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Slide 1: Título

Os conceitos em tensão neste tema são o dever de proteção da vida, especialmente a dos
mais vulneráveis Vs. o respeito pela autonomia pessoa e o livre desenvolvimento da
personalidade.

Slide 2: Agenda – aquilo de que vamos falar

Slide 3: O que é a morte medicamente assistida

O que é afinal a eutanásia? A eutanásia é um conceito que se refere à prática de


provocar a morte de uma pessoa com o objetivo de aliviar o seu sofrimento. Pode ser
classificada em diferentes tipos, como a eutanásia ativa (ou direta) e a eutanásia
passiva. A eutanásia ativa ocorre quando uma pessoa provoca diretamente a morte de
outra, a seu pedido, enquanto a eutanásia passiva ocorre quando uma pessoa
(geralmente um médico) omite-se a adotar medidas para prolongar a vida de outra
pessoa, o que inevitavelmente levará à sua morte.
Além disso, também existem outros conceitos relacionados com a eutanásia
que nos parecem pertinentes explicar e que vêm referidos no acórdão, como o suicídio
assistido (ou ajuda ao suicídio), que ocorre quando uma pessoa auxilia outra a
cometer suicídio, fornecendo, por exemplo, uma substância letal para que a pessoa
possa pôr fim à própria vida.
É importante destacar que a eutanásia ativa direta e o auxílio ao suicídio são
tratados indistintamente no Decreto n.º 109/14.
Também é relevante mencionar outros conceitos relacionados, como a
ortotanásia (ou eutanásia ativa indireta), que se refere às intervenções médicas
destinadas a reduzir as dores de um paciente, mas que podem ter o risco de encurtar
sua vida, e a distanásia (ou obstinação terapêutica), que ocorre quando um paciente é
mantido vivo de forma artificial e desproporcional, retardando uma morte inevitável.
Slide 4: Título do Acórdão

Slide 5: Normas cuja possível inconstitucionalidade foi suscitada pelo PR – n ler

A AR aprova o decreto 109/XIV que regula as condições especiais em que a morte


medicamente assistida não é punível e altera o Código Penal, procedendo à despenalização da
eutanásia quando verificas as condições descritas no decreto.

Concretamente, o artigo 2º deste decreto estipula em que circunstâncias a morte


medicamente assistida não é punível: quando a pessoa maior de idade manifeste a vontade
atual e reiterada de antecipar a sua própria morte quando

i) estiver em situação de sofrimento intolerável


ii) com lesão de gravidade extrema de acordo com o consenso científico ou doença
incurável e fatal
iii) quando praticada ou ajudada por profissionais de saúde

O PR suscita junto do TC, em sede de fiscalização preventiva, a apreciação da


constitucionalidade de algumas normas constantes deste decreto.
Normas impugnadas a título principal:

 a norma constante do artigo 2º/1 na parte em que se refere à “situação de sofrimento


intolerável” da pessoa que quer antecipar a sua morte
 A norma constante do artigo 2º/1 na parte em que se refere a uma “lesão definitiva de
gravidade extrema de acordo com o consenso científico”

Normas impugnadas a título secundário:

Aquelas normas que, sendo as normas impugnadas a titulo principal declaradas


inconstitucional, serão necessariamente com consequências também elas inconstitucionais. Ou
seja:

 as normas constantes dos artigos 4º, 5º e 7º, na parte em que atribuem (aos médicos e à
Comissão de Verificação e Avaliação) a decisão sobre a reunião das condições
estabelecidas no artigo 2º;
 as normas constantes do artigo 27º, na parte em que alteram o Código Penal

Slide 6: A insuficiente densificação normativa

O PR impugnada as normas do art. 2º/1 por falta de densificação normativa, ou seja, devido à
falta de determinação dos conceitos definidos por estas normas. Designadamente o PR suscita
dúvidas de constitucionalidade relativamente

 ao conceito de “situação de sofrimento intolerável”, defendendo que o legislador não


clarifica como é que os profissionais de saúde devem proceder à medição do
sofrimento e alertando para o elevado grau de subjetividade do conceito em causa;
 ao conceito de “lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso
científico”.

O PR defende com conceitos com este grau de indeterminação não se conformam com as
exigências de densidade normativa resultantes da Constituição, especialmente na matéria em
causa – que se reporta ao direito à vida que é, como sabemos, o coração dos direitos,
liberdades e garantias dos cidadãos.

Adicionalmente, considera que o legislador não oferece ao médico que intervém no


procedimento um quadro legislativo minimamente seguro e que esta lei não se conforma com
a certeza e segurança do direito – especilamen6e da lei penal

Slide 7: Normas da CRP que, na ótica do PR, que podem estar a ser violadas e que servem de
parâmetro para a análise da constitucionalidade das normas impugnadas

 Art. 29º/1 CRP – princípios da legalidade e da lei tipicidade criminal. A indeterminação das
normas contende com estes princípios
 Art. 112º/5 – que se refere à proibição de um ato legislativo conferir a um ato de outra
natureza a eficácia própria de um ato legislativo – designadamente, a possibilidade de
interpretar ou integrar a lei
o O PR considera que pode estar em causa a proibição de delegação consagrada
neste artigo porque considera que os preceitos definidos pelo legislador são de tal
forma vastos que conferem a órgãos administrativos – como os médicos e a
Comissão de Verificação e Avaliação – o poder de interpretar ou até integrar a lei –
ou seja, de preencher os conceitos normativos excessivamente abrangentes em
causa
 O PR admite a existência de uma liberdade à limitação da vida – mas entende que esta não
pode ser reconhecida em termos de tal forma indeterminados que contendem com o pp.
de dignidade da pessoa humana – que resulta de uma leitura conjuga dos artigos 18º/2 +
1º + 24º/1 da CRP

Atenção: O PR no seu pedido parte do pp. de que o legislador dispõe de liberdade de


conformação para permitir ou proibir a eutanásia, de acordo com o consenso social em cada
momento, defendendo que a CRP não tem nenhuma orientação definitiva neste sentido.
Assim, não suscita sequer a questão de a morte medicamente assistida em si, enquanto
conceito, inconstitucional ou não. Esta questão está inequivocamente excluída do objeto do
pedido de fiscalização preventiva.

Aquilo que está em causa é saber se a concreta regulação da eutanásia no DL em causa


é inconstitucional ou se ofende o core dos direitos fundamentais, num contexto de proteção da
dignidade da pessoa humana.

Slide 8:

A definição dos pressupostos para o exercício da antecipação da morte


medicamente assistida fica a cargo dos clínicos (provavelmente médicos) no âmbito do
procedimento, e que essa definição é posteriormente verificada e confirmada por uma
Comissão de Verificação e Avaliação. Ou seja, no fundo, é uma decisão administrativa.
A antecipação da morte medicamente assistida implica, deste modo, a atuação
de um procedimento administrativo especial destinado a comprovar a verificação das
condições de que, nos termos legais, depende do direito de uma pessoa obter a
colaboração de profissionais de saúde na antecipação da sua própria morte; ou, na
perspetiva destes últimos, (clínicos) de os mesmos poderem envolver-se na
preparação e execução de um ato de antecipação da morte de uma pessoa, a pedido
desta, sem temerem uma perseguição criminal, libertos do dever de não matar ou de
não prestar ajuda ao suicídio.
No quadro deste procedimento, a decisão da pessoa de antecipar a sua morte
mencionada no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto – estritamente pessoal e indelegável – tem
expressão reiterada ao longo da marcha do procedimento, pelo menos, em seis
(eventualmente, sete) momentos do procedimento administrativo de preparação e de
execução.

Slide 9: Overview do que vamos falar (não ler – passar rápido)

Slide 10: O TC chama a si a questão da constitucionalidade da eutanásia

O TC chama a si a questão de saber se a eutanásia é ou não inconstitucional,


discute sobre o facto de o legislador estabelecer uma norma que despenaliza a
colaboração de profissionais de saúde na morte medicamente assistida, desde que
observadas determinadas condições materiais e procedimentais. Por um lado, o TC
entende que o objetivo do legislador foi permitir que os profissionais de saúde não
sejam punidos por ajudar na morte de uma pessoa, desde que essa ajuda seja prestada
dentro das condições legalmente previstas, libertando-os do dever de não matar ou
não ajudar ao suicídio.
No entanto, ressalta que a discussão sobre as condições concretas ou
pressupostos para a prática da morte medicamente assistida só faz sentido se essa
prática não for incompatível com a Constituição, em especial com o disposto no seu
artigo 24.º, n.º 1, que afirma o valor da vida humana. A antecipação da morte
medicamente assistida, por sua natureza, entra em conflito com o valor da vida
humana afirmado na Constituição, o que torna essa questão fundamental e prévia a
todas as demais considerações feitas pelo PR, independentemente do objeto específico
do pedido em análise.
Uma das questões que surgem neste acórdão em análise na sequência da
fundamentação por parte do TC é a discussão sobre a compatibilidade da antecipação
da morte medicamente assistida, ou seja, a eutanásia, com o princípio da
inviolabilidade da vida humana, que está consagrado no artigo 24.º, n.º 1, da
Constituição portuguesa.
De acordo com o Professor Rui Medeiros e o Professor Jorge Pereira da Silva, a
Constituição portuguesa vai para além de apenas afirmar que "todos os homens têm
direito à vida", mas estabelece de forma mais forte e expressiva que "a vida humana é
inviolável". O artigo 24.º possui um papel único entre os direitos fundamentais, sendo
considerado um dos direitos insuscetíveis de suspensão. Este artigo é o pressuposto
fundamental de todos os outros direitos fundamentais, sendo considerado não apenas
como um direito subjetivo, mas também como um valor objetivo e um princípio
estruturante do Estado de Direito baseado na dignidade da pessoa humana.
Dessa forma, a discussão sobre a constitucionalidade da antecipação da morte
medicamente assistida, ou seja, da despenalização da eutanásia, só faz sentido se
considerarmos que tal prática não é, em si mesma, incompatível com o princípio da
inviolabilidade da vida humana consagrado no artigo 24.º, n.º 1, da Constituição
portuguesa. Ou seja, é necessário primeiro abordar a questão a fundo sobre a
compatibilidade da eutanásia com a inviolabilidade da vida humana antes de entrar
em detalhes sobre as condições concretas ou os pressupostos da antecipação da
morte medicamente assistida.
Slide 11: Dimensão de direito comparado e Jurisprudência do TEDH

O direito à vida é objeto de um reconhecimento jurídico universal. Mas esta universalidade não
impede a consagração de soluções muito diferenciadas quanto à matéria da morte
medicamente assistida.

No plano do direito comparado, é possível encontrar três grandes tendências:

i) a despenalização e a regulação expressa da eutanásia ativa e, ou, do suicídio


assistido;
ii) a tolerância relativamente ao suicídio assistido, sem que lhe seja conferida uma
regulação legal expressa;
iii) a proibição da eutanásia ativa e do suicídio assistido.
2Numa outra perspetiva, são de referir as pronúncias do Tribunal Europeu dos Direitos do
Homem. Jurisprudência esta que trata exclusivamente de casos de suicídio e de eutanásia
passiva. A partir desta jurisprudência, pode-se destacar as seguintes conclusões fundamentais:

i) O direito à vida, conforme estabelecido no artigo 2º da Convenção Europeia dos


Direitos Humanos, não abrange o direito a morrer, seja com a ajuda de uma
terceira pessoa, seja com a assistência de uma autoridade pública.
ii) O direito ao respeito pela vida privada, conforme o artigo 8º da CEDH, inclui o
direito de uma pessoa decidir livremente como e quando deseja terminar a sua
vida, desde que possa tomar essa decisão de forma consciente e agir de acordo
com ela.
iii) Este direito não é absoluto e deve ser ponderado levando em consideração os
interesses contrapostos que o acompanham, especialmente as obrigações positivas
do Estado em relação à proteção da vida, previstas no artigo 2º da CEDH, que
vinculam os Estados a proteger as pessoas vulneráveis contra decisões que possam
colocar em risco as suas vidas.

Uma vez que a questão do fim da vida envolve problemas éticos, científicos e jurídicos
complexos e não há consenso entre os Estados membros do Conselho da Europa sobre o
assunto, os Estados têm uma ampla margem de apreciação para fazer essa ponderação.

Slide 12: O direito à vida inclui o direito a morrer? Não. Mas o direito a morrer pode decorrer
do direito ao livre desenvolvimento da personalidade.

O teor da consagração do direito à vida na Constituição portuguesa – a vida humana é


inviolável – torna facilmente apreensível que aquele direito não tem uma dimensão negativa:
ao direito de viver não se contrapõe um direito a morrer ou um direito de escolha sobre
continuar ou não a viver.

Contudo, não se pode excluir que um tal direito não possa resultar da liberdade de
cada um se autodeterminar, em função do seu projeto pessoal de vida, impondo um limite ao
próprio dever estadual de proteção da vida decorrente do artigo 24.º, n.º 1.

Na ordem jurídica portuguesa, os valores da liberdade geral de ação e da capacidade


de autodeterminação individual encontram-se particularmente refletidos no direito
fundamental ao desenvolvimento da personalidade, consagrado no artigo 26.º, n.º 1, da
Constituição.

Os professores RUI MEDEIROS e ANTÓNIO CORTÊS salientam que este direito


compreende a tutela abrangente da personalidade e da liberdade, sendo interligado com
outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos sendo necessário reconhecer um
espaço legítimo de liberdade e realização pessoal sem constrangimentos jurídicos para
garantir o respeito a esses direitos e interesses constitucionais.

A mencionada liberdade geral de ação traduz-se essencialmente num espaço próprio


de autonomia que confere a cada pessoa a liberdade de conduzir a sua própria existência de
acordo com as características específicas da sua personalidade e do seu projeto de vida. Por
sua vez, a capacidade de autodeterminação traduz-se essencialmente num espaço próprio de
autonomia decisória que confere a cada pessoa a liberdade de fazer escolhas relevantes para a
sua vida enquanto ser racional e o ónus de assumir a responsabilidade pelas mesmas.

Estas duas dimensões do direito ao desenvolvimento da personalidade conferem a


cada pessoa o poder de tomar decisões cruciais sobre a forma como pretende viver a própria
vida e, por inerência, a forma como não a pretende continuar a viver.

Como já sabemos, O direito à vida implica o reconhecimento de um exigente dever


para o Estado, e em particular para o legislador, de proteger e promover a vida humana. Sendo
competência do legislador conceber modelos de proteção e de os estabelecer normativamente
gozando, para o efeito, de liberdade de conformação.

Sucede que a autonomia pessoal reconhecida pelo legislador precisa da colaboração


de terceiros para ser exercida. É importante que essas pessoas não sejam punidas, desde que a
sua ação esteja dentro dos limites legais. Isto fomenta que a pessoa que pretende decidir
como e quando terminar a sua vida, tenha uma escolha real.

O direito a viver não pode transfigurar-se num dever de viver em quaisquer


circunstâncias.

No caso do acesso à morte medicamente assistida, o esforço de proteção que


falávamos há pouco tem de partir da consideração da situação de vulnerabilidade e de
sofrimento das pessoas que se decidem por tal prática.

Independentemente da questão de saber se o direito ao livre desenvolvimento da


personalidade do artigo 26.º, n.º 1, da Constituição inclui o direito à morte autoconformada, é
evidente que o apoio de terceiros à morte não é considerado um interesse constitucional
positivo em Portugal. No entanto, em casos extremos de doença incurável e sofrimento
intenso, o dever de proteger a vida e a autonomia da pessoa que deseja antecipar a sua morte
exige uma rigorosa verificação das situações que justificam o acesso à morte medicamente
assistida. Isto é necessário para cumprir as exigências de certeza e segurança jurídica de um
Estado de direito democrático. As situações em que a antecipação da morte medicamente
assistida é permitida devem ser claras, previsíveis e controláveis. Isto é uma responsabilidade
do legislador para prevenir possíveis "rampas deslizantes".

Slide 13: A insuficiente densificação normativa dos conceitos descritivos dos critérios de acesso
à morte medicamente assistida questionados pelo requerente face ao princípio da legalidade
criminal

Relativamente à questão suscitada pelo Presidente de que as normas em causa


violariam o pp. da legalidade criminal, o Tribunal afasta esta questão. Porque, de acordo com o
diploma em análise, o autor material do facto (o médico) que proceder à eutanásia nunca
poderá ser punido criminalmente desde que o faça depois de percorrido o procedimento
necessário. Assim, o procedimento administrativo que antecede o processo, designadamente o
parecer favorável da Comissão, afastam necessariamente a responsabilidade criminal do
agente.
Assim, há certeza da lei penal. o decreto não contende com o pp. da tipicidade da lei
penal.

Slide 14: A insuficiente densificação normativa dos conceitos descritivos dos critérios de acesso
à morte medicamente assistida questionados pelo requerente face ao princípio da
determinabilidade das lei

Seguidamente o Tribunal pronuncia-se quanto à questão suscitada pelo PR de que as


normas em análise contêm conceitos de tal forma amplos e imprecisos que não são sequer
determináveis – contendendo, assim, com o pp. da determinabilidade da lei.

A este respeito, o PR invoca o art. 112º/5 da CRP, como anteriormente referi. No


entanto, o TC afasta este artigo por considerar que não é convocável no caso concreto. De
facto, o TC salienta que aquilo que está em causa é a proibição de a lei abrir a sua força própria
à intervenção modificativa de atos (normativos) que não tenham natureza legislativa. É um
problema que apenas releva no seio das relações recíprocas que se podem estabelecer entre
atos normativos. Ora, neste caso, aquilo que se está a avaliar é se a alegada falta de
determinabilidade da lei conduz a que pareceres de natureza administrativa (e não atos
normativos) interpretem e integrem a lei. Por isso, esta norma não releva na análise em causa.

O TC avança assim uma outra norma que considera que é convocável no caso concreto
e que deve servir de parâmetro para a análise da constitucionalidade: o artigo 165º nº1 alínea
b) CRP.

De acordo com este art., as normas que tenham como objeto a restrição ou regulação
de direitos fundamentais integram a reserva de lei formal – ou seja, só podem ser objeto de
tratamento por lei formal da AR. Neste caso, a reserva de lei formal tem particular intensidade
e relevância atendendo ao bem jurídico fundamental que está aqui em causa (a vida), que diz
respeito ao core da dignidade humana, e ao caráter definitivo e irreversível das decisões que
prevê relativamente ao término da vida.

Da leitura conjugada deste art. 165º/1 b) com o art. 2º da CRP o TC descobre o pp. da
determinabilidade da lei, enquanto corolário do Estado de direito democrático.

Assim, esta matéria não pode ser tratada por atos de outro natureza – como atos
administrativos. Desta forma, se o TC chegar à conclusão de que a norma do art. 2º/1 é de tal
forma abrangente que remete para parecer administrativo a definição do seu conteúdo, então
esta norma será inconstitucional por violação do pp. da determinabilidade da lei. Está aqui em
causa, portanto, uma reserva de densificação normativa.

Em suma, o TC esclarece que aquilo que se deve avaliar é capacidade prescritiva da


norma – isto é, a sua força normativa e a sua suscetibilidade de efetivamente conformar as
condutas dos clínicos e da Comissão no exercício das suas competências administrativas. E a
capacidade prescritiva da norma depende inteiramente do grau de determinação dos conceitos
que utiliza.

O prof. Reis Novais salienta precisamente isto nesta citação: Num Estado de Direito,
baseado na dignidade da pessoa humana, quando se procede a uma restrição aos direitos
fundamentais constitucionalmente protegidos, é necessário que sentido e alcance da restrição,
bem como a medida concreta da sua potencial aplicação, sejam determináveis com suficiente
precisão, ou seja, que possuam um conteúdo normativo suficientemente denso reconhecíveis
no seu conteúdo e previsíveis nos seus efeitos.
Slide 15: A insuficiente densificação normativa do conceito “em situação de sofrimento
intolerável”

O conceito de "sofrimento intolerável" tem sido objeto de discussão na legislação


portuguesa, essa insuficiente densificação normativa do conceito não é uma novidade.

Na verdade, o sofrimento é um fenômeno que já foi mobilizado pelo legislador em


diversas áreas, como na definição do crime de homicídio qualificado e no regime jurídico-penal
das intervenções e tratamentos médico-cirúrgicos. Em ambas as situações, a intenção é
minorar o sofrimento, sendo considerado uma das finalidades terapêuticas legais.

No entanto, afirmar que o sofrimento é um fenômeno privado e único ao sujeito não


significa que esteja à margem de qualquer objetivação ou que seja inapreensível por terceiros.
Na verdade, o conceito de "sofrimento intolerável", embora amplo, pode e deve ser objetivado
e comprovado em cada caso concreto mediante uma correta aplicação das leges artis. Nessa
medida, apesar de ser indeterminado, o conceito não é indeterminável.

Essa indeterminação do conceito não deve ser vista como uma falha na legislação, mas
sim como uma abertura adequada ao contexto clínico em que será aplicado pelos médicos. Isto
justifica-se pelas duas razões mencionadas anteriormente. Portanto, o grau de indeterminação
não contraria as exigências de densidade normativa resultantes da Constituição, especialmente
no dominio particular da antecipação da morte medicamente assistida.

Slide 16

O TC vem ainda num dos seus pontos discutir sobre a falta de clareza e
especificidade na definição do conceito de "lesão definitiva de gravidade extrema de
acordo com o consenso científico":

Primeiramente aponta a falta de clareza quanto à noção de "lesão". O conceito


de lesão não é claramente definido e pode abranger uma ampla gama de condições de
gravidade diferentes, incluindo malformações, doenças ou acidentes traumáticos. O
legislador qualifica-a como definitiva, o que sugere que a lesão seja permanente e
irreversível, mas não oferece critérios claros para determinar a gravidade extrema
dessa lesão.

Ainda, surge a questão sobre a falta de clareza quanto à gravidade extrema: A


norma não oferece indicações claras do que constitui uma lesão de gravidade extrema.
Não há critérios específicos ou referências à ciência médica para determinar o que é
considerado extremamente grave em relação a uma lesão definitiva.

Existe também segundo o TC uma grande falta de clareza quanto à relação com
a antecipação da morte. No decreto-lei em análise é considerado que o critério de
"lesão definitiva de gravidade extrema" não implica necessariamente a antecipação da
morte, uma vez que a morte pode não ocorrer como consequência direta da lesão. Isso
levanta preocupações sobre a possibilidade de interpretações ambíguas da norma e a
falta de clareza sobre quando é que a morte medicamente assistida seria admissível.
Falta de densificação normativa: O TC considera que o legislador poderia ter
oferecido uma definição mais precisa e detalhada do conceito de "gravidade extrema"
em relação à lesão definitiva, referenciando normas similares em outros contextos
legais, como o direito penal ou o direito civil em relação a acidentes de trabalho. A falta
de densificação normativa do conceito torna a norma indeterminada e difícil de aplicar.

Finalmente, existe também falta de clareza quanto ao consenso científico. A


norma estabelece que a gravidade extrema da lesão e o seu caráter irreversível devem
ser determinados de acordo com o consenso científico, mas não oferece orientações
sobre como é que esse consenso científico deve ser apurado ou identificado.

Em suma, o TC vem criticar a falta de clareza, especificidade e densificação


normativa no conceito de "lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o
consenso científico", em relação à antecipação da morte medicamente assistida, o que
torna a norma indeterminada e bastante difícil de aplicar.

Slide 17: Decisão do Tribunal e Conclusão.

A decisão do Tribunal Constitucional foi baseada na inconstitucionalidade da


norma constante do artigo 2.º, n.º 1, do Decreto em questão, com fundamento na
violação do princípio de determinabilidade da lei, que é uma consequência dos
princípios do Estado de direito democrático e da reserva de lei parlamentar,
decorrentes das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 165, n.º 1, alínea b), da
Constituição da República Portuguesa.
Além disso, em consequência dessa inconstitucionalidade, o Tribunal
Constitucional também se pronunciou pela inconstitucionalidade das normas
constantes dos artigos 4.º, 5.º, 7.º e 27.º do mesmo Decreto.
Em suma, o Tribunal Constitucional considerou que a norma em questão do
Decreto violava princípios constitucionais, tais como o princípio de determinabilidade
da lei, o Estado de direito democrático, a reserva de lei parlamentar e a inviolabilidade
da vida humana, e, portanto, declarou a sua inconstitucionalidade, afetando também
outras normas do mesmo Decreto.
Slide 18

Os professores Maria José Rangel de Mesquita, Maria de Fátima Mata-Mouros,


Lino Rodrigues Ribeiro e José António Teles Pereira discordam da não formulação de
um juízo positivo de inconstitucionalidade, por violação do Direito à vida consagrado
no artigo 24º1 CRP, quanto à norma do nº 1 do artigo 2º do Decreto n.o 109/XIV, ao
definir a figura da “antecipação da morte medicamente assistida não punível”,
pretendida introduzir na nossa ordem jurídica pelo diploma em causa.
Os professores discordam da decisão do Tribunal Constitucional de não declarar
a inconstitucionalidade da norma que define a figura da "antecipação da morte
medicamente assistida não punível". Eles argumentam que a proteção absoluta da vida
humana não pode ser usada para impor um dever penoso às pessoas que sofrem e que
o legislador democrático tem o direito de regular a antecipação da morte
medicamente assistida.
Além disso, os professores afirmam que o Decreto nº 109/XIV não satisfaz o
princípio da determinabilidade das leis, tornando-se inapto para disciplinar em termos
previsíveis e controláveis as condutas dos seus destinatários. Por fim, eles afirmam que
a palavra "eutanásia" expressa com precisão o objetivo do diploma, que cria um
quadro jurídico para a prática da chamada "eutanásia ativa" por profissionais de saúde.
O Estado é investido do poder de fixar as circunstâncias de elegibilidade para a
concretização desse resultado, o que ocorre por força do direito à "autonomia
individual" e da "dignidade" das pessoas.
Concluindo: A admissão da eutanásia — e particularmente a admissão nestes termos —
conduz inelutavelmente ao seguinte encadeamento de asserções caraterizadoras de um novo
paradigma de “convivência” com o princípio da inviolabilidade da vida humana decorrente do
artigo 24.o, nº 1 da CRP:

(A) O direito à vida inclui o direito de não ser morto;

(B) Esse direito envolve a opção de viver e a opção de morrer, com as quais os outros não
podem legitimamente interferir;

(C) Assim, se alguém decide morrer, está a renunciar, no quadro das suas opções válidas,
ao direito à vida. E, ao renunciar a esse seu direito — este é o problema central criado pelo
Decreto nº 109/XIV —, está a libertar outros (especificamente está a libertar o Estado) do
dever de não o matar. E o Estado está a afastar a proibição/a punibilidade de matar nesse caso.

Afastando-se decisivamente daquele paradigma, entendem os subscritores deste voto


existirem matérias que estão “fora do alcance de maiorias”, sendo esse o caso da legalização da
eutanásia, não dispondo o legislador, como antes dissemos, de credencial constitucional para
esse efeito. Daí considerarmos que o artigo 2º, nº 1, do Decreto nº 109/XIV viola o artigo 24º,
nº 1, da CRP.

Slide 19 – O legislador reage

Vamos então agora para concluir olhar para o decreto que vai ser objeto de fiscalização de
constitucionalidade do acórdão 2 que vai ser apresentado pelas nossas colegas.

Olhamos para este decreto para ver de que forma é que o legislador, perante a declaração de
inconstitucionalidade do decreto que acabamos de apresentar, procedeu à alteração do
decreto considerado inconstitucional, aprovando um novo decreto.
No art. 2º o legislador introduz algumas definições que servem para densificar e concretizar os
conceitos que definem as situações em que a eutanásia não será punível.

Em 1º lugar, é interessante destacar a alínea a) em que o legislador consagra que a morte


medicamente assistida ocorre por decisão da pessoa em exercício do seu direito fundamental à
autodeterminação e livre desenvolvimento da personalidade. Ou seja, o legislador incorpora
claramente a fundamentação apresentada pelo TC para sustentar a conformidade
constitucional do direito à morte medicamente assistida: a clausula de livre desenvolvimento
da personalidade consagrada no art. 26º da CRP e concretamente no direito à
autodeterminação que dela decorre.

Na alínea d) o legislador introduz igualmente uma definição que estava ausente no decreto que
acabámos de analisar: a definição de doença grave e incurável

Na alínea e) o legislador reage diretamente à inconstitucionalidade identificada pelo TC


decorrente da falta de densificação normativa e de determinação do conceito de lesão
definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico, concretizando que:

 lesão de gravidade extrema será a lesão grave que coloca a pessoa em situação de
dependência de terceiro ou apoio tecnológico para a realização das atividades
elementares da vida quotidiana.
 A referência a lesão definitiva de acordo com o consenso científico é substituída pela
expressão “quando haja certeza ou probabilidade muito elevada de que estas
limitações persistam no tempo, sem possibilidade de cura ou de melhoria
significativa.”

Embora o TC não tenha considerado que a referência ao sofrimento enquanto critério sem que
o legislador ofereça quaisquer parâmetros para o mensurar seja inconstitucional, o legislador
ainda assim na alínea f) concretiza o conceito de sofrimento e introduz a referencia ai
sofrimento físico, psicológico e espiritual.

Slide 20 – Notícia do jornal Público

1 – O Parlamento pode legislar sobre a eutanásia: está na margem de liberdade de


conformação do legislador proceder à despenalização da eutanásia. Depende de opções
politico-legislativas.

 Apesar de o pedido de fiscalização preventiva da lei feito pelo Presidente da República


não ter versado sobre a questão da inviolabilidade da vida humana, os juízes decidiram
apreciá-la
 O art. 24º/1 que consagra o direito à vida não é incompatível com a eutanásia.
 João Caupers, Presidente do TC: “O direito à vida não pode transfigurar-se num dever
de viver em qualquer circunstância”

2 – Assim, apesar que a AR poder legislar sobre a eutanásia, impõe-se que o faça com leis
“claras, precisas, antecipáveis e controláveis” – o que não aconteceu neste caso

 o TC considerou excessivamente indeterminado o conceito de “lesão definitiva de


gravidade extrema de acordo com o consenso científico” – ainda que considerado o
contexto normativo em que se insere – Não permitindo delimitar com o indispensável
rigor que se impõe nesta matéria as situações da vida a que pode ser aplicado
3 – o conceito de “sofrimento extremo” que Marcelo também apontara como sendo
excessivamente indeterminado foi considerado pelo TC como sendo um conceito determinável
pelas regras da profissão médica (e que faz sentido que assim o seja) – e, por este, motivo, não
sofreu censura constitucional

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