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Especial

Competências
socioemocionais
Como trabalhar essas competências
para favorecer a aprendizagem e o
desenvolvimento integral dos alunos
Índice
1. Por que investir em formação
continuada em competências
socioemocionais?  ................................. 4
2. Acolhimento: como fortalecer os
vínculos e engajar os alunos  ............ 20
3. Adaptação: as competências
socioemocionais como suporte para o
ensino remoto ou misto  ................... 33
4. Equidade: o papel das
socioemocionais na redução das
desigualdades  ..................................... 55
5. Para se aprofundar no tema  ........ 68
Imagem: André Asahida

3
1. Por que investir em
formação continuada
em competências
socioemocionais?
Quando se organiza programas voltados
às socioemocionais, todos têm a ganhar
– professores, alunos e a própria gestão.
Saiba o que levar em consideração
Imagem: Gettyimages

nesse momento, e o passo a passo para


consolidar, na sua escola, iniciativas
envolvendo essas competências
Victor Santos | 09 de junho de 2021 4
De todas as transformações
provocadas pela pandemia da
covid-19, uma das maiores revoluções
aconteceu na área da Educação.
As escolas, baseadas em trocas
presenciais entre os alunos e
os educadores, eram bastante
‘analógicas’ e transferiram suas
atividades para o contexto remoto
e digital. Os professores precisaram
se reinventar e gestores escolares
se organizaram para não perder
alunos que, por sua vez, enfrentaram
dificuldades de acesso às tecnologias,
em muitos casos precisando da
entrega de materiais impressos.
Esses e outros percalços ocorreram
em meio a uma pandemia que, até
junho de 2021, levou mais de 470 mil
brasileiros à morte; muitos deles,
certamente, pessoas próximas de
educadores e estudantes. 5
“A vivência da pandemia e do ensino
remoto ou híbrido são as questões
do momento, e justamente por
serem dificuldades, exigem de nós
diferentes recursos emocionais
para lidar com cada uma delas”,
sintetiza Rosane Voltolini, psicóloga
e especialista em saúde mental
coletiva, que atua na coordenação
e implementação de programas
internacionais por meio da
Associação pela Saúde Emocional
de Crianças (ASEC). Assim, nesse
momento tão complexo, ganharam
ainda mais evidência as tão faladas
competências socioemocionais.

Mas afinal, o que são essas


competências? Quais são os
maiores benefícios e pontos de
atenção no trabalho com elas na 6
escola? E como a gestão pode
implantar programas de formação
em competências socioemocionais?
NOVA ESCOLA conversou com
quatro educadoras que ajudaram a
ampliar a compreensão do conceito
e detalharam como consolidar
programas nessa área.

Competências
socioemocionais:
definição e importância
no ambiente educacional
Atuando há 13 anos no
desenvolvimento de competência
socioemocionais em diferentes
faixas etárias, a psicóloga Rosane
Voltolini as define como sendo “um
conjunto de habilidades para lidar com
nossas emoções durante os desafios
7
cotidianos, e que estão ligadas à nossa
capacidade de conhecer, conviver
e ser”. Segundo ela, em situações
desafiadoras, essas competências nos
ajudam a encontrar soluções mais
assertivas e eficazes”.

A especialista Danila Di Pietro,


formadora de professores em
escolas públicas e particulares,
pesquisadora na área de Psicologia
Moral e suas relações com
competências socioemocionais,
integrante do Grupo de Estudos
e Pesquisas em Educação Moral
(GEPEM) da Unesp/Unicamp,
comenta que, ao longo dos seus
estudos, constatou que “existem
muitos conceitos, definições
e propostas de conjuntos de
competências socioemocionais,
o que mostra que não se tratam 8
de propostas definitivas, e sim,
construídas.” [leia sobre algumas
propostas no box].

Ela explica que “competências


socioemocionais são a manifestação
de conhecimentos, habilidades e
atitudes que envolvem as dimensões
social, emocional e intelectual”, e
enfatiza, baseada em sua experiência
acadêmica e profissional, que
“essas competências devem ser
selecionadas a partir de uma análise
ética, de uma reflexão moral,
para então poderem responder a
demandas do cotidiano”. Segundo a
pesquisadora, as socioemocionais
são importantes mas não suficientes
para dar conta das relações
humanas na escola: enquanto elas
auxiliam no como agir, a moral ajuda
no por que agir, levando o sujeito a 9
escolher atitudes justas, solidárias
ou respeitosas.

“Apesar de serem muitas as definições


e correntes, o fato do trabalho com
socioemocionais nas escolas ter
sido tão alardeado e popularizado
nos últimos anos foi importante
para reforçar que a escola não é
local apenas de desenvolvimento
intelectual, mas também de
desenvolvimento humano, nos planos
individual e coletivo”, ressalta Danila.
Com a pandemia, habilidades sociais
e emocionais vem sendo cada vez
mais requisitadas, deixando claro que
a escola não pode abrir mão delas.
Competências socioemocionais,
ambiente escolar e formação
de professores

10
A presença das socioemocionais
nas escolas públicas realmente
agregou em muitos aspectos, de
acordo com duas gestoras ouvidas
por NOVA ESCOLA. “A gente já
vêm trabalhando com questões
socioemocionais há uns cinco anos”,
comenta Denise Nery, diretora da
Escola Municipal Vitalina Rossi, de
Ensino Fundamental 2, em Poços
de Caldas (MG). “Para nós, sempre
foi um ponto relevante. Sem elas, a
aprendizagem não flui”.

Se já era importante antes, no pós-


pandemia será fundamental. “A
escola terá muitas coisas a abordar:
a questão do luto, porque muitos
perderam pais ou pessoas queridas;
o próprio medo dessa reabertura
que se aproxima; e ainda, o que os
estudantes esperam para o futuro. 11
Todos esses elementos passam pelas
socioemocionais”, descreve Denise.
“É essencial pensar em primeiro
lugar nas formações dos professores.
Se eles não estiverem bem
emocionalmente, como vão acolher os
alunos? Por isso, minha escola partiu
do acolhimento ao professor”.

A gestora procura fazer parcerias


com universidades. Assim, alunas
de psicologia da PUC de Poços de
Caldas fizeram cinco encontros
focados no estresse emocional
dos professores, perpassando
por questões como luto, solidão
e ansiedade. “Era tudo o que
estávamos sentindo durante a
pandemia, então professores se
sentiram amparados”. Nos encontros
semanais de formação com a sua
equipe de educadores, Denise 12
também enfatiza o trabalho com
socioemocionais. “Busco incorporar
nas reuniões temas trazidos pelos
próprios educadores. Foram eles que
sugeriram discutirmos a solidão, e
construímos uma formação baseada
no livro Paisagens da Solidão, do
Yves de La Taille, que nos trouxe
bons momentos de reflexão”.

Reflexões envolvendo professores e


gestão por meio das socioemocionais
também fazem parte das dinâmicas
da coordenadora pedagógica Maria
Helena Ferreira Lima, da rede do
Ceará, estado que possui parceria
em formações em socioemocionais
com o Instituto Ayrton Senna. Em
tempos presenciais, a coordenadora
pedagógica da Escola de Ensino
Médio (EEM) José Cláudio de
Araújo, em Mucambo (CE) relembra 13
que desenvolveu, em cinco dias
alternados, a chamada ‘maratona
de socioemocionais’ com seus
professores, em que cada uma
das cinco macrocompetências
foi explorada por eles em alguns
desafios. Um exemplo: praticar a
autogestão por meio da organização
de um espaço doméstico ou do
próprio armário na escola. “É
necessário gastar algum tempo
para que o professor tenha vivência
e experiências e consiga, depois,
levar isso aos seus alunos”. Segundo
Maria Helena, a gestão precisa estar
afinada com essa capacitação.
“Precisamos demonstrar que temos
fragilidades e estamos preocupadas
com a nossa própria formação
pessoal. Assim estimulamos o
desenvolvimento da equipe”, diz. A
coordenadora cearense organizou 14
uma atividade remota que funcionou
ao mesmo tempo com professores
e alunos, sob o tema “O que nos
move?”. Além de provocar troca
de ideias, sinalizou a todos que é
preciso ir em frente, escolhendo um
rumo, mesmo em situações de crise.

Mesmo tendo organizado essas


formações, as duas gestoras
salientam uma dificuldade relacionada
à própria bagagem acadêmica. “Nós,
pedagogos, não somos formados
para formar, é um desafio”, comenta
a diretora Denise Nery. “Acredito que
trazemos lacunas da nossa formação
inicial, e até uma certa fragilidade
no autoconhecimento, que é ponto
de partida para o trabalho com
socioemocionais”, observa
Maria Helena.
15
Como planejar uma
formação continuada
em competências
socioemocionais?
A seguir, elencamos tópicos
considerados importantes pelas
quatro profissionais entrevistadas
no planejamento de uma formação
– lembrando que não se trata de um
passo a passo estruturado, e sim,
de recomendações para auxiliar na
construção do percurso.

Olhar para o contexto – o


planejamento de uma formação
continuada parte sempre da
necessidade de cada rede e
instituição. “É preciso considerar
o chão da escola, para então
trabalharmos com o que temos
16
dentro da nossa realidade”, enfatiza
a coordenadora Maria Helena;

Acolhimento – a capacitação em
socioemocionais precisa de um
olhar inicial cuidadoso em relação
aos professores. “É interessante
se perguntar: como faço para que
a equipe se sinta confortável para
compartilhar experiências e construir
vínculos entre si?”, destaca Maria
Helena. A psicóloga e especialista
Rosane Voltolini reforça que “é
preciso, nesse momento, oferecer
espaços de escuta aos seus
profissionais”;

Definir a finalidade das


competências e as necessidades
da escola – esse ponto, segundo
a pesquisadora Danila Di Pietro,
17
é crucial. “Questione-se: por que
a escola está promovendo essa
formação entre professores, e
assumindo uma demanda como
essa? O que a gente precisa
aprender sobre isso? Trata-se de
uma escolha política das escolas, e
o cruzamento das respostas desses
questionamentos ajuda a realmente
estabelecer um plano de formação”,
pontua;

Proporcionar a base teórica –


como já destacado anteriormente,
são múltiplas as perspectivas
e metodologias envolvendo
socioemocionais. As quatro
especialistas ressaltam que é
preciso decidir o que será estudado
e buscar referências, seja em
leituras e estudos, ou mesmo
com consultorias e treinamentos 18
externos, quando possível;
Vincular à prática - feita a reflexão
teórica, surge o momento de realizar
o diálogo com a realidade da escola,
que já foi devidamente analisada.
“Uma boa pergunta norteadora é:
quais as decisões coletivas nossa
escola vai tomar com base nesses
estudos?”. A coordenadora Maria
Helena aponta que a socialização de
experiências entre os pares é muito
importante, de forma que ao longo
dessas dinâmicas os professores
se vejam como corresponsáveis do
processo de formação;

Fechamento - uma vez que os


professores já aprenderam e
aprimoraram as suas competências
socioemocionais, é válido estabelecer
combinados, como uma agenda de
encontros, para que esse processo 19
continue em andamento, consolidando
o desenvolvimento contínuo e o
reconhecimento da equipe.

Por fim, é importante ter em mente


que só passando por processos
formativos em que possam debater
e vivenciar o trabalho com essas
competências, os professores
conseguirão oferecer aos alunos o
suporte necessário. “Se professores
e alunos não estiverem bem,
não vai ter como pensar na parte
pedagógica na retomada presencial.
Estamos voltando de um momento
muito difícil, pelo qual ninguém
tinha passado, então não dá para
ser de qualquer maneira. É preciso
escuta e acolhimento, e por isso as
socioemocionais serão protagonistas”,
conclui a diretora Denise.
20
As teorias que embasam
as socioemocionais
Entre as muitas linhas teóricas e
perspectivas que existem, duas
das mais difundidas no Brasil
são a da organização americana
Collaborative for Academic, Social,
and Emotional Learning (Casel),
de Chicago (EUA), e a corrente
denominada Big Five Factors (Cinco
Grandes Fatores de Personalidade).

O Casel trabalha com cinco


competências principais. As duas
primeiras, autoconsciência e
autogestão, se situam no campo do
‘eu’ (tentando responder perguntas
como quem eu sou? O que faz
sentido para mim?); as competências
seguintes, consciência social e
habilidades de relacionamento, já
21
fazem um deslocamento de olhar para
o coletivo; e a quinta competência,
tomada de decisão responsável,
propõe ao sujeito pensar de maneira
crítica (veja a representação gráfica
do Casel aqui). O uso dessas cinco
competências é balizado pela
regulação dos valores morais.

Já o Big Five leva em conta cinco


grandes dimensões, consideradas
características da personalidade dos
indivíduos, as macrocompetências
autogestão, abertura ao novo,
amabilidade, engajamento com os
outros e resiliência emocional. Essas
cinco agrupam 17 competências. Elas
englobam fatores como determinação
e responsabilidade, assertividade,
empatia e respeito, tolerância ao
estresse, e outras características que
você pode ver aqui. 22
Imagem: André Asahida

23
2. Acolhimento: como
fortalecer os vínculos
e engajar os alunos
A escuta ativa e propostas focadas no
desenvolvimento de competências
Imagem: Gettyimages

socioemocionais são estratégias para


estimular crianças e adolescentes
a permanecer na escola
Paula Salas | 16 de junho de 2021 24
A professora Marcela Saramela
recebeu uma ligação com um pedido
de ajuda da mãe de um dos seus
alunos do 3º ano do Fundamental,
da Escola Municipal Jael Da Silva
Barradas, em Boa Vista (RR). Ela e o
marido estavam desempregados e
iriam morar em uma fazenda, mas
não queriam que o filho ficasse
sem atividades por não ter acesso a
internet. A educadora ouviu e disse
que adiantaria seu planejamento
para que na próxima sexta-feira a
mãe pudesse retirar as atividades
impressas. A cada semana, ela
ia para um lugar próximo onde
conseguia internet para enviar as
fotos das atividades para a correção
da professora e baixar as da semana
seguinte. "Eu tenho feito assim
com ela. Isso é acolher. Saber que
você está lá para ouvir, apoiar, 25
ajudar da forma que for possível,
incentivar", resume a educadora.
Essa relação de troca e abertura com
as famílias e os alunos é fundamental
durante a pandemia. "Todo dia eu
pergunto como todos estão, se
não postam as atividades, eu ligo
para perguntar [se está tudo bem,
se aconteceu algo]. Foi um vínculo
de confiança que criei com eles
através do diálogo", conta Marcela.

Não é de hoje que a educadora


preocupa-se com o lado emocional
dos pequenos. "As emoções são
importantes para o aprendizado, para a
vida [dos alunos] e para minha atuação
como professora", conta. No presencial,
ela usava a contação de histórias
e fazia uma observação atenta da
turma para perceber necessidades
de intervenção. "As crianças ganham 26
confiança quando demonstramos
que estamos abertos. Elas mesmo
pedem para conversar comigo [sobre
os problemas que enfrentam ou
algo que estão sentindo]", relata
a professora de Boa Vista.

Essa abertura e contato com os


sentimentos não acontece apenas com
os mais novos. A escuta ativa foi uma
estratégia importante que se tornou
rotina no Colégio Municipal Evência
Brito, em Ribeira do Pombal (BA).
"Trabalhamos não só os conteúdos,
mas cuidamos deles como pessoas",
afirma Kelly Souza de Oliveira,
professora de Língua Portuguesa
para o Fundamental 2 na instituição.
A verificação de como estavam
era contínua. Quem não se sentia
confortável em compartilhar no grupo
27
do WhatsApp da turma, conversava
em particular com a educadora.

Esse trabalho fez parte de uma


iniciativa de toda a rede municipal,
em parceria com a Nossa Escola
Pesquisa Sua Opinião (Nepso), de
fortalecimento dos laços, de escuta
e foco nas emoções durante a
pandemia, no qual foram realizadas
pesquisas, utilizando formulários do
Google que eram divulgados pelos
grupos do WhatsApp, para saber o
acesso às atividades remotas, suas
dificuldades e seu estado emocional.

Participaram 301 alunos da rede,


dos quais 48% tinham entre 13 e 14
anos. Entre os tópicos apresentados,
eles responderam do que mais
sentem falta: 75% disse que é da
explicação dos professores, 63% 28
que é do contato com os amigos;
66% concorda muito que a escola
tem o compromisso com seus
alunos e será capaz de superar os
desafios do período. O vídeo com
os resultados mostra relatos dos
alunos sobre a experiência com o
remoto, como se adaptaram e o
que foi possível aprender durante
a pandemia. A partir dos dados
obtidos, novas estratégias para o
ensino remoto foram pensadas.

Os impactos da
pandemia nos vínculos
Sem o contato presencial e a
rotina escolar, os vínculos foram
enfraquecidos ou, pelo menos,
modificados ao serem mediados
sempre pela tecnologia. Por isso,
entre os diferentes impactos que 29
a pandemia trouxe, um ponto
fundamental é organizar ações para
restabelecer e fortalecer essas
relações. "A escola pode oferecer
apoio para as crianças que enfrentam
dificuldades", afirma Marcela
Almeida, diretora pedagógica do Vila
Educação, instituto especializado
em aprendizagem socioemocional
com atuação na rede pública
e particular com o Programa
Compasso Socioemocional.

Neste trabalho, o acolhimento tem


um papel fundamental. A equipe
gestora e os professores podem
buscar formas de estreitar os laços
com os alunos e famílias para
construir um senso de comunidade
que será fundamental para superar
os desafios impostos pela covid-19.
"Às vezes, os educadores têm 30
medo de aparecer algo que não vão
conseguir lidar. Mas o que precisa
é só alguém para ouvir, acolher e
não julgar. Uma pessoa que ofereça
suporte", explica a especialista.

Além de uma escuta atenta, é


necessário abrir espaços para
compartilhar experiências. Dentro das
turmas, por exemplo, ter momentos
de trocas e fazer o reconhecimento
dos colegas. "É um caminho para se
fortalecer como grupo, estimular a
resiliência e mostrar que, apesar das
dificuldades, temos capacidade de
aprender e superar", explica Marcela.
Segundo ela, isso não é negar os
sentimentos, mas encontrar boas
estratégias para lidar com eles.
"Não basta sentir [a tristeza ou a
frustração], é preciso identificar o
sentimento, falar sobre ele, se acalmar 31
e buscar uma estratégia positiva, por
exemplo, dedicar-se a um determinado
objetivo”, diz a especialista.

As socioemocionais e o
desafio do engajamento
O acolhimento e empatia são
fundamentais não apenas por
estarmos atravessando os desafios
da pandemia. As competências
socioemocionais têm um papel
importante no desenvolvimento
cognitivo das crianças. "Quem
tem dificuldade de aprendizagem,
quando é trabalhado o emocional,
consegue aprender melhor", explica
a professora Marcela. "Passa a se
enxergar de outra forma e consegue
desenvolver confiança em si mesmo",
finaliza. Com isso, o aluno se sente
mais motivado a persistir nos 32
estudos, mesmo estando em casa.
Esse incentivo acontece de diversas
formas, inclusive nas devolutivas
das atividades, porque as crianças
sabem que a professora vai ver e
sentem vontade de fazer bem feito.

Para manter o engajamento e o


esforço e recuperar as aprendizagens
que ficaram para trás, Marcela aponta
a importância de desenvolver a
autorregulação — que também pode
ser chamada de autogerenciamento,
a depender da tradução. O Instituto
Vila Educação, a partir dos
referenciais da organização americana
Collaborative for Academic, Social,
and Emotional Learning (Casel), define
a competência como a "capacidade
para gerenciar emoções, pensamentos
e comportamentos de forma eficaz,
em diferentes situações e para 33
atingir objetivos e aspirações". Isto
é, relaciona-se com a habilidade
de controlar as próprias emoções,
lidar com o estresse, desenvolver
automotivação e tomada de iniciativa
para planejar e organizar as ações para
atingir os objetivos — neste caso, as
aprendizagens a serem recuperadas.

Dar ferramentas para as crianças


falarem e refletirem sobre como
estão se sentindo é o que faz a
professora Marcela, que dá aulas
para o 3º ano. Entre as atividades que
estimulam essa abertura, destaca
a contação de histórias como um
caminho interessante — durante
a pandemia, ela criou um canal no
youtube para disponibilizar leituras
que faria em sala. "A história do
Monstro das Cores [livro de Anna
Llenas] é a que mais gosto para o 34
acolhimento, porque mostra que a
criança tem vários sentimentos e
ela precisa organizá-los de alguma
forma, refletir sobre cada um deles
e criar estratégias para se sentir
melhor", compartilha a educadora.
Para a professora dos Anos Iniciais,
o controle das emoções é um dos
maiores desafios para os alunos,
por isso vê que deve ser um dos
enfoques das atividades propostas.

Quando a volta à escola for possível,


o acolhimento ganhará um papel
ainda maior. "Acolher não é só dar
um abraço. É mostrar a escola como
um lugar importante, para que a
criança ou adolescente sinta vontade
de ir", explica Marcela, do Instituto
Vila Educação. No processo de
acolhimento, a especialista destaca
a competência consciência social, 35
muito relacionada com a empatia
e preocupação com o sentimento
do outro. Uma sugestão é abrir
espaços para fazer uma escuta ativa,
rodas de conversa em que possam
ser compartilhadas experiências,
pensamentos e emoções vividas
na pandemia. "É importante dar
conforto para que o aluno tenha
desejo de perseverar para prosperar",
diz Marcela. “Não sabemos como
vai ser a nova forma de educar, mas
esse retorno vai ser marcante por
conta de todas as dificuldades da
pandemia. Teremos que lidar com
as situações que aparecerem, ajudar
com o que puder, seja na escola
ou em casa”, complementa Kelly.

36
6 dicas para acolher
alunos e família

Estar presente no momento: pode


parecer clichê, mas estar focado
e fazer uma escuta atenta é
fundamental. Dessa forma, o aluno
ou o familiar se sentirá mais seguro e
fortalecerá os laços.

Não fazer julgamentos: o espaço


da escola deve ser um lugar seguro.
Para que as pessoas se abram e
compartilhem suas questões, precisam
sentir que não estão sendo julgadas.
Para isso, é necessário estar de
coração aberto nesta escuta, sem fazer
julgamentos ou acusações, mas sempre
procurando entender os contextos e as
perspectivas de cada um.
37
Realizar um check-in emocional:
sempre perguntar aos alunos no
começo do dia como eles estão,
como estão se sentindo. Esse
trabalho pode ser feito, inclusive,
durante o ensino remoto, nos grupos
de WhatsApp ou nos encontros
síncronos. Utilize esse momento
para lembrá-los dos seus sonhos e
objetivos como forma de motivação
para superar os desafios.

Cuidar de si mesma: "É um desafio


acolher se o professor também está
fragilizado", afirma Marcela. Por
isso, há um trabalho fundamental
da equipe: investigar as próprias
emoções e adotar estratégias para
cuidar de si. Contar com uma rede de
apoio e pessoas em quem confie para
falar dos desafios faz toda diferença.
38
Trabalhar em conjunto: a preocupação
pelo acolhimento deve ser de toda
a escola. Os professores não podem
fazer isso sozinhos, devem ter o apoio
da equipe gestora — inclusive com
encontros formativos sobre o assunto
para prepará-los a como desenvolver
as competências socioemocionais com
a turma.

39
Conheça 4 materiais
sobre acolhimento
Confira sugestões de atividades, roteiros,
documentos e cursos sobre como fazer
esse trabalho na escola

1. Protocolo acolhimento:
ações híbridas e contínuas
Produzido pelo Instituto Unibanco,
o documento é direcionado para
os gestores escolares. Nele,
você encontrará informações e
roteiros para acolher a equipe
e a comunidade escolar.

2. De volta à escola: estratégias para


a acolhida pós-isolamento social
O Instituto Ayrton Senna criou um
plano de acolhida na volta às aulas.
As atividades propostas focam no
desenvolvimento de competências 40
socioemocionais tais como Foco,
Respeito, Empatia, Tolerância ao
Estresse e Imaginação Criativa.

3. Biblioteca de atividades
para aulas à distância
O Programa Compasso
Socioemocional, desenvolvido
pelo Instituto Vila Educação,
disponibilizou um banco de
20 atividades com foco no
desenvolvimento socioemocional
para crianças da Educação Infantil
e Anos Iniciais do Fundamental que
podem ser realizadas a distância.
Para baixar, basta cadastrar-se
gratuitamente e colocar em prática.

4. Guia orientador do docente


para acolhimento emocional
em tempos de pandemia
Diversas redes e institutos 41
criaram orientações para fazer o
acolhimento na escola. Uma delas
é o Instituto Federal do Pará, que
preparou um guia com orientações
sobre saúde mental e Educação
socioemocional com foco no
acolhimento durante a pandemia.

42
Imagem:André Asahida

43
3. Adaptação:
as competências
socioemocionais como
suporte para o ensino
remoto ou misto
Focadas no protagonismo do aluno, novas
Imagem: Gettyimages

formas de ensinar e aprender mobilizam


diversas competências e desafiam
professores, crianças e adolescentes
Victor Santos | 23 de junho de 2021 44
O professor de Educação Física
Romulo Macedo Monteiro já realizava,
em tempos de ensino presencial, um
trabalho envolvendo competências
socioemocionais – assim como faziam
os seus colegas da Escola de Ensino
Médio em Tempo Integral Professora
Maria Afonsina Diniz Macêdo, em
Várzea Alegre (CE). “Quando os
alunos tinham contato o dia todo, a
competência ‘engajamento com os
outros’ era a que eu mais explorava.
Afinal, eram muitas as situações
de relacionamento envolvidas na
convivência diária”, relembra.

Apesar disso, o educador relata


que em meio a todos os desafios
que se impuseram no mundo da
educação desde o início da pandemia,
o trabalho com socioemocionais
continua essencial, funcionando 45
como um dos principais pontos de
apoio na adaptação pela qual a sua
escola – assim como as instituições
de todo o país – está passando.
Trata-se de um momento em
que emergem inúmeras situações
novas envolvendo os processos de
ensino, ao mesmo tempo em que
os professores precisam acolher
e envolver os estudantes.

“As socioemocionais têm contribuído


para a permanência dos alunos nas
escolas e para o bem-estar deles”,
comenta o professor, citando
exemplos do dia a dia. “Além da
mobilização que fizemos em 2021
para recepcionar de forma remota
alunos que nunca tínhamos visto,
eu particularmente destacaria a
competência da ‘autogestão’. Desde
o início da pandemia, os estudantes 46
precisaram descobrir como organizar
as suas rotinas – como a hora de
dormir e acordar – e aprender a
separar momentos para acompanhar
as aulas, em horários estabelecidos
de acordo com as possibilidades
deles, não se esquecendo de
reservar um tempo para o lazer”.

Consolidando a
autonomia dos alunos
Atuar para que os seus estudantes
desenvolvam mais autonomia não
é uma exclusividade de docentes
que dão aulas para adolescentes. A
professora de Educação Infantil Sílvia
Anália Jericó conta que na sua turma
de 4 anos na Escola Municipal Bento
Freire de Souza, em Chorrochó (BA),
“foi visível o benefício de trabalhar as
competências socioemocionais ao longo 47
da pandemia, porque estamos todos
em processo de adaptação a uma nova
rotina: professores, pais e crianças”.

As competências estão inseridas


na rotina, pois sua escola utiliza
a Cloe, uma plataforma digital de
aprendizagem (que propõe projetos
com metodologias ativas, alinhados
às competências da BNCC). A
pandemia acelerou o uso dessa e de
outras tecnologias como WhatsApp,
Google Meet e Google Classroom,
exigindo formações e uma verdadeira
reinvenção profissional. “Cada vez
mais descobrimos a importância da
tecnologia no avanço da aprendizagem,
e investimos em metodologias
ativas que colocam os alunos no
centro”, comenta a professora.
“Essas atividades desenvolvem várias
características, com destaque para 48
a criatividade e a autonomia. Tudo
isso, claro, com o acompanhamento
do professor, para que se dê de
forma efetiva e significativa.”

Autonomia também foi destacada


pela professora Aline Pereira
Graciosa, que atua no Ensino
Fundamental 1 e atualmente é
supervisora pedagógica na Escola
Municipal Dom Othon Motta, em
Campanha (MG). Há três anos a
rede de ensino municipal adotou
a solução do Programa Semente;
o início das atividades aconteceu
quando ela lecionava em uma escola
rural. “Primeiro tivemos formações
nessas competências, trabalhando
em nós mesmos questões como
autocontrole e resiliência”, recorda,
“em seguida, foi a vez das crianças, e
o conceito de aluno protagonista foi 49
essencial: elas elaboraram uma carta
compromisso, em que reconheciam
seus sentimentos e emoções, e os
pontos que gostariam de desenvolver,
como ter boas amizades e ser
respeitadas”. Aline aponta que os
resultados foram interessantes não
só com a turma, mas repercutiram
entre as próprias famílias. “No
ensino remoto, tudo ficou mais
complexo, porque as interações
nas atividades são fundamentais, e
temos poucos momentos síncronos”,
lamenta a supervisora escolar.

Ainda assim, as duas educadoras


reforçam a percepção de que
recursos digitais serão uma constante
mesmo com a retomada presencial.
“Nunca mais vamos estar à frente
dos alunos apenas com a lousa e
com a voz”, comenta a professora 50
Sílvia, algo que a supervisora Aline
também enfatiza, indicando que
“uma mudança estrutural na sala de
aula vai ter que acontecer, porque
os próprios alunos vão pedir isso”.

Novas formas de
ensinar e aprender
Os relatos dos três professores
mostram como algumas questões
já se inseriam na Educação mesmo
antes da covid-19. “Quando a BNCC
trouxe as competências gerais,
ela justamente passou a colocar
em foco a formação do indivíduo,
vendo-o como um agente da
cidadania, alguém que por meio
de valores, atitudes e reflexões,
vai ajudar a construir a sociedade”,
explica Inês Kisil Miskalo, gerente-
executiva de Educação do Instituto 51
Ayrton Senna, “o que aconteceu
foi que a pandemia deu uma
chacoalhada nos processos e nas
pessoas. A escola passou a ir até
o aluno, descentralizou o processo
educacional e expôs aos professores
uma diversidade de contextos”.

O cenário intensificou o olhar para


sentimentos, emoções e vida em
sociedade por parte de professores
e estudantes. “As competências
socioemocionais se tornaram
fundamentais na área da Educação,
especialmente empatia e resistência
à frustração, que não eram tão
visíveis anteriormente”, diz Inês.
A ênfase nesses dois elementos
se dá, em primeiro lugar, porque
crianças, adolescentes e educadores
sofreram perdas nesse período,
e é preciso saber se colocar no 52
lugar do outro no momento do
acolhimento. Além disso, os diversos
contextos de ensino apresentados
se tornaram um desafio e tanto para
os professores. Eles se depararam
com novas ferramentas de trabalho
(e a dificuldade para usar recursos
tecnológicos pode gerar frustração)
e com novas formas de ensinar
e aprender, que precisaram
dominar e colocar em prática.

“Não temos mais os tradicionais 50


minutos de aula; agora, é preciso
garantir a chegada de atividades,
informação e conhecimento em
modalidades diversas, porque cada
um terá acesso aos conteúdos
escolares de uma forma diferente –
por isso é válido rever metodologias”,
destaca Inês, que complementa:
“isso obriga pensar no conhecimento 53
de forma individualizada e
personalizada. Para o professor, é
um momento desafiador, porque ele
é apenas um, e precisa se dividir
em diferentes possibilidades”.

Adaptação na prática: a
aprendizagem no centro
De acordo com Letícia Lyle, mestre
em currículo e competências
socioemocionais pela Columbia
University e co-fundadora da
Cloe, essas novas metodologias
de trabalho fazem os estudantes
olharem ao seu redor, interagirem e
se questionarem. Entramos, então,
no território das metodologias
ativas. “O mais importante de tudo,
pensando em metodologia ativa, é
que a aprendizagem precisa estar
no centro de todos os processos”, 54
sintetiza a especialista. “Então,
o trabalho envolve fatores como
analisar a prática didática e a
própria sala de aula em tempos
presenciais, desenvolver um olhar
para o conteúdo de forma que,
a partir dele, possam ser feitas
perguntas; permitir um espaço
de expressão dos indivíduos, e ao
mesmo tempo promover interações
entre os estudantes; e por fim,
pensar em avaliação ou reflexões que
acompanhem esses processos todos”.

A lista é longa, mas não é preciso se


desesperar para trazer todos esses
fatores logo de cara para sua prática
docente: Letícia destaca que, depois
de colocar a aprendizagem no centro,
é importante levar em consideração
as especificidades e o que é possível
fazer dentro de cada contexto. “A 55
chave é pensar em estratégias para
que o estudante permaneça ativo
e que a aprendizagem esteja no
centro, ao longo de todo o processo”,
comenta a profissional, “a partir
disso, podemos então pensar em
aprendizagem baseada em projetos,
sala de aula invertida, ou, no
presencial, reorganizar a sala de aula
por estações de trabalho ou grupos.”

Pensando especificamente em
ensino remoto ou híbrido, Letícia
enfatiza o apoio das socioemocionais
no processo de readequação das
práticas educacionais. “A gente tem
que pensar que a interação mudou
‘de cara’, e como as socioemocionais
lidam de forma efetiva com a nossa
relação com nós mesmos e com o
outro, acabam sendo importantes
para ajudar a nos adaptarmos a 56
essa nova realidade. Tínhamos
uma autonomia que funcionava no
presencial, e agora estamos tentando
construir essa autonomia novamente”.

Ainda sobre esse processo de


adaptação, Inês, do Instituto Ayrton
Senna, reforça que o trabalho
envolvendo novas metodologias e
formatos, em meio a uma pandemia
que praticamente fundiu os anos
letivos de 2020 e 2021, exige que
professores e gestores escolares
fujam da visão de planos anuais,
anteriormente comuns nas escolas.
“Precisamos sair um pouco do
tempo escolar, e ampliar o tempo da
aprendizagem”, indica a educadora,
“podemos, por exemplo, pensar
em planejamentos mais curtos, até
para ver o que está dando certo, e
rever o que não está funcionando”. 57
Inês analisa que a Educação está
diante de um cenário que envolve
adaptação, aceleração de questões já
trazidas pela BNCC, e transformações
nas práticas e processos pedagógicos.
Segundo ela, a própria sociedade
brasileira se vê diante de uma
reflexão crucial. “A pandemia, com
toda a tristeza, a tragédia e os riscos
que ainda estamos vivendo, trouxe
por outro lado uma oportunidade
para nos repensarmos enquanto uma
sociedade educadora. A pergunta
que fica é: o quanto você oferece
na escola, e o quanto o aluno está
aberto para se envolver com o que
é oferecido?”, conclui a educadora.

58
A adaptação na
perspectiva dos
estudantes

Se a pandemia, por um lado, fez


com que educadores de todo
o país precisassem acelerar as
dinâmicas de repensar práticas
e processos educacionais, é
essencial que os questionamentos
também sejam realizados na
perspectiva dos alunos. Como obter
o engajamento deles nessas novas
formas de ensinar e aprender?

É preciso construir estratégias de


convencimento e conteúdos que
dialoguem com as suas vivências.
“Engajamento é um encontro do que
eu quero falar com aquilo que o meu
estudante quer aprender”, resume 59
a educadora Letícia Lyle, “então, se
a proposta não estiver conectada
com o mundo real, se o aluno
não se enxergar na pergunta e na
resposta, ele não se sente engajado”.

A também educadora Inês Kisil


Miskalo avalia que a chave,
especialmente no pós-pandemia,
está em construir reflexões que
perpassem tanto pelas competências
socioemocionais, como a tão
citada ‘autogestão’, quanto pela
transdisciplinaridade entre os
conteúdos programáticos.
“É possível trabalhar Língua
Portuguesa com um texto de teatro,
colocando o aluno em uma peça,
mesmo a distância, ou pensar em
um experimento de ciências que
ajude a alfabetização”, exemplifica
a profissional, “já no Ensino 60
Fundamental 2 e Ensino Médio,
uma boa sugestão é explorar as
notícias de jornal para discutir
temas que estamos vivendo. A
pandemia exacerbou a necessidade
de abordarmos situações concretas,
e de forma transversal”.

61
Imagem: André Asahida

62
4. Equidade: o papel
das socioemocionais
na redução das
desigualdades
Escuta atenta, estratégias que geram
autoconhecimento e incentivo ao
projeto de vida dos alunos podem
Imagem: Gettyimages

diminuir as diferenças nos impactos


causados pela pandemia
Paula Salas | 30 de junho de 2021
63
“Ela vem de uma família
desestruturada”, “essa daí não quer
saber de estudar”, “ali onde mora não
tinha como fugir do crime”. Essas e
tantas outras frases são comuns para
justificar a profecia que sentencia
crianças e jovens ao fracasso escolar.
Todos foram afetados pela pandemia,
mas a parcela historicamente mais
vulnerável é a mais impactada. Ela
tem cor, classe social, endereço e
gênero definidos. "São as meninas
pretas e pardas, pobres, que
moram na periferia ou em áreas
rurais, e são filhas de pais menos
escolarizados", explica Simone André,
especialista em Educação integral e
desenvolvimento socioemocional.

Depois de anos de discriminação


e marginalização, é comum que os
estudantes reproduzam a falta de 64
crença que outros lhe atribuem.
Com isso, pouco reconhecem suas
habilidades e têm baixa autoestima.
"Alunos me falavam que achavam
que não tinham talento, mas que
percebem que tem coisas que
sabem fazer bem. O sonho não é
algo distante. Traçar objetivos mais
fáceis de alcançar também pode ser
motivador", afirma Gabriel Guedes,
professor de Língua Inglesa e de
Projeto de Vida para turmas dos
Anos Finais no Colégio Municipal
Álvaro Lins, em Caruaru (PE).

Para o educador, as competências


socioemocionais são fundamentais
para criar um futuro diferente para
esses estudantes. Ele destaca
a importância de desenvolver
protagonismo, autoconhecimento,
empatia e respeito. "Projeto de vida 65
é um ambiente de vulnerabilidade,
de se expor. Eles usam muito
para se abrir", explica Gabriel. Ao
professor, cabe acolher o que estão
sentindo. "Devemos entender como,
dentro de cada disciplina, podemos
ajudá-los para que seus sonhos
individuais se realizem", destaca.

Para pensar no futuro, o aluno


precisa ter uma perspectiva otimista
a respeito de si e de onde pode
chegar. Na pandemia, é essencial que
os educadores ajudem o estudante
a não perder esse olhar. "Eles têm
que acreditar que irão sair deste
presente [no contexto pandêmico].
Para isso, precisam de perseverança
e resiliência", diz Thereza Paes
Barreto, diretora pedagógica do
Instituto Corresponsabilidade pela
Educação (ICE), que desenvolve o 66
programa Escola da Escolha em
parceria com redes estaduais e
municipais para apoiar os jovens na
construção do seu projeto de vida.
O professor Gabriel nota que esse
trabalho se reflete no desempenho
dos alunos em todas as aulas. "Se
engajam mais, porque enxergam um
mundo de possibilidades", afirma.

O primeiro passo para construir


seu projeto de vida é o
autoconhecimento. "Desde cedo
é preciso desenvolver a noção de
si, se gostar e se aceitar. O aluno
começa a entender o que precisa
para realizar seus sonhos, planejar e
definir metas para o futuro. Trabalhar
as socioemocionais é criar esse
ambiente", afirma Thereza. "Apesar
das dificuldades, os professores
são as pessoas de referência para 67
seus alunos, a escola deve ser
um lugar de acolhimento", destaca
a diretora pedagógica do ICE.

No dia a dia da sala de aula


"As socioemocionais são o meio e não
o fim", resume Thereza. O trabalho
dos professores e gestores deve
ser intencional e diário. O professor
Gabriel gosta de estimular o diálogo.
Ele cria estratégias de sensibilização
e traz elementos para propor a
discussão. Nem sempre as propostas
dão certo e está tudo bem, o
importante é analisar e buscar formas
de fazer diferente. Ele lembra de uma
atividade que planejou para que os
alunos refletissem sobre quem eram.
"Eu trouxe um poema de Clarice
Lispector, mas não deu certo. Na aula
seguinte, propus uma dinâmica para 68
eles desenharem, fizemos a vivência
e funcionou", conta o educador.

Com suas turmas de 6º ano, há


um trabalho importante para que
os alunos saibam como ser menos
impulsivos e reativos. "Devem saber
discordar de forma respeitosa, falar
suas opiniões, reconhecer o outro
e perceber que o diálogo ajuda a
resolver os problemas. E construir
atitudes para um convívio social
mais saudável”, explica o educador.

A professora Jocastha Cavalcante


também conduz conversas diárias
com os alunos dos Anos Iniciais
no Centro de Ensino Integral Ivany
Rodrigues Bradley, em Arcoverde
(PE). "Cada um tinha seu momento
de falar sobre as experiências do dia
anterior", explica a educadora. Em 69
uma dinâmica simples, como uma
roda de conversa, eles exercitam
competências importantes, como
respeitar e escutar o outro. Na
pandemia, os encontros foram
transpostos para o Google Meet. "É
uma comunidade sem assistência
educacional e emocional, quando
abrimos esse espaço percebemos o
quanto precisam dele", complementa.
Quem não consegue participar
tem atendimento individual
via WhatsApp - além de poder
retirar atividades impressas.

Assim como a escola da professora


Jocastha, o Colégio Estadual Profª.
Hilda Kamal, em Umuarama (PR),
é parceiro do ICE. No programa
constam aulas de Protagonismo.
"O protagonismo é trabalhado em
todas as disciplinas, mas temos 70
mais tempo para isso. Dentro da aula
abordamos a questão do diálogo,
respeito e empatia", explica Héricles
Fernando Silveira, professor de Língua
Inglesa, Protagonismo e Estudo
Orientado para o 6º e 7º ano. "O
protagonismo mostra [ao aluno] suas
possibilidades. Eles são estimulados
a ter autonomia e responsabilidade",
explica Jocastha, que também
dá aula de Protagonismo.

Tanto Héricles quanto Jocastha


relatam uma mudança na postura
dos alunos. Eles desenvolveram
uma sensibilidade pelos outros.
As crianças criaram uma rede
de apoio durante a pandemia.
Preocupam-se quando um não
consegue participar, avisam quando
sabem que o colega teve um
problema, pedem para esperar pelo 71
outro quando a internet cai… Os
educadores creditam a mudança ao
trabalho com as socioemocionais.
"A gente percebe que querem
cuidar, ajudar. Quando aparecem
situações difíceis levamos para a
roda de conversa para pensar o que
fazer", complementa a professora.

As competências
socioemocionais
não são bala de prata
Apesar de resultados positivos no
desenvolvimento de competências
e dos esforços dos educadores,
existe uma angústia comum por
conta da situação atual. "Não
estamos garantindo o direito de
aprendizagem de todos, pois boa
parte não consegue ter acesso",
72
compartilha Jocastha. Ela nota
que essa desigualdade aparece
no baixo número de crianças
que conseguiram se alfabetizar
durante o ensino remoto.

Hoje, o professor Gabriel conta que


tem entre 50 e 60% de participação
nas atividades online. "Está
melhor que o ano passado, mas a
conectividade ainda é um problema
que não conseguimos resolver",
explica. A falta de acesso aumentou
as lacunas de aprendizagem que
já existiam. "A desigualdade não é
novidade. As secretarias e educadores
se reinventaram, tem muita coisa
boa acontecendo, mas não são todos
[que têm acesso]", afirma Thereza.

Simone aponta que, para superar os


desafios impostos pela pandemia, 73
é fundamental desenvolver
competências socioemocionais
como empatia, abertura para o
novo, resiliência, autogestão e
colaboração. Isso porque será preciso
muito esforço, transformações na
Educação e parceria para enfrentar
as consequências. "Seja qual for a
escola após a pandemia, vai ter que
ser mais colaborativa, acolhedora,
equitativa. Vamos ter que olhar
para todos, mas especialmente
para quem mais precisa", diz a
especialista em Educação integral.

Simone propõe um olhar para


os fatores de desigualdade que
geraram as defasagens desde antes
da pandemia. "As socioemocionais
são um grande propulsor para
recuperar essas perdas." Ela explica
que é válido identificar quem são 74
os mais prejudicados e quais são
as competências que os ajudam a
aprender melhor. O processo inclui
a reconstrução dos vínculos e o
acolhimento. "É preciso dar espaço
de participação, ter empatia para
o que estão vivendo e acolher as
marcas que trazem da trajetória
escolar", afirma. Uma Educação com
mais equidade não depende só do
professor. "É um projeto de escola.
Muitas vezes as socioemocionais são
deixadas para serem trabalhadas
quando estoura um problema, não se
cuida da prevenção", afirma Héricles.

Em uma tragédia nunca antes vista,


com o aumento das desigualdades
já existentes e um futuro incerto, é
preciso apoiar as crianças e jovens
a permanecerem na escola e a
acreditarem no projeto educacional 75
como algo importante para
suas vidas. "Olhem seus alunos
como seres cheios de sonhos.
Se temos alguma perspectiva
de avanço socioeconômico
nesse país, dependemos deles.
Eles são nossa única chance
de ter melhores profissionais
no futuro", finaliza Thereza.

76
Desigualdade aumentou
durante a pandemia

Ainda é difícil mensurar os


impactos que a pandemia terá na
aprendizagem dos alunos. O que já
podemos imaginar é que a diferença
será gritante entre quem teve acesso
à atividades remotas e quem não.
Os mais afetados serão aqueles
que pertencem a camadas sociais
mais vulneráveis. Ao investigar o
perfil do público atendido pela
redes municipais, identificamos que
83% dos alunos das redes públicas
do Brasil vivem em famílias com
até um salário mínimo, segundo
pesquisa Desafios das Secretarias
Municipais de Educação na oferta
de atividades educacionais não
presenciais, realizada pela União dos
77
Dirigentes Municipais de Educação
(Undime) e Conselho Nacional de
Secretários de Educação (Consed).
Além de vulnerabilidade econômica,
também são um público com
uma conectividade restrita, o que
compromete o acesso ao ensino
remoto. O levantamento mostrou
que a maioria tem acesso à internet
pelo celular, no entanto, 54% dos
alunos da classe C, D e E não têm
acesso à internet de qualidade.

Pesquisa realizada pelo Instituto


Península entre julho e agosto
de 2020 investigou a percepção
dos professores em relação à
aprendizagem dos alunos. Enquanto
17% dos professores que atuam na
rede municipal — e só 13% da rede
estadual — acreditam que os alunos
aprenderam o esperado, na rede 78
particular esse número dobra (36%).

O estudo Pandemia de covid-19:


o que sabemos sobre os efeitos
da interrupção das aulas sobre os
resultados educacionais?, conduzido
pela Fundação Getúlio Vargas Clear
em parceria com a Fundação Lemann,
mantenedor de NOVA ESCOLA,
evidencia que os mais prejudicados
são os alunos dos Anos Iniciais do
Fundamental e os do sexo masculino,
pardos, negros e indígenas, com
mães que não finalizaram o Ensino
Fundamental e moradores das
regiões Norte e Nordeste. Em um
cenário mais pessimista, calcula-
se que há um retrocesso de até
quatro anos na aprendizagem.

79
Para pensar uma escola
mais equitativa
A especialista Simone André dá três
dicas para refletir e construir uma
Educação com menos desigualdade

Reconheça seus preconceitos.


Faça uma revisão constante se,
inconscientemente, questões raciais,
de gênero ou socioeconômica não
estão afetando a forma como você vê
e trata o aluno. "Está considerando
que todos os alunos têm potencial
de aprender ou está pressupondo
que não vão aprender?", questiona.

Escute as crianças e os jovens. A


especialista sugere que o professor
se dispa de julgamentos e realmente
perceba e entenda cada indivíduo.
"É difícil silenciar o preconceito,
80
mas dê espaço para os alunos. Não
induza conclusões, realmente ouça".

Conecte-se com os alunos. Faça


com que eles se sintam confortáveis
em se abrir. "Mesmo que não saiba
o que fazer, demonstre que se
interessa pelo que têm a dizer.
Se colocar nesse papel mais
vulnerável faz toda a diferença."

81
Imagem:André Asahida

82
5. Para se aprofundar
no tema
Reportagens

»» Socioemocionais na volta às
aulas: como pensar atividades
e na acolhida dos alunos

»» Como as habilidades
socioemocionais podem
melhorar a convivência?

»» Como aplicar na prática as


competências socioemocionais

»» Livros sobre competências


socioemocionais

83
»» Competências gerais e
socioemocionais: como fazer
o melhor uso delas?

»» Quando as emoções
entram no currículo

»» Competências
socioemocionais de A a Z

»» Habilidades socioemocionais
e desenvolvimento pleno

84
Edição
Maggi Krause

Texto
Victor Santos
e Paula Salas

Diagramação
Tiago Araujo

Ilustrações
André Asahida

N ov a e s c o l a • 2 0 2 1 85

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