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Grupo de Estudos

Psicologia, Saúde, Educação


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SUMÁRIO:

MÓDULO 1 – CUIDADOS PALIATIVOS E O PERCURSO HISTÓRICO;


Texto – Cuidados Paliativos

MÓDULO 2 – ÉTICA E BIOÉTICA EM CUIDADOS PALIATIVOS;


Textos – Dilemas Éticos em Cuidados Paliativos: Revisão de Literatura;
Questões Éticas Referentes às Preferências do paciente em Cuidados Paliativos.

MÓDULO 3 – CUIDADOS PALIATIVOS PEDIÁTRICOS;


Textos – Percepção de Familiares de Crianças Internadas em Unidade Pediátrica sobre
Cuidados Paliativos.
Cuidados Paliativos Pediátricos

MÓDULO 4 – CUIDADOS PALIATIVOS: ADULTO E IDOSO;


Textos – Percepção sobre Envelhecer e Adoecer: Um Estudo com Idosos em Cuidados
Paliativos.
O Significado da Morte para adolescentes, Adultos e Idosos

MÓDULO 5 – ESTRATÉGIAS DE COMUNICAÇÃO EM CUIDADOS


PALIATIVOS.
Textos – Comunicação de Más Notícias.
Formação de Profissionais da Saúde na Comunicação de Más Notícias em
Cuidados Paliativos Oncológicos.
MÓDULO 1
MÓDULO 2
704 Dilemas éticos em cuidados paliativos: revisão de
literatura
Fabíola Alves Alcântara

Resumo
Em qualquer sociedade, assuntos concernentes ao início e fim da vida são imenso desafio, pois envolvem diversos
conceitos relacionados a ciência e religião, de caráter humanístico, social, jurídico, bioético e moral. O objetivo
deste estudo é apresentar os dilemas éticos explicitados por profissionais de saúde ao enfrentar processos de
finitude. Dentre os diversos tipos de dilemas éticos encontrados, os principais perpassam a limitação de recursos,
a dificuldade de comunicação e a dificuldade em tomar decisões. Esses dilemas levam a refletir sobre uma série
de cuidados necessários, como estabelecer comunicação integrada, sempre dizer a verdade e entender renúncias,
descontinuações e recusas ao tratamento.
Palavras-chave: Bioética. Tomada de decisões. Assistência terminal. Pessoal de saúde.

Resumen
Dilemas éticos en cuidados paliativos: revisión de la literatura
En cualquier sociedad, las cuestiones relativas al inicio y al final de la vida constituyen un inmenso desafío, ya
que involucran varios conceptos relacionados con la ciencia y la religión, de carácter humanista, social, jurídico,
bioético y moral. El objetivo del estudio es presentar los dilemas éticos explicitados por profesionales de la salud
cuando están frente a procesos de finitud. Entre los diversos tipos de dilemas éticos encontrados, los principales
son los recursos limitados, las dificultades de comunicación y las dificultades para tomar decisiones. Estos dilemas
nos llevan a reflexionar sobre una serie de cuidados que debemos emplear en esos procesos de finitud, como
establecer una comunicación integrada, decir siempre la verdad y comprender las renuncias, interrupciones y
negativas al tratamiento.
Palabras clave: Bioética. Toma de decisiones. Cuidado terminal. Personal de salud.

Abstract
Ethical dilemmas in palliative care: a literature review
Issues concerning the beginning and end of life are an immense challenge for they involve various concepts related
to science and religion, and have humanistic, social, legal, bioethical, and moral character. This study aimed to
present the ethical dilemmas experienced by health professionals when facing death. Among the various ethical
impasses, the main ones are resource limitations, the difficulty in communication and decision-making. They make
us reflect on various end-of-life factors, such as establishing integrated communication, always telling the truth,
and understanding non-adherence, discontinuations, and treatment refusals.
Keywords: Bioethics. Decision making. Terminal care. Health personnel.
Pesquisa

Doutoranda alcantara.fabiola@outlook.com – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro/RJ, Brasil.

Correspondência
Av. Franklin de Campos Sobral, 1.580 CEP 49027-000. Aracaju/SE, Brasil.

Declara não haver conflito de interesse.

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Com seu formato peculiar de cuidado, as médi- Assuntos concernentes ao início e fim da vida
cas Cicely Saunders e Elisabeth Kübler-Ross muito são imenso desafio em qualquer sociedade, pois
influenciaram o desenvolvimento dos cuidados palia- envolvem conceitos relacionados a ciência e religião,
tivos 1. De acordo com Doyle e colaboradores 2, o movi- de caráter humanístico, social, jurídico, bioético e
mento hospice, idealizado por Saunders, contraria o moral 12,13. As diferenças culturais levam cada nação
tratamento então dispensado aos doentes em final de a abordar a questão de modo diverso, e Vasconcelos
vida, cujo sofrimento se fundava na dor, sendo grande e Pereira 14 apontam que Inglaterra, Austrália e Nova
a preocupação em elaborar formas de controlar esse Zelândia são os países que mais investem em cuida-
sintoma 3. Criado na Grã-Bretanha, esse novo modelo dos paliativos, conforme relatório sobre qualidade de
se disseminou pelos Estados Unidos, pela França e por morte de 2015. Concentrando-se nas implicações do
diversos outros países, tornando Saunders a precur- fim da vida, as decisões tomadas sobre o tratamento
sora dos cuidados paliativos no mundo 4-5. e o processo de morte são relevantes. Tais dilemas
A Organização Mundial da Saúde (OMS) pri- éticos demandam reflexões que envolvem toda a
meiro definiu “cuidados paliativos” em 1986, mas sociedade acerca das condutas mais apropriadas 15,16.
o conceito foi ampliado de acordo com realidades e Para Medeiros e colaboradores, o dilema ético
perfis epidemiológicos locais, sendo redefinido em está permeado pela cultura, filosofia e pelos valores
2002 como abordagem para melhoria da qualidade que [as] baseiam (…). A pluralidade dos diferentes con-
de vida de pacientes e familiares que enfrentem (…) textos culturais de uma sociedade que são constituídas
doença ameaçadora da vida, por meio de prevenção (sic) de indivíduos que hierarquizam seus valores de
e alívio do sofrimento com identificação precoce e maneira singular baseados pela autonomia permite
impecável avaliação e tratamento da dor e de outros constantes indagações sobre as questões que envolvem
problemas físicos, psicossociais e espirituais 6. a vida e, principalmente, sua terminalidade 17.
Matsumoto elencou os princípios norteadores Os dilemas éticos carregam consigo duas
da prática multiprofissional em cuidados paliativos ou mais opções terapêuticas ou direcionamentos
preconizados pela OMS: promover alívio da dor e adequados a determinada situação, permeando a
outros sintomas desagradáveis; afirmar a vida e con- prática dos profissionais da saúde, a qual é susce-
siderar a morte como um processo normal da vida; tível à indagação moral ou social 18,19. A temática
não acelerar nem adiar a morte; integrar os aspectos dos dilemas traz diversas preocupações, moti-
psicológicos e espirituais no cuidado ao paciente; ofe- vando a coletividade científica a estudá-la inces-
recer um sistema de suporte que possibilite ao paciente santemente nos eixos legal e ético 20. Com isso,
viver tão ativamente quanto possível, até o momento este trabalho objetiva identificar na literatura os
da sua morte; oferecer sistema de suporte para auxiliar dilemas éticos vivenciados por profissionais de
os familiares durante a doença do paciente e a enfren- saúde no atendimento a pacientes sem possibili-
tar o luto; abordagem multiprofissional para focar as dades terapêuticas de cura.
necessidades dos pacientes e seus familiares, incluindo
acompanhamento no luto; melhorar a qualidade de
vida e influenciar positivamente o curso da doença; Método
deve ser iniciado o mais precocemente possível e incluir
todas as investigações necessárias para melhor com- Trata-se de revisão de literatura incluindo
preender e controlar situações clínicas estressantes 7.
Pesquisa
artigos cujo texto completo está disponível online.
A assistência nos cuidados paliativos precisa Foi realizada busca nas bases de dados Medical
ser integral, abrangendo diversos segmentos, entre Literature Analysis and Retrieval System Online,
eles o físico, espiritual, psicológico e social, envol- Biblioteca Regional de Medicina, Scientific Electronic
vendo olhar cuidadoso e equipe multidisciplinar 8. Library Online e Literatura Latino-Americana e do
O enfoque multiprofissional permite à equipe trocar Caribe em Ciências da Saúde. Utilizaram-se descrito-
conhecimentos e facilita o entendimento das fragili- res em português e seus correspondentes em inglês e
dades e condições do enfermo sem possibilidade de espanhol: “bioética”, “bioethics”, “bioética”; “tomada
cura 9,10. Esse enfoque tem grande importância para de decisões”, “decision making”, “toma de decisio-
os cuidados paliativos porque demonstra o quão nes”; “assistência terminal”, “terminal care”, “cuidado
fundamental é cada profissão, que individualmente terminal”; e “pessoal de saúde”, “health personnel”,
não consegue abarcar todas as nuances do aten- “personal de salud”. Foram excluídos relatos de caso
dimento a esses pacientes, destacando o papel da e trabalhos que, apesar de apresentarem os descri-
coletividade para a adequada assistência 9,11. tores elencados, referiam dilemas éticos vivenciados

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por pacientes ou seus familiares. Foram identificados atendimento a pacientes em fim de vida, sem
51 artigos sobre o tema e, depois de empregados os delimitar seu ano de publicação. Para viabilizar a
critérios, obteve-se amostra de 14 artigos. análise, a amostra foi classificada quanto a auto-
Fontes e descritores foram selecionados ria, ano de publicação, título do artigo, objetivo,
visando enfocar artigos que referiam os dilemas método e nome do periódico em que foi publicado.
éticos vivenciados por profissionais de saúde no O Quadro 1 apresenta os artigos selecionados.

Quadro 1. Corpus da revisão não sistemática da literatura


Autor(es)/ano Título Periódico Objetivo Método
Traçar o perfil dos profissionais da
Revista de fisioterapia que trabalham em unidades
“A bioética e a fisioterapia
Araújo, Neves; Fisioterapia da de terapia intensiva e identificar sua Pesquisa de
nas unidades de terapia
2003 21 Universidade opinião acerca de temas como pacientes campo
intensiva”
de São Paulo terminais, autonomia do paciente,
eutanásia e distanásia.
Identificar os dilemas éticos
“Ethical dilemmas in
experimentados por terapeutas
occupational therapy and
Journal of ocupacionais e fisioterapeutas que Pesquisa de
Barnitt; 1998 22 physical therapy: a survey
Medical Ethics trabalham no Serviço Nacional de Saúde do campo
of practitioners in the UK
Reino Unido e comparar contextos éticos,
National Health Service”
temas e princípios entre os dois grupos.
Bélanger, “Shared decision-making in
Sintetizar o conhecimento sobre
Rodríguez, palliative care: a systematic Palliative Revisão de
o processo de tomada de decisão
Groleau; mixed studies review using Medicine literatura
compartilhada em cuidados paliativos.
2011 23 narrative synthesis”
“The changes of ethical Investigar os dilemas éticos
Chih e dilemmas in palliative encontrados por médicos e
Medicine Pesquisa de
colaboradores; care: a lesson learned from enfermeiros de cuidados paliativos em
(Baltimore) campo
2016 24 comparison between 1998 2013 e comparar os resultados com
and 2013 in Taiwan” pesquisa realizada em 1998.
“Ethical challenges in the
Gjerberg e Examinar os tipos e a prevalência dos
provision of end-of-life Social Science Pesquisa de
colaboradores; desafios éticos nos cuidados de
care in Norwegian nursing and Medicine campo
2010 25 fim de vida.
homes”
Identificar os dilemas éticos que os
Mobasher e “Ethical issues in the end Iranian Journal oncologistas iranianos podem enfrentar
Pesquisa de
colaboradores; of life care for cancer of Public no ambiente de saúde e determinar os
campo
2013 26 patients in Iran” Health fatores que influenciam o processo de
tomada de decisão.
“How nurses and
Sorta-Bilajac e
physicians face ethical Avaliar os dilemas éticos de enfermeiros Pesquisa de
colaboradores; Nursing Ethics
dilemmas: the Croatian e médicos na prática clínica. campo
2011 27
experience”
Pesquisa

“Dificultades de las
Conhecer as dificuldades encontradas
Granero- enfermeras de atención
por enfermeiras de atenção primária
Moya e primaria en los procesos de Atención Pesquisa de
para estabelecer as diretivas antecipadas
colaboradores; planificación anticipada de Primaria campo
de vontade de pessoas em estado
2016 28 las decisiones: un estudio
terminal.
cualitativo”
“Percepciones de los
profesionales sobre
Comparar a percepção da prática
Guardia la atención prestada, Anales del Estudo
profissional e os dilemas éticos de
Mancilla e obstáculos y dilemas éticos Sistema descritivo,
médicos e enfermeiros na assistência
colaboradores; relacionados con el final de Sanitario de transversal e
terminal na atenção primária, hospitalar
2018 29 la vida en hospitales, centros Navarra multicêntrico
e em residências de idosos.
de atención primaria y
residencias de ancianos”
continua...

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Quadro 1. Continuação
Autor(es)/ano Título Periódico Objetivo Método
“Dificultades y factores
Sánchez- favorables para la atención
Identificar dificuldades e fatores
García e al final de la vida en Atención Pesquisa de
enfrentados por profissionais que atuam
colaboradores; residencias de ancianos: Primaria campo
em residências de idosos.
2017 30 un estudio con grupos
focales”
Identificar situações que angustiam
“Tomada de decisão
Motta e profissionais de saúde e/ou pesquisadores
em (bio)ética Revista Revisão de
colaboradores; na prática clínica e apresentar
clínica: abordagens Bioética literatura
2016 31
sucintamente reflexões ou abordagens
contemporâneas”
correlacionadas ao processo decisório.
Renner, “Dilemas éticos Revista
Identificar tipos de dilemas éticos Pesquisa de
Goldim, Prati; presentes na prática do Brasileira de
presentes na prática do fisioterapeuta. campo
2002 18 fisioterapeuta” Fisioterapia
“Dilemas éticos ligados à Verificar na prática profissional de
prática do fisioterapeuta fisioterapeutas os dilemas éticos que
Pereira; Dissertação de Pesquisa de
no atendimento da criança orientam sua relação terapêutica com
2007 32 mestrado campo
com deficiência física ou a criança com deficiência física e/ou
mental” mental e sua família.
Estudar as temáticas e a fundamentação
“A interface entre bioética Fisioterapia
Lorenzo, teórica dos artigos indexados que Revisão de
e fisioterapia nos artigos em
Bueno; 2013 33
pretendiam discutir a interface entre literatura
brasileiros indexados” Movimento
fisioterapia e bioética.

Resultados e discussão Em estudo com oncologistas iranianos,


Mobasher e colaboradores 26 perceberam como
dilemas éticos dizer a verdade, a definição incerta
Gjerberg e colaboradores 25 buscaram identifi-
do quadro do enfermo e a relação equipe-paciente.
car os tipos de desafios éticos e sua prevalência na
visão de 664 profissionais de saúde que atuavam Esses achados reforçam o estudo de Motta e cola-
em enfermarias de lares de idosos da Noruega. boradores 31, que detectaram as inquietudes dos
Os entrevistados apontaram com maior frequência profissionais de saúde na atuação clínica e a dificul-
a inadequação do cuidado pela escassez de recursos dade enfrentada no processo de tomada de decisão,
e o desrespeito à autonomia e integridade do indiví- em que casos de origem e finitude de vida causam
duo 25. Essas observações corroboram os resultados mais aflição e atritos. Observa-se que dois aspectos
encontrados por Lorenzo e Bueno 33, que descrevem da clínica muito difíceis para profissionais e equipes
vários conflitos na prática profissional de fisiotera- de saúde são a comunicação de más notícias e o
peutas, com destaque para os relacionados a início momento de estabelecer cuidados paliativos 31.
e fim de vida, autonomia do sujeito, recusa de trata- Sánchez-García e colaboradores 30 identificaram
mento e tomada de decisão quando a autonomia é problemas na comunicação da equipe com as famí-
de alguma forma limitada. lias e falta de incentivo à participação dos doentes Pesquisa
Guardia Mancilla e colaboradores 29 aplicaram na tomada de decisão como as principais dificuldades
questionário a 378 profissionais espanhóis que atua- vivenciadas por profissionais na atenção a idosos que
vam em hospitais, atenção primária e asilos, verifi- moravam em casas de repouso espanholas. Já para
cando que os dilemas éticos mais frequentes rela- Sorta-Bilajac e colaboradores 27, os dilemas éticos
cionados ao fim de vida estavam voltados ao uso das enfrentados por médicos e enfermeiros croatas em
diretivas antecipadas de vontade. Granero-Moya e sua prática clínica estão voltados a eutanásia, suicídio
colaboradores 28 investigaram as dificuldades enfren- assistido e limitação de terapias para manutenção da
tadas por enfermeiros na atenção primária em pro- vida. Em estudo comparativo, Chih e colaboradores 24
cessos de tomada de decisão em casos terminais. descreveram as mudanças nos dilemas éticos em cui-
Constataram pouco conhecimento sobre o assunto, dados paliativos entre 1998 e 2013 em Taiwan. Em
dificuldades comunicativas, falta de tempo e relação 1998 observaram-se dificuldade em orientar os enfer-
interprofissional deficiente 28. mos, famílias que não queriam levar o paciente para

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casa e omissão da verdade por parte da família aos respondentes, a maioria com menos de 15 anos de
doentes, enquanto em 2013 os dilemas éticos esta- profissão, estão preocupados e comprometidos com
vam relacionados à alocação de recursos. a ética, mas não identificaram dilemas em sua atua-
De acordo com Barnitt 22, os dilemas éticos com ção profissional, e sim questões cotidianas, como as
os quais se deparam fisioterapeutas em sua prática relacionadas com a alta fisioterapêutica 32.
ainda são pouco conhecidos. Em seu estudo com
esses profissionais do Serviço Nacional de Saúde da
Considerações finais
Inglaterra, os resultados apontaram alocação injusta
e falta de recursos, baixa eficácia do tratamento
fisioterapêutico, decisões terapêuticas divergen- Os dilemas éticos enfrentados em situações
tes entre a equipe, desrespeito à confidencialidade de terminalidade por profissionais de saúde levam
e autonomia do paciente e omissão da verdade. a refletir sobre diversos cuidados necessários ao
A ocorrência de dilemas éticos prevaleceu, segundo processo de morte. Exemplos desses cuidados são a
participantes da pesquisa, no ambiente hospitalar 22. comunicação integrada entre profissional, paciente
e familiares, o dever de informar sempre a verdade
Renner, Goldim e Prati 18, por sua vez, identifi-
e a necessidade de compreender renúncias, descon-
caram, por meio de questionário, que a maioria dos
tinuações e recusa de tratamentos.
dilemas relatados por fisioterapeutas atuantes em
Porto Alegre/RS se baseava no limite de atuação pro- O processo de tomada de decisão vem sendo
fissional, seguido por omissão da verdade e falta de um dos principais obstáculos para os profissionais
recursos e eficiência da terapia, chamando atenção de saúde em assistência terminal, destacando-se
o considerável número de questionários que acusa- a insegurança, a falta de preparo profissional e a
vam ausência de dilemas. O resultado corrobora o carência de conhecimento sobre a temática discu-
estudo de Pereira 32, que investigou a mesma catego- tida. Vale ressaltar a importância de realizar outros
ria profissional, mas no atendimento a crianças com estudos com a intenção de avaliar o que esses pro-
deficiência física e/ou mental e familiares na cidade fissionais ponderam no processo de tomada de deci-
de Campinas/SP. A autora concluiu que muitos dos são quando se deparam com algum desses dilemas.

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S0103-51502013000400006 Revisado: 23.7.2020
Aprovado: 29.7.2020
Fabíola Alves Alcântara
0000-0001-7523-0458

http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422020284434 Rev. bioét. (Impr.). 2020; 28 (4): 704-9


709
Questões éticas referentes às preferências do
paciente em cuidados paliativos
Carolina Becker Bueno de Abreu 1 , Paulo Antonio de Carvalho Fortes 2

Resumo
O respeito à autonomia do paciente é um princípio ético reconhecido em diversas áreas da assistência à saúde,
incluindo os cuidados paliativos, porém nem sempre as preferências do paciente são respeitadas. Uma melhor
compreensão das questões éticas relacionadas ao exercício da autonomia do paciente em cuidados paliativos
é importante passo para embasar juízos éticos ponderados no cotidiano da assistência. Tendo isso em vista,
este trabalho objetivou identificar e analisar questões éticas relacionadas às preferências do paciente e reco-
nhecidas por profissionais no cotidiano de uma equipe de cuidados paliativos à luz do referencial bioético da
casuística. Foram entrevistados onze profissionais de nível superior. As principais questões éticas identificadas
foram: respeito à autonomia do paciente; veracidade e direito à informação; habilidades de comunicação;
cerco do silêncio; participação no processo de deliberação; escolha do local de tratamento e morte.
Palavras-chave: Cuidados paliativos. Autonomia pessoal. Preferência do paciente.

Resumen
Las cuestiones éticas relacionadas con las preferencias del paciente en los cuidados paliativos
El respeto a la autonomía del paciente es un principio ético reconocido en muchas áreas de la salud, incluyen-
do los Cuidados Paliativos, pero no siempre se respetan las preferencias del paciente. Una mejor comprensión
de las cuestiones éticas relacionadas con el ejercicio de la autonomía del paciente en los Cuidados Paliativos
es un paso importante para apoyar los juicios éticos ponderados en la práctica diaria de la asistencia. Tenien-
do esto en cuenta, este estudio tuvo como objetivo identificar y analizar las cuestiones éticas relacionadas
con las preferencias del paciente y reconocidas por los profesionales en el día a día de un equipo de cuidados
paliativos en el marco bioético de la casuística. Se entrevistó a once profesionales de nivel superior. Se iden-
tificaron las principales cuestiones éticas: el respeto a la autonomía del paciente, veracidad y el derecho a la
información, habilidades de comunicación, asedio del silencio, participación en el proceso de deliberación,
elección del lugar de tratamiento y muerte.
Palabras-clave: Cuidados paliativos. Autonomía personal. Prioridad del paciente.

Abstract
Ethical issues related to patient preferences in palliative care
The respect for patient’s autonomy is an ethical principle recognized in many areas of health care including
palliative care, but not always the patient’s preferences are respected. A better understanding of ethical is-
sues related to the exercise of patient’s autonomy in Palliative Care is an important step to support ethical
judgments in daily practice. Therefore, this study aimed to identify and analyze ethical issues related to pa-

Artigos de pesquisa
tient preferences recognized by professionals in the daily life of a Palliative Care team under the framework
of Casuistry. Eleven practitioners were interviewed. The main ethical issues identified are: respect for patient
autonomy, veracity and right to information, communication skills, conspiracy of silence, participation in the
deliberation process, choice of place of treatment and death.
Key words: Palliative care. Personal autonomy. Patient preference.

Aprovação Coep 181/11

1. Doutora caro@becker.eng.br – Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo/Faculdade de Ceilândia, Universidade de
Brasília, Ceilândia/DF, Brasil 2. Doutor pacfusp@usp.br – Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, São Paulo/SP, Brasil.

Correspondência
Carolina Becker Bueno de Abreu – Faculdade de Ceilândia, Universidade de Brasília (UnB). Centro Metropolitano, Conjunto A, Lote 1 CEP
72220-900. Ceilândia/DF, Brasil.

Declaram não haver conflito de interesse.

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Questões éticas referentes às preferências do paciente em cuidados paliativos

Jonsen, Siegler e Winslade 1 entendem prefe- Estes autores constatam, entretanto, que na
rências do paciente no contexto da ética clínica como prática os pacientes são pouco encorajados a par-
sendo as escolhas que a pessoa faz quando se de- ticipar da deliberação, as opções são pouco discuti-
para com decisões sobre sua saúde e tratamentos, a das e o consentimento fica apenas implícito, devido
partir de suas experiências, crenças e valores. Cons- a barreiras relativas à forma como as opções são
tituem assim o núcleo ético e legal da relação clínica, apresentadas, à tentativa de manter expectativas
a partir do qual o paciente deve ser respeitado em irrealistas por parte do paciente e família e, ainda, à
suas decisões após analisar a recomendação médica. tendência de adiamento da deliberação. Conclui-­se,
O princípio moral subjacente é o da autonomia. então, que há diversos obstáculos para que o exercí-
Na relação terapêutica devem ser respeitadas a au- cio da autonomia e as preferências do paciente se-
tonomia do profissional e do paciente. O profissional jam de fato respeitados.
deve ter respeitado o seu melhor julgamento e a ob- Em geral, as dificuldades podem estar na for-
jeção de consciência. O paciente, por sua vez, deve mação do profissional, na capacidade de comuni-
ser estimulado a manifestar suas preferências ou pro- cação, compreensão e discussão entre os sujeitos
por alternativas às propostas feitas pelo profissional. envolvidos na relação terapêutica para a tomada de
O respeito à autonomia do paciente tem signi- decisão e nos mecanismos que possibilitem sua con-
ficância clínica, legal e psicológica. Do ponto de vista cretização. Nos cuidados paliativos, o fato de lidar
clínico, favorece confiança na relação terapêutica, com pessoas com diagnósticos de doenças ameaça-
maior cooperação do paciente e satisfação com re- doras à vida, de curso progressivo e incapacitante,
lação ao tratamento. Em termos legais, respalda os torna frequentes os problemas acima listados.
direitos individuais sobre o próprio corpo. Do ponto
Uma melhor compreensão das questões éticas
de vista psicológico, oferece ao paciente senso de
relacionadas ao exercício da autonomia do paciente
controle sobre a própria vida e de valor pessoal ¹.
em cuidados paliativos é, assim, importante passo
Sendo princípio ético reconhecido em diversas para o aprofundamento da reflexão necessária para
áreas da assistência à saúde, o respeito à autonomia embasar juízos éticos ponderados no cotidiano da
do paciente inclui os cuidados paliativos. Interessan- assistência.
te observar, inclusive, que as mudanças na relação
médico-paciente, que passou de forte paternalismo
ao respeito pela autonomia do paciente, foi um dos Objetivos
fatores que levaram a mudanças no enfrentamento
da proximidade da morte na atualidade, reforçando
Identificar e analisar questões éticas relaciona-
a necessidade de se reconhecer a finitude da vida
das à autonomia do paciente e reconhecidas por pro-
humana, evitar sua conservação de forma incondi-
fissionais no cotidiano de uma equipe de cuidados
cional, aplicar todas as medidas necessárias e dis-
paliativos, sob o referencial bioético da casuística.
poníveis para melhorar sua qualidade, e não sua
quantidade, manter o paciente (e seu representan-
te) devidamente informado e respeitar seu critério Procedimentos metodológicos
Artigos de pesquisa

para que possa participar da deliberação e decidir,


dentro da legalidade vigente, sobre o tratamento e
alguns aspectos relacionados às circunstâncias de Trata-se de pesquisa exploratória, de aborda-
sua morte ². gem qualitativa, em que todos os profissionais de
nível superior atuantes há pelo menos um ano na
Em paralelo, Tapiero ² ressalta que apesar da equipe de cuidados paliativos de um hospital geral
crescente tendência de se respeitar a autonomia do
da cidade de São Paulo/SP, exceto a coordenadora
paciente, na prática não é habitual que decida so-
da equipe, foram convidados a participar.
bre as circunstâncias de sua morte, mesmo porque
é frequente se lhe ocultar a condição de moribun- As entrevistas foram aplicadas em agosto de
do e, por isso, não é comum que a forma de morrer 2011, durante o expediente dos trabalhadores,
dependa de seus critérios, valores e crenças. Bélan- com duração média de 30 minutos. À exceção de
ger, Rodríguez e Groleau ³ também concluem que a uma entrevista por telefone, as demais foram apli-
maioria dos pacientes em cuidados paliativos deseja cadas no local de trabalho dos sujeitos. Foi manti-
exercer autonomia, preferindo participar na toma- do o anonimato dos sujeitos que aceitaram parti-
da de decisão sobre o tratamento em algum grau, cipar da pesquisa, sendo apresentados sob forma
enquanto só a minoria prefere delegar esse papel. numérica.

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Questões éticas referentes às preferências do paciente em cuidados paliativos

Foram aplicadas entrevistas semiestruturadas, intervenção, a documentação em prontuário se faz


cujo roteiro foi elaborado pelos pesquisadores e necessária para respaldar a equipe: “Se o pacien-
validados por meio de pré-teste. A análise temáti- te tem possibilidade de julgamento a gente chega
ca adotou a casuística como referencial teórico. As muito no paciente e pergunta, conversa, esclarece.
questões norteadoras foram: “Por favor, comente O que o paciente não quer, a gente procura deixar
sobre como é o trabalho desenvolvido pela equipe tudo muito bem documentado em prontuário pra
de cuidados paliativos e quais as principais dificulda- que isso não venha trazer problemas” (E4).
des enfrentadas”; “Com quais problemas éticos o(a)
A existência de limite ao respeito à autono-
senhor(a) se depara ao atuar nesse serviço?”; “O
mia do paciente que recusa uma intervenção sobre
que facilita a discussão e tomada de decisão nessas
a qual o profissional tem segurança de que seria
situações?”; “Que tipo de apoio seria interessante
proveitosa é, por sua vez, questionada: “Quando eu
para ajudar a lidar com esses problemas éticos?”
chego pra um paciente que precisa fazer exercício,
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Éti- um paciente que se beneficiaria muito de um exercí-
ca em Pesquisa da Faculdade de Saúde Pública da cio, enfim... E ele me diz que ele não quer fazer (...).
Universidade de São Paulo (Ofício 181/11) e os en- Quando, até onde respeitar a vontade do paciente
trevistados foram esclarecidos acerca do caráter da se eu profissional sei que aquilo faria diferença pra
pesquisa, objetivos, procedimentos e possibilidade ele? Até onde respeitar? Até quando deixá-lo exercer
de recusa a qualquer momento, manifestando o a sua autonomia?” (E2).
consentimento mediante assinatura de termo de
consentimento livre e esclarecido (TCLE). No discurso a seguir verificamos que, ao longo
do tempo em que atua nos cuidados paliativos, E2
tem amadurecido com relação ao respeito à autono-
Resultados e discussão mia do paciente: “E eu fui entendendo que nem sem-
pre a minha vontade era soberana aqui”. A entrevista-
da reconhece que a formação profissional direciona e
Foram entrevistados onze profissionais: três
cria expectativas com relação à proatividade do pro-
enfermeiros, cinco médicos, um nutricionista, um fi-
fissional em promover mudanças substanciais a partir
sioterapeuta e um assistente social. A média de ida-
dos recursos terapêuticos de que dispõe.
de dos entrevistados é 41,3 anos, variando de 28 a
51. A média de tempo de exercício profissional geral Entretanto, a experiência que adquiriu atuan­
foi de 14,5 anos, variando de 5 a 25 anos. Os entre- do em cuidados paliativos agregou a consciência de
vistados trabalham na área de cuidados paliativos há que, por vezes, a atuação é restrita ao que ela cha-
5,6 anos em média, variando de um ano e meio a 12 ma “vigilância”, e se refere à atenção dada aos pa-
anos. Com relação à crença religiosa, três se declara- cientes que não desejam a atuação específica que
ram católicos, três protestantes de diversas confis- tem a oferecer: “A minha formação é essa: eu tenho
sões, um espírita e um judeu, e três afirmaram não que promover alguma mudança. Então eu demorei,
ter religião definida. Alguns participantes já tinham até hoje isso pra mim é uma coisa que me incomo-
experiência em cuidados paliativos previamente ao da quando eu acho que... Somente... Somente vi-

Artigos de pesquisa
ingresso na equipe estudada. A média de tempo de- giar...” (E2).
dicada especificamente ao trabalho na equipe estu-
Neste exemplo podemos notar um conflito en-
dada é de 3,77 anos, variando de 1 a 4 anos.
tre os princípios de beneficência e respeito à auto-
Ao longo das entrevistas foram observadas as nomia. Essa postura pode ser paternalista caso con-
seguintes questões éticas relacionadas às preferên- trarie as preferências do paciente e seja justificada
cias do paciente: respeito à autonomia do paciente; pelo objetivo de beneficiar o paciente ou evitar que
veracidade e direito à informação; comunicação e sofra danos 4. As circunstâncias concretas de cada
respeito no recebimento de más notícias; cerco do caso devem ser analisadas a fim de verificar se é
silêncio; participação na deliberação e tomada de uma atitude paternalista justificável.
decisão: paciente, equipe e família; preferências
Há situações em que, ao contrário da acima re-
quanto ao local de tratamento e morte.
latada, o paciente opta por intervenções agressivas
apesar da avaliação do profissional de que isso seria
Respeito à autonomia do paciente fútil ou lhe traria mais desconforto que benefício 5.
Quando o paciente tem condições de jul- De acordo com Macauley 5, muitas vezes o consenso
gamento, a equipe esclarece a situação e leva em é atingido depois de necessário esclarecimento, po-
conta sua opinião. Quando há recusa de alguma rém há casos em que a decisão do paciente é mais

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Questões éticas referentes às preferências do paciente em cuidados paliativos

emocional que racional e desistir de intervenções O direito à informação é amplamente reco-


com foco curativo desafiaria o senso de esperança, nhecido pela equipe que estudamos: “Se o paciente
impondo intensa percepção de fracasso, fraqueza tem desejo de saber, como tem um caso aqui, que a
ou covardia 5. paciente ela é totalmente esclarecida e ela induziu
a equipe a contar tudo pra ela do que ela tinha e o
O autor argumenta que paliativistas conside-
porquê dos sintomas. Então o próprio paciente mui-
ram a complexidade do sofrimento humano, expres-
tas vezes induz a equipe a isso e deseja, e também é
sa inclusive no conceito de “dor total” proposto por
um direito que o paciente tem” (E1).
Cicely Saunders, mas paradoxalmente resistem a
aceitar a possibilidade de o sofrimento emocional As informações acerca do estado clínico são
de um paciente que aceitou o tratamento paliativo necessárias, ainda, para o paciente poder planejar
ser mais severo que o sofrimento físico esperado sobre sua vida e tomar providências frente à proxi-
como consequência de um tratamento agressivo. midade do seu fim: “Eu acho que ele tem o direito de
Conclui, então, que cuidados paliativos também têm saber aquilo que ele tem e de se planejar em cima
suas bases valorativas, o que por vezes gera confli- do tempo que ele ainda tem pra fazer as suas coisas.
tos por propor-se, ao mesmo tempo, uma aborda- Então se ele achar que tá tudo bem, ele pode até
gem centrada no cliente e que prioriza o respeito à morrer achando que tá tudo bem” (E2).
autonomia 5. A comunicação foi reconhecida, inclusive,
Podemos notar, ainda, a valorização da opi- como instrumento fundamental para resolver pro-
nião dos familiares nas decisões sobre o paciente e blemas éticos entre profissionais e paciente/família:
o consequente compromisso de compartilhar com “A boa comunicação. Acho que é o principal instru-
mento entre equipe e estender isso para os familia-
a família todas as informações necessárias: “Porque
res do paciente” (E6). Mediante comunicação, res-
em cuidado paliativo normalmente a gente não es-
peito à diversidade de opiniões e unidade os con-
conde, principalmente do familiar” (E1).
sensos devem ser alcançados, iniciando-se entre os
Essa realidade reflete o fato de ser frequen- próprios membros da equipe:
te o paciente em cuidados paliativos não estar em
condições de deliberar e decidir e, portanto, de “Eu acho que é justamente a questão de todos fa-
exercer autonomia, passando a ser crucial, então, a larem a mesma língua, sabe, de você ter a cabeça
participação da família a fim de representar os seus aberta e você ter o discernimento pra poder discuti-­
valores e interesses, ou o recurso às diretivas anteci- las. Inclusive discuti-las não só na equipe, mas pe-
padas de vontade, sempre que o paciente as tenha rante a família, né? Perante todo o restante da equi-
manifestado. pe multidisciplinar. (...) Cada um respeita a sua opi-
De acordo com Kovács, parte importante dos nião, mas eu acho que no fundo todos conseguimos
cuidados no final da vida é facilitar o exercício da chegar num ponto comum. Eu acho que isso minimi-
autonomia e decisões de pessoas enfermas, que tra- za muito a questão dos impasses médicos, a questão
zem consigo sua biografia 6. de bater de frente em relação a condutas mesmo da
equipe em si” (E4).
Artigos de pesquisa

Veracidade e direito à informação


A ideia de que a veracidade entre paciente e Comunicação e respeito no recebimento de más
profissional de saúde (incluindo, muitas vezes, tam- notícias
bém os familiares do paciente) é fundamental para A compreensão de uma informação depende
o exercício da autonomia e para a construção ou do sucesso do processo de comunicação. No caso da
manutenção de uma relação permeada de confian- comunicação entre profissional de saúde e paciente
ça foi explicitada: e/ou família, muitas dificuldades de comunicação
podem impor-se.
“Só a verdade. Entre o médico, equipe, família e pa- Os pacientes podem ter sua capacidade de
ciente. Tenho uns chavões: ‘a gente só pode brigar compreensão ameaçada ou diminuída em decor-
com inimigos que conhece’. Não posso esperar que rência de estados de humor como ansiedade e
a família ajude numa decisão – não pode compre- depressão, rebaixamento de nível de consciência,
ender – se eu disser meias verdades. Então dividir comprometimento cognitivo, sensorial ou pela pró-
100% com a família, porque se a família não se sen- pria dor e outros sintomas intensos. A participação
tir segura e acolhida não vai funcionar” (E6). da família ou representante legal do paciente em

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Questões éticas referentes às preferências do paciente em cuidados paliativos

relação às decisões sobre a condução do caso passa informação não priva o paciente do sofrimento, mas
a ser maior. a comunicação respeitosa lhe traz benefícios:
Além disso, profissionais de saúde podem ter
dificuldades para empreender uma eficaz interação “Quando o paciente sabe, a gente toca isso na lin-
com o paciente/família por falta de habilidade em guagem que ele aguenta, do jeito que ele quer. É
comunicar-se de forma simples, acessível e de acor- muito legal. Geralmente quem viveu muito bem, vai
do com as características dos interlocutores, ou pelo morrer muito bem. Quem consegue ter transparên-
receio de sobrecarregar emocionalmente o paciente cia nessa hora, não quer dizer que não sofre, que
com uma má notícia ou mitigar sua esperança. não angustia” (E7).

Vale considerar que assim como o acesso à Enquanto a mentira e a omissão isolam o pa-
informação é identificado como elemento ético im- ciente, a oportunidade de partilhar os medos, an-
portante na relação terapêutica, a qualidade da co- gústias e preocupações pode trazer benefício tera-
municação também traz implicações éticas, vez que pêutico, sempre que se tenha cuidado com relação
deve beneficiar o paciente e evitar os danos emocio- ao que, como, quando, quanto e a quem se deve in-
nais que uma má notícia pode trazer. formar 7. Assim, foi feita referência à forma na qual
Muitos profissionais, e por vezes familiares, as informações devem ser oferecidas ao paciente:
se questionam sobre se o paciente deseja real- “Lógico que a verdade não precisa ser “entuxada”,
mente saber a verdade, se isso pode lhe prejudicar, mas com delicadeza...” (E6).
se seria melhor omitir a verdade ou não ser veraz Fallowfield e colaboradores 8 ressaltam ser
para preservar a esperança. Essa preocupação foi frequente profissionais de saúde alegarem que a
apresentada: “Até onde a gente vai? (...) Então é maioria dos pacientes não deseja saber a verdade,
lícito a gente expô-la diante de uma verdade que pois perderiam a esperança, ficariam oprimidos e
às vezes ela não quer ver?” (E9). Esta colocação deprimidos, se tornando assim incapazes de apro-
remete a uma exceção à regra de consentimento veitar o tempo que lhes resta. Entretanto, há pouca
informado reconhecida no âmbito da assistência à evidência desse processo. Ao contrário, a omissão
saúde. Trata-se do chamado privilégio terapêutico, de informações importantes sobre a realidade do
caracterizado pela omissão de informações sobre o estado de saúde do paciente não o protege do sofri-
estado de saúde do paciente baseado num julga- mento psicológico. O resultado mais frequente des-
mento fundamentado do médico de que divulgar a sa atitude evasiva do profissional é, para o paciente,
informação seria potencialmente prejudicial a um maior angústia, dificuldade e lentidão no processo
paciente que está deprimido, emocionalmente es- de ajustamento necessário.
gotado ou instável 4. Oliveira e colaboradores 9 observaram que
Compreende-se assim que as informações 90% dos médicos entrevistados afirmaram prover
devem ser oferecidas ao paciente com cuidado, res- suporte emocional ao paciente, porém 20% infor-
peitando também o direito de “não saber”. Foi reco- maram não conversar sobre a doença nem comu-
nhecida uma diferença cultural entre o Brasil e paí- nicar o diagnóstico verdadeiro ao paciente em fase

Artigos de pesquisa
ses de cultura anglo-saxônica, que permite que, no terminal. Além disso, apesar de 70% dos médicos
Brasil, a informação seja dada de forma mais caute- concordarem que a discussão aberta sobre questões
losa: “A gente tem a sorte ética... uma sorte humana de vida e morte não causa danos ao paciente, 80%
de não estar em uma cultura anglo-saxônica, dentro deles preferem não esclarecer a estimativa de tem-
de uma cultura ainda não tão litigiosa, que eu pre- po de vida para os pacientes.
cise dizer pro paciente: tempo de vida; perspectivas; A comunicação dos médicos participantes do
chances etc. A gente tem a possibilidade latina de estudo acima citado com os familiares dos pacientes
contar o que ele aguenta ouvir, na velocidade que também é restrita. Oitenta por cento dos entrevis-
ele aguenta ouvir, oferecer silêncio... e esperar” (E7). tados afirmaram apenas esclarecer dúvidas dos pa-
Nesse sentido, Pessini 7 concorda que a atitude rentes e 30% relataram não dar apoio nem conver-
anglo-saxã em relação à comunicação de diagnósti- sar abertamente com eles acerca da doença do pa-
co/prognóstico vai mais na direção da verdade obje- ciente 9. Em revisão de literatura sobre comunicação
tiva dos fatos, o que contrasta com a nossa cultura entre profissional de saúde e paciente de cuidados
latina, que faz uma leitura emocional da verdade paliativos, Slort et al. 10 constataram que as barreiras
médica com a preocupação de proteger o paciente mais frequentemente citadas para a comunicação
da verdade. Reconhece-se também que ter acesso à foram: a falta de tempo do profissional; a ambiva-

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Questões éticas referentes às preferências do paciente em cuidados paliativos

lência ou falta de desejo do paciente em saber sobre falar sobre questões referentes à finitude, reconhe-
o prognóstico; e o fato de o profissional não falar çam suas ambivalências e as do paciente sobre de-
honestamente sobre diagnóstico ou prognóstico. terminados assuntos, reavaliem continuamente as
Em contrapartida, os facilitadores à comunica- necessidades e preferências do paciente e tenham
ção mais citados foram: a disponibilidade do profis- alto nível de habilidades de comunicação para dis-
sional; relacionamentos duradouros entre paciente cutir, adicionalmente, questões emocionais e espiri-
e profissional; o profissional manifestar compromis- tuais com o paciente 10.
so, abertura e permissão para discutir qualquer as-
sunto, sendo honesto e amigável, ouvindo de forma Cerco do silêncio
ativa e levando o paciente a sério; tomar iniciativa A dificuldade de falar sobre o processo de
em tocar temas relacionados à finitude, sem omitir doença e a expectativa da brevidade da vida é fre-
informações; negociar opções terapêuticas, dese- quente entre profissionais de saúde e também para
jando falar sobre diagnóstico e prognóstico, prepa- os próprios pacientes e seus familiares. É comum
ração para a morte, questões psicológicas, sociais e observar o designado “cerco”, “conspiração” ou
espirituais do paciente e suas preferências. “pacto” de silêncio, identificado pelos entrevistados
Foi identificada ambivalência por parte de pa- como problema ético: “Do ponto de vista ético, o
ciente e profissional acerca da discussão de prog- que me chama muita atenção ainda acho que é o
nóstico. Muitos pacientes manifestam querer infor- cerco do silêncio” (E7).
mação completa, mas às vezes são relutantes em O cerco do silêncio é definido como o acordo
saber de um mau prognóstico. Por sua vez, profis- implícito ou explícito, por parte de familiares, ami-
sionais referem ser conscientes do impacto das in- gos e/ou profissionais, de alterar a informação que
formações sobre a esperança do paciente e acham se dá ao paciente com a finalidade de ocultar-lhe o
difícil julgar o momento adequado para começar a diagnóstico e/ou prognóstico e/ou gravidade da si-
discussão sobre essas questões 10. tuação 11. E7 afirma que o cerco do silêncio: “É um
Comparando sua pesquisa com a literatura diagnóstico em cuidado paliativo onde você percebe
sobre comunicação entre profissional e paciente que esse paciente não está participando ativamen-
em contextos gerais, Slort et al. 10 concluíram que a te das escolhas sobre si porque não sabe o que tá
comunicação em cuidados paliativos não é tão dife- acontecendo”.
rente. O que poderia ser entendido como questões Quando quem detém a informação é a família,
específicas são: a maior dificuldade de predizer o ela detém o poder de decidir sobre o paciente: “As
curso clínico da doença, que leva a maior incerteza famílias tomarem conta das decisões, das escolhas,
acerca do prognóstico; a ambivalência sobre como e do diagnóstico que pertence ao paciente” (E7). O
lidar com informações referentes a um mau prog- intuito de quem impõe o cerco do silêncio é evitar
nóstico; a relevância de reavaliar continuamente as o sofrimento do outro: “Ele não vai aguentar sa-
necessidades de pacientes e família no tocante à ber”; “Vai sofrer muito” (E7). Porém, de acordo com
oferta de informação, vez que as ideias e preferên- a entrevistada, além de não excluir o sofrimento o
Artigos de pesquisa

cias do paciente podem mudar ao longo do tempo. cerco do silêncio priva a pessoa da possibilidade de
Além disso, profissionais devem distinguir en- exercer autonomia: “Na verdade, essas pessoas es-
tre problemas do paciente e suas necessidades per- tão sofrendo... privando o paciente da escolha (...)
cebidas, pois o paciente pode não querer abordar causa um grande desgaste na família e também na
determinados problemas. Com relação aos temas gente, é os pacientes que não sabem o que tá acon-
da comunicação, questões mais específicas dos cui- tecendo” (E7).
dados paliativos são a explanação sobre a fase final Foi descrita cena em que o cerco do silêncio
da doença, preferências e emoções relativas ao fim permeia as relações: “Lá na casa, no portão, alguém
da vida, questões espirituais, futilidade terapêutica, da família me pede pra não falar sobre o assunto,
opções de tratamento que prolonguem a vida, deci- sobre o diagnóstico, sobre prognóstico, sobre tempo
sões relativas ao fim da vida e crenças sobre o que de vida, sobre nada praticamente, né? Na maioria
há para além da vida 10. das vezes, a gente sabe que o paciente já sabe e
Os autores sugerem que os profissionais de existe a tal conspiração do silêncio” (E10). Ao res-
cuidados paliativos estejam disponíveis para o pa- saltar a dialética do cerco do silêncio entre paciente
ciente, tenham uma abordagem aberta e compro- e família, a entrevistada afirma que, muitas vezes,
metida, ouçam ativamente, tomem iniciativa para o contrário das situações relatadas também ocorre,

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Questões éticas referentes às preferências do paciente em cuidados paliativos

sendo o paciente quem detém a informação, sem Jonsen, Siegler e Winslade 1 aconselham a
querer que a família saiba: nunca alegar futilidade para justificar decisões unila-
terais, evitando assim conversas difíceis com pacien-
“O paciente não fala pra família, eu imagino que pra te ou família, e que se evite o uso do termo futilida-
família não sofrer... mais... E a família não fala nada de com a família, haja vista sua conotação negativa.
pro paciente, também com o mesmo objetivo. E fica Sugerem, ao invés disso, direcionar os esforços para
tudo muito... fica uma situação calada e sofrida” (E10). oferecer conforto e paliação ao paciente, pois os
prejuízos de uma intervenção mais agressiva podem
Além de causar sofrimento à família e ao pa- exceder os benefícios possíveis.
ciente, o cerco do silêncio impõe um dilema para os
A autonomia do paciente (exercida por ele
profissionais: “Quem que eu vou acatar? E a gente
ou por seu representante) foi reconhecida como
vai tateando e... né? E... deixando a coisa fluir um
importante elemento para a definição da condu-
pouco devagar. E acaba... no final, eu acho que
ta, cabendo à equipe legitimar sua participação no
acaba tudo dando certo. Mas é um dilema” (E10);
processo deliberativo: “Como a ideia das condutas
“Essa questão do cerco do silêncio é uma coisa que
tem muito a ver com o respeito à autonomia do pa-
sempre me angustiou porque eu não sei de que lado
ciente (...) é uma questão de legitimar esse pacien-
eu fico... Então eu prefiro ficar na minha mesmo. Eu
te, essa família” (E7).
prefiro ficar bem quieta” (E2).
A questão da participação da família na tomada
Fallowfield, Jenkins e Beveridge 8 afirmam que
de decisão é trazida também com outro foco. Entre-
embora a motivação por trás do cerco do silêncio
vistados manifestaram preocupação pela atribuição,
seja bem intencionada, resulta em elevado estado
a pessoas leigas, da função de decidir sobre ques-
de ansiedade, medo e confusão, e não serenidade
tões técnicas sobre as quais não têm competência:
e segurança. Além disso, nega aos sujeitos a opor-
tunidade de reorganizar e adaptar suas vidas para
realizar metas mais plausíveis, pautadas por espe- “Eu vejo acontecer na clínica médica, na geriatria,
ranças e aspirações realistas. No caso dos cuidados não com a gente é... Passar pro paciente e pra famí-
paliativos, pacientes necessitam de informações lia dilemas que é da equipe decidir. Por exemplo, se
o paciente tem a indicação de algum procedimento
claras para planejar e tomar decisões sobre o local
e aquele procedimento ele é muito específico, você
da assistência e da morte, colocar assuntos penden-
precisa de formação pra discernir sobre aquele pro-
tes em ordem, despedir-se, fazer pazes e proteger-­
cedimento. Muitas vezes aquilo, ele é jogado a res-
se de terapias fúteis. Os autores concluem que a
ponsabilidade para o familiar (...) Não acho que é
oferta de informações honestas ao paciente é um
ético discutir isso com uma pessoa leiga” (E5).
imperativo ético 8.
E6 concorda, ao afirmar que: “Tem coisa que é
Participação na deliberação e tomada de decisão: conduta médica. Daí não existe “o que você quer?”,
paciente, equipe e família porque é conduta médica, não algo que a família
Um entrevistado considerou como importante pode escolher”. Ante tais constatações as entrevis-

Artigos de pesquisa
problema ético a tomada de decisão unilateral por tadas remetem à discussão sobre quais questões e
parte da equipe médica sobre questões relativas ao de que forma a família deve participar no processo
investimento terapêutico: “O que me deixa absolu- de deliberação em cuidados paliativos:
tamente chocada, horrorizada, é a decisão unilate-
ral de uma equipe médica de não mais investir em “Tudo bem (a família participar de decisões) em
paciente ou não. E o termo é ‘investir’, como se o questões como analgesia, sonda para não vomitar...
paciente fosse uma bolsa, um mercado de ações, ajudar a escolher entre sonolência ou um pouco de
né? Então, em geral, os médicos avisam que não vão dor... Mas operar ou não, ir para UTI ou não, são
mais fazer... Ainda avisam... talvez...” (E7). outra coisa, são decisões de conduta médica” (E6).

Na fala acima transcrita verificamos o incômo- Os discursos expressam, assim, que caberia à
do pelo fato de a equipe médica não permitir que equipe discernir sobre quais questões relacionadas
paciente e família participem de decisão tão impor- ao tratamento do paciente a família pode opinar, e
tante e também com relação a um termo bastante em quais circunstâncias deve ser esclarecida a fim
utilizado que é o “investir”, que, em sua opinião, é de compreender a conduta decidida pela equipe:
ambíguo e permite uma visão depreciativa e utilitá- “Muitas coisas a família não tem que decidir, mas
ria sobre o paciente. compreender a sua decisão, porque a conduta é mé-

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Questões éticas referentes às preferências do paciente em cuidados paliativos

dica. O profissional tem que ter isso claro pra ele de A preocupação dos entrevistados que se pro-
até onde a família pode opinar” (E6). Delegar à famí- nunciaram a respeito da participação da família na
lia do paciente a responsabilidade por decisões de tomada de decisão advém do risco das possíveis
conduta médica foi identificado como problema, es- implicações jurídicas contra a equipe ou determina-
pecialmente quando há discordâncias entre mem- do profissional. A próxima fala representa bem essa
bros da família ou entre família e equipe. posição: “Juridicamente, não importa o que a família
escolha. A tomada de decisão da família não tem ne-
As situações citadas pelos entrevistados, em
nhum valor. Aliás, sempre tem um familiar que chega
que tais conflitos emergem, vão desde o enca-
de ‘Titirica da Serra’ e chega cansando, põe carami-
minhamento aos cuidados paliativos, incluindo a
nhola na cabeça e vai até o juiz. Se se agarrar ao fato
indicação de procedimentos menos invasivos e a
que a família escolheu, certamente pagará indeniza-
contraindicação de medidas desproporcionais, ao
ção. Mas se for a conduta, é respaldado” (E6).
dilema, de modo especial, entre reanimar ou não o
paciente. Nesse sentido, foi referido como problema Tal observação chama atenção à necessida-
o fato de muitas vezes a equipe médica que encami- de de integração e coerência entre os membros da
nha o paciente ou pede interconsulta não zelar pelo equipe e entre eles e a família, para evitar proble-
esclarecimento prévio da família: mas judiciais: “É imprescindível que todos os passos
estejam friamente compassados, e também dife-
“A gente esbarra muitas vezes no não falar da equi- renciar o que é conduta médica e no que o familiar
pe médica que está, digamos assim, gerenciando o pode interferir” (E9). Ressalte-se ainda que: “Acaba-­
caso do paciente. O fato de não falar das condições se chegando a um acordo, mas sempre com muito
que realmente ele está... A possibilidade de cura que desgaste, às vezes, com um desgaste muito... muito
não existe mais, de controle dos sintomas” (E4). grande, né. Tem pessoas até agressivas... Até violen-
tas” (E10).
De acordo com um dos entrevistados, a falta Kovács 6 relaciona a dificuldade da participa-
de informação da família ocorre mais em função ção de pessoas leigas nas reflexões e tomada de de-
de limitações da própria família do que devido à cisão sobre cuidados no final da vida a atitudes cul-
indisponibilidade da equipe: “Que se houve uma turais muito arraigadas de negação da morte. A au-
desinformação ou uma não informação, às vezes tora sugere debates e esclarecimentos à população
é muito mais por uma família que não era presen- como estratégias que possibilitem a preservação da
te porque o paciente não deixava, ou porque não dignidade e qualidade no processo de morrer.
conseguia ser presente, e que a gente acaba tendo
que contar todo o final da história e... Contar qual
que é o melhor tratamento para aquele paciente. Preferências quanto ao local de tratamento e morte
E induzir essa família a acreditar na gente. A gente É comum o paciente internado desejar ser tra-
tem um problema ético, que é o problema de comu- tado em casa. Nesses casos a equipe deve, então,
nicação” (E7). se empenhar para que esse objetivo se cumpra. O
fato de o serviço de cuidados paliativos estudado
Como problema ético, E10 aponta a rejeição
oferecer assistência domiciliar favorece essa possi-
Artigos de pesquisa

da família frente à proximidade da perda do familiar,


bilidade: “O paciente quer muito ir pra casa. Então
dificultando entender a ideia de cuidados paliativos,
a equipe se empenha mais ainda pra tentar mandar
bem como o quanto é inócuo manter alguns proce-
essa pessoa pra casa” (E2).
dimentos: “A questão do... principalmente da famí-
lia, não aceitar cuidados paliativos. É não aceitar que Muitas vezes o paciente deseja falecer em
se falem os procedimentos desnecessários... fúteis. É casa, mas isso traz implicações legais importantes:
muito frequente, também. (...) É muito difícil as pes- “E essa é uma questão até ética que não é bem acei-
soas aceitarem que não se faça mais procedimentos, ta, entendeu? E que a gente tem muitas barreiras
que não se invista em medidas que não vão dar em em caso de óbito no domicílio. Não pelo lado da fa-
nada”. Pautadas nas mesmas dificuldades as entre- mília, mas pelo lado burocrático mesmo, lá do siste-
vistas também fazem referência a problemas no mo- ma. Quando uma pessoa morre em casa os trâmites
mento do óbito: “No prontuário estava escrito, mas normais quais são? Polícia... IML...” (E1).
a gente sabia que havia um litígio entre equipe mé- Além dos motivos legais apontados, a dificul-
dica e família. Então, o que fazer?” (E6). dade de o paciente falecer em casa mesmo quando

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Questões éticas referentes às preferências do paciente em cuidados paliativos

assim o deseja está, de acordo com os entrevistados, Considerações finais


relacionada à incapacidade de a família acompanhar
o processo até o final: “Porque a família não tem es-
Os resultados da pesquisa permitiram identifi-
trutura pra suportar esse... O falecimento no domicí-
car importantes questões pertinentes à autonomia
lio” (E10). Os entrevistados também aludem à falta
do paciente em cuidados paliativos, sob o paradig-
de recursos, por parte da equipe, para que possam
ma bioético da casuística. O dever de respeitar a au-
dar suporte ao paciente e família nessa situação:
tonomia do paciente foi reconhecido, porém foram
identificados conflitos entre esse princípio e o de
“Uma coisa que seria, que talvez cairia na questão beneficência, principalmente quando o paciente re-
do princípio ético da justiça nos cuidados paliativos cusa intervenção. A experiência em cuidados paliati-
é às vezes não ter tantos recursos quanto eu gosta- vos foi apontada como estímulo a uma atuação com
ria... pra um paciente que quer estar em casa e a maior respeito às preferências do paciente. Entrou
gente não tem um curativo diário, ou a gente não em discussão, também, a moralidade de o paciente/
tem uma garantia de transporte imediato, ou a família participar de decisões sobre conduta médica.
gente não dá conta de uma demanda que poderia
ser visita médica semanal, porque a gente tem limi- O dever de veracidade foi reconhecido e a
te de equipe mesmo” (E7). comunicação apontada como componente neces-
sário para a relação terapêutica, sendo condição
Em decorrência, um problema ético muito elementar para o paciente exercer autonomia. Pa-
frequente é o não cumprimento do combinado ralelamente, o respeito aos limites emocionais do
entre paciente, equipe e família com relação ao paciente com relação à ciência de más notícias foi
local e contexto da morte, quando falecer em colocado como necessário. Para fazer frente a essas
casa é desejo manifesto do paciente: “Então ficou demandas, ressalta-se a importância de os profis-
certo, o paciente manifestou o desejo de falecer sionais desenvolverem habilidades de comunicação.
em casa, a família por um momento concorda e O cerco do silêncio foi colocado como impor-
quando chega o momento eles não suportam e tante obstáculo para a autonomia e resolução de
trazem o paciente que, às vezes, falece na ambu- pendências por parte do paciente que ainda teria
lância, no trajeto, ou no pronto-socorro de uma condições de decidir e atuar socialmente. Além dis-
forma bem ruim. Longe dos familiares, longe do so, os profissionais de saúde podem enfrentar como
seu ambiente” (E10). um dilema ético a escolha da postura a adotar pe-
Por todas essas questões a escolha do local rante este cerco.
do cuidado e da morte é apontada como algo de- A escolha do local de tratamento e morte foi
safiador do ponto de vista ético 12. Por vezes, o pa- citada como importante aspecto dentre as preferên-
ciente prefere determinado local para ser cuidado cias do paciente, embora seja reconhecida a dificul-
e morrer, porém isso pode não ser factível ou ético. dade de viabilizar uma assistência adequada quando
Os autores sugerem que o planejamento para alta a escolha é pela própria residência. Nesse caso, faz-­
hospitalar do paciente com doença ameaçadora da se necessária a avaliação das necessidades e prefe-

Artigos de pesquisa
vida considere se ele tem condições mentais para rências do paciente juntamente com a disponibilida-
tomar essa decisão. Devem ser analisados, ainda, de de assistência formal e informal no domicílio.
os riscos que o cuidado domiciliar pode significar
O estudo evidenciou o destaque do tema da
para os cuidadores, suas opiniões, as fontes de re-
comunicação. O fato de a comunicação em cuida-
cursos necessários e a qualidade do relacionamen-
dos paliativos muitas vezes incluir questões de forte
to entre paciente e familiares 12. conteúdo emocional a torna desafiadora para todos
A escolha do paciente deve ser facilitada sem- os envolvidos, o que frequentemente resulta na
pre que possível, respeitando assim sua autonomia, omissão de determinadas informações e atitudes
mas deve-se evitar causar dano quando o cuidado paternalistas perante o paciente. Em paralelo, é re-
domiciliar não for plausível, utilizando como crité- conhecido o seu papel enquanto instrumento para
rio o melhor interesse do paciente e o bem-estar enfrentar problemas éticos, e ainda como prerroga-
dos envolvidos no cuidado. É papel da equipe de tiva para o exercício da autonomia, para a relação
saúde, inclusive, explicar ao paciente por que suas terapêutica, ajustamento psicológico e resolução de
preferências não podem ser facilitadas 12. pendências.

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Recebido: 2.12.2013
of place of care in palliative care. Postgrad Med J. 2007;83(984):643-8.
Revisado: 2. 4.2014
Participação dos autores
Aprovado: 1. 7.2014
Este manuscrito é parte dos resultados da tese de Carolina Becker, orientada pelo prof. dr. Paulo
Antonio de Carvalho Fortes. Ambos colaboraram na condução da pesquisa e na elaboração do artigo,
compartilhando, dessa forma, sua autoria.
Artigos de pesquisa

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MÓDULO 3
74424
Brazilian Journal of Development

Percepção de familiares de crianças internadas em unidade pediátrica sobre


cuidados paliativos

Perception of family members of children in a pediatric unit about palliative


care
DOI:10.34117/bjdv6n10-026

Recebimento dos originais: 08/09/2020


Aceitação para publicação: 02/10/2020

Beatriz Molina Carvalho


Formação Acadêmica mais alta: Enfermeira especialista em Saúde da Criança, Mestranda em
Enfermagem em Saúde Pública pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de
São Paulo (EERP/USP)
Instituição de atuação atual: Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São
Paulo (EERP/USP)
Endereço completo: Av. Bandeirantes, 3900 – Monte Alegre. Ribeirão Preto – SP, Brasil
E-mail: beatriz.molinacarv@hotmail.com

Raquel Matioli Vieira


Formação Acadêmica mais alta: Enfermeira especialista em Saúde da Criança, Mestranda em
Enfermagem pela Universidade Estadual de Londrina (UEL)
Instituição de atuação atual: Universidade Estadual de Londrina (UEL)
Endereço completo: Av. Robert Koch, 60 – Operária. Londrina – PR, Brasil
E-mail: raquelmatioli@hotmail.com

Mauren Teresa Grubisich Mendes Tacla


Formação Acadêmica mais alta: Professor Associado do Departamento de Enfermagem da
Universidade Estadual de Londrina (UEL) – Área de Saúde da Criança
Instituição de atuação atual: Universidade Estadual de Londrina (UEL)
Endereço completo: Av. Robert Koch, 60 – Operária. Londrina – PR, Brasil
E-mail: maurentacla@gmail.com

Enedina Beatriz Porto Braga Misael


Formação Acadêmica mais alta: Enfermeira especialista em Saúde da Criança pela Universidade
Estadual de Londrina (UEL), Enfermeira do Pronto Atendimento do Hospital do Câncer de
Londrina
Instituição de atuação atual: Hospital do Câncer de Londrina
Endereço completo: Rua Lucilla Ballalai, 212 – Jardim Petrópolis. Londrina – PR, Brasil
E-mail: enedina_braga.porto@hotmail.com

Natalia de Godoi Barros


Formação Acadêmica mais alta: Enfermeira especialista em Saúde da Criança, Mestranda em
Enfermagem pela Universidade Estadual de Londrina (UEL)
Instituição de atuação atual: Universidade Estadual de Londrina (UEL)
Endereço completo: Av. Robert Koch, 60 – Operária. Londrina – PR, Brasil
E-mail: naatalia.godoi@hotmail.com

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Brazilian Journal of Development
RESUMO
Introdução: O Cuidado Paliativo (CP) é a promoção de qualidade de vida aos pacientes e familiares
diagnosticados com patologias incuráveis, por meio do alívio dos sintomas dos âmbitos biológicos,
psicossociais e espirituais e não a cura da doença. Dessa forma torna-se necessário a informação
para o empoderamento nas tomadas de decisão, incluindo a família. O objetivo do estudo foi
apresentar a percepção de familiares/cuidadores de crianças sobre cuidados paliativos no contexto
hospitalar. Método: Trata-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa, desenvolvido em uma
unidade de internação pediátrica de um hospital universitário público de alta complexidade.
Participaram do estudo acompanhantes de crianças internadas na unidade, sendo realizado
entrevistas semiestruturadas em fevereiro e março de 2019. Após a transcrição das entrevistas, a
exploração de dados ocorreu por meio da análise de conteúdo. Estudo aprovado pelo Comitê de
Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos da instituição, com parecer n° 2.377.162, CAAE nº
78934117.5.0000.5231. Resultados e Discussão: Participaram do estudo 12 responsáveis, sendo que
a maior parte referiu não compreender o CP; alguns participantes foram contrários a explicar para a
criança sobre sua condição de saúde, no caso de CP; já outros relataram ser importante comunicá-
las. A maioria dos familiares considerou que a equipe deve explanar a verdade sobre as condições
da doença e os desfechos possíveis para a criança. Considerações finais: O estudo revelou que os
pais/responsáveis consideram a verdade e a sinceridade a forma mais adequada de abordagem pelos
profissionais de saúde. Para que isso ocorra é preciso realizar nos ambientes de atendimento à saúde
debates e discussões sobre CP, além de ser necessário o assunto percorrer o processo de ensino
aprendizagem. Conclui-se que os CP são importantes para o cuidado integral à criança e ao
adolescente.

Palavras-chave: Saúde da criança. Enfermagem pediátrica. Cuidados paliativos. Família.

ABSTRACT
Introduction: Palliative Care (PC) is the promotion of quality of life to patients and family members
diagnosed with incurable pathologies, through the relief of symptoms in the biological, psychosocial
and spiritual spheres and not the cure of the disease. In this way it becomes necessary the
information for empowerment in decision making, including the family. The objective of the study
was to present the perception of family members/caregivers of children about palliative care in the
hospital context. Method: This is a qualitative approach research, developed in a pediatric admission
unit of a public university hospital of high complexity. Accompanying children in the unit
participated in the study, and semi-structured interviews were conducted in February and March
2019. After the transcription of the interviews, data exploration took place through content analysis.
Study approved by the Research Ethics Committee Involving Human Beings of the institution, with
opinion n° 2.377.162, CAAE n° 78934117.5.0000.5231. Results and Discussion: 12 responsible
people participated in the study, and most of them reported not understanding the PC; some
participants were against explaining to the child about his health condition, in the case of PC; others
reported that it was important to communicate them. Most family members considered that the team
should explain the truth about the disease conditions and possible outcomes for the child. Final
considerations: The study revealed that parents/guardians consider truth and sincerity the most
appropriate form of approach by health professionals. For this to happen, it is necessary to hold
debates and discussions on PC in health care environments, and the subject must go through the
teaching learning process. It is concluded that PCs are important for the integral care of children
and adolescents.

Keywords: Child health. Pediatric Nursing. Palliative care. Family.

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1 INTRODUÇÃO
O Cuidado Paliativo (CP) é a promoção de qualidade de vida aos pacientes e familiares
diagnosticados com patologias incuráveis, por meio do alívio de sinais e sintomas dos âmbitos
biológicos, psicossociais e espirituais (WHO, 2002; WORLDWIDE PALLIATIVE CARE
ALLIANCE, 2014).
A Organização Mundial da Saúde (OMS) apresenta a definição de CP para o público infantil,
como “[…] o cuidado total ativo do corpo, mente e espírito da criança e também envolve o suporte
à família”. Iniciam-se quando a doença é diagnosticada e continua independente de a criança receber
ou não tratamento para a doença. Os profissionais de saúde devem avaliar e aliviar os sintomas
físicos, psicológicos e sociais da criança (WHO, 1998 apud WHO, 2002, p. 85).
Anteriormente compreendia-se que os CP eram voltados aos pacientes em estágios
terminais, em que os tratamentos curativos não apresentavam a resposta esperada. Entretanto, a
OMS salienta que tal olhar deve ocorrer desde o início, com o diagnóstico de uma patologia crônica
e fatal (WHO, 2002).
Neste campo do cuidado tem-se como foco a qualidade de vida e não a cura de uma doença.
Dessa forma torna-se necessário a informação para o empoderamento em tomadas de decisão,
incluindo a família, com intuito de amenizar o sofrimento, atendendo aos sinais e sintomas
(CREMESP, 2008).
O CP tem sido direcionado em grande parte aos pacientes com câncer. Mas também tem sido
aplicado em outras condições crônicas como HIV/Aids, doenças cardiovasculares e
cerebrovasculares, demências, esclerose múltipla. No âmbito infantil as patologias direcionadas aos
CP são câncer, doenças cardiovasculares, cirrose hepática, anomalias congênitas, HIV/Aids,
meningite e doenças neurológicas (WORLDWIDE PALLIATIVE CARE ALLIANCE, 2014).
De fato, ainda há um espaço entre o que preconiza a teoria e sua aplicação na prática, mesmo
com a maior compreensão sobre o tema e a necessidade de sua implantação (WHO, 2002). Nesse
sentido, o intuito do CP “[...] não é prolongar ou diminuir a vida, mas melhorar sua qualidade para
que o tempo restante – sejam dias ou meses ou anos – possam ser tão proveitosos quanto possível”
(LAVY, 2009).
Há ainda a necessidade de diferenciar o CP dos cuidados ao fim da vida (CFV), sendo,
respectivamente, o cuidado desde o diagnóstico, durante o curso e o desfecho da patologia e a
assistência no final da vida com o processo da morte existente (BURLÁ; PY, 2014). Ademais, deve-
se ter como base que o paciente e sua família não se resumem a sintomas físicos, logo o cuidado
holístico deve ocorrer agregando importância aos CP (LAVY, 2009).

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Brazilian Journal of Development
1.1. CUIDADOS PALIATIVOS NO BRASIL
O CP no país necessita de regularização por meio de lei, pois ainda ocorre falta de
entendimento e preconceito sobre tal questão, presente também entre os profissionais de saúde.
Outro ponto é a escassa abordagem sobre o tema durante a formação destes profissionais, além de
poucos cursos de especialização na área, ocorrendo, muitas vezes, a falha no controle de um sintoma,
a dor, por desconhecimento na utilização de opioides para seu alívio (ANCP, 2017).
A Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP) ressalta que ocorrerá num futuro
próximo a mudança da compreensão sobre CP, desde a formação à legislação, levando em
consideração o papel importante deste cuidado na saúde pública (ANCP, 2017).
O Ministério da Saúde publicou a normatização, por meio de resolução, referente a oferta de
CP enquanto cuidados continuados integrados no Sistema Único de Saúde (SUS). Tal resolução
prevê a melhoria da qualidade de vida do paciente em CP e seus familiares, com cuidados
psicológicos e medicamentos para alívio de queixas álgicas, entre outros. A partir disso, tem-se a
definição de diretrizes de cuidado e aprimoramento de sua oferta. Para além, a proposta ainda traz
que seja identificado nas redes de atenção (atenção primária, ambulatorial, domiciliar, hospitalar),
a partir do diálogo com o paciente e de acordo com suas preferências, o tipo de cuidado e tratamento
médico que o mesmo receberá (PORTAL DO GOVERNO BRASILEIRO, 2018).
A Comissão de Saúde Pública da Assembleia Legislativa do estado do Paraná aprovou um
projeto de lei que institui uma rede de cuidados paliativos, aguardando o parecer da Comissão de
Direitos Humanos da Casa. Inspirado em outros países, este projeto irá proporcionar ao estado um
cuidado direcionado a portadores de doenças crônicas e progressivas, sem possibilidades de cura,
com abrangência à pacientes nos hospitais, bem como em seus domicílios (ASSEMBLEIA
LEGISLATIVA DO ESTADO DO PARANÁ, 2019).

1.2 CUIDADOS PALIATIVOS NA FAMÍLIA


A interação e troca de informações entre os profissionais de saúde, a família e o paciente
corroboram para a abordagem sobre a morte, sendo que cada ator desse processo terá um papel a
desempenhar durante o diagnóstico, o cuidado e posterior morte do indivíduo. A equipe de saúde
deverá proporcionar aos demais envolvidos no cuidado momentos de apoio e educação, cujo
objetivo será a qualidade do cuidar e de vida (REIGADA et al., 2014).
A família pode ficar esquecida devido a patologia e internação de seus entes queridos,
contudo ela é um agente do cuidado e, para realizar sua função, necessita de incentivo e apoio. O
profissional de saúde pode contribuir neste contexto de tomada de decisões. Uma das formas de

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Brazilian Journal of Development
colaborar é fornecer informações e esclarecer dúvidas sobre procedimentos, condutas e cuidados,
proporcionando um aumento na autonomia e qualidade de vida tanto para o paciente, quanto para
os seus acompanhantes (REIGADA et al.,2014).
Em unidade de internação pediátrica tem-se na admissão um momento propício para a
realização de um acolhimento e assim, fornecimento de informações sobre as condições da criança;
além da abordagem sobre os direitos e deveres da família nesse momento de hospitalização. Para
realizar esse contato de forma efetiva é preciso atentar-se à linguagem escolhida. Tal relação e
aproximação entre equipe e família vão ao encontro do cuidado centrado na família. Entretanto, os
profissionais necessitam de melhor preparo para aceitar e compreender a importância desses
acompanhantes no cotidiano hospitalar e no planejamento do cuidado (CORRÊA et al.,2015).
Corrêa et al. (2015) trazem como resultado de seu estudo a percepção de alguns profissionais
sobre a relevância da presença da família na hospitalização, enfatizando ganhos a crianças,
familiares e equipe, implicando na melhora da qualidade de vida e bem-estar do agente principal do
cuidado, fortalecendo vínculos e amenizando os danos de uma internação.
Outra limitação para a não efetivação de um cuidado colaborativo entre todos os envolvidos
é a falta de participação da família em decisões sobre o cuidado da criança (CORRÊA et al., 2015).
Frente ao exposto, essa pesquisa justifica-se ao desvendar o conhecimento dos familiares em relação
ao CP e quais seriam os cuidados necessários para a educação e promoção da saúde às crianças em
CP e suas famílias. Também visa favorecer o empoderamento dos mesmos, contribuindo para a
efetiva participação nas tomadas de decisão, de forma fundamentada.
O objetivo deste trabalho foi apresentar a percepção de familiares/cuidadores de crianças
sobre CP no contexto hospitalar, identificando o conhecimento dos mesmos sobre o tema e
revelando o entendimento do cuidador quanto à assistência ao paciente em CP.

2 MATERIAL E MÉTODO
2.1. DELINEAMENTO DO ESTUDO
Trata-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa, a qual envolveu o estudo sobre os
fenômenos e o significado dos mesmos para familiares/cuidadores.

2.2. LOCAL DO ESTUDO


O estudo foi realizado em uma unidade de internação pediátrica de uma cidade do sul do
Brasil. A referida unidade tem 20 leitos, destinados a crianças entre zero e 12 anos idade. A equipe
de Enfermagem é composta por seis técnicos de enfermagem e um enfermeiro responsável por

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período e conta com a presença de residentes em Enfermagem em Saúde da Criança. Coordenada
por uma enfermeira, a unidade tem no momento uma criança em CP, devido a patologia crônica,
para a qual foi realizada conferência familiar para explicação e determinação do CP.
A enfermaria pediátrica recebe ao longo do ano alunos do curso técnico de enfermagem, das
graduações de enfermagem, medicina, fisioterapia, fonoaudiologia, serviço social, os quais realizam
estágio no setor.
Em um mês a média de entradas de pacientes na unidade é de 57 (dados informados pelo
setor de estatística do hospital), procedentes da cidade e região, além de transferências de distintos
municípios, para além do estado do Paraná.
Ademais, atende-se nesta enfermaria diversas clínicas, como pediatria, cirurgia pediátrica,
neurocirurgia, ortopedia, otorrinolaringologia, reumatologia, nefrologia e oftalmologia.

2.3. PARTICIPANTES
Participaram do estudo acompanhantes de crianças internadas na unidade pediátrica
supracitada que compreenderam e aceitaram a abordagem, selecionados dessa forma por
conveniência. Na ocasião, os pacientes internados e abordados para a pesquisa não se encontravam
em CP. Os acompanhantes foram familiares: mãe (7), pai (1), avó (2), tia-avó (1) e tia (1).
Totalizaram 12 entrevistas, finalizada a abordagem por ocorrência de saturação de informações.
Durante a abordagem três acompanhantes recusaram-se a participar.

2.4. COLETA DOS DADOS


Os dados foram coletados por meio de gravação das falas dos participantes e posterior
transcrição das mesmas, sem anotações de campo durante ou após abordagem. Foram realizadas
entrevistas semiestruturadas com cada participante, conduzida pelo pesquisador pessoalmente, em
sua maioria de forma particular, em uma sala na unidade pediátrica sem interrupções, no período de
fevereiro a março de 2019. Em três entrevistas houve a presença de outro familiar/funcionário na
mesma enfermaria, sem prejuízo para a coleta. A duração das entrevistas variou de três a 17 minutos.
Os temas para discussão sobre CP foram identificados antecipadamente e para a entrevista
semiestruturada a pesquisadora lançou mão de questões norteadoras referentes aos CP em crianças,
sendo elas:
✓ Para você o que é cuidado paliativo?
✓ Pensando que seu filho possua uma doença elegível para cuidados paliativos, como você
gostaria que este assunto fosse abordado?

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✓ O que você pensa ser essencial ser conversado com o responsável e com a criança no
contexto dos cuidados paliativos?
Foram aplicadas três entrevistas piloto, sem mudança de abordagem ou questões, sendo
integradas às outras nove realizadas na sequência.
Ao realizar o convite ao acompanhante a pesquisadora identificou-se como enfermeira
residente em Enfermagem em Saúde da Criança e explicou a intenção do estudo como forma de
conhecer com profundidade os conhecimentos sobre CP e, posteriormente, corroborar para a
orientação e acolhimento de crianças e familiares em tal condição de tratamento.
Considera-se que o estudo poderia trazer riscos aos participantes, dessa forma, após cada
entrevista o pesquisador questionou se o familiar/cuidador se sentiu triste, agoniado, chateado ou
com outro tipo de sentimento, para que, se necessário, fosse oferecida ajuda de outro profissional
(psicólogo, assistente social, entre outros), porém todos negaram a existência de tais sentimentos.
Os benefícios esperados foram colaborar com o conhecimento técnico-científico de profissionais e
estudantes da área da saúde da instituição cenário deste estudo, além da difusão do conhecimento
para a comunidade em geral sobre CP e, consequentemente, melhorar a qualidade da assistência aos
pacientes e familiares/cuidadores.

2.5. ANÁLISE DE DADOS


Após a transcrição das entrevistas, a exploração de dados ocorreu por meio da análise de
conteúdo em três fases: pré-análise; exploração do material e tratamento dos resultados; a inferência
e interpretação. Os dados foram separados em três categorias, neste estudo, porém outros
agrupamentos seriam possíveis. A primeira fase deu-se pela organização com a escolha dos
documentos os quais seriam analisados, a elaboração de hipóteses e dos objetivos; já a segunda
referiu-se à administração e codificação dos achados; por último a fase de exploração em que os
resultados foram analisados, categorizados, propondo inferências e interpretando-os à luz dos
objetivos do estudo (BARDIN, 2011).

2.6.ASPECTOS ÉTICOS
Esta pesquisa é parte integrante de um estudo mais amplo, aprovado pelo Comitê de Ética
em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos da instituição, com Parecer n° 2.377.162, CAAE nº
78934117.5.0000.5231. Os preceitos éticos foram seguidos para sua realização, conforme
orientações desse comitê.

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Cada participante recebeu e assinou, após a explicação sobre o estudo e sua finalidade, o
termo de consentimento livre esclarecido, oferecido em duas cópias, sendo que a pesquisadora
entregou uma via e a outra arquivou.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Participaram do estudo 12 responsáveis (sete mães, um pai, uma tia, uma tia-avó e duas avós)
de pacientes internados na enfermaria pediátrica, nos meses de fevereiro e março de 2019. Dentre
eles, a maioria apresentou-se como acompanhante fixo da criança, sem haver troca com demais
familiares.
Os dados dessa pesquisa foram separados em categorias, sendo selecionadas três para a
discussão: a) Conhecimento sobre cuidados paliativos; b) Abordagem com a criança; c) Abordagem
com pais/responsáveis.

a) Conhecimento sobre cuidados paliativos


Para iniciar a entrevista semiestruturada foi abordado na primeira questão o tema CP.
Perguntou-se ao familiar o conhecimento sobre o tema: quatro participantes referiram já terem
escutado sobre CP, sendo que duas apresentaram elementos do conceito, uma não soube explicar e
uma apresentou erroneamente o significado deste cuidado.
Em um estudo realizado em Campina Grande (PB), foram analisadas falas de cuidadores
profissionais e não profissionais (familiares), sendo que os últimos consideraram o carinho, amor e
atenção como o cuidado ofertado por eles. Percebe-se com este discurso a importância destinada a
outros cuidados para além de medicamentos e intervenções. Mesmo com o entendimento sobre a
importância dos cuidados direcionados às necessidades dos pacientes, como os supracitados, o
estudo comprovou que o termo CP não era conhecido por todos os não profissionais (ALVES et al.,
2015).
A partir deste resultado associamos a essa pesquisa no âmbito do desconhecimento do termo
ou da não compreensão total e verdadeira, gerando conflitos e negações para sua aceitação. Além
do ambiente hospitalar, onde este tema deve ser discutido, percebe-se, a partir das entrevistas
realizadas, que o conceito de CP não é disseminado pelos meios de comunicação.
Durante as entrevistas foi questionado se o termo em questão havia sido abordado em algum
canal de comunicação que o responsável possa ter visto, a maior parte dos entrevistados negaram.

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“Não. Não, nunca ouvi falar de paliativos.”E1
“Nunca ouvi falar.” E2

“Também já ouvi, são cuidados com crianças que vivem na cama, que precisam da mãe e enfermeira em
cima. Que são assim crianças vegetativas, que não conseguem andar, que precisa de um cuidado a mais [...]
especial.”E3

“Eu já ouvi falar. CP é quando a pessoa tem uma doença, que é assim, uma doença que não tem cura, mas
ele recebe todo o cuidado, apoio, tanto ele quanto a família, assim pelo tempo de sobrevivência que ele
tem. Assim meu entendimento é esse sobre CP.”E8

“Não sei. Já escutei, mas assim te falar exatamente não sei o que é.”E11

“Não. Uma coisa paliativa é uma coisa que dá resultado, não é uma coisa pra mim... Como se diz,
convencional, mas dá resultado.”E12

Baseado no fato de a maior parte dos entrevistados não saberem definir os CP, bem como
referirem não terem conhecimento sobre o tema, busca-se na divulgação do assunto a disseminação
correta sobre esse cuidado, a fim de proporcionar às crianças elegíveis qualidade de vida em seu
cotidiano, entretanto, tem-se a falha da informação. Isso também pode ocorrer, pois os profissionais
envolvidos precisam enfrentar o processo de morte e morrer, compreendendo que apenas salvar
vidas pode não ser a necessidade presente de seu paciente, gerando sentimentos de frustração e
incapacidade (SANTOS, 2017).
A falha na comunicação entre os profissionais referentes ao paciente e seu planejamento de
cuidado (SANTOS, 2017) também corrobora para a falha na disseminação correta sobre os CP. Os
depoimentos apresentados são de responsáveis, os quais não estão com suas crianças em CP,
contudo se assim vierem a ser, a possível não integração da equipe prejudicaria o entendimento
adequado.
Como evidenciado por Santos (2017) a dificuldade em apresentar claramente as condições
dos pacientes, reconhecendo-os em um momento com possibilidades de cura e em outros momentos
não, descreve uma deficiência na relação da equipe. Decisões atreladas por prognósticos médicos,
com imposição de condutas, são comuns na determinação do cuidado empregado, outro
impedimento para a comunicação.
O cuidado paliativo, quando implantado, possui o objetivo de sanar sintomas físicos como
dor, náusea, fadiga, bem como assistir aos pacientes no que diz respeito ao psicossocial. Englobar a
família na busca do entendimento sobre o cuidado e os medos neste momento de tratamento,
partindo de uma comunicação efetiva, ofertando suporte necessário, além de considerar o âmbito
espiritual, também é importante (ANCP, 2012).

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b) Abordagem com a criança
Na discussão sobre contar para a criança no caso dela ser diagnosticada com uma patologia
ameaçadora de vida e estar em CP, alguns familiares relataram não quererem que as crianças
soubessem, outros afirmam que a partir de determinada idade, quando a criança compreendesse,
seria importante abordar.
Em uma pesquisa realizada nos EUA, alguns pais e crianças referiram ser importante a
criança estar ativa no processo das decisões e cuidado. Outros entrevistados afirmaram que
gostariam que o médico tivesse conversado com os pais primeiramente, sem a criança, pois
referiram que poderiam abordar a notícia com seus filhos de uma forma diferente. A pesquisa mostra
que os pais e os filhos não concordaram na totalidade sobre o envolvimento das crianças no
processo. Uma mãe referiu que algumas especificações deveriam ser direcionadas aos pais, já seu
filho relatou que preferia as informações verdadeiras advindas do médico e não depois passada pelo
seu pai (HSIAO; EVAN; ZELTZERM, 2007).
Alguns participantes do presente estudo eram contrários a que a criança fosse informada
sobre sua condição:

“Ah, na minha opinião, não. Ah não eu acho, que sei lá, na minha opinião se ela fosse entendida, que nem
eu tenho uma adolescente de 14 anos, imagino ela saber que tem uma doença que tem pouco tempo de
vida, apesar que hoje a mídia informa muito...”E8

“Eu acho que não. Se fosse alguma coisa assim muito séria...não.” E10

“Não. Não, porque eu acho que... ahn, se você falar pra ela, de repente, porque ela já entende, ela já tem né,
já sabe do caso, eu preferia que ela não soubesse, e deixasse acontecendo entendeu, de repente você ia
falando mais, [...] se fosse grave tal, você ia falando aos poucos.” E12

O adequado tratamento e resolução dos sintomas em final de vida no campo da pediatria


apresentam-se deficitários. Além da parte clínica têm-se as questões psicológicas, sociais e
espirituais, as quais não recebem todo o cuidado necessário, não ocorrendo um atendimento eficaz
aos pacientes (ANCP, 2012).
Diante disso, a apresentação do tema aos pais/responsáveis corrobora para que todos
compreendam e se empoderem sobre tratamentos e cuidados, assim os sinais e sintomas podem ser
compreendidos, referidos e resolvidos. Defende-se abordar com as crianças sobre sua patologia e
desfechos possíveis, para que possam preparar-se para o futuro e lutar para que recebam o conforto
e o cuidado mais adequados para sua situação.
Documento científico sobre CP da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP, 2017) aborda
princípios necessários para o CP em pediatria. Os cuidados devem ser direcionados à
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criança/adolescente, envolvendo a família, considerando os valores e crenças desse paciente. Para
trabalhar com o indivíduo e sua rede de apoio pode ser necessário fazê-lo com a presença de equipe
multidisciplinar, com a percepção de que os envolvidos devem estar participando das tomadas de
decisão.
Já outros participantes afirmaram que o diálogo seria interessante para a criança, assim a
mesma poderia compreender as limitações de sua doença e saber conviver com elas. Medo da
opinião de indivíduos fora do âmbito familiar também percorreu a fala dos familiares. Outros
profissionais foram citados neste momento de abordagem.

“Uhum. Deveria. Para ela saber o que ela tem, para depois de grande ela não falar pra gente que a gente não
falou pra ela que ela tinha, que não explicou pra ela.”E1

“Com certeza. Ele tem que saber o que está acontecendo. Porque no caso assim meu neto, ele vai ser uma
criança diferente das outras, não que eu vou passar isso pra ele, que ele é diferente das outras, mas vou ter
que fazer ele entender de um modo que ele não sofra... Porque assim, hoje em dia se você não fala os
amiguinhos falam...vai estar fortalecido.” E2

“Pra mim também, a mãe e o pai, que nem ele falou, porque a mãe e o pai, a criança se sente melhor... Sim,
porque, senão a criança vai criando muita, assim, muita expectativa de alguma coisa e tal, sempre está
falando a verdade pra criança nunca está mentindo.” E3

“É melhor os pais, os pais, uma psicóloga falar com ele, porque outras pessoas não vão ajudar muito [...],
tem que falar pra pessoa que ele se sente mais seguro falar com ele. Vamos supor que o filho tem mais
confiança com a mãe, a mãe com jeito pra ele é melhor, do que o médico chegar e falar com a criança.”E4

“Sim, seria. Eu acho que sobre a doença essas coisas, orientar as crianças... Com certeza, acho muito
importante. É melhor explicar essas coisas, esses cuidados de doença [...].”E9

“Sim. Eu acho que daí a mãe vai saber. Então tem tipo, que conversar com a mãe primeiro e perguntar ai
mãe você acha que”... na minha opinião, mas eu, se fosse meu filho, eu gostaria que ele soubesse sim. Se
ele fosse grandinho e entendesse sim.”E11

É necessário avaliar as preocupações psicossociais advindas da criança e seus familiares,


avaliando assim os medos presentes. Como forma de apoiar nesse sentido, deve ser realizada uma
conversa honesta, mostrando-se presente aos envolvidos, deixando que os mesmos explanem sobre
as inquietações existentes. Debater sobre momentos anteriores que tenham passado, pela morte e
morrer e demais eventos impactantes torna-se importante, assim o profissional de saúde pode
adaptar seu plano de cuidados a partir da vivência trazida pelas próprias crianças. Ter como apoio
outros profissionais, como os especialistas em saúde mental, pode ser uma ferramenta essencial para
o trabalho e o cuidado tornarem-se efetivos (HIMELSTEIN; HILDEN; BOLDT, 2004 apud ANCP,
2012, p. 465).

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Ainda sobre como conversar com a criança/adolescente, foi perguntado meios que os
responsáveis achavam efetivos para nos aproximarmos dos pacientes.
“Sim, um filme! Uma criança assim e especial também, e mostrando também, um filme legal, bem
legal assim, não deixando a criança pra baixo, mas pra cima, mostrando que ela é uma criança como
as outras assim, só que é mais especial que precisa de mais cuidados.”E3
“Acho que uma historinha serviria. Ah, caso de uma pessoa né, que tem problema, não sei, é isso.”E5
A diversão durante o cuidado com a criança, proporciona o bem-estar e deve ocorrer com
intuito de ser um recurso terapêutico, fortalecendo o vínculo entre o profissional e a criança e sua
família (SANTOS; RODRIGUES; MARTINS, 2018).

c) Abordagem com os pais/responsáveis


Na última questão foi questionado sobre como os responsáveis acreditam ser a maneira mais
adequada para conversar sobre a inclusão nos CP. De fato, a apresentação da verdade sobre as
condições da doença e os desfechos possíveis para a criança, apareceu na maioria das falas.
Neste momento também foi perguntado quais os assuntos essenciais a serem abordados
durante uma conferência familiar. Algumas etapas devem ser seguidas para o êxito na compreensão
dos CP e sua implantação em um paciente. O diagnóstico, tratamento e percurso da doença devem
estar estabelecidos e conhecidos entre os profissionais. Os pacientes com doenças ameaçadoras à
vida, mesmo não estando em fase de terminalidade, podem se favorecer com a implantação deste
cuidado. A reunião para determinação de CP deve ocorrer entre a equipe e depois com a família,
podendo ser realizada mais de uma vez, se necessário (SBP, 2017).
Visto a necessidade de se falar a verdade e dessa forma apresentar a patologia presente, bem
como o tratamento disponível, tem-se no planejamento uma possibilidade de estabelecer prioridades
e as ações necessárias para uma assistência apropriada, almejando o estabelecimento de um cuidado
biopsicossocial e espiritual, corroborando, assim, para a qualidade de vida (SANTOS, 2017).
A compreensão sobre a orientação dos cuidados necessários é presente nas falas.

“Os cuidados. Coisas que poderia melhorar o dia a dia dele. O que eu não sei você poderia passar pra
mim.”E2

“Conversar na reunião? Acho que explicar né, quais seriam as maneiras corretas de cuidar, os remédios,
não sei se até um curso, não sei...”E11

Um estudo de Santos (2017), sobre adultos em UTI, apresenta depoimentos de profissionais,


os quais afirmam que uma das formas de oferecer conforto é apresentar ao paciente o conhecimento
que o mesmo desejar sobre sua patologia, por vezes o desconforto pode ser caracterizado pela
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dúvida. A família torna-se importante também para o bem-estar desse paciente, sendo integrante da
discussão sobre tratamentos e intervenções e sobre os CP.
A explanação pelos profissionais da situação de saúde real dos pacientes aparece nos
discursos dos responsáveis, como algo importante durante o cuidado,

“Sempre falar a verdade, fala o que vai acontecer e o que não vai [...] do estado da
criança, sempre falar. Falar de tudo que ta acontecendo da criança, falar qual vai ser
a vida dela, dentro do hospital.”E4

“Ele (o profissional) sendo sincero, assim, ta bom, porque não adianta mentir,
porque quanto mais mentir é pior, a dor é maior.”E3

“Ah! Eu acho que tinha que falar sobre a verdade. Se o médico descobre alguma
coisa, falar certinho o que tem e o que não tem. A pessoa fica sabendo já, daí tem
mais cuidado com a criança. Logo no início já falar. [...]

A mãe e o pai eles querem saber a verdade, que aí fica mais fácil o cuidado, a pessoa
não saber fica complicado.”E5

Compreender a família enquanto parte integrante do cuidado e foco da assistência torna-se


um dos objetivos dos CP, ofertando cuidado a essa família do início do processo até o período de
luto (SANTOS, 2017). A escuta ativa e qualificada para alcançar a qualidade de vida nestes
momentos deve ser empregada. O estudo de Alves et al. (2015) ainda menciona dificuldades para a
prática do CP, como profissionais não capacitados, a não sistematização do serviço e a dedicação
esgotante dos familiares aos pacientes. O estudo também evidencia a necessidade de abordar o tema
entre os profissionais e familiares, visto que a prática se tornará mais adequada com a compreensão
sobre o cuidado humanizado, com intuito de proporcionar qualidade de vida e não prolongar
sofrimentos.
A atuação dos profissionais junto aos pacientes e familiares torna-se essencial em todo o
decorrer da internação, como apoio aos envolvidos.

“Onde eu poderia me apoiar, para ter ajuda, esclarecimento, conselho, tipo assim, se
eu precisasse de uma fisioterapia, psicóloga, um atendimento mais assim, de
acompanhamento, que auxilie no tratamento e me auxiliasse pra eu ter disposição pra cuidar
[...] Dentro da necessidade da criança, acredito que sim né, precisa ter o treinamento.” E7

Pais e crianças (em condições limitantes de vida) de um estudo realizado em Los Angeles
(EUA) relataram que a confiança e amizade foram importantes para o conforto em conversar com
o médico, além de valorizarem aqueles que desprenderam tempo para conhecer as crianças. As
crianças citaram ficar a vontade com os médicos que perguntaram sobre as preocupações pessoais
e sociais e não somente os sintomas físicos, e aqueles que acreditavam nas suas falas. Os pais

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também se mostraram mais confiantes conversando com médicos que apresentavam conhecimento
sobre a patologia e cuidado da criança, ao contrário de como se sentiam quando percebiam que o
médico estava escondendo sobre as condições da criança, não os preparando para os desfechos
esperados. Os responsáveis e as crianças referiram que gostavam de conversar com médicos que
respondiam às dúvidas mais rapidamente (HSIAO; EVAN; ZELTZERM, 2007).

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O CP é um modo de cuidado que busca alcançar o paciente em sua totalidade, levando em
consideração sua família, sua história, sua dignidade e suas vontades. Quanto maior for a
aproximação da expectativa apresentada pelo paciente e a realidade explicada sobre sua condição
de saúde e de suas possibilidades, maior será a qualidade de vida. Dessa forma, os profissionais de
saúde, presentes diariamente com esse público, devem proporcionar o melhor e mais adequado
cuidado, frente ao que o indivíduo esteja apto e necessite receber.
O presente estudo revelou que os pais/responsáveis consideram que a verdade e a
sinceridade, por parte dos profissionais, ao esclarecerem as condições das crianças é a forma mais
adequada de abordagem. Desse modo, estes profissionais tornam-se a referência para o
entendimento sobre os cuidados específicos que cada criança pode necessitar. Para o alcance deste
objetivo é preciso realizar nos ambientes de atendimento à saúde debates e discussões sobre o CP.
De fato, para que haja sincronismo entre a equipe multiprofissional é preciso que o tema seja
amplamente discutido e evidenciado desde o processo de ensino aprendizagem, em cursos técnicos,
de graduação e pós-graduação. Ademais, torna-se relevante para a sociedade em geral que o assunto
seja abordado e esclarecido pelos meios de comunicação, de forma coerente com seu significado e
importância.
A partir do exposto, conclui-se que os CP são importantes para o cuidado integral à criança
e ao adolescente. Dessa forma, desenvolver materiais próprios à faixa etária e período de
desenvolvimento dos pacientes pode ser uma estratégia interessante de abordagem do tema, visto
que assim, poderão compreender sobre sua saúde e lutar pelo maior conforto e melhor cuidado
possível.

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ARTIGOS DE
REVISÃO

Cuidados paliativos pediátricos


Pediatric palliative care

Simone Brasil de Oliveira Iglesias1, Ana Cristina Ribeiro Zollner2, Clóvis Francisco Constantino3

Palavras-chave: Resumo
cuidados paliativos, Em Pediatria, os cuidados paliativos são aqueles que previnem, identificam e tratam crianças que sofrem com doença
manejo da dor, crônica, progressiva e avançada, suas famílias e equipes que os atendem. Eles são apropriados, em qualquer fase da
comunicação, doença, e oferecem mais vantagens quando oferecidos cedo, juntamente com outras terapêuticas orientadas para
espiritualidade, curar ou controlar a doença subjacente.
luto.

Keywords: Abstract
palliative care, In Pediatrics , Palliative Care are those that prevent , identify and treat children suffering with chronic, progressive and
pain management, advanced , their families and Health teams that serve them. They are suitable , in any phase of the disease. However, PC
communication, offer further advantages as offered earlier , along with other targeted therapies to cure or control the underlying disease.
spirituality, grief.

1
Médica Pediatra e Intensivista. Assistente da Unidade de Cuidados Intensivos Pediátricos do Hospital São Paulo - Departamento de Pediatria -
Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP. Presidente do Departamento Científico de Dor e Medicina Paliativa da Sociedade Brasileira de Pediatria.
Doutora em Pediatria e Ciências Aplicadas à Pediatria pela Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP. Membro do Departamento de Bioética da
Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP). Membro da Comissão de Ética Médica e do Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital São Paulo – Universidade
Federal de São Paulo – UNIFESP/EPM.
2
Mestre em Saúde Materno Infantil pela UNISA - Universidade de Santo Amaro. Professora de Ética e Bioética do Curso de Medicina UNISA. Membro do
Departamento de Bioética da SBP e da SPSP.
3
Primeiro vice-presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Doutor em Bioética pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP).
Professor de Ética Médica e Bioética da Universidade de Santo Amaro (UNISA). Membro do Conselho de Curso da UNISA. Presidente do Departamento de
Bioética da Sociedade de Pediatria de São Paulo.

Endereço para correspondência:


Clóvis Francisco Constantino.
E-mail: clovisbioped@hotmail.com.

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“O valor das coisas não está no tempo que elas dimensões psicológicas, sociais e espirituais de pacientes e
duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso, suas famílias.
existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e Na década de 1970, o encontro de Cicely Saunders
pessoas incomparáveis.” com Elisabeth Kluber-Ross, nos Estados Unidos, fez com que
Fernando Pessoa o Movimento Hospice também crescesse naquele país. Assim,
começou a ser introduzido um novo conceito de cuidar e não
só curar, focado no paciente até o final de sua vida. Também
no Reino Unido, em 1982, foi fundado o primeiro hospice
1 – DEFINIÇÃO pediátrico, o Helen House, em Oxfordshire.
Em 1982, o Comitê de Câncer da Organização Mundial
O termo palliare tem origem no latim e significa da Saúde (OMS) criou um grupo de trabalho responsável por
proteger, amparar, cobrir, abrigar. Essa nominação traz uma definir políticas para o alívio da dor e cuidados paliativos (CP). A
nova perspectiva à Medicina ocidental tradicional: a de OMS publicou sua primeira definição de CP em 1990: “cuidado
cuidar, para além de curar. Entende-se por paliação o alívio ativo e total para pacientes cuja doença não é responsiva a
do sofrimento do doente e, por ação paliativa, qualquer tratamento de cura. O controle da dor, de outros sintomas e
medida terapêutica, sem intuito curativo, que visa diminuir de problemas psicossociais e espirituais é primordial.” Essa
as repercussões negativas da doença sobre o seu bem-estar definição foi revisada em 2002 e substituída pela atual.
global. No Brasil, os cuidados paliativos foram normatizados a
Com esta perspectiva, em 2002 a Organização Mundial partir da Portaria 3535, de 2 de setembro de 1998, que realizou
da Saúde (OMS) definiu que “Cuidados Paliativos consistem o cadastramento de todas as instituições que trabalhavam com
na assistência promovida por uma equipe multidisciplinar, que cuidados paliativos em oncologia. Depois dela, a portaria nº
objetiva a melhoria da qualidade de vida do paciente e seus 19, de 3 de janeiro de 2002, inseriu no Sistema Único de Saúde
familiares, diante de uma doença que ameace a vida, por meio (SUS) o Programa Nacional de Assistência à Dor e Cuidados
da prevenção e alívio do sofrimento, da identificação precoce, Paliativos. Além desses, a portaria nº 1, de 23 de julho de
avaliação impecável e tratamento de dor e demais sintomas 2002, criou no SUS os Centros de Referência em Tratamento
físicos, sociais, psicológicos e espirituais”. da Dor, e a portaria nº 881, de 19 de julho de 2001, instituiu o
Em Pediatria, os Cuidados Paliativos são aqueles que Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar
previnem, identificam e tratam crianças que sofrem com que dá subsídios à implementação de serviços de cuidados
doença crônica, progressiva e avançada, suas famílias e equipes paliativos no país.
que os atendem. Eles são apropriados, em qualquer fase da
doença, e oferecem mais vantagens quando oferecidos cedo, 3 - ASPECTOS BIOÉTICOS E PRINCÍPIOS
juntamente com outras terapêuticas orientadas para curar ou FUNDAMENTAIS
controlar a doença subjacente.
Ato contínuo, têm o compromisso de promover o Para aquelas crianças portadoras de doenças limitadoras
bem-estar do paciente, permitindo trabalhar o conceito de ou ameaçadoras à vida, durante o curso da vida podem-se
morte sem dor, em paz, de maneira digna, sem tirar da pessoa identificar dois momentos distintos: a fase inicial da vida, quando o
qualquer outra possibilidade existencial. foco recai sobre a Medicina preventiva e curativa, e o momento em
que a morte torna-se inevitável. Inicialmente, a conduta médica
2 - ASPECTOS HISTÓRICOS deve fazer prevalecer a beneficência, sem esquecer a autonomia
do paciente e sua família. A não maleficência situa-se como um
O resgate do conceito de Cuidados Paliativos data do valor ético secundário neste momento: aqui se justificam medidas
século V, com os hospices, abrigos (hospedarias) destinados invasivas, ainda que causem algum grau de sofrimento, pois o
a receber e cuidar de peregrinos e viajantes. Na Europa, estes primeiro objetivo neste momento é a preservação da vida.
locais eram organizados por instituições religiosas católicas e Na fase em que a morte torna-se inevitável, prevalece
protestantes que, no século XIX, passaram a ter características a Medicina paliativa e a prioridade se torna o alívio do
de hospitais. Em 1905, em Londres, foi fundado o St. Joseph’s sofrimento, a não maleficência. No caso de crianças e pacientes
Hospice por uma ordem religiosa irlandesa. com incapacidade mental, o princípio da autonomia deve ser
O Movimento Hospice Moderno foi iniciado no Reino exercido pela família ou seu responsável legal, buscando a
Unido por Cicely Saunders, médica e humanista, com a defesa dos seus melhores interesses. O princípio da justiça,
criação do St. Christopher’s Hospice (1967), e se disseminou considerado um mínimo ético, deve sempre reger as condutas
pelo mundo uma nova filosofia sobre o cuidar, contendo dois médicas, havendo bom senso na priorização e indicação dos
elementos fundamentais que pregavam o controle efetivo recursos terapêuticos em cada fase. A indicação de cuidados
da dor e de outros sintomas decorrentes dos tratamentos paliativos se estende inclusive ao período neonatal.
em fase avançada das doenças e o cuidado abrangendo as

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Os Cuidados Paliativos inicialmente tinham como A OMS propôs os seguintes princípios para orientar a
prioridade os pacientes adultos com doença oncológica. Os prática dos cuidados paliativos em geral (adultos e crianças).
Cuidados Paliativos Pediátricos se diferenciam dos em adultos Os Cuidados Paliativos:
em vários aspectos e se caracterizam por terem algumas
particularidades, quais sejam: • proporcionam alívio da dor e outros sintomas que
causam sofrimento.
- O número de crianças que morre em Cuidados • afirmam vida e consideram a morte como um
Paliativos Pediátricos é baixo em relação ao processo natural.
Cuidado Paliativo em pacientes adultos. • não são destinados nem para apressar nem para
- Os diagnósticos pediátricos geralmente são raros e adiar a morte.
ocorrem apenas da infância, entretanto, algumas • integram os aspectos psicológicos e espirituais da
crianças podem sobreviver até a idade adulta. assistência ao paciente.
- O período de intervenção dos Cuidados Paliativos • fornecem um sistema de apoio para ajudar os
em Pediatria é diferente dos em adultos, podendo pacientes a viver tão ativamente quanto possível
incluir dias, meses ou muitos anos. até a morte.
- As doenças muitas vezes são familiares e há mais de • fornecem um sistema de apoio para ajudar a
um filho afetado, necessitando de aconselhamento família a atravessar o processo de doença do
genético. paciente e o próprio luto.
- Os cuidados geralmente envolvem toda a família, • usam uma abordagem em equipe para atender
sendo os irmãos especialmente vulneráveis. as necessidades dos pacientes e suas famílias,
- Os pais experimentam situação de ambiguidade, incluindo seguimento do luto.
apresentando dor antecipatória pela provável • melhoram a qualidade de vida e também podem
perda e são, simultaneamente, também os influenciar positivamente o curso da doença.
cuidadores da criança. • são aplicáveis desde as fases iniciais da doença,
- As doenças ocorrem em fase da vida em que juntamente com outras terapias dirigidas à doença
há grande desenvolvimento físico, emocional e subjacente, e incluem as investigações necessárias
cognitivo, sendo essencial garantir a continuidade para compreender e gerir complicações clínicas
do processo educativo. É importante também que causam sofrimento.
estar atento no quanto a doença pode refletir
na capacidade da criança de se comunicar e 4 - PACIENTES ELEGÍVEIS
compreender sua situação patológica e a morte.
Na América Latina, geralmente se utiliza a classificação
Os Cuidados Paliativos Pediátricos, como um campo desenvolvida pela Associação Pediátrica para Cuidados
específico de saúde, ampliam alguns aspectos em relação aos Paliativos (ACT) e do Royal College de Pediatria e Saúde da
Cuidados Paliativos de adultos: Criança (RCPCH) no Reino Unido. Esta classificação divide os
pacientes em quatro grupos de acordo com o curso clínico
• consistem no cuidado ativo e abrangente com o esperado. São eles:
corpo, mente e espírito da criança, proporcionando I) Condições para as quais o tratamento curativo é
apoio à família. possível, mas pode falhar. Exemplos: doenças oncológicas
• começam no momento do diagnóstico e continuam progressivas, avançadas ou com prognóstico reservado,
ao longo da doença, independentemente de a cardiopatias congênitas complexas ou adquiridas e doenças
criança receber ou não tratamento para controlar candidatas a transplante.
a doença subjacente. II) Condições sem chances realistas de cura da doença,
• exigem que os provedores de saúde avaliem e mas cuja sobrevivência pode ser prolongada significativamente
aliviem o sofrimento físico, psicológico e social (por tratamentos intensivos que permitem longos períodos
da criança. de atividade normal). Exemplos: infecção pelo HIV, fibrose
• requerem uma abordagem ampla e interdisciplinar. cística, distrofia muscular progressiva, insuficiência respiratória
• incluem a família e fazem uso de recursos disponíveis crônica, imunodeficiências graves e epidermólise bolhosa
na comunidade; podem ser implementados com grave.
sucesso, mesmo que os recursos sejam limitados. III) Doenças progressivas sem chances realistas de cura
• podem ser fornecidos em instituições de qualquer (deterioração progressiva a partir – ou antes – do diagnóstico).
nível de cuidados ou lares de idosos ou em casa. Exemplos: doenças metabólicas progressivas, osteogênese
• devem ser adaptadas ao nível de desenvolvimento imperfecta grave, doenças neurodegenerativas.
da criança e conforme os valores familiares.

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IV) Doenças não progressivas, mas irreversíveis nascidos de termo; PIPP (Premature Infant Pain Profile) na
(com altas chances de causar morte prematura devido avaliação da dor em procedimentos e N‐PASS (Neonatal Pain,
a complicações). Exemplos: encefalopatia crônica não Agitation & Sedation Scale) para recém‐nascidos em ventilação
progressiva, anoxia grave, malformações cerebroespinhais assistida. Para crianças menores de 4 anos ou com dificuldade
graves, sequela de trauma grave. de verbalização da dor, utiliza-se a escala “Face, Legs, Activity,
Cry, Consolability” (FLACC). Para crianças maiores de 4 a 6
5 – PILARES DOS CUIDADOS PALIATIVOS anos, utiliza-se a Escala Facial de Dor - Revisada (FPS-R) e, a
PEDIÁTRICOS partir de 6 anos, pode ser utilizada a escala EVA (Escala Visual
Analógica), dentre outras.
O tratamento dos sintomas deve incluir abordagens não
a) Manejo da dor e outros sintomas farmacológicas e farmacológicas. O tratamento farmacológico da
Pilar do Cuidado Paliativo Pediátrico: alívio do dor inclui drogas analgésicas não opiáceas, opiáceas e adjuvantes
sofrimento por meio de manejo adequado dos sintomas físicos (antidepressivos, anticonvulsivantes, corticoides). A OMS revisou
e dos agravos emocionais de pacientes e familiares. a escala analgésica de dor para a população pediátrica em 2012,
Em 1967, Cicely Saunders formulou o conceito de dando preferência a pequenas doses de opioides fortes ao invés da
dor total, que inclui o sofrimento físico, psíquico, espiritual, utilização de opioides fracos como codeína e tramadol, quando os
mental, social e financeiro do paciente, abrangendo também analgésicos não opioides forem insuficientes para o alívio da dor.
o sofrimento dos familiares e da equipe médico-hospitalar. Os principais aspectos desta orientação terapêutica são:
Assim, a Academia Americana de Pediatria considera que o
sofrimento social, espiritual e emocional do paciente pode a) Uso de estratégia bifásica, dependendo da intensidade
influenciar a experiência dos sintomas. Os principais sintomas da dor medida (“by analgesic ladder”);
físicos pediátricos são dor, anorexia, fadiga, dispneia, sintomas b) A dose apropriada de analgésico que efetivamente
gastrointestinais, sintomas psíquicos, dentre outros. alivia a dor, de forma individualizada (“by the child”);
A Associação Internacional para o Estudo da Dor c) Uso de via de administração de medicação apropriada,
(International Association for the Study of Pain” – I.A.S.P.), evitando vias dolorosas ou invasivas (“by appropriate
conceitua a dor como uma experiência sensorial e emocional route”);
desagradável associada a lesões teciduais reais ou potenciais d) Intervalos de administração regularmente definidos,
ou descrita em termos de lesões teciduais. O manejo adequado com doses adicionais para tratar a dor incidental
da dor é fundamental para o cuidado, sendo ponto inicial para quando necessário (“by the clock”).
toda abordagem posterior.
Na investigação dos parâmetros de dor é importante Desta forma, a OMS recomenda para crianças:
identificar suas características (localização, intensidade,
qualidade, duração, frequência e sintomas associados); fatores - Paracetamol e ibuprofeno são os fármacos de
de alívio e de agravo; uso e efeito de medidas farmacológicas eleição na dor leve. Ambos devem estar disponíveis
e não farmacológicas; formas de comunicar/expressar a dor; para esta primeira fase de tratamento. Em menores
experiências anteriores traumatizantes e medos; habilidades de 3 meses, usar apenas paracetamol.
e estratégias de enfrentamento; comportamentos da criança - Opioides são os fármacos de eleição na dor de
no ambiente familiar; efeitos da dor na vida diária; impacto intensidade moderada a grave. A primeira opção
emocional e socioeconômico. é a morfina, porém devem ser consideradas
No manejo da dor, é importante seguir os seguintes outras opções quando seus efeitos colaterais
passos: forem intoleráveis. A seleção de analgésicos
opioides alternativos à morfina deve ser guiada
• 1º Passo: Avaliação e Explicação da dor por considerações de segurança, disponibilidade,
• 2º Passo: Manejo terapêutico e Monitoramento custo e adequação.
• 3º Passo: Atenção aos detalhes - O tratamento com opioide deve ser individualizado e
ajustado de forma progressiva.
A avaliação da dor deve ser realizada regularmente, com - Quando a dor for constante, deve-se administrar
o uso de escalas adequadas para cada faixa etária e situação o fármaco em intervalos regulares e não de acordo
clínica. Há que se ressaltar que as escalas podem ser de difícil com a “demanda”, vigiando os efeitos colaterais.
utilização em algumas situações clínicas, como nas crianças Dores intermitentes e intercorrentes podem ser
sedadas, com restrição de movimentos, ou submetidas à tratadas com doses de resgate.
intubação traqueal. - A via de administração deve ser a mais simples,
No período neonatal, utiliza-se habitualmente a escala mais eficaz e menos dolorosa, em geral a via
NIPS (Neonatal Infant Pain Scale) para prematuros e recém‐ oral. Quando a via oral não está disponível, a

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escolha de vias alternativas de administração - paraverbal (como falamos – silêncios, sons,
(IV, SC, retal ou transdérmica) deve ser baseada ênfases, pausas entre frases e palavras);
no julgamento clínico, a disponibilidade, a - não verbal (expressões faciais, posturas corporais,
viabilidade e preferências dos pacientes. Evitar a toque, distâncias interpessoais, gestos).
via intramuscular.
- Recomenda-se a troca de opioides e/ou via Alguns sinais podem ser identificados como ausência
de administração quando houver um efeito de compreensão da mensagem: negar com a cabeça, desviar o
analgésico insuficiente com efeitos secundários olhar, reclinar-se para trás, cruzar os braços, expressões como
intoleráveis. A rotação sistemática de opioides não “não” e “mas”. Outros sinais podem ser percebidos como de
é recomendada. compreensão da informação e boa escuta, como: afirmar com
a cabeça, olhar atento e com empatia, inclinar o corpo para
O aspecto não farmacológico do tratamento dos frente e o uso de expressões como “sim e “claro”. Geralmente,
sintomas inclui intervenções integrativas, como técnicas não temos controle voluntário de todos os sinais não verbais
psicoterapêuticas/comportamentais (relaxamento, hipnose, e, mesmo quando não dizemos tudo o que pensamos ou
imaginação terapêutica, meditação, musicoterapia, arteterapia, sentimos, a sinalização não verbal não consciente expressa
yoga), físicas (massagem, estimulação nervosa elétrica as emoções ocultas.
transcutânea - TENS, posicionamento, calor/frio), e terapias A comunicação de más notícias é frequentemente uma
energéticas (acupuntura, Reiki, toque terapêutico), dentre situação delicada em Cuidados Paliativos. Ser honesto, porém
outras. sem anular as esperanças do paciente, é considerado o aspecto
A escolha terapêutica deve seguir critérios clínicos mais difícil referente a este processo. Alguns princípios para a
individuais. É fundamental manter uma atitude proativa comunicação de uma má notícia:
em relação ao tratamento dos sintomas e efeitos colaterais
das medicações, antecipando-os tanto quanto possível, e • escolher um momento em que o paciente e o
garantindo boa comunicação com a criança e sua família. médico estejam descansados e tenham um tempo
adequado;
b) Processos de comunicação e de decisão • avaliar o estado emocional e psicológico do
paciente;
Processo de Comunicação • preparar o paciente ou familiar dizendo ter um
Comunicar significa “tornar comum” e pressupõe a assunto difícil para discutir;
compreensão e entendimento entre as partes envolvidas. • usar uma linguagem clara e simples;
Capacidade de trocar ou discutir ideias, de dialogar, com • expressar empatia pela dor do paciente;
vista ao bom entendimento entre pessoas. Contrapõe-se a • ser humanitário tendo compaixão;
informar, que significa dar informe ou parecer; instruir, avisar • dar informação de forma gradual e programar
e cientificar. outro encontro posterior;
A comunicação eficaz dá-se a partir de uma relação • ser realista evitando minimizar o problema, mas
médico-paciente/família harmônica, equilibrada, respeitosa e não tirar todas as esperanças;
tolerante. O comunicador deve ser capaz de ouvir, respeitar os • verificar como pacientes e familiares sentem-se,
valores e incluir o outro nas decisões referentes à sua própria depois de receber a notícia;
vida. Humildade, transparência, paciência, segurança e boa • reassegurar a continuidade do cuidado, não
didática são elementos para uma boa comunicação. importando o que houver;
O profissional de saúde deve respeitar e reconhecer o • assegurar que o paciente tenha suporte emocional
grau de compreensão e absorção do paciente e sua família; de outras pessoas.
enfim, sua competência. Deve favorecer a tomada de decisões
autônomas, livres e sem influências externas, quando estas Existem protocolos desenvolvidos para auxiliar os
se tornarem necessárias. Seu papel é auxiliar o paciente e/ profissionais na tarefa de dar más noticias, visando diminuir os
ou família a eleger, dentre todos os valores relacionados com riscos e prejuízos da comunicação não empática. A abordagem
a saúde, aqueles que forem os melhores para eles, aceitando SPIKES, protocolo de comunicação em seis passos, coordenada
suas escolhas e acompanhando-os durante o tratamento, ainda por um grupo de oncologistas norte-americanos, sintetiza as
que estas escolhas estejam embasadas em valores e crenças principais diretrizes a serem seguidas pelos profissionais de
diversas das do profissional. saúde (Baile, 2000).
A comunicação entre seres humanos é complexa e A seguir, o conceito inerente a cada um destes seis
ocorre em três níveis: passos:

- verbal (as palavras); Primeiro passo: “Setting up the interview” (S)

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Diz respeito ao setting, que aqui pode ser traduzido se necessário. A empatia também se expressa em ações,
como contexto. A preparação (preparar a família/paciente na medida em que estar atento às opiniões e solicitações
dizendo ter um assunto difícil para discutir), o momento (em da família/paciente implica no compromisso do médico em
que a família, o paciente e o médico estejam descansados e atendê-las sempre que possível.
tenham tempo para conversar), o local (adequado, reservado,
sem que ocorram interrupções) e a diligência (a comunicação Sexto passo: “Strategy and summary” (S)
deve ser feita o mais precocemente possível, evitando a Ao desenvolver um plano de tratamento que tenha
angústia da espera) fazem parte do setting ideal. plena cooperação do paciente, não devemos estabelecer
limites nem prazos. As decisões devem ser tomadas
Segundo passo: “Accessing the patient’s perception” (P) com cumplicidade e colaboração. Programar encontros
Acessar as expectativas, percepções e crenças do posteriores com a família/paciente faz parte do compromisso
paciente é possível quando o profissional da saúde coloca-se de envolvimento no processo, dando-lhes segurança da
disponível para ouvir. Aqui, procuramos descobrir o que a continuidade do cuidado ativo durante todos os estágios da
família/paciente sabe e o quanto quer saber sobre a doença. doença, não importando o que houver.
Busca-se a compreensão da maneira como o paciente percebe
o que está acontecendo com ele e seu grau de prontidão para TOMADA DE DECISÃO
ouvir as más notícias.
O processo decisório envolve todos os indivíduos
Terceiro passo: “Obtaining the patient’s invitation” (I) comprometidos com o bem-estar da criança, desde os
Estar em sintonia com os desejos do paciente permite profissionais envolvidos na assistência direta (equipe de
ao médico informar na medida em que seja dada abertura saúde), familiares, instâncias administrativas, instituições
para isso. O objetivo é compartilhar a informação de forma governamentais, e até os profissionais de comitês hospitalares
gradual, observando a compreensão da família/paciente, de bioética.
verificando como eles se sentem depois de receber a notícia, Os pais geralmente possuem fortes vínculos afetivos e
atentando para a comunicação verbal e não verbal. Quando preocupações com seus filhos, por isso, acredita-se que sejam
existe negação e ambivalências, o médico não deve discutir as pessoas mais capazes de reconhecer e lutar pelos seus
ou se colocar em embate com a família. As ambivalências são interesses. Estão também comprometidos com a dinâmica
comuns neste momento, e o médico deve aceitá-las. familiar e com o desenvolvimento biopsicossocial, afetivo,
No caso de crianças, a comunicação de notícias exige espiritual e cultural de suas crianças. Entretanto, a reflexão
concordância e cumplicidade dos pais. Algumas vezes, estes sobre a morte, o risco de vida ou o sofrimento de um filho
podem desejar que informações sejam omitidas na intenção de é de profunda complexidade e dolorosa para os pais que,
proteger seus filhos. O pediatra deve compreender a situação, frequentemente, se encontram em fase de negação, e podem
ser solidário aos pais, ajudá-los nesta decisão, avaliar o nível experimentar sentimentos contraditórios, tristeza, raiva e
de compreensão da criança e facilitar a comunicação entre os culpa. Por estarem envolvidos no processo decisório lidando
pais e a criança. com a incerteza e sem vivência prévia deste tipo de situação,
precisam ter confiança na equipe de saúde.
Quarto passo: “Giving knowledge and information to Os profissionais de saúde tendem a crer que devem
the patient” (K) “proteger” os pais das situações complexas e dos dilemas
É função do médico dizer a verdade ao paciente, éticos que envolvem seus filhos. Esta atitude protetora procura
da melhor maneira possível. A linguagem deve ser clara e evitar sentimentos de culpa ou remorso dos pais em situações
simples, se necessário recorrendo a materiais audiovisuais para de desfechos fatais ou indesejáveis. Entretanto, serão os pais e
facilitar a compreensão e a atitude deve ser realista, evitando familiares que lidarão diariamente com as decisões que não lhes
minimizar o problema. Jamais recorrer a palavras negativas que couberam inicialmente e com todas as suas implicações médicas
demonstrem desesperança. Ao informar, procurar dar apoio ao e não médicas. O sujeito do tratamento (paciente e família) deve
paciente, utilizando habilidades de comunicação que permitam ser percebido como um ser biopsicossocial e cultural singular,
reduzir o impacto emocional e a experiência de isolamento que com suas expectativas, susceptibilidades, angústias e temores
a má notícia desencadeia no receptor. neste momento de grande vulnerabilidade.
No Modelo Deliberativo da relação médico-paciente/
Quinto passo: “Addressing the patient´s emotions with família, a atitude ideal do profissional de saúde é integrar
empathic responses” (E) informação e valores para realizar uma recomendação
Avaliando a todo o momento o estado emocional e terapêutica, favorecendo o diálogo, a autonomia do paciente
psicológico da família/paciente, o profissional deve expressar e a reflexão. Durante este processo de deliberação conjunta
empatia pela sua dor, ser humanitário e ter compaixão, e humanizada, o desenvolvimento moral de cada indivíduo é
assegurando que haja suporte emocional de outras pessoas, favorecido. Vale ressaltar que os valores dos profissionais de

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saúde são importantes para o paciente e servem como base mediante a interação com a natureza, a humanidade ou às
para que o eleja como seu cuidador. artes.
Diferenças socioculturais e religiosas entre os pais e Religião geralmente se refere a um sistema de
os profissionais podem dificultar o processo de comunicação fé organizado em crenças, práticas, rituais e linguagem
e, em uma relação assimétrica de poder, pode haver que caracteriza uma comunidade em busca de sentido
desvalorização das opiniões da família. Respeitar as diferenças, transcendente de uma maneira particular, geralmente se
sem pré-julgamento e com empatia, independentemente do baseiam na crença a um ser divino. A religião representa
diagnóstico ou prognóstico do paciente, é fundamental para apenas uma das muitas formas de expressão espiritual.
a construção uma relação de confiança mútua. Uma enfermidade grave constitui uma crise para o
As crianças, do ponto de vista legal, no Brasil, são espírito e surgem perguntas espirituais sobre o sentido da
consideradas autônomas para tomar decisões sobre suas vidas vida. Questões ambíguas sobre a existência humana não
apenas após os 18 anos. A determinação deste limite de idade respondidas pela nossa capacidade racional e pragmática
pode não estar em equilíbrio com o desenvolvimento etário, ganham sentido quando desenvolvemos o aspecto espiritual,
cognitivo e maturidade. A percepção da autonomia da criança fazendo com que o indivíduo entre em contato com
e do adolescente, permitindo-lhes a manifestação de sua plena sentimentos e pensamentos superiores, fortalecendo a
capacidade, promove dilemas entre beneficência e autonomia. personalidade e gerando mecanismos mais amadurecidos
Crianças com doenças crônicas encontram-se em para lidar com as adversidades.
situação ainda mais delicada, pois é comum que pais Na abordagem a pacientes em Cuidados Paliativos,
e profissionais negligenciem sua crescente habilidade se não se alivia a dor, a mente se vê assoberbada de
em participar de decisões. Entretanto, é essencial o pensamentos negativos e obsessivos, havendo pouco espaço
acompanhamento desta evolução, levando em conta a para ocupar-se de pensamentos espirituais. Portanto, após
maturidade e percepção para conceder o adequado respeito o controle adequado dos sintomas, é importante abordar
à autodeterminação destes indivíduos. Os limites entre as questões emocionais e espirituais. As crianças podem
a dependência e a independência e a competência e a expressá-las pela linguagem verbal e não verbal, de acordo
incompetência são frequentemente pouco nítidos. com sua personalidade e grau de amadurecimento. Em
Além dos desejos dos pais e da criança, os profissionais geral, a esfera espiritual, que só emerge na adolescência,
de saúde possuem a obrigação ética e legal de salvaguardar o começa a surgir prematuramente para compensar a perda
“melhor interesse” de seu paciente, de acordo com sua idade da capacidade física. Entretanto, é comum que a equipe não
e maturidade. Qualquer discussão relacionada aos cuidados aborde a questão da religiosidade/espiritualidade por não
às crianças deve incluir os aspectos éticos, legais, sociais, saber como o fazer, deixando de lado, assim, uma esfera
contextuais, culturais e do desenvolvimento individual. importante do cuidado.
O processo decisório, realizado de forma compartilhada A “anamnese” espiritual é o espaço onde o paciente e
entre pais e profissionais de saúde, é considerado a estratégia a família podem contar sua história e partilhar os seus valores.
ideal para promover as melhores escolhas possíveis em É também o lugar que ajuda a revelar quais as fontes de força
situações complexas e difíceis. Esta atitude requer respeito e e esperança, além dos mecanismos de enfrentamento e
compreensão pelo momento delicado e difícil da família, bem resiliência que eles já possuem. São informações valiosíssimas
como plena consciência de seus direitos de decisão. para o planejamento da abordagem multidisciplinar terapêutica.
Devemos identificar as preocupações dos pacientes, suas
c) Espiritualidade angústias, crenças, medos e sofrimento espiritual. Para abordar
A espiritualidade e religiosidade são aspectos os aspectos espirituais em crianças em Cuidados Paliativos,
fundamentais no acompanhamento de pacientes com Davies sugere algumas questões como:
doenças graves e limitantes, bem como no fim de vida.
Estas podem influenciar no processo de significação e - O que é mais difícil em estar doente como você
enfrentamento da doença, bem como em suas decisões está?
referentes ao tratamento proposto. Religião e espiritualidade - Quem ou o que lhe dá o maior apoio para lidar
não são termos intercambiáveis. com a sua doença?
Espiritualidade é aquilo que dá sentido e propósito à - O que lhe dá uma sensação de esperança?
vida de um indivíduo. Para Jung (1986), ela se refere a uma - Por que você acredita você está doente? (às vezes,
relação transcendental da alma com a divindade e à mudança crianças/adolescentes pensam que é por causa de
que daí resulta, ou seja, espiritualidade está relacionada a uma algo que eles fizeram). Você já se perguntou sobre
atitude, a uma ação interna, a uma ampliação da consciência, isso?
que pode acontecer, por exemplo, pela oração, mentalização - Como você acha que “Deus” (ou usar o nome de
ou meditação. Os indivíduos podem estar em contato com Alá ou Buda, conforme o caso) é? (qual brinquedo,
sua espiritualidade por meio de rituais religiosos formais ou

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objeto, animal que a criança tem que lhe lembra vai aos poucos sendo elaborado pela família à medida que
de como é Deus?) se vivencia o adoecer e a terminalidade. E, neste contexto, a
- Como você acha que Deus se sente sobre a família vivencia a ambiguidade entre a ameaça da perda e a
doença? necessidade de cuidado pela vida de seu filho.
- O que assusta você, quando você pensa sobre o Segundo Franco (2008), neste processo de enfrentamento
futuro? da doença há fatores facilitadores, quais sejam: uma adequada
comunicação com a equipe profissional e entre os membros da
Sabe-se que a espiritualidade/religiosidade podem família; estrutura familiar flexível que permita reajuste de papéis,
ajudar as pessoas lhes dando senso de controle e força, participação nas diferentes fases, para obter senso de controle,
reconciliando-as consigo mesmas e com os outros, e conhecimento dos sintomas e ciclo da doença e sistemas de apoio
principalmente, na ressignificação da morte. Esse processo informal e formal disponíveis.
de aceitação é fundamental no fim da vida. Por outro lado, fatores complicadores como padrões
disfuncionais de relacionamento, interação, comunicação e
d) Multidisciplinaridade solução de problemas, sistemas de suporte formal e informal
O ser humano nasce num ambiente socialmente não existentes ou ineficientes, outras crises familiares
organizado, interligado interpessoalmente, onde nada simultâneas à doença, falta de recursos econômicos e sociais,
é executado só. Cuidado Paliativo, cujo objetivo é a cuidados médicos de pouca qualidade e dificuldades na
abordagem das dimensões física, psíquica, emocional, social, comunicação com a equipe médica e a presença de doenças
cultural e espiritual do ser humano, é um conjunto de atos estigmatizantes podem comprometer o processo de luto.
multiprofissionais. Desta forma, é necessária uma abordagem É importante que criança e família tenham apoio
ampla que requer profissionais especializados e treinados psicológico e espiritual, podendo resignificar a vida, o
nestas diversas esferas do indivíduo. processo de doença e a morte. A criança deve se sentir parte
A equipe multiprofissional deve ser composta pelos importante e amada do núcleo familiar, e não um peso.
seguintes profissionais: médico, enfermeiro, assistente social, Deve-se percebê-la e dar voz aos seus sentimentos, evitando
capelão/assistente espiritual, fisioterapeuta, terapeuta o silêncio e o isolamento (Conspiração do silêncio). Após a
ocupacional, nutricionista, profissional de psicologia (psicólogo, morte, a família necessitará de apoio e tempo de elaboração, e
psicoterapeuta, psiquiatra, psicanalista); fonoaudiólogo, é função da equipe estar disponível e apoiar as dores geradas,
pedagogo, odontólogo, farmacêutico, profissionais de oferecendo espaços empáticos para a colocação e o trabalho
arteterapia, profissionais de musicoterapia, dentre outros psicoterapêutico dos sentimentos de luto.
profissionais que podem cooperar com o cuidado holístico Neste sentido, é função da equipe de Cuidados
da criança e sua família. Estes profissionais devem atuar de Paliativos:
forma interdisciplinar com reciprocidade, enriquecimento
mútuo, tendência à horizontalização das relações de poder, - Desenvolver intervenções para tratar a dor dos
e favorecendo a troca entre as áreas de conhecimento, pais e promover habilidades de enfrentamento;
participando da tomada de decisões e do plano terapêutico. - Desenvolver grupos de apoio ao luto para melhor
Importante ressaltar o papel fundamental do Cuidador atender às necessidades dos pais que perderam
Informal (mãe, pai, avós, etc.), na abordagem paliativa, sua criança;
auxiliando na garantia de uma terapia mais integral e com - Valorizar a disponibilidade de grupos de apoio ao
conforto e amor para a criança com doença ameaçadora de luto para aumentar a participação dos pais após a
vida. morte de uma criança;
- Encorajar e apoiar atos de gentileza dos profissionais
6 – SUPORTE AO LUTO e comemoração durante o período de luto.

Luto é o conjunto de reações a uma perda significativa. 7 - COMENTÁRIOS FINAIS


Pais de crianças que estiveram em programas de Cuidados
Paliativos e durante o processo participaram da tomada de Os Cuidados Paliativos são uma realidade importante
decisões, se envolveram no cuidado e estabeleceram boa e um avanço na Medicina como um todo. O ato de cuidar
comunicação com a equipe, têm melhor chance de ressignificar do paciente, dentro de suas limitações e anseios, é basilar
a morte e elaborá-la de maneira menos patológica. na assistência às crianças e adolescentes. Além disso, a
Em Cuidados Paliativos, o processo de luto se inicia no participação da família e da equipe multiprofissional no
momento em que é recebido o diagnóstico de uma doença conjunto das ações a serem implementadas nos conduz a um
ameaçadora de vida, com consequentes perdas concretas caminho em que as ações conjuntas imprimem qualidade
ou simbólicas que essa doença possa trazer para a pessoa e à assistência prestada ao pequeno paciente, baseados nos
sua família. Portanto, o luto antecipatório é um processo que princípios do conhecimento, do respeito e da dignidade.

Residência Pediátrica 2016;6(supl 1):46-54.


53
O conceito de cuidado nos leva a entender a ter 6. Barbosa SMM, Lecussan P, Oliveira FFT. Particularidades em Cuidados
cautela, algo que implica em não fazer algo que poderia Paliativos: Pediatria. In: Oliveira RA, ed. Cuidado Paliativo. São Paulo:
Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo; 2008. p. 128-38.
prejudicar alguém ou alguma coisa. Por tal motivo, a
7. Bergstein G. A informação na relação médico-paciente. São Paulo:
concepção de Cuidado Paliativo é tão nobre, um direito Saraiva; 2013.
humano de elevada relevância a ser posto em prática. O 8. Davies B, Brenner P, Orloff S, Sumner L, Worden W. Addressing
Cuidado Paliativo abrange um elenco importantíssimo de spirituality in pediatric hospice and palliative care. J Palliat Care.
cuidados paliativos técnicos, científicos e humanitários que, 2002;18(1):59-67.
como vimos, são multiprofissionais e interdisciplinares. De 9. Dussel V, Bernadá M, Bustamante M, Blanco MC, García WG, Grunauer
forma óbvia, a Medicina está nessa multiprofissionalidade M, Jerez C, Barbosa SMM, Nespral A. Versión Educación en Cuidados
Paliativos y Final de la Vida en Pediatría. Cuidados Paliativos
e interdisciplinaridade. Pediátricos: ¿Por Qué Importan? EPEC-Peds Latino América; 2016.
A Resolução do Conselho Federal de Medicina
10. Glass KC, Carnevale FA. Decisional challenges for children requiring
(CFM) 1973/2011, publicada no Diário Oficial da União, assisted ventilation at home. HEC Forum. 2006;18(3):207-21. DOI:
criou, nessa época, três novas áreas de atuação médica: http://dx.doi.org/10.1007/s10730-006-9008-z
medicina do sono, medicina paliativa e medicina tropical. 11. Hain R, Heckford E, McCulloch R. Paediatric palliative medicine in the UK:
Área de atuação é um ramo de uma ou mais especialidades past, present, future. Arch Dis Child. 2012;97(4):381-4. PMID: 22039176
DOI: http://dx.doi.org/10.1136/archdischild-2011-300432
médicas.
A resolução do CFM associa a área de Medicina 12. Kalish N. Evidence-based spiritual care: a literature review. Curr Opin
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paliativa às especialidades Clínica Médica, Cancerologia, SPC.0b013e328353811c
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artigo, além de constituírem imprescindível área de http://dx.doi.org/10.1001/archfami.5.1.11
concentração de conhecimentos, bem como de reflexão 15. Mehta PN. Communication skills - breaking bad news. Indian Pediatr.
e consensos éticos e bioéticos, estão normatizados na 2008;45(10):839-41. PMID: 18948654
configuração formal da Medicina brasileira. 16. Moritz RD, Lago PM, Souza RP, Silva NB, Meneses FA, Othero JCB,
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intensiva. Rev Bras Ter Intensiva. 2008;20(4):422-8. DOI: http://
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managerial guidelines. 2nd ed. Geneva: World Health Organization; 2002.

Residência Pediátrica 2016;6(supl 1):46-54.


54
MÓDULO 4
http://dx.doi.org/10.1590/1981-22562018021.180139

Artigos Originais / Original Articles


Percepções sobre envelhecer e adoecer: um estudo com idosos em
cuidados paliativos

Perceptions of aging and falling ill: a study with elderly persons in palliative care

725
Mariana dos Santos Ribeiro1
Moema da Silva Borges¹

Resumo
Objetivo: apreender as percepções de idosos, em cuidados paliativos, sobre o enfrentamento
do envelhecer e adoecer. Método: estudo exploratório, descritivo, de natureza qualitativa.
Participaram do estudo 11 idosos em cuidados paliativos, devido à doença oncológica.
Foram realizadas entrevistas semiestruturadas, analisadas com auxílio do software
ALCESTE. Resultados: a partir da análise de conteúdo, foram identificados dois eixos.
O primeiro, Resistir para Sobreviver e Viver possui duas categorias: a primeira, envelhecer
com integridade retrata a percepção positiva que os participantes possuíam do processo Palavras-Chave:
de envelhecimento e as estratégias de enfrentamento por eles utilizadas para lidar com Envelhecimento. Oncologia.
o envelhecer e adoecer; a outra categoria, o desenvolvimento resiliente, faz menção às Cuidados Paliativos.
trajetórias de vida dos participantes e as adversidades do processo de desenvolvimento e Adaptação Psicológica.
envelhecimento. O segundo eixo, Resistir para Morrer bem, possui uma única categoria Resiliência Psicológica.
e faz referência às percepções dos idosos acerca do estresse relacionado ao adoecimento.
Conclusão: os resultados evidenciam que as percepções sobre envelhecer e adoecer foram
de resiliência, já que os participantes focaram em ganhos em vez das perdas. Neste
contexto, utilizaram estratégias de enfrentamento resilientes: o suporte espiritual, a
reestruturação cognitiva e a aceitação.

Abstract
Objective: to learn the perceptions of elderly persons in palliative care regarding coping
with aging and illness. Method: an exploratory, descriptive, qualitative study was carried
out. The study included 11 elderly persons in palliative care because of oncologic disease.
Semi-structured interviews were carried out which were analyzed with the aid of the
Keywords: Aging. Medical
ALCESTE software. Results: two axes were identified from the content analysis. The first, Oncology. Palliative Care.
Resist to Survive and Live, has two categories: the first, aging with integrity, portrays the Adaptation, Psychological.
positive perception of the participants regarding the aging process, and coping strategies Resilience, Psychological.
used to deal with aging and with illness; the other category, resilient development, refers
to the life trajectories of the participants and the adversities of the process of development
and aging. The second axis, Resist to Die Well, has only one category and refers to the

1
Universidade de Brasília, Programa de Pós-graduação em Enfermagem. Brasília, Distrito Federal, Brasil.

Correspondência
Mariana dos Santos Ribeiro
smarianaribeiro@gmail.com
Rev. Bras. Geriatr. Gerontol., Rio de Janeiro, 2018; 21(6): 725-734

perceptions of the elderly about the stress related to illness. Conclusion: the results show that
the perceptions of aging and falling ill involved resilience, as the participants focused on
what they had gained rather than their losses. In this context, they used resilient coping
strategies: spiritual support, cognitive restructuring, and acceptance.

INTRODUÇÃO personalidade, estilo de vida, a história das perdas


726 e dos recursos internos e externos utilizados para
O envelhecimento é o principal fator de risco para lidar com elas7.
o desenvolvimento de doenças crônicas, incluindo
o câncer. As neoplasias representam mais de 45% Nesta perspectiva, pode-se dizer que a
dos óbitos em indivíduos acima de 80 anos, com capacidade para adaptar-se às perdas decorrentes
tendência a um aumento gradativo de suas taxas de do envelhecimento e de seus desafios, incluindo o
mortalidade1. adoecimento, depende necessariamente da resiliência
desenvolvida ao longo da trajetória de vida de cada
O câncer afeta o corpo, a mente, o bem-estar pessoa8,9.
social, as relações familiares e o espírito. Em virtude
A resiliência consiste na capacidade de resistir às
dessa complexidade, o cuidado ao paciente oncológico
adversidades com flexibilidade e adaptação. Quando
requer uma abordagem que extrapole as necessidades
compreendida como um processo que se desenvolve
biológicas e proporcione uma terapêutica integral,
ao longo da vida, a resiliência é interpretada como
com inclusão dos componentes psicológicos, sociais
uma ponte entre os processos de enfrentamento e
e espirituais2.
desenvolvimento8,10.
Dificilmente as dimensões psico-sócio-espirituais
Por sua vez, o enfrentamento consiste na resposta
ocupam lugar de destaque na assistência aos idosos
frente a um agente estressor, sendo que, na velhice, as
portadores de doenças oncológicas que ameaçam a
experiências passadas de enfrentamento funcionam
vida; as terapêuticas focam, sobretudo, no aumento
como um guia para lidar com situações estressoras
da sobrevida e provocam sofrimento. A fim de atuais9. Neste contexto, o presente estudo visa
transtornar esta perspectiva para uma visão de alívio, responder a seguinte questão norteadora: Como
se insere a filosofia dos cuidados paliativos3. idosos em cuidados paliativos enfrentam o envelhecer
e adoecer?
A Organização Mundial de Saúde (OMS) define
os cuidados paliativos como uma abordagem que Espera-se sensibilizar profissionais da saúde
busca proporcionar a melhor qualidade de vida para a importância de realizar a escuta da trajetória
possível para pacientes e familiares que enfrentam de vida das pessoas idosas a fim de compreender
doenças que ameaçam a vida por meio do alívio do as estratégias de enfrentamento já utilizadas em
sofrimento, tratamento da dor e de outros problemas situações de perdas pregressas, com a finalidade
físicos, psicológicos e espirituais4. de auxiliar os profissionais a prestar um cuidado
personalizado e qualificado. Diante do exposto, o
Na velhice, umas das causas de sofrimento psico- objetivo desse estudo foi apreender as percepções de
sócio-espiritual consistem nas perdas sucessivas ao idosos em cuidados paliativos sobre o enfrentamento
longo da vida que incluem: a consciência da própria do envelhecer e adoecer.
finitude, perda na saúde e/ou capacidade física, perda
na qualidade das relações emocionais, a morte de
entes queridos, menor integração social, redução da MÉTODO
qualidade de vida em um sentido material e redução
da qualidade de vida em um sentido cognitivo5,6. Trata-se de um estudo exploratório, transversal,
descritivo, de natureza qualitativa. A escolha pelo
Toda perda gera uma reação denominada luto delineamento qualitativo deveu-se ao fato de sua
que pode ser vivenciado diferentemente por cada adequação às pesquisas que buscam compreender
idoso a depender de suas características prévias de os participantes a partir do significado que eles
Percepções sobre envelhecer e adoecer

atribuem às suas experiências, assim como o objetivo de Unidades de Contexto Inicial (UCI), quando
do presente estudo11. estas são processadas dentro do programa, são
elaboradas as Unidades de Contexto Elementar
Os dados foram coletados ao longo dos meses (UCE), organizadas em classes que são interpretadas
de agosto e dezembro de 2016 na Clínica Médica a partir de suas significações13.
e no Centro de Alta Complexidade em Oncologia
de um Hospital Universitário em Brasília - Distrito O software ALCESTE, por meio do agrupamento
Federal (DF). Participaram do estudo 11 idosos em quantitativo, gerou um dendograma apresentado em 727
cuidados paliativos portadores de doença oncológica. dois eixos e três classes. A partir das palavras e verbos
de maior qui-quadrado destacados no dendograma e
Os critérios de inclusão foram: pessoas com idade do diário de campo, buscou-se extrair os significados
igual ou superior a 60 anos que possuíam registro dando prosseguimento à análise de conteúdo14.
de acompanhamento paliativo de doença oncológica
em prontuário. Foram excluídas as pessoas com A análise de conteúdo busca descrever o conteúdo
dificuldade de verbalização, de expressão e de emitido no processo de comunicação por meio
organização das ideias. de procedimentos sistemáticos que permitem a
inferência de conhecimentos14.
Os dados foram coletados em três momentos
distintos de encontros entre a pesquisadora e o Os referenciais teóricos utilizados para embasar
participante: 1) Conversa inicial sobre a história de a análise de conteúdo foram: a classificação de
vida do participante a fim de favorecer o rapport entre enfrentamento segundo Skinner, et al. e a concepção
ele e a pesquisadora, esse passo serviu como preparo de resiliência de acordo com Anaut10,15.
para os momentos subsequentes. 2) Aplicação de
questionário sociodemográfico para delineamento O estudo foi desenvolvido em conformidade
do perfil. 3) Entrevista com roteiro semiestruturado, com a Resolução nº 466 do Conselho Nacional de
elaborado após extensa revisão da literatura em Saúde e aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa
sete bases de dados e que incluiu temas sobre da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade
envelhecimento, adoecimento e enfrentamento12. de Brasília sob o parecer número 1.667.697. Todos os
participantes assinaram o Termo de Consentimento
As entrevistas foram realizadas pessoalmente pela Livre e Esclarecido e os nomes reais foram
pesquisadora que, após obtenção do consentimento substituídos por pseudônimos.
dos participantes, foram gravadas. Elas tiveram
duração média de 30 minutos e, após cada entrevista,
a pesquisadora anotou as suas impressões e aspectos RESULTADOS
relevantes do discurso; o registro contínuo constituiu
um diário de campo. Participaram do estudo 11 idosos: seis homens
e cinco mulheres, com média de idade de 68,9 anos
As entrevistas foram realizadas até o momento e média de escolaridade de 4,54 anos. Oito idosos
em que foi identificada redundância na fala dos tinham ciência do seu diagnóstico há mais de um
entrevistados, o que dispensou a necessidade de ano, indicando certa familiaridade com a doença.
inserção de novos participantes na pesquisa e Cinco deles precisaram deixar sua cidade de origem,
caracterizou, portanto, o ponto de saturação. lar e familiares para buscar tratamento na capital,
evidenciando as dificuldades de acesso ao tratamento
Os dados obtidos foram transcritos e submetidos em determinados locais do país.
à análise de conteúdo temático com o auxílio do
software ALCESTE (Analyse Lexicale par Contexte d’un Quanto à análise de conteúdo emergiram três
Ensemble de Segment de text). O software realiza uma categorias distribuídas em dois eixos (Figura 1). O
análise estatística a partir da individualização do software ALCESTE evidenciou as palavras de maior
texto de cada entrevista que passam a ser chamadas qui-quadrado em cada categoria conforme Figura 1.
Rev. Bras. Geriatr. Gerontol., Rio de Janeiro, 2018; 21(6): 725-734

728

*UCE: Unidade de Contexto Elementar

Figura 1. Dendograma do corpus das entrevistas organizado em dois eixos e três categorias. Brasília, DF, 2016.

DISCUSSÃO O segundo eixo denominado Resistir para


morrer bem foi formado por uma única categoria,
O primeiro eixo, denominado Resistir para denominada Fatores estressores no adoecer, e
sobreviver e viver bem, faz menção às trajetórias explanou as dificuldades vivenciadas durante o
de vida dos participantes e às estratégias utilizadas adoecimento, causadas, sobretudo, devido ao difícil
para sobreviver aos inúmeros desafios enfrentados acesso ao tratamento. Essa categoria representou
no processo do envelhecimento. Esse eixo foi 39% das falas dos participantes (Figura 1).
composto pelas categorias nomeadas envelhecer
com integridade e o desenvolvimento resiliente. Os percentuais que foram identificados no
As duas categorias juntas compreenderam 61% do primeiro e segundo eixo indicam que os entrevistados
discurso (Figura 1). estavam, durante suas narrativas, mais focados no
Percepções sobre envelhecer e adoecer

processo de viver que na perspectiva de morrer. “As coisas que você queria ter quando era novo e
Resultados semelhantes foram narrados em um não tinha, você tem quando fica velho, depois de
estudo realizado na Noruega que descreveu a mais velho, você vai ter.” (Fernando)
experiência de vida diária de idosos com câncer
incurável e apontou a necessidade dessas pessoas de
Ao se focarem nos aspectos positivos, os
manter uma forte conexão com a vida16.
participantes ressaltaram as conquistas materiais
que estavam sendo desfrutadas. Chamou atenção
729
a referência à liberdade como ganho de autonomia
Resistir para Sobreviver e Viver e emancipação. Essas percepções valorizaram os
aspectos positivos do envelhecer e são corroboradas
Esse eixo ressalta que o comportamento dos
pelo estudo realizado com idosos que frequentavam
idosos ao longo da vida se manteve focado no
uma Universidade Aberta da Terceira Idade. No
enfrentamento e na superação das adversidades ao
referido estudo, identificou-se um equilíbrio entre
invés de esquivar-se delas.
ganhos e perdas tanto nos aspectos biológicos como
emocionais e sociais do envelhecer18.

Categoria 2: Envelhecer com integridade Observou-se que eles não aludiram negação
ou fuga dos problemas e restrições que advieram
Os trechos com as palavras de destaque da em decorrência do envelhecimento, retiraram o
categoria 2 apontam para uma percepção positiva do foco da dor, das restrições e das dificuldades para
envelhecimento ainda que os idosos mencionassem as viver melhor.
perdas em suas trajetórias. Conforme a teoria de Erik
Erikson, na velhice, as pessoas podem experimentar “Com toda a atribulação, você sabendo viver,
o sentimento de desespero quando não reconhecem tudo vai bem. Se você não souber viver, você vai
um sentido em sua trajetória de vida, ou podem mal.” (Alexandre)
experimentar a integridade, quando são capazes de
distinguir suas perdas e conquistas e atribuir um
Ao reconhecer, no processo de envelhecer, os
significado a elas17.
aspectos que foram benéficos buscando manter
Pôde-se aprender que os idosos deste estudo o bem-estar apesar das atribulações, a estratégia
elaboraram suas perdas de forma positiva e utilizaram, cognitiva configurou-se como uma importante tática
segundo a classificação de Skinner, et al., as seguintes de enfrentamento.
estratégias de enfrentamento: 1) reestruturação
cognitiva, 2) suporte espiritual e 3) aceitação15.
Suporte Espiritual
A espiritualidade busca uma conexão com Deus
Reestruturação cognitiva
ou com um poder maior, com aquilo que dá sentido à
A reestruturação cognitiva é uma estratégia de vida e transcende o tangível em busca por algo maior
enfrentamento que busca ativamente mudar a visão que si próprio e que pode ou não incluir filiação
de uma situação estressante para enxergá-la sob religiosa19,20.
uma luz positiva15. Foi nessa perspectiva que os
Na fala dos idosos pôde-se apreender que o
participantes centraram-se preferencialmente nos
suporte espiritual se configurou como estratégia de
ganhos em detrimento dos aspectos negativos do
enfrentamento que contribuiu para manejar o estresse
envelhecer.
do envelhecimento e adoecimento, favorecendo a
“Então quer dizer que o envelhecimento trouxe atribuição de significado ao processo de viver.
ganhos para mim, eu pude sair mais, frequento as
minhas coisas de igreja, porque antes não podia, Nos discursos, identificou-se que as bases do
porque às vezes tinha que cuidar de menino.” suporte espiritual, foram ancoradas na fé, na leitura
(Lúcia) dos livros sagrados e na prática da oração20.
Rev. Bras. Geriatr. Gerontol., Rio de Janeiro, 2018; 21(6): 725-734

A fé contribui na atribuição de sentido à existência, “Aceito a velhice assim sem me incomodar. E


ela constitui uma preocupação humana universal que tem esse ditado: se não quer ficar velho, morra
permite seguir caminhos religiosos em prol de uma com trinta, mais ou menos a metade. Não quer
vida organizada e orientada por valores19. A partir envelhecer, morra novo [...] Desde que você aceite
que isso é um ciclo natural, desde que você aceite,
da fé, os idosos buscaram a aproximação à forma
tem perda não.” (Fernando)
divina que tudo rege.

730 “É a fé que vai tirando a gente, você vai pensando


Pôde-se inferir que a doença, foi percebida como
que tudo está nas mãos de Deus e que não adianta,
parte do processo de envelhecer. A aceitação é a
não adianta você se preocupar, porque o que tiver
última fase dos estágios da morte e do morrer, quando
de ser vai ser.” (Lúcia)
a pessoa teve o tempo necessário para elaborar a sua
situação22. Parece que os idosos despojaram-se dos
Os livros religiosos constituíram a base dos valores seus medos e angústias, sendo capazes de manifestar
de suas vidas e argumentação para o enfrentamento sentimentos de paz e tranquilidade.
das dificuldades vivenciadas.
“Agora recuperei mesmo. É bom morrer feliz,
“A bíblia nos fala que quando chegar à velhice, melhor do que morrer triste, agora não estou com
você vê, vem fadiga da vida alheia, angústia.” medo mais não, morrer feliz em vez de morrer
(Alexandre) triste, pior coisa; morrer feliz é a melhor coisa.
Sente segurança, a morte feliz sabe? É assim, sente
mais segurança, aqui eu estou seguro.” (Samuel)
E a oração constitui um importante meio de
aproximação com o sagrado visando proteção e
apoio frente às situações adversas no processo de Na narrativa de Samuel foi possível estabelecer
envelhecer e adoecer. a comparação entre a “morte feliz” com a “morte
triste”; denotou-se que os sentimentos de segurança,
“Apega com Deus e vai rezando, e eu rezo muito, ausência de medo e sentir-se bem cuidado no
vai rezando, ai parece que vai amenizando as ambiente hospitalar conformaram a expressão da
coisas.” (Lúcia) “morte feliz”. Discurso semelhante foi evidenciado
em um estudo conduzido na Austrália com 40
pacientes internados em uma unidade de cuidados
A prática religiosa pautada na leitura de livros
paliativos, em que os participantes relataram um
sagrados, associada ao ato de rezar, teceu as bases
sentimento de alívio ao encontrarem um lugar que
do suporte espiritual. Estudo realizado na Croácia
poderia ajudá-los no final de suas vidas23.
encontrou que as crenças religiosas aliadas ao ato
de rezar contribuíram para uma melhor aceitação
da doença e para a confrontação de adversidades
psicológicas que ocorreram com o diagnóstico do
Categoria 3: O desenvolvimento resiliente
câncer21. Nessa categoria, emergiu da narrativa dos idosos
a luta pela vida que foi permeada por inúmeros
desafios: poucas oportunidades de acesso aos
Aceitação estudos, dificuldades financeiras, necessidade de
trabalhar ainda na infância para complementar a
Os idosos perceberam a velhice como um renda familiar, precárias condições de moradia,
processo natural e como parte integrante da vida. ausência de saneamento básico e a perda dos genitores
Apesar de reconhecerem as evidências de alguma e cônjuges.
limitação, eles aceitaram a velhice de maneira serena
e natural ao invés de se opor à situação vivenciada Dos 11 participantes, apenas dois conseguiram
e tentar modificá-la. finalizar o ensino fundamental.
Percepções sobre envelhecer e adoecer

“Não tivemos oportunidade de estudar, meu pai “Outra perda foi que eu não conheci pai, meu pai
morava na roça, e em roça nós andávamos léguas largou minha mãe no interior da Bahia, foi em
para ir para uma escola, naquele tempo, não tinha cinquenta e dois, quando eu nasci eles vieram para
escola gratuita, era pago e só para aqueles que Goiás, ele e mais dois irmãos meus, para mim, foi
podiam pagar.” (Maria) uma perda também.” (Alexandre)

O depoimento de Maria evidencia as barreiras Na infância, as necessidades primárias de afeto


são satisfeitas pelos pais. A sensação de segurança, 731
para o acesso à educação por dificuldades financeiras.
No contexto de escassez, as crianças precisaram reconhecimento, autoestima e o desenvolvimento
trabalhar para contribuir com a renda familiar. emocional da pessoa são influenciados pela presença
ativa dos pais. Nessa perspectiva, a perda do genitor,
“Todo mundo tinha que trabalhar para ajudar quando se é jovem, produz um vazio que pode gerar
em casa, era pobre, não tinha [...] só o pai e a mãe repercussões, inclusive, em situações da vida adulta,
para sustentar tanto filho, aí tinha que trabalhar como construir uma família e na criação de seus
todo mundo, já ia pegando uma idadezinha, já próprios filhos7.
tinha que correr para trabalhar, para ajudar.”
(Lúcia) Nessa mesma perspectiva, a viuvez sobrecarrega
a velhice com o peso da solidão contínua. Perde-se o
companheiro de muitos anos e de uma vida construída
A realidade descrita pelos participantes corrobora a dois, permanecendo uma sensação de vazio7.
o resultado de um estudo brasileiro que relaciona
a renda familiar com o trabalho infantil, indicando “Aí perdi o segundo marido, porque eu sou viúva
que essa situação se mantém ainda nos dias atuais. duas vezes. Eu perdi o pai dela, eu tinha dezenove
Sabe-se que quando a renda familiar é baixa, os anos, com um tempo depois eu me casei de novo,
pais não têm alternativa e optam que seus filhos aí faz dezessete anos que eu perdi o segundo.”
(Regina)
trabalhem ao invés de estudarem. Essa escolha tem
uma consequência significativa no futuro, porque
impacta na qualificação profissional com consequente Entretanto, apesar das inúmeras dificuldades e
dificuldade para aumentar a renda, perpetuando, perdas, os participantes relataram enfrentar cada
assim, o ciclo da pobreza24. adversidade que surgiu em suas vidas com força
e determinação; imprimiram na trajetória da vida,
No Brasil, em 2015, 17,6% das crianças de zero uma marca de luta e jamais de esquiva. Manifestaram
a quatro anos de idade e 18,0% das crianças e orgulho de seus valores e de suas origens humildes.
adolescentes de cinco a 14 anos viviam em domicílios
cujo rendimento mensal máximo per capita era um “Nunca roubei, nunca herdei, tudo pelo suor;
quarto do salário mínimo25. desde criança, lutando até o fim.” (Marcelo)

Os entrevistados mencionaram as condições


A luta pela sobrevivência conferiu sentido à vida;
precárias de habitação e a falta de acesso ao saneamento
apesar das adversidades, o orgulho pelo vivido e
básico que vivenciaram durante a infância.
valores aprendidos fizeram parte do conceito de
“Minha vida foi de luta! Naquele tempo, lá em integridade. A narrativa dos idosos confirma que a
Formosa, tinha muita casa de palha, de pau a integridade descrita por Erikson permite a pessoa
pique, minha mãe morou em casa assim... era pau ser capaz de vivenciar a velhice reconhecendo suas
a pique, não tenho vergonha de falar não, era pau realizações e conquistas17.
a pique, chão puro.” (Maria)
Nesse contexto, percebe-se que a resiliência
construída ao longo da vida se sobressaiu para
Entretanto, frente a todos os desafios, a perda da lidar com as adversidades vivenciadas, assim, os
morte dos pais na infância e a viuvez configuraram participantes puderam lidar com o estresse a partir
os episódios mais difíceis de superar. de uma perspectiva positiva10.
Rev. Bras. Geriatr. Gerontol., Rio de Janeiro, 2018; 21(6): 725-734

Resistir para Morrer bem do apetite que geralmente vem acompanhado de


perda de peso28.
Esse eixo relata os principais estressores do
adoecimento e a percepção dos idosos sobre a sua Em processo de adoecimento oncológico, a
condição de saúde. anorexia também se faz presente e se associa ao
aumento da atividade inflamatória, com reduzida
capacidade de absorção intestinal e perda de massa
732 muscular por estados hipercatabólicos, caracterizando
Categoria 1: Fatores estressores no adoecer
uma perda de peso acentuada28,29.
Na narrativa dos idosos, chamou atenção que
a doença e o tratamento constituíram fatores Além disso, em pessoas idosas, associam-se outros
estressores, eles destacaram: os sinais e sintomas fatores que contribuem para a perda de apetite:
da doença, o diagnóstico e, sobretudo, a falta de fatores sociais, físicos, psicológicos e médicos. Nesse
acesso ao tratamento. contexto, o contato próximo com familiares que os
estimule a comer constitui um dos fatores que pode
O câncer consiste em um crescimento de células contribuir para evitar que a anorexia se agrave30.
que invadem os tecidos e órgãos, criando massas
que alteram a estrutura inicial de um órgão e que A partir dos sinais físicos em seus corpos, iniciou-
podem, inclusive, espalhar-se para outras regiões do se a suspeita de uma doença grave que culminou
corpo26. A descoberta de massas no próprio corpo em elevação do nível de estresse. Apesar de já
foi o primeiro sinal e estressor percebido pelos suspeitarem da doença, a má notícia não deixou de
participantes. causar impacto significativo na vida deles.

“Ela disse: doutor tem um caroço debaixo da A má notícia pode levar os pacientes a
língua, bem aqui, ela meteu o dedo, caroço duro experimentarem dor antecipatória relacionada a
é esse.” ( Alexandre) todas as perdas que tiveram e que ainda irão ter no
futuro: perda de funcionalidade, do seu papel social
e possível morte. Em função disso, uma parte das
Além de massas, os participantes referiram a dor
pessoas com doenças graves preferem não saber toda
e a anorexia como sintomas que os fizeram suspeitar
a verdade sobre o seu diagnóstico31.
de uma doença grave.
Ainda que a literatura descreva a hesitação no
“O que eu estou sentindo mesmo, vou falar aqui
para você, essa dor aqui não pára.” (Eduardo) momento do diagnóstico, os idosos do presente
estudo foram unânimes em afirmar que gostariam de
“E cortava meu apetite, minha fome, eu não ter acesso à verdade e receber a informação completa
suportava ver a comida mesmo, eu cheguei para acerca de sua condição de saúde.
cá com sessenta quilos.” (Samuel)
“Eu disse: qual é a notícia ruim doutor? Se
amarrando né? Uma conversinha para aqui para
As queixas dos entrevistados corroboram um acolá, eu digo: eu já sei, pode abrir a boca e falar
estudo que apontou os sintomas prevalentes nos a verdade!” ( João)
portadores de câncer avançado: dor (78,4%), anorexia
(64,4%) e constipação (63,5%)27.
Apesar dos sentimentos negativos derivados
A dor é um dos sintomas mais comuns do recebimento do diagnóstico de câncer, o maior
vivenciados por pessoas idosas com câncer e é fator estressor foi o acesso penoso ao tratamento,
difícil de ser avaliado e manejado por sua natureza descrito como angustiante. Alguns avaliaram que
subjetiva. As consequências de um mau manejo o atendimento em suas cidades de origem era
da dor incluem: depressão, ansiedade, abuso de inadequado e, por esse motivo, optaram pela mudança
substâncias, problemas cardiovasculares, delirium, para a capital do país em busca de diagnóstico
insônia, comprometimento funcional e redução assertivo e de tratamento adequado.
Percepções sobre envelhecer e adoecer

“Vim para aqui, porque as coisas estavam meio CONCLUSÃO


embaraçadas da vida, mas o cara constatou lá
diabetes, eu vim para cá fazer esse tratamento. Os resultados evidenciam que, ao longo da
Quando eu cheguei, o médico falou: rapaz, eu trajetória de vida do grupo estudado, o enfrentamento
vou te encaminhar; me encaminhou, fazer um
das adversidades forjou a capacidade de manejar de
exame numa clínica lá...” ( João)
forma positiva os fatores estressores identificados
em suas narrativas.
Além da dificuldade em iniciar o tratamento, os 733
participantes também referiram a necessidade de As percepções sobre o processo do envelhecer
interrompê-lo, devido à falha dos recursos técnicos: e adoecer denotaram que, para eles, envelhecer
constituiu um privilégio e, apesar das dificuldades,
“Muita gente saiu né? Procurar outro estado, diz estavam gratos pela vida, por isso experimentaram
que a máquina quebrou, uns fala que sim, uns fala integridade em vez de desesperança.
não, ai tive que sair, nessa saída custou mais um
mês, atrasou, porque lá foi perdição, lá no Rio de Não obstante, o adoecimento e o acesso
Janeiro.” (Samuel) ao tratamento foram percebidos como eventos
geradores de estresse, constituindo fonte de
O relato dos entrevistados valida outro estudo angústia e sofrimento. Para fazer frente às perdas
que encontrou como as principais barreiras nos casos e adversidades do envelhecer e adoecer utilizaram,
de doenças oncológicas: a descoberta da doença e sobretudo, as estratégias de enfrentamento
as dificuldades de acesso ao tratamento; incluindo a características de um processo resiliente, destacando-
demora no diagnóstico, dificuldades no acesso aos se: o suporte espiritual, a reestruturação cognitiva
exames, os efeitos colaterais e as barreiras para se e a aceitação.
realizar o tratamento32.
Entende-se que a compreensão, pela equipe de
É preciso reconhecer que o presente estudo saúde, das estratégias de enfrentamento dos doentes
apresenta limitações que residem no fato da pesquisa pode agregar qualidade no cuidado prestado a eles.
ter sido realizada em uma única instituição pública de Logo, sugere-se que essa temática seja difundida
cuidados oncológicos, o que impede a comparação principalmente entre os profissionais que prestam
com outros cenários. Futuros estudos podem cuidados aos idosos em cuidados paliativos por meio
expandir os cenários de pesquisa a fim de identificar de discussões em grupo e atividades de educação
estratégias de enfrentamento em outros contextos. continuada nas instituições de saúde.

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Recebido: 06/08/2018
Revisado: 05/11/2018
Aprovado: 26/11/2018
Paidéia
maio-ago. 2011, Vol. 21, No. 49, 175-185

Artigo
O significado da morte para adolescentes, adultos e idosos1
Caroline Garpelli Barbosa2
Lígia Ebner Melchiori
Carmen Maria Bueno Neme
Universidade Estadual Paulista, Bauru-SP, Brasil
Resumo: Apesar do aumento na quantidade de trabalhos que visam a abordar a morte como tema de investigação, observa-se
que ainda prevalece a interdição do assunto morte, dificultando que ela seja abordada e discutida. Este estudo buscou ampliar
a compreensão de como pessoas, em diferentes etapas desenvolvimentais, lidam com perdas e com a própria finitude. Para
isso, 7 adolescentes, 14 adultos de meia-idade e 10 idosos foram entrevistados, e os dados foram compreendidos mediante
análise de conteúdo. Entre os participantes, os adultos foram os que mostraram mais aflição e inquietação, ao falarem sobre a
própria finitude e sobre a possibilidade da morte de pessoas queridas. Os adolescentes abordaram-na como um acontecimento
distante e impessoal, enquanto os idosos se referiram a ela com maior proximidade e aceitação. Sugere-se a realização de es-
tudos que aprofundem tais compreensões, relacionando-as às diferentes religiões, classes sociais e experiências com perdas.
Palavras-chave: morte, psicologia do desenvolvimento, adolescentes, meia-idade, idosos.

The meaning of death for adolescents, middle aged and elderly geriatrics
Abstract: Despite the increase in the quantity of works that aim to study death as a research topic is observed that it still
prevails the prohibition of the subject death, what can make difficult how the issue is discussed. This study aimed to increase
the understanding of how people in different ages deal with losses and with their end. Seven adolescents, 14 middle aged and
10 elderly people were interviewed and the dates were analyzed using content analysis. Among these participants, the middle
aged were who showed most distress and anxiety when talking about death and about the possibility of losing people they
love. The adolescents showed a relation to death as a distant and impersonal issue, while the elderly accepted it and kept a
closely relationship with it. It is suggested the conduction of studies to deepen these understandings, relating them to different
religions, social classes and loss experiences.
Keywords: death, developmental psychology, adolescents, middle aged, geriatrics.

El sentido de la muerte para adolescentes, mediana edad y ancianos


Resumen: A pesar del aumento en la cantidad de trabajos que pretenden estudiar la muerte como un tema de investigación, se
observa que predomina la prohibición sobre la question de la muerte, lo que impide que ella sea discutida. Este estudio trató
de ampliar la comprensión de cómo las personas en diferentes edades trabajan con las pérdidas y con su propia finitud. Siete
adolescentes, 14 adultos y 10 ancianos fueron entrevistados y los datos fueron analizados mediante el análisis del contenido.
Entre los participantes, los adultos mostraron la mayor angustia y ansiedad cuando se hablaba de la muerte y sobre la posi-
bilidad de pérdidas. Los adolescentes reportaron la muerte como un asunto distante e impersonal, mientras que los ancianos
mantienem una relación estrecha con la muerte. Se sugiere llevar a cabo estudios para profundizar en estos conocimientos,
relacionándolos con las diferentes religiones, clases sociales y las experiencias con la pérdida.
Palabras clave: muerte, psicologia del desarrollo, adolescente, mediana edad, geriatria.

O tema da morte tem sido relegado ao ostracismo, tor- dispêndio inútil de energia, uma vez que ela pode ocorrer em
nando-se um assunto tabu ao longo da história das sociedades qualquer etapa desenvolvimental. O entrelaçamento entre
ocidentais no século XX (Ariès, 1975/2003). Alves (1991), vida e morte, ao longo do desenvolvimento humano, leva ao
ao ponderar sobre a ambiguidade de sentimentos existentes questionamento de como as pessoas, em diferentes etapas do
ao redor da morte, diz que, na verdade, ela aterroriza por curso vital, significam as questões que envolvem a morte e o
nos falar sobre a vida e sobre aquilo que estamos fazendo ou morrer em suas existências.
deixando de fazer com ela.
Para Kovács (2002), a tentativa de manter a morte dis- A morte ao longo do desenvolvimento
tante, como algo a ser tratado apenas no final da vida, é um
A criança, o adolescente e a morte

1
Este texto foi revisado seguindo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa Embora a criança pequena não compreenda as três di-
(1990), em vigor a partir de 1º de janeiro de 2009. Este artigo é derivado mensões do conceito de morte: irreversibilidade, não funcio-
da Dissertação de Mestrado da primeira autora, sob orientação da segunda
autora e coorientação da terceira. Apoio: FAPESP. nalidade e universalidade, pesquisas apontam que ela sofre
2
Endereço para correspondência: quando não há o suporte necessário para o enfrentamento de
Caroline Garpelli Barbosa. Rua Maria Térci, 87. CEP 18.085-610. situações de perda. Ao não ter com quem conversar e obter
Sorocaba-SP, Brasil. E-mail: psica_ca@yahoo.com.br

Disponível em www.scielo.br/paideia 175


Paidéia, 21(49), 175-185

esclarecimentos a respeito, ela pode sentir-se confusa e de- nos principais papéis até então desempenhados. Os adultos
samparada em sua dor (Nunes, Carraro, Jou, & Sperb, 1998; começam a fazer um balanço de suas vidas até aquele mo-
Vendruscolo, 2005). mento, e a morte deixa de ser tão distante (Kovács, 2002).
Na adolescência, a capacidade cognitiva é semelhante É escassa a literatura nacional e internacional abordando
à do adulto, possibilitando a compreensão dos aspectos de a concepção de morte na fase adulta, e os estudos com essa
irreversibilidade, não funcionalidade e universalidade da população, geralmente, focalizam apenas as experiências de
morte, tornando-a um evento mais real. O adolescente, co- perdas e seus impactos (Burton, Haley, & Small, 2006; Gud-
mumente, encontra-se em uma de suas melhores condições mundsdottir, 2009; Gudmundsdottir & Chesla, 2006; Olivei-
físicas e cognitivas, ocupando-se em seu universo de desco- ra & Lopes, 2008).
bertas sobre si mesmo e sobre o mundo, rumo à construção
de uma identidade pessoal (Kovács, 2002). O idoso e a morte
Por se caracterizar como a porta para a liberdade, a
adolescência acaba por ser uma fase em que ocorre gran- A etapa desenvolvimental da velhice, ou terceira ida-
de número de mortes inesperadas devido a acidentes e a de, inicia-se por volta dos 65 anos e estende-se até a morte.
comportamentos de alto risco. Tal sensação de liberdade, Nessa etapa, há maior aceleração no declínio de algumas
frequentemente, leva o adolescente a sentir-se onipotente, funções, e o acometimento por doenças apresenta-se de ma-
motivando-o a envolver-se em situações ameaçadoras, sem neira tão próxima, que preocupações com o adoecimento e
que perceba o quanto pode prejudicar sua saúde ou mesmo consequentes limitações tornam-se bastante frequentes para
morrer precocemente. Assim, embora exista o domínio cog- muitos idosos, mesmo que ainda tenham boa saúde (Walsh,
nitivo sobre o fenômeno da morte em seus elementos cons- 1989/2001).
titutivos, a consciência sobre sua universalidade parece não Ainda, durante a velhice ocorrem perdas sociais decor-
ter ainda se estabelecido nessa etapa do desenvolvimento rentes das mudanças de papéis que geralmente se dão nesse
(Kovács, 2003a; Rodriguez & Kovács, 2005). período. Há o abandono da função profissional devido à apo-
sentadoria; o papel de filho deixa de existir com a morte do
O adulto e a morte último genitor; a viuvez traz a perda do papel de cônjuge; o
adoecimento pode inverter os papéis entre genitores e filhos,
Na primeira fase da vida adulta, os jovens procuram as- além das perdas de outros papéis socialmente desempenha-
sumir seu lugar na sociedade mediante a aquisição, aprendi- dos (Rabelo & Néri, 2005).
zado e desempenho de três papéis fundamentais: profissional, É frequente a concepção de que o medo da morte é mais
conjugal e parental (Bee, 1997). Aumentam as responsabili- presente entre os idosos. Todavia, o que parece mais assustá-
dades com relação à vida social; há o desejo de construção los são as incertezas relacionadas ao período que antecede a
de uma família e a necessidade de deixar a casa dos pais. morte, como as dúvidas quanto ao local em que irão residir
Muitos querem desenvolver-se mais no campo profissional e no futuro, ou mesmo quem vai cuidar deles, se adoecerem
formar uma família. Assim, há grande dispêndio de energia (Bee, 1997).
com as novas tarefas, e a morte não é grande preocupação Um estudo realizado com três grupos de idosos – asi-
(Kovács, 2002). lados, hospitalizados e envolvidos em atividades de lazer
Por volta dos 40 a 50 anos, muitas funções físicas po- – visou a compreender o significado da velhice, bem como
dem apresentar mudanças e certos declínios apresentam-se as perspectivas de futuro para essa população. Os resultados
com maior vivacidade. Os sinais de envelhecimento mani- indicaram que os asilados convivem quase que diariamente
festam-se de modo mais evidente, e as mortes de pessoas com a ideia de morte, tomando-a como a única alternativa
próximas, muitas vezes dos próprios genitores, passam a ser para a saída da condição de desprovimento familiar e da falta
recorrentes (Carter & McGoldrick, 1989/2001). de objetivos em que se encontram. Quanto aos idosos hospi-
Um trabalho de revisão bibliográfica de Sartori e Zil- talizados, a ideia de morte também se fez presente, contudo,
berman (2008) apontou que a vida adulta é uma fase de de maneira mais contida e velada. Para estes, há a perspectiva
maior estabilidade, em que a vida profissional se encontra de retorno às atividades rotineiras junto à família, e o medo
no auge, e a satisfação conjugal volta a elevar-se com a saída da morte vinculou-se apenas aos que estavam em estágio ter-
dos filhos de casa. Por outro lado, em algumas situações, a minal. Os idosos que desempenhavam atividades sociais e
ausência dos filhos pode levar os casais a uma diminuição na de lazer não tinham presente a ideia de morte, aparecendo
qualidade de vida, especialmente se eram dependentes finan- depoimentos que faziam um balanço da vida e estabeleciam
ceira ou emocionalmente dos mesmos. planos apenas em curto prazo. Portanto, os idosos com vida
O adulto, também, pode passar por crises, como a cha- ativa e compromissada permaneciam abertos às possibilida-
mada “crise da meia-idade”, caracterizada por um período des da vida, e a morte não foi objeto de preocupação (Boe-
em que vai se conscientizando da inevitabilidade da própria mer, Zanetti, & Valle, 1991).
finitude, à medida que reconhece novas limitações físicas e Se a morte de si mesmo não é objeto principal da
riscos à sua saúde e vivencia perdas e importantes mudanças preocupação de boa parte dos idosos, as perdas de pessoas

176
Barbosa, C. G., Melchiori, L. E., & Neme, C. M. B. (2011). Morte e desenvolvimento humano.

significativas podem levá-los, em alguns casos, ao desen- Procedimento


volvimento de quadros depressivos e até mesmo ao suicídio,
especialmente quando se trata da morte do cônjuge (Brown, Coleta dos dados
1989/2001; Hansson & Stroebe, 2007). Estudo de Burton e
cols. (2006) apontou que, nos casos em que a morte do côn- Dado o tabu envolvendo a temática a ser abordada, esta-
juge é repentina, os índices de depressão são mais elevados, beleceu-se uma aproximação com os participantes mediante
quando comparados aos casos em que a morte se deu após conveniência. A pesquisadora realizou um levantamento de
longo período de doença incapacitante. Outro estudo, realiza- pessoas conhecidas que poderiam indicar possíveis colabo-
do com idosos asilados que perderam amigos que viviam no radores com o estudo, de acordo com os critérios: adoles-
mesmo local, mostrou que as mortes dos únicos companheiros centes com idade igual ou superior a 14 anos; adultos com
que ainda lhes restavam significaram, para alguns, a perda de mais de 40 anos e idosos com mais de 65 anos, independen-
parte de si (Silva, Carvalho, Santos, & Menezes, 2007). temente de gênero, escolaridade ou religião. Foi solicitado
No entanto, a maneira como a velhice será vivenciada que fizessem uma consulta prévia com potenciais partici-
relaciona-se ao processo de desenvolvimento, à consciência pantes, cientificando-os da temática do estudo e do posterior
de cada pessoa em particular e à sua história de vida (Kovács, contato a ser estabelecido pela pesquisadora, caso quisessem
2002; Rosenberg, 2002). Para Borges e cols. (2006), o medo colaborar. Os que aceitaram eram todos desconhecidos da
de morrer é uma experiência que apenas o próprio indivíduo pesquisadora e foram contatados por telefone, recebendo
pode saber como é. Se vista como algo que proporciona cres- explicações detalhadas quanto ao estudo. Foram adotadas,
cimento e aprendizado, a ideia de morte não causará tanto como critério de exclusão, pessoas que tivessem perdido,
sofrimento. por morte, alguém significativo nos últimos seis meses, visto
Cada etapa do desenvolvimento parece apresentar pe- que esta experiência recente poderia alterar a concepção ou o
culiaridades quanto à percepção e ao modo de lidar com a significado da morte para elas. Entre as pessoas consultadas,
morte, bem como alguns elementos comuns que devem ser dois adolescentes, dois adultos e um idoso se recusaram a
identificados e compreendidos. Com esse propósito, o pre- participar, sem justificar. Com os que aceitaram participar,
sente trabalho buscou identificar as concepções de morte foram agendadas entrevistas individuais em seus domicílios
de pessoas na adolescência, na idade adulta e na velhice, de ou no local de trabalho, de acordo com sua disponibilidade.
modo a ampliar a compreensão de como elas lidam com as No caso dos adolescentes, eles e seus responsáveis
perdas e com a própria finitude. assinaram o Termo de Consentimento. Cada entrevista foi
realizada em um único encontro, a partir de um roteiro se-
Método miestruturado que se iniciava com um preâmbulo da pes-
quisadora introduzindo a temática, e, a seguir, iniciava-se a
Participantes entrevista, gravada em áudio, a partir das seguintes questões:
(a) Gostaria de saber como é a morte para você? Como você
Participaram 31 pessoas, sendo sete adolescentes, 14 vê esta questão? (b) Diante dessa sua visão da morte, como
adultos e dez idosos. Os adolescentes tinham idades entre 14 você vê a vida? (c) O que você acha que foi determinante ou
e 17 anos (média = 15,6 anos), sendo três do sexo masculino importante para que você desenvolvesse esta maneira de ver
e quatro do feminino, todos são solteiros e sem filhos. Dois a morte e a vida?
cursavam o ensino fundamental, e os demais, o ensino mé- Foram, também, coletados dados demográficos dos
dio. Quatro eram católicos; um era espírita; um, evangélico, participantes: idade, sexo, escolaridade e religião, além da
e um não tinha religião. informação sobre perdas de entes queridos (quem e quando
Entre os adultos, as idades variaram de 40 a 52 anos morreu).
(média = 45 anos), sendo sete homens e sete mulheres, to-
dos casados e com filhos. Cinco tinham nível universitário, Análise dos dados
um estava com a graduação em andamento, e um era pós-
graduado; um tinha o ensino fundamental, quatro possuíam o Foi utilizada a análise de conteúdo proposta por Bardin
ensino médio completo e dois, incompleto. Nove praticavam (1977) e Minayo (1996), seguindo as seguintes etapas: (a)
a religião católica, dois, a espírita, e três eram evangélicos. Transcrição literal e na íntegra das entrevistas; (b) Diversas
Quanto aos idosos, as idades variaram de 66 a 86 anos leituras dos relatos, numa tentativa preliminar de apreender os
(média = 73,9 anos), sendo cinco homens e cinco mulheres. conteúdos presentes nas falas de cada participante; (c) Sepa-
Nove eram casados e um era viúvo. Seis não terminaram o ração de trechos dos relatos e classificação de acordo com seu
ensino fundamental e um não concluiu o ensino médio. Um conteúdo, obtendo-se núcleos de sentidos que, posteriormente,
idoso estudou até o ensino médio, um tinha nível universi- foram agrupados em categorias temáticas criadas a partir dos
tário e outro fez pós-graduação. Cinco eram católicos, três, temas que emergiram das falas dos participantes. Este proce-
evangélicos, um era espírita e um disse não ter religião, em- dimento foi escolhido, por permitir uma abordagem mais am-
bora acredite na existência de Deus. pla e aberta do tema do estudo, buscando corresponder, com
mais exatidão, aos relatos dos participantes.

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Paidéia, 21(49), 175-185

Após a leitura e a compreensão dos discursos, foi possível Esclarecido foram lidos e assinados, ressaltando-se o caráter
construir quatro grandes categorias temáticas e subcategorias voluntário de cada participação e as questões de sigilo, anoni-
que estão apresentadas em tabelas, facilitando as comparações mato, liberdade para desistir da participação a qualquer tem-
entre adolescentes, adultos e idosos. Todos os relatos apresen- po e a utilização científica dos resultados, conforme projeto
tados seguem as seguintes legendas: pequena pausa (…); cor- de pesquisa aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade de
tes nos relatos […]; som de negação (tsc); riso (rs). Ciências da UNESP de Bauru (Processo nº 1059/46/01/08).

Considerações éticas Resultados e Discussão

Antes da realização da entrevista, os objetivos do estu- A Tabela 1 apresenta os Significados da morte, com
do foram retomados, e os Termos de Consentimento Livre e suas respectivas subcategorias.

Tabela 1
Frequência absoluta e relativa dos relatos apresentados por adolescentes, adultos e idosos com relação à categoria Significa-
dos da morte
Adolescente Adulto Idoso Total
Significado da morte
n % n % n % n %
Processo natural do desenvolvimento 4 40 8 38 8 61 20 45
Continuação da vida 3 30 7 34 4 31 14 32
Aniquiladora da vida 2 20 3 14 1 8 6 14
Encerramento de uma missão 1 10 3 14 - - 4 9
Total 10 100 21 100 13 100 44 100

Nas três faixas etárias estudadas, a subcategoria que Eu nunca pensei nesse assunto. Não sei se eu morrer
mais se destaca é a visão da morte como algo natural no de- (rs). Eu ainda não fiz tudo o que eu queria. Eu tenho
senvolvimento humano, ou seja, como fato universal e ine- muita coisa para fazer ainda e não quero morrer
vitável, do qual não há como fugir: “Faz parte da vida de sem fazer isso. Tenho tantos sonhos, sei lá. Agora
todo mundo, né, então, eu não tenho receio nenhum em falar que eu saí do ensino médio, agora que eu sei que
da morte” (Adolescente 4); “É o natural da sua vida, você eu consigo, que eu posso fazer o que eu quero. Acho
nasceu, viveu, automaticamente você vai morrer também, que não seria uma boa eu morrer agora (rs). Eu ia
entendeu” (Adulto 4). deixar muita coisa pelo meio do caminho (Adoles-
Entre os relatos, observou-se que os idosos foram os cente 6).
que mais recorreram ao discurso de resignação e familiari-
dade com o morrer (61%): “É por causa que todo mundo um Na adolescência, a morte é vista como impeditiva da
dia vai morrer mesmo. Então, eu acho que tem aceitar isso realização de sonhos e objetivos, em uma época da vida em
numa boa. Ou cedo, ou mais tarde, eu acho que é normal. que há todo um universo a ser construído (Kovács, 2002; Ro-
Enquanto a gente está vivo, eu acho que é o lógico, né, um driguez & Kovács, 2005). Três adultos também se inseriram
dia a gente vai morrer mesmo” (Idoso 8). nesta subcategoria. Entretanto, para eles, a aniquilação da
No entanto, mesmo atribuindo um caráter natural à mor- vida seria o impedimento de apreciarem os frutos plantados
te, 32% do total de participantes acredita que a vida continua ao longo da vida, enquanto, para os adolescentes, seria o fim
após a morte, para a evolução espiritual. da possibilidade de lançar as sementes construtoras de sua
Ainda, na categoria Significados da morte, nota-se que, história pessoal.
em dois relatos (20%), os adolescentes falam da morte como A Tabela 2 apresenta a categoria A morte própria e suas
aniquiladora dos projetos de vida: respectivas subcategorias.

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Barbosa, C. G., Melchiori, L. E., & Neme, C. M. B. (2011).Morte e desenvolvimento humano.

Tabela 2
Frequência absoluta e relativa dos relatos apresentados por adolescentes, adultos e idosos com relação à categoria A morte
própria
Adolescente Adulto Idoso Total
A morte própria
n % n % n % n %
Preocupação com os familiares 2 29 11 46 5 23 18 34
Preferência em não pensar 1 14 6 25 4 18 11 21
Naturalização do morrer próprio 3 43 3 12,5 7 32 13 24
Medo do sofrimento e da necessidade de ser cuidado 1 14 4 16,5 6 27 11 21
Total 7 100 24 100 22 100 53 100

O conteúdo mais presente nas falas dos adultos deno- a ideia de sua inevitabilidade, em decorrência dos declínios
tou Preocupação com os familiares (46%), com apreensões advindos com a idade. Alguns participantes relataram não
sobre o futuro dos filhos e do cônjuge, uma vez que todos querer pensar sobre o assunto, uma vez que tais reflexões po-
esses participantes eram casados e tinham filhos ainda de- deriam remetê-los a sentimentos com os quais não saberiam
pendentes: como lidar.
Já os conteúdos das falas dos adolescentes (43%) e dos
A gente sabe que um dia todo mundo vai morrer, mas idosos (32%) apresentaram maior frequência da Naturaliza-
eu nunca parei para pensar e hoje eu paro porque ção do próprio morrer: “Basta estar vivo para morrer, então,
eu tenho dois filhos [...] o meu maior medo é que eu eu não preciso ficar me preocupando tanto nisso [...] É, vai
venha a faltar, quem vai fazer por ele o que eu faço? acontecer eu querendo ou não. Pode ser hoje ou pode ser
Eu tenho pavor de que me aconteça alguma coisa daqui dez anos, mas vai acontecer” (Adolescente 3); “Ah, eu
e que eu deixe meus filhos [...] Dependem muito de acho que a vida tem que ser assim e a hora que chega o dia
mim. Eu tenho pavor só de pensar (Adulto 3). a gente tem que ir, né. Não penso, não fico nervosa não. Até
para o médico eu falo, já vivi setenta anos, o que mais. Tem
A preocupação com o outro foi mais frequente nas falas gente que não chega nem nos trinta, né” (Idoso 6).
dos homens (63%) do que entre as mulheres (37%), confir- Apesar de alguns adolescentes e idosos compartilharem
mando o estereótipo de que os pais são os principais prove- da mesma linha de pensamento, é possível notar diferenças
dores financeiros no núcleo familiar, principalmente quando entre os relatos. Para os primeiros, a proximidade da morte
o casal tem filhos (Bornholdt, Wagner, & Staudt, 2007; Fleck, não é tão presente como na fala dos segundos. A naturaliza-
Falcke, & Hackner, 2005): “Com a minha [morte] eu não me ção adquire, principalmente, a conotação de “afastamento” da
preocupo muito, mas eu me preocupo com quem vai ficar, ideia de morte, e não de “aproximação”, por vê-la com natu-
como que eles vão estar, como eles vão se manter, é difícil, ralidade. Esse resultado corrobora o encontrado na literatura,
viu” (Adulto 10). indicando que durante a adolescência, o morrer é tratado oni-
Ainda, para os adultos, outro conteúdo presente em 25% potentemente como algo muito distante (Kovács, 2002).
das respostas foi a Preferência em não pensar a respeito da Diferentemente, para os idosos, a consciência da pró-
própria morte: pria idade e a expectativa de um futuro mais curto parecem
levá-los a uma maior aproximação com a ideia de morte,
Tenho medo que me aconteça alguma coisa, mas aceitando-a como etapa inevitável:
não fico pensando não. Se um dia tiver que chegar,
que chegue e vá logo, porque não adianta a gente A minha própria morte é o seguinte, eu estou pre-
sofrer por antecipação, né [...] Para mim é difícil parado, quando Deus achar que eu preciso ir em-
[...] Por mais que a gente saiba que faz parte da bora. Eu já tenho que preparar para isso aí, é ou
vida da gente, é uma coisa que ninguém quer en- não é? Que a idade já não vai ter mais futuro. Vocês
carar (Adulto 3). não. Mas a gente que está nessa idade não tem mais
futuro. Então, vamos esperar o fim, né [...] Já vivi
De acordo com a literatura, a vida adulta intermediária bastante. Nós espera qualquer hora, né, pode ser
é a fase em que as pessoas começam a fazer um balanço agora, pode ser daqui dois anos, daqui três. Pode
de suas vidas, pois geralmente já se encontram profissional- até ser dez, né [...] Não pode esperar outra coisa.
mente estáveis e com a família estruturada (Kovács, 2002). (Idoso 10)
Segundo Bee (1997), trata-se do período em que o temor da
morte encontra-se em seu pico mais elevado, pois é o mo- Mas, ainda que os idosos reconheçam a proximidade
mento em que parece existir um contato mais próximo com do próprio morrer, esse processo não se dá sem receios,

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Paidéia, 21(49), 175-185

principalmente no que diz respeito ao Medo do sofrimento e e a privacidade constituem-se importantes necessidades de
da necessidade de ser cuidado. Em 27% dos relatos, aparece pessoas idosas. Walsh (1989/2001) assinala que o avanço da
o medo de sofrer no momento da morte, o que os leva a ideali- idade poder vir acompanhado de degenerações físicas e do te-
zarem a boa morte como repentina e silenciosa. mor da invalidez, sendo esta uma preocupação mais comum
O receio da dependência de outras pessoas reflete o medo do que o temor da morte entre os idosos mais velhos.
que os idosos sentem do sofrimento e de se tornarem inúteis. Na Tabela 3, encontra-se a categoria A morte do outro e
De acordo com Khoury e Günter (2008), a liberdade de ação suas respectivas subcategorias.

Tabela 3
Frequência absoluta e relativa dos relatos apresentados por adolescentes, adultos e idosos com relação à categoria A morte
do outro
Adolescente Adulto Idoso Total
A morte do outro
n % n % n % n %
Tristeza, dor e saudade 5 31 13 43 8 38 26 39
Melhor aceitação quando há sofrimento 4 25 2 7 4 19 10 15
e/ou idade avançada
Aceita com naturalidade 3 19 6 20 3 14 12 18
Recordações 1 6 5 17 5 24 11 16
Reflexões sobre a vida 3 19 4 13 1 5 8 12
Total 16 100 30 100 21 100 67 100

Ao falarem sobre a morte de pessoas queridas, a sub- mais com ela [...] ela morreu com 69 anos de idade.
categoria mais frequente e que melhor descreveu o que re- Eu já era casado, já tinha os filhos que tenho até
presenta vivenciar a morte de alguém afetivamente próximo, hoje, todos vivos. É, é difícil, é difícil. (Idoso 3)
para as três faixas etárias, independentemente da religião
dos participantes, foi o sentimento de Tristeza, dor e sau- A morte de pessoas queridas traz um profundo senti-
dade (31% de relatos dos adolescentes, 43% dos adultos e mento de tristeza por significar o rompimento dos laços e
38% dos idosos), denotando que, em qualquer fase da vida, a da proximidade com a pessoa amada. A dor vivenciada é in-
morte significa perda geradora de sofrimento. Considerando tensa, e, para alguns participantes, pensar na possibilidade
as respostas alocadas nesta categoria, somadas às respostas dessa separação gera mais apreensão do que pensar em suas
na categoria Recordações, observa-se que, para os adultos próprias mortes: “Eu acho que eu tenho mais medo de perder
(60%) e idosos (43%), mais do que para os adolescentes um filho, né, uma pessoa próxima, do que eu mesmo partir,
(37%), a morte do outro significa a convivência com a falta, entende. Sentimos ainda medo dela por a gente gostar muito,
a saudade e as recordações. Nas falas dos participantes, per- curtir muito uma pessoa, ela estar muito próxima, então a
cebe-se que esta diferença pode estar ligada a uma história gente não quer essa distância, né” (Adulto 8).
mais longa de perdas na vida de adultos e idosos, do que na De acordo com Brown (1989/2001), o ajustamento à
de adolescentes: “Angústia de pensar assim, ah, eu não vou morte de um membro do sistema familiar parece ser mais
ver aquela pessoa mais, não vou mais poder conversar. É [...] difícil do que o ajustamento a outras transições da vida, pois
você fica, tipo, sentido, bastante” (Adolescente 2). rompe o equilíbrio existente neste sistema, podendo levar a
um distanciamento entre seus integrantes. Por outro lado,
Que nem o meu sogro, meu sogro era de eu e meu para os participantes do presente estudo, há algumas ocasiões
marido sentar ali e a gente ficar conversando, fa- em que a morte é aceita com mais facilidade, como, por
lando de coisas que tinham acontecido. Foram vá- exemplo, quando há Sofrimento e/ou o morto já se encontra-
rios meses. Ia lá, ele não estava mais lá. Então tudo va em Idade avançada. Os relatos dos adolescentes foram os
isso porque era muito próximo, entendeu. Aí o senti- que apresentaram essas considerações com mais frequência
mento, eu acho que é o mesmo, de pena, de [...], mas (25%), seguidos dos idosos (19%): “Para mim foi fácil por-
a dor eu acho que é maior, entendeu. Eu acho que é que ela já estava meio doente; ela estava no hospital e daí
maior (Adulto 3). quando ela morreu, para a gente já estava assim, já esperava
isso” (Adolescente 6);
Eu perdi tudo. Perdi meu pai com 16 anos, mas não
sofri tanto como quando perdi minha mãe. A minha Se morrer um pai, uma mãe da gente e estão de
mãe eu senti muito mais, porque a gente conviveu idade, a gente se conforma. Agora, Deus o livre

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Barbosa, C. G., Melchiori, L. E., & Neme, C. M. B. (2011).Morte e desenvolvimento humano.

se morre um da gente mais novo, a gente fica ali, Com relação aos idosos, falar sobre as perdas de pesso-
vê que a pessoa estava boa, foi assim de repente, a as significativas levou-os a vívidas Recordações, o que não
gente fica naquele, né, naquele nervo, e acho que a ocorreu da mesma maneira com os adultos e adolescentes
gente demora para conformar (Idoso 6). entrevistados:

Esses resultados confirmam dados apresentados por Ela morreu em 29 de agosto de 2006 (...) ela esta-
Brown, mostrando que, quando a figura que morre estava va respirando forte, né (...) e tinha mania de ron-
doente ou era idosa, o luto terá consequências menos drásti- car. Então, estava roncando, né, e roncando forte
cas no sistema familiar, uma vez que a pessoa é vista como e roncou, roncou e parou. Quando parou, eu achei
alguém que estava sofrendo ou que já cumpriu a maior parte esquisito, fui ver e já estava falecida. (Idoso 1, refe-
de suas responsabilidades no curso vital. Geralmente, quem rindo-se à esposa)
mais sofre com a situação será o cônjuge que ficou viúvo,
pois, para os filhos que constituíram suas próprias famílias, Falar sobre a morte deixou os idosos face a face com
a morte de um dos genitores, quando estes se encontram suas recordações. Uma das participantes idosas lembrou-se
na velhice, parece ser mais bem aceita. Segundo Parkes de seus irmãos, pai e mãe, enquanto outro idoso se recordou
(1972/1998), o casamento e a existência de filhos parecem do falecimento de seu cunhado cuja morte ocorreu no dia de
protegê-los dos efeitos traumáticos que essa perda poderia sua festa de bodas de ouro. Um deles havia perdido a esposa,
gerar em suas vidas. dois anos antes da realização da entrevista, e recordou-se de-
Já, os adultos, apesar de relatarem tristeza e dor diante talhadamente do ocorrido.
da perda de pessoas queridas, parecem encarar tal fato como Os idosos já experienciaram maior quantidade de si-
algo inevitável, com o qual devem conviver: tuações de perdas do que seus filhos e netos. Tais perdas,
associadas às limitações da idade e à diminuição dos conta-
Daí, com o amadurecimento, quando eu perdi a mi- tos sociais, podem impeli-los rumo a um mundo solitário e
nha mãe, aquela coisa toda, você já está maduro, vazio, o qual, muitas vezes, eles não se sentem capacitados
então você sabe que realmente aquilo é matéria, a enfrentar.
chegou a hora de ir embora (...) e tem que ir embo- A Tabela 4 apresenta a categoria O viver frente à inevi-
ra. Então é isso. É aceitar (Adulto 6). tabilidade do morrer e suas subcategorias.

Tabela 4
Frequência absoluta e relativa dos relatos apresentados por adolescentes, adultos e idosos com relação à categoria O viver
frente à inevitabilidade do morrer
Adolescente Adulto Idoso Total
O viver frente à inevitabilidade do morrer
n % n % n % n %
Aproveitar a vida 7 78 11 50 - - 18 42
Viver segundo preceitos morais e/ou religiosos 2 22 10 45 7 58 19 44
Viver é superar as dificuldades - - 1 5 5 42 6 14
Total 9 100 22 100 12 100 43 100

Ao falarem sobre como significar suas vidas diante da entendem que o desfrute deve ser acompanhado da preserva-
inevitabilidade do morrer, 78% dos relatos dos adolescentes ção de valores fundamentais, como o respeito pelo outro, o
apontaram para a necessidade de Aproveitar a vida, viven- cultivo da espiritualidade e a vivência junto à família. Além
ciando o momento presente, sem preocupações com a pos- disso, resgatam as conquistas obtidas e a superação de adver-
sibilidade da morte: “Tem que aproveitar enquanto pode, ir sidades, reconhecendo-se transformados por suas experiên-
lá, assim, sem pensar no amanhã. Faz hoje, por que você cias existenciais:
não sabe se amanhã você vai estar vivo ou vai estar morto”
(Adolescente 2). Para mim a vida é isso daí, viver intensamente [...]
Esse resultado confirma e ilustra o modo de ser dos ado- Nós temos que saber viver em todos os momentos,
lescentes que, em geral, olham para o presente e desejam e saber compreender que se você está passando por
o futuro com um sentimento de aparente invulnerabilidade alguma coisa, algum momento difícil, é passageiro.
(Rodriguez & Kovács, 2005). É só você continuar vivendo, respeitando, que passa
Com relação aos adultos, metade de suas falas (50%) por aquilo, por esse momento ruim e virão outras
ressalta a necessidade de aproveitar a vida. Contudo, coisas boas (Adulto 8).

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Paidéia, 21(49), 175-185

Diferentemente, entre os idosos, nenhuma resposta principalmente entre os homens. Quanto às perdas, esta pos-
inseriu-se na categoria Aproveitar a vida. Mais da metade sibilidade é vista com sofrimento, dor e saudade, sendo que
de seus relatos (58%) referiu-se à necessidade de Viver de a manifestação de tais sentimentos ocorreu de maneira mais
acordo os ensinamentos morais e religiosos: explícita do que quando apresentada pelos adolescentes. O
avanço da idade pareceu propiciar reflexões sobre a brevi-
Nós temos dois caminhos, o da perdição e o da sal- dade da própria vida, especialmente nos momentos de per-
vação. Cada um escolhe aquele que acha que é cer- da. Ao abordarem a questão da morte do outro e a ideia da
to. Eu vou levando a minha vida aí até o fim [...] Eu, própria finitude, os participantes falaram da necessidade de
graças a Deus com a esposa nós sempre vivemos aproveitar bem a vida e o momento presente, num movimen-
bem; quase nunca tivemos desgosto na vida, no ca- to de aparente afastamento do tema da morte, deixando-a
samento, né, e nunca também dei desgosto para o para mais tarde. Ao refletirem sobre suas histórias de vida,
meu sogro, minha sogra (Idoso 10). relembram as dificuldades e os obstáculos encontrados. Per-
cebem a necessidade de atentarem para o presente e para o
O fato de serem idosos parece não lhes permitir proje- futuro, a fim de desfrutarem o que a vida já lhes proporcio-
tarem suas vidas para um futuro distante. Então, olham para nou e para o que podem ainda desejar, distanciando-se da
suas vidas e recordam-se das conquistas e dos obstáculos perspectiva da finitude.
que superaram, enfatizando a boa convivência com o outro, Quanto aos idosos, suas falas denotam certa aceitação
o respeito e a preservação de valores que, para eles, contri- com a proximidade da própria morte e das perdas de pessoas
buíram para que colhessem bons frutos ao longo da vida. queridas. Vários disseram pensar sobre a própria finitude e
Quase metade (42%) de suas falas também relacionou essas parecem sentir-se conformados em não desejar nada mais de
conquistas à Superação das dificuldades enfrentadas ao lon- suas vidas além de saúde, felicidade e uma morte tranquila e
go da vida: sem sofrimento. Em seus relatos, a morte do outro foi vista
com grande sofrimento, suscitando lembranças nostálgicas
A vida para mim é um caminho [...] Acredito que e solitárias. Quando questionados sobre como veem a vida,
para que a gente evolua há muita necessidade de disseram saber que estão no fim de suas jornadas e que a in-
muitos obstáculos para que a gente consiga enfren- certeza, com relação ao tempo que ainda lhes resta, não lhes
tar a força de vencer, né. Você vai indo, está no ca- permite traçar grandes planos futuros. Contudo, ao longo das
minho, está trabalhando com a própria evolução, entrevistas, quase todos os idosos aproveitaram a oportuni-
vencendo obstáculos. (Idoso 4) dade de falar livremente para se recordarem de eventos sig-
nificativos de suas vidas, em que superaram sofrimentos e
A análise das entrevistas e as observações referentes obtiveram conquistas.
à forma como tais conteúdos foram abordados pelos en- De modo geral, adolescentes e idosos mostraram menos
trevistados permitem algumas considerações. No que diz aflição ao falarem de morte, quando comparados aos adultos.
respeito aos adolescentes, observou-se que eles encaram a Entretanto, apesar da naturalidade apresentada por ambos,
morte como algo real, universal, inevitável e irreversível, os significados de seus discursos revelaram importantes di-
contudo parece que não se preocupam muito com ela, uma ferenças. Isso porque, enquanto os idosos falaram da morte
vez que o presente e o futuro exigem maior atenção. Para com maior conformidade, denotando estar se preparando
eles, a própria morte é algo distante, e, talvez por essa ra- para ela, os adolescentes apresentaram um discurso de ba-
zão, suas falas apresentem certa dose de despreocupação nalização da morte, esquivando-se dela e colocando-a como
com esta possibilidade. De acordo com Rodriguez e Kovács uma possibilidade remota.
(2005), uma das principais características da adolescência é Os adultos, entre as três gerações entrevistadas, são
o desejo de “aproveitar a vida” que, frequentemente, leva- aqueles que mantiveram uma relação mais conflituosa com
os a “desafiar a morte”. No entanto, no que diz respeito às o morrer. Todos são genitores e, em certa medida, ainda
perdas de pessoas próximas, esta possibilidade é vista com sentem-se responsáveis pelo cuidado dos filhos, de modo a
tristeza e dor, fazendo parte das preocupações dos adoles- projetarem suas perspectivas de vida em virtude deles. No
centes entrevistados. entanto, à medida que envelhecem e experienciam a morte
Quanto aos adultos, de maneira geral, compreendem a de diversas pessoas ao redor, passam a temer o próprio fu-
morte como um acontecimento universal, do qual não têm turo que, de um lado, pode trazer a perda de seus genitores,
como escapar. Contudo, ao falarem sobre como lidam com e, de outro, pode lhes retirar desse mesmo papel. Diante de
a própria finitude, vários preferiram evitar pensar sobre o tal ameaça, portanto, eles foram os que mais demonstra-
assunto. Foram poucos os momentos em que conseguiram ram temer a morte, negando-a mais do que adolescentes e
falar abertamente sobre seus temores e angústias. Na maior idosos.
parte dos relatos, a preocupação com a morte foi associada Com relação à religião, excetuando-se um adolescente
aos familiares e em como estes se sustentariam sem eles. Tal que se declarou sem religião e um idoso, na mesma situação,
apreensão foi uma característica marcante entre os adultos, mas que disse acreditar em Deus, os demais participantes

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Barbosa, C. G., Melchiori, L. E., & Neme, C. M. B. (2011).Morte e desenvolvimento humano.

(93,5%) declararam pertencer a alguma denominação reli- opiniões, crenças e temores sobre um tema complexo e difi-
giosa, sendo: 18 católicos (58%); quatro espíritas (13%); cilmente abordado. Ao criar espaços para que o silêncio ao
sete evangélicos (23%). Esses dados são similares aos en- redor do assunto fosse quebrado, este estudo permitiu lançar
contrados por Nascimento e Roazzi (2007), ao estudarem a um olhar reflexivo ao modo como os seres humanos de três
representação social da morte na interface com as religiosi- faixas etárias concebem a inevitável finitude em suas vidas.
dades cristãs que acreditam na vida eterna e na sobrevivên- Assim, foi possível perceber que, embora a morte seja trata-
cia da alma ou espírito após a morte. A concepção de morte da como um fenômeno natural, na maior parte dos relatos, o
como etapa esperada e natural da vida foi mais frequente aprofundamento da reflexão sobre o tema possibilitou trazer
entre os entrevistados evangélicos, aparecendo em 86% de à tona os medos, as preocupações, as aflições e as dificulda-
suas falas, em 50% das falas dos espíritas e em 33% dos des de encará-la sem sofrimento.
relatos dos católicos. O adolescente que se mostrou mais re- Em linhas gerais, os resultados confirmam o que a lite-
ticente ao falar da morte e que mais evitou o tema da própria ratura sobre o desenvolvimento humano descreve sobre as
morte foi o que se declarou sem religião. Os participantes concepções de morte nas diferentes faixas etárias. Também
que praticavam a religião espírita foram os únicos a relatar confirmam possíveis relações entre a religiosidade e o modo
que trazem a reflexão sobre a morte para suas vidas diárias. de ver a vida e a morte, independentemente da faixa etária
Não se observaram outras diferenças entre os participantes estudada. Contudo, acredita-se que tais resultados poderiam
nas demais categorias de respostas ou entre as faixas etárias ser diferentes, caso se considerassem diferentes classes so-
com relação à religião declarada e, neste estudo, não houve ciais e condições de vida entre os indivíduos das mesmas
aprofundamento dessa questão. faixas etárias estudadas.
Estudo realizado por Torres (1986) mostrou que a orto- A entrevista permitiu aos participantes a exposição e a
doxia religiosa leva a um menor temor da morte. As diferen- reflexão de suas experiências de vida, bem como possibili-
ças entre evangélicos, espíritas e católicos, quanto à forma tou que a relutância inicial para falar sobre o assunto fosse
de se referir à morte, na categoria Processo natural do de- gradativamente substituída por uma postura de maior aber-
senvolvimento, podem ser decorrentes das peculiaridades de tura. Falar sobre a morte permitiu vislumbrar muito da vida
cada religião quanto à crença do que ocorre após a morte e de cada participante, obtendo-se mais que uma simples e
à ortodoxia da crença na ressurreição e vida eterna, notada- superficial descrição. Evidenciou-se que o tema da morte é
mente maior entre evangélicos do que entre a maioria dos ca- mobilizador de sentimentos em qualquer etapa da vida, e a
tólicos. Entre os espíritas, a crença na reencarnação leva seus possibilidade de abordá-lo gerou reflexões frequentemente
adeptos a encarar a morte como uma simples “passagem” ausentes nos diálogos e contextos familiares e educacio-
entre vidas, tornando mais confortadora a ideia da morte nais. Que benefícios educativos o poder falar abertamente
(Nascimento & Roazzi, 2007; Torres, 1986). De acordo com sobre suas angústias e temores frente à ideia da morte po-
Horta, Neme, Capote e Gibran (2003), Kovács (2003b) e deriam trazer às crianças, adolescentes e adultos jovens?
Neme (2005), a fé e a religiosidade, independentemente da Esse tipo de diálogo, ainda constrangedor, poderia auxiliar
denominação religiosa, auxiliam no enfrentamento da doen- adultos e idosos que, gradativamente, vão se conscientizan-
ça grave e da morte, permitindo reflexões sobre o significado do dessa realidade no decorrer do curso vital? Como educa-
da vida e a manutenção da esperança frente a uma realidade dores e profissionais de saúde poderiam melhor se preparar
que traz insegurança e sofrimento. para atuar como facilitadores quando se trata de abordar a
A despeito das diferenças nas três faixas etárias estuda- morte e o morrer? As crenças religiosas sobre a continua-
das, os resultados obtidos mostram que a morte foi abordada ção da vida após a morte seriam uma maneira de aceitação/
com maior inquietação por adolescentes e adultos, visto que negação do próprio fim? Tais questões, suscitadas por este
eles ainda têm projetos futuros e, por essa razão, encaram a estudo, sugerem a realização de outros trabalhos, nos quais
morte como aniquilação da vida ou finalização de projetos poderiam ser contemplados aspectos não abordados, am-
existenciais. Os idosos, mais do que adultos e adolescentes, pliando-se os limites do presente estudo. Sugere-se a realização
falaram da morte como processo natural da vida, consideran- de pesquisas com outras faixas etárias (crianças e adultos
do mais concretamente os temores de adoecer, de se torna- jovens), com maior número de participantes, em diversos
rem dependentes e de morrer com sofrimento. O sentimento contextos e classes sociais e em diferentes áreas de conhe-
de perda, vazio, saudade e tristeza pela morte de entes queri- cimento, bem como estudos comparativos entre gêneros e
dos é mais presente para os idosos, levando-os a reflexões e diferentes religiosidades. As dificuldades observadas para
falas que revelam suas recordações. abordar a questão da morte mostram que ela precisa ser
reconduzida ao seu lugar originário, qual seja, o interior
Considerações finais da existência humana. Espera-se que o desenvolvimento
de estudos dessa natureza diminua o silêncio que cerca o
A realização deste trabalho possibilitou aos participan- assunto, propiciando, assim, abertura para novas possibili-
tes abertura para falarem e compartilharem seus sentimentos, dades de viver e de significar a vida.

183
Paidéia, 21(49), 175-185

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184
Barbosa, C. G., Melchiori, L. E., & Neme, C. M. B. (2011).Morte e desenvolvimento humano.

Caroline Garpelli Barbosa é Professora do Instituto de Ciências


Humanas da Universidade Paulista, Campus Sorocaba-SP.
Lígia Ebner Melchiori é Professora Doutora do Departamento
de Psicologia da Faculdade de Ciências da Universidade
Estadual Paulista, campus Bauru-SP.
Carmen Maria Bueno Neme é Professora Adjunta do
Departamento de Psicologia da Faculdade de Ciências da
Universidade Estadual Paulista, campus Bauru-SP.

Recebido: 03/03/10
1ª revisão: 26/08/10
Aceite final: 14/10/2010

185
MÓDULO 5
Comunicação de Más Notícias
Communicating bad news
Maria Júlia Paes da Silva*

49

Artigo de Revisão • Review Paper


O Mundo da Saúde, São Paulo - 2012;36(1):49-53
Resumo
Trata-se de um artigo de revisão sobre o tema “comunicação de notícias difíceis”, que questiona as possíveis razões pelas
quais os profissionais de saúde têm dificuldade em falar sobre o processo de terminalidade do paciente e que aponta
aspectos que podem tornar esse momento mais suportável e acolhedor. Apresenta propostas de ação nas dimensões ver-
bal e não verbal da comunicação interpessoal que propiciam reduzir o estresse e ansiedade do paciente, da família e do
próprio profissional.
Palavras-chave: Cuidados Paliativos. Morte. Comunicação não Verbal.

Abstract
This paper presents a review on the theme “communicating bad news”, discussing the possible reason health care pro-
fessionals have difficulties to talk about the terminally sick patient process and showing factors able to make this moment
more bearable and hospitable. It presents proposals for action in the verbal and nonverbal dimensions of interpersonal
communication aiming to reduce stress and anxiety affecting patients, their families and professionals.
Keywords: Hospice Care. Death. Nonverbal Communication.

* Enfermeira. Professora Titular da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisa em Co-
municação Interpessoal do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Gracias a la vida que me ha dado tanto Comunicação verbal são todas as palavras
Me ha dado el sonido y el abecedario usadas na interação; comunicação não verbal são
Con él, las palabras que pienso y declaro todas as outras formas de emissão de mensagem
Madre, amigo, hermano que não a palavra, propriamente dita, ou seja, as
Y luz alumbrando la ruta del alma del que estoy expressões faciais, os gestos, as posturas corpo-
amando rais, a maneira de tocar ou ser tocado, a distância
Violeta Parra que mantemos da outra pessoa, por exemplo3,4.
Essas duas dimensões da comunicação, a
Será que existe “má notícia” quando temos verbal e a não verbal, são fundamentais quando
50 consciência de que estamos trilhando o caminho pensamos na melhor maneira de darmos uma má
da nossa vida sendo fiel a nossa alma? notícia, pois toda comunicação tem duas partes:
O Mundo da Saúde, São Paulo - 2012;36(1):49-53
Comunicação de Más Notícias

Será que a “má notícia” não é o desafio do o conteúdo – o fato ou informação que queremos
aprendizado do desapego? Desapegar-se do que ou necessitamos transmitir – e o sentimento que
“se esperava”, para o que a vida nos apresenta? temos em relação à própria notícia, à pessoa para
Com toda sua grandeza de possibilidades e, claro, quem estamos transmitindo a mensagem e a situa-
o final de seus ciclos? Estar ou não estar presente... ção/contexto em que a interação está ocorrendo4,5.
Conviver ou não com quem nos faz bem... Essas dimensões se complementam (dizer
Mas, como profissionais de saúde, somos “sinto muito” e estar com a fisionomia séria,
mensageiros de “más notícias”. Daquelas notí- olhando nos olhos da pessoa, por exemplo), se
cias que também não gostaríamos de dar por nos contradizem (dizer “sinto muito” e sair andando
lembrar dos nossos próprios desafios e finitude. imediatamente, sem dar tempo para a outra pes-
Fizemos cursos na área de saúde para au- soa se expressar) e expressam sentimentos (dizer
xiliar as pessoas a ficarem “bem”, para comba- “sinto muito” e demonstrar tristeza no tom de voz
ter doenças, para assistir o indivíduo, doente e na expressão facial)4.
ou sadio, na execução daquelas atividades que Estudiosos da comunicação não verbal
contribuem para a saúde, ou sua recuperação. chegam a afirmar que 7% dos pensamentos são
Mas poucos de nós aprendemos a ser profissio- transmitidos por palavras e o restante por essa di-
nais de saúde que podem auxiliar esse mesmo mensão; por isso, permanecer ao lado de uma
indivíduo a ter uma morte serena ou a conviver/ pessoa em silêncio, por exemplo, após dizer “sin-
elaborar o luto de alguém amado que encerra to muito” pode até substituir o verbal. Implicita-
seu ciclo e morre1. mente, a permanência ao lado, a disponibilidade
A “morte”, geralmente, é uma “má notícia”, para ficar junto “mais um pouco”, a disposição
embora deixar de ver alguém sofrer, de ver al- para ouvir substitui o falar, em um contexto que o
guém cada vez mais dependente e triste, de ver mais adequado pode ser o acolher o sofrimento,
alguém “definhando”, possa, às vezes, ser um alí- a dúvida ou as reflexões da outra pessoa3,5.
vio, mesmo trazendo sofrimento. Da mesma for- A mente é como o vento e o corpo como a
ma, se estamos “com muitos planos”, a notícia de areia. Se você quer conhecer o vento, observe o
alguma grave doença pode ser uma “má notícia”. movimento da areia
Como tornar esse “momento” da má notícia
Provérbio árabe
(que na maioria das vezes não é um momento,
mas um processo gradativo) mais suportável e Cada processo de comunicação exige uma
acolhedor? Nesse caso, estamos falando de habi- técnica adequada ao seu conteúdo. Não existe uma
lidades de comunicação interpessoal, comunica- técnica que sirva para todas as situações. A maneira
ção verbal e não verbal. de dar uma má notícia varia de acordo com a ida-
Sabe-se que a habilidade de comunicação de, o sexo, o contexto cultural, social, educacional,
de notícias nos encontros iniciais desse processo a doença que acomete o indivíduo, seu contexto fa-
pode produzir duas grandes reações: se adequa- miliar... Enfim, a eficácia do processo de comunica-
da, a família e o paciente “nunca a esquecerão”, ção depende da flexibilidade para utilizar a técnica
se inadequada, eles “nunca a perdoarão”2. adequada em cada circunstância.
Na dimensão verbal, vale lembrar que a in- O desafio em ancorarmos todas essas dimen-
teração tende a ser positiva se as mensagens são sões da comunicação de forma adequada é que
enviadas de maneira1,2,6: a) nítida: com códigos de algumas dessas mensagens temos consciência
que o outro também entenda. O uso dos termos/ e controle (por exemplo, podemos decidir olhar
palavras deve ser adequado ao grau de escolari- ou não, sorrir ou não, apertar a mão ou não, se
dade e área de atuação do indivíduo; b) específi- aproximar ou não), porém de outras temos cons-
ca: com detalhes suficientes para que o receptor ciência, mas não temos controle (o rubor facial,
saiba/entenda sobre o que está sendo falado; c) o tremor da voz, o suor, a palidez...). Como sabe-
não punitiva: evitando “sermões”, censuras, raiva mos, não é porque não temos controle voluntário
51
ou sarcasmo ao falarmos. que as mensagens deixam de existir e transmitir
Na dimensão não verbal, é fundamental significados. E o mais desafiador: de uma parte

Comunicação de Más Notícias


O Mundo da Saúde, São Paulo - 2012;36(1):49-53
estarmos atentos3,4: a) a fatores do meio am- do nosso comportamento, do que emitimos, não
biente – existe “adequação” para que senti- temos nem consciência, nem controle4. O exem-
mentos e angústias sejam expostos? Há algum plo mais adequado por estarmos refletindo so-
grau de isolamento e privacidade para que a bre “más notícias” é a dilatação pupilar. Em um
exposição de angústias e medos seja feita? Há contexto de adequada luminosidade, sem inter-
cadeira, cama para que o outro se sente?; b) à ferências físicas e químicas, nossa pupila dilata
Cinésica – a linguagem do corpo. Como nos quando gostamos do que estamos ouvindo, do
expressamos através dos gestos, das nossas ex- contexto que estamos vivendo.
pressões faciais, das nossas posturas corporais. Por não termos consciência de toda essa si-
E também o que a linguagem do corpo do ou- nalização, muitas vezes emitimos o que não gos-
tro está nos dizendo (sem “abrir a boca”!); c) à taríamos de emitir e deixamos de perceber o que
Proxêmica – a distância que mantemos da pes- é mais sutil perceber. É mais difícil perceber a dor,
soa, o uso adequado do espaço interpessoal, o sofrimento, a angústia, a tristeza... É mais fácil
sabendo se nos aproximamos mais ou menos ser objetivo, técnico e prático! Porém, no contexto
e a forma como nos aproximamos (respeitando das “más notícias” (se é que não podemos afirmar
seu espaço pessoal e entendendo os gestos que que em qualquer contexto), são os sentimentos
mostram desejo de isolamento e distanciamen- que qualificam a notícia como “má” ou “boa”. Ou
to: fechar os olhos, virar o corpo para a parede, seja, se é a dimensão não verbal da comunicação
cobrir o rosto com o lençol, por exemplo); d) à que qualifica a relação, que demonstra respeito,
Tacêsica – maneira como tocamos as pessoas, empatia, compaixão, solidariedade, acolhimento,
lembrando que a interpretação do toque varia ela precisa ser aprendida e ensinada.
de acordo com a parte do corpo tocada, o tem- Em estudo desenvolvido na década de 70,
po que dura esse contato, a força aplicada ao concluiu-se que a empatia (postura adequada e
tocar, a frequência com que o toque ocorre. Na desejada nos profissionais de saúde) é, basicamen-
cultura ocidental, aceitamos melhor o toque te, ser capaz de7: a) prestar atenção, que envolve:
nos membros superiores (braços e mãos) do que aproximação; orientação corporal adequada; cor-
em qualquer outra parte do corpo (mesmo o to- po “descruzado”; contato ocular...; b) ouvir sensi-
que em pernas e pés pode ser percebido como velmente: identificar a mensagem central; esperar
invasivo); e) à Paralinguagem ou à linguagem o outro concluir as frases; usar meneio positivo...;
Paraverbal – maneira como falamos algo, inde- c) verbalizar sensivelmente: identificar e relacio-
pendentemente da palavra, propriamente dita. nar o sentimento, o contexto e a perspectiva.
São os sons usados pelo aparelho fonador que Reconhecer as barreiras mais comuns de
qualificam o que falamos. É só imaginar a di- uma comunicação interpessoal adequada nos aju-
ferença de interpretação ao frisarmos a palavra da em cada encontro. Dar notícias difíceis é um
que está em maiúsculo: “eu não faria isso se processo gradativo, vale repetir, que envolve mais
fosse você”; “eu não faria isso se fosse você”; do que um único encontro. As verdades podem
“eu não faria isso se fosse você”; eu não faria ser ditas, desde que se respeite o limite do outro
isso se fosse você”. em querer ouvi-las8. Podemos “ler” no compor-
tamento e na fala do indivíduo seu interesse em físicas. Toques afetivos podem ser adequados, se
continuar ou não uma conversa, um tema (olhar o paciente for receptivo e não o rejeitar; evitar
na direção de quem fala ou não, ficar em silêncio interrupções enquanto o outro fala (é demons-
ou não, perguntar sobre o tema ou não, esclarecer tração de respeito e interesse). Repita, se houver
detalhes sobre o que está sendo dito ou não...) necessidade, uma palavra-chave da última fala
Listando algumas barreiras de comunicação do paciente e torne claros, ao final, tópicos am-
interpessoal, temos1,4,6: a) excesso de estímulos – bíguos ou obscuros; usar o meneio positivo da
auditivos, visuais; b) avaliação do emissor – há cabeça (na nossa cultura, normalmente, signifi-
vínculo entre o profissional e o cliente? A postura, ca: “estou te ouvindo”, “entendo”, “pode conti-
52
a aparência despertam confiança e segurança no nuar falando”...); olhar para a pessoa enquanto
paciente?; c) audição seletiva – ouvimos, muitas ela fala e enquanto falamos; identificar a emoção
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Comunicação de Más Notícias

vezes, o que esperamos ouvir, o que conseguimos e a causa da emoção da pessoa e a aceitar, an-
entender, o que estava de acordo com nossa ex- tes de propor alguma estratégia de ajuda; estar
pectativa! Quando algo é dito, não quer dizer que sempre atentos ao não verbal do outro (que nos
seja ouvido, assim como qualquer coisa falada avisa “quanto” falar e “como” falar); após uma
não quer dizer que seja compreendida; d) diver- má notícia, é importante não subestimar o valor
sidade de intenções – o profissional quer contar de apenas ouvir, ficar junto, disponível. Validar o
o que sabe e o cliente quer contar suas dúvidas, que foi compreendido.
medos, expectativas e ouvir o que o profissional De maneira geral, os protocolos que ten-
não sabe: “vou ficar bom? O senhor pode me dar tam auxiliar os profissionais de saúde para que
essa certeza?”; e) percepções diferentes – as ex- transmitam uma má notícia orientam: antes de
periências, a cultura, os sentimentos podem gerar dizer, pergunte; tome conhecimento das emo-
uma compreensão diferente de um mesmo fato ou ções do paciente e lide com elas por meio de
fenômeno. Fatos e opiniões são coisas diferentes: respostas empáticas; ofereça apoio ao paciente
um fato é algo ocorrido, ao passo que opinião é a ouvindo suas preocupações; não subestime o va-
maneira como vemos esse fato e como queremos/ lor de apenas ouvir e, às vezes, não faça nada:
conseguimos percebê-lo. A diferença entre fatos e mas fique por perto9. E todo bom profissional
opiniões é grande, mas, diante de uma notícia di- sabe como é difícil esse “faça nada” carregado
fícil, pode parecer mínima. de ação amorosa e benéfica.
Talvez, muitas dessas barreiras ocorram por- Podemos afirmar que comunicação adequa-
que ignoramos os sinais da comunicação não da é aquela que tenta diminuir os conflitos, mal-
verbal expressos, ininterruptamente, pelo outro e -entendidos e atingir os objetivos definidos para
por nós. É adequado lembrar que podemos dei- a solução de problemas detectados na interação
xar de falar, mas não de nos comunicar, visto que com as pessoas4. Problemas, no contexto das no-
a sinalização do não verbal existe sempre. Calar tícias difíceis, talvez possam ser entendidos como
é mensagem, falar é mensagem; sentar é mensa- tudo que afaste o outro da possibilidade de viver
gem, levantar é mensagem; olhar é mensagem, uma vida boa, confortável e tranquila, enquanto
desviar o olhar também... for possível, enquanto viver.
Ajuda, portanto, mesmo que não haja “estar As pessoas precisam da verdade durante
atento aos seguintes aspectos fórmulas únicas” toda a vida, não apenas no fim dela, por respeito,
para dar uma notícia difícil1,2,6: a) alguma privaci- para poderem desenvolver sua autonomia e arbí-
dade (sempre que possível). A disponibilidade de trio. Por essa razão receber más notícias faz parte
tempo nesse momento precisa ser maior, portanto da nossa vida.
o telefone e as interrupções devem ser evitados, Talvez estejamos em um bom momen-
para que o máximo de atenção seja oferecida; to para refletir que a morte não é um “erro do
identificar o que a pessoa sabe e o que ela de- sistema”, mas uma dimensão fundamental da
seja saber. Usar uma linguagem inteligível e em natureza humana. A morte existe e, por sermos
“pequenas doses”, observando sua compreensão mortais, devemos morrer. Porém, refletir sobre
com pequenas pausas no falar; reduzir barreiras a morte permite que questionamos uma socie-
dade que coloca o foco na eficiência, eficácia para viver a vida, em toda sua grandeza e beleza?
e efetividade de todos os processos. Refletir so-
Gracias a la vida que me ha dado tanto
bre a morte nos tempos e contextos atuais tam-
bém permite que questionamos uma sociedade Me ha dado la risa y me ha dado el llanto
em que as pessoas morrerem sós, abandonadas, Así yo distingo dicha de quebranto
muitas vezes rodeadas apenas de tubos e má- Los dos materiales que forman mi canto
quinas. Questiona uma sociedade que despe os Y el canto de ustedes que es el mismo canto
indivíduos de sua identidade e os transforma em Y el canto de todos que es mi propio canto
algo (um número, uma doença, um “caso”).
Violeta Parraa 53
A má notícia é que somos finitos, ou a má
notícia é que, talvez, não tenhamos sido educados

Comunicação de Más Notícias


O Mundo da Saúde, São Paulo - 2012;36(1):49-53
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Recebido em: 6 de dezembro de 2011


Versão atualizada em: 20 de dezembro de 2011
Aprovado em: 3 de janeiro de 2012

a. Violeta Parra nasceu no Chile e se suicidou em 5 de abril de 1967, depois de compor essa canção.
Artigo de Opinião
Comunicação em Cuidados Paliativos Oncológicos
Artigo submetido em 18/7/16; aceito para publicação em 19/1/17

Formação dos Profissionais de Saúde na Comunicação de Más


Notícias em Cuidados Paliativos Oncológicos
Health Care Professionals’ Training in Communicating Bad News in Oncologic
Palliative Care
Formación de Profesionales de la Salud en la Comunicación de Malas Noticias
en los Cuidados Paliativos Oncológica

Barbara Rafaela Bastos¹; Ana Carolina Galvão da Fonseca²; Adrya Karolinne da Silva Pereira³; Lorrany de Cássia de Souza e Silva4

INTRODUÇÃO Se por um lado, os avanços da medicina junto às


condições de vida e saúde têm proporcionado uma
A medicina tem passado por diversas modificações ao melhoria na qualidade de vida das pessoas, principalmente
longo do tempo. É notável os avanços na prática médica, nas sociedades desenvolvidas; por outro, a questão do
sobretudo nas tecnologias dos procedimentos invasivos e aumento da expectativa de vida não pode ser confundido
na prevenção/tratamento de doenças infectocontagiosas, com prolongamento muitas vezes desnecessário e
esse fato tem originado melhorias relevantes na saúde. tratamentos injustificáveis, com a obstinação terapêutica
Em consequência disso, tornaram-se cada vez mais raros a qualquer custo5.
os casos de morte por alguns tipos de doença como, por Conceitua-se cuidados paliativos “como uma
exemplo, varíola e tuberculose¹. abordagem que visa a melhorar a qualidade de vida dos
Fatores como a redução da taxa de natalidade e doentes, e das suas famílias, que enfrentam problemas
mortalidade por doenças infectocontagiosas, o aumento decorrentes de uma doença incurável e com prognóstico
das medidas preventivas em saúde e as práticas de limitado 6 . É importante frisar que a essência do
vida saudável têm contribuído para o aumento da cuidado paliativo só é efetiva se houver envolvimento
expectativa de vida populacional; em consequência da equipe multidisciplinar e uma comunicação efetiva,
disso, é maior a exposição a fatores de risco, levando ao proporcionando uma assistência harmônica e convergente
aumento da incidência de doenças crônico-degenerativas, ao indivíduo sem possibilidades de cura e a sua família7,8.
especialmente as cardiovasculares e câncer². A comunicação é um processo essencial nas relações
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística humanas, e é imprescindível para que se possa obter uma
(IBGE) mostram que a expectativa de vida dos brasileiros assistência de qualidade, além de estar voltada para o
aumentou em quase 30 anos de 1940 para 2014³. Esse processo de humanização. A prática da comunicação é
fato, juntamente com o incremento das novas técnicas a medida terapêutica, comprovadamente eficaz, para os
de diagnóstico, rastreamento e registro dos casos, como, pacientes que carecem desses cuidados, sobretudo, os que
por exemplo, os registros de câncer de bases populacionais se encontram em fase final de vida7,8.
e hospitalares, contribui para que mais pessoas sejam A maneira de como comunicar uma má notícia
diagnosticadas com câncer4. No Brasil, as estimativas, pode ter um grande impacto no modo como a pessoa
para o biênio 2016-2017, apontam a ocorrência de doente irá viver o processo saúde/doença e seu respectivo
aproximadamente 596.070 novos casos de câncer 4. tratamento. Se a comunicação for feita de maneira

¹ Enfermeira. Residente em Oncologia: Cuidados Paliativos pela Universidade do Estado do Pará (UEPA). Belém (PA), Brasil. E-mail: barbararafaela1@gmail.com
² Psicóloga. Residente em Oncologia: Cuidados Paliativos pela UEPA. Belém (PA), Brasil. E-mail: adrya-karolinne@hotmail.com
³ Enfermeira. Residente em Oncologia: Cuidados Paliativos pela UEPA. Belém (PA), Brasil. E-mail: carolina.galvaofonseca@gmail.com
4
Assistente Social. Residente em Oncologia: Cuidados Paliativos pela UEPA. Belém (PA), Brasil. E-mail: Lorranysouza_18@hotmail.com
Endereço para correspondência: Barbara Rafaela Bastos. Travessa Timbó, 1.839 - Marco. Belém (PA), Brasil. CEP: 66095-128. E-mail: barbararafaela1@gmail.com

Revista Brasileira de Cancerologia 2016; 62(3): 263-266 263


Bastos BR, Fonseca ACG, Pereira AKS, Silva LCS

inadequada, pode desencadear equívocos, sofrimento Quando se enxerga a possibilidade de se comunicar algo
prolongado e ressentimento; se for feita adequadamente, a alguém, deve-se estar preparado para responder aos
pode gerar compreensão, aceitação e ajustamento8,9. Todos questionamentos que forem apresentados de maneira
os profissionais de saúde precisam entender o processo segura e equilibrada. Se a equipe multidisciplinar estiver
de morte, e desenvolver principalmente a capacidade treinada para a comunicação de más notícias, isso
de se comunicar e “estar ao lado” quando a morte for será o início da terapêutica paliativa, proporcionando
inevitável10. transparência na comunicação e estabelecendo vínculo
Visto que a comunicação é uma ferramenta essencial de confiança com a equipe.
para essa modalidade de cuidado, como vem sendo Vale ressaltar que a comunicação não verbal; ou seja,
aplicada à comunicação de más notícias em cuidados expressões que não utilizam palavras, é também um
paliativos nos serviços de saúde? Os profissionais da área componente essencial em todo esse processo, sendo que,
estariam preparados para estabelecer uma comunicação muitas vezes, pode ser dedicada pouca atenção por parte dos
adequada? As instituições de ensino estariam fornecendo profissionais de saúde. A comunicação não verbal vai até mais
a formação necessária para efetivar o processo de além, pois permite a percepção e compreensão de sentimentos,
dúvidas e angústias do paciente por meio de olhares e
comunicação nos cuidados paliativos?
linguagem simbólica, típicos de quem está vivenciando a fase
em que a cura não é objetivo do tratamento13.
Comunicação de más notícias em cuidados paliativos Destacamos a importância da comunicação de más
nos serviços de saúde notícias, pois implica diretamente na atitude do paciente,
Na prática dos cuidados de saúde, principalmente por isso, é indispensável e importante que o profissional
as voltadas para o processo de comunicação, são várias estabeleça esse vínculo e esclareça todas as dúvidas em
as questões éticas que se apresentam aos profissionais de relação à assistência prestada proporcionando-lhe autonomia,
saúde. No domínio da relação entre profissionais de saúde elucidação e qualidade de vida. Além disso, precisa-se estar
e pacientes em processo de finitude, a comunicação de más atento às tentativas de pacientes ao final da vida em descrever
notícias continua a ser uma das situações mais delicadas, o que estão vivendo, porque as informações podem se perder
difíceis e complexas, quer pela gravidade das notícias, quer se mal interpretadas ou ignoradas.
pelas indagações que ainda existem em torno de quem,
como, quando e o que comunicar à pessoa doente e sua Cuidados paliativos e comunicação na formação dos
família11. Por isso, levando em consideração a prática do profissionais de saúde
cuidado paliativo, consideramos que a comunicação de Aprender a lidar com as perdas num contexto
más noticiais precisa ser aplicada e treinada por todos os amplo é um desafio que poucos se propõem enfrentar,
profissionais envolvidos nesse contexto, pois sabemos e muito menos conduzir. Ajudar indivíduos com
que a maneira como a notícia é transmitida é um fator doenças avançadas, sem possibilidades de cura, e ainda
crucial para o enfrentamento de doenças que ameaçam a prestar apoio aos seus familiares em um dos momentos
continuidade da vida. mais cruciais de suas vidas são atividades de extrema
Um projeto realizado pelo Ministério da Saúde, por importância na atenção à saúde14.
intermédio do Instituto Nacional de Câncer José Alencar Sendo assim, a falta de preparo dos profissionais para
Gomes da Silva (INCA), e a Sociedade Beneficente a comunicação e o suporte emocional aos pacientes geram
Israelita Brasileira Albert Einstein, teve como tema silenciamentos, falsas promessas de cura ou comunicações
central as dificuldades de comunicação de más notícias na abruptas de prognósticos adversos, com sérios prejuízos
prática clínica dos profissionais da saúde. Esse projeto foi à relação terapêutica. Percebemos que, embora seja
importantíssimo saber se comunicar, ainda é escassa a inclusão
descrito em um livro lançado em 2010 pelo INCA, sendo
do tema no ensino superior em saúde e nos programas de
resultado de um laboratório de práticas com a intenção de
educação continuada de muitas instituições hospitalares.
beneficiar diretamente os profissionais envolvidos nessa
Diante da falta de preparo, os profissionais de saúde
atuação. Esse tipo de prática torna-se um valioso recurso necessitam constantemente aprimorar suas habilidades de
para os profissionais da saúde, pois proporciona um espaço comunicação, para saber o que, como e quando falar, assim
para a troca de experiências relacionadas às dificuldades como o momento de calar-se e ouvir paciente e familiares,
enfrentadas no dia a dia ao lidar com comunicação de mostrando-se solidário à dor do outro.
más notícias12. Estudo realizado em instituições hospitalares de
Para que o repasse de más notícias seja adequado, os São Paulo sobre estratégias de comunicação utilizadas
profissionais atuantes em cuidados paliativos precisam, por profissionais de saúde na atenção a pacientes sob
além de aprender a se comunicar, reconhecer que o cuidados paliativos mostrou que todos os 303 profissionais
doente sempre tem alguma coisa a ensinar a toda equipe. estudados valorizavam imensamente a comunicação

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Comunicação em Cuidados Paliativos Oncológicos

interpessoal no contexto da terminalidade. Contudo, o capazes de fornecer cuidados paliativos adequados e,


estudo evidenciou escasso conhecimento de estratégias portanto, precisam ser treinados para fornecer o mais
de comunicação para a interação com pacientes sob elevado padrão de cuidados. Tudo isso com o objetivo de
cuidados paliativos: a maioria dos sujeitos (57,7%) não atender às necessidades e aos desafios dos pacientes e de
foi capaz de citar ao menos uma estratégia adequada de seus familiares, independentemente do seu prognóstico17.
comunicação verbal e apenas 15,2% mencionaram sinais Sabe-se que, no Brasil, existem vários desafios a
ou estratégias solicitadas. Isso pode sinalizar deficiência no serem vencidos e, entre eles, está a possível deficiência
processo de formação dos profissionais de saúde perante na educação de profissionais de saúde no que diz
a comunicação de más notícias14. respeito à terminalidade. Para superar essa deficiência,
é preciso incluir o tema nas instituições de ensino,
O papel das instituições de ensino na formação do assim como instituir ou ampliar programas de educação
processo de comunicação nos cuidados paliativos continuada que promovam a mudança de mentalidade dos
Alguns motivos que justificam a necessidade e a profissionais para que possam conduzir adequadamente
urgência da inclusão dos cuidados paliativos, juntamente situações relacionadas à terminalidade e à comunicação
com o manejo da comunicação de más notícias na grade de más notícias.
curricular de formação dos profissionais de saúde, são
o crescimento da expectativa de vida e o consequente CONCLUSÃO
aumento na ocorrência de doenças crônicas, como o
câncer, que, por muitas vezes, se tornam uma ameaça à Tendo em vista os aspectos ressaltados, consideramos
continuidade da vida15,16. que, na prática do cuidado paliativo oncológico, a
Deve-se dar maior ênfase nas escolas de ensino superior, comunicação, embora seja considerada uma ferramenta
pois, como são considerados espaços privilegiados para a essencial na vida humana, ainda se faz complexa e
construção de identidades sociais e profissionais, vêm deficiente.
se caracterizando por apresentar inúmeras limitações, Apesar do aumento do número de doenças crônico-
sobretudo quanto à formação no contexto paliativo e -degenerativas e do aumento da valorização da
demandas psicossociais. As competências, habilidades e os comunicação interpessoal no contexto da terminalidade,
conhecimentos adquiridos na qualificação profissional são os profissionais de saúde ainda encontram dificuldades em
insatisfatórios para atender às necessidades de assistência desenvolver habilidades e conhecimentos necessários na
e de compreensão da subjetividade do indivíduo que lida comunicação de más notícias. Acredita-se que a formação
com as perdas de autonomia e de esperança15,16. dos profissionais de saúde deve incluir a comunicação
Estudo sobre os cuidados paliativos, realizado em de más notícias tanto na graduação quanto na educação
alunos de licenciatura em enfermagem, com o objetivo continuada de instituições hospitalares.
de identificar os conhecimentos sobre o tema, mostrou Sugerimos que esses temas sejam inseridos como
os seguintes resultados: 40,4% dos estudantes apresentam disciplina fundamental durante a graduação, pós-
conhecimentos de nível insuficiente; 29,1% suficiente; -graduação, assim como no processo de educação
e 30,5% de nível bom16. Os dados revelam déficit de continuada dentro das instituições de saúde.
conhecimento dos alunos, mostrando que as instituições
de ensino devem capacitar seus alunos para uma CONTRIBUIÇÕES
comunicação eficaz diante da necessidade de fornecer Todas as autoras participaram igualmente em todas as
más notícias. etapas de elaboração do artigo.
Sabemos que, no mundo competitivo em que
vivemos, a procura por profissionais tecnicamente Declaração de Conflito de Interesses: Nada a Declarar.
capazes é cada vez mais intensa, isso faz com que o
profissional procure aprimorar seu saber técnico-cientifico, REFERÊNCIAS
entretanto, deixando de lado as habilidades emocionais
e sociais, importantes nas relações humanas. É evidente 1. Machado KDG, Pessini L, Hossne WS. A formação
a deficiência na formação dos profissionais de saúde de em cuidados paliativos da equipe que atua em unidade
habilidades relacionadas aos cuidados paliativos, sendo as de terapia intensiva: um olhar da bioética. Bioethikos.
instituições de ensino espaços estratégicos para difundir 2007;1(1):34-42.
essa modalidade de cuidado. 2. Carboni RM, Reppetto MA. Uma reflexão sobre a
Todos os profissionais de saúde e funcionários de assistência à saúde do idoso no Brasil. Rev Eletrônica
instituições hospitalares, de forma geral, devem ser Enferm. 2007;9(1):251-60.

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Bastos BR, Fonseca ACG, Pereira AKS, Silva LCS

3. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Tábua 10. Machado KDG, Pessini L, Hossne WS. A formação
completa de mortalidade para o Brasil – 2014: breve em cuidados paliativos da equipe que atua em unidade
análise da evolução da mortalidade no Brasil. Rio de de terapia intensiva: um olhar da bioética. Bioethikos.
Janeiro: IBGE; 2015. 2007;1(1):34-42.
4. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da 11. Fallowfield L, Jenkins V. Communicating sad, bad, and
Silva. Estimativa 2016: Incidência de Câncer no Brasil. difficult news in medicine. Lancet. 2004;363(9405):312-9.
Rio de Janeiro: Inca; 2015. 12. Instituto Nacional de Câncer (BR). Comunicação de
5. Santos CKC, Andrade CG, Costa ICP, Lopes MEL, notícias difíceis: compartilhando desafios na atenção à
Silva CEG, Santos KFO. Comunicação em cuidados saúde. Rio de Janeiro: Inca; 2010.
paliativos: revisão integrativa da literatura. Rev Bras 13. Pessini L, Bertachini L. Humanização e cuidados
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terapêutica em Enfermagem: instrumento essencial do em Cuidados Paliativos: Um Guia Orientador da EAPC
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