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Psico-oncologia
Pediátrica
Casa do Psicólogo®
PSICO-ONCOLOGIA PEDIÁTRICA
PSICO-ONCOLOGIA PEDIÁTRICA
Organizadora
Casa do Psicólogo®
© 2001, 2010 Casapsi Livraria e Editora Ltda.
É proibida a reprodução total ou parcial desta publicação, para qualquer finalidade,
sem autorização por escrito dos editores.
1ª edição
2001
2ª edição
2010
Editora
Ingo Bernd Güntert e Anna Elisa de Villemor Amaral
Coordenação Editorial
Dirceu Scali Jr.
Produção Gráfica & Capa
Renata Vieira Nunes
Editoração Eletrônica
Renata Vieira Nunes
Revisão
José Eugênio Gianetti Jr.
Vários autores.
Bibliografia.
ISBN 978-85-62553-60-8
10-09214 CDD-618.929940019
Índices para catálogo sistemático:
1. Crianças com câncer : Aspectos psicológicos
618.929940019
2. Psico-oncologia pediátrica : Aspectos psicológicos
618.929940019
Impresso no Brasil
Printed in Brazil
Apresentação .................................................................................. 9
Elizabeth Ranier Martins do Valle
Capítulo 1
A organização familiar e o acontecer do tratamento da criança
com câncer ......................................................................................... 13
Daniel de Paula Lima e Oliveira Lopes
Elizabeth Ranier Martins do Valle
Capítulo 2
Assistência psicológica à criança com câncer – os grupos de apoio .......... 75
Luciana Pagano Castilho Françoso
Elizabeth Ranier Martins do Valle
Capítulo 3
Vivências de mães em situação de recidiva de câncer ............................ 129
Joelma Ana Espíndula
Elizabeth Ranier Martins do Valle
Capítulo 4
Vivências de uma criança com câncer hospitalizada em iminência
de morte ........................................................................................... 181
Luciana de Lione Melo
Elizabeth Ranier Martins do Valle
Capítulo 5
A continuidade escolar de crianças com câncer : um desafio à
atuação multiprofissional .................................................................. 215
Gisele Machado da Silva Moreira
Elizabeth Ranier Martins do Valle
Capítulo 6
A criança curada de câncer – modos de existir ..................................... 247
Juliana Vendruscolo
Elizabeth Ranier Martins do Valle
Apresentação
1. Padrões transacionais são definidos como “aquelas operações repetidas que estabelecem padrões
de como, quando e com quem se relacionar em uma família (...) Tais padrões reforçam o sistema
familiar, através da regulação do comportamento de seus membros, e são mantidos por dois sistemas
de repressão: 1) Genéricos (regras universais) e 2) Idiossincráticos (origem na história da família)”
(MINUCHIN, 1990;p.57).
2. Para MINUCHIN (1990), a patologia estará existindo quando, frente às pressões, a família
aumenta a rigidez de seus padrões transacionais, de suas barreiras, resistindo à exploração de
novas alternativas. É claro que não se pode desconsiderar também a intensidade e persistência de
padrões disfuncionais no presente como indício significativo de um modo de funcionamento
habitual.
22 PSICO-ONCOLOGIA PEDIÁTRICA
to, a dieta alimentar tenha de ser revista, os pais tenham que encon-
trar ajuda para cuidarem dos outros filhos enquanto acompanham o
filho doente ao hospital, tenham de procurar empregos adicionais
para suprirem o aumento no orçamento, extremamente significati-
vo, que um tratamento de câncer pode exigir (custo da doença, medi-
camentos, transportes), isto além de muitas vezes terem de lidar com
a percepção de que estão ocorrendo mudanças no relacionamento
familiar. Há estudos que sugerem problemas de ordem conjugal que
podem resultar em separações entre pais de crianças com câncer,
ainda que se recomende cuidado ao se afirmar a teoria de que o
câncer da criança predisponha à separação conjugal (LANSKY et
al., 1978; apud VALLE, 1988). Novamente aqui deve-se ter em conta
o grau de ajustamento desta família anterior à doença, o que pode
resultar em um outro foco, aquele de que o câncer de um filho possa
ter exacerbado uma situação que já era delicada, mas que permane-
cia precariamente obscurecida no dia-a-dia do casal. Assim, de acordo
com MINUCHIN (1990), os filhos podem constituir mecanismos
de desvio de conflitos dos pais, que os atenuam ou redirecionam na
proporção do exercício das suas funções parentais, crise esta que
pode eclodir no momento em que a família se depara com um fato de
extrema gravidade, potencialmente desestabilizador, que é o câncer
infantil4.
Ainda no que diz respeito à questão dos relacionamentos intra-
familiares, é possível que surjam problemas na relação com o próprio
filho doente, ou com os outros filhos. No primeiro caso, pode ocor-
rer que os pais, por estarem penalizados frente ao sofrimento que o
filho tem que passar nos procedimentos hospitalares, passem a tratá-
lo de forma diferente da que faziam antes da doença. Isto pode acon-
tecer com os objetivos de amenizar os sentimentos de impotência
que são experimentados nestas situações, de evitar possíveis senti-
mentos de culpa e remorso no caso de piora ou morte da criança, ou
mesmo por dó e incapacidade de se dizer “não”. VALLE &
VENDRÚSCULO (1993) apontam que tais condutas fazem com
4. “ Muitas vezes, conflitos não resolvidos dos esposos são carregados para dentro da área da
educação infantil, porque o casal não pode separar as funções parentais das funções
conjugais”(MINUCHIN, 1990; p. 42).
24 PSICO-ONCOLOGIA PEDIÁTRICA
despendem agora boa parte de seu tempo com o filho que tem cân-
cer, além da percepção da desestruturação familiar (PEDROSA &
VALLE, 1997). De acordo com DOLGIN & PHIPPS (1996), os
irmãos da criança com câncer podem ter reações que incluem senti-
mentos de rejeição e alienação. Segundo estes autores, pode ocorrer
ciúmes pelo fato do irmão doente obter as atenções dos outros fami-
liares e vergonha pela aparência do irmão doente. Coexistem senti-
mentos de raiva e de ciúme com os de culpa, além do medo e da
tristeza. Neste sentido, é válido que os pais busquem compartilhar
com os outros filhos a situação pela qual a família está passando, para
que estes possam participar deste processo que também lhes diz res-
peito, de uma forma realista e ao máximo desprovida de todas as
fantasias que esta situação pode gerar. Esta situação remete à colisão
entre anseios e vontades individualizadas e o “interesse coletivo” da
família, abordada por ROMANELLI (1995), colisão esta que reitera
o espaço doméstico como carregado também de tensões. Desta for-
ma, por mais que os irmãos estejam sofrendo, contribuindo e se reorga-
nizando para dar conta da situação de ter um irmão com câncer,
continuam existindo suas necessidades de filhos, que precisam de
atenção e de cuidados. Em função de todos os rearranjos na rotina
que decorrem da situação do câncer infantil, implicando muitas ve-
zes em que os irmãos assumam várias responsabilidades e passem
menos tempo com seus pais, é comum, segundo DOLGIN & PHIPPS
(1996; p. 74), que estes irmãos descrevam em retrospecto sua expe-
riência como “tendo que ter crescido cedo demais”. É de extrema im-
portância, inclusive para a criança que está doente, no sentido de
que não lhe seja reforçado um sentimento de exclusão, que a família,
como um todo, não se torne “surda” e “cega” para as manifestações
dos irmãos sadios.
A última fase temporal das doenças crônicas, considerada por
ROLLAND (1995) como o período terminal, que pode ou não ocor-
rer, abrange desde o momento em que a morte parece realmente ine-
vitável até a morte propriamente dita. Nesta etapa, predominam
questões que envolvem separação, perdas, lutos e tristeza. Cada fa-
mília dispõe de recursos muito peculiares para lidar com estes temas,
que em verdade aparecem de diversos modos ao longo de todas as
fases da doença, mas que ganham outra dimensão quando experien-
26 PSICO-ONCOLOGIA PEDIÁTRICA
Eu estava mesmo, com medo, de que isso pudesse ter causado a doença
dele... (D. Vânia)
Seu próprio dizer nos explicita de uma maneira mais precisa suas
vivências e sentimentos relacionados ao contato com o tema “mor-
te” e “mortos”:
Depois eu trabalhei com os defuntos, eu não gosto até hoje daqueles
sacos de defunto, porque as primeiras vezes que eu vi eu ficava muito
impressionada... Uma vez uma colega minha, muito danada, aprontou
uma para mim, você sabe que eu desmaiei, eu levei um tempo para
voltar... (D. Vânia)
Então, acho que por causa de tudo isso, sabe Daniel, que às vezes eu
acho esse hospital meio, assim, assustador... (D. Vânia)
E a mãe responde:
42 PSICO-ONCOLOGIA PEDIÁTRICA
Ressalto, antes dos fatos, uma fala da mãe que explicita o quan-
to João traz uma sensibilidade em relação a situações nas quais pode
ser excluído de participar do que está acontecendo:
Você sabe que o João, toda vez que alguém chama, assim, para
conversar sozinho, que ele não está perto, ele fica preocupado, com
medo de estar acontecendo alguma coisa grave, que não pode contar
para ele... (D. Vânia)
6. Vivenciei muito o receio de cometer “deslizes”, de acabar mostrando que já sabia o que sabia. O
recurso que encontrei foi lidar com a situação tal qual ela se apresentava, respeitando a facticidade
que se mostrava tal qual podia ser transmitida pela mãe, como a “verdade” possível para aqueles
primeiros atendimentos. Esqueci (sem me esquecer) que a mãe era a avó, e aguardei.
A ORGANIZAÇÃO FAMILIAR E O ACONTECER DO TRATAMENTO DA CRIANÇA COM CÂNCER 45
Estes são momentos nos quais a criança pode ser vista como
criança, e ter suas dores reconhecidas, entre elas a de não conhecer
o pai biológico. É neste mesmo atendimento que a mãe relata como
ficou, depois de toda a situação explicitada, o modo de referência ao
outro na família:
Eu ele chama de mãe, o pai dele também, ele chama de pai. A Eliana,
lá em casa ela sempre teve o apelido de E., então quando ele fala ele
fala por esse nome, ele fala: “— Mãe, estou com saudades da E...
(D. Vânia)
A ORGANIZAÇÃO FAMILIAR E O ACONTECER DO TRATAMENTO DA CRIANÇA COM CÂNCER 49
A mãe fala, assim, da dor de contar para filho, que tem câncer,
da morte de um amigo, que tinha câncer também. O segredo aqui
não diz respeito somente à indagação da mãe acerca de como João
reagiria a tal notícia, mas abrange ainda, tal qual nas passagens ante-
50 PSICO-ONCOLOGIA PEDIÁTRICA
Agora eu estou até sem graça, eu não sei se ligo para ela (a mãe da
criança que morreu). (D. Vânia)
Após chorar a morte do amigo, João vai relembrando das coisas boas
que viveram juntos. Apenas aponto o que ele já sabe: seu amigo está
guardado dentro dele, com seu sorriso e suas preferências musicais... Dói a
dor da saudade, mas fica o sorriso por aquilo que se partilhou, durante um
tempo comum da existência, juntos. E assim um atendimento que come-
çou com tensão, choro e dor pôde terminar num sincero sorriso.
Esta foi uma das primeiras referências feitas pela mãe ao seu
marido nos atendimentos. É curioso notar que, entre tantas possibi-
lidades, este foi o aspecto ressaltado. Tal característica é reiterada
pelo pai no atendimento seguinte, nosso primeiro encontro:
Eu gosto de cozinhar sim, desde solteiro eu tenho muito gosto de ficar
no fogão. (Sr. Jair)
Então isto está difícil também, tem horas que desanima, e eu sou,
como eu te falei, evangélica, e para mim é Deus em primeiro lugar,
depois meus filhos e ele vem em terceiro... (D. Vânia)
Esta parece ser mais uma norma do sistema familiar: o pai espera
o chamado para tomar a iniciativa. E, assim, certos papéis vão se
cristalizando, o do pai passivo e inapto, o da mãe que assume o con-
trole, e é eficiente neste controle:
Ele está bem, Daniel... Ele até falou de vir no retorno desta vez com
o João, mas o João não quis muito não, eu também achei melhor
não... (D. Vânia)
D: Você não gostaria, João, que o seu pai viesse ficar com você?
É que ele vai deixando fazer o que quiser, não pergunta nada... (João)
Sabe o que é Daniel, é que eu sou bem chata mesmo, eu pergunto, eu
quero saber tudo, assim, dos medicamentos que ele está tomando, do
que estão fazendo com ele, e o Jair é mais tranqüilo, ele vai deixando,
não pergunta muito não...(D. Vânia)
João apresenta aqui seu desejo íntimo, aquele que fez à estrela,
vendo-se curado no futuro, tendo superado o câncer. O futuro, além
de espaço no tempo onde se almeja a cura, é lugar também de preo-
cupações concretas. Depende de agora a condição da criança neste
amanhã, o que é explicitado quando ela completa uma fala do tópico
anterior, na qual cogita que a professora lhe mande em casa o cader-
no com as lições escolares:
... porque depois eu vou estar na quarta-série, e eu vou ter perdido
matéria. (João)
João, com seu bom humor, não perde a chance de brincar com a
situação:
Eu fui fazer um teste, Daniel, eu corri na frente de uma menina, só
para ver se ela falava alguma coisa, e ela falou: “— Não corre, João!
(risos). (João)
6. Palavras finais
Creio que não seja mais possível, quando pensamos em uma as-
sistência íntegra e efetiva à família de crianças com câncer, dis-
sociarmos os diferentes contextos que a família habita, espacial e
internamente. Na dimensão espacial, refiro-me à sua cidade de ori-
gem, sua casa, escola (da criança), os lugares que freqüenta, o transporte
que a traz ao hospital, e a leva de volta. Há também o hospital: seus
corredores, enfermarias e leitos; seus cheiros, suas imagens de tanta
gente junta, cada um com um sofrimento que muitas vezes quem vê
não sabe qual é; seus profissionais da saúde do corpo e da mente, de
tantos procedimentos e afetos, da burocracia dos papéis, da limpeza
e das refeições, entre tantos. E há o espaço interno, das relações,
daqueles modos de ser da família que já pré-existiam ao adoecimento,
que em parte se transformam, em parte permanecem, com a expe-
riência da hospitalização. E o olhar, que vai do susto, do medo, à
esperança; que busca entender, que consola e chora.
Quando reflito acerca de como esta investigação poderá contri-
buir para o incremento da qualidade de atendimentos a crianças com
câncer e seus familiares, recordo-me daquele primeiro livro que li
nesta área, há alguns anos atrás, chamado “Introdução à Psiconcologia”
(CARVALHO, 1994). Ali, comecei a aprender que...
“A Psiconcologia começa a surgir como área sistematizada de
conhecimento a partir do momento em que a comunidade científica
passa a reconhecer que tanto o aparecimento quanto a manutenção e
a remissão da câncer são intermediados por uma série de fatores cuja
natureza extrapola condições apenas de natureza biomédica.”
(GIMENES, 1994; p. 42)
A ORGANIZAÇÃO FAMILIAR E O ACONTECER DO TRATAMENTO DA CRIANÇA COM CÂNCER 71
Referências bibliográficas
• A família
1- Acompanhamento psicológico de apoio
Os objetivos específicos deste tipo de intervenção são: a promo-
ção de alívio de ansiedade e de outros sintomas clínicos que podem
emergir relacionados às situações da doença e do tratamento da
criança e a promoção de um espaço terapêutico no qual a família
possa ser auxiliada a compreender suas próprias vivências e reorga-
nizar-se adequadamente para enfrentar as demandas de nova reali-
dade. As técnicas descritas por FIORINI (1991) como Psicoterapia
de Apoio e Psicoterapia de Esclarecimento são de grande utilidade
para o delineamento do acompanhamento psicológico de apoio.
2- Orientação
Os objetivos específicos deste tipo de intervenção são: promo-
ver uma comunicação aberta entre os familiares e a criança, assim
como entre os familiares e os profissionais da equipe; favorecer o
desenvolvimento de uma visão compreensiva a respeito das situa-
ções vividas no cotidiano da assistência e conseqüentemente pro-
mover o desenvolvimento de atitudes terapêuticas em relação às
necessidades da criança doente.
82 PSICO-ONCOLOGIA PEDIÁTRICA
• A equipe de saúde
1- Orientação
Os objetivos específicos deste tipo de intervenção são: promo-
ver uma comunicação aberta entre o profissional e o paciente e seus
familiares; favorecer o desenvolvimento de uma visão compreensiva
a respeito das situações vividas no cotidiano da assistência e conse-
qüentemente promover o desenvolvimento de atitudes terapêuticas
em relação às necessidades da criança doente e auxiliar na constru-
ção de uma assistência humanizada.
• Explorativas
Objetivos:
– Investigar o que a criança conhece a respeito de sua doença e
de seu tratamento
– Incentivar a criança a explanar sobre o que faz e o que pensa
no momento em que o faz
• Informativas
Objetivos:
– Informar e/ou orientar a criança a respeito de questões
relacionadas à doença e ao tratamento, assim como ao setting
grupal
• Integrativas
Objetivos:
– Elucidar e integrar de forma compreensível a todos a experi-
ência vivida no momento relacionando-a, quando é o caso, com ques-
tões relativas à doença e ao tratamento.
ASSISTÊNCIA PSICOLÓGICA A CRIANÇAS COM CÂNCER-OS GRUPOS DE APOIO 95
OS TEMAS
3.1 – A identidade: O mundo próprio
3.1.1. As apresentações
As sessões do grupo iniciavam-se a partir de minha sugestão de
que nos apresentássemos. Por tratar-se de um grupo aberto, a cada
semana este configurou-se de modo particular — seus participantes
eram as crianças que estavam em retorno ambulatorial naquele dia.
Portanto, nem sempre todas conheciam o grupo, a mim ou a seus
companheiros de tratamento em retorno naquele dia.
Assim, eu dizia meu nome e o motivo da minha presença ali, e
pedia que fizessem o mesmo, acrescentando suas idades. Em todas as
sessões as crianças disseram seus nomes e suas idades sem
questionamentos.
Às vezes, a informação aparecia com alguma particularidade,
como mediada pelo adulto, detentor do saber:
Tenho 5 anos, a minha mãe que falou que eu tenho 5. (T., 5 anos)
E outras, não:
Eu queria conversar com os médicos, mais por curiosidade... Eles
não falam, eles só falam se a quimioterapia vai ser amanhã, ou vai
ser outro dia, não vou vir... não vou falar mais nada. (R., 9 anos).
– É porque vai ver que ninguém te falou direito o que você precisa
saber. (B., 14 anos)
– Tem que perguntar, moleque! Sua mãe não te explica não? Pergunta
pro médico, então...(F., 14 anos)
– Esse coitado aí, pelo jeito está muito mal informado (B., 14 anos)
Tal analogia foi apropriada por outra criança que resgatou sua
própria história, também envolvendo a recidiva:
Eu já acabei a corrida — corri depois voltei lá... a doença voltou,
minha doença vai e volta... a corrida é maior ainda. (D., 10 anos)
3.2.3. Os procedimentos
Procedimentos específicos experienciados em função do trata-
mento foram relembrados.
Há certos procedimentos que devido à sua similaridade na prá-
tica são sempre trazidos em conjunto pelas crianças: o mielograma
(exame feito a partir da retirada do liquor), a quimioterapia intratecal
(administração de medicamentos no liquor) e o transplante de me-
dula óssea. Participaram das sessões do grupo crianças — candidatas
ao transplante, que o associavam a estes procedimentos conhecidos
por todos. Possíveis confusões foram feitas, mas é interessante notar
que a experiência concreta de cada criança (e na prática os proce-
dimentos são similares) eram a principal fonte de informação a respeito
102 PSICO-ONCOLOGIA PEDIÁTRICA
3.2.4. As conseqüências
Emergiu também enquanto tema nas sessões, as maneiras de
lidar com as conseqüências da doença e do tratamento.
Faz 3 anos que fiquei deste jeito (Deficiente Visual) ... e eu estudo
braile. Você sabe como é? (M., 14 anos)
– Fiquei quieta ... achei que ele era menina ... só sei que era ele, e
falou — Tá me estranhando? (R., 11 anos)
– O médico que falou, aí minha mãe não deixa. Tem muita química.
(L., 11 anos)
– Não pode fazer nada, não pode sair do quarto ... fico com saudade
de casa.
3.2.5. A equipe
Surgiram também assuntos relacionados à equipe profissional
responsável pelo cuidado da criança. Os assuntos foram temas de
conversas nas quais foram relembradas situações vividas e impres-
sões deixadas:
106 PSICO-ONCOLOGIA PEDIÁTRICA
– Aleluia! Parece um trem! Mas tem que cortar esse aqui (o joelho)...
(L., 9 anos)
Lá perto da minha casa tem um circo... tem um tigre que queria sair
do caminhão. (A., 10 anos)
3.3.2. A família
Mencionadas com muita freqüência, as relações familiares fo-
ram tema central de reflexão e discussão em algumas das sessões do
grupo.
Surgiram falas relacionadas às mães:
Minha mãe não tem coragem de me deixar sozinha... Dia da minha
cirurgia, a minha tia levou ela prá casa, ela nem coragem de sair teve,
de por os pés prá fora... já queria voltar pro hospital (A., 11 anos)
ASSISTÊNCIA PSICOLÓGICA A CRIANÇAS COM CÂNCER-OS GRUPOS DE APOIO 109
E a desigualdade de atenção:
Eu fico muito triste porque a minha mãe só dá atenção pro meu
irmão, mas prá mim... eu fico o dia inteiro, eu fico sem atenção! (M.,
irmã de M. O., 9 anos)
E as conclusões:
Ter irmão é chato, ser irmão não (L., 11 anos)
110 PSICO-ONCOLOGIA PEDIÁTRICA
3.3.3. A escola
Assuntos relacionados à vida escolar surgiram enquanto tema
nas sessões grupais. É interessante observar que eu fazia perguntas
sobre a vida escolar de cada criança em todas as sessões, mas que
somente em algumas delas houve interesse em transformar o assunto
num tema de reflexão e discussão.
As dificuldades que impedem a volta à escola foram pontuadas:
Minha mãe acha que não(devo ir) — porque às vezes preciso de
ajuda, posso cair, essas coisas (B., 14 anos)
3.3.4. Filosofias
Surgiram falas expressando reflexões sobre a vida:
– Tudo o que é vivo nasce, cresce e morre. (D., 8 anos)
– Não... Tudo o que é vivo nasce, cresce, produz e morre. (M.,
9 anos)
Sobre o tempo:
– Por que quando a gente gosta de uma coisa ela acaba rapidinho?
Por que passa rápido? (J., 11 anos)
– Bom porque fica mais legal. (R., 9 anos)
Vou perguntar uma coisa prá você — Quem fez Deus? Nem o padre
pode responder. É isso daí o mistério da Santíssima Trindade, ninguém
pode saber. Nem as pessoas da Terra. (L., 11 anos)
3.4 – A MORTE
A morte surgiu, enquanto tema, de diversas maneiras nas ses-
sões grupais. A morte de companheiros de tratamento foi noticiada
nas sessões todas as vezes em que ocorreu no período considerado
neste trabalho. A morte de pessoas conhecidas foi introduzida em
algumas ocasiões:
Meu tio morreu de leucemia.(L., 9 anos)
Minha mãe morreu de parto, aí morreu uma menina com ela... daí
eu fiquei viva... Ah! Eu já vi minha mãe... no santo tudo de branco
... Tava igual! (na foto pela qual é conhecida) Eu perguntei: quem
está aí? Mas com morto a gente não conversa... aí ela pegou e correu,
desapareceu... (R., 11 anos )
– Por quê?
A explicação:
– Puxa, você está agitando muito hoje!
– Tô encapetado!
– Por que está encapetando todo mundo? O que será que está
acontecendo?
A saída:
– Prá você participar você tem que ficar aqui dentro da sala, joga
este aviãozinho prá lá e feche a porta.
Agora eu lembro (dele) porque na hora que nós encontrou ali eu não
lembrava, agora eu lembro. (B., 14 anos)
5. Referências bibliográficas
ADAMS et al. A group program for helping siblings of children with cancer.
Journal of Psychosocial-Oncology, v. 4, no 4, p. 55-67, Win. 1986.
BENDOR, S. Anxiety and isolation in siblings of pediatric cancer patients:
the need for prevention. Social Work in Health Care, v. 14, no 3,
p. 17-35, 1990.
BESSA, L. Conquistando a vida: adolescentes em luta contra o câncer. São
Paulo, Summus, 2000.
BROWN, P. Families who have a child diagnosed with cancer: what the
medical caregiver can do to help them and themselves. Special Issue:
The death of a child. Issues in Comprehensive Pediatric Nursing, v. 12,
no 2-3, p. 247-60, Mar.-Jun. 1989.
BRU, G. Interdisciplinary development of support groups for pediatric
oncology settings. Journal of Association Pediatric Oncology Nurses, v.
4, no 1-2, p. 44, 1987.
CALL, D. School based groups: a valuable support for children with cancer
patients. Journal of Psychosocial-Oncology, v. 8, no 1, p. 97-118, 1990.
CHESLER,M. et al. Patterns of participation in a self-help group for parents
of children with cancer. Journal of Psychosocial-Oncology, v. 2, no 3-4,
Fal-Win., p. 41-64, 1984.
__________. Action research in the voluntary sector: a case sudy of
scholar-activist roles in self-help groups. In: WHEELAN, E. et al.
Advances in field theory. Sage Publications Inc, Newbury Park, Ca,
1990. p. 265-80.
118 PSICO-ONCOLOGIA PEDIÁTRICA
Desenho 1
Desenho 2
ASSISTÊNCIA PSICOLÓGICA A CRIANÇAS COM CÂNCER-OS GRUPOS DE APOIO 123
Desenho 3
Desenho 4
124 PSICO-ONCOLOGIA PEDIÁTRICA
Desenho 5
Desenho 6
ASSISTÊNCIA PSICOLÓGICA A CRIANÇAS COM CÂNCER-OS GRUPOS DE APOIO 125
Desenho 7
Desenho 9
126 PSICO-ONCOLOGIA PEDIÁTRICA
Desenho 10
Desenho 11
ASSISTÊNCIA PSICOLÓGICA A CRIANÇAS COM CÂNCER-OS GRUPOS DE APOIO 127
Desenho 12
Desenho 13
CAPÍTULO 3
VIVÊNCIAS DE MÃES EM SITUAÇÃO DE
RECIDIVA DE CÂNCER EM SEUS FILHOS
Joelma Ana Espíndula
Elizabeth Ranier Martins do Valle
1. Informações básicas sobre a recidiva
do câncer na criança
2. Tratamento
rão todas as suas palavras, sempre ficará algo mais para ser dito. Per-
cebe-se que não é fácil para os profissionais da área da Oncologia
pediátrica ter esta postura de aproximação com um paciente em re-
cidiva ou prognóstico fechado.
Hoje, percebe-se a preocupação da equipe lidar com o paci-
ente em sua totalidade, pois ele é um ser bio-psico-social e espiri-
tual. Frente à situação de recidiva, faz se necessário um trabalho
de apoio dentro da equipe em que todos estão engajados emocio-
nalmente. É aconselhável que os cuidadores estejam preparados
para auxiliar o paciente e a família nesse momento, não havendo
um modo específico para atendê-los. O atendimento é deixado
livre para que a criança e a família possam se mostrar autentica-
mente e ir descobrindo do que precisam para aliviar suas dúvidas,
medos e sentimentos.
HINDS et al. (1996) ressaltam na pesquisa a importância de os
pais receberem da equipe informações verdadeiras, suporte e apoio,
o que os ajudou a assimilar a realidade quando houve a recidiva do
câncer em seu filho. Eles sentiam sua energia revigorada, mesmo numa
situação incerta. Percebe-se, assim, que uma boa interação com a
equipe transmite aos pais segurança e certo equilíbrio emocional
(VALLE, 1994, 1997 e GIMENES, 1998). Portanto, quando as ati-
tudes dos profissionais da equipe pediátrica oncológica são apropriadas,
influenciam diretamente os pais a adquirirem uma melhor adapta-
ção psicológica ao tratamento, tornando-os capazes de transferir essa
relação favorável para os seus filhos doentes.
HINDS et al. (1996) levantaram alguns pontos significativos
identificados por médicos e enfermeiros como atitudes benéficas
para o atendimento da família: manter os pais atentos às opções de
tratamento e às respostas da criança ao tratamento vigente, de-
monstrar competência, transferir o conhecimento pessoal e amor
para a criança. Estes procedimentos mostram o amparo, o envolvi-
mento da equipe, independente do tratamento. Os pontos negati-
vos apontados apresentados por estes profissionais (enfermeiros e
médicos) foram estar sempre apressados, não ouvindo as questões
familiares, fazer comentários indevidos ou criticar uma decisão pre-
cipitada de um familiar.
152 PSICO-ONCOLOGIA PEDIÁTRICA
4. Participantes
5. Unidades de significado
Não sei porque ele teve isso. Na minha família não existe ninguém,
nenhum caso assim até a terceira geração. Não entendemos porque
no meu filho (Maria, 35a).
154 PSICO-ONCOLOGIA PEDIÁTRICA
Se ele está passando por isto, é porque ele tinha que passar.
Infelizmente é assim, é o carma dele, a trajetória que ele teria que
passar. A nossa trajetória, porque o que ele passa, a gente passa
junto (Renata, 19a).
É, ele está bem do lado de fora, mas do lado de dentro tem uma coisa
que fica comendo ele por dentro (Maria,35a).
Por exemplo, se eu pego uma das mães que vêm fazer o tratamento
aqui do filho... Dizem “que saco de estar aqui”, implicam com tudo,
nada está bom. Elas não têm aquele carinho de pele pelo filho, faz
aquilo porque precisa. (Ana, 38a)
De repente, o médico vira e diz que o tumor voltou e vai ter que ser
operado de novo... Eu achei que fosse um pesadelo que eu iria acordar
e falar é mentira, você não está passando por isto de novo. Eu acho
que é por isto que eu fiquei até pior. Eu tinha aquela ilusão que não
era verdade que não estava acontecendo isto. Era pior. Não foi o
conto de fada que eu gostaria que fosse (Renata, 19a).
Ele ficou 1 ano sem o tratamento. Ele não tinha nada, em Novembro
veio fazer os exames de rotina, aí (voltou). A gente tem aquele
156 PSICO-ONCOLOGIA PEDIÁTRICA
pensamento: não vai dar nada de novo, toma gadernal, ele não tinha
nada (Renata, 19a).
Veio uma vez, tirou, não é? Aconteceu a segunda vez, é lógico que eu
não gostei. Só que vamos lutar até onde os médicos podem medicar o
meu filho e fazer certinho as coisas. Assim eu penso, não é uma
doença fácil de se cuidar (Janete, 29a).
Para mim, a recidiva foi muito doloroso. Acho o que eu senti foi
quase pior do que a notícia do tumor, porque quando recebe a notícia,
você não sabe quase nada da doença. Não sabe o que te espera,
ainda não conversou com ninguém, a não ser que já tenha convivido
com alguém que teve câncer, que não é o meu caso (Ana, 38a).
Ele sabe que está doente. Ele sabe de tudo, não é nem um pouquinho
bobo. Sabe quando está com febre. Ele diz: “mãe, tenho que ir ao
médico?” O porquê eu não sei, mas vem da consciência dele. A gente
conversa, ele ouve tudo (Janete, 29a).
158 PSICO-ONCOLOGIA PEDIÁTRICA
A gente reclama que está difícil, mas é muito mais difícil prá nossas
filhas. Para mim, A. é que toma as porcarias, quem toma as picadas.
São as crianças (Ana, 35a).
Agora, se vocês acharem que não vai adiantar, então deixa ele como
está, sem quimioterapia, sem remédio porque eu não quero atrapalhar
o nível de vida que ele está levando (Flávia, 33a).
Ele fica bem com o tratamento. Ele não gosta muito não. Quando
eles estão brincando é legal, mas quando está com dor... Dentro do
hospital ele fica diferente, agora em casa ele pega fogo. Ele corre,
anda de motoca, briga com os irmãos, anda na terra. É bem levadinho
(Janete, 29a).
Desta vez percebo que está mais difícil, está mais deprimido, não
quer comer... (Maria, 35a).
Ele não aceitou a volta. Ele ficou mais agressivo. Não aceita que tem
de tomar remédio. Se fala, ele não toma (Izabela, 30a).
Essa semana ele vai fazer quimio a semana inteira. Nós vamos vir
todos os dias. Eu vou pedir à enfermeira para marcar de manhã para
ele poder ir à escola pela tarde. Assim, ele estuda de manhã, e não
falta na escola, porque ele não quer perder aula. Se eu conseguir, vai
ser melhor ainda. Ele não vai faltar à escola (Amélia, 38a).
Na escola, no começo, foi difícil prá ele. Ele não queria ir porque
tinha que usar a máscara e os colegas iam começar a caçoar da
cabeça dele. De fato, os meninos começaram a caçoar dele e colocaram
apelido nele (Amélia, 38a).
160 PSICO-ONCOLOGIA PEDIÁTRICA
Aqui eles (os médicos) fazem a parte deles. Mas eu conto mesmo é
com a parte lá de cima. Eu rezo muito meu terço. Há cura, tem
pessoas que foram curadas. Que seja feita a Sua vontade. Se for para
ser meu, vai ser meu, se for para ser Dele, vai ser Dele, não é verdade?
(Janete,29a)
Você não sabe o que vai fazer com ele. Então fica naquela indecisão.
O que é melhor, o que é pior. Qual seria o mais fácil prá ele sofrer
menos? (Amélia, 38a)
Eu vou sentir, mas o que eu posso fazer. Como eu te falei, isso a gente
espera. Fica na nossa cabeça com medo de voltar (recidiva) (Janete, 29a).
Um pouco eu fiquei revoltada porque, meu Deus, ele estava indo tão
bem. Ele estava respondendo ao tratamento (Jacira, 30a).
Olha, quando ele está bem eu até esqueço que ele está doente. Só que
fico prá baixo quando ele fica amuadinho (passando mal). Ele não
quer comer, aí minha cabeça fica cheia de pensamentos (Flávia, 33a).
Você briga, luta... é tudo novidade. Até o dia que você recebe alta, aí
você chora! Eu parecia a maior palhaça o dia que A. teve alta. Eu
acreditava que minha filha estava curada. Apesar dos médicos terem
dado todo o prognóstico da doença e qual seria o procedimento dali
prá frente, eu tinha fé dentro do coração que a minha filha tinha sido
curada. Quando voltou, foi como o mundo tivesse desabado. Você
acha que Deus castigou, te esqueceu porque sarou e depois voltou. Aí
você já sabe que vai passar por tudo aquilo outra vez. Então dói
muito, dói pelo sofrimento que vai ser prá ela (Ana, 38a).
Não gosto de sair de perto dele, porque quando eu saio, sinto que ele
fica longe de mim (Maria, 38a).
Com isso, a mãe traz a culpa por não ter atendido o desejo
do filho:
Ele não queria voltar da última vez que foi embora (no seu aniversário).
Ele queria morrer em casa, não no hospital (Maria, 38a).
Eu só dou remédio quando ele não agüenta mais. Eu prefiro ver ele
acordado (Maria, 38a).
Porque aqui converso com os médicos, e eles falam que não têm mais
jeito, e o que podem fazer é só amenizar a dor (Maria, 35a).
Antes o Dr. A. não era assim. Estava sempre por perto. Ele sabia e
entendia o que se passava com ele. Agora vem um plantonista R3; é
sempre um diferente (...) Tem sempre que explicar tudo de novo,
porque eles perguntam como começou a doença (Maria, 35a).
Aqui ele poderia ser cuidado, mas não sei se eles não vêem mais nada
que poderia ser feito com meu filho (Maria, 35a).
164 PSICO-ONCOLOGIA PEDIÁTRICA
Em casa a gente não conversa muito, porque o pai dele sofre, mas
demonstra muito menos. O pai dele é assim, teve um dia que ele veio
com o filho para uma consulta. O pai dele é diferente. Ele prefere
sofrer à distância (Renata, 19a).
Há mãe que decide voltar com o filho para o hospital para pou-
par o sofrimento da outra filha:
A irmã se preocupa comigo. A gente se parece. Quando o J. estava
lá em U, ele passou mal. Eu havia ido na padaria e a irmã ficou
com ele. Quando eu voltei, ela estava branca e não sabia o que
fazer (Maria, 35a).
Contei para minha filha que sua irmã tinha sarado do tumor. A irmã
disse: se papai do céu tirou o tumor, não devia ter dado outro. Explicar
isso na cabeça dela foi difícil. Aí tive uma conversa séria, uma coisa
até pesada para uma criança, e era o que eu não tinha feito ainda
(Ana, 38a).
Às vezes sonho que vou morrer, que estou me jogando na cova junto
com ele, acordo assustada e vou lá ver se ele está lá e encontro ele
dormindo (Izabela, 30a).
Que todas as pessoas que estão passando por isso tenham bastante
fé, lutem bastante e nunca percam as esperanças (Flávia, 33a).
166 PSICO-ONCOLOGIA PEDIÁTRICA
Sei que não tem cura. O mais importante que eu quero é que ela
tenha qualidade de vida e seja uma criança que brinque, jogue como
uma criança feliz (Ana, 38a).
Eu vejo que não é bem assim. Se ele está passando por isto, é porque ele
tinha que passar. Infelizmente é assim, é o carma dele, a trajetória que
ele teria que passar, a nossa trajetória, porque o que ele passa, a gente
passa junto. Às vezes eu agradeço pelo que ele está passando. Eu vi, eu
sei que tem gente passando por coisa muito pior. Eu não posso mudar,
para ele não passar por isto. Obrigado por ele está passando por isto, e
por ele está fazendo eu passar tudo isso (Renata, 19a).
Quando eu venho prá cá, eu me sinto mais leve, as pessoas têm mais
amor comigo, as enfermeiras, os médicos, todos aqui têm um carinho
com ele (Izabela, 30a).
6. Considerações Finais
7. Referências bibliográficas
... todo mundo fica acordando à noite, não deixa dormir, eles fica
apagando e acendendo a luz...
Ah, não, não faz isto não...você vai picar de novo? (dirige-se à auxiliar
de enfermagem que entra em seu quarto)
Tia, estou com dor nas barriga, não passa...mãe, eu não gosto desse
leite da sonda, dói a barriga. Tia, não quero leite, minha barriga tá
doendo...
...ficá doente a gente não pode fazer nada, tudo cansa, tem que tomar
injeções...
Tia, eu tomei remédio forte e agora fico passando mal, fico fazendo
xixi toda hora... dá falta de ar, sono, mas não consigo dormir por
causa da falta de ar... aí colocou oxigênio e melhorou um pouco...
...não posso sair desse quarto, não consigo andar sozinha, não tenho
meus brinquedos, quero comer pão e não pode...
A criança fala de várias rotinas que lhe são impostas, como por
exemplo tomar medicação via oral, endovenosa e não poder sair da
enfermaria. Às vezes mostra recusa ao tratamento que está sendo
realizado:
Tira esse leite, dói minha barriga...mas eu não quero
Meus braço e minhas perna tão inchado, não quero mais picada...
Você espera meu pai voltar? ... Então me dá a mão. Eu tenho medo
de dormir sozinha, de ficar sozinha aqui no hospital... Por isso eu
gosto que ele fique. Tenho medo de ficar só, medo de morrer, de deixar
minha família...
Tia, me dá a mão, não me deixa sozinha, eu estou com medo, não sei
o que tá acontecendo comigo, a falta de ar tá piorando...
Deixa eu ver seu papel. Eu vou ler. Isto é uma música e eu não
conheço.
8. Ente é “tudo de que falamos, tudo que entendemos, com que nos comportamos dessa ou daquela
maneira, ente é também o que e como nós mesmo somos” (HEIDEGGER, 1997).
202 PSICO-ONCOLOGIA PEDIÁTRICA
constante, nos quais ela é divulgada como algo real, mas retira-lhe a
possibilidade, quando o que está em jogo é o ser mais próprio e singu-
lar de cada pre-sença.
Assim, HEIDEGGER (1996, p. 41) parte da existência, da deca-
dência e da facticidade para interpretar o fenômeno da morte como
um ser-para-o-fim. Delimitando a morte enquanto um conceito
ontológico existencial nos diz que:
Enquanto fim da pre-sença a morte é a possibilidade mais própria,
irremessível, certa e, como tal, indeterminada e insuperável da pre-
sença. Ela é e está em seu ser para o fim.
10. Existência é “o próprio ser com o qual o “Ser-aí” pode se comportar dessa ou daquela maneira
e com o qual ele sempre se comporta de alguma maneira” (HEIDEGGER, 1997, p. 39).
206 PSICO-ONCOLOGIA PEDIÁTRICA
11. Decadência significa que, em primeira aproximação e na maior parte das vezes, a presença está
junto e no “mundo” das ocupações.
VIVÊNCIAS DE UMA CRIANÇA COM CÂNCER HOSPITALIZADA EM IMINÊNCIA DE MORTE 207
6. Considerações Finais
7. Referências bibliográficas
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207p.
CAPÍTULO 5
A CONTINUIDADE ESCOLAR DE CRIANÇAS
COM CÂNCER: UM DESAFIO À ATUAÇÃO
MULTIPROFISSIONAL
Gisele Machado da Silva Moreira
Elizabeth Ranier Martins do Valle
1. Introdução
2. A vivência escolar
12. O termo reinserção escolar será usado para designar a volta da criança à escola após o diagnóstico
do câncer, independente de seu período de afastamento.
A CONTINUIDADE ESCOLAR DE CRIANÇAS COM CÂNCER 219
Nem sempre é fácil para a criança com câncer e seus pais a ma-
nutenção das atividades diárias e da vida acadêmica, pois a rotina de
seu filho passa a ser permeada por retornos hospitalares, pelos mal-
estares advindos da doença e do tratamento, além da presença no
corpo da criança das “marcas” do câncer e de sua terapêutica, tais
A CONTINUIDADE ESCOLAR DE CRIANÇAS COM CÂNCER 227
estar entre seus colegas e ser rejeitado por eles, vergonha relativa à
modificação da aparência e o embaraço diante da possibilidade de
ter que falar sobre sua doença.
Além da escola e da família, é sobretudo, a criança doente de
câncer quem vai encontrar os maiores obstáculos diante da pos-
sibilidade de freqüentar a escola durante seu longo tratamento.
Esta se vê numa situação onde tem que lidar com medos, desinfor-
mação, curiosidade e zombarias dentro da escola, com as insegu-
ranças e problemas práticos de seus familiares e com seus próprios
receios e dificuldades físicas (dor, mal-estar, dificuldades sensoriais)
e/ou emocionais suscitadas pela nova situação (ser vista como
uma criança diferente das demais por estar acometido por uma
doença grave que modifica sua aparência física). Assim, esta deve
receber um suporte das equipes escolares e de saúde para que
não se sinta sozinha em mais este difícil caminho de sua traje-
tória de vida.
Para os adolescentes a reinserção escolar representa um desafio
especial devido às questões desenvolvimentais próprias de sua faixa
etária, que inclui maturação sexual e emocional e maior sensibilida-
de com relação à aparência física. Estes podem se beneficiar muito
com a escolaridade e necessitam ser encorajados para tal.
A aceitação dos colegas tem um importantíssimo papel no su-
cesso da reinserção escolar do paciente oncológico. A desinforma-
ção sobre as questões de seu adoecimento podem gerar concepções
míticas e fantasiosas sobre o estado de saúde dele. Com o desapare-
cimento dos conceitos errados os colegas de classe se tornam mais
solidários e interativos para com a criança com câncer (BAYSINGER
et al., 1993).
Uma forma de tornar mais amena a reinserção escolar é a
busca de compreensão acerca da temática que possa nortear ações
de profissionais do hospital e da escola junto a esta criança e de-
mais pessoas envolvidas. Isto tem sido feito em diversas partes do
mundo. Os estudos sobre este tópico ouvem geralmente professo-
res, pais e crianças sobre a adaptação destas ao ambiente acadê-
mico, buscando estratégias de intervenção que facilitem a
reinserção escolar da criança. É sobre estas formas de apoio que
trataremos a seguir.
232 PSICO-ONCOLOGIA PEDIÁTRICA
8. A reinserção escolar — O
atendimento prestado pelo GACC
mática é discutido. É dito que este trabalho faz parte das atividades de
pesquisa da psicóloga e constitui-se por: 1) Rapport com os parti-
cipantes, professores e colegas, para a apresentação da pesquisadora
e introdução do filme informativo. 2) Exibição do vídeo “Não tem
choro” (1973), anteriormente caracterizado. 3) Recapitulação livre
do filme com as crianças, levantando aspectos como a etiologia da
doença, diagnóstico, tratamento, o não oferecimento de riscos de
contágio, possibilidade de cura, dentre outros.
– A direção das escolas vêm acolhendo a visita da equipe de
saúde e o trabalho informativo de forma muito positiva, o que se
caracteriza pela abertura e participação interessada nas atividades
informativas, que demandam apoio total de seus funcionários e
professores.
– Aproximadamente um mês após o término das atividades
informativas é enviado um questionário à escola com o intuito de
saber como está a freqüência da criança doente. As respostas são
prontamente enviadas e apresentam saldo muito positivo no que diz
respeito ao acolhimento da criança com câncer pelos seus colegas.
– Contatos telefônicos posteriores à visita à escola entre as equi-
pes são comuns.
9. Comentários gerais
com exames médicos constantes onde expõem seu corpo, com o ró-
tulo de diferente por serem “doentes”, com sentimentos de culpa por
estarem doente?
A Adolescência, período de transição durante o qual as crianças
assumem novas funções sociais, emocionais e orgânicas e confirmam
sua própria identidade, as enfermas isoladas de seus genitores e com-
panheiros. A tarefa central do desenvolvimento, segundo Erikson, é
o sucesso na aquisição da identidade pessoal em oposição à difusão
da identidade. Há uma luta para determinar a própria personalidade
e independência, enquanto, ao mesmo tempo, precisam confiar e
estar próximas dos pais.
Para Piaget, é a fase intelectual do pensamento operacional for-
mal; este torna-se menos concreto. Inicia-se o pensar acerca de hipó-
teses, idéias abstratas, valores e teorias. Buscam conformação a regras
e regulamentos previsíveis para ordenar suas vidas tumultuosas.
As sensações e respostas orgânicas são novas, surge o desejo
sexual, que constitui um desafio constante e fonte de ansiedade e
auto-crítica. As alterações e readaptações internas, cognitivas e fisio-
lógicas ocorrem ao mesmo tempo em que os adolescentes estão
lidando com pressões externas da escola, trabalho, relacionamentos
com companheiros e namoro. Tornam-se introspectivos, calculistas,
confusos e arbitrários.
Quando o adolescente enfrenta uma doença crônica, ele se de-
para com uma nova crise. É uma fase de preocupação com a aparên-
cia, valorizando o fato de ser fisicamente atraente. Dessa forma, alte-
rações físicas, causadas pela enfermidade podem significar imperfei-
ção, complicando o aparecimento de uma identidade física e sexual
segura e de um conceito positivo de si próprio. Esses conflitos podem
levar o adolescente à fuga da participação social e do desenvolvi-
mento de relacionamentos significativos com companheiros de
ambos os sexos, retardando ou distorcendo o desenvolvimento psi-
cossexual sadio.
Outra situação conflitante está relacionada à contradição em
estar buscando independência e ter que se submeter a uma falta de
autonomia e dependência forçadas pela presença da enfermidade e
do tratamento. A conseqüência pode ser uma rebeldia expressa na
recusa a obedecer ou boicotar as orientações médicas.
260 PSICO-ONCOLOGIA PEDIÁTRICA
3 – Compreendendo o discurso
3.1 – As temáticas
Para as crianças e adolescentes, a vida atual — o ser-no-mundo
curado de câncer — tem sido:
Você passar aquilo, depois vim ao médico, muitas vezes tem que dar
de cara com outros médicos, às vezes situações que aconteceram no
seu tratamento, às vezes você tem que falar pro médico tudo que
aconteceu. (D.C., 18 anos)
eu me senti bem de ter feito aquilo... Mas foi horrível mesmo... (D.C.,
18 anos)
Vários pais têm medo da quimio, mas não é um bicho como todo mundo
pinta. É um remédio forte, tudo bem, mas tem que tentar de tudo...
Era horrível. Sabe às vezes tava pegando a veia minha, as enfermeiras,
eu não queria nem escutar elas falá perto de mim. (F.M.,16 anos)
Quando eu falava quimio eles não ficava perto de mim. Pensa que
era uma doença contagiosa. (T.I., 15 anos)
Eu nem sei, porque o tanto que eu sofri, eu num, num dô nem prum
cachorro, o meu sofrimento. Porque eu sei como foi, como que não
foi. Eu chorava muito... (V.M.,14 anos)
... não sofri nenhum trauma...não tenho nenhum medo de falar nisso...
Eu comentei com a minha mãe, a gente tava saindo do hospital e ela
disso — essa parte é tão triste, e eu falei, eu tenho saudade daqui.
Ela ficou parada e falou — o quê? Eu disse, foi bom ter ficado doente...
foi ruim, mas foi bom. (B.L.L., 17 anos)
... lá tinha milhares de pessoas do meu lado assim. essas pessoa morreu
tudo... E eles tá morto e eu não. ( J.C.F., 14 anos)
Parece que faz tanto tempo, que passou tão, rápido e se você for ver,
for analisar dia por dia, passou tanto coisa... (B. L.L, 17anos)
274 PSICO-ONCOLOGIA PEDIÁTRICA
Quando eu fiquei doente meu pai pensava que era mentira... Depois
com o tempo minha mãe me levou no médico... Aí que ele foi caí na
realidade. Só que aí ele ajudava minha mãe, num dia ele ficava aqui,
outro dia era ela. (F. M.,16 anos)
Minha casa não é muito bom não. Minha irmã fica brigando comigo
à toa. Aí é... A minha mãe na mesma hora tá lá enchendo o saco da
gente por culpa dela... O pai já é legal comigo. Dele eu gosto mais né.
(J.F.,10 anos)
Meu pai tá com problema no ouvido. Nos dois... Hoje ele ia colher
amendoim... Ele nem vei com nóis por causa disso. Veio meu tio...
Minha mãe coitada, ela sofre demais. Tudo é minha mãe. Minha
mãe e mais nada... Por exemplo, minha irmã ficou internada no
hospital... minha irmãnzinha só queira minha mãe...(J.C.F., 14 anos)
Quando vejo uma pessoa que teve o mesmo problema que eu, não
falo nada, tento até ajudar... assim igual eles falavam de mim,
chamando de careca. Eu não faço isso, tento ajudar às pessoas. Às
vezes conto a minha estória. Tenho um conhecido meu... que teve
câncer. Aí, tava muito triste, achava que não tinha cura. Aí eu
conversei com ele, falei que eu tive câncer também. É isso que eu
normalmente falo pra pessoa que eu conheço e que eu sei que teve
câncer. (E.B.M.,14 anos)
Me sinto triste quando se fala dessas pessoas, que elas estão doente.
Eu gostaria de ajudar bastante também. Assim, tá perto delas prá
dar um conselho, que não é assim que vai coisando, falando que vai
morrer. Não é assim... Eu queria participar de uma equipe que
ajudasse as pessoas, dar conselho bastante, que não desanimasse...
Eu queria também participar da doença.... Porque eu já sofri muito,
então muitas pessoas já me deram conselho que não era assim... Eu
também quero ajudar essas pessoas, como me ajudaram. (V.M.,
14 anos)
3.1.5 Um libertar-se
O estar-no mundo curado de câncer é significado por algumas
crianças como um libertar-se. Sentem-se livres de um tratamento sofrido...
A CRIANÇA CURADA DE CÂNCER: MODOS DE EXISTIR 277
... aliviada te ter superado tudo que aconteceu, de tá livre... É ótima né.(vida)
Porque não tem que ficar tomando aquelas doses fortes... Agora livre assim
não tenho mais que passar por isso. Eu espero! (M.H., 16 anos)
Depois, logo que passa dois anos não tem mais chance (da doença
voltar). Mas o meu, ainda tá quase prá completar dois anos... Dá
um pouco de medo. Só de pensar assim, minha cabeça até estora de
278 PSICO-ONCOLOGIA PEDIÁTRICA
“A dele (colega) era leucemia, parece que era aguda, não sei. Aí, eles
foi, passou um tempo e ele morreu. Quando ele correu para a Santa
Casa aí não adiantou mais.( J.F., 10 anos)
Porque se não fosse ele, era prá mim tá morta mesmo... Quase fui
morta... (V. M., 14 anos)
... a gente sempre faz planos prá vida da gente... esse ano eu já vou
começar a dar aula... Vou começar também a dar aula de ginástica
(D.C., 18 anos)
corporeidade, que foi acometida por uma doença. Não há uma com-
pleta determinação, pois o homem não está simplesmente em um
ambiente, mas habita o mundo, que para ele se abre com muitas
possibilidades.
Ao longo de todo esse processo, em um constante aproximar-se
e afastar-se das situações que envolviam o adoecer e o tratamento,
eles defrontaram-se com o paradoxo vida e morte. O falar da morte
surgiu tanto de maneira implícita, ao referirem o temor frente à pos-
sibilidade de a “doença voltar”, quanto explicitamente, falando da
morte de maneira geral, da morte de amigos, e até da sua própria
morte. A vivência tão intensa da possibilidade de morte iminente
durante o adoecer parece ter sido elaborada e integrada à vida das
crianças e adolescentes, favorecendo que eles pudessem falar sobre o
que sentiam em relação a essa possibilidade, mas também expressa-
rem o quanto direcionam a atenção para a vida. Isto se mostra na
preocupação com a saúde e com a aparência, nos planos para o futu-
ro e até no gerar uma nova vida. Existir desse modo implica numa
extensão do temporalizar, na qual, prosseguir em direção ao futuro,
não se limita a uma projeção do passado, mas em correr o risco de
soltar-se na fluidez e imprevisibilidade do futuro (FORGHIERI, 1993).
Essa compreensão sobre a vivência de algumas crianças e ado-
lescentes que se encontram fora de tratamento não pôde ser mantida
em alguns casos. Uma adolescente, por exemplo, referiu que não re-
tomou os estudos interrompidos na ocasião do adoecimento e atri-
buiu uma série de justificativas para esse fato. Porém, no decorrer de
sua fala, foi se desvelando o sentido da mesma, sendo possível com-
preender que ela experiência o tempo de forma restrita, como uma
repetição de momentos iguais. Portanto, ainda vivencia o adoecer,
não podendo se inserir na normalidade relatada por aqueles que es-
tão curados (biológica e psicologicamente) o que impossibilita um
retomar das atividades. Essa vivência constitui-se na exacerbação da
maneira preocupada de existir envolvendo um sentimento global de
preocupação e intranqüilidade, que segundo a autora que segundo
FORGHIERI (1993):
ocorre tanto em situações concretamente presentes na nossa vida,
como naquelas em que nos lembramos de coisas já acontecidas, ou
284 PSICO-ONCOLOGIA PEDIÁTRICA
5 – Algumas considerações
15. A psicoterapia de apoio tem como objetivo a atenuação ou supressão da ansiedade e de outros
sintomas clínicos, como meio de favorecer um retorno à situação de homeostase anterior à
descompensação ou crise. A sua estratégia básica é o estabelecimento de um vínculo terapêutico
encorajador, protetor e orientador; tendo o terapeuta a função de de assumir um papel encorajador
diretivo. A psicoterapia de esclarecimento tem como objetivo desenvolver no paciente uma atitude
de auto-observação e um modo de compreender suas dificuldades diverso do que é fornecido pelo
senso comum, isto é, mais próximo do nível se suas motivações e de seus conflitos. Sua estratégia
básica é o estabelecimento de relação de indagação, centralizada no esclarecimento das conexões
significativas entre a biografia e a transferência de vínculos básicos conflituosos para as relações
atuais e os sintomas (FIORINI, 1991).
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16. Segundo MULHERN (1993), crianças com idade inferior a 18 meses, com diagnóstico de
Leucemia Linfóide Aguda — LLA, apresentam menor probabilidade de cura e maior risco de
toxicidade posterior ao tratamento. As crianças que sofreram radiação cranial tendem a apresentar
baixo QI; performance rebaixada em mensuração de memória visual e auditiva e menor interesse
por habilidades matemáticas.
288 PSICO-ONCOLOGIA PEDIÁTRICA
6. Referências bibliográficas
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