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Ética e Bioética no Cuidado à Saúde e na Alimentação e Nutrição

Conteudista: Prof.ª Carolina Bulgacov Dratch


Revisão Técnico: Esp. Fernanda Trigo

Objetivos da Unidade:

Permitir a compreensão crítico-reflexiva da Ética e da Bioética no cuidado em saúde;

Permitir a compreensão crítico-reflexiva da Ética e da Bioética em relação à alimentação e nutrição;

Apresentar a definição de deontologia;

Permitir a compreensão dos direitos, deveres e limites do exercício profissional;

Possibilitar a análise contextualizadas das causas e consequências das ações praticadas.

ʪ Contextualização

ʪ Material Teórico

ʪ Referências
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ʪ Contextualização

A ética e a bioética fazem parte do sistema de regulação de ações dentro de uma sociedade. Estão intimamente ligadas à moral e aos costumes
praticados, logo, podem ser alteradas conforme os valores de cada sociedade, o tempo em que atuam e a cultura de cada povo. Podemos imaginar
que as questões éticas de povos originários do sudoeste asiático não serão as mesmas que balizam o Brasil, por exemplo. Valores são inerentes à
condição humana e fundamentais para a sociedade, assim, discussões éticas permeiam o mundo e são preocupações de organismos e governos
de vários países, visando a ações que promovam o bem-estar social em nível mundial.

De maneira sucinta, a Bioética pode ser definida como a parte da ética que discute as questões relacionadas à vida humana, inclusive as relações
dos seres humanos com a morte. Desta maneira, faremos uma imersão nas questões de ética e bioética no âmbito da saúde e alimentação
humana.

Pode-se afirmar que todos os seres humanos têm direitos e deveres. Para manter-se vivo, um ser humano necessita de alimentação. Nesse
sentido, podemos nos questionar: seria, então, uma questão de bioética discutir o direito humano à alimentação?
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ʪ Material Teórico

Ética e Bioética no Cuidado à Saúde

Bioética e Humanização do Cuidado em Saúde


Segundo Reich (1995), Bioética é o estudo sistêmico das dimensões morais – incluindo visão moral, decisões, condutas e políticas – das
ciências da vida e atenção à saúde, que utiliza uma variedade de metodologias éticas em um cenário interdisciplinar. A moral estabelece as regras
a serem assumidas pelos seres humanos, no âmbito social, para garantir tanto seu bem-estar, quando a boa convivência. Assim podemos
almejar que todos sejam tratados da mesma maneira, ou seja, de uma maneira ética.

Figura 1
Fonte: Getty Images

Se dividirmos a palavra “bioética”, teremos bios – vida e ethos – ética, ou seja, a ética relacionada à vida. Suas reflexões dizem respeito a
conceitos como autonomia, beneficência, justiça e respeito à vida. Vejamos cada um desses conceitos de maneira mais aprofundada.
Quando falamos de autonomia, na Bioética, estamos nos referindo ao direito que qualquer cidadão tem, ao ser assistido, sobre si e sobre sua
liberdade de escolha e poder de decisão. Para isso, ele precisa estar munido de informações sobre sua condição. Beneficência pode ser definido
como um princípio que impõe, ao profissional da saúde, o dever de promover o bem ao paciente por meio do desempenho correto de suas
funções, tornando o atendimento humanizado. A justiça em Bioética tem a função de garantir o direito das pessoas terem suas necessidades de
saúde atendidas sem preconceitos ou segregações sociais. Por último, o respeito à vida determina que não se infrinja mal algum a outro ser
humano, de maneira intencional, no atendimento de saúde.

Com o avanço da ciência, os estudos a respeito de Bioética, bem como as discussões acerca do tema, foram se ampliando. Questões que poderiam
parecer impossíveis para Aristóteles como, por exemplo, a fertilização in vitro, barriga de aluguel, clonagem humana e outros tantos avanços no
campo genético não são mais impensáveis. Nesse sentido, os parâmetros da Bioética precisaram se ajustar, para dar respostas mais precisas a
estas questões.

No cuidado à saúde, os conceitos da Bioética se aplicam de maneira plena. São eles que estabelecem a ligação entre o conhecimento científico,
que tanto beneficia os seres humanos, com o conhecimento humano, que também beneficia a ciência. Ele estabelece que as pesquisas e a
atenção à saúde são feitas por humanos para humanos e prevê que o respeito à vida seja prioritário.

A Resolução n. 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde determina as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres
humanos. Esta resolução dispõe sobre questões de Ética e Bioética no âmbito da saúde, estabelecendo parâmetros para atuação correta de
profissionais de saúde e pesquisadores.

Ainda em relação ao atendimento em saúde, importa-nos conhecer algumas influências que levaram a definições fundamentais da Bioética. Nos
primeiros anos de atuação médica, na Grécia Antiga, a estrutura social era bastante estratificada e as pessoas tinham atendimento diferenciado
de acordo com a “casta” a que pertenciam. Prisioneiros e escravos, por exemplo, não tinham direitos e inclusive não havia atendimento de saúde
para essas pessoas. Como a preocupação com a manutenção da saúde e as descobertas da medicina haviam sido recentes, os médicos eram
considerados seres dotados de poderes divinos, já que eram decisivos para avida e morte dos seres humanos, sendo, por isso, comparados aos
sacerdotes.

Essa perspectiva gerou o que hoje conhecemos como paternalismo, prática na qual pacientes eram considerados filhos, ou eram vistos como sob
custódia dos médicos, gerando um tipo de atendimento que previa que o médico detinha todo o saber para cura ou melhoria da saúde e cabia aos
pacientes aceitar tudo o que fosse dito. Além dos médicos, essa cultura de endeusamento abarcou diversas outras profissões da saúde. Todavia, a
postura paternalista, que pode ser vista inclusive nos dias atuais, leva à perda de autonomia por parte dos pacientes.

Outro fator histórico de grande influência nas práticas da área da saúde é o cartesianismo, que advém dos estudos de René Descartes no século
XVII. De acordo com Junqueira (2011), o cartesianismo, ou método cartesiano, dividiu a ciência em partes para melhor compreensão do todo, e
isso se refletiu nas ciências da saúde e suas conhecidas especializações. A especialização conduziu os profissionais de saúde a serem
especialistas em determinadas áreas, porém isso gerou graves consequências no entendimento do ser humano como um todo, ou seja, um ser
com diversas partes que formam um corpo que, além de biológico, químico e físico, é também sentimental, sensível, político e social.

Ainda segundo o autor, o foco na doença, ocasionado pelos estudos de microbiologia de Louis Pasteur e Robert Koch no século XIX, também
trouxe reflexos no trato ao paciente, criando maior ênfase nas doenças e dificultando a visão holística do ser humano.

Todos estes aspectos históricos tiveram grande influência no modo como observamos e desempenhamos o atendimento em saúde atualmente.
Muitos estudos e discussões têm sido travadas a fim de facilitar mudanças no campo da saúde que reflitam em maior qualidade de vida aos
pacientes e maior ética aos profissionais. Por este motivo nos importa conhecer mais sobre Bioética para que possamos compreender as
necessidades frente ao atendimento a seres humanos.

Dilemas Bioéticos na Atenção à Saúde


Nem tudo que é tido como cientificamente correto pode ser bioeticamente aceito. A atenção à saúde traz inúmeras reflexões acerca de como se
deve agir sem interferir na dignidade da pessoa humana. É importante saber os parâmetros que serão utilizados nesse atendimento, de maneira
que ele cumpra seu objetivo sem ferir as questões humanas primordiais. A formação do ser humano engloba uma série de pontos. Somos seres
holísticos, ou seja, formados por diversas esferas, como social, psicológica, biológica, espiritual, física, entre outras. Isso faz da Bioética um
campo de atuação multidisciplinar, no qual diversos profissionais estão unidos na busca por conceitos éticos para tratar problemas da vida
humana e sua manutenção.

Figura 2
Fonte: Getty Images

Os ensinamentos de Hipócrates sobre Medicina nortearam todas as áreas de atuação de profissionais de saúde. O juramento hipocrático,
utilizado até hoje como base para o juramento de diversas profissões, diz: “aplicarei os regimes para o bem do doente segundo o meu poder e
entendimento, nunca para causar dano ou mal a alguém” (CREMESP, 2019). Alguns dos pilares que baseiam o atendimento à saúde são:

Falar a verdade;

Respeitar a privacidade;

Proteger informações confidenciais;

Ter consentimento para intervenções (do paciente ou, em caso de impossibilidade, da família);

Esclarecer dúvidas para que pacientes possam tomar as melhores decisões;


Reconhecer as diferentes necessidades;

Promover o bem-estar do paciente;

Ser justo e ético.

Saiba Mais
Hipócrates é considerado o pai da Medicina. Em seu livro sobre epidemia, que data de 430 a.C., elencou um
preceito sobre o atendimento em saúde que pode ser considerado um preceito da Bioética: “pratique duas
coisas ao lidar com as doenças: auxilie ou não prejudique o paciente”.

Ao falarmos em atendimento ético na atenção à saúde, cabe citar o conceito estabelecido na política pública brasileira:

“A Atenção Básica considera o sujeito em sua singularidade, na complexidade, na integralidade e na inserção sociocultural e

busca a promoção de sua saúde, a prevenção e tratamento de doenças e a redução de danos ou de sofrimentos que possam

comprometer suas possibilidades de viver de modo saudável.”

- BRASIL, 2006, p. 10

Há diversos dilemas éticos no que diz respeito ao atendimento em saúde. Podemos elencar entre os principais: a família, o sigilo das informações
de saúde, as pesquisas biológicas, a relação com outros profissionais de saúde, a fertilização in vitro, os cuidados paliativos, o aborto, as
pesquisas em animais, a eutanásia, a equidade social, entre outros. Todas estas questões trazem dúvidas relacionadas ao modo correto de agir,
não só entre os profissionais de saúde, mas em toda a sociedade. A fertilização in vitro é um bom exemplo dessa situação. O primeiro bebê fruto
de fertilização nasceu em 1978, na Inglaterra. A partir dos estudos e avanços desta técnica, muitas questões éticas surgiram, como por exemplo:
possibilidade da doação de espermatozoides, óvulos, pré-embriões e embriões; uso de barriga de aluguel; escolha do sexo do bebê; escolha de um
embrião em detrimento do outro; congelamento de embriões e seu destino após a fertilização e, nos dias atuais, o uso dos embriões para doação
de células tronco ou o nascimento de um feto para doar órgãos para um parente próximo compatível.

Nesse sentido, uma maneira de garantir que se cumpram vários preceitos da Bioética é manter a perspectiva de que o ser humano é único e deve
ser tratado dessa maneira. Assim, profissionais aliados a outros pilares éticos e norteados pela dignidade, inerente ao ser humano, podem
preservar a vida sem ferir ao outro ou a sua profissão. Por isso, devemos estar atentos à influência de padrões pré-estabelecidos, que possam ter
sido passados de geração para geração, e que interferem na tomada de decisões a respeito do atendimento em saúde. Também devemos estar
atentos para que nossas ações sejam orientadas por princípios éticos, para que possamos estabelecer um atendimento humano e digno aos
nossos pacientes. Segundo Cilene Rennó Junqueira:
“Se esse processo de construção da reflexão Ética/Bioética, que parte do entendimento do fundamento bioético e se segue

pelo respeito aos seus princípios, for seguido, as respostas sobre como agir eticamente diante de um conflito ético, ou de

uma situação clínica nova (ou diferente), surgirão naturalmente”

- JUNQUEIRA, 2011a, p. 22

Bioética em Cuidados Paliativos


Assim como já discutimos o conceito de bioética, cabe esclarecer a concepção de cuidados paliativos. Paliar deriva da palavra latina pallium, termo
que nomeia o manto que os cavaleiros usavam para se proteger das tempestades pelos caminhos que percorriam ou nas lutas e batalhas.
Portanto, pode-se considerar o significado de paliar, como proteger. Proteger alguém é uma forma de cuidar, tendo como objetivo amenizar a
dor e o sofrimento, sejam eles de origem física, psicológica, social ou espiritual. Assim, conforme indica a Academia Nacional de Cuidados
Paliativos, se você ouvir que alguém é passível de cuidados paliativos, não há o que temer.

Figura 3
Fonte: Getty Images

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), os cuidados paliativos consistem na assistência ativa e integral a pacientes cuja doença
não responde mais ao tratamento curativo. Seu principal objetivo é garantir melhor qualidade de vida tanto para os pacientes quanto para seus
familiares. Os cuidados paliativos destinam-se a controlar a dor e demais sintomas, evitando assim o sofrimento do paciente.

Definições mais antigas de cuidados paliativos tinham como premissa o cuidado em pacientes terminais e pacientes que apresentassem
enfermidade não tratáveis ou em estado avançado. Hoje o conceito de cuidados paliativos se ampliou, especialmente entre aqueles que acreditam
que as ciências em saúde evoluíram com pesquisas e discussões. Assim, segundo a ANCP, os cuidados paliativos passaram a ser compreendidos
como a prática de aliviar o sofrimento e melhorar a qualidade de vida do paciente e de seus familiares. O tratamento paliativo deve ser fornecido
ao paciente independentemente do estágio em que a doença se encontra e das reais chances de cura, para minimizar o sofrimento e oferecer
dignidade ao paciente.

Estudos da ONU afirmam que o Brasil ainda é um país com poucos cuidados paliativos relacionados aos seus pacientes com doenças graves. Esse
tema virou um tabu no meio médico, por ser diretamente relacionado à morte ou a doenças sem cura, o que causa uma trava no trato dos
cuidados aos pacientes.

O Gráfico 1 representa um ranking de países que oferecem cuidados paliativos de saúde, segundo pesquisa realizada pelo Economist Intelligence
Unit. O Brasil se encontra em 38º, entre 40 países, o que nos coloca em uma posição delicada no que diz respeito ao trato ao paciente que
necessita de cuidados paliativos.

Figura 4
Fonte: Adaptada de Economist Intelligence Unit, 2015

Os cuidados paliativos são importantes porque além de levarem o máximo de bem-estar aos pacientes, também reduzem gastos com saúde
pública e gastos associados à internação em hospitais.

A Bioética se alia aos cuidados paliativos pois seus pilares são fundamentados na beneficência ou não malevolência, ou seja, evitar o sofrimento
dos pacientes. Logo, de maneira ética, os cuidados em saúde devem almejar o menor sofrimento possível, investindo, portanto, em um
atendimento humanizado, respeitoso e que traga ao paciente maior qualidade de vida possível, bem como a seus familiares.

É importante salientar que os cuidados paliativos não são o abandono do processo curativo ou terapêuticos, sendo tão somente mais uma
ferramenta de apoio no cuidado à saúde. Esse princípio deverá seguir, sempre, os princípios bioéticos elencados anteriormente, dando
autonomia ao paciente e informação para que ele possa opinar efetivamente sobre seu tratamento e tomar decisões pautadas nessas
informações.

Outro estudo importante, realizado também pelo Economist Intelligence Unit, que pode nortear as questões de Bioética a respeito dos cuidados
paliativos é sobre a qualidade de morte de pacientes. O Brasil encontra-se ainda mais abaixo nas estatísticas sobre esse aspecto, o que demonstra
que os cuidados paliativos ainda têm um longo caminho para seu desenvolvimento quando se pensa em atendimento de saúde.
Figura 5
Fonte: Adaptada de Economist Intelligence Unit, 2007

Como vimos acima, os cuidados paliativos não se restringem a pacientes terminais, mas também englobam estes casos. Neles, o atendimento
ético ganha contornos ainda mais fortes. Podemos discutir alguns dos conceitos e questões que norteiam essa área:

Eutanásia: é o ato intencional de proporcionar a alguém uma morte indolor para aliviar o sofrimento causado por uma doença
incurável e dolorosa.

Esse conceito traz muitas questões éticas à tona, com relevância na área social, biológica e,
principalmente, religiosa. O ato de tirar a vida de outro ser humano, ainda que com seu
consentimento, sempre gerou questões éticas em todas as sociedades e ainda fomenta muitas
discussões;

Distanásia: significa o prolongamento exagerado do processo de morte. Pode também ser empregado como sinônimo de
tratamento inútil.

Na Europa, esse conceito é tratado como obstinação terapêutica, ou seja, são empregados todos
os meios terapêuticos para que o paciente se mantenha vivo. Já nos Estados Unidos se
considera a distanásia uma futilidade médica. As principais questões de Bioética relacionadas
a essa prática é até que ponto se deve ou se pode manter um paciente vivo e quais meios devem
ser utilizados para esse fim;

Mistanásia: relaciona-se à omissão de socorro estrutural, normalmente direcionada às camadas mais vulneráveis da
sociedade.

A precariedade nos serviços de saúde, em diversos países, leva à reflexão sobre quais as
condições e chances de determinadas populações terem cuidados efetivos em saúde e estes
fatores afetam de maneira incisiva a qualidade de vida e longevidade dessas populações. Nesse
sentido, há uma grande questão ética envolvida: de quem é o dever de cuidar financeiramente
da saúde de uma população e quanto é necessário ser investido neste cuidado?;

Ortotanásia: são cuidados dedicados a pacientes que receberam diagnóstico de doenças não tratáveis, de maneira a melhorar
sua qualidade de vida e não interferir de maneira incisiva no prolongamento da vida, ou seja, possibilitar a morte em seu ritmo
e circunstâncias próprias.

Diferente do conceito de eutanásia, que pretende abreviar o sofrimento, a ortotanásia pretende promover dignidade no atendimento às
necessidades do paciente em seus últimos momentos de vida.

Os cuidados paliativos, no Brasil, ainda são um setor que demanda atenção, informação e investimentos. Eles podem auxiliar a promover os
direitos de pacientes, ocasionando o maior bem-estar possível, tanto em situações de doenças terminais quanto no tratamento de doenças
graves. A discussão social em torno desse tema envolve questões de Bioética, mas traz à tona melhorias para toda a sociedade.

Figura 6

Reflita
Ainda que em alguns países a eutanásia seja considerada cuidados paliativos, no Brasil ela é considerada
crime. No que se baseia o fato de não haver eutanásia no Brasil?

Ética e Bioética Relacionadas à Alimentação e à Nutrição


Se alimentar é uma condição inerente ao ser humano. Diversas discussões acerca do direito à dignidade permeiam discussões relacionadas à
alimentação, que podem levantar questões como: Quando necessitamos nos alimentar? Como devemos nos alimentar? Quem é responsável pelo
fornecimento de alimentos ao ser humano?

Além das questões de sobrevivência, há outros temas relevantes a respeito da ética e a alimentação e nutrição humanas. Entre eles, podemos
apontar os alimentos transgênicos e os agrotóxicos, a criação e o abate de animais para consumo humano, as alergias e intolerâncias
alimentares, a fome, as políticas públicas, a segurança alimentar e nutricional, a cultura e a religiosidade, a industrialização e a propaganda de
alimentos, a rotulagem, a relação da alimentação com doenças crônicas não transmissíveis e os agravos de saúde. São muitos os assuntos que
podem ser levantados quando tratamos de alimentação e nutrição, e todos eles têm suas implicações bioéticas.

Você Sabia?
Que o Brasil é o sétimo país no ranking mundial de uso de agrotóxicos? Segundo dados do Ibama,
divulgados pela Revista Pesquisa da FAPESP, em 2017, os agricultores brasileiros usaram cerca de 50% de
agrotóxicos a mais que em 2010.

Bioética e o Direito Humano à Alimentação Adequada


Ao se discutir os Direitos Humanos é importante citar a Declaração Universal dos Direitos Humanos, documento promulgado pela Assembleia
Geral das Nações Unidas, no ano de 1948. Nele, a dignidade é reconhecida como inerente ao ser humano, que é compreendido como possuidor de
direitos iguais e intransferíveis, ou seja, inalienáveis. Esse pensamento norteou uma série de direitos fundamentais pelo mundo, em diversos
povos, garantindo paz e justiça. A partir deste princípio, foram elencados os direitos fundamentais que garantem o bem-estar social dos
indivíduos.

A Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos (DUBDH) prevê, entre outros assuntos, que os avanços e progressos científicos e
tecnológicos devem promover o acesso a alimentação e água adequadas, garantindo assim a manutenção da vida. Nesse sentido, no Artigo 14, a
Declaração determina que cabe ao poder público a responsabilidade pelas questões sociais e de saúde. É especialmente por esse aspecto que a
Bioética se relaciona ao Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA).

DHAA é compreendido como:

“Direito humano inerente a todas as pessoas de ter acesso regular, permanente e irrestrito, quer diretamente ou por meio de

aquisições financeiras, a alimentos seguros e saudáveis, em quantidade e qualidade adequadas e suficientes,

correspondentes às tradições culturais do seu povo e que garanta uma vida livre do medo, digna e plena nas dimensões física

e mental, individual e coletiva.”

- ONU, 2012
Esse direito é garantido pela nossa Constituição de 1988, que, ao elencar direitos fundamentais, ficou conhecida como Constituição Cidadã.

Portanto, podemos perceber que toda a sociedade está diretamente relacionada à garantia do direito à alimentação. Esse direito se relaciona
intimamente com a segurança alimentar e nutricional, que estabelece parâmetros para a boa alimentação e nutrição humanas. Cabe a cada país,
em seus estados e municípios, estabelecer políticas que possam garantir o DHAA, bem como outros direitos fundamentais.

Figura 7

É importante definirmos o conceito de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN):

“Consiste na realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade sufi

ciente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de

saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam social, econômica e ambientalmente sustentáveis.”

- BRASIL, 2006

No Brasil, temos uma política nacional de SAN que norteia as ações neste campo e que influencia diretamente o DHAA. A sociedade civil está
envolvida nessa política pública, por meio da participação em conselhos de saúde e de segurança alimentar e nutricional por todo o País, com
discussões que promovem a alimentação adequada e o enfrentamento da fome.

Ainda sobre a SAN, vale acrescentar que são realizadas discussões/reuniões abertas ao público, com o objetivo de verificar a opinião da população
e garantir que ela esteja informada sobre o que é proposto.

Bioética na Produção e no Acesso aos Alimentos


No tocante à produção e ao acesso ao alimento, podemos destacar alguns aspectos que são de suma importância nas discussões que se
relacionam com Bioética, Alimentação e Nutrição e o Direito Humano à Alimentação Adequada:

Figura 8
Fonte: Getty Images

Acesso ao alimento: como se dá o acesso dos povos aos alimentos, no Brasil e no mundo? Essa questão concerne ao
pensamento de equidade e de justiça social que baseiam os direitos fundamentais;

Segurança dos produtos alimentares: não bastaria aos governantes e à indústria de alimentos fornecer somente alimentos,
mas permear esse fornecimento por meio de ferramentas que garantam alimentos seguros, em todos os aspectos;

Segurança dos alimentos para animais e bem-estar animal: pode até parecer estranho que a alimentação dos animais e seu
bem-estar possam estar elencados entre as questões bioéticas, mas se pensarmos que fazemos deles nossos alimentos e que
eles são seres vivos e merecedores de respeito, esses cuidados se unem e podem gerar discussões e preocupações com a
qualidade dos alimentos que consumimos;

Aspectos morais e éticos: a distribuição de alimentos no mundo, o mercado de alimentos e as políticas públicas, por exemplo,
devem passar pelos crivos éticos, para que se possa garantir que todas as pessoas tenham acesso justo e igualitário aos
alimentos que necessitam para manter sua saúde;

Aspectos legais: são as maneiras jurídicas de garantir, através de leis, decretos, resoluções e instruções normativas, por
exemplo, que os cidadãos de um determinado país obtenham o direito à alimentação e à segurança alimentar de que precisam;

Rotulagem de alimentos: talvez esse possa ser o quesito mais estranho a se imaginar como garantia ao DHAA, mas a partir dele
podemos saber o tipo de comida que estamos consumindo e, assim, por meio de informações claras e seguras, escolher que
tipo de alimentos queremos ingerir;
Agrotóxicos e transgenia: a regulação do uso e tipos de agrotóxicos permitidos em um país determinam a qualidade da
alimentação que sua população terá. Sendo assim, é de suma importância que, de maneira ética, possamos opinar e refletir a
respeito deste assunto junto às esferas governamentais. Assim também acontece com os transgênicos, sobre os quais se deve
ter um amplo debate público e estudos para que possam garantir SAN.

Todos esses assuntos têm implicações no campo da nutrição e devem ser pauta de estudos e discussões que possam promover bases sólidas para
a garantia do DHAA, a SAN e, inclusive, o bom desempenho das atividades profissionais relacionadas a este campo.

Bioética no Consumo e na Publicidade de Alimentos


No âmbito da comensalidade também estão envolvidas questões de bioética. Se nos pautarmos pelo princípio da autonomia, que a própria
Bioética garante, compreenderemos que cada ser humano deve poder escolher com quais alimentos gostaria de compor sua refeição. No entanto,
tal ideia não pode ser alienada do direito à informação, de modo que cabe aos profissionais de saúde e ao poder público (através de políticas
públicas) informar a sociedade sobre os princípios de uma boa alimentação. No campo da Nutrição, estes são os princípios da Educação
Alimentar e Nutricional, que deve permear desde o atendimento básico de saúde, até as ações de políticas públicas relacionadas a alimentação e
nutrição. Com acesso à informação de qualidade, o ser humano pode ter a capacidade de decidir e escolher quais alimentos são mais favoráveis ao
seu corpo. Assim entramos inteiramente no campo da Ética.

Ainda assim, é preciso considerar que há uma série de fatores que interferem nas decisões dos seres humanos, que nem sempre poderão se
basear naquilo é bom ou ruim para ele. O acesso aos alimentos, por exemplo, também será um fator decisivo no consumo, pois depende de
questões que muitas vezes estão acima das escolhas pessoais, como os meios de produção e distribuição de alimentos, os sistemas
agroalimentares e as políticas públicas de alimentação. Outra instância que pertence ao campo da ética na área da alimentação é a publicidade,
que influencia de maneira efetiva as escolhas alimentares da população, podendo levá-la a opções que não são as mais recomendadas por
profissionais de saúde.

Cada país tem seus meios efetivos de regulação em propaganda, para proteger a sociedade e nortear a promoção e divulgação de alimentos. No
Brasil, a principal regulação à propaganda de alimentos diz respeito aos produtos destinados a crianças. O país dispõe da NBCAL (Norma
Brasileira de Comercialização de Alimentos para Lactentes e Crianças de Primeira Infância, Bicos, Chupetas e Mamadeiras). Neste documento,
encontram-se as diretrizes para a comercialização e a proibição de determinadas ações no campo dos alimentos infantis. Porém, muitas
discussões sociais revelam o descumprimento da norma, como as promoções expostas em grandes cartazes, em supermercados ou farmácias,
de “compre 2, leve 3” para fórmulas artificiais, o que é proibido por lei.

Outros dois pontos importantes a respeito desse conjunto de normas é a proibição de propaganda em televisão de chupetas e mamadeiras e a
necessidade do aviso, em rótulos de fórmulas lácteas artificiais, sobre a importância do aleitamento materno. O Brasil conta ainda com a Lei nº
11.265/06 e Lei nº 8.552/15, referentes à regulação de alimentos e alimentos infantis. Ambas preveem a proibição da distribuição de amostras de
fórmulas infantis, mamadeiras ou chupetas, além da distribuição gratuita destes produtos. Vale lembrar que, nas décadas de 1970/1980, este tipo
de “propaganda” de alimentos infantis era muito comum, sendo os mesmos distribuídos em maternidades, no momento da alta hospitalar de
mães e bebês.

As discussões permeiam a sociedade civil, com a participação de atores sociais em ações no âmbito de conselhos de segurança alimentar e
nutricional, como o CONSEA (Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional), por exemplo. Estes grupos discutem temas como a
regulação da propaganda de alimentos, rotulagem, ações de educação alimentar e nutricional e a participação do governo na regulação da
indústria alimentícia. Essas discussões são importantes, uma vez que garantem maior acesso à informação de qualidade a respeito dos
alimentos, além de promoverem escolhas alimentares que gerem melhor qualidade de vida às populações.
Reflita
Se tivermos pouco dinheiro para gastos com alimentação, isso será uma influência nas nossas escolhas
alimentares?

Podemos perceber que existem muitos fatores relacionados à alimentação, que por si só é multifatorial, sendo, nesse sentido, uma ação muito
mais complexa do que a simples ingestão de alimentos. Portanto, uma maneira ética de se relacionar com pacientes, para todos os agentes de
promoção da saúde, é conhecer todos os aspectos bioéticos que suas ações podem envolver, criando, assim, o direito a um atendimento que vise
à saúde e que não fira nenhum dos direitos que os pacientes têm em relação a sua própria vida.

Reflita
A propaganda na área da alimentação pode influenciar as escolhas alimentares da população?

Dilemas Bioéticos em Alimentação e Nutrição


Num mundo em que a produção de alimentos é abundante, se deparar com situações de total insegurança alimentar ou de fome são ultrajantes.
Mas não são somente estes os dilemas que envolvem alimentação e nutrição e os conceitos de Bioética. Cirurgias, enfermidades graves ou com
comprometimento de capacidade cognitivas ou de trato gastrointestinal, estudos patrocinados por indústrias com interesse no assunto em foco,
propagandas da indústria alimentícia, uso de agrotóxicos e sementes transgênicas e alimentação como cuidado paliativo são algumas das
questões bioéticas que podem ser encontradas ao longo da carreira do profissional de saúde e cujas discussões precisam ser pautadas no campo
da ética.

No entanto, é de responsabilidade do setor público a defesa dos seus entes mais vulneráveis, estabelecendo patamares de atuação e regulação,
sempre visando à garantia dos direitos fundamentais. No campo da Bioética, o estudo da Bioética de Intervenção e do Princípio de
Responsabilidade casa perfeitamente com o poder de ação do Estado, na proteção de seus cidadãos no que diz respeito à alimentação e à nutrição.
A atuação do Estado pode relacionar-se a diferentes campos, como atuação de profissionais, atuação de indústrias de alimentos ou medicamento
(suplementos e dietas enterais e parenterais), propagandas na área da alimentação, principalmente no que concerne a crianças e adolescentes,
na atenção básica à saúde e aos cuidados paliativos, ou ainda na aplicação do Direito Humano à Alimentação Adequada. É importante que em
todos esses campos tenha-se em mente a preocupação de estabelecer um diálogo plural, que possa galgar frutos norteadores para solução de
questões éticas relacionadas à alimentação humana.

Somente com a ampla discussão destes assuntos poderemos garantir, de maneira efetiva, que se cumpra o seguinte preceito básico de segurança
alimentar:
“A segurança alimentar e nutricional significa garantir, a todos, condições de acesso a alimentos básicos de qualidade, em

quantidade sufi ciente, de modo permanente e sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, com base em

práticas alimentares saudáveis, contribuindo, assim, para uma existência digna, em um contexto de desenvolvimento

integral da pessoa humana.”

- LOSAN, 2006, p. 4

Vídeos
Muito Além do Peso
Assista ao trailer do documentário a seguir, com direção de Estela Renner. O documentário trata de
problemáticas que envolvem a alimentação humana e a Bioética.

Muito Além do Peso - Trailer

Em Síntese
Discutimos ética e bioética em diversos aspectos, desde os cuidados com saúde, humanização e
atendimento humano, até questões de bioética relativas à alimentação humana e seus dilemas. Assim,
respondendo nossa pergunta norteadora inicial, podemos dizer que tem tudo a ver discutir o Direito à
Alimentação no campo da Bioética, pois ele envolve uma condição de sobrevivência do ser humano e,
portanto, deve ser garantido.

Por fim discutimos dilemas bioéticos em alimentação que passam por áreas clínicas, de consumo de
alimentos, plantio e venda, bem como passam pelas questões de regulação da publicidade de alimentos,
que devem garantir a saúde e o bem-estar da população, visto que a propaganda é um dos fatores que pode
influenciar as escolhas da população no que se refere à alimentação.

Deontologia no Exercício Profissional

Deontologia e Profissão
De acordo com o Artigo 23 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, “todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego,
a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego” (1948, p. 12).
Figura 9
Fonte: Getty Images

De acordo com o art. 5º da Constituição Federal Brasileira (CF), norma soberana que estabelece os direitos e os deveres dos cidadãos brasileiros,
o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão deve atender às normativas específicas relativas às qualificações do exercício
profissional.

Para estudarmos a relação entre deontologia e profissão, é importante, primeiro, definir tais conceitos. Considera-se como profissão, o ofício ou
uma modalidade de atividade praticada por um indivíduo, remunerada ou não, em um local de trabalho, ou ainda um ramo de serviço ou setor de
uma organização. Além disso, toda profissão se reveste de uma dimensão social, de utilidade comunitária, que supera a concreta dimensão
individual ou o mero interesse particular. Já deontologia, de forma mais precisa, pode ser definida como um conjunto de regras de uma
profissão, estabelecidas por uma organização profissional, que se torna a instância de elaboração, de prática, de vigilância e de aplicação destas
regras.
Atualmente, estas regras se traduzem por meio dos Códigos Deontológicos, os quais descrevem um conjunto de normas, comportamentos,
direitos, deveres e limites de uma comunidade profissional, de forma a defender os interesses da comunidade, salva guardar o profissional e
honrar a profissão.

A necessidade de um código deontológico advém de algumas características inerentes ao avanço da sociedade, como a ampliação do ambiente
tecnológico mundial e a necessidade de se manter relações profissionais de confiança e a reputação da classe profissional em face das
complexidades do mundo atual.

O primeiro código deontológico foi elaborado em meados do século XX, nos Estados Unidos e foi destinado à área médica.

Na nutrição, o primeiro Código de Ética do Nutricionista foi publicado no ano de 1981. Após essa data, foram publicados outros três, descritos no
quadro abaixo:

Quadro 1 – Histórico de Publicação dos Códigos de Ética do Nutricionista

Número da Resolução Descrição

Dispõe sobre o Código de Ética Profissional do Nutricionista e dá outras


24/1981
providências.

Dispõe sobre o Código de Ética Profissional do Nutricionista e dá outras


141/1993
providências.

334/2004 Dispõe sobre o Código de Ética do Nutricionista e dá outras providências.

Aprova o Código de Ética e de Conduta do Nutricionista e dá outras


599/2018
providências.

Fonte: Adaptado de CFN, 2019

O nutricionista é um profissional de saúde que atende aos princípios da ciência da Nutrição, contribuindo para a saúde dos indivíduos e da
coletividade nas diversas áreas de atuação profissional, buscando continuamente o aperfeiçoamento técnico-científico, pautando a sua conduta
nos princípios éticos, na Bioética, nos Direitos Humanos Universais e na Constituição Federal. É uma obrigação do nutricionista atender às
normativas gerais impostas aos cidadãos, de responsabilidades civil e penal, às responsabilidades pertinentes ao exercício profissional
estabelecidas pelo Estado e às responsabilidades específicas delegadas por órgãos profissionais, sobretudo referentes às responsabilidades
técnicas e éticas (BRASIL, 1991). A transgressão a qualquer das responsabilidades pode acarretar sanções de natureza jurídica e ético-
disciplinares (CFN, 1978).

Saiba Mais
O primeiro Código de Ética do Nutricionista foi publicado em novembro de 1981 e dispunha de apenas 11
artigos. O Código atual é o Código de Ética e de Conduta do Nutricionista e dispõe de 100 artigos.
Deontologia e Relação com os seus Pares e Colegas De Profissão
Referente à relação do nutricionista com os seus pares e colegas de profissão, a Resolução CFN n. 599/2018, que “Aprova o Código de Ética e de
Conduta do Nutricionista”, traz um capítulo específico sobre as Relações Interpessoais, voltado para orientar o nutricionista nas relações com
outros profissionais, pacientes, clientes, usuários, estudantes, empregadores, empregados, representantes de entidades de classe e outros
sujeitos, durante o exercício profissional, conforme pode ser visto a seguir:

Tabela 1

Artigo Observação

Esse artigo trata de um direito do nutricionista em realizar denúncia de um ato


27 contra si ou qualquer pessoa que possa caracterizar agressão, assédio, humilhação,
discriminação, intimidação, perseguição ou exclusão.

Esse artigo trata de um dever do nutricionista como líder e fala sobre a conduta
28 respeitosa que o profissional deve ter para com todos, sem se prevalecer da posição
ocupada.

Esse artigo proíbe o nutricionista de praticar atos desrespeitosos contra qualquer


29
pessoa.

Esse artigo proíbe o nutricionista de manifestar posições depreciativas ou


30
difamatória quanto a atuação de nutricionistas ou de outros profissionais.

Fonte: Adaptada de CFN, 2019

Deontologia e Relação com Clientela Profissional/Usuários dos Serviços Profissionais


O relacionamento interpessoal do nutricionista com a clientela profissional/usuários dos serviços é fundamental para estabelecer uma relação
de confiança e respeito. Desta forma, a Resolução CFN n. 599/2018 também será a responsável por orientar as relações com a clientela e com os
usuários do serviço.

Podemos considerar que relações pessoais também são norteadas pelos Princípios Fundamentais do Código de Ética e de Conduta do
Nutricionista, quando se descreve que a atuação do nutricionista deve ser pautada nos Direitos Humanos, na Bioética, na Constituição Federal, na
defesa do Direito à Saúde e do Direito Humano à Alimentação Adequada e da Segurança Alimentar e Nutricional; no respeito à vida, às dimensões
culturais e religiosas, de gênero, de classe social, raça e etnia, à liberdade e diversidade das práticas alimentares, sem discriminação de qualquer
natureza em suas relações profissionais (CFN, 2018).
Figura 10 – Relação do nutricionista com a clientela profissional/usuários dos serviços
profissionais
Fonte: Getty Images

Códigos de Ética e de Conduta Profissionais


Podemos considerar que os Códigos de Ética e de Conduta profissional são como bússolas. Isso significa que os códigos servem como uma
orientação profissional. Eles norteiam e conduzem cada indivíduo para uma atuação pautada em princípios éticos.

Definição de Código de Ética e de Conduta Profissional


Para entendermos a importância dos códigos de ética e de conduta, definiremos, separadamente, os conceitos de ética e de conduta. Ética é a
reflexão filosófica a respeito da moral. Portanto, utiliza o rigor conceitual e os métodos de análise da Filosofia. Conduta é a manifestação do
modo como um indivíduo, ou grupo, se comporta perante a sociedade, tendo como base suas crenças, culturas, valores morais e éticos. Desta
forma, podemos compreender que o Código de Ética e de Conduta Profissional é conjunto de regras para orientar e disciplinar a conduta de um
determinado grupo de pessoas de acordo com os seus princípios.

A palavra conduta foi inserida no escopo do Código de Ética do Nutricionista em sua última versão, publicada no Diário Oficial da União em 04 de
abril de 2018. A contemplação e validação do temo “ética e conduta” foram considerados importantes avanços no âmbito teórico-filosófico para
a categoria, uma vez que as questões de direitos e deveres descritas no Código normatizam a conduta do nutricionista e os princípios
fundamentais convidam-no ao exercício da reflexão e da criticidade no campo de atuação no qual está inserido.

O processo de construção da Resolução CFN n. 599/2018, que “Aprova o Código de Ética e de Conduta do Nutricionista”, se deu por meio de uma
política de construção coletiva, que compreendeu um período de quatro anos (2014-2018) e contou com a participação de nutricionistas,
estudantes de nutrição, advogados e filósofos (CFN, 2018).

Quadro 3 – Apresentação dos Código de Ética das Profissões de Saúde

Área da Saúde Código

Resolução CFN n. 599/2018 “Aprova o Código de Ética e de Conduta do


Nutrição
Nutricionista”.

Medicina Resolução CFM n. 2.217/2018 “Aprova o Código de Ética Médica”.

Odontologia Resolução CFO-118/2012 “Código De Ética Odontológica”.

Resolução n. 424/2013 “Estabelece o Código de Ética e Deontologia da


Fisioterapia
Fisioterapia”.

Resolução Cofen Nº 564/2017 “Aprova o novo Código de Ética dos


Enfermagem
Profissionais de Enfermagem”.

Resolução Confef n. 307/2015 “Dispõe sobre o Código de Ética dos


Educação Física
Profissionais de Educação Física registrados no Sistema Confef/CREFs”.

Resolução n. 596 de 21 de fevereiro de 2014 “Dispõe sobre o Código de Ética


Farmácia Farmacêutica, o Código de Processo Ético e estabelece as infrações e as
regras de aplicação das sanções disciplinares”.

Resolução CFP n. 010/05 “Aprova o Código de Ética Profissional do


Psicologia
Psicólogo”.

Resolução n. 198, de 21 de fevereiro de 2011 “Regulamenta o novo Código de


Biomedicina
Ética do Profissional Biomédico”.

Resolução n. 1138, de 16 de dezembro de 2016 “Aprova o Código de Ética do


Medicina Veterinária
Médico Veterinário”.

Fonoaudiologia Resolução CFFa n. 490/2016 “Código de Ética da Fonoaudiologia”.

Objetivos do Código de Ética e de Conduta Profissional


O Código de Ética e de Conduta é uma ferramenta que apoia a garantia de direitos, a orientação de deveres e aponta os limites da atuação
profissional. Toda categoria profissional possui normas e dinâmicas de funcionamento e conhecê-las permite fazer escolhas conscientes,
compreender o seu papel na sociedade e respeitar as atribuições de outros profissionais.
Figura 11
Fonte: Getty Images

Os Códigos de Ética de todas as profissões pautam-se no respeito ao ser humano e devem estar ajustados às evoluções da sociedade, bem como à
evolução da ciência e da tecnologia. O progresso científico e tecnológico mundial pode a carretar conflitos entre a competência técnica
profissional e a ordem legal estabelecida.

Conhecer o Código de Ética e de Conduta do Nutricionista é uma obrigação legal de todo nutricionista devidamente habilitado para exercer a
profissão. É importante que o nutricionista entenda e compreenda o conteúdo do Código de Ética e a sua aplicação prática, pois a compreensão do
Código de Ética do Nutricionista permite que a sociedade seja protegida do mau profissional e a categoria seja valorizada.

Para que o nutricionista tenha êxito na vida profissional, é necessário que a sua conduta esteja sustentada em quatro pilares básicos: a ciência, a
técnica, a política e a ética para garantir que suas ações profissionais não causem danos para a sociedade.

Direitos, Deveres e Limites do Exercício Profissional de Acordo com o Código de Ética e de Conduta
Profissional
Uma categoria profissional depende de um conjunto de normas que condicionam as relações e as ações. Conhecer essas normas permite
escolhas conscientes, compreensão do seu papel na sociedade e respeito às atribuições de outros profissionais.

Vejamos, a seguir, os principais direitos do nutricionista descritos no Código.

Quadro 4 – Apresentação dos Direitos Descritos no Código de Ética e de Conduta do Nutricionista


Artigo Comentário

Nos Princípios Fundamentais, o direito já é citado no 1º Artigo e tem como objetivo


descrever no que a atuação profissional deve ser pautada. Neste caso, nos
Princípios Universais dos Direitos Humanos e da Bioética, na CF e no CEC.
1º e 2º
No Artigo 2º, também há referência, cujo objetivo é frisar que a atuação do
nutricionista deve ser pautada no direito à saúde, no Direito Humano à
Alimentação Adequada e na Segurança Alimentar e Nutricional.

No Capítulo I – Das responsabilidades profissionais, a palavra direito está


9º, 10, 11, 12, 13, 15 descrita em sete artigos. Esses artigos tratam de direitos importantes para o
e 20 nutricionista, como o direito à remuneração justa e o direito de realizar serviços
profissionais gratuitos com fins sociais e humanos.

No Capítulo II – Relações Interpessoais, a palavra direito está descrita uma vez e


descreve o direito que o nutricionista tem em denunciar atos que caracterizem
27
agressão, assédio, humilhação, discriminação, intimidação, perseguição ou
exclusão por qualquer motivo, contra si ou qualquer pessoa.

No Capítulo III – Condutas e Práticas Profissionais, a palavra direito é descrita em


quatro artigos. Podemos destacar, neste capítulo, o direito que o nutricionista tem
31, 32, 33 e 34
em realizar suas atribuições profissionais sem interferências de pessoas não
habilitadas para tais práticas.

No Capítulo IV – Meios de Comunicação e Informação, a palavra direito é descrita


53 e 54 em dois artigos. Destacamos como um importante direito, a utilização dos meios
de comunicação e informação.

No Capítulo V – Associação a Produtos, Marcas de Produtos, Serviços, Empresas


59 ou Indústrias, o direito é descrito uma vez e contempla ao nutricionista o direito
de utilizar embalagens para fins de atividades de orientação, educação alimentar e
nutricional.

No Capítulo VI – Formação Profissional, o direito é citado duas vezes. Destacamos


66 e 67 o direito do nutricionista exercer a função de supervisor/preceptor de estágios em
seu local de trabalho.

No Capítulo VII – Pesquisa, o direito é citado uma vez e declarado como


78 um direito a realização de estudo ou pesquisa, dentro ou fora dos seus trabalhos
para produção de novos conhecimentos para o campo de alimentação e nutrição.

No Capítulo VIII – Relação com as Entidades da Categoria, três direitos são


84, 85 e 86 descritos, entre eles, o direito do nutricionista em associar-se, exercer cargos e
participar das atividades de entidades da categoria que tenham por finalidade o
aprimoramento técnico-científico.

Fonte: Adaptado de CFN, 2018


A palavra dever, ou deveres, é citada 43 vezes no Código de Ética e de Conduta do Nutricionista. Vejamos a seguir, os principais deveres do
nutricionista descrito no Código:

Quadro 5 – Apresentação dos Deveres descritos no Código de Éticae de Conduta do Nutricionista

Artigo Comentário

Nos Princípios Fundamentais, o dever do nutricionista é relacionado ao


exercício da profissão de forma crítica e proativa, com autonomia, liberdade,
8º justiça, honestidade, imparcialidade e responsabilidade. O nutricionista deve
estar ciente de seus direitos e deveres, não contrariando os preceitos técnicos e
éticos.

No Capítulo I – Das responsabilidades profissionais, a palavra dever é citada 10


14, 15, 16, 17,18, 19, vezes. Destacamos o Artigo 16, que descreve que é dever do nutricionista
20, 21e 22 assumir responsabilidade por suas ações, ainda que estas tenham sido
solicitadas por terceiros.

No Capítulo II – Relações Interpessoais, o dever é descrito uma vez, apontando o


dever do nutricionista em fazer uso do poder ou posição hierárquica de forma
28
justa, respeitosa, evitando atitudes opressoras e conflitos nas relações, não se
fazendo valer da posição em benefício próprio ou deterceiros.

No Capítulo III – Condutas e Práticas Profissionais, a palavra dever é descrita


35, 36, 37, 38,39, 40, em nove artigos. Podemos destacar, neste capítulo, o dever que o nutricionista
41, 42e 43 tem de realizar em consulta presencial a avaliação e o diagnóstico nutricional de
indivíduos sob sua responsabilidade profissional.

No Capítulo IV - Meios de Comunicação e Informação, a palavra dever aparece


em um artigo. Nesse, esclarece que é dever do nutricionista, ao compartilhar
informações sobre alimentação e nutrição nos diversos meios de comunicação e
55
informação, ter como objetivo principal a promoção da saúde e a educação
alimentar e nutricional, de forma crítica e contextualizada e com respaldo
técnico-científico.

No Capítulo V - Associação a Produtos, Marcas de Produtos, Serviços, Empresas


ou Indústrias, o dever é citado uma vez e explica que, quando há prescrição
dietética ou orientação para consumo ou compra institucional, se houver
60
necessidade de mencionar aos indivíduos e coletividades as marcas de
produtos, empresas ou indústrias, o nutricionista deverá apresentar mais de
uma opção, quando disponível.

No Capítulo VI - Formação Profissional, o dever é citado sete vezes. Destacamos


68, 69, 70, 71,72, 73 o dever que o nutricionista tem, no desempenho da atividade docente, de estar
e 74 comprometido com a formação técnica, científica, ética, humanista e social do
discente, em todos os níveis de formação profissional.
Artigo Comentário

No Capítulo VII – Pesquisa, o dever é citado três vezes. Destacamos o dever que o
nutricionista tem, na realização de pesquisa, de respeitar o meio ambiente, os
79, 80 e 81
seres humanos e animais envolvidos, de acordo com as normas da legislação
vigente.

No Capítulo VIII - Relação com as Entidades da Categoria, três deveres são


descritos, entre eles, o dever do nutricionista de cumprir as normas definidas
87, 88 e 89
pelos Conselhos Federal e Regionais de Nutricionistas e atender, nos prazos e
condições indicadas, às convocações, intimações ou notificações.

Fonte: Adaptado de CFN, 2018

Para explicarmos os limites do nutricionista, iremos identificar, no Código de Ética e de Conduta do Nutricionista, os artigos que descrevem o que
é vedado. Vejamos a seguir as principais restrições do nutricionista descritas no Código:

Quadro 6 – Apresentação dos Vedados Descritos no Código de Ética e de Conduta do Nutricionista

Artigo Comentário

No Capítulo I – Das responsabilidades profissionais, a palavra Vedado é citada


04 (quatro) vezes. Destacamos o artigo 23, que descreve que é vedado ao
23, 24,25 e 26 nutricionista praticar atos danosos a indivíduos ou coletividades sob sua
responsabilidade profissional que possam ser caracterizados como imperícia,
imprudência ou negligência.

No Capítulo II – Relações Interpessoais, a palavra vedado é mencionada duas


vezes. Destacamos o Artigo 30, que descreve que é vedado ao nutricionista
29 e 30
manifestar publicamente posições depreciativas ou difamatórias sobre a conduta
ou atuação de colegas da mesma profissão ou de outros profissionais.

No Capítulo III – Condutas e Práticas Profissionais, a palavra vedado aparece em


nove artigos. Podemos destacar, neste capítulo, que é vedado ao nutricionista
44, 45,46, 47,48,
atribuir a nutrientes, alimentos, produtos alimentícios, suplementos
49,50, 51 e52
nutricionais, fitoterápicos propriedades ou benefícios à saúde que estes não
possuam.

No Capítulo IV – Meios de Comunicação e Informação, a palavra vedado é


descrita em três artigos. Entre eles, destacamos o Artigo 57, em que é vedado ao
56, 57 e58 nutricionista utilizar o valor de seus honorários, promoções e sorteios de
procedimentos ou serviços como forma de publicidade e propaganda para si ou
para seu local de trabalho.
Artigo Comentário

No Capítulo V – Associação a Produtos, Marcas de Produtos, Serviços, Empresas


ou Indústrias, vedado aparece seis vezes. O Artigo 62 explica que é vedado ao
60, 61,62, 63,64 e
nutricionista condicionar, subordinar ou sujeitar sua atividade profissional à
65
venda casada de produtos alimentícios, suplementos nutricionais, fitoterápicos,
utensílios ou equipamentos ligados à área de alimentação e nutrição.

No Capítulo VI – Formação Profissional, vedado é citado por três vezes. Um


importante destaque deste capítulo é que é “vedado ao nutricionista, no
75, 76 e77 desempenho da atividade docente, difamar, diminuir ou desvalorizar a
profissão, áreas de atuação ou campos de conhecimentos diferentes dos que
atua”.

No Capítulo VII – Pesquisa, vedado aparece duas vezes. Destacamos que “é


82 e 83 vedado ao nutricionista omitir citação de terceiros que tiveram participação na
elaboração de produções técnico-científicas”.

No Capítulo VIII – Relação com as Entidades da Categoria, a palavra vedado é


descrita apenas uma vez e explica que é vedado ao nutricionista valer-se de
90 posição ocupada em entidades da categoria para obter vantagens pessoais ou
financeiras, diretamente ou por intermédio de terceiros, bem como para
expressar superioridade ou exercer poder que exceda sua atribuição.

Fonte: Adaptado de CFN, 2018

Saiba Mais
O Código de Ética e de Conduta do Nutricionista possui 100 artigos. Destes, 23 são a respeito dos direitos do
nutricionista.

Causas e Consequências das Condutas Profissionais: Infrações ao Código de Ética e de Conduta


Profissional
A violação dos preceitos estabelecidos no Código de Ética e de Conduta do Nutricionista, além de causar prejuízo à sociedade ou ao indivíduo, fere
a responsabilidade ética profissional. De acordo com a Resolução CFN n. 321/2003 que “Institui Código de Processamento Disciplinar para o
Nutricionista e o Técnico da Área de Alimentação e Nutrição e dá outras providências”, “constitui infração disciplinar a transgressão a
disposições legais e normativas reguladoras da conduta no exercício profissional dos nutricionistas e dos técnicos da área de Alimentação e
Nutrição e a preceitos de ordem ética a que estão obrigados”.

As consequências de uma infração ética podem transcender as decisões do Conselho Regional de Nutricionistas e atingir o âmbito normativo
legal, de responsabilidade civil ou penal. A responsabilidade civil compete à reparação de ato ilícito, do risco para os direitos de outrem ou de
danos configurados como imprudência, imperícia ou negligência. Destacamos, para melhor entendimento, estes conceitos:

Imprudência: quando o nutricionista atua sem cautela ou de forma precipitada, realiza atitude diferente da recomendada para
aquela situação ou usa técnica proibida; ato de agir perigosamente (CFN, 2018);

Imperícia: quando o nutricionista age com inaptidão ou ignorância porque não tem qualificação técnica ou conhecimentos
básicos da profissão; a falta de habilidade específica para a realização de uma atividade técnica ou científica (CFN, 2018);

Negligência: quando o nutricionista não atua de forma adequada para uma determinada situação. Age com descuido,
indiferença ou desatenção, não tomando as devidas precauções; ausência de cuidado, inércia e passividade (CFN, 2018).

Para que a atuação do nutricionista seja baseada em atitudes éticas e corretas é seu dever atender a todas as normativas, sejam elas as conferidas
aos cidadãos, as de responsabilidades civil e penal, as pertinentes ao exercício profissional estabelecidas pelo Estado e as específicas delegadas
por órgãos profissionais, sobretudo referentes às responsabilidades técnica e ética.

De acordo com a Lei Federal nº 6.583/1978, o Sistema CFN/CRN, além de normatizar, fiscalizar e orientar o exercício da profissão do
nutricionista, tem como competência atuar como o Tribunal Regional de Ética Profissional em processos disciplinares relacionados ao exercício
e às atividades profissionais nas áreas de Alimentação e Nutrição, conhecendo, processando e decidindo os casos que lhes forem submetidos
(BRASIL, 1978). A Comissão permanente do Conselho Regional de Nutricionista é a responsável pela apuração das transgressões de natureza
ética praticadas por nutricionista e pela instrução dos processos disciplinares instaurados é a Comissão de Ética (CFN, 2004).

Processo Disciplinar
De acordo com a Resolução CFN n. 321/2003, o nutricionista que infringe os artigos descritos no Código de Ética e de Conduta do Nutricionista
pode responder um processo disciplinar, que obedece a uma sequência de atos.

Fluxo e Processo Disciplinar: Da Denúncia ao Julgamento


O fluxo do processo disciplinar é normatizado pela Resolução CFN n. 321/2003, que “Institui Código de Processamento Disciplinar para o
Nutricionista e o Técnico da Área de Alimentação e Nutrição e dá outras providências”.

Neste item, iremos descrever detalhadamente como ocorre o fluxo do processo disciplinar contra nutricionistas desde a denúncia até o
julgamento e penalização.

A denúncia, também chamada de representação, é um documento dirigido à Presidência do Conselho Regional de Nutricionistas contendo
algumas informações importantes:

Nome, assinatura e qualificação do denunciante.;

Nome completo, qualificação e endereço do denunciado;

Descrição dos fatos que possam caracterizar infração disciplinar;

Provas documentais que comprovem os fatos descritos na denúncia.

De acordo com o Código de Processamento Disciplinar, a denúncia/representação pode ser de três tipos: funcional, particular ou ex-o cio.

Funcional: quando expressa em fiscalização de rotina, programada ou motivada por denúncia;


Particular: quando expressa em documento de iniciativa de quaisquer pessoas, físicas ou jurídicas;

Ex-o cio: quando se tratar de comunicação feita por conselheiro efetivo, conselheiro suplente ou agente do CRN.

Figura 12
Fonte: Getty Images

Recebida a representação/denúncia, o Presidente do Conselho Regional admite ou não a denúncia, podendo decidir por: diligência, negativa de
admissibilidade e a instauração do processo disciplinar. A diligência pode ser deliberada para esclarecer os fatos descritos na denúncia; a
negativa de admissibilidade pode ser deliberada quando há entendimento de que são ausentes os indícios de infração disciplinar. A instauração
do processo disciplinar ocorre quando há indícios de infração ao Código de Ética e de Conduta do Nutricionista. Após a instauração do processo
disciplinar, este é encaminhado à Comissão de Ética (CE) para instrução processual.

O processo disciplinar obedece a quatro fases: instauração, instrução, julgamento e penalização.

Fase de instauração: caracteriza-se por uma ação ou ordem pela qual é aberto um processo disciplinar. A competência desta
ação é do Presidente do Conselho Regional de Nutricionistas;

Fase de instrução: caracteriza-se pelo conjunto de atos com os quais são apurados os fatos e eventos relacionados com uma
representação/denúncia. Esta fase é de competência da Comissão de Ética do Conselho Regional de Nutricionistas. Tem como
objetivo instruir o processo, ou seja, oportunizar ao denunciado todas as possibilidades de defesa. Essa fase segue
rigorosamente um rito processual, que será explicado na sequência.

O primeiro ato da fase de instrução disciplinar é caracterizado pela solicitação da defesa por escrito, realizada por meio de um
ofício chamado “citação”. Nessa defesa, o nutricionista deverá descrever suas razões e indicar provas. As provas podem ser
testemunhais, documentais ou periciais. Após o recebimento da defesa por escrito e realizada a análise dos documentos pela
CE, ocorre o segundo ato da fase de instrução, que é chamado de tomada de depoimentos. Neste ato, são tomados, em
separado, depoimentos do denunciante, das testemunhas indicadas pelo denunciante, do denunciado e das testemunhas
indicadas denunciado. Caso a CE julgue pertinente, poderá realizar a acareação entre as partes. Após esse ato, ocorre o terceiro
ato de competência da CE, que é a elaboração de um relatório conclusivo, com proposta de arquivamento do processo por
ausência de infração disciplinar ou de prosseguimento do feito, recomendando a penalidade a ser aplicada.

Após a elaboração do relatório conclusivo pela CE, este é remetido ao Plenário do CRN.

Fase de julgamento: essa fase compete ao Plenário dos Conselhos Regionais de Nutricionistas. O Presidente do Conselho
Regional de Nutricionista solicita a um integrante da CE a leitura do relatório conclusivo e então o Plenário decide pelo
acolhimento ou não da decisão da CE. Em caso de acolhimento, ocorre o prosseguimento do processo disciplinar e o Presidente
nomeia um Conselheiro Efetivo como relator. O Conselheiro Relator é o responsável por elaborar o relatório e o voto e entregar
o documento lacrado à Secretária do Plenário. Após incluído o relatório e o voto em pauta de reunião plenária, os envolvidos no
processo (denunciante e denunciado) são notificados com antecedência mínima de quinze dias do dia, a hora e local da sessão
de julgamento. O julgamento ocorre em uma sessão extraordinária. Nesta sessão, o Conselheiro relator realiza a leitura do
relatório e voto. Após a leitura, as partes denunciante e denunciado podem se manifestar. Inicia-se, então, a fase de discussão e
esclarecimento. Encerrada a discussão, o Presidente inicia a votação. Os envolvidos no processo ou seus procuradores
formalmente constituídos são notificados do resultado do julgamento e do início da contagem do prazo para recurso da
decisão ao CFN. O recurso voluntário contra a decisão do Conselho Regional de Nutricionista deve ser protocolado em até trinta
dias após a ciência do resultado, o qual será encaminhado à Presidência do CFN. O Presidente do CFN, ao receber o recurso,
encaminha-o à CE do CFN, que emite parecer no prazo de trinta dias, restituindo-o a seguir à Presidência. Julgado o recurso, o
CFN providencia a publicação de extrato da decisão no Diário Oficial da União ou no seu jornal ou revista oficial e comunica às
partes representante e representada. Na ausência de recurso voluntário protocolado no CRN, a pena é aplicada ao profissional.

Penalização: a aplicação da pena de um processo disciplinar é de competência do Conselho Regional de Nutricionistas da


Região em que o profissional tenha sua inscrição originária. Obedecendo a Constituição Federal Brasileira, em todos os atos do
processo disciplinar, é assegurado às partes, denunciante e denunciado, o princípio do contraditório e a ampla defesa. Para
melhor compreensão, o fluxo do código de processamento disciplinar é apresentado a seguir.
Figura 14
Fonte: Adaptada de CRN, 2018 | Freepik

Penalidades do Processo Disciplinar


As penalidades do processo disciplinar estão determinadas na Lei n. 6.583, de 20 de outubro de 1978, que “cria os Conselhos Federal e Regionais
de Nutricionistas, regula o seu funcionamento, e dá outras providências”; no Decreto n. 84.444, de 1980, que “cria os Conselhos Federal e
Regionais de Nutricionistas, regula o seu funcionamento, e dá outras providências”e na Resolução CFN n. 321/2003 que “Institui Código de
Processamento Disciplinar para o Nutricionista e o Técnico da Área de Alimentação e Nutrição e dá outras providências”. De acordo com estas
legislações, as penas disciplinares podem ser:

Advertência;

Repreensão;
Multa equivalente a até 10 (dez) vezes o valor da anuidade;

Suspensão do exercício profissional pelo prazo de até três anos;

Cancelamento da inscrição e proibição do exercício profissional.

Para execução da pena, são considerados os antecedentes profissionais do denunciante, o seu grau de culpa e as circunstâncias atenuantes e
agravantes e as consequências da infração. Ainda de acordo com a norma, salvo os casos de gravidade manifesta ou reincidência, a imposição das
penalidades obedecerá à gradação.

Em Síntese
Identificamos que o Nutricionista, no exercício de sua profissão, deve pautar as suas ações no Código de
Ética e de Conduta do Nutricionista e também em outras normas vigentes, como, por exemplo, na
Constituição Federal Brasileira. Esta nos orienta que conhecer o Código de Ética da profissão é uma
obrigação legal de todo o profissional. Esse código não foi elaborado para limitar a atuação do
nutricionista, mas para orientar direitos e deveres, e servir de guia para que o profissional possa agir com
responsabilidade e consciência.

A Nutrição é uma ciência que está em constante movimento, ou seja, o que pode ser uma verdade absoluta
hoje, pode não ser amanhã. Assim também é a sociedade – estamos em constantes mudanças e adaptações
no modo de viver, seja de maneira individual ou coletiva. Por isso, o Código de Ética e de Conduta deve
acompanhar as mudanças sociais e estar sempre atualizado com o cenário em que vivemos. Para isso, o
nutricionista deve participar ativamente das discussões que envolvem os temas ligados à profissão.
3/3

ʪ Referências

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Política nacional de atenção básica. Brasília:
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