha sido celebrado entre o
banco e os co-titulares, o outro co-titular é totalmente alheio a esta relação jurídico-
contratual da qual decorre esse crédito para o banco e o débito para um dos co-
titulares da conta bancária, portanto não bastaria para se proceder à compensação
legal nesta matéria, o facto de um dos co-titulares de uma conta conjunta ou solidária
ser devedor dessa mesma instituição de crédito. Portanto, é uma questão que não tem
ainda uma resposta consensual.

Análise do caso distribuído:


(são proferidas algumas opiniões pelos alunos mas não são audíveis)

(Devido à movimentação da professora pela sala, não se consegue entender o que é


proferido na totalidade sobre a análise do caso, percebendo-se apenas as seguintes
frases)

Nesta sede temos três posições: uma não permite o recurso à compensação, mas uma
outra posição em que é o C co-titular da conta solidária que se dirige ao banco e nessa
situação admite-se a compensação, nunca se admite se fosse A a dirigir-se ao banco. A
outra posição admite a aplicação do art.526º.

Qual a posição que invocariam neste caso? Quais são os pressupostos da


compensação?

O que estamos a discutir neste caso é a reciprocidade, saber se este requisito se


verifica ou não para que o banco X possa lançar mão da compensação de um crédito
de que é titular perante C com o crédito de que é titular C perante o banco X. Saber se
se verifica ou não este requisito. A resposta quanto à verificação ou não deste
requisito é dada por estas três posições. O que está em causa é a reciprocidade dos
créditos.

Quanto a alínea b), aqui não é a reciprocidade, temos uma conta solidária, temos um
depósito a prazo celebrado entre o banco X e C, o co-titular da conta é C. O banco X é
devedor de C e C é devedor do banco X e vice-versa, logo o requisito da reciprocidade
está preenchido. A exigibilidade deve-se ao crédito que o banco X tem perante C, não
tem a ver com o crédito de que C é titular perante o banco X. Aqui o problema é outro.
Quer compensar o crédito de que C é titular, que reporta a um depósito a prazo. Aqui

144

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

a questão é a favor de quem é estabelecido o prazo no depósito a prazo? Entende-se


que o prazo é estabelecido a favor de ambas as partes, o que quer dizer que o banco
pode renunciar ao benefício do prazo. O banco estabelece a compensação pagando
antecipadamente os juros, segundo a tese maioritária nesta questão. Qual é o
fundamento legal? Art.1147º CC.

Vamos agora ver a natureza jurídica do contrato de depósito bancário


de disponibilidades monetárias.
É um contrato, sobejamente conhecido do comércio jurídico, e embora seja
assim a nossa lei não estabelece para este contrato nem uma noção legal de depósito
bancário de disponibilidades monetárias e também não estabelece um regime jurídico
completo. A disciplina jurídica deste depósito decorre de um conjunto de diplomas
avulsos, em que fundamentalmente releva o DL nº430/91 de 2/11, que é
precisamente o diploma legal que contem o regime jurídico das contas de depósito.
Todavia também aqui a lei limita-se a descrever, não faz mais do que isso, os tipos de
contrato a que chama depósitos e centra a sua atenção em determinados aspetos
parcelares deste contrato que pretende disciplinar. Não temos uma disciplina jurídica
completa na lei para este contrato.

Art.2º da lei bancária, é importante ter em conta na definição de instituição de


crédito que nos fala em depósitos ou outros fundos reembolsáveis. Art.4º da lei
bancária. Estas duas normas da lei bancária relevam para efeitos deste depósito.
Temos também legislação que regula os depósitos em regime especial, que se
encontram previstos no art.2º DL nº430/91, todavia o regime destes depósitos em
regime especial não altera a situação de depósito bancário de disponibilidades
monetárias.

No art.4º da LB que regula as atividades dos bancos enquanto instituições de


crédito, refere na al.a) que os bancos podem efetuar a recepção de depósitos ou
outros fundos reembolsáveis, mas não nos diz o que se deve entender por depósitos
para efeito da lei. A construção de um regime geral de depósito de disponibilidades
monetárias e também a construção da própria noção geral de depósito é uma tarefa
que tem sido cometida à doutrina e à jurisprudência, não temos desenvolvimentos
legal nesta matéria.

O depósito bancário é antes de mais um contrato socialmente típico, é um tipo


contratual social, não há dúvidas quanto a isto, não é um tipo contratual legal pois o
legislador não adoptou um regime legal completo. Na fixação da disciplina jurídica
deste tipo contratual social tem de se levar em conta um clausulado pelas partes, pelas
instituições de crédito e também ter em conta os usos bancários. Não temos de facto

145

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

um regime jurídico substantivo completo do depósito bancário, contudo o art.1º do DL


430/91 dá-nos elementos para a qualificação e a natureza do depósito bancário.

“ Artigo 1.º - 1 - Os depósitos de disponibilidades monetárias nas instituições de


crédito revestirão uma das seguintes modalidades:

a) Depósitos à ordem;

b) Depósitos com pré-aviso;

c) Depósitos a prazo;

d) Depósitos a prazo não mobilizáveis antecipadamente;

e) Depósitos constituídos em regime especial.

2 - Os depósitos à ordem são exigíveis a todo o tempo.

3 - Os depósitos com pré-aviso são apenas exigíveis depois de prevenido o


depositário, por escrito, com a antecipação fixada na cláusula do pré-aviso, livremente
acordada entre as partes.

4 - Os depósitos a prazo são exigíveis no fim do prazo por que foram constituídos,
podendo, todavia, as instituições de crédito conceder aos seus depositantes, nas
condições acordadas, a sua mobilização antecipada.

5 - Os depósitos a prazo não mobilizáveis antecipadamente são apenas exigíveis


no fim do prazo por que foram constituídos, não podendo ser reembolsados antes do
decurso desse mesmo prazo.”

Desta norma salta a vista que a distinção dos diversos tipos de depósito que o
legislador estabelece no art.1º, é feita em função das condições de exigibilidade das
quantias depositadas. Toda a distinção neste art. estabelecida tem por base esse
critério da exigibilidade por parte do depositante dos valores depositados na
instituição de crédito. Com base nisto pode-se retirar alguns traços típicos deste tipo
de contrato, ou seja, o primeiro traço fundamental que se pode retirar da norma do
art.1º é desde logo que o depósito bancário é uma operação bancária passiva, isto
porque o banco assume uma posição devedora. A lei ao regular o depósito, que é uma
operação característica e fundamental da atividade bancária, no âmbito da
intermediação creditícia que é o âmago irredutível da atividade bancaria, acentua este
aspeto de o banco enquanto devedor do seu cliente, o seu cliente é credor nesta
relação jurídica. Este aspeto é importante, pois se o devedor é aquele sujeito que se
encontra vinculado à realização de uma prestação, esta prestação encontra-se
enquanto tal orientada para a prossecução do interesse do credor, se o banco é o
sujeito que se encontra vinculado à realização dessa prestação, e constituindo a
obrigação típica um traço identificador deste tipo contratual de o banco restituir ou
reembolsar os fundos depositados. O facto de o DL 430/91 imputar
caracteristicamente a alguém, uma posição devedora, uma posição jurídica passiva,
146

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

indicia que está em causa o primeiro e principal interesse subjacente a esta relação
contratual de depósito bancário, e esse é o interesse do cliente que está subjacente ao
depósito bancário. É este interesse que vai configurar o contrato que a lei denomina
como depósito. Efetivamente, em qualquer relação creditícia, a prestação do devedor
está orientada para a realização de um interesse do credor. A lei ao vincar a posição
passiva do banco no depósito bancário está a dizer-nos que o interesse subjacente a
esta relação é o interesse do credor que é o depositante.

Em segundo lugar, o art.1º do DL 430/91, identifica a entrega dos valores


depositados como a prestação fundamental a que o banco se encontra adstrito no
depósito. O depósito bancário surge como um negócio jurídico tipicamente
configurado em torno da obrigação de entrega com que o banco arca.

Em terceiro lugar, se o principal interesse subjacente ao depósito bancário de


disponibilidades monetárias é o interesse do cliente, decorre desta asserção que há
que regular com cuidado as hipóteses de limitação do interesse do credor, do cliente
do banco. Limitações que podem surgir do interesse do cliente em homenagem a
interesses legítimos do banco, estes que podem implicar a limitação do interesse do
cliente nesta relação de depósito. Temos aqui que as situações que há que atender
nesse interesse fundamental, que é o do cliente que está em jogo neste depósito, para
de alguma forma proceder a uma harmonização prática entre o interesse do credor e
interesses legítimos do devedor que possam implicar uma limitação do interesse do
cliente.

Atendendo precisamente ao nº2 e ao nº5 do art.1º do DL 430/91, nós temos


que nos depósitos à ordem o crédito do cliente é exigível em qualquer momento.
Temos que nos depósitos com pré-aviso o crédito do cliente é exigível mas depois de
prevenido o banco por escrito e com a antecipação acordada entre as partes. Nos
depósitos a prazo o crédito do cliente apenas pode ser exigido no fim do período pelo
que foram constituídos, embora o banco possa prever a sua mobilização antecipada.
Por fim, nos depósitos a prazo não mobilizáveis antecipadamente o crédito do cliente é
exigível apenas no fim do prazo estipulado, não podendo ser reembolsado antes do
decurso desse mesmo prazo. Nós aqui temos exemplos dessa configuração do
interesse fundamental da relação do depósito como sendo o do credor, que, contudo
sofre limitações em virtude de interesses legítimos do banco devedor, precisamente
nestas ultimas hipóteses de depósitos que não são à ordem, em depósitos em que os
fundos não podem ser exigidos a todo o tempo.

A lei bancária quando nos dá a definição de instituição de crédito (art.2º),


distingue a espécie ‘depósitos’ dentro do género ‘fundos reembolsáveis’, o que quer
dizer que é legítima a contraposição entre os depósitos contratos e depósitos fundos,
que se pode estabelecer com base na definição legal de instituição de crédito.

147

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

Temos o depósito monetário, não está a referir-se ao de disponibilidades


monetárias, aquele p.ex se alguém entrega uma declaração de moedas comemorativas
do euro faz-se aqui um depósito monetário mas não de disponibilidades monetárias, o
que quer dizer que neste depósito em que o cliente entrega ao banco moedas
comemorativas o que temos é um depósito regular, de acordo com a definição que nos
é dada no CC, de espécies monetárias concretas. Se são espécies monetárias
concretas, se se trata de um depósito regular, isto significa que em espécie estas
moedas têm de ser devolvidas restituídas pelo banco, se A estabeleceu um depósito
monetário no banco X, a quem confiou aquele conjunto de moedas comemorativas, e
depois pretende o seu levantamento e o banco devolve moedas normais, o banco está
a incumprir com o seu cliente, pois aqui a espécie tem de ser restituída pelo
depositário as coisas depositadas, aqui eram espécies concretas de moedas. Isto é
diferente de um depósito de dinheiro, de disponibilidades monetárias, o dinheiro é
moeda genericamente considerada, nunca está em causa um depósito regular, nunca
as notas de euro que A deposita num banco têm de ser restituídas em espécie pelo
banco ao A, é a quantia genericamente considerada no depósito de disponibilidades
monetárias, ou seja de dinheiro.

O contrato de depósito, esta operação bancária, é considerada pelo legislador


como pedra de toque da própria definição de instituição de crédito que é o nos diz no
art.2º da LB. É uma empresa, uma instituição de crédito que tem por atividade receber
depósitos ou outros fundos reembolsáveis com a faculdade de os aplicar por conta
própria. Por outro lado, a lei bancária nos art.8º e 200º, reserva às instituições de
crédito a coleta de depósitos, com a ameaça de penalidades criminais, quem não for
instituição de crédito e proceder à coleta de depósitos age criminalmente. É uma
operação bancária reservada exclusivamente às instituições de crédito. Com a lei de
outubro de 2014, tinha sido feito um depuramento do art.3º da lei bancária que
enumera os tipos de instituições de crédito e nós hoje podemos dizer que estas são
instituições depositárias, o que não acontecia antes de outubro de 2014. Hoje
tendencialmente podemos dizer que as instituições de crédito são instituições
depositárias. Já se preveem novas alterações da lei bancária no âmbito da supervisão.

Já vimos é a operação que é colocada como pedra de toque da definição de


instituição de crédito. O contrato de depósito bancário de disponibilidades monetárias
é o contrato mediante o qual uma pessoa entrega uma quantia pecuniária a um banco,
o banco pode livremente dispor dessa quantia e obriga-se a restituir essa quantia
pecuniária mediante solicitação do depositante e de acordo com as condições
contratualmente estabelecidas pelas partes. O contrato de depósito de
disponibilidades monetárias é ou não um contrato real quanto à constituição? Aqui
não há unanimidade na doutrina. Há quem considere que, como o depósito civil
também o depósito de disponibilidades monetárias, essa questão coloca-se também a
propósito do mútuo, é um contrato real quanto à constituição, é um aspeto que é

148

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

discutido pela doutrina. É um contrato unilateral, sendo que se se considerar que é


real quanto à constituição, não restam dúvidas do carácter unilateral deste contrato ou
então do carácter de bilateral imperfeito deste contrato, é assim p.ex. quando o banco
cobra um determinado preço pela conservação do dinheiro, no caso das quantias
depositadas não atingirem determinado montante é frequente que os bancos cobrem
uma comissão pela conservação do dinheiro e assim seria um contrato bilateral
imperfeito, não é bilateral pois não há sinalagma.

O contrato de depósito de disponibilidades monetárias pode ser oneroso ou


gratuito. É gratuito quando, p.ex. um depósito é celebrado entre o banco x e A e C e
era um depósito à ordem, aqui o depósito bancário de disponibilidades monetárias é
gratuito quando o banco não paga juros, normalmente não paga juros nos contratos
de depósito à ordem e também nos a prazo. É um contrato normalmente celebrado
por adesão, cláusulas contratuais gerais. É um contrato consensual e não formal, não
temos aqui um contrato formal.

Qual é a natureza jurídica dos depósitos pecuniários, de disponibilidades


monetárias? Ou seja, dos contratos mediante os quais o cliente atribui ao banco uma
determinada quantia transmitindo-lhe a propriedade, se é que se pode falar em direito
de propriedade sobre o dinheiro, esse direito de propriedade ou a sua titularidade,
transmite-se para o depositário, de acordo com o depósito bancário. E o cliente do
banco, o depositante, perde essa propriedade sobre a quantia pecuniária e em seu
lugar adquire o direito de crédito, p.ex. A e C adquirem um direito de crédito à
restituição daquele montante depositado na espécie monetária correspondente, é
este o direito de crédito de que são titulares os depositantes, que perdem o direito de
propriedade sobre a quantia depositada, por força da natureza do próprio objeto do
contrato de depósito de disponibilidades monetárias.

No plano da individualização do tipo negocial em causa, que é o contrato de


depósito bancário de disponibilidades monetárias, discute-se se o depósito se
subsume à categoria de depósito irregular, se se subsume à categoria do mútuo, se se
subsume tanto ao depósito irregular quer ao mútuo conforme os tipos de depósito em
causa, ou então se o depósito bancário se subsume a uma nova categoria, categoria de
um depósito especial que nem será rigorosamente um depósito irregular nem um
mútuo mas uma outra categoria.

Como vimos o depósito de disponibilidades monetárias é um negócio que


precisamente no próprio plano tipológico deste contrato é moldado, no plano social
pois é socialmente típico, para responder a uma função diversa daquela que é
prosseguida pelo contrato de mútuo. Qual é a função prosseguida pelo contrato de
mútuo? A função socio-económica, a causa do contrato de mútuo? É o financiamento,
não seria essa a função subjacente a um contrato de depósito de disponibilidades
monetárias. E o depósito bancário mantém também a designação de depósito, é uma

149

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

operação que mantém esta definição por analogia com operações de depósito que
tradicionalmente se fazem com os bancos, como as referidas na aula anterior que se
celebram com os bancos e que são também contratos de depósito. A doutrina não tem
ignorado um traço comum a todas estas operações bancárias que são de depósito e
também ao depósito de disponibilidades monetárias. Esse traço comum, transversal a
todas as operações de depósito praticadas pelos bancos é a segurança que a clientela
procura junto das instituições de crédito, uma segurança para as respetivas
poupanças, para os seus valores, para a sua fortuna, tendo em conta a estabilidade do
sistema financeiro. Esta segurança pode ser uma segurança física, p.ex. quando se
trata de um cofre-forte, a introdução de determinados valores num cofre-forte, isso
proporciona uma segurança física aqueles valores. Mas pode também ser uma
segurança psicológica dos clientes do banco e essa segurança ou confiança psicológica
traduz-se na confiança que a clientela tem na solvibilidade do banco depositário, da
instituição depositária. Ou então pode ser uma segurança que se traduz na confiança
psicológica que se traduz na confiança que os clientes têm na honorabilidade e na
competência dos gestores da instituição de crédito, nos gestores e empregados desta.
Mas o que em todo o caso, qualquer que seja a modalidade do depósito bancário em
jogo, motiva quem se dirija a um banco é confiar a esse banco, depositar nas suas
mãos dinheiro ou outros valores que desejam por a recato.

De acordo com uma tese acerca desta querela sobre a natureza jurídica do
depósito de disponibilidades monetárias temos aqui um depósito, o banco tem sempre
de restituir ao depositante a quantia que lhe foi entregue e essa quantia poderá ou
não ser acrescida de uma certa remuneração. O banco tem de conservar o montante
que lhe foi depositado, isto é, tem de cumprir uma obrigação de guarda ou de
custódia, teríamos um verdadeiro contrato de depósito e esta é a caracterização mais
tradicional na doutrina jurídica, a qualificação do depósito pecuniário como um
contrato verdadeiro e próprio de depósito. À luz das normas gerais do CC, a obrigação
assumida pelo banco que realmente se caracteriza o depósito é a obrigação de
custódia, é o que resulta do art.1185ºCC. De acordo com esta tese, qualifica esta
operação bancária como verdadeiro depósito, não deveria atribuir-se qualquer
relevância ao facto da restituição se fazer em género e não em espécie como no
depósito regular em que a restituição se faz em espécie, não acontece em mesmo no
depósito pecuniário em que a restituição é feita em género e não em espécie
precisamente porque o depósito de disponibilidades monetárias tem por objeto coisa
fungível, que por sinal é a coisa mais fungível de todas que é o dinheiro e é isso o
objeto do depósito bancário. Isto quer dizer que pela sua própria natureza só pode ser
restituído em equivalente do mesmo género e quantidade. Por outro lado, de acordo
com esta mesma posição doutrinal e jurisprudencial, será irrelevante que o banco
depositário, ao abrigo do art.2º da LB, possa dispor por conta própria do dinheiro cuja
guarda lhe foi confiada, isso seria irrelevante para a qualificação jurídica desta
operação bancária. Bastaria atender precisamente à especificidade ou particularidade

150

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

do objeto mediato do negócio jurídico que é o dinheiro, a coisa mais fungível de todas,
que mais não exige de que o contrato seja qualificado como depósito irregular, é uma
figura prevista no art.1205ºCC. Como tem por objeto a coisa mais fungível de todas
seria um depósito irregular. Daqui resultaria outras consequências designadamente, o
que não se verifica no âmbito do depósito regular, mas que se verifica no irregular que
é a transferência da propriedade para o depositário da coisa depositada, se se
transfere para o depositário a propriedade também se transfere para este o risco.
Todavia, por isso a matriz do contrato de depósito seria a abalada, perturbada por
estas duas vicissitudes. Onde melhor se veria a natureza jurídica do depósito do
contrato de depósito de disponibilidades monetárias seria no caso de se tratar de um
depósito à ordem, tanto mais se for gratuita. A ausência de prazo no depósito à ordem
opera a favor do depositante. Por sua vez, o carácter gratuito do depósito faz presumir
que é ainda efetivamente um interesse do depositante que prevalece a favor do
depositário, não corre um prazo cujo benefício se tenha de remunerar, ou seja, se o
contrato de depósito de disponibilidades monetárias se consubstancia-se num
empréstimo, não obstante a denominação depósito, se essa operação fosse
empréstimo que não de depósito, este carácter gratuito seria racionalmente
incompreensível, não se compreenderia a estipulação das partes, quer fosse explicita
ou implícita, do prazo a favor do depositante, será sempre de qualificar esta operação
como depósito irregular de acordo com esta tese.

Quais são os traços característicos de um depósito? A disponibilidade do


dinheiro por parte do depositante é um dos traços. Em segundo lugar o facto de
normalmente o contrato ser da iniciativa do depositante, é o cliente que se dirige ao
banco para celebrar esse contrato. Por outro lado, temos também a ausência de juros
que é a remuneração própria do mútuo que não tem de existir no depósito bancário e
não existe na maioria dos casos de depósito à ordem e tende a não haver nos a prazo.

Há quem diga que em contrapartida, que o depósito de disponibilidades


monetárias não é um depósito, é um contrato de mútuo, ou seja, mais significativo
para esta tese do que o poder do depositante para dispor do dinheiro é a liberdade
que tem o depositário de o exigir, embora aparentemente a iniciativa para a
celebração do contrato seja do depositante, de acordo com esta tese, é juridicamente
mais correto considerar que são os bancos depositários que oferecem aos clientes
estes seus serviços e por isso mesmo em princípio não poderão recusar licitamente à
aceitação de depósitos na medida em que seriam eles que oferecem ao público este
tipo de serviços. Por outro lado, de acordo com esta tese, se existem ou pode haver
depósitos gratuitos ou apenas parcialmente remunerados também muitos dos
depósitos, designadamente os depósitos a prazo, vencem juros tal como se se tratasse
de empréstimos concedidos pelo cliente ao banco, isto quer dizer que não poderiam
deixar de ser qualificados como mútuo.

151

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

Sendo o contrato de depósito, nos termos do art.1155ºCC, uma modalidade do


contrato de prestação de serviço, a prestação do depositário ao depositante é essa a
prestação de serviço que aqui está em jogo, é natural que a celebração do contrato
corresponda a uma necessidade sentida pelo próprio depositante e mais natural seria
que se se tratasse de depósito, que competisse ao depositante remunerar o
depositário pelo serviço prestado e isto não acontece, a não ser em certos casos cujos
montantes depositados não atingem determinado montante mínimo em que o banco
cobra uma comissão pela conservação do dinheiro. Ora se a atividade do depositário
for exercida a título profissional, como é o caso dos bancos, o depósito presume-se
legalmente como sendo oneroso, conforme o art.1158º aplicado por força do
art.1186ºCC. No depósito bancário como que sucede precisamente o contrário do que
se encontra previsto para o depósito comum, civil, que se encontra previsto no CC, isto
sempre que exista remuneração, ou seja, no depósito bancário é o depositário que
arca com essa remuneração e não o depositante, ao contrário do que se passa no
depósito civil, isto significa que se verificaria uma circunstância muito estranha que é
aquela de que o contraente que se obriga a prestar um determinado serviço que é o
banco, obrigar-se-ia também a remunerar a contraparte. Por isso também estes
autores afastam a qualificação do depósito pecuniário como verdadeiro depósito. Em
segundo lugar, dizem que o principal elemento do depósito está manifestamente em
crise no depósito de disponibilidades monetárias, ou seja, a obrigação de custódia a
cargo do depositante, seria um elemento que ao que parece estaria posto em crise no
contrato de depósito de disponibilidade monetárias. Já no depósito irregular de coisas
fungíveis, a obrigação de custódia ou de guarda, assumida pelo depositário assume
contornos diferentes daquelas que assume no depósito regular, pois tem por objeto
não a espécie, mas o género, o mesmo género, qualidade e quantidade, conforme o
art.207ºCC, e portanto o depositário faz seu o que em espécie ou in natura lhe foi
confiado por parte do depositante, isto quer dizer que o depositário no depósito
irregular não tem para com o depositante o dever de guardar aquilo com que
especificamente se apropriou, se assenhoreou, isto não tem qualquer obrigação de
guarda dessa coisa concreta específica que lhe foi entregue pelo depositante e cuja
propriedade se transmitiu para o depositário, ou seja, a natureza fungível da coisa, que
no nosso caso é o dinheiro, altera a coexistência do direito de propriedade do
depositante e da faculdade de uso por parte do depositário, o depositante aliena o seu
direito de propriedade ao depositário e substitui esse direito de propriedade pelo
simples direito de crédito à restituição do mesmo género e quantidade daquilo que
entregou ao banco. Pode dizer-se que a custódia ou a guarda não é um aspeto
essencial, ou seja, confiar dinheiro a um banco não visaria principalmente por esse
dinheiro a salvo de furtos ou de outro tipo de incidentes. Confiar dinheiro a um banco
seria uma necessidade que advém da limitação prática que existe com o pagamento de
quantias pecuniárias avultadas e com os pagamentos à distância. Ou seja, as trocas
realizam-se muito mais facilmente através dos bancos, através de cheques, hoje nem

152

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

tanto, mas através de transferências bancárias. O depositante desfaz-se de uma coisa


que era sua propriedade para que essa coisa se torne mais idónea para a sua utilização
que seria os tais pagamentos, a facilidade da realização dos pagamentos, ou seja, o
dinheiro nem sequer é depositado para ser restituído, seria depositado, de acordo com
esta tese, para servir de crédito na disponibilidade do depositante.

Quanto à especial obrigação de guarda, e abstraindo da combinação ou da


mistura que se verifica no âmbito da obrigação de guarda entre normas de direito
público, ou pelo menos normas de interesse e ordem pública e naturalmente que
essas normas são aquelas do direito bancário institucional, que regulam
macroeconomicamente a atividade bancária em geral, mistura com as norma de
direito privado que tem aqui lugar, como as que regulam do ponto de vista
microeconómico o contrato de depósito, a verdade é que o valor correspondente a
uma parte dos depósitos e do valor correspondente a outras responsabilidades dos
bancos perante terceiros é um valor que é depositado junto do Banco de Portugal.
Portanto este montante que é depositado pelos bancos junto do banco de Portugal, é
um montante que não pode ser considerado à disposição dos depositantes originário,
p.ex. A ou C não podem dirigir-se ao banco de Portugal para levantarem os depósitos.
E ainda que fosse possível afirmá-lo, as reservas de caixa que os bancos têm, agora por
força dos acordos de Basileia III, não podem considerar-se mais do que a preservação
de um interesse mas que se trata de um interesse reflexamente protegido de cada um
dos depositantes. Essas reservas de caixa não visam a proteção direta do interesse dos
depositantes, o interesse dos depositantes é apenas reflexamente protegido através
dessas reservas de caixa que os bancos têm de ter. Há quem diga que nestas reservas
de caixa pode nem chegar a divisar-se qualquer interesse difuso do conjunto de
depositantes de cada uma das instituições de crédito, isto significaria que não existe
qualquer direito subjetivo a que possa contrapor-se uma verdadeira obrigação de
guarda ou custódia por parte do banco depositário, os depositantes não seriam
titulares de um direito subjetivo correspondente a uma obrigação de guarda por parte
do banco depositário. Os defensores do contrato de mútuo, os que preconizam a
natureza jurídica de mútuo para o contrato de depósito de disponibilidades
monetárias dizem também que a onerosidade, ou seja, a remuneração não constitui
uma característica natural do contrato de mútuo, tudo depende do que for estipulado
pelas partes, pode haver algumas exigências de transparência na fixação das taxas
aplicadas pelos bancos. Por outro lado, em muitos países da UE impôs-se o carácter
gratuito dos depósitos à ordem. Qual é a rácio legis para esta imposição do carácter
gratuito dos depósitos à ordem? É proporcionar um serviço gratuito aos clientes,
designadamente de fornecimento de cheques, ou ainda evitar a inflação de taxas e no
fundo orientar as poupanças para outro tipo de aplicações que não os depósitos à
ordem.

153

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

No depósito a prazo, o cliente bancário tem principalmente em vista fazer


render o seu dinheiro, tal como qualquer outra pessoa que empresta a 3º que visa a
obtenção dos juros que vai cobrar com base nesse empréstimo. No depósito à ordem,
este intuito pode não estar presente, pois não se estipularam juros, ou então pode ser
um interesse muito secundário, pois os juros são tao baixos que são praticamente
irrelevantes. Mas ainda de acordo com a tese do mútuo, e que se privilegie nesta sede
a intenção de guarda, de custódia ou de segurança do dinheiro, a verdade é que o
depositante não conta com uma restituição em espécie, ou seja, o depositante sabe
que perde a propriedade daquele dinheiro e só pode exigir outro tanto do mesmo
género e quantidade, efetivamente como sucede no mútuo, no contrato de
empréstimo. Por outro lado, no contrato de depósito bancário de disponibilidades
monetárias é o banco que remunera o seu cliente, exatamente como sucede no
empréstimo, no mútuo, o cliente é que proporciona ao banco a disponibilidade de um
determinado bem e os juros visam remunerar essa disponibilidade, disponibilidade do
dinheiro colocado pelo cliente. De acordo com esta tese, de um ponto de vista
estrutural, a operação de depósito pecuniário, não visa a própria custódia dos valores
depositado, ou seja, a obrigação que o banco assume perante o depositante é uma
obrigação que não se distingue do ponto de vista jurídico da obrigação do devedor de
qualquer obrigação pecuniária. Em qualquer caso, depositante e depositário vão
assumir obrigações e adquirir direitos como se fossem mutuante e mutuário. Sublinha-
se a transferência do dinheiro do depositante para o depositário.

Contra o contrato de mútuo, contra essa qualificação, pode dizer-se que o


banco pode ter de restituir o montante depositado logo que lhe seja exigido pelo
depositante e isto não se concilia com a ideia de crédito, com a ideia de concessão de
crédito do depositante ao depositário, não se concebe que no contrato de mútuo se
abdique de um prazo em benefício do depositário, não faria sentido que isso
sucedesse num contrato de mútuo. Nestes casos, quando o depositante pode exigir a
todo o tempo a restituição do montante depositado, em caso algum se poderia falar
do mútuo. As outras concepções que também fazem apelo ao contrato de mútuo. Em
primeiro lugar, aqueles autores que renunciam a uma concepção unitária, monista,
dos contratos de depósito de disponibilidades monetárias; é uma corrente que atribui
uma dupla natureza aos contratos pecuniários, tratar-se-ia de um contrato de mútuo
ou de um contrato de depósito irregular conforme se tratasse de um depósito a prazo
ou de um à ordem, um à ordem seria qualificado como irregular, enquanto que um a
prazo seria qualificado como um contrato de mútuo. Afirma-se que o contrato de
depósito à ordem se caracteriza pela intenção do depositante de conservar o seu
dinheiro, enquanto que no a prazo prevalece a intenção de investir as disponibilidades
monetárias, de rendibilizar essas mesmas disponibilidades monetárias. O depósito
bancário teria duas funções: a de custódia no âmbito do depósito à ordem e teria a
função creditícia no depósito a prazo. O que não convence nesta tese a recusa da
qualificação do contrato como depósito só porque se convenciona um prazo a favor do

154

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

depositário, no contrato de depósito à ordem, quando a lei não impede que ao


depósito seja aposta uma cláusula dessas, isso não seria obstáculo à qualificação de
um depósito a prazo como um contrato de depósito. Além disso também se pergunta
se não se deve presumir o carácter unitário do contrato de depósito de
disponibilidades monetárias, mas este se trata de um contrato nominado, se não se
deve recusar esta tese, nu fundo pluralista, dando preferência a uma tese monista que
decorreria precisamente do facto do contrato de depósito ser um contrato nominado
que imporia uma perspectiva unitária, ou seja, as cláusulas do contrato de depósito à
ordem ou a prazo do depósito pecuniário são modos diferentes de executar o mesmo
contrato, a mesma prestação do depositário, ou seja, o reembolso da quantia
depositada. Em segundo lugar, contra essa tese, surge a tese que preconiza a natureza
de contratos mistos para os contratos bancários de disponibilidades monetárias,
teríamos a combinação no mesmo contrato de elementos do contrato de mútuo e de
elementos do contrato de depósito, ou seja, o interesse do depositante em colocar em
segurança os seus valores coexistiria com o interesse do banco depositário de obter
fundos para poder realizar as operações ativas que se propõem no âmbito da atividade
bancária.

Quais são os argumentos no ordenamento jurídico português no direito


vigente, em abono da qualificação do depósito bancário como mútuo? Pode ser
invocado o art.1206ºCC que é uma norma que considera aplicáveis ao depósito
irregular, que está previsto no art.1205ºCC, as normas do contrato de mútuo. Também
existe uma regulamentação desta natureza no art.406º C.Com.. Porém, também se
pode dizer que tanto o CC como o C.Com., não impõem mais do que a aplicabilidade
das normas do contrato de mútuo, nada mais do que isso se impõe, ou seja, nenhuma
destas normas procede à qualificação jurídica do contrato em jogo. Isto quer dizer que
teoricamente, as opções doutrinais continuam em aberto no que toca à qualificação
jurídica do depósito de disponibilidades monetárias. Por outro lado, é preciso ter em
conta que nem a lei civil nem a comercial, apontam para um regime exclusivo de
mútuo, ou seja, para a aplicabilidade exclusiva das normas do mútuo ao contrato de
depósito irregular, ou seja, a lei civil no art.1206º refere “na medida do possível” e o
art.406º C.Com refere “no caso concreto”. Portanto há que aplicar a lei a cada caso
verificando se em cada um deles se deve lançar mão as normas do contrato de mútuo.
Isto implica a necessidade de rever uma qualificação do negócio jurídico pois
previamente se tenha optado em termos abstratos. Há, todavia, outros elementos do
direito positivo vigente que podem auxiliar na qualificação deste contrato. Mesmo na
conceptualização do depósito bancário como depósito, a fungibilidade do objeto e a
verificação da transferência da propriedade do depositante para o depositário, levam
hoje a conceber este depósito como um contrato de mútuo, nos termos do
art.1144ºCC. E se não conceber este contrato como verdadeiro mútuo, leva pelo
menos a estabelecer a diferença entre o dinheiro cuja propriedade se transferiu para o
banco depositário e o crédito que se transferiu para o depositante.

155

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

Para outra corrente teríamos aqui uma transição do contrato comum a


contrato especial, a um contrato autónoma, a um tipo autónomo contratual, a
passagem de um contrato comum para um especial. Uma parte da doutrina, como é o
caso de Menezes Cordeiro, prefere considerar o contrato de disponibilidades
monetárias como um contrato bancário com autonomia conceptual. Começando pelo
direito positivo, o art.407º do C.Com refere-se ao depósito bancário, esta norma já foi
vista a propósito das fontes do direito bancário. E nos termos do art.407º C.Com que
se encontra inserido no depósito mercantil, os depósitos feitos em bancos reger-se-ão
pelos respetivos estatutos, que quer dizer usos aqui. No regime do depósito bancário
prevalecem os usos dos bancos, havendo apenas que respeitar o que se encontra
disposto na lei comercial a propósito do depósito, que é muitíssimo pouco, o legislador
não regulamentou o contrato de depósito bancário. O que se prevê no C.Com é que do
depósito são objeto coisas destinadas ao comércio, conforme o art.403º C.Com, que o
depósito é presuntivamente oneroso, nos termos do art.404º, e também que cessam
os direitos e deveres específicos do contrato de depósito convertendo-se nos direitos e
deveres específicos do contrato de empréstimo, de comissão ou de outro contrato que
no caso couber conforme o art.406º; isto significa que as operações bancárias gozam
de autonomia conceptual no direito vigente, nos termos da própria lei comercial. O
depósito bancário goza de autonomia conceptual.

Outra nota que resulta do art.407º C.Com, é que no caso da operação de


depósito a subtração ao regime geral de depósito, decorre precisamente de se
considerar a intervenção de um banco no contrato, não é um 3º qualquer, é uma
instituição de crédito e isto tem relevância também para a própria autonomização do
tipo social do depósito bancário. Para esta doutrina, mais do que o aspeto objetivo que
consiste em se tratar de um depósito de dinheiro, releva o aspeto subjetivo do
depositário ser um banco e foi justamente este aspeto que permite a integração do
depósito bancário enquanto operação passiva de recolha de fundos, de “funding”; sem
estes depósitos os bancos não têm meios para realizar operações ativas, é a função de
intermediação creditícia desempenhada pelos bancos que conduziu a doutrina a
reconhecer autonomia ao depósito bancário de dinheiro. Esta doutrina diz que o
depósito de dinheiro se distingue do depósito irregular do art.1205ºCC, já que o
depositário é um banco. Por outro lado, também se afirma que a autonomia do
contrato de depósito bancário o conduz a um contrato sui generis. Outros apontam
como característica essencial a existência de um duplo poder de disposição sobre as
quantias depositadas, temos o poder de disposição do banco que se apropria dessas
mesmas quantias e temos o poder do depositante, do cliente bancário que
naturalmente continua a ditar o destino dessas mesmas quantias, teríamos aqui a
coexistência de dois poderes de disposição. Entre este dois poderes de disposição,
podem conflituar, e prevalece, do ponto de vista económico, o interesse do cliente
ainda que do ponto de vista jurídico não seja rigorosamente assim, todavia, de acordo
com esta tese é a consideração destes dois poderes concorrentes de disposição sobre

156

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

as quantias depositadas, que confere ao contrato de depósito bancário de dinheiro


uma fisionomia própria; de acordo com esta tese é um contrato sui generis pois
existem dois poderes concorrentes de disposição e duas situações de caracter real
sobre o mesmo bem, mas isto é altamente discutível. É discutível realificar a posição
jurídica de um depositante de dinheiro num banco.

Está em causa um tipo contratual social que é determinado por cláusulas


contratuais gerais e que é determinado pelos usos dos bancos, e temos uma figura
unitária, típica, próxima historicamente do depósito irregular. Podemos dizer que o
depósito bancário é um depósito irregular, que se traduz ao fim e ao cabo num
depósito irregular, ao qual se vão aplicar, na medida do possível, as regras do mútuo,
na medida em que as normas do mútuo sejam compatíveis com a função específica do
depósito. E vão aplicar-se também a este contrato as normas do contrato de depósito
regular, que não colidam com o efeito real da transferência da propriedade do
depositante para o depositário, como acontece com o art.1189ºCC, isto quer dizer que
o depósito irregular acaba por ter um regime misto. Por outro lado, se tivermos em
conta o juro baixíssimo ou até nulo que se tende a praticar no mercado bancário, é
mais uma circunstância favorável à qualificação do contrato de depósito bancário
como um verdadeiro depósito irregular. Se se admite que o depósito bancário então se
caracteriza por uma função de custódia e não de crédito, temos de facto um contrato
de depósito. Se se admite que essa função de segurança é assegurada no depósito
bancário pelas normas macroeconómicas, pelas regras de liquidez que são próprias da
atividade bancária das instituições de crédito, se se admite a destinação da poupança
ao exercício do crédito, que é típica dos bancos, naturalmente que a qualificação
jurídica do contrato de depósito tem de ser a de depósito e não a de mútuo ou então
uma tese plural, que adopta uma qualificação ou outra conforme o tipo de depósito
em jogo. Mas o depósito bancário é também um tipo de depósito que não se identifica
na sua globalidade com o depósito irregular. No depósito irregular a faculdade do uso
pelo depositário da coisa depositada, pode ser uma qualquer, no âmbito do
art.1205ºCC, isto não acontece no depósito bancário em que o depositário não tem
uma liberdade de uso tão grande como a anterior, ou seja, as quantias que são
confiadas ao banco pelo depositante devem ser utilizadas apenas e exclusivamente
com observância das regras técnicas que são exigidas pela solvibilidade dos bancos,
pelas normas prudenciais, em ordem a assegurar a restituição dessas quantias ao
depositante. Isto é algo específico do depósito bancário. Os bancos podem dispor das
quantias que lhe são confiadas pelos clientes, não são obrigados a conservar
continuamente essas quantias, nem são obrigados a conservar ao dispor desses
clientes, quantias equivalentes em género às que foram depositadas, vale aqui a lei
dos grandes números, conforme vimos, os bancos não tem de ter em caixa um
montante igual aqueles que foram depositados, mas apenas uma percentagem desses
números, pois nem todos os depositantes levantam os fundos ao mesmo tempo e os
bancos não precisam de ter essas quantias na sua totalidade ao dispor dos clientes. Os

157

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

bancos têm um dever legal de constituir reservas mínimas, estão obrigados, e estas
reservas são-no precisamente em quantidade presumidamente bastante suficiente
para satisfazer os pedidos normais de levantamento de fundos por parte dos clientes.
Por via de regra as autoridades monetárias, entre nós o Banco de Portugal e também o
BCE, definem em termos percentuais o valor a manter em caixa pelos bancos. Hoje
esta é uma competência do BCE, dantes era do banco central português. Isto significa
também que no depósito bancário contém em si mesmo uma obrigação de custódia ou
uma obrigação de guarda, muito semelhante à do depósito regular. Se bem que seja
um dever de guarda atenuado ou alterado na sua essência embora exista no depósito
regular, pois é um dever de guarda que no fundo se traduz numa simples técnica de
cálculo por parte das autoridades monetárias, das tais reservas mínimas que os bancos
têm de ter para acorrer aos pedidos de levantamento normais dos depositantes. É com
base na regra das probabilidades que essas reservas mínimas são estabelecidas. E por
outro lado, traduz-se também no dever de uma gestão sã e prudente que as
instituições de crédito têm de fazer dos fundos depositados, por força a assegurar a
restituição dos montantes que lhe foram confiados. Se é verdade que o contrato de
depósito bancário pode ser visto como um contrato de guarda ou de custódia, e aqui
difere do contrato de mútuo no plano funcional, também é verdade que o contrato de
depósito bancário e o de mútuo são semelhantes no plano estrutural, pois em ambos
os contratos existe uma transferência de uma soma pecuniária que conduz à sua
aquisição por parte do outro contraente e conduz à constituição de um direito de
crédito à restituição. É por isto que justifica que aos depósitos bancários e aos
irregulares, seja aplicável a disciplina jurídica consagrada para o contrato de mútuo, na
medida em que esta não seja incompatível com a função de custódia inerente ao
contrato de depósito bancário e ao contrato de depósito irregular.

A especial relevância que aqui se atribui a esta função de guarda e de custódia,


e não à função creditícia que é típica do mútuo, tem também relevância no plano da
aplicação do direito. Em primeiro lugar no que toca à aplicabilidade das normas do
depósito regular, daquele em que a propriedade da coisa depositada não se transfere
para o depositante, portanto se se integra no género depósito, pode ter aplicabilidade
aquela parte da disciplina do contrato de depósito que não tenha como pressuposto
imprescindível a custódia material da própria coisa, ou pelo menos daquelas normas
que não estejam em contradição com a estrutura do depósito bancário. Em segundo
lugar, temos a questão da prescrição dos direitos do depositante; a causa do depósito
bancário é a custódia do dinheiro, o abandono de quantias pecuniárias junto do banco,
longe de constituir uma situação de inércia por parte do depositante, importa, por um
lado, o exercício do próprio direito por parte do depositante e por outro lado, o
cumprimento da obrigação de custódia por parte do banco. Portanto isto quer dizer
que a prescrição pode começar a contar apenas a partir do momento em que se
verifica um facto que demonstre que o banco não pretende cumprir a sua obrigação

158

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

de custódia, é outra implicação prática da qualificação do contrato de depósito


bancário como depósito e não como mútuo.

Temos o depósito ‘escrow’. Temos uma convenção mediante a qual, uma


das partes de um contrato sinalagmático, acordam em confiar a um 3º,
designadamente um banco, a guarda de bens móveis (pode ser dinheiro, valores
mobiliários, títulos de crédito, documentos). O banco fica irrevogavelmente instruído
sobre o destino a dar a esses bens, destino que será ditado em função da relação
jurídica emergente do tal contrato sinalagmático. Isto poderá passar pela restituição
desses valores ao depositante, ou então poderá passar pela entrega desses mesmos
bens ao beneficiário do depósito, que não tem que ser o depositante, pode ser um 3º
beneficiário. Para além disso, ao abrigo do princípio da autonomia privada pode
conferir-se ao depositário escrow, que normalmente é um banco, poderes mais
amplos sobre os bens depositados. O banco pode ter uma maior autonomia no
exercício das suas funções ao abrigo deste contrato de depósito escrow, das suas
funções de acompanhamento do negócio principal, do tal contrato sinalagmático
celebrado entre as partes e que deu origem ao contrato de depósito escrow. O
depositante pode determinar que o depósito de bens seja acompanhado de uma
transferência da titularidade desses mesmos bens para o depositário escrow, este
pode tornar-se proprietário desses mesmos bens, e se assim for, o depositário escrow
passa a ser considerado um trustee. Essencial é que na transferência da titularidade
desses bens móveis do depositante para o banco, enquanto depositário escrow, se
faça uma menção à relação fiduciária existente entre as partes. Se assim for, temos
uma recondução de um depósito escrow à figura do trust anglo-saxónico, o que é
permitido nesta sede ao abrigo do princípio da autonomia privada. Isto quer dizer que
se o escrow for reconduzido a um trust, o escrow pode ser oponível a 3º, ou seja pode
ser oponível aos credores do depositante e do depositário. Isto significa que os bens
em depósito escrow não integram a massa insolvente do depositário escrow, este
passa a ser responsável pela administração e pela gestão desses mesmos bens que se
encontram em depósito escrow.

10.ª Aula, 29 de Abril de 2015 (Cristina Vieira)

Estávamos na análise do DEPÓSITO ESCROW, estávamos a analisar esta


modalidade de depósito. E estávamos aqui a ver que, em determinadas circunstâncias,
dependendo naturalmente daquilo que tiver sido contratualmente acordado, ou seja,
quando o depositante transfira a titularidade dos bens para o depositário, o
depositário passa a ser considerado um trustee. Portanto, naturalmente que essencial
neste caso é que na transferência da titularidade dos bens seja feita uma referência à

159

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

relação fiduciária que existe entre as partes. Naturalmente, também deve ser feita
uma referência aos limites e à natureza da titularidade, ou seja, da propriedade detida
pelo depositário escrow, que naturalmente será um tipo de propriedade fiduciária.

Quais são as consequências da recondução do depósito escrow ao trust, que


acontece justamente quando essa titularidade é contratualmente acordada pelas
partes e quando é feita essa referência à relação fiduciária existente entre as partes e
é mencionada a limitação da titularidade detida pelo depositário escrow?

Isto quer dizer que o escrow passa a ser oponível a terceiros, portanto, passa a
ser oponível quer aos credores do depositante quer aos credores do depositário. Isto
quer dizer que os bens depositados não integram, naturalmente, a massa insolvente
em caso de declaração de insolvência, quer do depositante, quer do depositário. E o
depositário é responsável pela guarda e pela administração desses mesmos bens.

Esta expressão “escrow” tem a sua origem etimológica na expressão latina


scriptum e, na respetiva evolução ulterior deste vocábulo, isto significa escrito ou
documento escrito. Com esta expressão, associada a um contrato de depósito,
pretende significar-se um depósito reduzido a documento escrito, que regulamente ou
discipline precisamente os respetivos termos do contrato e o destino dos bens
depositados.

O contrato de depósito escrow encontra a sua origem na tradição anglo-


saxónica e cumpre uma função social típica de garantia do cumprimento de obrigações
sinalagmáticas (obrigações sinalagmáticas mas não simultâneas). Portanto, garante à
parte que cumpre em primeiro lugar o cumprimento das obrigações da contraparte.
Portanto, consistia o depósito escrow, e consiste ainda por via de regra, na entrega a
um terceiro do objeto da prestação contratual de uma das partes para que este
terceiro entregue este objeto mais tarde ao outro contraente, portanto, conforme a
verificação ou a não verificação de uma determinada condição ou de um determinado
termo. Ou seja, aqui coloca-se a questão de se saber se o facto de o depósito escrow
desempenhar normalmente a função de garantia das obrigações significa que ele
próprio, depósito escrow, é ou constitui uma garantia. É que se pode entender que o
depósito escrow, no fundo, consubstancia a prestação propriamente dita a que uma
das partes se encontra vinculada, portanto, não é propriamente a garantia do
cumprimento da obrigação mas traduz-se na prestação propriamente dita a que uma
das partes se encontra adstrita. Portanto, a garantia, normalmente associada a este
contrato, que é o contrato de depósito escrow, traduzir-se-ia em último recurso na
fidúcia, ou seja, na confiança. Logo, na fidúcia que as partes depositam, na confiança
que as partes têm no depositário escrow, no tal terceiro a quem é feita a entrega do
objeto de uma das prestações. O que quer dizer que na prática o que se verificaria era

160

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

uma substituição do devedor. O devedor deixaria de ser uma dos contraentes para ser
o tal terceiro, que ficaria vinculado a proceder à tal entrega do objeto à outra parte do
contrato subjacente.

A figura do depósito escrow é muito utilizada, sobretudo em contratos


internacionais.

Temos agora o Mútuo.

O mútuo civil, consagrado no artigo 1142º do Código civil, é o contrato


mediante o qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível,
ficando a outra obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade. Uma
vez que o fim deste contrato ou desta operação é precisamente atribuir o gozo ao
mutuário, o gozo temporário da coisa, este contrato implica a transferência da
propriedade da coisa mutuada do mutuante para o mutuário, conforme o art. 1144º
CC. Portanto, os elementos essenciais deste contrato são a entrega da coisa, a
fungibilidade da coisa e a obrigação de restituir outro tanto do mesmo género e
qualidade.

O mútuo civil é um contrato real quanto à constituição. E é um contrato


unilateral porque só gera obrigações para uma das partes. É um contrato que pode ser
oneroso, quando há lugar ao pagamento de juros, e pode ser também gratuito; em
caso de dúvida presume-se oneroso, conforme o art. 1145º. Está sujeito a forma em
determinados casos, nos termos do art. 1143º. É um contrato real quanto aos efeitos,
já vimos que se transfere a propriedade do mutuante para o mutuário, isto é uma
consequência da fungibilidade do objeto. Portanto, a coisa mutuada vai integrar-se no
património do mutuário, confundindo-se naturalmente com aquelas que já lá existem
nesse mesmo património. A coisa mutuada perde a sua individualidade no património
do mutuário. Portanto, o direito real do mutuante é substituído por um direito de
crédito, o tal direito de crédito à restituição de outro tanto do mesmo género e
qualidade. Sendo fixado um prazo neste contrato, de acordo com a regra geral do art.
779º CC, é um prazo que se presume estipulado a favor do mutuário, no caso de se
tratar de um mútuo gratuito. Se for um mútuo oneroso, presume-se estabelecido a
favor de ambas as partes, nos termos do art. 1147º, e neste caso o mutuário pode
antecipar o pagamento desde que satisfaça os juros por inteiro. Se as partes não
convencionarem qualquer prazo, tratando-se de um mútuo gratuito, a obrigação do
mutuário só se vence 30 dias após a exigência do seu cumprimento, conforme o art.
1148º/1. No caso de o mútuo ser oneroso e não sendo convencionado qualquer prazo,

161

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

qualquer das partes tem a faculdade de por termo a esse contrato, denunciando com
uma antecedência mínima de 30 dias, nos termos do art. 1148º/2. As partes podem
não estabelecer ou acordar qualquer prazo, e estabelecerem, quanto ao vencimento
da obrigação, que esta se vencerá segundo ou após a solicitação do mutuante e
portanto retoma-se o que está consagrado no art. 777º/1 CC. Quanto à taxa de juro, já
conhecem o regime do art. 559º a 561º CC.

O mútuo comercial, por seu turno, encontra a sua noção no art. 362º e 394º
CCOM e o regime nos art. 395º e 396º também do CCOM. A retribuição do
empréstimo comercial é naturalmente a sua razão de ser. Temos aqui o princípio da
especialidade do fim, temos um fim lucrativo e portanto, no art. 6 CSC e também no
art. 160º CC. Quanto às taxas de juro, já conhecem o art. 102º do CCOM e as portarias
que são estabelecidas anualmente também nesse contexto.

Quanto ao MÚTUO BANCÁRIO: é um mútuo que é firmado por bancos. Em


regra, o mutuante não entrega fisicamente o dinheiro ao cliente, se bem que não haja
nada que o impeça de o fazer, não há nada que o impeça de fazer essa entrega física
do dinheiro ao cliente mas o mais natural é que o banco proceda a um crédito da soma
creditada numa conta previamente aberta para esse efeito. Nesse caso, a quantia
creditada, a quantia acordada no contrato de mútuo, vai ser creditada numa conta
corrente do cliente bancário, portanto, do mutuário.

Discute-se muito se o empréstimo bancário tem ou não natureza de contrato


real quanto à constituição. Há autores que consideram que sim, que ainda assim é um
contrato real quanto à constituição e isto seria um traço distintivo de um contrato de
abertura de crédito (que não tem naturalmente natureza real quanto à constituição);
para outros autores, o contrato de mútuo bancário não teria natureza real quanto à
constituição, essa nota de realidade teria sido totalmente desvirtuada, já não se
poderia falar de um verdadeiro contrato real quanto à constituição no âmbito de
mútuo bancário, parece que será artificial dizer-se que o mútuo bancário tem natureza
real quanto à constituição.

É um contrato formal mas basta um escrito particular. Pode ser um contrato a


curto prazo, pode ser um contrato a médio prazo e pode ser um contrato a longo
prazo. O anatocismo, ou os juros de juros, são já um uso bancário, salvaguardado pelo
nº 3 do art. 560º CC. O anatocismo é permitido no comércio bancário e, portanto, no
âmbito do mútuo bancário.

Temos o mútuo de escopo, portanto o mútuo que se encontra vinculado a um


determinado fim, a um determinado destino, a uma determinada finalidade contratual

162

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

ou a uma determinada finalidade legal. Temos aqui a essencialidade do fim para que o
mútuo foi concedido, para que foi concedido o dinheiro mutuado ao cliente bancário.
Isto justifica o direito de resolução do contrato por incumprimento desse dever, um
dever que se encontra previsto em cláusula contratual ou então numa norma legal e,
portanto, com o vencimento antecipado, imediato, da obrigação de restituição,
cumulado com indemnização, e isto com a perda de vantagens que tenham sido
eventualmente previstas para este mútuo de escopo, designadamente vantagens de
natureza fiscal ou então juros bonificados (quando a quantia mutuada não é afectada
pelo cliente bancário a essa finalidade, a esse escopo contratualmente previsto ou
legalmente previsto). Um exemplo típico é o crédito à habitação, se no âmbito de um
contrato de mútuo para a aquisição de habitação própria, a quantia mutuada não é
afectada à aquisição de habitação mas a um outro fim, tem lugar à perda da
bonificação dos juros e pode ter lugar também a resolução do contrato e o vencimento
antecipado da obrigação de restituição do capital por parte do mutuário. Há aqui, no
mútuo bancário, essa especificidade de a lei e as partes também poderem fazer, que é
a previsão de mútuos de escopo.

Temos depois o DESCOBERTO EM CONTA.

É também outra operação bancária ativa, precisamente porque o banco


assume uma posição credora.

Temos aqui uma situação que se gera quando, numa conta corrente subjacente
a uma abertura de conta, o banco admite um saldo a seu favor, ou seja, um saldo
negativo para o cliente. Fala-se aqui de um negócio jurídico bilateral. Ou seja, tem-se
reconhecido que o descoberto em conta pode resultar de um acordo prévio entre o
banco com o titular da conta ou então também pode resultar à margem ou
independentemente desse acordo prévio entre o banco e o seu cliente.

Ora, se houver um acordo prévio entre o banco e o titular da conta, é


indiscutível que o descoberto em conta (ou o descoberto) resulta de um acordo prévio
e expresso entre as partes. Temos aqui a celebração de um acordo entre o banco e o
cliente, ou seja, de um contrato que permite ao titular da conta a movimentação dessa
mesma conta, independentemente de essa mesma conta se encontrar provisionada,
portanto, no âmbito designadamente da abertura de crédito. Temos aqui cláusulas do
contrato de abertura de conta precisamente para o efeito de acentuar a tolerância
também do próprio banco e de onerar o cliente bancário com a devida remuneração
do banco e com os encargos que esta operação acarreta para além da obrigação que o
cliente bancário tem de prover imediatamente a conta. Ora, se não houver esse
acordo prévio entre o banco e o respetivo cliente, quando o banco aceita pagar um

163

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

cheque sem provisão, um cheque emitido pelo seu cliente sobre uma conta que não
está devidamente provisionada, portanto, quando o banco aceita proceder ao
respetivo pagamento, tendo o banco conhecimento dessa situação, que a conta sobre
a qual é emitido o cheque não se encontra provisionada, pode considerar-se nesta
hipótese que o comportamento do titular da conta, ou seja, a emissão de um cheque
sem provisão, corresponde a um pedido tácito de concessão de crédito. Portanto,
quando um cliente emite um cheque sem provisão, está tacitamente a fazer um
pedido de concessão de crédito ao banco e o banco, podendo recusar esse pedido de
concessão de crédito, ao proceder ao pagamento desse mesmo cheque, o banco esta a
aceitar esse pedido de concessão de crédito. Portanto, há aqui também uma aceitação
tácita por parte do banco no ato de pagamento desse mesmo cheque. Temos aqui
também um acordo do banco, que já não é um acordo prévio mas que não deixa de ser
um acordo, um contrato de concessão de crédito que e celebrado ente o banco e o seu
cliente. Podemos dizer que em qualquer caso o descoberto em conta vem a traduzir-se
precisamente numa concessão de crédito ao cliente bancário. E se é uma concessão de
crédito que o banco faz ao seu cliente, vai cobrar-lhe os juros correspondentes às
operações ativas, às operações em que assume uma posição credora. Também se pode
dizer que a técnica do descoberto em conta se distingue do empréstimo porque no
descoberto em conta o cliente bancário não goza do benefício de qualquer prazo e,
portanto, isto quer dizer que no descoberto em conta, o banco pode exigir ou tem o
direito de exigir do seu cliente a restituição imediata do montante que creditou ao seu
cliente, uma vez que este, ao contrário do que acontece por via de regra no mútuo, no
empréstimo, não goza do benefício de qualquer prazo.

Temos depois o DESCONTO BANCÁRIO.

Pode ser definido como o contrato mediante o qual o banco antecipa ao seu
cliente, depois de deduzida a remuneração, portanto, depois de deduzidos os juros e
encargos que forem devidos ao banco, o banco antecipa o produto de um crédito
sobre um terceiro, um crédito de que o cliente seja titular perante um terceiro. E a
titularidade desse crédito é efectivamente transmitida ao banco por esse mesmo
cliente. É uma operação mediante a qual o banco coloca fundos monetários à
disposição do seu cliente. Sendo assim, o contrato de desconto bancário é uma
operação de crédito, nos termos do art. 4º/1/b) da Lei Bancária.

É um contrato mediante o qual o banco entrega o valor de um título de crédito


não vencido, de uma letra ou de uma livrança, sendo esse valor descontado do
respetivo juro, ficando o banco com o título em seu poder, conforme o art. 362º
CCOM. Ou então, pode ser definido pelo contrato pelo qual um banco se obriga a

164

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

entregar ao cliente a importância de um crédito pecuniário não vencido sobre terceiro,


em troca da transferência da titularidade de um crédito e do pagamento das respetivas
comissões e juros compensatórios. Há uma diferença entre estas duas noções. Na
primeira noção, nós temos um contrato real quanto à constituição, enquanto que na
segunda noção temos um contrato consensual e já não um contrato real quanto à
constituição.

O desconto de letras de câmbio é a forma mais corrente do contrato de


desconto e é aliás a mais clássica. Naturalmente que nada impede que o contrato de
desconto se possa efetuar sobre outros títulos de credito que incorporem um crédito
sobre terceiro, um crédito pecuniário que ainda se não tenha vencido. Portanto, o
desconto encontra-se intimamente ligado aos créditos titulados e a função principal do
contrato de desconto consiste em permitir ao portador de um título de crédito que
ainda se não tenha vencido antecipar a perceção do respetivo montante junto de um
banco. Portanto, o cliente transfere a propriedade do título para o banco mediante
endosso e, em contrapartida, o banco entrega-lhe o valor nominal do crédito titulado,
deduzido da respetiva comissão e o cliente adquire liquidez, que é precisamente o que
procura, apesar da dedução da comissão bancária e dos juros compensatórios.

O desconto pode assumir diversas modalidades, conforme a natureza dos


créditos descontados. O desconto é uma operação bancária muitíssimo antiga e é
talvez a mais antiga das operações bancárias ativas. A letra de câmbio é o título de
crédito que mais frequentemente é objeto do contrato de desconto bancário.

Quais são as caraterísticas do contrato de desconto bancário?

É um contrato nominado, desde logo é mencionado nos art. 362º e 363º CCOM
e no art. 24º/1/a) da Lei Orgânica do Banco de Portugal. Mas é um contrato
legalmente atípico, não se encontra dotado de um regime jurídico, o legislador não o
dotou de um regime jurídico completo ou suficiente. Uma das caraterísticas deste
contrato de desconto é o depósito da soma descontada em conta do cliente. Portanto,
poder-se-á dizer que de facto não é um contrato real quanto à constituição, ou então
que há uma alteração dessa característica, da nota de realidade deste contrato. Para
além disso, é um contrato oneroso e é também um contrato socialmente típico (é
legalmente atípico mas é socialmente típico), existe uma tipicidade bancária e uma
tipicidade em função de liquidez, é uma tipicidade que radica precisamente nas duas
prestações típicas imediatamente trocadas pelas partes, ou seja, temos a troca de
moeda atual por moeda futura, que é representada precisamente por um crédito e
temos uma cessão, salvo boa cobrança, do crédito contra terceiro, e esta cessão tem
relevância causal, i. é, se o crédito cedido pelo cliente ao banco for inexistente
considera-se que o contrato de desconto é nulo por falta de causa. Há uma pré

165

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

dedução dos juros, é outra caraterística do contrato. E outra caraterística é tratar-se de


um contrato de crédito.

Quanto à forma, é um contrato que se celebra por escrito, há um assento do


STJ de 1994 nesse sentido, da redução a escrito do contrato de desconto.

Quanto ao conteúdo, quanto aos efeitos do contrato de desconto: o


descontário, ou seja, o cliente tem a obrigação de pagamento se o crédito que
transfere para o banco não for cobrado junto do devedor principal. O descontador, o
banco, tem a obrigação de promover a cobrança do crédito que lhe tenha sido cedido,
tem a obrigação de apresentar esse crédito a pagamento, observando naturalmente as
respetivas formalidades; tem o dever de não prejudicar o direito de regresso do
descontário contra os restantes intervenientes no título de crédito, portanto, quando o
descontário pague o crédito em causa. O banco tem também um dever de diligência
no que toca à conservação do crédito cedido, o que quer dizer que se o banco não o
fizer, não cumprir, incorre em responsabilidade e poderá perder o seu direito contra o
cliente. E se o banco deixar o título de crédito prescrever, não perde o seu direito
contra o cliente, contra o descontário, com base na relação jurídica subjacente mas
pode ser responsabilizado pelos danos causados. O desconto implica um conjunto de
direitos e de obrigações para ambas as partes.

Quais são as fases deste contrato?

Em primeiro lugar, há uma apresentação a desconto, portanto, uma proposta


de desconto feita pelo cliente. Depois, há uma apreciação pelo banco. O banco vai
apreciar a regularidade do título de crédito, vai apreciar a solvabilidade do cliente e
dos demais signatários ou co-obrigados pelo título de crédito e apreciar também o
montante do título, etc. Depois vai responder ao seu cliente, vai aprovar ou não
aprovar. Se aprovar, ulteriormente o banco vai embolsar-se através da cobrança no
vencimento do título de crédito, portanto, procedendo a essa cobrança junto do
devedor principal.

Surgem aqui três dificuldades ou três problemas durante a relação de desconto.


Em primeiro lugar, pode haver a declaração de insolvência do devedor cedido e isto
antecipa o vencimento da obrigação. E se não paga, portanto, se o devedor cedido não
paga ao banco, o banco poderá retroceder o crédito e agir contra o descontário, contra
o seu cliente. Em segundo lugar, poderá haver uma declaração de insolvência do
descontário, do seu cliente. Ora, o débito do cliente perante o banco surge apenas
quando o banco pode retroceder o crédito, mas o banco pode retroceder o crédito ao
seu cliente apenas no vencimento do débito cedido, se não houver entretanto
qualquer causa de vencimento antecipado do crédito cedido. Em terceiro lugar, a
extinção tem lugar apenas com o pagamento pelo devedor cedido, portanto, é

166

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

fisiológico, no fundo, que o devedor cedido pague. O banco deve exigir o pagamento
ao devedor cedido mas não deve fazer nada mais do que isso. Portanto, para que o
banco possa retroceder o crédito ao descontário, ao seu cliente, não se exige que o
banco inicie ou adopte qualquer ação de natureza executiva contra o devedor cedido.
O banco pode optar por não retroceder e pode, nesse caso, executar o devedor cedido
se este for patrimonialmente mais seguro do que o seu cliente, do que o descontário,
mas não tem porque o fazer.

Qual é a estrutura do desconto bancário?

Em primeiro lugar, temos uma antecipação feita pelo banco ao seu cliente da
importância de um crédito de que o cliente é titular perante terceiro. Em segundo
lugar, temos a dação daquele crédito que é feita pelo cliente ao banco. Em terceiro
lugar, temos que essa antecipação feita pelo banco o é tendo em conta a solvabilidade
do cliente e o facto de o cliente ter ou vir a ter um crédito em que o banco venha a
estar investido como titular e cuja cobrança futura lhe vai assegurar o reembolso dessa
antecipação, portanto, um crédito ainda não vencido, um crédito pecuniário e
expresso em moeda determinada, portanto, em quantia e moeda determinada. O
banco não paga o crédito em lugar do devedor do cliente, portanto, quando procede a
essa antecipação, não está a pagar o crédito em lugar do devedor do seu cliente. O
banco está a fazer essa antecipação, esse pagamento, em seu nome e por sua conta,
sem qualquer intenção de liberar o devedor, o devedor do crédito. Isto quer dizer que
a obrigação não se extingue entre o primitivo credor (entre o cliente do banco) e o
devedor, ou seja, também não vai surgir um direito de regresso sobre o devedor do
cliente por parte do banco, ou seja, a obrigação sofre apenas uma substituição do
credor originário, que passa a ser o banco.

Depois, temos a transferência da titularidade do crédito sujeito a desconto,


ainda como integrando a estrutura do contrato. E a responsabilidade subsidiária do
descontário, do cliente do banco, resulta não do endosso do título de crédito mas sim
do próprio contrato de desconto, e temos uma dação pro solvendo, nos termos do art.
840º CC.

Qual é a natureza jurídica do contrato de desconto bancário?

A natureza jurídica deste contrato, como aliás em relação a muitos outros


contratos, é controvertida. Não há consenso quanto a esta criação da praxis bancária
que é o desconto bancário. Há aqui uma querela de novo também a propósito da
natureza jurídica do contrato de desconto bancário. Há quem diga que se trata de um
empréstimo garantido, há quem diga que se trata de um contrato misto de

167

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

empréstimo e de dação pro solvendo, há quem diga que se trata da venda de um título
de crédito, e há quem diga que se trata de um contrato autónomo e sui generis. Temos
estas quatro posições acerca da natureza jurídica do contrato de desconto bancário.

Parece que, à primeira vista, a posição mais correta será aquela que, se não se
enveredar pela consideração ou qualificação do desconto bancário como autónomo e
sui generis mas que também não ajuda na determinação do regime jurídico, será a da
qualificação como um contrato misto de mútuo retribuído e de dação pro solvendo. O
contrato teria uma única função socioeconómica que seria uma antecipação da
importância dos créditos ou do crédito não vencido mediante a dação pro solvendo do
mesmo crédito. O art. 840º CC diz-nos que se o devedor efetuar uma prestação
diferente da devida, para que o credor obtenha mais facilmente, pela realização do
valor dela, a satisfação do seu crédito, este só se extingue quando for satisfeito e na
medida respetiva e o nº 2 diz-nos que se a dação tiver por objeto a cessão de um
crédito ou a a assunção de uma dívida, presume-se feita nos termos do nº anterior.
Ora, com a dação o que se pretende é apenas facilitar ao credor a satisfação de seu
crédito, mediante a atribuição de um direito, como a cedência de um crédito, um
crédito que ainda se não venceu, para que o banco o venha a cobrar (o credor venha a
cobrar) oportunamente e se pague da sua obrigação. Não se pretende extinguir
imediatamente a obrigação. Portando, a obrigação subsiste e só vai extinguir-se com a
satisfação do credor na medida em que este for efetivamente satisfeito. E por isso se
diz que a dação em função do cumprimento é, no fundo, um mandato conferido pelo
devedor ao credor para liquidar o crédito dado pro solvendo. Ora, nem sempre é fácil
averiguar ou concluir do contrato se houve intenção de extinguir o crédito mediante
uma dação em cumprimento ou se houve intenção de protelar a extinção mediante
uma dação pro solvendo, dai a redação do nº 2 do art. 840º CC, que estabelece certas
presunções em relação à cessão de um crédito ou à assunção de uma dívida. No
primeiro caso, não é, na verdade, de presumir que, de acordo com o art. 840º/2, que o
credor, ao ficar investido na posição de cessionário pretenda privar-se do seu crédito.
O mais natural é que o devedor pretenda conferir ao credor o direito de receber e de
se pagar, e é precisamente o caso do desconto bancário. Portanto, aplica-se o art. 840º
CC.

Como é que se distingue o desconto bancário do contrato de cessão financeira


ou factoring, de que já falamos no âmbito do direito bancário institucional, a propósito
das instituições de crédito e sociedades financeiras?

Ora, se o devedor cedido pagar ao banco, o contrato de desconto extingue-se,


enquanto que no factoring, se o factor, se o devedor cedido pagar à sociedade de
cessão financeira, esta sociedade vai creditar a sua contraparte da diferença entre o
adiantamento que foi feito e o montante cobrado, naturalmente deduzidos os

168

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

respetivos juros e a comissão de cessão financeira. Por outro lado, se o banco, no


desconto, não cumprindo o devedor cedido na data do vencimento do crédito, se o
banco exige de imediato o valor nominal do crédito cedido ao seu cliente, portanto,
retrocede o crédito, e exige esse valor imediatamente ao descontário, ao seu cliente, a
sociedade de cessão financeira, por via de regra, espera um período entre 45 a 90 dias,
período durante o qual se vai empenhar na cobrança do crédito, e só depois, se
persistir o incumprimento, vai proceder ao débito na conta corrente da sua
contraparte.

No desconto, os juros são calculados inicialmente e cobrados também nesse


momento. Na cessão financeira, nem sempre assim acontece, precisamente em
virtude do período de graça que a sociedade de cessão financeira concede ao cliente e
ao devedor cedido após o incumprimento do devedor cedido, portanto, os juros não
podem ser calculados a priori, portanto, inicialmente.

No desconto, o banco atribui ao seu cliente o valor do crédito menos o


desconto, enquanto que a sociedade de cessão financeira não concede um
adiantamento de valor superior a 80% do valor nominal do crédito, e embora não
deduza aqui os juros e a comissão, isto constitui por via de regra uma soma ou uma
quantia inferior àquela que o cliente obtém por via de regra no âmbito do desconto
bancário.

Ora, se o banco se limita a cobrar o crédito, a prestação de facto neste domínio


é muito mais ampla, devendo não só adotar ou fazer os melhores esforços para que o
devedor cedido efetivamente cumpra, no âmbito da cessão financeira, como também
a sociedade de cessão financeira deve gerir esse crédito e deve contabilizar esse
crédito.

Por outro lado, o desconto bancário, por via de regra, é uma operação isolada,
enquanto que a cessão financeira se integra numa operação muito mais ampla, sendo
de facto um momento de execução do programa que se encontra inscrito no contrato-
quadro que é celebrado entre as partes, portanto, uma operação negocial muito mais
vasta que o desconto bancário.

Temos depois as garantias bancárias do crédito.

(INTERVALO)

169

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

Vamos agora tratar do PENHOR.

Se as partes não delinearem esta operação em termos de uma cessão fiduciária


de créditos, estamos aqui a falar do penhor bancário. Ex: temos o banco X e A que tem
aqui um depósito à ordem e constitui um penhor sobre esse depósito à ordem a favor
do banco X. Nós vimos que, por força da constituição ou da celebração de um contrato
de depósito de disponibilidades monetárias, a propriedade sobre o dinheiro se
transferia do depositário para o depositante e, em lugar do direito de propriedade na
esfera jurídica do depositário, surgia um direito de crédito à restituição de um outro
tanto, do mesmo género e qualidade.

Portanto, se as partes no âmbito da constituição da garantia não delinearem


esta operação como uma cessão fiduciária de créditos, do direito de crédito de que A é
titular perante o banco X, neste caso ou opta o credor, o banco X, precisamente pelo
figurino do penhor e neste caso pode confrontar-se com o obstáculo do artigo 694º CC
que estabelece a proibição do pacto comissório, ou opta por um mecanismo de
garantia aparente que se traduz num pacto, com eficácia estritamente obrigacional,
que é um pacto de cativação e na mobilidade da quantia depositada nessa mesma
conta. Temos assim um pacto de cativação que inclui também um pacto de
compensação ou uma cláusula de compensação.

Se se optar pelo modelo do penhor, o banco tem a vantagem de ter uma


garantia real e a desvantagem derivada do regime do penhor, designadamente a
proibição do pacto comissório.

Se se optar pelo tal pacto com eficácia meramente obrigacional, o banco tem a
vantagem de ter o dinheiro à mão (dinheiro depositado na tal conta) mas tem a
desvantagem de a garantia de que é beneficiário não ser uma garantia real, ou seja,
não é uma garantia que lhe dá prioridade na satisfação do seu crédito em caso de
concurso de credores.

Já voltamos aqui ao penhor de conta bancária.

No âmbito do penhor pode-se falar também do penhor omnibus ou penhor


geral ou genérico. Aqui, para ser válido, o autor do penhor, portanto, o dador do
penhor tem que saber à partida qual é a dimensão possível das suas perdas na relação
com o credor. Portanto, ele tem que saber, o dador do penhor, exatamente o que está
em jogo. Tem de se afirmar a determinabilidade do objeto do penhor para ser válido,
nos termos do artigo 280º.

170

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

Quanto ao penhor em garantia de créditos de estabelecimentos bancários,


pode dizer-se que os bancos gozam de um regime excecional relativamente à disciplina
comum do penhor de coisas, quer se trate do penhor civil quer se trate do penhor
mercantil.

As vantagens desta modalidade de penhor sem desapossamento não se


limitam ao devedor, portanto o devedor não é desapossado e por isso pode continuar
a utilizar o bem no exercício da sua atividade normal, mas as vantagens são também
para o banco. Naturalmente, o banco não tem qualquer vocação para armazenar os
bens empenhados.

Temos também o depósito com função de garantia. Aqui a titularidade do


direito de crédito à restituição de um outro tanto, do mesmo género e qualidade,
depende precisamente da titularidade de uma outra posição decorrente de um
negócio jurídico diverso – por exemplo, negócio jurídico de compra e venda, de
empreitada, etc – de outro negócio jurídico subjacente.

Quanto ao penhor de créditos, grande parte da doutrina considera que os


créditos não podem ser objeto de direitos reais. Portanto, o penhor de créditos perde
a sua natureza real, será uma garantia de uma outra natureza que não real.

Outra doutrina considera o penhor de créditos como um direito real que tem
por objeto um crédito. Admite a doutrina dos direitos sobre direitos.

A maioria da doutrina, todavia, não admite esta doutrina dos direitos sobre
direitos e considera que no penhor de créditos está em causa uma garantia especial
sobre direitos mas que não é de natureza real. Aliás diz que o penhor de créditos não é
nem direito real nem penhor. Todavia, diz que a semelhança económica que o penhor
de créditos apresenta com o penhor em sentido próprio justifica que se fale em
penhor de créditos, mas que não é um verdadeiro penhor.

O penhor de direitos confere uma situação preferencial ao credor pignoratício


na medida em que é transferida parte dos poderes que o autor do penhor tem perante
terceiros.

Nos termos do artigo 680º CC, não podem ser empenhados os créditos relativos
à entrega de bens imóveis ou a prestações de facto, mas parece que nada obsta a que
possa haver penhor de créditos futuros.

Quanto à forma e à publicidade do penhor de créditos, vale o artigo 681º/1 CC,


ou seja, a constituição do penhor de créditos está sujeita à forma e à publicidade que

171

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

são exigidas para a transmissão dos direitos empenhados. E a ausência de notificação


torna o penhor ineficaz, mesmo em relação às partes, porque a notificação no penhor
de créditos desempenha uma função análoga à entrega da coisa no penhor de coisas,
ou seja, produz não apenas a publicidade em relação a terceiros, mas também a
própria atribuição de preferência ao credor pignoratício.

O credor pignoratício é obrigado a praticar os atos indispensáveis à


conservação do direito empenhado e é obrigado também a cobrar os juros e as
prestações acessórias compreendidas na garantia, conforme o artigo 683º CC. Aliás,
uma obrigação que é semelhante àquela que existe no penhor de coisas, conforme o
artigo 671º/a) CC.

Portanto, um dos direitos do credor pignoratício é o direito de cobrar o crédito,


de acordo com o artigo 685º/1 CC, e ele deve cobrá-lo logo que se torne exigível e
então o penhor passa a incidir sobre a coisa prestada em satisfação desse crédito.
Temos assim aqui um caso de sub-rogação real, ou seja, o crédito é automaticamente
substituído pela coisa objeto do penhor.

Apenas no caso de o crédito ter por objeto a prestação de dinheiro ou de outra


coisa fungível, o devedor não pode satisfazê-lo se não em conjunto aos dois credores,
conforme o artigo 685º/2.

No penhor irregular, que é o contrato mediante o qual um sujeito (devedor ou


terceiro) entrega ao credor, que se torna proprietário, uma quantia pecuniária ou
outra coisa fungível. O credor naturalmente, neste caso, deve restituir a parte que
excede o montante em dívida, sendo a diferença determinada com referência ao
tempo do vencimento da obrigação garantida. Portanto, neste penhor irregular há a
transferência da propriedade do objeto dado em garantia para a esfera jurídica do
credor. Temos aqui um efeito translativo que se configura como elemento típico e
causal do penhor irregular. É uma consequência direta da natureza do objeto do
penhor.

Também o penhor irregular tem uma natureza jurídica controvertida. Há, mais
uma vez, uma querela sobre a sua natureza jurídica. Todavia, o enquadramento do
penhor irregular no âmbito dos contratos de garantia permite reconstruir, de forma
satisfatória, o mecanismo de atribuição que tem lugar ao credor e, por outro lado,
também impõe a coordenação desta figura com a proibição do pacto comissório.
Portanto, de facto transfere-se, como no pacto comissório, a propriedade para o
credor, mas há aqui uma conciliação em que não se pode falar de pacto comissório.

Em primeiro lugar, mas isto é um argumento formal, a atribuição não tem lugar
com o incumprimento do devedor no âmbito do penhor irregular. Portanto, essa

172

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

atribuição é anterior ao incumprimento do devedor, incumprimento que pode nem se


vir a verificar, mas é um argumento de natureza formal. Por outro lado, e este é o
argumento que releva, não se verifica o abuso que a proibição do pacto comissório
visa efetivamente evitar, porque há uma obrigação de restituição ao devedor
precisamente da diferença entre o montante garantido e o valor dos bens
empenhados, no caso do valor dos bens empenhados ser superior ao valor da dívida
garantida. Portanto, no caso de incumprimento o credor tem de restituir essa
diferença ao devedor. Isso não sucede no pacto comissório, daí essa proibição, em
virtude do abuso que permite ao credor. Com esta obrigação que está acoplada ao
penhor irregular, portanto esta conciliação que permite o enquadramento do penhor
irregular no âmbito dos contratos de garantia, evita-se o resultado que se pretende
impedir com a proibição do pacto comissório.

Voltando ao penhor de conta bancária – ex: temos o senhor A que tem um


depósito de disponibilidades monetárias no banco X e nessa medida é titular de um
crédito perante o banco X. Portanto, é titular de um direito de crédito à restituição e
por isso vai constituir um penhor sobre esse crédito a favor do próprio banco ou a
favor de um terceiro, não tem que ser a favor do banco X, pode ser a favor da empresa
A,Lda, por exemplo. Constitui assim em penhor esse direito de crédito à restituição de
um outro tanto, do mesmo género e qualidade.

Normalmente, como já se referiu, esse penhor é constituído a favor do próprio


banco, ou porque o senhor A tem um contrato de abertura de crédito, ou porque tem
um contrato de mútuo, ou porque tem qualquer outro negócio jurídico que tenha
celebrado com o próprio banco, sendo o banco credor e pretendendo este uma
garantia.

O banco torna-se titular de um penhor sobre um crédito de que ele próprio é


devedor. Ora, em caso de incumprimento da obrigação garantida, o senhor A não
cumpre a sua obrigação de restituição do capital ao abrigo do contrato de mútuo que
celebrou com o banco X, o banco vai satisfazer-se pela quantia ai depositada. O
procedimento é extraordinariamente simples, tudo se faz de uma forma rápida e
muito eficaz, através de um sistema de débito do valor em dívida na conta de depósito
à ordem do senhor A.

Este depósito pode ser à ordem ou a prazo. Se for à ordem o que se faz é
bloquear a sua movimentação, precisamente para que não haja um esvaziamento da
garantia que o senhor A prestou ao banco. Mas isso pode não suceder, pode não haver
um bloqueio, ou seja, pode o penhor incidir sobre o saldo da conta, como sucede no
âmbito do penhor financeiro. Isto significa que o saldo terá de se apurar na data do
incumprimento da obrigação garantida. Se o depósito for à ordem, não há assim

173

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

grandes dificuldades. Se for a prazo, em princípio, integrará o contrato de penhor a


atribuição da faculdade de movimentação antecipada ao banco, se for o banco o
credor. Portanto, atribui-se uma faculdade de movimentação antecipada desse
depósito ao credor, no caso de incumprimento.

Verificados os requisitos previstos no DL 105/2004, de 8 de Maio, que é o DL


que regula os acordos de garantia financeira, o penhor será um penhor financeiro se se
verificarem os respetivos pressupostos, o que muitas vezes não se verificará porque
basta que o devedor, autor do penhor, seja uma pessoa singular, como é o nosso caso
do senhor A. Isto basta para que já não seja qualificável como um penhor financeiro.
Mas se se verificarem os requisitos previstos neste diploma, temos um regime
extremamente favorável ao credor pignoratício.

Quais são as objeções que se colocam à admissibilidade do penhor de conta


bancária?

Em primeiro lugar, a proibição do pacto comissório e temos de reparar que há


uma norma no DL 105/2004 que vem afastar nessa matéria a proibição do pacto
comissório, mas no fundo, em rigor, vem permitir o pacto marciano. No fundo, o que o
legislador faz é permitir expressamente o pacto marciano. Portanto, por um lado,
temos a objeção da proibição do pacto comissório, e por outro lado, temos um
mecanismo de satisfação do credor.

Atendendo à forma da satisfação do credor pignoratício em caso de


incumprimento do devedor, já vimos que esta forma de satisfação consiste num débito
em conta do valor em dívida. Portanto, o banco X vai debitar o valor em dívida na
conta de depósito, à ordem ou a prazo, do senhor A.

Não podemos dizer que se trata de um pacto comissório. A natureza do bem,


temos aqui o dinheiro, e o facto de só se poder debitar a quantia em dívida, obstam a
que se verifiquem quaisquer dos fundamentos que justificam a proibição do pacto
comissório.

Quanto ao mecanismo em si mesmo considerado de satisfação do credor, por


via do débito em conta, que pode ser mesmo na totalidade do valor depositado, pode
dizer se, em primeiro lugar, que a lei não impõe a execução processual do penhor.
Portanto, não impõe o recurso a uma ação executiva, ou seja, as partes podem acordar
na venda extra processual do objeto do penhor, conforme o artigo 675º/1 CC. Além
disso, as partes podem convencionar que o bem seja adjudicado ao credor pelo valor
que o tribunal fixar, nos termos do artigo 675º/2 CC.

Ora aqui nós temos de ter presente o objeto do direito empenhado, a sua
própria natureza que é um crédito pecuniário. Temos aqui o direito à restituição de
outro tanto, do mesmo género e qualidade. Portanto, um crédito pecuniário em que o

174

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

seu valor nominal coincide com o seu valor de transação no mercado. Logo, do ponto
vista substancial, será totalmente irrelevante se a satisfação se faz por débito em conta
ou por alienação do crédito que vai originar esse valor. Por outro lado, se a
intervenção do tribunal é relevante para se fixar de forma objetiva o valor da coisa
empenhada, para ser adjudicada por esse valor ao credor pignoratício, aqui atendendo
a natureza do bem empenhado, essa avaliação é naturalmente desnecessária. Ou seja,
se essa avaliação se fizesse teria lugar exatamente ao mesmo valor. E mesmo que
desse lugar a ação executiva, neste caso, dado que o bem penhorado devia ser o bem
empenhado, portanto uma vez que a penhora tem de se iniciar pelos bens pelos quais
incide a garantia, naturalmente que o pagamento não se faria pela venda do crédito,
mas fazer-se-ia pelo dinheiro que ai existisse.

Portanto tendo em conta tudo isto e atendendo aos juízos de valor que
permitem a satisfação pelo valor do bem sem ter de recorrer efetivamente ao
processo executivo, parece que esta modalidade de execução do penhor, esta forma
de satisfação do banco pelo débito em conta será admissível, portanto, totalmente
admissível.

O penhor de conta bancária é qualificado também como penhor irregular.


Penhor irregular na medida em que o depositário é proprietário da quantia entregue.
Portanto na medida em que o depositário assume a obrigação de restituir outro tanto,
do mesmo género e qualidade.

Ora nos casos em que é dada em penhor o saldo de conta bancária, nos casos
em que o depósito irregular existe antes da constituição do penhor, há quem fale aqui
de uma união de contratos. Quando se constitui em penhor o saldo de conta bancária
e quando o depósito pré existe à constituição da garantia, portanto, fala se ou há
quem fale em união de contratos. Portanto, há um contrato de penhor que se justapõe
a um contrato de depósito.

Temos aqui um regime específico de funcionamento como vimos, que se reflete


na cativação do saldo em conta.

À partida nos estaríamos perante um penhor que se regeria pela normas do


penhor de créditos, portanto uma vez que o autor do penhor é titular de um direito de
crédito perante o banco. O penhor incidiria sobre o direito de crédito que o senhor A é
titular perante o banco X.

Todavia, há quem considere que se trata de um penhor irregular, porque teve


lugar a transmissão da propriedade sobre o bem empenhado, ou seja, o saldo da
conta. É discutível que possamos qualificar isto como um penhor irregular. Portanto, é
discutível que não se trate de um penhor de créditos.

175

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

Quando os depósitos em dinheiro são recebidos a título de penhor por parte do


depositante, quando o depósito à ordem do senhor A é recebido pelo banco X a título
de penhor, não existe assim previamente à constituição da garantia, aqui considera-se
que regem as regras do penhor de créditos, que não colidam com a natureza irregular
do contrato, ou seja, há aqui uma transferência da propriedade sobre o dinheiro
depositado. Portanto, e fruto dessa transferência da propriedade, nasce um crédito
que consiste no direito à restituição de um outro tanto, do mesmo género e qualidade.
Há quem considere que neste caso estaríamos não perante um penhor irregular mas
perante um penhor de créditos, portanto, quando o depósito não pré existe à
constituição da garantia. Portanto estabelece a distinção se o depósito já existe ou se o
depósito não existe. Se já existe, poderá considerar-se que existe uma união de
contratos, depósito de um penhor irregular ou penhor de créditos. E se o depósito não
existe, é constituído a título de penhor, existirá um penhor de créditos.

Temos também o penhor rotativo, ou seja, este existe quando. por acordo
entre o credor pignoratício e o autor do penhor, o autor do penhor pode substituir os
bens objeto da garantia, sem que o penhor se extinga, sem que o penhor cesse.
Portanto celebra um pacto de rotatividade ou seja mantém-se a garantia mas o objeto
sobre o que o penhor incide vai-se alterando, sendo substituído por outro objeto que
tenha valor igual, não há constituição de um novo penhor. Para todos os efeitos, em
particular, para a data de constituição da garantia, é o mesmo penhor. O que varia é o
seu objeto. Portanto, o que se permite é que o autor do penhor vá utilizando os bens
empenhados na sua atividade económica sem que estes bens estejam onerados. Caso
contrário, dificilmente o poderia fazer. E ao mesmo tempo a garantia mantém-se, pois
o que se altera é apenas o seu objeto. Logo, a garantia passa a incidir sobre outro bem
nos termos acordados pelas partes.

O penhor rotativo já esta tutelado no âmbito penhor financeiro, no âmbito DL


105/2004. Aqui, o objeto do penhor pode ser substituído por outro idêntico,
salvaguardando-se a cláusula de rotatividade. E o mesmo sucede com a cláusula de
integração que permite o reforço do penhor através da prestação de nova garantia no
caso de variação do montante das obrigações financeiras garantidas ou a prestação
financeira suplementar. Portanto, sempre que tenha havido uma variação no valor da
garantia financeira. Isto está previsto no DL 105/2004.

A disciplina do penhor contempla inúmeros casos em que se admite a mudança


do objeto do penhor, por vezes até por objeto de natureza diversa do anterior e em
que o penhor se mantém, pelo mecanismo de sub-rogação real. Por exemplo, no
âmbito dos artigos 674º/2, 685º/1, etc. Isto quer dizer que o nosso direito positiva
aceita com grande amplitude o mecanismo da sub-rogação real no âmbito do penhor.
Não se verifica a substituição do penhor anterior por um novo penhor, por isso o

176

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

penhor mantém-se mas com substituição do respetivo objeto e portanto com a data
inicial de constituição, é isto que acontece, tendo em conta que o interesse do credor
não é identidade do objeto, logo, não interessa ao credor a identidade do objeto sobre
o aqui incide a garantia, sobre o qual incide o penhor, o que interessa é o valor do
objeto, a identidade do valor do objeto, porque é precisamente sobre o valor do
objeto que o credor se vai satisfazer em caso de incumprimento do devedor e, por
isso, é exigível que o bem substitutivo, o novo objeto do penhor, tenha um valor
idêntico ao objeto substituído, ao valor do objeto substituído. É isso que esta aí em
causa.

Também é necessário que se exija não só a identidade de valor mas identidade


de liquidez, ou seja, os bens podem ter idêntico valor mas não terem idêntica liquidez.
Portanto, também é exigível que os bens tenham idêntica liquidez, que o novo objeto
do penhor tenha a mesma liquidez que tinha o objeto que vai ser substituído.

Vamos ver agora a GARANTIA AUTÓNOMA. Esta pode ser prestada ao abrigo
princípio da autonomia privada, em princípio por qualquer terceiro, não tem que ser
necessariamente por um banco ou por uma companhia de seguros, por uma
instituição financeira. Ao abrigo do princípio autonomia privada, naturalmente desde
que se respeitem as normas imperativas do ordenamento jurídico, pode ser prestada
por qualquer terceiro.

Aqui interessa-nos a garantia autónoma prestada por um banco e normalmente


é prestada por bancos. Portanto, nós temos aqui uma operação realizada por um
banco a favor de terceiros ou pelo menos no interesse de terceiros e no interesse dos
respetivos clientes dos bancos, pois os clientes dos bancos precisam destas garantias
para poderem prosseguir as respetivas atividades económicas.

Ex: A e B celebram um contrato de compra e venda de aparelhos de


radioterapia. Portanto A celebra com B um contrato mediante o qual adquire
aparelhos de última geração de radioterapia. É a primeira relação comercial que
estabelece com A e por isso exige que A preste uma garantia. Ambos acordam que
essa garantia será uma garantia prestada por um banco, que será uma garantia
prestada por uma garantia autónoma e uma garantia à primeira solicitação, num
determinado montante.

(Também podia ser uma empreitada e pode ficar B obrigado a construir esse
material, ou compra e venda ou empreitada, é indiferente.)

Ao abrigo deste contrato, A assume esta obrigação perante B de encontrar um


banco que preste esta garantia ou estas garantias. Vamos supor que esta é uma
obrigação contratual, mas não tem que ser assim. Nesta hipótese, A assume esta

177

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

obrigação perante B. Então A vai imediatamente ao seu banco, com quem tem o seu
relacionamento mais estreito, no sentido de saber se o banco Y lhe presta esta
garantia, com estas caraterísticas. Naturalmente que o banco vai analisar essa
proposta que é feita e tem de o fazer rapidamente, porque como A está vinculada
(tem uma obrigação) a B neste caso, se o banco Y recusa, o A tem de procurar outro
banco que lhe preste a garantia que procura.

O banco analisa a proposta de A e aceita, presta a garantia autónoma, ou seja,


celebra um acordo de garantia autónoma, à primeira solicitação, no valor de 100
milhões de euros, com B,Lda. A,Lda é um excelente cliente do banco Y, para o banco Y
prestar esta garantia. O próprio banco Y vai receber uma excelente comissão por este
serviço que vai prestar ao seu cliente.

Entre A e B nós temos um contrato de compra e venda. Por outro lado, entre
A,Lda e o banco Y temos um mandato sem representação. O banco Y fica incumbido,
por conta de A, em nome próprio, de celebrar um contrato de garantia autónoma com
B. Entre o banco Y e B temos um contrato de garantia autónoma.

Porquê que esta garantia é normalmente prestada por bancos? Os credores


preferem bancos em virtude da solvabilidade que os bancos têm.

Por diversas vicissitudes A não cumpre o contrato, as suas obrigações


contratuais perante B. Por exemplo, A não cumpre a sua obrigação de pagamento do
preço. Então B vai solicitar ao banco Y o pagamento de 100 milhões de €.

O banco Y, enquanto mandatário, dá conhecimento a A de que o vendedor lhe


solicitou o pagamento.

A dá conhecimento ao banco de que não procedeu ao pagamento porque o


material de radioterapia tinha defeitos e portanto dá instruções ao banco para não
proceder ao pagamento uma vez que o material tinha defeitos e portanto dá
instruções ao banco para que não proceda a esse pagamento uma vez que o material
tinha defeitos.

Na primeira hipótese, A,Lda dá instruções ao banco Y para não pagar – defeitos.

Na segunda hipótese, o banco Y recusa o pagamento, porque A,Lda não pagou


a comissão.

Nós temos uma garantia autónoma, o que quer dizer que não é acessória. É
autónoma pela obrigação de garantia, isto significa que o banco tem de pagar, ou seja,
não interessa se o material tinha ou não defeitos. A garantia prestada pelo banco é

178

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

autónoma, totalmente autónoma ou57 pelo menos tendencialmente autónoma da


obrigação garantida, portanto, são totalmente irrelevantes as vicissitudes da obrigação
garantida, não interferem na obrigação de garantia porque se trata de uma garantia
autónoma e não acessória.

O banco tem de pagar, não pode obedecer às instruções do mandante, sob


pena de o banco incorrer em responsabilidade contratual perante B,Lda e sob pena de
o banco perder a sua própria credibilidade no mercado se não cumprir.

E tem de pagar à primeira solicitação, o que significa que basta que B invoque
ao banco o não cumprimento da obrigação de A, ou seja, B nem sequer tem de provar
ao banco que A não cumpriu porque se trata de uma garantia à primeira solicitação,
por isso basta a mera indicação de não cumprimento, sem necessidade de prova desse
incumprimento. O banco paga de “olhos fechados” e depois naturalmente que o banco
vai exigir este montante, os cem milhões de euros, a A. O banco paga a B e exige de A.

Dúvida de um aluno: mas o banco, antes de assinar o contrato de garantia não


podia sujeitar isso a uma condição? Pode, é evidente que o banco vai exigir de A a
prestação de contra-garantias. Naturalmente que o banco vai ter de garantir o
cumprimento deste seu eventual direito de regresso perante A e, por isso, vai exigir de
A a prestação de contra-garantias, de garantias do cumprimento ou da satisfação do
seu crédito eventual. Poderá ser outra garantia autónoma de outro banco, uma fiança
bancária, hipoteca, etc.

O banco vai pagar de olhos fechos a B e vai exigir também de olhos fechados a
A o respetivo montante em via de direito regresso.

Repare-se que não há aqui uma sub-rogação porque o banco não está a
cumprir uma obrigação de A mas sim uma obrigação própria, uma obrigação que
assumiu perante B e por isso há um direito de regresso, não há sub-rogação.

Agora que o banco Y vem exigir de A os 100 milhões de euros, este (A) diz-lhe
que não vai pagar porque ele avisou que os bens tinham defeito e o banco não devia
ter pagado. No entanto, tem de pagar visto que foi o próprio A que, ao abrigo do
contrato de mandato sem representação, acordou a prestação de uma garantia
bancária autónoma, à primeira solicitação, no valor de 100 milhões de euros. O A tem
de pagar ao banco de olhos fechados e depois, naturalmente, trata-se de relações
entre A e B para ver se os bens têm efetivamente defeitos, aliás, nem o banco tem a
vocação para discutir com B se os bens tinham ou não defeitos, o banco tem uma
posição de total neutralidade em relação ao contrato que se celebra entre A e B.

57
Ou, pelo menos, já foi totalmente autónoma, claro que se estabeleceram depois doutrinalmente e
jurisprudencialmente alguns limites a esta autonomia.

179

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

Na segunda hipótese, o B exige do banco o pagamento dos 100 milhões e o


banco diz que não paga porque A,Lda ainda não pagou a comissão que é devida pela
prestação desta garantia, uma garantia autónoma, à primeira solicitação, no valor de
100 milhões de euros.

Pode fazê-lo? Também não pode fazê-lo porque a garantia é autónoma tanto
em relação à obrigação garantida, como em relação ao contrato de mandato sem
representação, no que toca à relação estabelecida entre o banco e o seu cliente. A
autonomia neste preâmbulo diz respeito quer à compra e venda, quer ao mandato
sem representação, portanto, o banco tem de pagar.

Se a garantia não fosse à primeira solicitação, o B para fazer a exigência do


pagamento ao banco Y, teria de fazer prova do incumprimento de A. Naturalmente, o
banco, assim que receba a solicitação do credor, deve informar imediatamente o
cliente por força do contrato de mandato sem representação que com ele celebrou.
Portanto, deve informar imediatamente o mandante. Uma vez informado o mandante,
ele pode acordar com o credor, com B, uma extensão do prazo de pagamento ou
qualquer outra coisa, por isso, o banco deve imediatamente informar, aliás há sempre
uma troca de documentos, portanto, há sempre o prazo de alguns dias para o banco
proceder ao pagamento, que tem que ver com a análise documental, e durante esse
período de tempo o banco tem tempo para avisar o mandante e compete-lhe, é um
dos deveres do mandatário, o dever de informar o mandante, nos termos do artigo
1167º CC, portanto, deve avisar o mandante porque este pode adotar diligências no
sentido de o credor desistir da exigência do pagamento da garantia.

Iremos terminar a matéria da garantia autónoma. Temos aqui, como vimos, uma
“relação” estabelecida, triangular. Vamos supor que há um contrato de compra e
venda com B, um contrato de mandato sem representação e um contrato unilateral,
que é o contrato de garantia autónoma.

Este contrato celebrado entre o Banco X e B (contrato unilateral – garantia autónoma),


que poderá ser o credor do preço neste contrato de compra e venda, é um contrato
legalmente atípico. E é também um contrato inominado, portanto não tem um nomen
iuris e o respetivo regime jurídico não se encontra estabelecido na lei, portanto é um
produto da autonomia das partes. Resulta do exercício dessa autonomia da vontade,
do exercício da liberdade contratual. A obrigação assumida pelo banco, neste contrato,
é uma obrigação pecuniária. Coloca-se a questão de se saber se no caso de B, se B a C,

180

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

o seu direito de crédito ao preço, isto é o direito de crédito de que B é titular perante
A, ao preço dos equipamentos que vendeu a A, se a garantia autónoma acompanha
esse crédito.

Nós sabemos que a cessão de créditos é o contrato pelo qual o credor, portanto B,
transmite a terceiro, ou seja a C, independentemente do consentimento do devedor,
ou seja independentemente do consentimento de A, a totalidade ou uma parte do seu
crédito ao preço. Interessa aqui precisamente reter a desnecessidade da obtenção do
consentimento do devedor para que a cessão de um determinado crédito produza os
seus efeitos. Há aqui uma querela ou debate doutrinal em torno da transmissão
automática da garantia bancária, precisamente em conjunto com o direito de crédito
garantido, isto é, com o direito ao preço: saber se se aplica ou não o princípio segundo
o qual, na falta de convenção em contrário, a cessão de crédito importa a transmissão
para o cessionário das garantias e outros acessórios do direito transmitido que não
sejam inseparáveis da pessoa do cedente. É um princípio que se encontra consagrado
no artigo 582º /1 do CC.

A consagração deste princípio, 582º CC, visa garantir que o crédito se transmita nas
exatas circunstâncias, ou seja, com todas as vantagens e com todos os defeitos em que
se encontrava à data da cessão. Ora, quais são as posições desfavoráveis à transmissão
automática da garantia bancária em caso de cessão do crédito garantido, Em caso de
cessão do crédito ao preço de B a C?

Diz-se que a garantia bancária não podia ser considerada ou não pode ser considerada
um direito relacionado com o crédito, pelo que não deve considerar-se transmitida
automaticamente com o crédito garantido. Partindo do princípio de que a garantia
está ligada a um preço do credor, conclui-se que a transmissão da garantia não deixa
de ter consequências para o garante, Banco, pelo que implicaria sempre justamente a
celebração de um negócio de cessão autónomo, ou seja de cessão da garantia. A
possibilidade de cessão automática da garantia bancária, juntamente com o crédito
garantido, é uma solução que seria de rejeitar, com base no facto de o crédito do
contrato de garantia ser um contrato autónomo relativamente ao contrato base. Este
contrato de garantia autónomo relativamente ao contrato de compra e venda
(contrato base), não é um contrato acessório do contrato de compra e venda. É um
contrato autónomo do contrato de compra e venda. Por outro lado, o beneficiário de
uma garantia bancária, ou seja B, não é indiferente ao Banco garante. Porquê? Porque
uma garantia desta natureza permite exigir, precisamente, do Banco, permite ao
beneficiário exigir do Banco o pagamento da quantia segurada com base no
pressuposto de que se paga primeiro e se discute depois. Diz-se que a capacidade
patrimonial do beneficiário, ou seja de B, o beneficiário de uma garantia bancária, tem
especial relevância para o garante na medida em que este, o banco garante, se pode
ressarcir no caso de ter lugar uma solicitação injustificada da garantia, isto é, uma
solicitação injustificada da quantia garantida. Isto quer dizer que lhe causa, ao Banco
181

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

garante, um agravamento dos riscos assumidos e, para isso, basta o ocorrer uma
situação em que o banco garante não tenha o direito de exigir de A, do ordenante da
garantia, do mandante, o reembolso dessa garantia. Neste caso, estariam agravados os
riscos assumidos pelo banco garante. A mudança de credor, a substituição de B por C,
pode comportar um agravamento dos riscos assumidos pelo Banco garante. Isto
também significa que o garante só se encontrará vinculado a realizar a prestação a
outro sujeito que não o sujeito originário, que não a B, se tiver aceitado que esse
terceiro, que C, passasse a ser o novo titular da garantia. Afirma-se uma
impossibilidade de cessão automática da garantia bancária com o crédito garantido.
Afirma-se a inaplicabilidade do artigo 582/1 CC.

É incoerente, por um lado, afirmar a autonomia do contrato de garantia relativamente


ao contrato base para uns efeitos e, ignorar essa autonomia relativamente à situação
de circulação, que seria o caso. Haveria aqui uma inconsistência por parte da doutrina.
Ignorar, quando toca a situações de circulação essa mesma autonomia da garantia
autónoma. Por outro lado, invoca-se ainda um argumento de natureza literal, retirado
do artigo 582º/1, quando este artigo diz que garantias e outros acessórios do crédito,
tudo aponta no sentido de que as situações que acompanham o crédito cedido são as
que lhe são acessórias, ou seja, as que estão ligadas ao crédito em termos de regime, o
que exclui precisamente a garantia autónoma. A falta de prestação de consentimento
por parte do Banco X, para a circulação da garantia autónoma, conduz à extinção da
garantia bancária, ou seja, uma vez cedido o crédito ao preço, por parte de B a C, se o
Banco X não consentiu na cessão da garantia bancária, a garantia bancária extingue-se.
Considera-se indispensável para a transmissão da garantia o acordo garante, se for
cedido o crédito garantido, se o garante não der o seu consentimento para a
transferência do direito de garantia, a garantia ou direito de garantia extingue-se.

Mas há posições favoráveis à transmissão automática da garantia bancária em caso de


cessão do crédito garantido. Há uma querela. Há posições favoráveis a essa cessão, ou
seja desde que preenchidos os requisitos indicados no artigo 577º/1 CC, o credor, de
acordo com esta norma, o credor beneficiário da garantia pode livremente ceder o
crédito garantido a terceiro e conjuntamente transmitir ao cessionário a garantia,
desde que preenchidos estes pressupostos, e desde que das relações estabelecidas
entre os três intervenientes, devedor-garantido e credor-beneficiário e garante, não
resulte situação diversa nada obsta a que a cessão de créditos não seja acompanhada
da transmissão da garantia como resulta do artigo 582º/1 CC. A garantia autónoma e
uma garantia como outra qualquer, de acordo com esta posição, pelo que seria um
mero formalismo exigir um segundo ato para se obter a sua transmissão.

Todavia aqui ignora-se que a autonomia da garantia bancária, a autonomia em relação


ao crédito garantido, é precisamente o traço que a distingue das outras garantias. As
outras garantias são acessórias e a autonomia é o que a distingue das restantes
garantias.
182

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

Há aqui a tal incoerência daqueles que afirmam a autonomia desta garantia para
determinados efeitos, mas que ignoram esta autonomia para efeitos de circulação
desta mesma garantia. Pode dizer-se ou poderia dizer-se que é de rejeitar a
transmissão automática da garantia bancária em caso de cessão do crédito garantido.
Porquê? Porque não se pode deixar de considerar, precisamente, que a obrigação do
garante estabelecida numa determinada garantia bancária não constitui uma
obrigação secundária ou uma obrigação subsidiaria relativamente à obrigação não
cumprida pelo devedor no contrato de compra e venda, no contrato base, ou seja a
obrigação que resulta de uma garantia bancária para o respetivo garante, para o Banco
X, é uma obrigação principal. Para o garante trata-se de uma obrigação principal. Esta
garantia não e abrangida pelo artigo 582º/1 CC. Não é um acessório do crédito para
estes efeitos. Não é uma garantia ou acessório do crédito para efeitos do artigo 582º/1
CC.

Talvez seja preferível a posição segundo a qual a garantia bancária não se transmite
automaticamente com o crédito cedido.

A qualificação de uma garantia como acessória ou como autónoma, naturalmente que


tem relevância também para a determinação do sujeito que tem legitimidade para o
exercício da ação de repetição do indevido. Esse sujeito, sujeito legitimado, será o
Banco que tenha efetuado um pagamento não devido, em caso de garantia acessória e
será o devedor principal que tenha reembolsado o banco, no caso de garantia
autónoma.

Outro aspeto relevante que resulta desta qualificação respeita à circulação do crédito
e da garantia que acabamos de ver, no sentido precisamente de que a cessão do
crédito principal implica a transferência automática da garantia acessória, mas não da
garantia autónoma.

Tínhamos visto na aula anterior, quando B exige ao Banco X o pagamento da quantia


garantida, o Banco X não pode recusar esse pagamento com fundamento de que as
máquinas entregues por B a A são defeituosos, ou com fundamento de que A ainda
não pagou a respetiva remuneração ao Banco X, ou com fundamento de que A ainda
não constituiu ou nunca chegou a constituir a contragarantia que lhe era devida.
Precisamente em virtude da autonomia desta garantia, tanto em relação ao contrato
de compra e venda como em relação ao contrato de mandato sem representação.

Todavia há exceções. Se o Banco X não pode invocar exceções, por via de regra
respeitantes ao contrato de compra e venda ou nem ao contrato de mandato para se
eximir ao cumprimento do contrato de garantia autonomia, há exceções de que pode
lançar mão para não cumprir.

E essas exceções são desde logo, não é um contrato legalmente típico, portanto estas
exceções ou limitações foram sendo estabelecidas doutrinal e jurisprudencialmente.

183

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

Há desde logo exceções literais, ou seja, exceções de que decorrem do próprio texto
de que consta a garantia do texto, em que se exprime o próprio contrato de garantia.
Por exemplo, a falta da declaração do beneficiário de que segundo o texto da garantia,
condiciona a sua operatividade; Ou então falta por parte do beneficiário, a indicação
dos motivos que segundo o texto da garantia, condicionam a sua operatividade; Ou
então falta, por parte do beneficiário a apresentação de um documento, que ainda
segundo o texto da garantia, condiciona a respetiva operatividade; Ou então o
beneficiário executa a garantia fora dos termos temporais indicados na própria
garantia, isto é, já caducou.

Há também exceções relativas à invalidade e à ineficácia do próprio contrato de


garantia. Se o próprio contrato de garantia, celebrado entre o Banco X e B, for inválido
ou ineficaz, naturalmente que o Banco X pode invocar essas exceções perante B,
exceções decorrentes da própria relação contratual estabelecida entre as duas partes.

Depois há exceções diretas e pessoais. Na ausência de convenção expressa, estas


exceções são indisponíveis e irrenunciáveis por parte do garante. De acordo com a
opinião dominante não é permitido num contrato de garantia autonomia estabelecer
uma cláusula sem exceções.

Quanto à exceção da compensação, esta exceção só pode ser invocada quando o


contra crédito do garante, perante o beneficiário da garantia autónoma, quando esse
contra crédito não decorra da relação principal.

Por outro lado a exceção geral de dolo ou de abuso do direito, ou de fraude também
são invocáveis embora com cautela; trata-se de conceitos indeterminados que é
preciso implementar com muita cautela para esvaziar a autonomia desta garantia. Para
não lhe retirar utilidade pratica mas em casos limite é preciso aplicar. Por exemplo, no
caso de B já ter recebido o preço de A e mesmo assim acionar a garantia autónoma.
Aqui o Banco X pode lançar mão de uma dessas exceções para se furtar ao pagamento
da quantia garantida. Afinal de contas o contrato foi cumprido pelo devedor. Apesar da
autonomia desta relação perante esta, há que limitar esta autonomia. Estão em causa
princípios meta jurídicos e, por isso, há que permitir ao banco eximir-se ao pagamento.
Com recurso a essas cláusulas gerais e conceitos indeterminados, que só devem ser
acionados em casos limites, para não se retirar utilidade a esta autonomia.

(Por outro lado, ponderam-se analisar casuística e jurisprudencial a este respeito no


manual ao Menezes Cordeiro, quanto à utilização destes conceitos indeterminados, a
propósito da autonomia desta garantia.)

Quanto a fiança:

Outra garantia do crédito bancário. Temos aqui uma garantia pessoal típica, inominada
das obrigações que se encontra regulada nos artigos 627º e ss CC.

184

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

Pela fiança, um terceiro que é o fiador assegura a realização de uma obrigação do


devedor. O fiador responsabiliza-se pessoalmente com o seu património perante o
credor. Ao garantir a satisfação do direito de crédito ficando pessoalmente obrigado
perante o credor, o fiador fortalece e reforça a expetativa do credor vir a obter o
cumprimento da obrigação. O crédito passa a ter duas garantias. Passa a ter a garantia
geral ou já tinha a garantia geral do património do devedor, do devedor principal, e
passa a ter a garantia especial que é o património do fiador.

Ao garantir a realização da prestação do devedor o fiador constitui-se devedor do


credor. E a sua responsabilização pessoal abrange todo o seu património, nos termos
do artigo 601ºCC, sempre o fiador não limite a sua responsabilidade a alguns dos seus
bens, o que pode fazer nos termos do artigo 602ºCC.

À prestação de fiança não obsta o facto de a obrigação garantida ser condicional ou ser
futura, conforme o artigo 628º/2. Com a constituição da fiança passa a existir duas
obrigações: como vimos. Passa a haver uma relação de dependência entre estas duas
obrigações, entre a obrigação de garantia e a obrigação garantida. Esta dependência é
desde logo genética, ou seja a fiança não é valida, a obrigação de garantia não é valida
se a obrigação principal não for valida – 632º/1.

Para além desta dependência genética, há também uma dependência funcional entra a
obrigação de garantia e a obrigação garantida. Portanto isto quer dizer que o fiador
pode opor ao credor, os meios de defesa que competem ao devedor 637º/1 CC.
Depois há uma dependência extintiva entra a obrigação de garantia e a obrigação
garantida, ou seja a extinta a obrigação garantida extingue-se a obrigação de garantia.

Quer dizer que há uma relação de dependência, assessoriedade, precisamente o


oposto ao que se passa com a garantia autónoma: aqui há uma relação de
subordinação, de assessoriedade, entra a obrigação do fiador e a obrigação do
devedor principal. Há aqui esta relação de assessoriedade, de que se encontra privado
todo o regime jurídico da fiança. Relação de dependência, de assessoriedade,
subordinação. É uma característica conformadora da fiança. Isto confere à obrigação
de garantia, à obrigação do fiador, uma posição de dependência, relativamente à
obrigação principal. Quer dizer que a obrigação do fiador vai comungar todas as
fraquezas da obrigação principal. O fiador vai poder opor ao credor todos os meios de
defesa que o devedor principal lhe pode opor. O oposto ao que se passa na garantia
autónoma. E a garantia autónoma surge praticamente nas relações transações
comerciais para fazer face as fraquezas e fragilidades das garantias pessoais, da fiança.
(às fragilidades da assessoriedade).

A fiança bancaria, do artigo 623º/1 CC é uma autêntica fiança. Essa figura prevista
nesse artigo, é uma autêntica fiança caracterizada pela assesoriedade, o que apresenta

185

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

de peculiar é que oferece ao credor a segurança da solvibilidade do garante. O fiador é


um banco. E aqui esta fiança é solidária, por força do artigo 101º Ccom.

Quais são os três vetores do regime da fiança?

 Em primeiro lugar, temos a assessoriedade


 Em segundo lugar, temos o fim de segurança ou de garantia
 Em terceiro lugar, temos o facto da fiança ser um negocio de risco para quem a
presta, para o garante. A fiança é um negócio de risco.

Quanto à assessoriedade, ou seja a fiança enquanto negócio acessório. A


assessoriedade é a principal técnica de ligação do crédito ao direito de garantia. Mas, a
assessoriedade não explica todo o regime jurídica da relação da fiança. O núcleo duro
da assessoriedade, no q toca a fiança, está na invocabilidade, por parte do fiador, das
exceções decorrentes da obrigação principal 637º/1. E no âmbito da responsabilidade
631º/1 e 634º. Este é o núcleo duro da assessoriedade da fiança.

Quanto ao segundo vetor, o fim de garantia ou de segurança da fiança. Este vetor


permite explicar aspetos onde a assessoriedade não impera; Onde a assessoriedade é
prejudicada precisamente pelo fim de segurança do credor. Aqui este fim de segurança
do credor sobrepor-se à consideração da assessoriedade. A fiança para além de ser
uma garantia de cumprimento das obrigações é também uma garantia de solvência do
devedor. é uma garantia de consecução do resultado do cumprimento. Isto quer dizer
que o exemplo, precisamente desta consideração, do fim de segurança ou de garantia
da fiança, está na tendencial insensibilidade dos termos da responsabilidade do fiador
à ulterior ou superveniente impotência económica do devedor. Ou seja não faria
qualquer sentido que o fiador que garante a solvência do devedor se pudesse escusar
ou se furtar, a satisfazer o crédito principal, no caso do devedor principal não estar em
condições, em virtude de incapacidade económica. Não faria qualquer sentido. Há aqui
uma tendencial insensibilidade da responsabilidade do fiador à superveniente
incapacidade económica do devedor principal, em consideração que o fim de garantia
ou segurança da fiança.

Outro exemplo da consideração deste fim de segurança ou de garantia está no artigo


632º/2CC. Outro exemplo está na morte do devedor e na insuficiência do património
hereditário para pagar a divida.

Depois temos a fiança como negócio de risco. Outro vetor ou pilar precisamente do
regime jurídica da fiança. A fiança é um tipo contratual que recebe o seu sentido
específico do elemento de risco. Nós sabemos que qualquer negócio jurídico envolve
risco, mas o risco na fiança não é um risco normal, é considerado um risco anormal.
Porquê? Porque o fiador pode ser chamado a ter de suportar o esforço de satisfação
do credor, sem que possa exigir qualquer contraprestação ao credor. E depois o fiador
corre por sua conta o esforço de obter, junto do devedor, a reintegração daquilo que

186

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

satisfez ao credor. E não tem qualquer certeza de obter este montante junto do
devedor (de obter aquilo que satisfez ao credor junto do devedor). Não há qualquer
certeza quanto a essa realização. O risco que corre o devedor ou o fiador de ter de
cumprir não é substancialmente diferente do risco que corre uma seguradora num
seguro de créditos. Isto é o mesmo que falar em negócio de perigo, ou seja, quem
garante um crédito alheio vive perigosamente.

A característica da fiança como negócio de risco permite identificar alguns traços de


regime jurídico. Desde logo a possibilidade de o fiador conhecer previamente o nível
de risco assumido. Em segundo lugar, a possibilidade de o fiador poder consultar no
decurso do negócio o nível de risco existente. Em terceiro lugar, deve proceder-se a
uma interpretação estrita das cláusulas de risco, com uma tendencial aplicação do
princípio ou dos critérios in dúbio pro fiador. Por outro lado, deve exigir-se o carácter
expresso das cláusulas de agravamento do risco do fiador. Como seja, por exemplo, a
cláusula do fiador e principal pagador, a cláusula de renúncia aos meios de defesa do
devedor, a cláusula de pagamento ao primeiro pedido. Todas estas cláusulas devem
ser expressas e não tácitas.

Depois deve aqui dizer-se que a fiança civil tem como característica a subsidiariedade
virtual, isto é, o benefício da excussão previsto no artigo 638º/1 CC (a característica da
subsidiariedade virtual). Quando a lei se refere a responsabilidade patrimonial
subsidiária, tem em vista precisamente o facto de haver responsabilidade patrimonial
de um sujeito diverso do devedor primário (do devedor principal). Uma
responsabilidade que só pode ser atuada após o esgotamento da responsabilidade
patrimonial do devedor principal. A responsabilidade ou a expressão prévia do
património do devedor primário funciona como um pressuposto da responsabilização
do devedor subsidiário, ou seja, o devedor subsidiário pode opor ao credor, se for
acionado intempestivamente, a exceção da inexigibilidade do crédito. Naturalmente
que pode não o fazer e, por isso, a subsidiariedade é virtual porque o fiador pode ser
acionado e não opor ao credor essa inexigibilidade.

Quanto à subfiança:

O artigo 643ºCC estabelece que o subfiador goza do benefício da excussão, tanto em


relação ao fiador, como em relação ao devedor. E o subfiador é definido no artigo 630º
CC, como aquele que afiança o fiador perante o credor. A definição que o artigo 630º
nos dá do subfiador não deixa dúvidas de que o subfiador é um fiador do fiador e não é
um fiador do devedor. Portanto é um fiador do fiador.

Apesar disso a subfiança tem também o efeito, embora indireto, de garantir o


cumprimento da obrigação principal. Com a fiança o credor pretende uma garantia da
satisfação do seu crédito. Com a subfiança o credor pretende reforçar a possibilidade

187

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

de satisfação do seu credito, isto é, do mesmo credito, mas através de uma via
indireta, (através da garantia do credito fidejussório). Se em primeira linha o subfiador
garante o cumprimento pelo fiador, substancialmente o subfiador garante o
cumprimento pelo devedor principal. E a prestação do subfiador é moldada pela
prestação do devedor, ainda que seja mediada pela prestação do devedor.

Retrofiança:

Quanto a retro fiança o que interessa ter em conta é que esta é normalmente uma
garantia prestada por profissionais. Maxime por bancos.

Retrofiança bancária: a prestação ou o recurso a contragarantias, faz parte da praxis


bancária. No âmbito da fiança, a retro fiança é, naturalmente, uma outra fiança. Uma
outra fiança que é prestada como contragarantia para garantir o regresso entendido
em sentido lato, o regresso do fiador que seja forçado a satisfazer o credor (a satisfazer
o regresso contra o credor). A retrofiança garante o crédito eventual do fiador sub-
rogado contra o devedor.

Imaginem que o banco X tinha prestado uma fiança, ou seja, tinha prestado uma fiança
a favor de B e tinha exigido a prestação de uma retrofiança, Retro fiança esta que terá
sido prestada pelo Banco Y (também poderia ser a favor da propósito da garantia
autónoma). Esta retrofiança para garantir o crédito eventual do banco X perante A. O
banco x terá sido forçado a cumprir a obrigação principal, A perante B, subroga-se, no
crédito de B, no crédito ao preço, e vai agora exercer o seu direito perante o banco Y,
ao abrigo desta retrofiança.

A propósito da garantia autónoma, imaginem que a sociedade A encomendou a


sociedade B 70 toneladas de laranjas, mediante o preço global de 50 mil euros. A
sociedade A obrigou-se a pagar o respetivo preço, noventa dias após a receção das
laranjas encomendadas. A sociedade B exigiu a prestação de uma garantia bancária à
primeira solicitação. Esta garantia foi emitida pelo Banco Y. A sociedade B cedeu
entretanto a sua posição contratual à sociedade C, com a anuência expressa da
sociedade A e com o desconhecimento do banco Y. A sociedade C exige do banco Y o
pagamento da quantia acordada alegando o incumprimento do devedor. Quid iuris?

188

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

Vamos agora ver a fiança à primeira solicitação:

Temos aqui uma garantia que tem ou surge com uma fisionomia mista que apresenta
as características de uma garantia forte e as características de uma garantia mais fraca.
Temos aqui uma garantia em que o fiador não renúncia de forma definitiva, mas
apenas temporária, aos meios de defesa, ou seja, uma fiança em que o devedor deve
pagar e só depois deve ou pode exigir o que pagou fazendo atuar os meios de defesa.
Uma fiança à primeira solicitação.

Temos o Banco X, A e B, em vez de uma garantia autónoma, temos uma fiança à 1


solicitação. B exige do Banco X a quantia garantida. Os equipamentos entregues a A
apresentam defeitos – contrato de compra e venda. Tal como na garantia autónoma,
temos uma fiança à primeira solicitação, o Banco X, deve pagar. B exige do Banco X, ou
seja, invoca o incumprimento do pagamento do preço por parte de A e o Banco X deve
pagar imediatamente, cumpridos os requisitos previstos no texto da garantia. E depois
a assessoriedade está adormecida nesta primeira fase; numa fiança normal o banco
poderia opor a B os meios de defesa que o devedor poderia opor a B. Mas nesta
primeira fase, esta assessoriedade, esta dependência funcional da obrigação de
garantia perante a obrigação principal, está adormecida porque é uma fiança à uma
solicitação. Apresenta características da garantia autónoma, portanto tem que pagar.

Num segundo momento acorda essa assessoriedade, então o banco pode fazer valer
esses meios de defesa, ou seja, os defeitos do equipamento e vir exigir de B a quantia
que indevidamente lhe pagou, ou seja trata-se de um pagamento provisório, m
pagamento que não impede uma ação futura. Esta é a posição partilhada pela maioria
da doutrina, ou seja, uma posição segundo a qual a assessoriedade da fiança não é
removida, é só provisoriamente colocada fora de ação.

Não está naturalmente em causa a validade de uma cláusula ao primeiro pedido, como
esta, ou seja à primeira solicitação. O que está em causa é saber se esta cláusula é
compatível com a fiança, com esta garantia que é a fiança. Se se considerar que esta
cláusula de pagamento à primeira solicitação não é compatível com a fiança,

189

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

naturalmente que este negócio não é inválido. Então teremos que ver se não estará
em causa uma garantia autónoma à primeira solicitação ou se não estará em causa
uma garantia atípica. Se considerarmos que esta cláusula é contraditória com a fiança
e que as partes efetivamente configuraram a garantia como uma fiança, quiseram uma
fiança mas essa clausula e contraditória até com a própria fiança essa garantia/
negocio será espojado de eficácia. Essa cláusula será espojada de eficácia e aplica-se o
regime da assessoriedade, na sua plenitude conforme configurado no CC.

Tudo depende da posição que se adotar a este respeito. Se se considerar ou não que a
clausula de pagamento ao primeiro pedido ou à primeira solicitação é compatível com
a figura da fiança. Se se considerar que é compatível com a figura da fiança, então em
princípio, temos um regime misto de garantia autónoma e de fiança. No primeiro
momento aplica-se o regime da garantia autónoma e no segundo momento o regime
da fiança.

Quanto à exigência de pressupostos subjetivos para a prestação de fiança ao primeiro


pedido aplica-se o mesmo regime da garantia autónoma ao primeiro pedido. Em
princípio são as instituições de crédito, que prestam este tipo de garantias, também as
companhia de seguros, as entidades de crédito – são as entidades mais habilitadas
para suportarem este tipo de riscos e para medirem as consequências da assunção
deste tipo de garantia, mas face ao principio da liberdade contratual, não há razões par
a impedir que outras entidades, designadamente particulares, não possam prestar este
tipo de garantias. A garantia autónoma a uma solicitação como a fiança a primeira
solicitação.

Sobre a eventual formulação de requisitos especiais para a declaração de fiança ao


primeiro pedido exige a doutrina que do contrato celebrado resulte claramente o
sentido e o alcance da vinculação do fiador. A obrigação do pagamento, a cargo do
fiador à primeira solicitação, vence nos termos acordados no contrato, nos moldes
simulares aos que ocorrem na garantia autónoma a uma solicitação. No que toca aos
meios de defesa oponíveis pelo fiador ao primeiro pedido, são meios de defesa
equiparáveis àqueles que valem para o garante ao primeiro pedido. Portanto vale a
mesma doutrina.

Fiador e credor acordam numa fiança ao primeiro pedido, uma vez realizado o
pagamento ao primeiro pedido, já vimos, o credor pode exigir a devolução ou a
restituição daquilo que pagou ao credor na lógica de um pagamento sob reserva de
uma ulterior evidência de exceções, ou seja, a ação de condenação do credor encontra
um fundamento contratual, o contrato de fiança. Coloca-se a questão na fiança ao
primeiro pedido, a questão da compatibilização entre a admissibilidade de uma fiança
ao primeiro pedido e a previsão legal de uma subrogaçao nos direitos do credor,
quando fiador cumpre a obrigação, conforme o artigo 644º CC. Se por força do
cumprimento realizado o fiador fica sub-rogado nos direitos do credor como é que ele

190

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

pode agir contra o ex credor? Com base no acordar da assessoriedade, com base na
invocação dos meios de defesa que estavam adormecidos, mas que agora feito o
pagamento poderá invocar?

A solução está na conciliação ou na harmonização entre o direito de o fiador agir


contra o credor e o direito de o fiador, enquanto credor sub-rogado, agir contra o
devedor. Portanto, naturalmente, que não pode pretender agir simultaneamente
contra os dois (não pode pretender simultaneamente do credor aquilo que lhe pagou
alegando por exemplo que a obrigação principal n existia e exigir do devedor o
crédito). Não pode ter estas duas pretensões simultaneamente. Temos um concurso
de pretensões alternativas e o fiador tem que optar entre uma dessas pretensões.
Impõem-se aqui uma conciliação. No que respeita aos limites ao exercício do direito do
credor perante o fiador a solução é semelhante, precisamente àquela que é adotada
no âmbito da garantia autónoma.

Quanto à fiança omnibus ou genérica:

Há aqui a necessidade de determinação do objeto da fiança, que resulta do artigo


280º/1 CC. É uma necessidade que se reporta ao momento da celebração do negócio
jurídico. É uma questão de interpretação do negocia jurídico. Apurar se o objeto está
então determinado. Tanto quanto resulta do artigo 280º/1 e da ratio legis desta
norma, a determinação do objeto ou existe ou não existe. Não há variações
qualitativas da determinação do objeto. Naturalmente que o ordenamento jurídico
não poderia deixar de atender a variadíssimas situações que são dignas de tutela:
situações em que os sujeitos não estão ainda em condições, ou não podem ou não
querem, determinar o objeto do negócio, mas são situações em que os sujeitos
querem já assumir uma vinculação negocial porém a determinação do objeto é
deliberadamente deixada para depois, pelas partes. Então o artigo 280/1 exige que o
objeto seja determinável, não que seja determinado, sob pena de nulidade. A
determinabilidade supõe que a data da celebração do negócio existam já elementos ou
critérios para a determinação futura desse objeto. A questão da determinação da
fiança omnibus terá que ser resolvido com base no artigo 280º/1. O que é essencial é
que ao tempo da prestação da fiança, o fiador possa estar em condições de fazer
contas, ou seja, possa estar em condições de prever virtualmente o futuro, portanto
possa estar em condições de fazer contas. Temos por exemplo, a fiança prestada por
todas as obrigações futuras e presentes decorrentes das relações bancárias
credor/devedor, mas ficando convencionado que a responsabilidade do fiador está
limitada a um bem constituído, por exemplo, um prédio urbano. Ora aqui o fiador sabe
à partida qual é a dimensão possível das suas perdas na relação com o credor. Ele sabe

191

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

o que está em jogo. Em princípio é de afirmar a determinabilidade do objeto da fiança.


Ele sabe o montante das suas perdas não pode ultrapassar o valor do prédio. A fiança
prestada para garantia de todas as obrigações presentes e futuras decorrentes das
relações bancárias credor/devedor, mas com o estabelecimento de um limite máximo
de responsabilidade. Aqui, também, o fiador sabe, à partida, qual o limite máximo
possível da sua responsabilidade (conhece o nível de risco). Também aqui, à partida se
poderá dizer que o objeto do negócio de fiança é determinável que se respeita o artigo
280º/1CC.

A fiança prestada por todas e quaisquer obrigações assumidas e a assumir pelo


devedor face ao credor, resultantes das relações de negócios, bancários, entre eles.
Face ao 280º/1, o fiador deve estar em condições de prever o volume possível das suas
responsabilidades, o que se traduz num cálculo monetário, tratando-se de
responsabilidades bancárias. Aqui parece que o objeto da fiança não é determinável.
Esse contrato de fiança seria nulo por indeterminabilidade do objeto.

Depois temos as fianças em que o fiador diz responder por todas as obrigações do
devedor face ao credor, resultantes de um número determinado de operações, que
aparecem identificadas. São os casos, por exemplo, em que o fiador responde por
todas e quaisquer obrigações, decorrentes de contratos de abertura de crédito,
celebrados entre o banco e o cliente. Por exemplo, aqui parece que o fiador ao tempo
da celebração do contrato de fiança não está em condições de fazer contas, ou seja,
desconhece o fluxo de crédito que irá ser concedido. À partida haverá uma
indeterminabilidade do objeto do contrato de fiança. Portanto será nulo. Há que
analisar caso a caso.

Temos depois o seguro de créditos

A expressão “seguros de créditos”, em sentido amplo, abrange o contrato de seguro


de crédito em sentido estrito e o seguro de caução. E o critério de distinção reside no
interesse do seguro. O seguro de créditos é um contrato celebrado entre uma
seguradora e um credor e é um contrato que se destina a cobrir os riscos previstos no
contrato no contrato e, aqui fundamentalmente, o risco da perda do crédito. Portanto,
mediante este contrato, a seguradora obriga-se em determinados termos, a
indemnizar a contraparte, na eventualidade de se verificar o sinistro, ou seja, o
incumprimento, a insolvência ou qualquer outra causa. É um contrato nominado. Só é
coberta uma percentagem do crédito de seguro, uma percentagem a estabelecer pela
seguradora. Nunca é a totalidade do crédito que é segurada. Porquê? Porque se visa
que o segurado corra parte do risco de forma a que se interesse pelo destino do
crédito.(Há um descoberto obrigatório. Por outro lado, a seguradora estabelece na
apólice limites para os montantes indemnizáveis. Ultrapassados esses limites o dano
fica também expensas do segurado. Não são indemnizáveis os lucros cessantes, nem
tao pouco os danos não patrimoniais. Em contrapartida do risco assumido, a

192

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

seguradora tem direito ao prémio. A seguradora fica sub-rogada, na medida do


montante pago e, como só se verifica a cobertura parcial do risco, a subrogaçao é
também parcial. O que significa que o devedor passa a ter dois credores.

É uma garantia pessoal e a sua especificidade consiste no facto de ser prestada por
uma seguradora. Uma seguradora que encara o seguro de crédito como um negócio de
risco. O seguro de crédito tem uma função equiparável à da garantia autónoma e da
fiança. Mais próximo de um ou outro, conforme o que seja concretamente estipulado
pelas partes. As partes podem estipular que o seguro seja prestado acessoriamente à
obrigação principal e então será mais próximo da fiança, ou podem estipular que o
seguro seja prestado com autonomia, em relação a obrigação principal, inclusivamente
à primeira solicitação então será mais próximo da garantia autónoma e da garantia
autónoma à primeira solicitação.

Temos depois o seguro se caução:

Temos um contrato celebrado entre um devedor ou futuro devedor e uma seguradora,


a favor de um credor ou de um futuro credor. Mediante este contrato, a seguradora
obriga-se a indemnizar o segurado pelos danos patrimoniais sofridos, em caso de falta
de cumprimento ou de mora do tomador do seguro, em obrigações cujo cumprimento
possa ser assegurado com uma garantia pessoal. Portanto, visa-se tutelar o credor do
tomador de seguro, precisamente contra o risco do incumprimento do tomador.
Temos aqui três sujeitos: as partes do contrato, o credor que é o beneficiário do
seguro. O seguro de caução supõe sempre a celebração de um outro contrato, de
outra natureza entre o tomador do seguro e o beneficiário do seguro. E este contrato
de seguro de caução tem por conteúdo a atribuição a terceiro, que é o beneficiário do
direito de crédito, de ser indemnizado pela seguradora se o risco que pode ter por
objeto, ou seja, o incumprimento ou a mora no cumprimento das obrigações, se
verificar. Em contrapartida, o tomador do seguro paga o respetivos prémios a
seguradora. Salvo casos excecionais, a cobertura é total no seguro de caução, ou seja
não há descoberto ao contrário, do que se verifica no seguro de créditos.

Se o sinistro se verificar e a seguradora indemnizar o credor, a seguradora adquire o


direito, face ao devedor, por subrogacão. Muitas vezes a seguradora exige uma
contragarantia (estamos perante um caso de contragarantia).

Temos depois a cessão de créditos em garantia, muito utilizada na praxis bancária:

A cessão de créditos em garantia integra normalmente, um negócio pelo qual uma das
partes, no âmbito de um negócio muito mais amplo, cede a outra um crédito
pecuniário sob um terceiro, seu devedor. Cede-o com vista a garantir uma obrigação
principal, obrigação esta que decorre por via de regra de um empréstimo pecuniário.
Há aqui uma estrutura fiduciária, ou seja, a transmissão plena de um direito a um
sujeito que está obrigado a exercê-lo de determinada forma e, mais tarde, verificadas

193

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

determinadas circunstâncias, está obrigado a retransmitir esse direito de crédito. Uma


estrutura fiduciária que se integra num negócio mais amplo. Se o cedente do crédito,
que o cede em garantia do cumprimento de um obrigação principal, de obrigação de
restituição do capital do mutuo bancário, se o cedente cumprir a sua obrigação
principal de restituição do capital, nasce a obrigação do cessionário do crédito de lhe
retransmitir o crédito cedido. Se o cedente não realizar a sua prestação, o cessionário,
o banco, pode satisfazer-se da quantia em dívida, ao abrigo do mútuo, através do
montante cobrado, se o crédito cedido em garantia já se estiver vencido, e se o
devedor cedido tiver pago, ou então pode satisfazer-se, o banco (mutuante), através
do produto da alienação do crédito cedido em garantia (no caso do crédito cedido se
vencer mais tarde). É um negócio em garantia muito utilizado e na praxis bancária, no
direito comparado e também entre nós. Há aqui uma relação de confiança, uma
estrutura fiduciária, que pressupõe uma relação de confiança entre as partes do
contrato de cessão de créditos. Sem a relação de confiança naturalmente que esta
cessão de créditos não se estabelece.

Reporte bancário:

O reporte é definido no artigo 477º CCom como sendo o contrato constituído pela
compra e venda a dinheiro de decontado de títulos de créditos negociáveis e pela
revenda simultânea de títulos da mesma espécie a termo, mas por preço determinado,
sendo a compra e a revenda feitas à mesma pessoa. Acrescentando o paragrafo único
da mesma norma, ser condição essencial à validade do reporte, a entrega real dos
títulos. O CVM consagra algumas especificidades para o reportes realizados em bolsa
de valores. O reporte é um contrato que se celebra entre o reportador, o reportador é
aquele que compra os títulos, que paga o respetivo preço e que revende
concomitantemente a termo, títulos da mesma espécie. A outra parte do contrato é o
reportado que é a parte que vende os títulos, recebe o preço e recompra
simultaneamente, mas também a termo, títulos da mesma espécie. Temos aqui
efetivamente um contrato que desempenha uma função muito semelhante ao mútuo
garantido com penhor ou à antecipação bancaria, mas que estruturalmente é
diferente destes contratos. No reporte temos duas vendas de sinal contrário; isto não
se verifica no mutuo com penhor de títulos de credito, nem na antecipação bancária e
por outro lado, no reporte a propriedade dos títulos é transmitida para o reportador,
enquanto que isso não se verifica nem no mútuo garantido por penhor, nem na
antecipação bancária. São figuras diferentes. É um negócio fiduciário

Temos depois os acordos de garantia financeira:

Encontram-se previstas no DL 105/2004, 8 DE MAIO. (campus)

Os acordos de garantia financeira:

194

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

Garantia financeira, à luz do diploma, é uma garantia prestada entre instituições


financeiras ou equiparadas. É uma garantia que tem por objeto instrumentos
financeiros ou numerário, efetivamente disponibilizados pelo devedor ao credor ou a
quem atue em nome do credor. A garantia financeira visa assegurar o cumprimento de
determinadas obrigações de natureza financeira. Temos aqui contratos de garantias
especiais das obrigações, contratos que são celebrados, normalmente, entre sujeitos,
para reforço preferencial do direito do credor ao cumprimento de obrigações
financeiras do devedor. O legislador procurou recortar com precisão a figura das
garantias financeiras. De acordo com o artigo 2º, número 1, os contratos de garantia
financeira têm que preencher os requisitos previstos nos artigos 3º a 7º. O legislador
não nos dá uma noção geral de garantia financeira. Em lugar de o fazer, estabelece
uma remissão para outras disposições e é do conjunto do articulado dessas
disposições, que resulta a noção do contrato de garantia financeira e o âmbito de
aplicação do regime jurídico previsto no DL 105/2004. As partes do contrato de
garantia financeira têm que ser as previstas no artigo 3º e entre as entidades que
podem celebrar contratos de garantia financeira estão o Estado e outras entidades
públicas, e as instituições financeiras sujeitas a supervisão prudencial, como acontece
com as instituições de crédito, ou seja, bancos.

No que respeita ao objeto da garantia financeira, de acordo com o artigo 5º, este deve
consistir em instrumentos financeiros ou em numerário, ou seja, o numerário tal como
se prevê na própria lei, consiste no saldo disponível de uma conta bancaria em
qualquer moeda ou em créditos semelhantes que confiram direito a restituição de
dinheiro. O objeto da garantia financeira deve consistir em instrumentos financeiros
ou numerário ou créditos sobre terceiros. O que se entende por créditos sobre
terceiros?

São os créditos pecuniários decorrentes de um acordo, mediante o qual uma


instituição de crédito concede um crédito sob a forma de empréstimo. Estes são os
créditos sob terceiros que podem ser objeto de um contrato de garantia financeira. A
descrição da lei no âmbito do artigo 5º alienas a) e b), mostram uma limitação do
âmbito das garantias financeiras em função do seu objeto. No que toca ao numerário
trata-se de uma modalidade restrita de créditos, créditos cujo devedor é um banco e
que incidem sobre depósitos à ordem; Ou então créditos que conferem, de modo
similar aos depósitos à ordem, direito à restituição de dinheiro, tais como os depósitos
no mercado monetário. Estão em causa créditos dotados de grande liquidez, em
virtude precisamente do credor poder exigir a todo o tempo a entrega das respetivas
quantias. E atendendo à pessoa do devedor (é um banco), são créditos revestidos de
grande segurança.

O penhor financeiro é uma das modalidades dos acordos de garantia financeira. Ao


contrário da alienação fiduciária em garantia, que é outra modalidade de acordo
financeira, também prevista neste DL 105/2004, naturalmente que aqui não há
195

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

transferência para o beneficiário da titularidade do objeto da garantia: do numerário


ou dos instrumentos financeiros. No penhor financeiro estão em causa direitos,
embora se trate de direitos especais. O penhor financeiro é essencialmente um penhor
de direitos. De acordo com o artigo 6º/1, o objeto da garantia financeira deve ser
efetivamente disponibilizado, ainda que sem transferência, para que haja uma
constituição válida da garantia, ou seja, o regime especial que se encontra consagrado
neste DL apenas se aplica à garantia financeira prestada ou seja, à garantia financeira
cujo objeto tenha sido entregue, tenha sido transferido, registado ou que esteja de
qualquer modo na posse ou controlo do beneficiário da garantia ou da pessoa que
atue em nome do beneficiário dessa mesma garantia.

A lei aponta no sentido de se tratar de contratos reais quanto à constituição, dos


contratos de garantia financeira serem contratos reais, quanto à constituição. A
garantia financeira é plenamente válida e eficaz pela entrega, transferência, registo ou
outra forma de desapossamento do prestador da garantia, ou seja, o seu objeto tem
que estar na posse, ou seja, sob o controlo do beneficiário, ou de quem represente o
beneficiário. Nós sabemos que idêntico é o regime do direito civil do penhor, de
acordo com o artigo 669/2 do CC, mas também sabemos que o penhor bancário
dispensa a entrega dos bens dados em garantia.

O que se pretende com o este carácter real quanto à constituição da garantia


financeira?

Pretende evitar-se uma utilização múltipla pelo prestador da garantia do objeto da


garantia financeira e, assim confere-se uma maior segurança ao credor e também se
consegue obter uma publicidade do ato, do acordo de garantia financeira, perante
terceiros. Uma publicidade considerada conveniente

A lei não impõe qualquer forma ad substantiam para os contratos de garantia


financeira. Se o fizesse ela seria excessiva. Porquê? Porque se trata de contratos reais,
quanto à constituição. Todavia, nos termos do artigo 7º, a garantia financeira deve ser
suscetível de prova, por documento escrito ou então de forma juridicamente
equivalente. Ora, o registo em suporte eletrónico ou noutro suporte duradouro
equivalente, cumpre a exigência de prova por documento escrito ou de forma
equivalente à forma escrita, ou seja, o regime especial consagrado no DL, apenas se
aplica à garantia financeira cuja efetiva prestação possa ser provada na forma prevista.
Tem que se identificar devidamente o respetivo objeto: numerário, instrumento
financeiro ou créditos sob terceiros. E aqui interessa o regime insolvencial das
garantias financeiras.

Tudo isto foi muito importante no caso do BPP. Revelou-se inoperante porque os
acordos de garantia financeira estavam mal feitos e a introdução legislativa que surge
e acrescente aos créditos sob terceiros surge porque o estado estava mal acautelado.

196

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

Surge posteriormente, na sequência do colapso do BPP, como possível objeto porque


não existia em 2004.

Estas garantias abrem aos credores a possibilidade de se assegurarem de modo muito


eficaz contra o risco do crédito. Isto facilita aos devedores a obtenção desse mesmo
crédito. Quanto melhor se poderem acautelar os credores quanto ao risco, mais
facilmente os devedores obtém crédito. Portanto, as garantias financeiras encontram-
se subtraídas a um conjunto de regras da insolvência. As garantias financeiras
favorecem a liquidação e simplificam os pagamentos. Obsta-se, em determinados
termos, a que o administrador da insolvência possa resolver os contratos de garantia
financeira, nos termos dos artigos 17º/1.

Quando estes contratos de garantia financeira tenham sido celebrados num


determinado período de tempo, anterior a processos de insolvência instaurados. Quer
os contratos de garantia financeira tenham sido firmados, quer a garantia financeira
tenha sido prestada, no dia da adoção de medidas insolvenciais ou num período
anterior a adoção dessas medidas, esses contratos não podem ser destruídos pelo
administrador da insolvência. Estão particularmente em causa os artigos 120º e 121º
do CIRE.

Afasta-se a possibilidade de resolução, em benefício da massa insolvente, dos atos


prejudiciais a massa praticados ou omitidos dentro dos 4 anos anteriores ao início do
processo de insolvência. Por outro lado, afasta-se também a resolução incondicional
da constituição pelo devedor de garantias reais, relativas a obrigações pré-existentes
ou de outras que a substituem etc etc, nos termos do artigo 121º do CIRE.

Portanto, por outro lado, perante o artigo 20º do DL 105/2004, admite-se que o
cumprimento da obrigação de restituição do benefício da garantia, possa ser feito por
compensação. Isto não é afetado por um processo de insolvência. Fala-se aqui numa
irretroatividade dos processos de insolvência, relativamente a estas garantias
financeiras. Estas garantias financeiras não são afetadas, ainda que sejam celebradas
naquele período suspeito, dentro do qual os atos podem ser, em princípio ser
destruídos, em benefício da massa ao abrigo do direito comum da insolvência.

Os contratos de garantia financeira são eficazes perante terceiros, mesmo que


celebrados nesses períodos de tempo.

Naturalmente a ratio legis de todas estas vantagens, que são conferidas aos
beneficiários destas garantias, só são abrangidos aqueles beneficiários que não
tenham tido não devessem ter tido conhecimento das medidas insolvenciais já
desencadeadas. Caso contrário, não merecem também a proteção especial perante os
demais credores, a proteção especial que a lei lhes confere, ou seja não seria justo
nem seria proporcionado que por vontade exclusivamente privativa do prestador da
garantia e do beneficiário da garantia financeira, os outros credores ficassem

197

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

postergados numa altura em que todos já soubessem que pairava a ameaça de uma
insolvência. É necessário para beneficiar de todas as vantagens que o beneficiário
prove que não tinha conhecimento nem devia ter tido conhecimento de medidas
insolvenciais - nos termos do artigo 18º/2. De outro modo, as garantias não produzem
efeitos em relação aos restantes credores. É isso que a lei exige. Isto no que toca ao DL
105/2004, quanto aos contratos de garantia financeira.

12ª Aula – 20 de Maio – 1.ª parte – Vasco Noversa

Estamos nos mecanismos de financiamento, agora temos em conta o project finance –


normalmente financia-se uma empresa tendo em conta a capacidade económica da
empresa que vai se vai financiar, vai-se medir o risco de crédito tendo em conta a
empresa que se pretende financiar.

Alternativamente, no project finance, o que vale é apenas equilibro económico-


financeiro, desse projeto concreto empresarial, que é um projeto autónomo,
independente de outros investimentos dos respetivos promotores. Temos aqui uma
técnica de captação de recursos financeiros, que se destina ao apoio e ao
desenvolvimento de um projeto economicamente “autonomizavel”, cujos ativos
pertencem a uma empresa que é criada com um propósito específico de implementar
esse projeto. As obrigações, os compromissos financeiros, que resultam da
implementação desse projeto, são assegurados precisamente pelas receitas geras por
esse mesmo projeto. Destina-se normalmente ao financiamento de estruturas de
longa duração, serviços públicos por ex (tuneis, autoestradas, etcs).

Os promotores e os financiadores vão constituir um veículo de propósito especial que


celebra depois com os bancos, seguradoras e empresas todos os contratos que se
afiguram necessários à montagem da operação, à implementação desse mesmo
projeto. Há uma ideia de inovação financeira, uma ideia de internacionalização. Temos
aqui uma articulação da utilização de diversos instrumentos financeiros que todos nós
conhecemos, e outros que se criam a este propósito, que originam um conjunto de
soluções que se destinam ao financiamento de um projeto, cujo a principal garantia
assenta no fluxo de caixa que o próprio projeto gera.

Temos aqui um modelo de engenharia jurídico-financeira que se estrutura para


segregar o risco desse projeto em relação aos seus promotores, segrega esse risco dos
respetivos promotores do projeto, repartindo esse risco pelos diversos interessados
nesse projeto, visando permitir preservar a capacidade de endividamento dos
interessados, permitindo a realização de economias de escala, de projetos que se
revelam demasiado ambiciosos para um único promotor, visando evitar a prestação de

198

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

garantias reais, pois todo o projeto assenta numa garantia básica que é o fluxo de caixa
auto-gerado pelo próprio projeto.

Os instrumentos de seleção e de avaliação do próprio projeto, portanto cujo


financiamento se solicita, residem precisamente na avaliação do equilíbrio económico-
financeiro desse mesmo projeto empresarial, ligado a um determinado investimento,
considerado de uma forma isolada, nomeadamente isolada face a outros projetos,
outros projetos que um determinado sujeito empresarial pretenda pôr em marcha, é
apenas considerado o empreendimento cujo financiamento se pretende obter – as
garantias são de natureza contratual e atípica, não sendo de natureza real. Trata-se de
uma operação de financiamento, de um projeto isolado de investimento, em que se
atende ao mérito do próprio projeto, as potencialidades e características do negocio
como ele se apresenta idealizado, há um projeto de um negocio autofinanciado,
autossuficiente - é esta a crença dos promotores, o dinheiro despendido é
reembolsado e a obtenção de lucros gera-se através da exploração do fluxo de caixa
desse mesmo projeto. Isto pressupõe obras, obras cuja utilização é paga pelos utentes,
designadamente mediante tarifas, portagens, daí as estruturas de obras publicas para
a produção de bens ou prestação de serviços de interesse geral ou públicos serem o
âmbito de excelência de aplicação desta técnica de financiamento que é o project
finance, pressupondo a exploração e conservação dessas mesmas obras por parte dos
promotores que conceberam, projetaram e asseguraram esse mesmo projeto e
pressupondo também coligações contratuais, empreitadas, financiamentos, garantia,
seguros, gestão, consultorias, etc..

Quem são os sujeitos? Temos desde logo os promotores, que assumem a iniciativa,
que têm a ideia, o projeto, que fornecem o capital de risco e que fornecem também
outros recursos necessários, oferecendo garantias à banca.

Temos também a entidade pública concedente da montagem e exploração de um


serviço ou bem publico, governo, autarquias, seg. Social, etc.

Em terceiro lugar temos a sociedade do projeto financiado, a SPV (Special Purpose


Vehicle) o tal veículo de propósito especial. É a sociedade que é constituída para esse
fim e que vai celebrar em nome próprio todos os contratos que estruturam esta
operação de project finance. É a pedra angular do mesmo. E é a quem é atribuído o
capital de risco pelos promotores, é a quem é emprestado o dinheiro pelos
financiadores. Desempenha funções organizativas do projeto, funções de gestão e
portanto é daqui erradia toda a engenharia jurídico-financeira do próprio projeto,
coligações contratuais.

Temos também os investidores e financiadores, os projetistas, os empreiteiros e


subempreiteiros, temos os fornecedores, os gestores, os garantes, os consultores

199

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

externos, temos os adquirentes, portanto os utentes do produto ou serviço mediante o


pagamento de tarifas, de taxas ou portagens.
Temos desde logo uma estrutura contratual complexa, uma coligação contratual, há
uma celebração de contratos de diversa natureza. Uma verdadeira coligação de
contratos, que é necessária para esta operação, há uma relação de dependência entre
os diversos contratos que se celebram e que estruturam esta organização financeira de
project finance. Temos acordos parassociais que também são celebrados, como desde
logo estes acordos que preveem aspetos com a obrigatoriedade de prestações
suplementares de capital, a possibilidade de prestar prestações em espécie, etc. Temos
também contratos de implementação do projeto, que também se enquadram nesta
estrutura contratual complexa, por exemplo os contratos de concessão, construção ou
desenvolvimento, etc.

Temos também estruturas financeiras e contratos de financiamento. Estruturas como o


capital de risco e o capital de alheio. E instrumentos financeiros híbridos como são as
obrigações convertíveis em ações, temos aqui nestas estruturas financeiras diversos
contratos de financiamento que se podem celebrar com vista a obtenção do
financiamento necessário à implementação do projeto. Depois temos os contratos de
garantia, temos desde logo as garantias do projeto, podendo traduzir-se no penhor de
ações da própria sociedade do projeto, portanto o veículo de propósito especial,
podem traduzir-se no penhor de equipamentos, etc. Mas temos também as garantias
de terceiros, os seguros, as fianças bancarias, as garantias bancarias autónomas, etc.
temos também as garantias contratuais dos patrocinadores que também podem ser de
diversa natureza.
Em quarto lugar temos outros contratos, por exemplo a constituição e o controlo de
uma conta escrow que se celebra nesta operação de financiamento. Temos também o
contrato de depósito e gestão de fundos, temos os contratos de monotorização da
atuação do veículo de propósito especial, os bancos querem fiscalizar a atuação desse
veículo.

O project finance encontra-se portanto centrado no risco e não no crédito, pelo que as
garantias se centram aqui em minimizar os riscos envolvidos nesta operação, por isso
project finance permite evoluir dos esquemas de garantias tradicionais para uma
estrutura de garantias alternativas, as chamadas garantias contratuais, como se diz na
gíria.
De modo geral o reembolso e a remuneração do capital externo deve ser feito
fundamentalmente com recurso como vimos aos fluxos de caixa auto-gerados pelo
próprio projeto e tem como garantia precisamente os ativos do próprio projeto e um
conjunto de medidas de origem contratual, tudo isto com vista a minimizar ou a
amortizar os riscos e a evolução e a perda desses mesmos ativos.

200

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

Quanto as operações de pagamento:

O cheque – esta é uma ordem escrita de pagamento a um banco para que pague uma
certa importância em dinheiro ao emitente ou precisamente à pessoa inscrita no
cheque como ultimo beneficiário, com base em fundos que se encontram para esse
efeito disponíveis.
Constitui um meio de pagamento que foi criado precisamente com vista a substituir o
uso de notas ou moedas metálicas, para substituir uso de número da execução de
pagamentos.
Apesar do desuso atual, é ainda um meio de pagamento atual, havendo também
diversas modalidades de cheque, pressupondo a existência de um contrato
estabelecido entre o banco, o sacado, e o cliente, que é o sacador. Este contrato
chama-se convenção de cheque, pressupõe-se sempre a existência desta convenção,
permitindo ao sacados ir sacando os cheques, procedendo a pagamentos com base em
fundos disponíveis. Há uma provisão que corresponde ao crédito que o cliente, o
sacador, tem sobre o banco, um crédito que o banco lhe concede qualquer que seja a
forma que este crédito reveste.
Temos várias modalidades de cheques:
a) Nominativo – em que se indica o nome do beneficiário.
b) Ao portador – que não indica o nome do beneficiário
c) O visado – é aquele que a pedido do sacador, cliente, ou a pedido de um
portador do cheque, o banco sacado insere uma menção de visto, assegurado
que o sacador tem fundos disponíveis em depósito à quantia visada. Os bancos
quando visam um cheque devem imediatamente cativar na conta do sacado a
quantia correspondente, eventualmente devem transferir essa quantia para
uma conta especial, uma vez que os bancos são responsáveis pelo pagamento
desse cheque pelo prazo legalmente estabelecido para esse efeito.
d) Cruzado – este é um cheque que tem de ser pago a um banqueiro ou a um
cliente de um banqueiro se o cruzamento for geral, conforme o artigo 38º nº1
da LUC. Se o cruzamento for especial tem que ser pago ao banqueiro designado
e a um cliente dele apenas se o sacado for designado, conforme o 38º nº2 da
LUC.
e) Cheque para depositar em conta – conforme o 39º da LUC
f) Cheque de viagem – título emitido por uma instituição de crédito, ou por uma
entidade autorizada a criar instrumentos de natureza financeira, indica uma
determinada quantia em dinheiro à ordem do respetivo beneficiário, o qual
pode obter a quantia nela inscrita, nesse cheque, noutro local do planeta,
sendo disponibilizada por um correspondente da instituição sacada, que é
também o emitente desse instrumento financeira.

201

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

g) Cheques em sentido improprio – não são sacados sobre um banco, são


essencialmente meios de transferência de créditos sobre devedores pré
determinados, com uma duração temporalmente limitada, como por exemplo
os cheques refeição, de gasolina, os presente, etc, etc. Não são cheques em
sentido verdadeiro e próprio.

Quando se fala de cheques são títulos de crédito, que incorporam uma ordem de
pagamento dirigida ao banco sacado, uma ordem de pagamento feita pelo cliente, a
favor do próprio cliente, ou a favor de terceiro. Para lá da disciplina que se encontra na
LUC e de outros diplomas legais (há muitos a propósito dos cheques em especial os
aplicáveis à emissão de cheques sem coberturas e à restrição do uso de cheques por
parte de utilizadores de risco) temos a regulação contratual que é a tal convenção de
cheque que se falou, tanto podendo ser tácita como expressa. E, na maioria dos casos,
a convenção do cheque é constituída por cláusulas gerais predispostas pelos bancos,
sendo o contrato a que se refere o artigo 3º, 1ª parte da LUC. O cheque é sacado sobre
um banqueiro que tenha fundos à disposição do sacador e é precisamente em
harmonia com uma convenção de cheque, expressa ou tácita, segundo a qual o sacado
tem o direito de dispor desses fundos, através do cheque. Tanto a doutrina, como a
jurisprudência, classificam esta convenção do cheque, como sendo constitutiva de uma
relação de mandato, sem representação, um mandato para pagar. Os cheques
concretamente sacados, representam para uns uma autorização, para outros uma
delegação de pagamento e para a doutrina dominante os cheques concretamente
sacados representam uma ordem em sentido técnico. Quanto à primeira das relações
jurídicas que o cheque faz surgir temos a relação de cobertura, a relação de coberturas
é a relação que se estabelece entre o cliente do banco, entre o sacador e o sacado. É
claro que o pagamento do cheque pelo banco pressupõe a existência de fundos de
provisão na conta, enquanto simples intermediário nos pagamentos, o banco por meio
do cheque, compreende-se que o banco não atue salvo convenção em contrario
assumindo o risco do pagamento. Perante um não pagamento pelos cheques sacados,
designadamente por falta de provisão do cliente, e uma vez que não sejam
regularizada a situação nos termos legal e regulamentarmente previstos, os bancos são
obrigados a rescindir a convenção de cheque, ou então mesmo a não celebrar a
convenção de cheque. Existe para este efeito uma lista negra denominada lista de
utilizadores que oferecem risco, uma lista que o banco de Portugal faz circular
eletronicamente pelo sistema bancário. Depois temos a relação de valuta que é a
relação que se estabelece entre o sacador e o tomador do cheque, portanto nós temos
um titulo de credito, o cheque, que é vocacionado para circular, portanto o portador do
cheque pode ser o primitivo credor e o secador ou pode ser um terceiro a quem o
cheque foi endossado. A aceitação por alguém por um credor através de um cheque, é
uma aceitação naturalmente condicionada, há aqui uma condição suspensiva, à
cobrança, do valor inscrito no cheque. Seja em dinheiro, por exemplo, ao balcão do

202

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

banco sacado, seja por crédito definitivo na conta bancária do beneficiário desse título
ode crédito. Através do mesmo pagamento feito pelo banco sacado, extinguem-se as
duas relações jurídicas a relação de cobertura e a relação de valuta. Falta analisar se
esse estabelece ou não uma relação jurídica e se sim analisar de que espécie é essa
relação jurídica entre o banco sacado e o tomador do cheque.
O tomador do cheque, é por via de regra um terceiro, e não o cliente secador. Segundo
a doutrina dominante nesta matéria, o portador ou beneficiário do cheque não tem
direito de ação contra o banco sacado, porquê? Porque a convenção de cheque se
constitui ou se celebra entre o banco sacado e o sacador, o seu cliente. O que quer
dizer que o pagamento, que a principio pode ser legitimamente recusado pelo banco
sacado, desde logo se o cliente, o sacador, tiver revogado a ordem de pagamento
inscrita no cheque. Todavia deve-se ter em conta a circunstância que encontro decorrer
o período de apresentação do cheque a pagamento, que são 8 dias após a data
constante do cheque nos termos do artigo 29º da LUC. O sacador não pode revogar a
ordem de pagar que deu ao seu banco, o artigo 32º da lei uniforme sobre cheques diz-
nos que a revogação do cheque só produz efeito depois de findo o prazo de
apresentação, que é de oito dias após a data inscrita no cheque.
Para a opinião dominante entre nós são decisivas duas razões: em primeiro lugar o
artigo 40º da LUC atribui ao portador do cheque, a quem o cheque não for pago, o
direito de ação apenas contra os endossantes, o sacador e outros coobrigados, ou seja
o artigo 40º não atribui o direito de ação contra o banco sacado. Em segundo lugar, o
banco sacado deve fundamentalmente acatar as ordens e as contraordens do seu
cliente, portanto do sacador. Porque? Porque o banco sacado é mandatário do sacador
e se do acatamento dessas ordens e contra ordens do seu cliente, do seu mandante,
resultar a lesão de direitos de terceiro naturalmente que o banco será considerado rés
inter alio (?) e portanto apenas será o seu cliente responsável. Por outro lado, afirma-
se também que ao banco mandatário, não é exigível, nem o pode ser exigível, que
ajuíze do bem ou mal fundado da revogação da ordem de pagamento contida no
cheque, precisamente portanto são estes os fundamentos que conduzem a opinião
dominante a negar qualquer direito de ação ao portador do cheque contra o banco
sacado que recuse o pagamento a esse mesmo beneficiário da ordem de pagamento.
Este é o sentido de um acórdão uniformizador de jurisprudência de 2008, vai
exatamente nesse mesmo sentido. Todavia existe quem afirme que ao negar eficácia à
revogação do cheque a lei protege diretamente o interesse daquele a cujo favor o
mesmo é sacado. No contrato de cheque não é parte o respetivo beneficiário, nem tao
pouco poderá se lançar mão do efeito externo da convenção de cheque, que é
dogmaticamente muito discutível, assim não é concebível uma relação contratual,
entre o banco sacado e o terceiro portador do cheque; todavia existe quem afirme que
no artigo 32º da LUC conste uma obrigação legal, uma obrigação ex lege, do sacado
para com o beneficiário, e essa obrigação portanto que é uma obrigação
temporalmente circunscrita, que é a obrigação de pagar o valor do cheque. Entende-se

203

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

que a revogação do cheque, a revogação da ordem de pagamento inscrita neste, não


tem eficácia senão decorrido o prazo de apresentação do cheque a pagamento,
entende-se que a irrevogabilidade é oponível ao sacador e também ao próprio sacado.
O banco sacado é executante precisamente da ordem de pagamento, portanto o banco
sacado está sujeito precisamente aos princípios fundamentais do direito comercial e
também aos princípios basilares do contrato de cheque, ou seja aos princípios da boa-
fé e da confiança. Portanto o banco sacado não pode recusar arbitrariamente o
pagamento do cheque ao seu portador legitimo, mas poderá recusa-lo se o sacador
invocando uma justa-causa, revogar essa ordem de pagamento, nos termos artigo do
1170º do CC.
Todavia naturalmente há aqui profundas divergências na doutrina, mas qual é o tipo de
responsabilidade em que incorre o banco sacado que recuse o pagamento. Será
responsabilidade contratual ou extra contratual perante o tomador do cheque? Para
alguns a responsabilidade é do sacador e não do banco sacado, para o prof. MENEZES
CORDEIRO haverá uma responsabilidade do banco sacado se este na recusa de
pagamento tiver violado princípios próprios da sua atividade. Se tiver violado deveres
próprios do exercício da sua atividade, o banco não será responsável pelo valor do
cheque mas será responsável pelos danos que tiver causados com a violação dos
deveres próprios da sua atividade. Para alguma jurisprudência o banco sacado que
tiver recusado o pagamento pro ter acatado a ordem de revogação do cheque do seu
cliente incorre em responsabilidade extra contratual perante o tomador do cheque. Há
quem diga que tendo em conta o artigo 32º da LUC não parece que esta norma proteja
o mero interesse alheio do terceiro portador do cheque, ao abrigo do 483º do CC. Há
quem diga que a lei visa diretamente esse interesse do portador do cheque, portanto
impondo ao banco uma autêntica obrigação de pagar o montante do cheque, ou seja,
tratar-se ia de uma obrigação legal cuja violação implicaria uma responsabilidade
contratual e não uma responsabilidade aquiliana, portanto o banco seria responsável
pelo pagamento do montante inscrito no próprio cheque. Portanto os saques sobre
contas bancárias efetuados através de cheques entram num sistema interbancário de
compensação para o efeito do apuramento ao fim do dia da posição líquida credora ou
devedora dos bancos envolvidos. Feito esse apuramento, a liquidação financeira
daquilo que cada banco tem a receber pelos cheques tiver apresentado para esse
efeito ou daquilo que cada banco tiver a pagar pelos cheques sobre ele sacados efetua-
se através de movimentos, movimentos nas contas abertas pelos bancos do banco de
Portugal, portanto é o sistema de compensação inter bancário que foi inicialmente
regulado pelo Banco de Portugal em 1996.
O acórdão do STJ uniformizador de jurisprudência nº4 de 2008 – interessa ter aqui em
conta nesta matéria.

Temos depois a ordem de transferência bancária – hoje é mais usada que o cheque,
devido aos progressos da tecnologia e informática, há uma interconexão crescente do

204

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

sistema eletrónico e também a nível internacional, temos aqui o aparecimento e da


generalização da transferência bancaria enquanto instrumento de pagamento. A
execução de transferências bancarias é atualmente uma das mais relevantes
prestações de serviços de caixa que é objeto da conta corrente bancaria, claro que é
uma prestação ode serviço remunerada, não se fazem transferências bancarias
gratuitas. As transferências podem ser de crédito e de débito, como se estabelece esta
diferenciação? A diferença estabelece-se com base num critério meramente formal do
sujeito autor da ordem ou dai instrução para que se faça ou proceda À transferência.
Neste caso é o titular dos fundos a transmitir, na transferência de crédito. No caso de
transferência de débito é o próprio beneficiário que dá essa instrução. Também pode
ser referido como critério distintivo a circunstância do fluxo dos fundos e da
informação ir no mesmo sentido no caso da transferência de crédito ou então ir em
sentido contrario no caso da transferência de débito. Esta ultima hipótese é
característica do sistema de debito direto. Em qualquer caso há sempre uma conta
bancaria que é debitada para este efeito normalmente o efeito de cumprir ou solver
determinada obrigação pecuniária, portanto a conta do devedor é sempre debitada.
Na transferência de crédito o devedor ordena ou instrui o seu banco para que pague e
em consequência disso a sua conta é debitada, na transferência de débito o devedor
autoriza o banco a pagar a determinado credor, ou seja o débito é efetuado quando o
credor apresenta ao banco um instrumento de débito, por exemplo apresenta ao
banco o cheque sacado pelo devedor que é apresentado normalmente pelo banco do
credor na câmara de compensação ou então o credor apresenta instruções de debito
designadamente no âmbito do debito direto também através de mensagem de
pagãmente transmitida pelo banco do credor ao banco do devedor, ou seja num caso
os fundos são levados ao credor, no caso da transferência de crédito, enquanto no caso
da transferência de debito é o credor que vai buscar os fundos. Os pagamentos de 1º
tipo, na transferência de crédito, são os pagamentos de tipo comercial por exemplo os
pagamentos dos salários dos trabalhadores, os benefícios sociais, etc. Enquanto os
pagamentos por transferência de débito, 2º tipo, são aqueles que avultam por exemplo
os pagamentos através de cheque. Na generalidade dos casos não existe entre o débito
de uma conta e o crédito ode outra conta não existe sincronia entre esses dois
movimentos, por regra, atendendo desde logo ao tempo que é necessário para
proceder ao crédito e ao débito que normalmente tem lugar em bancos diferentes, o
débito tem normalmente lugar anteriormente que o credito nas transferências de
crédito. Já nas transferências de débito acontece o oposto. Se bem que a conta do
destinatário do pagamento possa ser creditada antes do efetivo crédito da conta do
devedor mas provisoriamente, salvo boa cobrança. Quanto à transferência de crédito
esta operação visa solver uma obrigação pecuniária que uma pessoa, ordenante da
transferência, tem para com outra, que é o credor, beneficiar ioda transferência, há
uma relação causal, isto tem lugar através de um ou mais bancos, que são os
mandatários. Há aqui uma relação entre o ordenante e o beneficiário da transferência

205

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

bancaria. É uma operação que se destina a transferir determinado valor de um


património para outro património, de uma conta bancaria para uma outra conta
bancaria, e esta operação produz o efeito ode pagamento no momento em que é
creditada a conta do credor, do beneficiar ioda transferência. Ou seja a eficácia
solutória desta operação, o poder deliberatório da transferência bancaria, é
convencional, não é legal, portanto resulta de convenção ou de acordo entre devedor e
credor. Portanto a eficácia extintiva desta transferência bancaria pode resultar de
cláusula expressa ou de cláusula tácita. Também por cláusula expressa essa eficácia
liberatória pode ser excluída. A relação entre o ordenante da transferência e o seu
banco em princípio é uma relação que não esta sujeita a forma especial, na prática a
transferência é ordenada por carta dirigida ao banco pelo cliente, ou então em
formulário oque o banco fornece ao respetivo cliente, ou então é feita essa ordem por
meio eletrónico ou através de banda magnética. São os mecanismos através dos quais
se procede `a ordem de transferência bancaria.
Quanto á natureza jurídica da transferência bancaria existem várias teses, tanto a tese
da cessão do crédito do contrato a favor de terceiro ou a tese da delegação. Uma
delegação para uns seria solutória, para outros seria promissória. Portanto teríamos no
fundo um negócio complexo, um negócio que abrangeria atos mediante os quais o
delegante incumbiria outrem de efetuar o pagamento a terceiro. Hoje parece
abandonado pela doutrina a tentativa de recorrer a esquemas contratuais do direito
civil, portanto a qualificação jurídica da transferência bancaria. E também parece
abandonada a tentativa de recorrer a uma perspetiva trilateral desta operação como
por exemplo a tese da delegação.
A perspetiva trilateral que distingue entre relação de valuta, relação de provisão e
relação de direta, portanto hoje tende a preferir-se uma conceção desagregadora dos
vários atos que compõe a operação de transferência bancaria, portanto dos diversos
vínculos ou relações que integram a operação de transferência bancária, desde logo a
relação oque se estabelece entre o ordenante e o seu banco, entre o beneficiário da
transferência e banco e entre o ordenante o beneficiário da transferência bancária.
A propósito da revogabilidade da ordem de transferência bancaria portanto das
instruções de pagamento, a transferência tem vido a ser considerada como uma
operação abstrata. E daqui resultaria portanto uma certa confusão entre a noção de
abstração e a noção de autonomia e esta confusão existe a propósito também da
garantia autónoma (quando a estudarmos vamos ver que existe uma confusão de
conceitos também autonomia vs abstração, o mesmo se verifica a propósito da ordem
de transferência bancaria) – aqui também se refere à abstração da ordem de
transferência a propósito do facto do banco não poder opor ao beneficiário da ordem
de transferência qualquer exceção decorrente das suas relações com o ordenante.

Temos aqui um contrato celebrado entre o ordenante e o banco que é um contrato de


mandato, um contrato que é celebrado no interesse de terceiro, do credor do

206

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

ordenante. E a transferência é certamente autónoma das outras relações, outras


relações que tanto são constituídas a montante como é a relação estabelecida entre o
ordenante e o beneficiário da transferência, a relação causal, como é também a relação
estabelecida a jusante da transferência que é a relação estabelecida entre o banco e o
ordenante da transferência ou a relação estabelecida entre o beneficiar ioda
transferência e o banco a quem se ordenou essa mesma transferência.
Daqui não resulta necessariamente tratar-se de um negócio abstrato, o que resulta é
tratar-se de um outro contrato, de um contrato que é autónomo em relação aos outros
contratos que foram também celebrados. Portanto isto nada tem a ver com a
revogabilidade.
Quanto a revogabilidade ou irrevogabilidade da ordem de transferência é uma questão
que normalmente é resolvida a nível contratual entre o banco e o seu cliente
ordenante, ou seja o ordenante costuma atribuir de forma expressa às suas instruções
um carater irrevogável, o que por um lado pode ser condição para efetuar determinada
transação e por outro lado deixa o banco livre precisamente para executar
expeditamente as comunicações devidas ao banco do beneficiário. Normalmente esta
questão é resolvida por via contratual, no sentido da irrevogabilidade das instruções de
transferência. Em princípio, todavia, a transferência não é de execução diferida, mas
sim de execução imediata, e isto quer dizer que faz nascer para cada um dos ancos
intervenientes um dever de atuação célere, isto significa que dificilmente uma
revogação ou uma contra ordem do ordenante portanto poderia ser acatada pelo
banco do ordenante da transferência. Pode ter sido efetivamente entretanto e
automaticamente, por via eletrónica, transmitida a um outro banco a mensagem de
pagamentos. Ou pode ter sido até entretanto creditada a conta do beneficiário da
transferência bancária, pode acontecer porem que não seja esse o caso e se não for
esse o caso naturalmente temos que distinguir. Se for ordenado pelo cliente o cativo de
certa importância, a ordem é revogável enquanto não for feito ou efetuado o crédito
na conta bancaria do beneficiário da transferência. E também se defende a mesma
solução se o cativo for da iniciativa do banco e for um cativo puramente instrumental
portanto da execução subsequente da ordem de transferência. Portanto enquanto o
crédito não for feito na conta do beneficiário essa ordem de transferência é revogável
pelo ordenante, se se tratar de uma ordem de pagar diretamente a terceiros aqui deve
prevalecer a posição assumida pelo banco como mandatário, portanto, ou seja, a
obrigação que o banco tem enquanto mandatário de acatar a contra ordem do
mandante, a contra ordem do seu cliente. Ou seja se ainda estiver na mão do banco
mandatário interromper o processo de transferência o banco deve faze-lo enquanto
mandatário do seu cliente. Quando é que se afirma a irrevogabilidade dessa ordem?
Precisamente a partir do momento em que o banco tiver assumido um compromisso
perante o beneficiário da ordem de transferência, ou seja, significa que o banco
executou a ordem de transferência, portanto a partir daí a instrução de transferência
dada pelo mandante é uma instrução irrevogável, o banco enquanto mandatário já não

207

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

pode acatar a contra ordem, a revogação dessa mesma instrução. Ora se o cliente
instruir o banco para pagar a outro banco à ordem do beneficiário naturalmente que o
cliente deixa de poder revogar essas mesmas instruções a partir do momento em que o
seu banco tiver transmitido a ordem de pagãmente ao outro banco, a partir desse
momento o banco mandatário deixa de poder executar a contra ordem do seu
mandante.
Intervalo !

12ª Aula – 20 de Maio – 2.ª parte – Bernardo Natal

Vamos ver então, rapidamente, o sistema do débito directo, dentro da ordem


de transferência bancária, que é uma modalidade da transferência de débito. Aqui
temos uma ordem permanente que é dada pelo cliente ao banco para crédito de conta
alheia no mesmo banco, ou então num outro banco, também por débito na sua conta.
É um sistema de débito directo. É um modo electrónico de pagamento regulado pelo
Banco de Portugal. A aplicação prática do sistema de débito directo teve início em
2001, através de um Aviso do Banco de Portugal58.
Da regulação destas espécies de ordens permanentes de débito em conta,
importa ter em conta e destacar o direito reconhecido aos devedores (portanto, aos
ordenantes da ordem de transferência) de cancelar, a todo o tempo, as autorizações
de débito. E compreende-se este regime. Porquê? Porque o ordenante da
transferência não conhece antecipadamente o valor exacto da futura operação. Nem
tão-pouco conhece o momento em que a autorização que dá ao seu banco vai ser
exercida. É beneficiário da transferência ou o banco do beneficiário da transferência
que vai buscar os fundos a transferir. O ordenante pode cancelar e pode anular as
cobranças efectuadas. E pode fazê-lo no prazo de 5 dias após a sua realização. Faz
parte da regulamentação do sistema de débito directo, uma vez que são ordens
permanentes.

Quanto aos cartões [de débito]. Os cartões de débito (que são também
chamados “cartões de pagamento”) são hoje muito comuns para liquidar o valor de
transacções de bens e de serviços. São utilizados especialmente em balcões de
estabelecimentos comerciais e através deles efectuam-se, em terminais de pagamento
automático, transferências bancárias a favor de vendedores de bens ou a favor de
prestadores de serviços. Portanto, através dos cartões de débito têm lugar
transferências bancárias.

Temos depois os cartões de crédito. São a terceira geração dos meios de


pagamento. Aqui emite-se um meio de pagamento que, uma vez aceite nas relações
subjacentes, confere ao respectivo credor o direito ao pagamento junto da entidade
58
“O aviso do Banco de Portugal veio dois anos mais tarde”.

208

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

emitente ou gestora do cartão de crédito. E esta entidade vai, por sua vez, recuperar o
montante despendido, mas vai recuperá-lo diferidamente junto do titular do cartão.
Ora a concretização e a conformação da posição jurídica da entidade emitente (gestora
do cartão de crédito) encontra-se dependente dos termos da utilização do cartão pelo
respectivo titular, que é o beneficiário do crédito concedido. Temos aqui uma
atribuição patrimonial genérica feita ao beneficiário do cartão. E, portanto, se há uma
atribuição patrimonial genérica feita pela entidade emitente/gestora ao titular do
cartão, isto quer dizer que depende de concentração, depende de determinação pelo
próprio beneficiário, pelo próprio titular do cartão de crédito.
A natureza financeira desta actividade consiste, precisamente, no
financiamento geral das aquisições que são efectuadas por terceiros. Aquisições que
não pressupõem, por via de regra, qualquer ligação ou qualquer limitação a uma
especial actividade ou a qualquer empresa não financeira. Temos um meio que
globalmente simplifica as trocas e que facilita os actos de consumo. Portanto, num
contrato de compra e venda substitui-se o crédito de um comprador desconhecido (e
de solvibilidade duvidosa) pelo crédito de um sujeito conhecido e financeiramente
sólido. O emitente do cartão (portanto, o gestor do cartão) serve de intermediário na
fase executiva nas relações entre o titular do cartão de crédito e as empresas que
aderem ao respectivo programa, portanto, as empresas que se obrigaram a onerar,
naquela data, o cartão de crédito. Estas empresas renunciam a um pagamento a
contado pelos bens que vendem, ou pelos serviços que prestam, e têm perante o
emitente do cartão de crédito um direito à recuperação do crédito pelos bens vendidos
ou pelos serviços efectuados ao titular do cartão de crédito. Temos aqui uma função de
intermediação nos pagamentos, esta é a função primária do emitente e gestor do
cartão de crédito trilateral. Temos aqui, que efectivamente não se pode negar, senão
em virtude dos tempos técnicos que ocorrem entre o pagamento pelas aquisições do
titular do cartão, no exercício convencionado, e na recuperação do montante junto do
próprio titular, temos aqui que o emitente/gestor do cartão de crédito exerce
sistematicamente o crédito. Mais exactamente, exerce o crédito ao consumo. Não se
trata, naturalmente, da intermediação do crédito, não é isso que faz o emitente e
gestor do cartão, não recolhe o aforro para conceder crédito, não há uma
intermediação creditícia. Mas há uma intermediação nos pagamentos, há o exercício
do crédito ao consumo, e portanto verificam-se os pressupostos para a aplicação do
controlo publicístico organizado pela Lei Bancária, a que estas entidades se encontram
sujeitas.
Temos, desde logo, um contrato. Um contrato que é celebrado entre o emitente
e/ou gestor dos cartões de crédito e o titular do cartão de crédito. É o chamado
contrato de emissão ou contrato de utilização do cartão de crédito, que
consubstancia um contrato crédito ao consumo. Este crédito, o crédito que é
concedido, é autónomo da relação existente entre o titular do cartão e o vendedor ou
o prestador de serviços. Ou seja, a entidade emitente do cartão de crédito coloca à

209

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

disposição do titular do cartão uma linha de crédito que não tem em vista um negócio
específico. E o comerciante aceita o cartão apenas como meio de pagamento. E
desconhece a forma pela qual o titular do cartão reembolsa a entidade emitente do
cartão. Nos termos do contrato celebrado com o titular do cartão, o emitente do cartão
compromete-se a pagar todas as despesas efectuadas pelo titular mediante a utilização
do cartão junto dos comerciantes associados. Faz esse pagamento recorrendo aos seus
próprios meios e desde que lhe sejam apresentados os correspondentes
comprovativos de pagamento regularmente preenchidos.
Os termos da obrigação assumida pelo emitente do cartão perante o respectivo
titular permitem identificar os elementos de um contrato de mandato comercial. A
entidade emitente actua por conta do titular mas em nome próprio. Portanto, a
entidade emitente assume as dívidas do titular e procede ao respectivo pagamento
mediante a antecipação das respectivas quantias e depois é reembolsada desses
mesmos montantes pelo respectivo titular. Temos aqui um mandato para o pagamento
de determinadas dívidas do titular do cartão. E o seu cumprimento vai assentar, antes
de mais, para parte da doutrina, na assunção dessas dívidas pela entidade emitente do
cartão. E esta assunção de dívidas tem lugar, desde logo, ao abrigo do art. 595.º, n.º 1,
al. b) do CCivil, portanto, mediante um contrato celebrado entre o novo devedor e o
credor com ou sem consentimento do antigo devedor. A utilização pelo titular do
cartão opera pro solvendo, ou seja, não só não extingue o crédito ao preço (o crédito
do comerciante) como também não libera o titular do cartão de crédito. O titular do
cartão de crédito permanece obrigado embora a título subsidiário, permanece
obrigado perante o comerciante. O pagamento feito pelo emitente do cartão de crédito
(o pagamento das despesas feitas pelo titular do cartão) determina a obrigação para o
titular do cartão de proceder ao reembolso deste montante perante a entidade
emitente. Esta obrigação de reembolso perante o mandatário, que decorre já dos
termos gerais (ou seja, do art. 1167.º, al. c) do CCivil), obedece, neste caso, a uma
disciplina própria. Portanto, em virtude da sua particular configuração e da sua
finalidade específica. O incumprimento pela entidade gestora da obrigação que assume
perante o titula, designadamente a recusa injustificada do pagamento (portanto, de
proceder ao pagamento ao comerciante), pode fazer incorrer essa entidade na
obrigação de reparar os danos que daí resultem para o titular do cartão de crédito. A
ordem de pagamento é, em princípio, irrevogável. E com isto pretende-se,
normalmente, garantir a segurança e a celeridade de um esquema de pagamento a
muito curto prazo.
Depois temos o contrato celebrado entre a entidade emitente/gestora do
cartão de crédito e o comerciante. O funcionamento deste sistema pressupõe também
a prévia celebração deste contrato, que se denomina como “contrato de associação”. É
um contrato, também, por adesão, como é o contrato de utilização celebrado com o
titular do cartão. O comerciante obriga-se a onerar todos os cartões de crédito que lhe
forem exibidos, ou seja, obriga-se a fornecer bens ou serviços aos titulares dos cartões

210

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

que os apresentem sem lhes exigir qualquer pagamento imediato. E como


contrapartida da obrigação assumida pelo comerciante, a entidade gestora e emitente
do cartão obriga-se a pagar ao comerciante as dívidas a contrair pelo titular do cartão
junto dos comerciantes associados. Portanto, aqui configurar-se-ia uma verdadeira
assunção de dívidas futuras, nos termos do art. 595.º, n.º 1, al. b). As dívidas
compreendidas nesta assunção acabam por ser identificadas no próprio contrato.
Desde logo, o próprio montante deve conter-se dentro de certos limites máximos, que
são acordados pelas partes. Depois, essas dívidas são tituladas por uma factura que é
devidamente preenchida. A assunção de dívidas futuras do titular do cartão pelo
respectivo emitente do cartão (já vimos que) não opera a liberação do titular do
cartão, portanto, é uma assunção cumulativa, nos termos gerais. No entanto, o acordo
entre a entidade gestora/emitente e o comerciante afasta a responsabilidade solidária
estabelecida no art. 595.º, n.º 2, e substitui essa responsabilidade solidária por uma
responsabilidade meramente subsidiária do titular do cartão perante o comerciante.
Como vimos, o titular do cartão tem uma responsabilidade meramente subsidiária
perante o comerciante. Como contrapartida dos benefícios obtidos pelo comerciante,
pela sua integração no sistema do cartão de crédito, a entidade emitente deduz nas
quantias correspondentes às aquisições efectuadas uma percentagem – uma
percentagem que é previamente acordada com o comerciante, percentagem que
retém a título de comissão – o que determina que o pagamento das dívidas se não faça
pelo seu valor integral59. Não pode aqui referir-se a existência de um contrato a favor
de terceiro, mas a existência de um contrato com prestação a terceiro. Ou seja, isto
quer dizer que o titular do cartão não tem qualquer direito perante o comerciante, ou
seja, o comerciante encontra-se obrigado a permitir a utilização do cartão apenas
perante a entidade emitente do cartão, e não perante o titular do cartão.
Temos depois o contrato entre o titular do cartão e o comerciante. Aqui temos
um contrato comum de compra e venda ou de prestação de serviço, semelhante a
todos os restantes negócios celebrados entre aquele comerciante e os respectivos
clientes.
Temos, depois, a questão da (in)oponibilidade das excepções da relação de
valuta (ou seja, das excepções da relação estabelecida entre o titular do cartão e o
comerciante) na relação de provisão (ou seja, na relação estabelecida entre o titular do
cartão e a entidade emitente do cartão de crédito. É uma das questões que com maior
acuidade se suscita no funcionamento do mecanismo do cartão de crédito – que é a da
tutela do titular adquirente de bens ou serviços com cartão. Surge justamente quando
este é confrontado com uma situação de incumprimento ou de cumprimento
defeituoso pelo comerciante associado. Está em causa eleger o meio mais favorável
para a tutela dos interesses em jogo, segundo uma ponderação das circunstâncias
objectivas e subjectivas. E parece que uma resolução razoável desta questão passa por
59
“Por isso é que em muitas lojas lhes dizem que se não pagarem com o cartão lhes fazem um
desconto – que é o desconto, precisamente, correspondente à comissão que pagariam à entidade
emitente ou gestora dos cartões de crédito”.

211

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

uma conciliação de valores antagónicos que se pretendem acautelar. Temos, por um


lado, a segurança do tráfico jurídico, que postula a irrevogabilidade das ordens dadas
com o cartão de crédito – e portanto a inoponibilidade das excepções – e temos, por
outro lado, os direitos e as expectativas legítimas dos diversos intervenientes,
designadamente do titular do cartão de crédito e da entidade emitente e gestora do
cartão de crédito. É aqui, é no sentido desta harmonização destes valores antagónicos
que se orienta a solução consagrada em instrumentos comunitários e, também, no
direito nacional. Por um lado, adopta-se como princípio a irrevogabilidade das ordens
dadas através do cartão e a inoponibilidade, pelo titular, dos meios de defesa
emergentes das suas relações com o comerciante, para obstar, precisamente, ao
reembolso à entidade gestora. Por outro lado, em vista de acautelar devidamente a
situação do titular do cartão, consagra-se uma responsabilidade subsidiária da
entidade emitente ou gestora do cartão, entidade esta que assegura o efectivo
reembolso, pelo titular, das quantias despendidas na aquisição de bens ou serviços
através do contrato incumprido pelo comerciante. Ou seja, perante uma situação de
incumprimento, ou perante uma situação de incumprimento defeituoso pelo
comerciante, o titular do cartão não pode eximir-se ao reembolso das quantias
adiantadas pela entidade gestora (que entretanto procedeu ao pagamento ao
comerciante), o titular do cartão apenas tem a possibilidade de agir contra o
comerciante nos termos gerais. O pagamento substitutivo da entidade gestora
processa-se ao abrigo do mandato celebrado entre a entidade gestora e o titular do
cartão, cujas ordens de pagamento são irrevogáveis, e em que o reembolso é
assegurado nas respectivas relações internas sem comportar qualquer interferência
externa. Mas depois temos a tutela do crédito ao consumo. E é aqui que aparece a
responsabilidade subsidiária da entidade emitente ou gestora.

Quanto à relevância do mandato na praxis bancária. Já vimos, por diversas


vezes, que o mandato é um contrato muitíssimo relevante na praxis bancária. É um
contrato muito celebrado. Acabamos de o ver, desde logo, agora, no âmbito do cartão
de crédito. Também no âmbito da transferência bancária. Também no âmbito do
cheque. É um contrato muitíssimo relevante na praxis bancária.
A relação banco-cliente é uma relação social típica que contém imanentes
expectativas de comportamento recíproco que são expectativas que lhe são conaturais.
Os clientes dão aos bancos ordens e instruções para a prática das mais diversas
operações. Desde o simples pagamento ou cobrança de obrigações periódicas, até
operações financeiras mais ou menos complexas e mais ou menos sofisticadas,
aquisições e alienações de empresas, lotes de acções, etc.
Os mandatos bancários são, normalmente, constituídos por uma ordem inicial e
por instruções subsequentes. Dentro da lógica própria do Direito Comercial, não há
exigências legais de forma que, no fundo, dificultem e entorpeçam o relacionamento
entre o cliente e o seu banco. O banco, naturalmente, tem a liberdade de recusar o

212

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

mandato. O seu estatuto profissional e a relação de clientela não envolvem uma


obrigação geral de contratar – é discutível. Celebrado o contrato de mandato, o banco
procede a uma espécie de relato de execução e a uma prestação de contas.
Já vimos60, também, que há mandatos para a gestão de patrimónios (quer se
trate de móveis ou imóveis), nos termos do art. 4.º da Lei bancária. Aqui há uma
exigência de redução a escrito do mandato, com estipulação das respectivas condições
dos limites e do grau de discricionariedade que o cliente confere para a gestão do
respectivo património. Os fundos do cliente e os bens em gestão têm obrigatoriamente
de ser depositados em contas bancárias especiais que podem ser abertas em nome do
cliente ou da própria entidade gestora mas por conta do cliente.
Temos o mandato para a prestação de serviços financeiros. Tanto as ordens de
bolsa como os contratos de gestão de carteiras de valores mobiliários têm a natureza
de mandato. E o banco, enquanto mandatário, tem uma grande profissionalidade ou
um grande profissionalismo, elevados níveis de aptidão profissional e, portanto, tem o
dever de manter uma organização empresarial equipada com os meios humanos,
materiais e técnicos para prestar os seus serviços em condições adequadas de
qualidade e de eficiência, e de forma a evitar procedimentos errados ou negligentes. O
banco tem também a obrigação de agir no interesse do seu cliente, portanto, tem o
dever de proteger os legítimos interesses do seu cliente. Tem o dever de agir de boa fé,
conforme os arts. 227.º e 762.º do CCivil, tem o dever de agir com diligência, lealdade,
transparência, tem o dever de prestar informação ao cliente – deveres de informação,
dever de gerir conflitos de interesses – e tem o dever, também, de segregação
patrimonial, portanto, no âmbito do mandato.

Temos um código de conduta61 sobre a utilização de cláusulas que permitam a


alteração unilateral da taxa de juro ou de outros encargos – o chamado ius variandi.
Nos termos previstos no Decreto-Lei n.º 446/85 (cláusulas contratuais gerais), são
proibidas as cláusulas contratuais gerais que atribuam a quem as predisponha o direito
de alterar livremente o contrato, excepto se existir razão atendível que as partes
tenham convencionado. Esta proibição não se aplica a cláusulas contratuais gerais que
de acordo com o disposto neste diploma concedam ao fornecedor de serviços
financeiros o direito de alterar a taxa de juro ou o montante de quaisquer outros
encargos aplicáveis desde que correspondam a variações do mercado e sejam
comunicadas de imediato, por escrito, à contraparte, podendo esta resolver o contrato
com fundamento na mencionada alteração. De acordo com o DL 446/85, a inclusão
deste tipo de cláusulas – que são as cláusulas ditas de ius variandi – em contratos de
crédito celebrados com consumidores não é proibida. E não é proibida desde que seja
respeitado o princípio da boa fé e os requisitos legais assinalados no próprio diploma.
Conquanto pertença aos tribunais a apreciação da validade das cláusulas contratuais, o

60
“Isto a propósito, também, do direito bancário institucional”.
61
“Passando para outro ponto”.

213

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

Banco de Portugal tem vindo a acompanhar a prática das instituições de crédito nesta
matéria. Aqui interessa a Instrução do Banco de Portugal n.º 24/2010 de 14 de
Outubro – uma instrução que veio impor às instituições de crédito o reporte ao Banco
de Portugal das minutas de contratos de crédito à habitação e de crédito aos
consumidores, bem como das suas posteriores alterações. Com esta exigência de
prestação de informações o Banco de Portugal passou a dispor de mecanismos que lhe
permitem, no âmbito das atribuições legais que tem, de realizar acções de fiscalização
dessas minutas. O Banco de Portugal pode concluir pela frequente inclusão de
cláusulas de ius variandi nestes modelos contratuais, quer nos contratos de crédito à
habitação, quer nos contratos de crédito aos consumidores. O Banco de Portugal
resolveu divulgar orientações sobre as boas práticas que as instituições de crédito
devem acolher e seguir sempre que decidam incluir nos contratos de crédito cláusulas
de ius variandi. E estas orientações têm em vista promover a transparência, promover
a objectividade, promover a proporcionalidade da atuação das instituições de crédito
nesta matéria do crédito ao consumo. Fixam-se boas práticas no que toca à redacção
destas cláusulas de ius variandi e estabelecem-se princípios a observar pelas
instituições de crédito no âmbito do exercício deste ius variandi que lhe é conferido
contratualmente. O Banco de Portugal entende, em primeiro lugar, que apenas os
factos externos ou alheios à instituição de crédito que sejam relevantes, excepcionais e
tenham subjacente um motivo ponderoso fundado em juízo ou critério objectivo
devem ser considerados razão atendível, portanto, para efeitos da al. c) do n.º 1 e da
al. a) do art. 22.º do DL 446/85. Em segundo lugar, entende o Banco de Portugal que os
consumidores devem dispor de pelo menos 90 dias para, após comunicação das
alterações por parte da instituição de crédito, ponderar o exercício do direito de
resolução do contrato. Em terceiro lugar, entende o Banco de Portugal que deve ser
especificado o momento a partir do qual as alterações introduzidas unilateralmente
pela instituição de crédito produzem efeitos. E entende o Banco de Portugal que essas
alterações apenas deverão produzir efeitos no período de contagem de juro
imediatamente seguinte ao termo do exercício do direito de resolução do consumidor.
Em quarto lugar, entende o Banco de Portugal que deve ser prevista a reversão das
alterações introduzidas quando e na medida em que os factos que as tenham
justificado deixem de se verificar e, portanto, devem ser estabelecidos os
procedimentos necessários para a respectiva produção de efeitos. Por outro lado,
sempre que de acordo com a lei e com o contrato de crédito as instituições de crédito
tenham legitimidade para alterar unilateralmente a taxa de juro ou outros encargos do
contrato de crédito, o exercício dessa faculdade deve obedecer ao princípio da
proporcionalidade. E deve assentar numa relação de causalidade: causalidade entre,
por um lado, o evento invocado, e, por outro lado, o teor e o alcance da alteração
contratual que se pretende introduzir. Por outro lado, o exercício do direito de
alteração unilateral deve ser precedido de comunicação escrita ao consumidor em que
sejam elencados os motivos subjacentes a essa alteração, etc. O Banco de Portugal

214

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

considera, também, que as instituições de crédito devem seguir estas instruções e


obedecer a estes princípios sempre que entendam incluir nos contratos estas cláusulas
de ius variandi. E deve entender-se que o ius variandi apenas pode ser exercido nos
contratos bancários duradouros. E esta limitação aos – contratos bancários duradouros
– encontra a sua justificação na ratio do reconhecimento desta faculdade à banca:
traduzida, precisamente, na exigência de adequar no tempo as condições económicas
e contratuais que têm lugar no quadro económico-jurídico. O que é que se entende,
para este efeito, como “contrato duradouro”? Entende-se o contrato que é idóneo para
criar com o cliente uma relação que pela sua natureza dure no tempo, excluindo-se os
contratos cuja execução, simultânea ou não da sua celebração, seja instantânea.

Nas suas relações com os clientes, os bancos são obrigados aos deveres de
informação, aos deveres de diligência, aos deveres de lealdade, aos deveres de sigilo.
Portanto, subjaz à relação bancária a fidúcia. Há aqui uma relação fiduciária que se
estabelece entre a banca e a clientela. Está também em causa a condição profissional
da banca. Naturalmente que do estatuto de empresa bancária decorrem para os
bancos obrigações especiais cuja violação é fundamento de responsabilidade. Desde
logo, obrigações de protecção que decorrem, precisamente, desse status profissional
da banca. E, portanto, aqui leva-se em conta a Lei Bancária, decorrem da própria Lei
Bancária obrigações legais de protecção da clientela, cuja violação dá origem a
responsabilidade contratual. Há obrigações de comportamento que são impostas à
banca no exercício da actividade por normas internas primárias ou secundárias,
normas de natureza publicística, normas que podem ter reflexos nos negócios que a
banca celebra com os respectivos clientes. E, portanto, assim também se enriquece o
conteúdo das respectivas relações obrigacionais. Ou então essas normas podem
constituir fontes de obrigações não negociais para tutela de interesses merecedores de
tutela do ordenamento jurídico, com base, precisamente, nos valores expressos na
ordem jurídica. Portanto, interesses esses que não se encontram suficientemente
protegidos pelo princípio geral subjacente à responsabilidade aquiliana. Temos normas
de comportamento enquanto fonte de particulares obrigações negociais e de
obrigações não negociais que encontram expressão em alguns casos de
responsabilidade da banca por violação de obrigações de conduta que não são
recondutíveis nem a normas específicas que regulam os negócios jurídicos que a banca
celebra com os clientes, nem tão-pouco às regras gerais que impõem à banca uma
conduta diligente e de boa fé. Portanto, as regras da responsabilidade civil aquiliana ou
extra-obrigacional. Portanto, temos aqui obrigações que decorrem de regras internas
do sector bancário, e cuja violação dá origem à responsabilidade contratual 62.
62
“Aconselhava-os a consultar o Decreto-Lei n.º 227/2012 de 25 de Outubro a propósito do
dever de renegociação dos contratos. Não tivemos tempo de dar esta matéria em virtude […] houve
aqui um lapso qualquer nas aulas […] que não sei a que é que se deve, e, portanto, esta matéria não
pôde ser dada. Esta matéria, extremamente interessante, não pôde ser leccionada. Mas a este
propósito, por curiosidade, consultem este diploma. Não é uma matéria que lhes vai ser exigida para
efeitos de avaliação, é só por curiosidade”.

215

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)


lOMoARcPSD|4918561

“Podem levar os Avisos do Banco de Portugal para o exame”.

216

Descarregado por Márcio Silva (mfouto.silva@gmail.com)

Você também pode gostar