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RESUMO
Este trabalho analisa a legitimidade das diretivas antecipadas de vontade como facilitadoras da
medicina humanizada em pacientes oncológicos sob cuidados paliativos. Por meio de uma
pesquisa bibliográfica e qualitativa, observa-se como o princípio da autonomia pode ser
aplicado ao âmbito da terminalidade da vida. Para investigação da realidade foram consultados
o Código de Ética Médica, as Resoluções do CFM 1.805/2006 e 1.995/2012, bem como a
aplicação dos cuidados paliativos em pacientes com câncer no Hospital Aristides Maltez. A
análise concentrou-se em verificar como os procedimentos médicos que prolongam a vida dos
pacientes com base nos cuidados paliativos podem contribuir para a disseminação das suas
funcionalidades em pacientes oncológicos, a fim de promover no processo de humanização da
medicina. Os resultados indicam que os cuidados paliativos ainda estão em fase de
amadurecimento na sociedade, de forma que as diretivas antecipadas podem auxiliar no
processo de conscientização das pessoas sobre o fim da vida, bem como na aplicabilidade do
princípio da autonomia do paciente.
ABSTRACT
This article analyzes the legitimacy of advance directives of will as facilitators of humanized
medicine in cancer patients under palliative care. Through a bibliographical and qualitative
research, it is observed how the principle of autonomy can be applied to the scope of the
terminality of life. To investigate the reality, the Code of Medical Ethics, CFM Resolutions
1805/2006 and 1995/2012 were consulted, as well as the application of palliative care in cancer
patients at Hospital Aristides Maltez. The analysis focused on verifying how medical
procedures that prolong the lives of patients based on palliative care can contribute to the
dissemination of their features in cancer patients, in order to promote the process of
humanization of medicine. The results indicate that palliative care is still maturing in society,
so that advance directives can help in the process of making people aware of the end of life, as
well as in the applicability of the principle of patient autonomy.
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Advogada. Bacharela em Direito pela Universidade Católica do Salvador. Especializanda em Direito Médico,
Biomedicina e Direito Médico pela Universidade Católica do Salvador (UCSal) |
adrielemotaadvocacia@gmail.com
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Advogada. Professora. Doutora e Mestra em Direito das Relações Sociais e Novos Direitos pela Universidade
Federal da Bahia (UFBA). Pós-Doutora em Direito e Novas Tecnologias pela Mediterranea International Centre
for Human Rights Research. | jessicahindribeiro@gmail.com.
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1 INTRODUÇÃO
Nesse sentido, o artigo analisa como as diretivas antecipadas de vontade podem facilitar
na aplicação de cuidados paliativos pacientes oncológicos, de modo a lançar um novo olhar
sobre a terminalidade da vida e suas possibilidades.
Além desta introdução, nos capítulos que se seguem discute-se sobre a relevância das
diretivas antecipadas para a autonomia da vontade dos pacientes, com considerações acerca da
terminalidade da vida, observando a competência normativa no Código de Ética Médica e nas
Resoluções do Conselho Federal de Medicina. Aborda-se no tópico seguinte a importância dos
cuidados paliativos e da disseminação dessas funcionalidades em pacientes oncológicos no
processo de humanização da medicina. Por fim, discute-se sobre porque as diretivas antecipadas
de vontade podem auxiliar no processo de amadurecimento das pessoas quando se trata dos
cuidados paliativos que fundamenta a conclusão.
A palavra autonomia não possui significado único e literal, devendo ser entendido de
acordo com a acepção que é adotada. “Em linhas iniciais, a palavra autonomia deriva do grego
autos (próprio) e nomos (regra, governo ou lei), era empregada como sinônimo de autogoverno
e autogestão” (MOREIRA, 2015). Para Kant, autonomia é a:
Por outro lado, no mandato duradouro, o paciente nomeia um ou mais procuradores que
o representará perante o médico em casos de incapacidade, assumindo assim, a decisão sobre
os cuidados médicos quando o outorgante não puder manifestar a sua vontade. No entanto, essa
decisão dever-se-á sempre considerar a vontade do paciente.
Aplicarei os regimes para o bem do doente segundo o meu poder e entendimento, nunca
para causar dano ou mal a alguém. [...] Em toda casa, aí entrarei para o bem dos doentes [...]
Juramento de Hipócrates (Grifo nosso).
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Por conseguinte, a medicina humana, mesmo tendo avançado, tem limitações à arte do
cuidar e, inevitavelmente, um dia a finitude se insurge, de forma que prolongar a vida por
mecanismos artificiais não prolonga de forma real a vida de quem está biologicamente morto-
sem chance alguma de viver dignamente.
Assim, nos casos que tratam de pacientes terminais, é importante o reconhecimento das
vulnerabilidades humanas, o respeito à autonomia e consentimento livre esclarecido do paciente
em sua relação de simetria com o médico, a fim de enfrentar as dores diversas decorrentes de
tratamentos e procedimentos médicos forçados, que prolongam a vida mesmo que sem chance
de cura (futilidade médica).
A partir da leitura dos artigos subentende-se que o Código de Ética Médica pondera
situações de emergência em que a pessoa não consiga manifestar a sua vontade e, assim sendo,
dar o seu consentimento. Por esse motivo, tratará com o representante legal do doente ou agirá
conforme a ética que o Código lhe impõe, resguardando a vida do paciente.
concepções do médico responsável, e dando margem para que o paciente seja o ativo na tomada
de decisões e na capacidade de outorgar poderes decisórios a um terceiro.
Logo no artigo 1º, a resolução define o conceito das diretivas antecipadas de vontade:
Art. 1º. [...] o conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente, sobre
cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de
expressar, livre e autonomamente, sua vontade.
Essa determinação é muito importante, quando se leva em consideração que nem todas
as pessoas têm familiares próximos, com uma boa relação e, principalmente, têm a o
conhecimento do que é uma diretiva antecipada de vontade. Ademais, por um olhar social,
existem ainda as pessoas vulneráveis, excluídas da sociedade que, além de tudo isso, também
não tem noção do poder de escolha sobre o próprio corpo e vida.
Para além disso, tem-se também a Resolução CFM nº 1.805/2006, a qual decidiu que é
permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos de prolongamento da
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vida, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal, garantindo, ainda, o direito
ao esclarecimento e outras opiniões médicas:
Mas não é só, a resolução mais antiga também previne possíveis abandonos e/ou
retaliações que a decisão do paciente possa provocar, garantindo a manutenção de todos os
cuidados necessários ao alívio do sofrimento:
Art. 2º. O doente continuará a receber todos os cuidados necessários para aliviar os sintomas
que levam ao sofrimento, assegurada a assistência integral, o conforto físico, psíquico, social e
espiritual, inclusive assegurando-lhe o direito da alta hospitalar.
A soma dessas medidas representa uma vitória para os defensores do direito à autonomia
da vontade, pois, a partir desse marco regulamentar, os brasileiros poderão registrar
expressamente no prontuário a sua diretiva antecipada, permitindo que a equipe médica tenha
o amparo legal e ético para cumprimento do desejo de quem está sendo cuidado, sem deixá-los
desamparados.
Em visto disso, o que era apenas princípio deixa a narrativa ideal e dá espaço à narrativa
factual, porque o registro no prontuário em consonância da definição das diretivas antecipadas
de vontade consubstancia um testamento vital e contribui para a adoção de limites médicos de
terapia, bem como para a normatização da escolha de viver ou de morrer com dignidade.
Ainda conforme MACÊDO (2015), o termo tem origem no vocábulo latino pallium, que
significa cobertor, trazendo uma conotação de proteção e cuidado. Desse modo, após uma
gradativa construção o termo “cuidados paliativos” consolidou o significado de hospitalidade,
estendendo-se às mais diversas doenças.
quando a doença atinge o estágio avançado, em que o paciente tem pouco tempo de vida, mas
sim de uma dinâmica que se amolda a cada cuidando em seus aspectos psicossociais, inclusive,
com inclusão e preparação dos familiares para entender cada fase.
Nessa linha de raciocínio, torna-se esperado que na relação paciente-médico deve haver
confiança, compromisso e responsabilidade. Segundo SANTOS (2014), o entendimento das
limitações de um modelo paternalista da medicina, restrito aos aspectos biopatológicos das
enfermidades e com ênfase na cura, deve dar lugar a uma atuação mais abrangente e
humanística, que objetive a ética do cuidado e a responsabilidade técnica, política e social.
Esse movimento traz em evidência o paciente enquanto figura ativa da ação com
vontades e sentimentos, passando a ser portador de dignidade e de uma efetiva autonomia
(NILO, 2019). Nesse sentido, o Hospital Aristides Maltez em Salvador/Bahia, que atua desde
agosto de 1997 na linha de frente do tratamento de câncer a partir da assistência com cuidados
paliativos é um excelente exemplo da “Medicina Hipocrática”, relembrando o pensamento ético
contemporâneo da importância da relação paciente-médico.
Isso em razão da instituição não só contar com um setor para os Cuidados Paliativos,
mas pelo trabalho de apoio que oferece. Em vista disso, o sítio do Aristides Maltez divulgou
em 09/10/2021 o lançamento de um livro nos corredores da unidade hospitalar intitulado de
“Pedaços de mim. Minha vida”.
A coletânea de poesias escrita pela sra. Terezinha de Jesus, paciente da ala, e que não
teve acesso à escola, representou para ela uma forma de superar o sofrimento causado pelo
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câncer, bem como de perceber o seu valor. Para a Dra. Patrícia Bagano, coordenadora do setor
de Cuidados Paliativo do HAM, a compreensão da realidade de cada paciente é imprescindível
para cuidar dele e do que importa para ele.
O medo da morte é um dos pensamentos que a maioria das pessoas não pode suportar
(MARINHO, 2010). Observa-se, portanto, que os cuidados médicos com uma preocupação
humanística vão além do diagnóstico e objetivo de cura, pois levam a consideração da finitude
da vida e fazem com que os pacientes vivam um dia de cada vez de forma a não somatizar
aquilo que os aflige a alma.
É por meio dos cuidados paliativos, afinal, que os pacientes em estado terminal, sem
qualquer perspectiva de melhora, podem vislumbrar o direito a uma boa morte. A abordagem
humanizada nesses casos se dá com uma assistência emocional, social e espiritual, entendendo
e respeitando o paciente com suas características e peculiaridades que o sintetiza.
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Os procedimentos médicos que prolongam a vida podem ser considerados então, como
legalizados pelo Estado de Direito, mas não como legítimos, pois, colocam o indivíduo, muitas
vezes já sem chance de volta à vida, em leitos que os condena ao sofrimento indigno e
desumano. Assim, é preciso continuar a promover o debate sobre os cuidados paliativos para
uma melhor qualidade de vida dos pacientes oncológicos desde o diagnóstico até a sua cura ou
a escolha pela boa morte.
De agora em diante, mesmo que o paciente não opte por uma diretiva antecipada de
vontade, ele terá conhecimento de que pode iniciar o cuidado mesmo no seu tratamento, uma
vez que os cuidados paliativos não voltados ao fim da vida, mas sim o meio de tirar o doente
da zona de incertezas e seguranças, lhe dando esperança e tempo para viver o que realmente
tem significado.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
As diretivas antecipadas de vontade têm ainda um longo caminho a percorrer na quebra
de paradigmas que existem na sociedade brasileira quando a terminalidade da vida está em
pauta. No entanto, é notável os resultados dos esforços das pesquisas que defendem o direito à
vida segundo os princípios da dignidade e do direito à autonomia do paciente.
Sob esse olhar, é importante reconhecer o passo importante que o Conselho Federal de
Medicina já deu ao permitir que os médicos anotem no prontuário ou ficha médica a vontade
do seu paciente, sem intervir com base nas suas concepções pessoais.
Além disso, a conceituação do que são as diretivas antecipadas de vontade abrem espaço
para a aplicabilidade dos cuidados paliativos que vêm ganhando espaço não só no debate
acadêmico, mas também nos hospitais, tal como foi o exemplo do Hospital Aristides Maltez
que tem uma ala só de tratamento para cuidados paliativos desde o diagnóstico médico e vem
transformando a vida dos seus pacientes, incentivando que eles vivam um dia de cada vez com
alegria e esperança.
Apesar do medo humano frente à morte, sabe-se que é a única certeza que todos temos.
E, a ausência de limites para terapias que prolongam a vida de pacientes com câncer sem chance
de cura põe em risco a própria dignidade da vida, lhe causando dores e sofrimentos
desnecessários. O que evidencia que esses tratamentos são legalizados, mas não são legítimos,
tendo em vista que deixam de considerar a essência do ser humano que é viver enquanto houver
vida.
REFERÊNCIAS