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RECOMENDA
Art. 1º Nas decisões sobre assistência à saúde dos pacientes, os médicos devem levar
em consideração o documento Consentimento Livre e Esclarecido, constante do Anexo
I.
Art. 2º Esta recomendação entra em vigor na data de sua publicação.
CONSENTIMENTO LIVRE E
ESCLARECIDO
Membros
Carlos Vital Tavares Corrêa Lima
Clóvis Francisco Constantino
Dilza Teresinha Ambros Ribeiro
Dirceu Bartolomeu Greco
Elcio Luiz Bonamigo
Elma Zoboli
Gerson Zafalon Martins
Helena Maria Carneiro Leão
José Dimas d’Ávila Maciel Monteiro
José Hiran da Silva Gallo (Coordenador)
José Humberto Belmino Chaves
Josimário Silva
Leonardo Sérvio Luz
Lívia Maria A. K. Zago
Otávio Marambaia dos Santos
Regina Ribeiro Parizi Carvalho
Roberto Luiz d’Ávila
Roberto Wagner Bezerra de Araújo
Rosana Leite de Melo
Rosylane N. das Merces Rocha
Sérgio Ibiapina Ferreira Costa
2. JUSTIFICATIVAS
3. ESBOÇO HISTÓRICO
São raros os registros da existência, na prática médica, de uma relação médico-
paciente baseada em informação, esclarecimentos, participação e manifestação do paciente
quanto à realização, ou não, de procedimentos indicados.
Desde a Antiguidade, observam-se poucos e esparsos relatos e referências de
situações nas quais o paciente era informado e esclarecido sobre procedimentos médicos
que lhe eram indicados. Também pouco consta sobre a consideração e a importância
dadas, pelo médico, à manifestação de vontade do paciente de anuir ao procedimento
recomendado ou de recusá-lo.
Segundo um relato de Platão, em As leis17, os médicos gregos que atendiam a
pacientes da classe dos cidadãos livres respeitavam sua autonomia e somente propunham
tratamentos após oferecerem as informações necessárias e obter seu consentimento.
Descrição semelhante foi apresentada pelo médico bizantino Paulo de Égina, no
século VII, expressando a opinião de que um cirurgião deve conscientizar seu paciente
antes da operação, “presumivelmente para dar ao paciente a oportunidade de recusa”18.
Ao que se conhece, os cirurgiões foram os primeiros a buscar a manifestação de
vontade do paciente de aceder, ou não, ao procedimento, havendo poucas evidências de
que os clínicos tivessem adotado idêntico cuidado.
O primeiro consentimento escrito da história médica mundial teria sido assinado
durante a Idade Moderna, na Turquia, em 153919. O documento não apresentava todos os
dados sobre o procedimento a ser realizado, como se procede atualmente, mas continha o
consentimento escrito do paciente.
É escassa a literatura mundial do século XIX e início do XX sobre o consentimento
esclarecido20. No entanto, registros cirúrgicos e de livros de fraturas de alguns hospitais
estadunidenses da época revelam que, quando os pacientes rejeitavam a cirurgia, não eram
operados por seus médicos.
O consentimento esclarecido surgiu no século XIX, mas passou a ser usado
somente no século XX, sendo poucas as informações sobre sua prática antes dos anos
196021. Mary Schloendorff vs. Society of New York Hospital, em 1914, é reconhecido por
vários autores como marco na jurisprudência do consentimento nos Estados Unidos, após o
juiz Benjamin Cardozo decidir em favor do paciente e afirmar que “todo ser humano adulto e
mentalmente capaz tem o direito de consentir o que será feito no seu próprio corpo” 22. Nos
anos 1950, alguns eventos jurídicos de grande repercussão sucederam ainda nos Estados
Unidos, resultando em mudanças comportamentais na relação médico-paciente. A
expressão informed consent surgiu da decisão judicial do caso Salgo v. Leland Stanford Jr.
University Board of Trustees, em 195722.
Também se observa que os documentos éticos e legais mais expressivos foram
concretizados a partir da década de 1970, coincidindo com a queda dos regimes ditatoriais
na Europa e na América do Sul e com a eclosão das constituições promulgadas de Portugal,
Espanha e Itália, entre outras, além do surgimento do Terceiro Setor e do direito do
consumidor.
A expressão inglesa informed consent vem sendo traduzida e utilizada, entre nós,
como consentimento pós-informação, consentimento consciente, consentimento esclarecido,
consentimento informado ou consentimento livre e esclarecido, que foi a denominação
adotada na elaboração deste documento.
Em seara de pesquisa científica, o Brasil possui um dos documentos mais
expressivos do mundo: a Resolução CNS nº 196/9623, substituída pela Resolução CNS nº
466/1214, que acolheu o consentimento livre e esclarecido como exigência do respeito
devido à dignidade humana em toda e qualquer pesquisa científica envolvendo seres
humanos.
À Unesco deve-se a elaboração de dois importantes documentos sobre bioética: a
Declaração de Bioética e Direitos Humanos15 e o Relatório do Comitê Internacional de
Bioética da Unesco sobre Consentimento Informado16. O primeiro trata do respeito à
dignidade e à autonomia humanas, sob o prisma da pesquisa clínica e da prática médica, da
seguinte forma:
Artigo 6º – Consentimento
1. Qualquer intervenção médica de caráter preventivo, diagnóstico ou
terapêutico só deve ser realizada com o consentimento prévio, livre e
esclarecido da pessoa em causa, com base em informação
adequada. Quando apropriado, o consentimento deve ser expresso e
a pessoa em causa pode retirá-lo a qualquer momento e por
qualquer razão, sem que daí resulte para ela qualquer desvantagem
ou prejuízo.
Artigo 7º – Pessoas incapazes de exprimir o seu consentimento
Em conformidade com o direito interno, deve ser concedida proteção
especial às pessoas que são incapazes de exprimir o seu
consentimento:
(a) a autorização para uma investigação ou uma prática médica deve
ser obtida em conformidade com o superior interesse da pessoa em
causa e com o direito interno. No entanto, a pessoa em causa deve
participar o mais possível no processo de decisão conducente ao
consentimento e no conducente à sua retirada;
A Constituição Federal do Brasil3, nos artigos 5º, XXXII, e 170, V, obriga a
proteção do consumidor, que está qualificada como direito humano fundamental. O Código
do Consumidor10 estabelece os direitos do consumidor, como a informação adequada e
clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade,
características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem
(art. 6º, III).
O Código de Ética Médica5 refere-se ao consentimento livre e esclarecido do
paciente, em diversas oportunidades: qualifica a autonomia do paciente, nas escolhas
referentes à assistência médica, como um princípio deontológico fundamental da ética
médica, e veda, ao médico, deixar de obter consentimento do paciente, ou de seu
representante legal, após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso
de risco iminente de morte.
Assim, o consentimento livre e esclarecido tornou-se prática médica obrigatória,
sob o prisma ético e jurídico, pois receber esclarecimento e informação adequados é direito
fundamental do paciente, estabelecido no mesmo patamar hierárquico da liberdade, da
igualdade e da dignidade humanas.
7.2. Capacidade
É vedado ao médico:
Art. 22. Deixar de obter consentimento do paciente ou de seu
representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser
realizado, salvo em caso de risco iminente de morte. […]
Art. 31. Desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante
legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas
ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte.
Nesse mesmo sentido, a Resolução CFM nº 1.021/80, em seu artigo 2º, diz: "Se
houver iminente perigo de vida, o médico praticará a transfusão de sangue,
independentemente de consentimento do paciente ou de seus responsáveis”.32.
Igualmente, o Código Penal11 tipifica como crime a omissão em prestar
assistência em caso de grave e iminente perigo:
9.1.2. Linguagem
10.1. Emergências
Existem situações em que o paciente não deseja saber, nega a verdade a seu
respeito ou nega-se a decidir, impossibilitando a comunicação do procedimento para a
obtenção do consentimento livre e esclarecido. No entanto, a recusa de receber informação
não significa, necessariamente, negativa de consentimento do paciente. Caso o paciente
prefira que o médico decida, após a obtenção do consentimento, sua atuação guiar-se-á
pelos princípios da beneficência, entre outros que possam estar especificamente indicados
para o caso, como os princípios acessórios da totalidade, do mal menor e duplo efeito, nos
casos mais complexos.
REFERÊNCIAS
11
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21
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de 1948. [acesso 20 nov 2015]. Disponível:
http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm
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111
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121
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20
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http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/1996/Reso196.doc
241
O Estatuto da Criança e do Adolescente considera criança a pessoa até 12 anos de idade
incompletos, e adolescente, aquela entre 12 e 18 anos de idade.
25
Beauchamp TL, Childress JF. Princípios de ética biomédica. São Paulo: Loyola; 2002.
261
Código Civil: “Art. 3º. São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil:
I – os menores de dezesseis anos; II – os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o
necessário discernimento para a prática desses atos; III – os que, mesmo por causa transitória, não
puderem exprimir sua vontade. Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os
exercer: I – os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; II – os ébrios habituais, os viciados
em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido; III – os excepcionais,
sem desenvolvimento mental completo; IV – os pródigos. Parágrafo único. A capacidade dos índios
será regulada por legislação especial. Art. 5º A menoridade cessa aos dezoito anos completos,
quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil. Parágrafo único. Cessará,
para os menores, a incapacidade: I – pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro,
mediante instrumento público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz,
ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos; II – pelo casamento; III – pelo exercício de
emprego público efetivo; IV – pela colação de grau em curso de ensino superior; V – pelo
estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função
deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria.
271
Goldin JR. Consentimento informado em crianças e adolescentes. 8 ago 2000 [acesso em 15 jun
2012]. Disponível: http://www.bioetica.ufrgs.br/conscria.htm
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Zoboli ELCP, Massarollo MCKB. Bioética e consentimento: uma reflexão para a prática de
enfermagem. Mundo Saúde. 2002;26(1);65-70.
29
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30
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31
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32
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fundamentos do Parecer no Processo CFM nº 21/80, como interpretação autêntica dos dispositivos
deontológicos referentes à recusa em permitir a transfusão de sangue, em casos de iminente perigo
de vida. Diário Oficial da União, 22 out 1980; Seção I, parte II.
33
Bonamigo EL. Manual de bioética: teoria e prática. São Paulo: All Print; 2011.
34
Anjos MF. Um novo discurso religioso. In: Pessini L, Siqueira JE, Hossne WS, organizadores.
Bioética em tempos de incertezas. São Paulo: Loyola; 2010.
35
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Conselho Federal de Medicina. Resolução nº 2.057, de 20 de setembro de 2013. Consolida as
diversas resoluções da área da Psiquiatria e reitera os princípios universais de proteção ao ser
humano, à defesa do ato médico privativo de psiquiatras e aos critérios mínimos de segurança para
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também o modelo de anamnese e roteiro pericial em psiquiatria. [Internet]. 2012 [acesso 23 nov
2015]. Disponível: http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2013/2057_2013.pdf