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Treino de Habilidades Sociais

Carmem Beatriz Neufeld e Anelisa Vaz de Carvalho

As habilidades sociais não são características inatas dos seres huma­


nos, mas são aprendidas através de experiências de vida. Ora, se são
aprendidas, então são passíveis de serem ensinadas! Essa é a premis­
sa básica dessa importante estratégia psicoterápica, que se vale de
diversos conceitos oriundos do modelo comportamental. O treino de
habilidades sociais se constitui em uma das mais complexas inter­
venções na clínica, uma vez que a aplicabilidade dos seus funda­
mentos depende diretamente do gênero, da idade, do nível socioeco­
nómico e da subcultura na qual o indivíduo está inserido. Treinar
habilidades sociais exige técnica e conhecimento, mas, acima de tu­
do, sensibilidade para perceber o outro, identificar déficits e ensinar
assertividade.
W.V.M.

Conceituar Habilidades Sociais (HS) consiste em uma complexa


tarefa. Evidencia-se na literatura que não existe uma conceituação úni­
ca habitualmente aceita acerca do construto. Caballo (2006) igual­
mente afirma que muito se tentou definir o que sejam as HS, contudo,
não se pôde chegar, até então, a uma concordância absoluta, conside­
rando que não é possível assumir uma conceituação genérica. A difi­
culdade repousa sobre o fato de que estas devem ser analisadas de for­
ma situacional, ou seja, dentro de um contexto cultural ou de uma si­
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tuação, e até mesmo dentro de uma classe social específica. Ora, pode-
se afirmar que as HS sáo fundamentais para a capacidade do indivíduo
de desenvolver e formar relações duradouras e se integrar a uma comu­
nidade (Beauchamp & Anderson, 2010).
Todavia, Caballo (2006) aponta que o termo habilidades refere-
se à justaposição entre a conduta interpessoal e a capacidade de atua­
ção aprendida. Já o comportamento habilidoso pode ser compreendi­
do como um conjunto de comportamentos que propiciam que o indi­
víduo exprima sentimentos, desejos e opiniões de forma coerente com
cada contexto, levando a um convívio adequado e satisfatório com os
demais. De forma semelhante, Dei Prette e Dei Prette (2008) obser­
vam que as HS consistem em classes de comportamentos sociais de
um indivíduo, que se relacionam à sua competência social, fomentan­
do relacionamentos funcionais com outros indivíduos. Por sua vez, as
HS, para Gresham (1981a), podem ser conceituadas como aqueles
comportamentos que, dentro de determinadas situações, maximizam a
probabilidade de obtenção e manutenção de reforço e/ou diminuem a
probabilidade de punição ou extinção de um comportamento social.
Neste sentido, reconhece-se ainda que existem delimitações con­
ceituais de tópicos circunscritos na temática que envolve as HS que
devem ser observadas. Há que se discernir, por exemplo, os conceitos
como desempenho social e competência social. Segundo Dei Prette e
Dei Prette (2001; 2008) o primeiro detém sentido lato, referindo-se à
emissão de comportamento em quaisquer situações sociais, sendo esse
construto mais descritivo do que avaliativo. Ainda segundo estes auto­
res, a competência/ habilidade social, ao contrário, volta-se a uma
questão avaliativa na qual contemplam-se os efeitos do desempenho
social vivenciado pelo indivíduo, relacionando-se, por exemplo, a um
déficit de comportamento. Assim, sob essa perspectiva, assume-se que
um indivíduo possa ser detentor de distintas habilidades, podendo não
utilizá-las, contudo, em seu desempenho. Gresham (1986) ressalta ain­
da que a competência social compreende três subdomínios: o compor­
tamento adaptativo, as habilidades sociais e a aceitação de pares. Para
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 155

o autor, as HS sáo uma parte importante da competência social, po­


rém a mesma não se restringe a elas.
Dei Prette e Dei Prette (2001) também apontam para possíveis
principais classes e subclasses de HS, generalizáveis a distintas faixas
etárias, tais como: a) habilidades de comunicação (que envolvem, basi­
camente, fazer e responder perguntas, pedir e conceder feedback, fazer
elogios; iniciar, manter e encerrar conversação); b) habilidade de civili­
dade; c) habilidades assertivas, de direito e cidadania (que se referem à
manifestação de opinião própria, fazer, recusar e aceitar pedidos, ex­
pressar sentimentos negativos, desculpar-se, estabelecer relacionamen­
to afetivo, encerrar relacionamento, interagir com autoridade); d) ha­
bilidades sociais empáticas; e) habilidades de trabalho/educativas (que
consistem em resolver problemas, tomar decisões, falar em público,
etc.); f) habilidades de expressão de sentimento positivo (referentes a
iniciar e manter amizade, expressar solidariedade, etc.). Cabe ressaltar,
ainda, que cada habilidade possui alguns componentes fundamentais,
sendo eles: I) dimensão comportamental (tipo de habilidade); II) di­
mensão pessoal (variáveis cognitivas); e III) dimensão situacional (con­
texto ambiental) (Caballo, 2006).
Igualmente, verifica-se que não há uma concordância a respeito de
como e quando as HS são aprendidas. Segundo Dei Prette e Dei Prette
(2008), as HS podem ser aprendidas ao longo de todo o ciclo de vida, e,
diante disso, eventuais déficits e dificuldades podem ser superados em
qualquer tempo. Em contraponto, Beauchamp e Anderson (2010) afir­
mam que as HS emergem gradualmente ao longo da infância e adolescên­
cia e refletem uma ação combinada entre o indivíduo e seu ambiente. Em
uma perspectiva semelhante, Caballo (2006) afirma que a infância pode
ser apontada como um período decisivo para a aprendizagem de HS e,
ante condições ambientais limitadas ou inadequadas à aprendizagem de
comportamentos socialmente competentes, existe a possibilidade de défi­
cits nas HS. Por sua vez, segundo Gresham (1981a), déficits de HS po­
dem ser conceituados em três dimensões distintas: Déficit de competên­
cias, Déficit de desempenho e Déficits de autocontrole.
156 Treino de Habilidades Sociais

Sob essa ótica, Beauchamp e Anderson (2010) propõem um mo­


delo integrativo/multidisciplinar para compreensão dos diferentes feto-
res que influenciam a emergência e expressão das HS em populações clí­
nicas, bem como para fornecer uma estrutura teórica para a compreen­
são das origens da disfunção social. Os autores citam um modelo biopsi-
cossocial de desenvolvimento, que incorpora as bases biológicas e habili­
dades sociocognitivas que fundamentam as funções sociais (atenção, co­
municação, habilidades socioemocionais, etc.), bem como o ambiente e
fatores internos que fazem a mediação dessas habilidades.
Todavia, embora não haja um consenso a respeito de como e
quando são aprendidas as HS, verifica-se pela literatura uma concordân­
cia quase absoluta em relação à sua importância e ao seu valor decisivo
na qualidade de vida e na saúde mental. Além disso, uma densa literatu­
ra suporta a premissa de que as HS podem ser treinadas ao longo de
todo o ciclo de vida, sendo que se encontra uma grande quantidade de
técnicas estruturadas para o Treinamento de Habilidades Sociais.

Treinamento de Habilidades Sociais

O Treino de Habilidades Sociais (THS) tem como objetivo apri­


morar ou propiciar a aquisição de HS, sendo possível encontrar na lite­
ratura científica grande gama de técnicas (com destacada ênfase cogniti­
va, comportamental ou cognitivo-comportamental) e programas volta­
dos à diferentes faixas etárias e transtornos. Ressalva-se que dificuldades
em HS podem contribuir para o estresse, isolamento social, redução da
autoestima, e impactar fortemente na qualidade de vida dos indivíduos
nas diferentes faixas etárias (Beauchamp & Anderson, 2010).
Segundo Caballo e Irurtia (2004), no que se refere ao aprimora­
mento das HS, a modificação de comportamentos observáveis pelo
THS consiste em uma metodologia de maior eficácia para a modifica­
ção de pensamentos e para favorecimento de uma conduta socialmente
competente. Os autores ressaltam ainda que no THS deve-se primar
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 157

pela reestruturação cognitiva, sendo que, primeiramente, deverá ser


feita a identificação de cogniçóes inadequadas e, em seguida, a busca e
avaliação de maneiras alternativas de significá-las e praticá-las (para
mais informações, ver Capítulo 1).
Um programa de THS deve levar em consideração elementos
como a forma de aprendizado dos indivíduos, influências do contexto
sociocultural e a existência de fatores e peculiaridades orgânicas e am­
bientais. Sobretudo, tal programa deve ser fundamentado em um pla­
nejamento detalhado da organização do processo à avaliação do treina­
mento (Dei Prette, Dei Prette, & Barreto, 2006). Destaca-se ainda
que, muito embora os programas de THS tenham surgido para aten­
der demandas individuais, cada vez mais propõem-se intervenções
com formatos em grupo (Caballo, 2006).
O THS apresenta-se como um modelo alternativo ao modelo
médico convencional, tendo em vista que, em geral, as psicopatologias
podem ser provenientes da incapacidade do indivíduo em resolver
conflitos e atingir objetivos (Caballo, 2006). Observa-se, inclusive,
que o THS tem substituído até mesmo alguns modelos psicológicos
clássicos, sendo que, dentre os métodos comumente encontrados na
Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), este se refere a uma das
metodologias de maior eficácia para o desenvolvimento e aprimora­
mento de repertório social (Angélico, Crippa, Sé Loureiro, 2006).
Ademais, o THS vem sendo empregado para complementar o trata­
mento de diversos transtornos e sintomas, tais como: ansiedade social,
depressão, uso de substâncias psicoativas, alguns transtornos da perso­
nalidade, dentre outros (Chambom, Cardine, & Dazord, 1996; Bolso-
ni-Silva et al., 2008; Crowe, Beauchamp, & Anderson, 2011; Gra-
nholm et al., 2008; Holden et al., 1990; Mueser, 1997; Mululo et al.,
2009; Sukhodolsky et al., 2005).
Tomando por exemplo os Transtornos de Ansiedade Social
(TAS) e de Ansiedade Generalizada (TAG), um estudo de Kraaimaat e
Dam-Baggen (2000) evidenciou que o THS pode apresentar maior
eficácia que o tratamento pela Terapia Cognitivo-Comportamental em
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Grupo (TCCG) na redução de sintomas de TAS e TAG. Quando


comparado à TCCG, destaca-se que pacientes submetidos ao THS
tendem a apresentar uma redução mais significativa nos escores de an­
siedade social e um acréscimo significativo de HS.
Partindo do pressuposto de que indivíduos com TAS possuem
HS adequadas e que, no entanto, se inibem em aplicá-las em situações
sociais, Kraaimaat e Dam-Baggen (2000) sugerem que o tratamento
de pacientes com TAS deve compreender técnicas para treinamento de
HS Básicas e HS Específicas, tais como modelaçáo, ensaio comporta-
mental, aproximação sucessiva e tarefas de casa. Mais específicamente,
as principais técnicas para a aquisição de HS Básicas consistem em ob­
servação, ouvir, dar e receber feedback e componentes não verbais
(contato visual, volume da voz e entonação). Adicionalmente, as técni­
cas para aquisição e treinamento de HS Específicas devem incluir: fa­
zer e recusar pedidos, fazer e receber elogios, expressar sentimentos po­
sitivos, iniciar e manter conversações, fazer e receber críticas, expressar
opiniões e lutar pelos seus direitos.
Encontra-se ainda na literatura a afirmativa que o objetivo do
THS quando voltado ao TAS consiste em psicoeducar o paciente a
manejar sintomas fisiológicos durante a exposição social, a ampliar o
repertório social, a propiciar a dessensibilização e, desse modo, solu­
cionar os conflitos mais comuns ao transtorno (Mululo et al., 2009;
Caballo, 2006). Pode-se concluir então que uma densa literatura exibe
uma confluência de dados quanto ao uso das seguintes técnicas em
programas de THS para TAS: ensaio comportamental, modelagem,
modelação, tarefas de casa, feedback, reforçamento, biblioterapia, apro­
ximação sucessiva, análise funcional, instruções, automonitoramento,
resolução de problemas, entre outros (Angélico, Crippa, & Loureiro,
2006; Mululo et al., 2009).
Desde a década de 1990, já se abordava uma metodologia mais
extensa para o tratamento do TAS, no qual o THS era visto como um
componente fundamental. Esse programa incluía os seguintes tópicos:
I) Educativo (consiste na psicoeducação sobre o transtorno e sinto-
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 159

mas); II) THS (visa psicoeducar ou aprimorar a prática da interação


social, sendo esta última: dar-se conta do ambiente social, melhora das
HS e das habilidades para falar em público); III) Exposição (que pode­
rá consistir em inundação, sendo esta ao vivo, de forma graduada ou
pela imaginação); III) Prática Programada (as exposições são dirigidas
pelo terapeuta e finalizadas pelo paciente por si só).
No que tange a depressão, Caballo (2006) ressalta que o THS fun­
damenta-se na hipótese de que o comportamento interpessoal inadequado
está diretamente associado ao comportamento depressivo. As premissas
que se relacionam a hipótese são as seguintes: I) o transtorno refere-se a
um programa inadequado de reforçamento contingente ao comportamen­
to não deprimido do indivíduo; II) para os adultos, a maioria dos reforça-
dores positivos mais importantes referem-se aos de natureza interpessoal;
III) parte dos reforços não sociais também dependerão do comportamen­
to do adulto; IV) aquelas técnicas que auxiliem o acréscimo de comporta­
mentos interpessoais devem aumentar o reforço positivo contingente à
resposta, minimizar o aspecto depressivo e maximizar comportamentos
não depressivos (Becker, Heimberg, & Bellack, 1987).
Mesmo ante uma etiología em que se apresentam determinantes
genéticos, bioquímicos e socioculturais, os estados depressivos também
são determinados pela deterioração das relações sociais, pela diminui­
ção da eficácia de reforçadores positivos e pela imitação e reforçamento
de comportamentos depressivos. Ademais, as crenças distorcidas rela­
cionadas ao transtorno comumente associam-se às dificuldades em
manter conversação, defender os próprios direitos e expressar empatia
(Dei Prette & Dei Prette, 2008). Assim, compete ao THS se basear na
aquisição e aprimoramento destas habilidades.
Já de acordo com Beck et al. (1997), a depressão está associada a
um ciclo vicioso de uma visão negativa de si, dos outros e do mundo,
e do futuro. Nesta perspectiva, a competência social será uma perfor­
mance difícil de ser exibida, uma vez que o indivíduo se vê preso em
suas crenças negativas, e sua inatividade será a estratégia compensató­
ria que manterá este processo. Nesta perspectiva a intervenção deverá
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lançar o foco sobre a ativação comportamental e o envolvimento em


atividades de interação, paralelamente à análise e reestruturação dos
pensamentos disfuncionais a respeito da interação social.
Outro exemplo de utilização do THS no contexto da clínica re-
fere-se a seu emprego ao tratamento da Esquizofrenia. Caballo (2006)
argumenta que apesar desses pacientes poderem se beneficiar do THS
devido às suas poucas HS em geral, o uso do THS nesse campo ainda
encontra-se em uma posição controversa. O estudo de Granholm et al.
(2008) com pacientes portadores de esquizofrenia crônica apontou
evidências de que, quando comparado a tratamentos convencionais, o
THS se mostrou mais efetivo na melhora de aspectos funcionais da
doença. Não obstante, o comprometimento neuropsicológico deve ser
considerado um preditor para aquisição de competências.
Chambom, Cardine e Dazord (1996) conduziram, por sua vez,
um estudo cujos resultados indicaram uma dissociação entre os benefí­
cios diretos do THS e a melhora em pacientes esquizofrênicos. Nesse
sentido, os autores concluíram que o tratamento dado somente pelo
THS não é particularmente efetivo em promover mudanças amplas
junto a pacientes não funcionais com esquizofrenia. Entretanto, o
THS pode ser eficaz quando integrado a um serviço de saúde mental
que inclua controle adequado de medicamentos, acompanhamento in­
dividual de casos, entre outros.
Muito embora o tratamento farmacológico seja propício à redu­
ção de sintomas gerais, sabe-se que este por si só não é efetivo para a
intervenção na interação social, pois pouco fomenta a competência so­
cial do paciente e sua vida em sociedade. A esse fato ainda se coadu­
nam os casos que envolvem longas internações, nos quais as relações se
deterioram pelo distanciamento familiar e social, cercados pelos efeitos
da hospitalização (Dei Prette e Dei Prette, 2008).
Em síntese, o THS direcionado ao paciente com esquizofrenia
deve propiciar a aprendizagem de HS cotidianas e de relacionamento
interpessoal. Segundo Caballo (2006), esse tipo de treinamento deve
ser, portanto, centrado em elementos típicos de modelação, ensaio
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 161

comportamental, retroalimentação, representação de papéis adicionais,


entre outros. Em outros termos, Caballo (2006) propõe como objetivos
do THS com pacientes esquizofrênicos: I) Assertividade; II) Habilidades
de conversação; III) Controle da medicação; III) Procura de atividade
laborai; IV) Habilidades recreativas e de lazer; V) Habilidades para rela­
ções; VI) Comunicação com a família; VII) Solução de conflitos.
Outro emprego comum do THS refere-se à intervenção com in­
divíduos com Transtornos de Abuso de Substâncias. Segundo Dei
Prette e Dei Prette (2008), estabelece-se uma relação direta entre o al­
coolismo, depressão e ansiedade social, sendo que o álcool torna-se
uma resposta imediata à ansiedade social, quando o indivíduo não
possui alternativas socialmente competentes. De forma semelhante,
Caballo (2006) assinala que estudos têm mostrado evidências de que
os alcoolistas têm dificuldades em estabelecer relações sociais espera­
das, e que em geral suas respostas sociais são aprendidas de forma ina­
dequada, e logo esquecidas. O autor ressalta ainda que, no caso dos
pré-alcoolistas, existe um duplo processo envolvido, que se refere à evi-
tação de aquisição de respostas sociais mais apropriadas e a manuten­
ção de repertório social inadequado.
Caballo (2006) afirma que os dados sugerem que é possível ge­
neralizar aos transtornos de abuso de substâncias (não somente abuso
de álcool) a premissa de que se estabelece uma correlação entre a ansie­
dade social, déficits de HS e o abuso de substâncias psicoativas. Nessa
direção, o abuso de substâncias atua como meio de enfrentamento e
busca de adaptação social. Contudo, o autor postula que indivíduos
com vícios mais graves podem ter déficits de HS Básicas, no entanto,
por outro lado, encontram-se indivíduos com problemas mais mode­
rados relacionados a substâncias que exibem comportamentos muito
hábeis socialmente em algumas situações. Por essa óptica, segundo o
autor, o THS, para casos mais graves, não deve se focar somente em
psicoeducar o paciente a recusar a pressão social para aceite e consumo
de substâncias, mas deve ser mais amplo do que isso, levando o indiví­
duo a estabelecer outras redes sociais com vínculos mais saudáveis,
162 Treino de Habilidades Sociais

treinamento para lidar com pressões no trabalho, melhorar a comuni­


cação familiar, entre outros.
Medidas preventivas também se mostram eficazes contra o abuso
de substâncias. Caballo (2006) propõem ainda o manejo das seguintes
técnicas para aplicação de um programa de THS de prevenção ao abuso
de substância com adolescentes: I) Informação (referindo-se às informa­
ções sobre o uso de substâncias e pressões inerentes ao meios de comuni­
cação para sua utilização); II) Solução de problemas (na qual são explici­
tados os problemas comuns à vida dos membros do grupo e busca de
soluções para os mesmos, avaliando cada uma das consequências), III)
Autoinstruções (por meio de modelação e ensaio de acontecimentos;
utilizando-se os pensamentos e atitudes dos adolescentes, é introduzido
o acrônimo PODAR: Parar, Opções, Decidir, Agir e Recompensar a si
mesmo); III) Enfrentamento (ensinando o adolescente a antecipar e pre­
parar-se para situações estressantes e obstáculos), IV) Comunicação (psi-
coeducaçâo de componentes verbais e não verbais inerentes ao THS); V)
Sistemas de apoio (reconhecendo-se que um sistema de apoio é funda­
mental, levando-se em consideração a relevância da influência de grupos
na iniciação e manutenção do uso de drogas, o tópico prima a melhoria
na negociação e na manutenção de redes sociais positivas).
E possível ainda estender o THS à delinquência e à psicopatía.
Nesses casos o treinamento deverá primar, fundamentalmente, pela
melhoria dos déficits de HS que são comuns a esses indivíduos. Dei
Prette e Dei Prette (2008) ressaltam que as características mais comuns
inerentes a esses transtornos são: impulsividade, agressão, falta de em­
patia e percepção equivocada de fatos sociais. Nesse sentido, o THS
deve-se voltar ao manejo dessas questões.
Em uma perspectiva paralela a esta, é possível também encontrar
a sistemática de treinamentos específicos para manejo da agressividade
na literatura. Um estudo de Nangle et al. (2000) reporta que o THS
tem emergido como um tratamento padrão para crianças e adolescen­
tes agressivos, que surgiu como uma opção em meio a uma crescente
onda de insatisfações com as abordagens mais tradicionais operantes.
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 163

Ainda segundo os autores, embora na literatura exista uma série de


técnicas que podem ser empregadas nessa situação, alguns procedi­
mentos podem ser concebidos como fundamentais para esse treina­
mento, tais como: instruções, modelagem e modelação, ensaio com-
portamental, feedback, combinados com componentes cognitivo-com-
portamentais, incluindo controle da raiva, resolução de problemas, au-
toinstruções, relaxamentos, e autorregulação.
Por sua vez, Sukhodolsky et al. (2005) compararam o emprego de
técnicas distintas para o manejo da raiva. Segundo esses autores, uma
das técnicas, que consistia no treino de resolução de problemas, utilizou
reestruturação cognitiva, reatribuição e geração de soluções, tendo como
alvo déficits sociocognitivos implicados na raiva e na agressão. A outra
estratégia de tratamento empregada consistiu em um THS baseado em
modelagem e modelação, ensaio comportamental, feedback corretivo,
tendo como alvo competências sociais para a resolução de conflitos in­
terpessoais e para a aquisição de habilidades para expressão adequada da
raiva. Verificou-se, no entanto, que ambos os tratamentos foram similar­
mente significativos na redução de comportamentos agressivos, proble­
mas de conduta e na frequência de expressões de raiva.
Entrementes, o THS também vem sendo amplamente utilizado
para tratar de questões inerentes à infância. Pesquisas empíricas recen­
tes relatam a relevância e a prevalência de problemas sociais funcionais
entre crianças de várias idades e a expansão de estudos dedicados a
compreender as implicações a longo prazo das disfunções sociais que
podem afetar o ambiente escolar, doméstico e social em geral. A com­
petência social consiste em um fator crítico ao desenvolvimento infan­
til, sendo que a identificação de comportamentos necessários para que
as crianças convivam bem com seus pares é de fundamental importân­
cia (Crowe, Beauchamp, & Anderson, 2011).
Existem também relatos na literatura do emprego de THS a
Transtornos do Espectro Autista (TEA). Crianças com TEA podem
demonstrar uma série de déficits em HS, destacando-se: dificuldade
em fazer contato visual, reconhecer linguagem corporal, participar em
164 Treino de Habilidades Sociais

brincadeiras cooperativas, iniciar e manter conversações, responder apro­


priadamente a conversações e a expressões não verbais e desenvolver
amizades duradouras. Em geral, as intervenções em THS voltadas a
TEA, incluem o treinamento de pares e ou cuidadores, treinamento por
scripts, associação com estímulos priming (desencadeado res), instruções
diretas, (p. ex., modelação e modelagem, reforçamento, feedback de aler­
ta), NÍòs.ofeedback e sistema de símbolos, sendo que as intervenções me­
diadas por pares consistem em um dos métodos mais elegíveis para apri­
moramento de HS (Banda et al. 2009; Chung et al., 2006).
Outro exemplo de uso do THS insere-se no manejo de proble­
mas conjugais e familiares. Em geral, a maior parte destes problemas
tem origem em déficits de HS e, sobretudo, nas dificuldades de expres­
são de sentimentos positivos. Segundo Dei Prette e Dei Prette (2008),
nesse caso, o THS deve primar pela melhoria nas habilidades de co­
municação, expressão de sentimentos e opiniões, bem como desequilí­
brios nas trocas comportamentais. No que tange à relação entre pais e
filhos, o desenvolvimento de Habilidades Sociais Educativas Parentais
tem se tornado cada vez mais eficaz no manejo de problemas de rela­
cionamentos familiares (Bolsoni-Silva et al., 2008).
Em síntese, verifica-se a empregabilidade do THS em uma série
de dificuldades comumente encontradas na prática clínica, tais como
as supracitadas e, ainda, em outros transtornos, tais como: transtornos
obsessivos, deficiências mentais, agorafobia, desvios sexuais, crianças
socialmente isoladas, transtorno de personalidade por evitação, falta de
habilidade na busca por trabalho, entre outros (Caballo, 2006; Dei
Prette & Dei Prette, 2009). Ressalva-se, no entanto, que o emprego
clínico do THS não deve possuir como objetivo levar à remissão do
diagnóstico nosológico, mas sim aprimorar a qualidade das interações
sociais dos pacientes, melhorando sua autoestima, reaproximando-o
do contato social e diminuindo índices de reinternações e/ou recaídas.
Considerando os aspectos mencionados, o presente capítulo visa
apresentar algumas técnicas que podem auxiliar o clínico na proposi­
ção de um THS. As técnicas a seguir podem ser aplicadas com objeti­
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 165

vos diversos, no entanto, o enfoque dado aqui será no seu uso para
promover a interação e o desempenho social. Cabe ressaltar, no entan­
to, que o presente trabalho não esboça a pretensão de apresentar exaus­
tivamente as técnicas, nem de relacionar todas as técnicas existentes
para o trabalho de treinar as habilidades sociais dos pacientes em clíni­
ca. Assim, serão apresentadas, a seguir, algumas das técnicas mencio­
nadas na literatura e que compõem os programas de THS utilizados
para manejo dos transtornos mais comuns à clínica.

Técnicas de Treinamento de Habilidades Sociais


Modelação
É possível encontrar na literatura diferentes variações do termo
que nomeia a técnica, sendo esta também denominada por “aprendi­
zagem social”, “aprendizagem vicária / vicariante”, “aprendizagem por
observação” e, mesmo, “imitação”. Esta técnica possui como base a Te­
oria Social-Cognitiva de Bandura que tem como fundamento a apren­
dizagem por observação ou vicariante. Por sua vez, ela consiste na
apresentação de um modelo que exiba ao paciente o comportamento-
alvo a ser desempenhado, sendo esta exibição “mediada” pelo terapeu­
ta, que deverá ressaltar e ou questionar as contingências a serem evi­
denciadas (Bandura, Azzi, & Polydoro, 2008).
Bandura observou que, através do emprego da modelação, o
comportamento se torna passível de diferentes modificações. Estes
efeitos, por sua vez, consistem em categorias que se denominam “Efei­
to Modelador / Aprendizagem por Observação” (no qual são aprendi­
das novas respostas pela observação do desempenho do modelo),
“Efeitos Inibitórios ou Desinibitórios” (que se refere ao fato de que
respostas previamente presentes no repertório do indivíduo podem ser
fortalecidas ou inibidas pela observação do comportamento do mode­
lo e suas respectivas consequências) e “Efeitos de Facilitação de Respos­
ta” (categoria na qual o comportamento do modelo, fundamentalmente,
166 Treino de Habilidades Sociais

ocorre como um estímulo discriminativo ao observador, distinguindo-se


da categoria “efeitos inibitórios ou desinibitórios” por se referir a um
comportamento socialmente aceito, até então não passível de eventuais
punições) (Derdyk & Groberman, 2004).Na prática clínica, segundo
Caballo (2006), é possível que o modelo seja “apresentado” ao paciente
por meio de diferentes formas: I) exibição de vídeos gravados; II) em
grupo, podem-se usar como modelo outros membros que utilizem o
comportamento-alvo corretamente; III) apresentação de um membro
externo à sessão terapêutica. Dei Prette e Dei Prette (2001; 2008) ressal­
tam que a modelação pode ser aplicada de forma “manifesta” ou “enco­
berta”. A primeira refere-se a exposição direta ao modelo, sendo que, na
segunda, o paciente deverá imaginar esse modelo.
Em regra, afirma Caballo (2006), a técnica apresenta maior efi­
cácia quando o modelo e o observador possuem idades próximas e o
mesmo sexo. Adicionalmente, existem alguns componentes funda­
mentais a serem observados para o êxito da técnica: I) Características
do Modelo: o paciente deverá, ainda que minimamente, considerar
desejável o comportamento-alvo e, além disto, um modelo com maior
prestígio social, status ou determinados valores poderá ser mais facil­
mente imitado que outro; II) O paciente não deverá interpretar o
comportamento como o estritamente correto, mas como uma possibi­
lidade a mais de manejar uma situação; III) Características do observa­
dor: um indivíduo que já obteve êxito imitando modelos tem maior
chance de replicar a técnica de forma bem sucedida; IV) Itens como
atenção e memória são imprescindíveis, uma vez que o paciente deverá
aprender pela observação e ser capaz de lembrar-se desta; V) É impor­
tante que o paciente evidencie que isto lhe trará consequências positi­
vas. Neste sentido pelo reforço vicário as contingências do comporta­
mento do modelo determinam a probabilidade da imitação do cliente
(Derdyk & Groberman, 2004; Caballo, 2006).
Segundo Caballo (2006) a técnica apresenta como vantagem a
possibilidade de demonstrar os componentes verbais e não verbais e
paralinguísticos do comportamento. Um exemplo de uso da modela-
Estrategias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 167

ção consiste em reportar-se à exemplos bem-sucedidos próximos ao pa­


ciente, dos quais ele seja capaz de identificar os elementos reforçadores
para manutenção do comportamento. Considerando, por exemplo, um
grupo de THS onde a agenda da sessão seja o autocontrole, os membros
que têm sido bem-sucedidos em manejar a sua raiva podem servir como
modelo para os demais membros, exemplificando como tal comporta­
mento tem afetado positivamente sua vida familiar e social. Nesse caso o
observador deverá ser capaz de evidenciar a contingência estabelecida
entre o autocontrole e as consequências favoráveis deste (ganho de ami­
gos, melhora na relação familiar, evitação de constrangimentos em pú­
blico, etc.). Uma outra possibilidade, quando se trabalha com crianças, é
recorrer a desenhos animados ou livros infantis que ilustrem a situação a
ser trabalhada e as consequências das atitudes do modelo (seja ele nega­
tivo ou positivo). É fundamental que, antes de serem apresentadas as
consequências reais que o modelo sofreu, o paciente seja questionado
sobre quais as consequências que ele acredita que o modelo sofrerá. Esse
aspecto é fundamental, pois, para Bandura, não é o programa de reforço
concreto que age sobre o comportamento, e sim o que o paciente pensa
sobre o programa de reforço que fará com que ele modifique seu com­
portamento (Bandura, Azzi, & Polydoro, 2008).
Por fim, em uma outra perspectiva é possível ainda que se traba­
lhe com a orientação de pais e professores primando torná-los modelos
e mais conscientes das habilidades que se objetiva desenvolver em
crianças e adolescentes. Neste sentido, o terapeuta poderá tanto auxi­
liá-los a selecionar vídeos, histórias e outros elementos que apresentem
o modelo desejado quanto efetivamente fornecer estímulos, específicos
a tarefa de “tonar-se modelo” (Braswell e Kendall, 2006).

Modelagem

Embora muitas vezes confundida com a técnica da modelação, a


modelagem apresenta-se diferenciada desta sobretudo pela introdução
do reforço diferencial. Na técnica, elege-se um comportamento-alvo a
168 Treino de Habilidades Sociais

ser atingido e, mediante a apresentação de performances sucessivamente


mais próximas do comportamento-alvo, são fornecidos reforçadores.
Segundo Dei Prette e Dei Prette (2008), pódese empregar a téc­
nica decompondo certos comportamentos sociais em unidades meno­
res, treinando-os de forma separada e, posteriormente, recompondo-
os. Ressalva-se, no entanto, que em um esquema de reforçamento, é
desejável que o reforçamento ocorra principalmente na aquisição de
classes de respostas emitidas pelo cliente durante a sessão terapêutica,
pois assim se reduz a possibilidade de eventual contra-controle ineren­
te às contingências aversivas (Madi, 2004).
E possível ilustrar a técnica reportando-se à própria aquisição da
habilidade de conversação. O terapeuta poderá decompor a tarefa em
várias partes, como: iniciar conversação, mantê-la (eventualmente de­
composta em outras parte adicionais, como: fazer e responder perguntas,
por exemplo) e finalizar a conversação. Nesse caso, sucessivamente, de­
verá ser proposta uma nova tarefa na medida em que o paciente seja ca­
paz de finalizar a anterior. Presume-se, nessa situação, que o elemento
reforçador serão as próprias aquisições feitas pelo paciente (diálogos,
contatos, vínculos e o próprio sentimento de êxito), eventuais reforçado­
res verbais feitos pelo terapeuta (elogios) ou a execução de acordos tangí­
veis previamente firmados entre terapeuta e paciente, similares a técnica
de Economia de Fichas1 (“você deve se lembrar de que acordamos que,
na conclusão de determinada tarefa, você se daria o direito de adquirir
ingressos para aquela peça de teatro a que tanto queria assistir, mas que,
em razão do trabalho extra, acaba sempre por adiar”... “conforme con­
versamos, quando alcançasse algo importante, você poderia se dar o di­
reito de comprar aquela roupa que há muito tempo estava desejando,
mas que ficava em dúvida, pois achava que era um gasto desnecessário,
embora tenha poupado o suficiente para tanto...”).

1 A técnica, predominantemente empregada com crianças, consiste na busca por atingir metas
que, por sua vez, levará à obtenção de recompensa: na medida em que o paciente realiza
tarefas que são propostas, serão concedidos pontos dentro de um escore, sendo que, quando
se atinge o escore máximo necessário, a recompensa é disponibilizada (Para mais informa­
ções, ver Capítulo 19).
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 169

Fazer críticas: Técnica do “sanduíche”

O método possui como objetivo possibilitar que o paciente seja ca­


paz de fazer críticas de forma pertinente. Em regra, possui a seguinte es­
trutura: a sentença inicia-se por um elogio apontando um aspecto positivo
do comportamento, seguido da crítica ou comportamento a ser modifica­
do e, por fim, finaliza-se com novo ponto favorável (Caballo, 2006).
Exemplo: Bernardo, você é ótimo amigo e alguém por quem tenho muita
afeição, no entanto, o fato de sempre se atrasar, quando passo na sua casa
para te dar carona para o trabalho, tem me aborrecido muito e receio que,
caso este comportamento se mantenha, não será possível que eu continue a
lhe oferecer carona, o que seria lamentável, pois gosto muito das conversas
que temos a caminho do trabalho e sinto satisfação em retribuir a sua
amizade ajudando-o de alguma forma.
Segundo Dei Prette e Dei Prette (2001), em grupo, a técnica pode
ser ampliada da seguinte forma: solicita-se a um membro para que faça a
crítica utilizando a técnica e a outro que a escute sem questioná-la. Pos­
teriormente um dos membros do grupo deverá reproduzir a crítica rece­
bida, expressar se concorda com ela e relatar como se sentiu diante do
que foi dito. Nesse caso a técnica possui como objetivo, além de apren­
der a criticar adequadamente, lidar com críticas, dessensibilizar-se diante
delas, aceitar críticas justas, controlar a impulsividade para reagir, rejeitar
críticas injustas, ouvir críticas com atenção antes de replicar e reconhecer
os próprios sentimentos. No entanto, segundo os autores, é preciso estar
atento a grupos com membros excessivamente críticos, perfeccionistas e
mesmo ansiosos, onde o emprego da técnica pode não ser adequado.

Fazer e recusar pedidos

Fazer pedidos inclui diferentes possibilidades. Algumas pessoas


os fazem de forma agressiva/coercitiva, outros os fazem com extrema
dificuldade, quase se desculpando por fazê-los. Paralelamente, existem
pessoas que não são capazes de emitir uma resposta assertiva sobre a
170 Treino de Habilidades Sociais

razão de não atender ao pedido de outrem e, por serem incapazes de di­


zer não, acabam fornecendo pretextos para não atender ao pedido. A ca­
tegoria ‘“fazer pedidos” inclui pedir favores, solicitar ajuda, entre outros,
enquanto recusar pedidos de forma apropriada inclui a capacidade de
dizer não quando o pedido não for razoável ou não haja desejo ou algu­
ma razão em atendê-lo, sem sentir-se mal por isso (Caballo, 2006).
Segundo Caballo (2006), em geral, no que se refere ao compo­
nente fazer pedidos, apresentam-se como técnica para o THS os seguin­
tes treinamentos: I) Fazer pedidos com frequência (não com o objetivo
de obter algo, mas sim para dar-se conta de que pedido não significa exi­
gência, reconhecendo-se o direito da pessoa em atendê-lo ou recusá-lo);
II) Esclarecer o pedido (caso a outra parte não haja compreendido); III)
Fazer um único pedido, caso seja negado (para que se compreenda que
novos pedidos possam consistir em violação dos direitos de outrem);
IV) Aprender a lidar com crenças irracionais sobre fazer pedidos (“se te­
nho um pedido atendido, estarei em dívida com o outro?}.
Ainda, segundo o autor, devem ser esclarecidos e praticados os
seguintes itens: I) Ser objetivo; II) Nem sempre é necessário fornecer
justificativas, embora explicações auxiliem; III) Não dar pretextos; IV)
Preparar-se para a resposta, seja afirmativa seja negativa, e respeitar o
direito do outro em dizê-lo. Alguns exemplos de tarefas que podem ser
úteis para auxiliar o paciente a treinar a habilidade de fazer pedidos
consistem na delegação de algumas tarefas de casa, tais como: I) Pedir
algo ao vizinho (como exemplo gelo); II) Pedir informação sobre al­
gum endereço; III) Pedir ajuda para resolver algo no trabalho; IV) pe­
dir desconto em alguma compra; V) pedir informações sobre algum
produto em uma loja; VI) pedir para usar o telefone de alguém; VII)
pedir para trocar alguma mercadoria, etc.
Em contrapartida, no que tange a recusar pedidos, há que se lidar
com a possibilidade e ou previsibilidade de o outro sentir-se ferido ou ten­
tar persuadi-lo e, ainda, é necessário que no THS o paciente se dê conta de
que a recusa deve ser seguida de razões, nunca justificativas (Caballo, 2006).
No THS, para se treinar o paciente a recusar um pedido, podem ser mos­
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 171

tradas distintas alternadvas e solicitar-se que ele as pratique sempre que


convir recusar algo: I) Recusar atender ao pedido e explicar a razão da recu­
sa; II) Recusar a solicitação, informando que, embora não possa atendê-la
no momento, poderá fazê-lo no futuro; III) Simplesmente dizer que não
possui disponibilidade; IV) Solicitar tempo para pensar a este respeito.

Fazer perguntas

O método possui como objetivo mostrar ao paciente uma possí­


vel forma de iniciar e de manter uma conversação, haja vista que as
perguntas, em geral, propiciam a introdução e ou ampliação de temas
discutidos e, ademais, levam à demonstração de interesse por outras
pessoas. Segundo Caballo (2006), as perguntas podem ser categoriza­
das e exemplificadas da seguinte forma:
I. Perguntas gerais que propiciam o início da conversação
(como você está?)-, Perguntas específicas, que normalmente
precedem as gerais e mantêm a conversação, ou seja, permi­
te que o outro interlocutor siga falando (“aonde você foi?”,
“o que estava fazendo lã?”)-,
II. Perguntas sobre fatos, utilizadas com a finalidade de obter in­
formações e dar sequência à conversação por meio de novos
temas (“ o que você fez ontem?”')-, Perguntas sobre sentimentos,
feitas com a finalidade de que os outros contem coisas sobre
si (“<? que você achou da festa?')-,
III. Perguntas com final aberto, que são úteis para obter respostas
mais longas e específicas sobre um conteúdo, impossibilitando
respostas como “sim” ou “não” (“o que você fará em suas próxi­
mas férias?')-, Perguntas com final fechado que permitem res­
postas curtas e objetivas (“ você gostou de suas últimasférias?').

Há que se ressalvar ainda, ao paciente, que as perguntas sempre


irão variar conforme o contexto, devendo também ser adequadas à
cada tipo de ouvinte.
172 Treino de Habilidades Sociais

Fornecer respostas

Tão importante quanto a formulação de perguntas propicias em


uma conversação, é o fornecimento de respostas. As respostas, segun­
do Dei Prette e Dei Prette (2008), podem ser fornecidas da seguinte
forma: I) Resposta objetiva ao que foi questionado; II) Resposta ao
que foi colocado de forma implícita (como em caso de confronto ou
de provocação); III) Recusa a responder a pergunta (ignorando-a ple­
na ou parcialmente); IV) Manifestação da própria dificuldade em res­
ponder a pergunta.
E possível exemplificar a situação pelos seguintes diálogos:

— Muitas pessoas têm dificuldade em Matemática. Acaso você também


tem?
— Sim, tenho alguma dificuldade. (Resposta objetiva)
— Em geral pessoas que têm dificuldade com Matemática não são muito
espertas.
— Particularmente, penso que dificuldades nessa disciplina seja algo co­
mum a boa parte das pessoas e, além disso, alguém que tenha dificuldades
com ela pode sair-se bem em outras disciplinas. (Resposta ao que foi colo­
cado deforma implícita)
— Não gosto desse professor novo! Acho detestável a forma com que minis­
tra suas aulas! O que você pensa dele?
— Honestamente, acho difícil responder a seu questionamento, ainda não
tenho uma opinião formada a esse respeito, justamente por ele ser novo
no colégio. (Manifestação da própria dificuldade em responder o que foi
colocado)

Não obstante, antes de tudo, há que se ressalvar que, diante de


distintas possibilidades de respostas, não existe a princípio uma que
possa ser designada como a mais adequada. A resposta avaliada como a
mais competente, dependerá do contexto, da pergunta feita, entre ou­
tros elementos do próprio contexto.
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 173

Psicoeducação sobre agressividade, assertividade,


passividade e treino de assertividade
A técnica pode ser aplicada, a princípio, partindo-se da psicoe-
ducação sobre o tema, dada pelo fornecimento de informações que
instruam o paciente acerca desses estilos de respostas (para mais infor­
mações, ver Capítulo 1). E interessante que se proponha, nesse con­
texto, uma discussão (seja individual ou em grupo) sobre as conse­
quências de cada uma das possibilidades de atuação. Posteriormente é
importante verificar a compreensão e treinar o grupo ou paciente a
discriminar os diferentes estilos, e aprender a usar o estilo assertivo
com maior frequência (Neufeld et aL, 2014).
Uma das possibilidades para verificação da compreensão e treino é
dada por meio do fornecimento de exemplos, dentro de uma estrutura:
I) Apresentação de uma situação:
Seu chefe o acusa de ter feito de forma errônea um relatório im­
portante. Você é duramente criticado por isso; no entanto, ao tomar
para si o relatório, você nota não ter sido o autor do documento.
Quais seriam as possibilidades de ação, dentro dos estilos explicados?

II) Levantamento das possibilidades de ação. Em geral espera-se


que o grupo ou paciente forneça respostas similares a:
• Estilo Agressivo: Eu brigaria com ele, igualmente o ofendería-,
® Estilo Passivo: Eu me calaria, não faria nada, não me defende­
ría, tomaria a crítica para mim em silêncio;
• Estilo Assertivo: Eu me dirigiría a ele, mostraria que ele estava
equivocado, pois não era eu o autor do relatório e, com certo “tato”,
pediría que elefosse cauteloso nas ocasiões seguintes.

III) Levantamento das consequências geradas por cada um dos


estilos. Espera-se respostas similares a:
• Estilo Agressivo: Poderia levar à perda do emprego, perda do
prestigio ante o chefe e os colegas;
174 Treino de Habilidades Sociais

• Estilo Passivo: A situação poderia voltar a se repetir, eu ficaria


me sentindo muito mal e, além disso, poderia até ser penalizado
com a perda do emprego ou por ter cometido um erro que sequer
era meu;
• Estilo Assertivo: Grande possibilidade de o chefie reconhecer o
erro, ser mais cauteloso nas próximas vezes. Haveria de me sentir
melhor comigo mesmo.

Com crianças e adolescentes, embora seja possível que se traba­


lhe dentro da estrutura mencionada, é possível também a exibição de
desenhos ou de filmes para ilustração e identificação dos estilos.
Após a compreensão do significado de cada estilo e a habilidade
de identifica-lo, passa-se ao treino de assertividade. O treino de asserti-
vidade toma como base fundamentalmente as estratégias de role-play,
em que o paciente é incentivado a ensaiar formas mais assertivas de re­
solver as situações interpessoais que ele enfrenta.

Fazer elogios e expressar sentimentos positivos


Em geral, somos mais propícios a criticar, quando alguém nos
faz algo negativo, do que elogiar, quando, ao contrário, nos faz algo
positivo. Há que ser esclarecido de que, em geral, fazer elogios reforça
o comportamento de quem faz algo positivo (propiciando repetições)
e, além disso, propicia que os outros sintam-se respeitados e honrados,
ao contrário de preteridos e ignorados, favorecendo o relacionamento
interpessoal (seja ele com familiares, amigos, colegas de trabalho, etc.).
Normalmente, elogios e expressões positivas podem tornar-se
mais consistentes da seguinte maneira: I) se não há o hábito de realizá-
los, estes devem ser feitos com baixa frequência e ir aumentando pro­
gressivamente; II) a princípio devem ter cunho mais conservador, visto
que expressões de apreço exageradas podem parecer estranhas ou sus­
peitas; III) o ideal é que as expressões sejam manifestas quando não há
a intenção de se fazer um pedido; IV) não é interessante devolver o
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 175

elogio recebido com outro igual dirigido à terceiros, pois pode soar su­
perficial ou como resultado de obrigação (Caballo, 2006).
Como treinamento da técnica, sugere-se que o paciente, de for­
ma autônoma, faça elogios a distintas pessoas, tais como familiares,
amigos, cônjuge e/ou expresse algo positivo. Nesse sentido, agradecer
itens como favores, gentilezas, ajuda prestada, etc. são especialmente
boas formas de treinar esta habilidade.

Dessensibilização sistemática
Também denominada por “Reestruturação Racional Sistemáti­
ca” (Dobson & Dozois, 2006), a técnica, no THS, tem como objetivo
primordial trabalhar sentimentos como ansiedade e medo nas relações
e exposições sociais. Goldfried (1979) enfatizou quatro elementos ca­
tegóricos para a técnica, sendo eles: I) A descrição da fundamentação
terapêutica; II) O emprego de técnicas de relaxamento enquanto mé­
todos de enfretamento; III) Estruturação e uso de hierarquias temáti­
cas; IV) Treinamento de relaxamento progressivo induzido por ele­
mentos ansiogênicos. De forma semelhante, observaram Dei Prette e
Dei Prette (2001; 2008), a aplicação da técnica pressupõe as seguintes
etapas estruturadas: I) definição do problema; II) hierarquização dos
elementos ansiogênicos; III) emprego de técnica de relaxamento; IV)
exposição aos itens da hierarquia e avaliação do relaxamento.
De forma mais específica, a técnica emprega diretamente a ela­
boração da hierarquização de medos (na qual os aversivos deverão ser
dispostos em ordem crescente) daqueles estímulos que geram temor
ou ansiedade e, concomitantemente, ensina-se ao paciente respostas
alternativas por meio de relaxamento. Em seguida, o paciente deverá
ser exposto, paulatina e sucessivamente, aos itens indicados na escala
(dos menos ansiogênicos aos mais), tanto quanto for razoavelmente
possível (em alguns itens pode-se recorrer à imaginação da exposição,
ou seja, ao ensaio cognitivo) (para mais informações, ver Capítulo 4).
Segundo Dobson e Dozois (2006), há que se salientar que a técnica
176 Treino de Habilidades Sociais

detém o principal objetivo de proporcionar recursos para que o cliente


enfrente situações ansiogênicas e estresses iminentes.

Feedback

Dar e receber feedback é fundamental para a regulação de com­


portamentos e de interações sociais. Segundo Dei Prette e Dei Prette
(2008), o feedback pode propiciar a correção, manutenção e melhoria
relacionai. Ele pode, fundamentalmente, consistir em uma resposta
verbal ou escrita sobre determinado comportamento ou desempenho.
Segundo Dei Prette e Dei Prette (2008, p.127), existem princí­
pios fundamentais para o uso da técnica, sendo eles: I) Contiguidade:
dar feedback o mais “temporalmente próximo” do desempenho do pa­
ciente; II) Parcimônia: adequar o feedback às necessidades do paciente,
não fornecendo informações excessivas ou demasiadamente minucio­
sas; III) Descrição: descrever eventuais comportamentos omitindo juí­
zos de valor sobre o mesmo; IV) Orientação: o feedback deve ter estri­
tamente como foco comportamentos passíveis de modificação no mo­
mento; VI) Positividade: o feedback sobre comportamentos adequados
do paciente deve ser priorizado ao feedback sobre comportamentos ne­
gativos; VII) Fidedignidade: deve-se checar se o paciente e outros
membros de um grupo concordam com o feedback fornecido.
Os mesmos autores sugerem a seguinte metodologia para o THS
em grupo:
I) o terapeuta faz uma exposição teórica sobre o conceito;
II) dispondo o grupo em duplas, o terapeuta solicita que se ob­
servem mutuamente e forneçam feedback-,
III) podem ser feitos role-play, com situações análogas ao coti­
diano, tendo como base as habilidades para fornecer e dar

IV) em grupos de adolescentes pode-se trabalhar com colagens;


V) a tarefa pode ser feita por escrito quando o grupo possuir
dificuldade em dar e receber feedback.
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 177

Ainda é possível que como tarefa de casa seja solicitado ao paciente


que treine a técnica, requerendo e fornecendo feedback a pessoas próximas.

Relaxamento muscular

A técnica pode ser utilizada com indivíduos com elevado grau


de ansiedade e em treinos de manejo de raiva. Embora demande uma
prática regular, seu sucesso pode ser alcançado mediante tentativas su­
cessivas. Em geral, o método mais utilizado com adultos é o Jacobson,
ou métodos derivados destes, que consiste em uma série de exercícios
de tensão e relaxamento de grupos musculares.
Para aplicação da técnica, deve-se contrair um grupo muscular por
cinco segundos e em seguida deixá-lo relaxar por dez segundos. O relaxa­
mento pode compreender a seguinte sequência (Lipp, 2008, p. 22-23):
1. A princípio solicita-se ao cliente que sente-se em uma posição con­
fortável e que feche os olhos, tentando não focar em preocupações.
2. Ombros: Respirando fundo, deve-se erguer os ombros na di­
reção da cabeça como se fosse ocultar o pescoço. Enquanto
expira pela boca, deixar que os ombros voltem a sua posição
normal. Posteriormente movimenta-se os ombros de forma
circular, para trás, por três vezes;
3. Braços: esticar o braço direito para a frente, mantendo-ô reto,
cerrando bem o punho. Inspirar enquanto conta até cinco.
Expirar soltando a tensão, deixando o braço cair sobre as per­
nas. Repetir o mesmo procedimento com o outro braço;
4. Pernas: esticar a perna direito para a frente, direcionando os
dedos do pé para baixo de forma a enrijecer a perna. Nova­
mente inspirar pela boca contando até cinco e, posteriormen­
te, expirar pela a boca, soltando a tensão. Suavemente apoiar
o calcanhar no chão movimentando o pé para um lado e de­
pois para o outro. Repetir o mesmo com a perna esquerda;
5. Pescoço e cabeça: Com os membros relaxados, inclinar a cabeça
para a frente como se estivesse “solta”, permitindo que o queixo
178 Treino de Habilidades Sociais

toque o peito, sem forçar. Permitir que a cabeça volte a posição


original. Fazer o inverso, colocando a cabeça para trás (não se
deve forçar além do natural). Contar até cinco e voltar ao nor­
mal. Direcionar a cabeça para o lado direito, como se o ouvido
fosse tocar o ombro direito, sem forçar. Relaxar... um, dois...
cinco. Repetir este último procedimento direcionando a cabeça
para o lado esquerdo. Voltar ao normal;
6. Boca e mandíbula: Apertar os lábios colocando tensão nos maxi­
lares, repetir exercício de respiração e contagem. Fazer o procedi­
mento 3 vezes seguidas. Abrir a boca, deixando solto o queixo.
Movimentar o queixo para um lado e depois para outro.
7. Outros músculos faciais: Fechar os olhos, e apertá-los bem,
tensionar os músculos do rosto como se estivesse fazendo ca­
reta. Repetir a contagem, exercício de respiração e soltar toda
a tensão da face. Tentar franzir o nariz, contando até cinco.
Encerrar o relaxamento pela respiração: inspirar profunda­
mente e expirar lentamente.

Com crianças, recomenda-se uma proposta diferenciada, como a


de Braswell e Kendall (2006). Estes autores propõem uma atividade
lúdica chamada de “jogo do robô ou do boneco de pano” na qual tera­
peuta e paciente caminham pela sala, a princípio como um robô com
braços e pernas rígidos e, posteriormente, ao sinal do terapeuta, se re­
pousam sobre uma cadeira com o corpo e membros relaxados. Ao tér­
mino da atividade é importante, que o terapeuta faça apontamentos
sobre as diferenças entre a musculatura tensa e relaxada, tornando cla­
ro o objetivo da atividade à criança.

Direitos humanos

Nas relações sociais compreende-se que os indivíduos tenham os


mesmos direitos, sendo fundamental que as necessidades e os objetivos
de cada pessoa sejam valorizados de forma isonômica. Segundo Ca-
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 179

bailo (2006), distinguindo os Direitos Humanos (que, em regra, devem


ser generalizados a todos) dos Direito de Representação (aqueles que um
indivíduo possui em razão de um contrato formal ou informal para exer­
cer certas responsabilidades), pode-se propor a seguinte metodologia:
1. o terapeuta solicita que cada membro do grupo faça uma rela­
ção de direitos que pensa ser pertencente a cada um dos mem­
bros de duplas complementares;
2. a seguir expõem-se os direitos aos membros do grupo;
3. os direitos que dependem do papel que o indivíduo represen­
ta em cada uma das duplas seriam direitos de representação,
não podendo ser generalizados a todos os outros membros, o
que ocorrería com direitos humanos;
4. posteriormente, pode-se entregar a cada indivíduo um papel
contendo alguns dos direitos humanos básicos;
5. os membros devem, então, escolher um direito que lhes sejam
incômodo de aceitar e expressar isso em voz alta, a cada mem­
bro do grupo;
6. à sua vez, cada membro deverá replicar “sim, você tem este di­
reito!”.

Civilidade
A civilidade refere-se à habilidade de emitir comportamentos
adequados em situações sociais. No senso comum a civilidade é cha­
mada de “boa educação” ou “boas maneiras” (Dei Prette & Dei Prette,
2009). Essa habilidade acaba por ser muitas vezes esquecida na propo­
sição de THS para os pacientes adultos na clínica, por se hipotetizar
que tal habilidade já esteja sedimentada no adulto. Discutir e encenar
situações corriqueiras nas quais o paciente tenha a oportunidade de
conhecer as respostas esperadas frente ao comportamento dos outros
em situações sociais formais ou corriqueiras pode auxiliar na aquisição
dessa habilidade (Neufeld et al., 2014). Exemplos dessa habilidade são:
agradecer a uma gentileza, anteceder ou finalizar todo pedido com
180 Treino de Habilidades Sociais

“por favor”, cumprimentar as pessoas quando chegar e despedir-se


quando sair, ceder lugar em situações de prioridade, entre outros.

Expressar sentimentos negativos

A expressividade emocional de sentimentos negativos é pouco


valorada e desenvolvida em nossa sociedade. Tipicamente, as pessoas
não são orientadas sobre como expressar desagrado, irritação, raiva,
tristeza, frustração. Desde muito cedo, é comum que as crianças re­
cebam a orientação de “engolir o choro”. Ademais, os adultos comu-
mente são consolados com frases como “não fique assim”, ou “isso
logo passa”, ou ainda “não é nada”. A orientação para expressar emo­
ções negativas nas reações interpessoais segue em grande parte os
passos de expressar desagrado ou desconformidade; no entanto, há
uma estratégia adicional fundamental, que é colocar o foco em si
(Neufeld et al., 2014). A ideia é que o paciente treine a habilidade
de dizer como se sente sem acusar a outra pessoa, ou dizer que a ou­
tra pessoa faz com que ele se sinta de determinada forma. Por exem­
plo: “Sempre que eu fico lhe esperando por muito tempo, eu me sinto
abandonada e isso me deixa triste”, em vez de “Toda vez que você me
faz esperar, você me faz sentir um lixo”.

Treino de empatia

O Treino de Empatia tem como objetivo a apreensão das seguin­


tes habilidades: identificação de componentes não verbais no compor­
tamento alheio; ouvir e compreender a perspectiva de outro sem que
se façam eventuais julgamentos; manifestar compreensão da perspecti­
va / sentimento alheio; manifestar aceitação e compreensão do outro
por meio de componentes não verbais (Falcone, 1999). Esse treino
pode ser empregado por meio das seguintes técnicas propostas por Fal­
cone (1999):
I. Instruções acerca de como se comportar de maneira empática.
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 181

II. Identificação e análise de razões que se interpõem diante da


escuta e compreensão do outro, impedindo que o indivíduo
se comporte empaticamente.
III. Propiciar a imaginação de cenas que envolvam circunstân­
cias de interação vivencias pelos participantes.
IV. Ãí>/e-PZzjy/dramatizações, em que os participantes deverão
buscar manifestar empatia.
V. Prática da habilidade adquirida no contexto dos participantes.

Automonitoramento

Segundo Dei Prette e Dei Prette (2008), o conceito de automo­


nitoramento pode ser compreendido como uma habilidade metacog-
nitiva e afetivo-comportamental, pela qual o indivíduo observa, des­
creve, interpreta regulando pensamentos, sentimentos e comporta­
mentos em distintas situações sociais.
A estratégia psicoterápica, especialmente utilizada pelas terapias cog­
nitiva e comportamental, pode ser empregada por meio de duas formas
distintas. Uma delas refere-se à realização de diários de automonitoramen­
to em que deverão ser feitos registros, dentro do que é proposto pelo mo­
delo cognitivo: Pensamento, Sentimento e Comportamento. Em uma
perspectiva semelhante, pode-se também trabalhar com o registro de aná­
lises funcionais, onde deverá constar a discriminação e análises do pacien­
te, dadas pelo modelo: Eventos Antecedentes - Comportamento — Conse­
quência (para mais informações, ver Capítulo 3).
Segundo Knapp (2004), é fundamental estabelecer de forma cla­
ra junto ao cliente o elemento a ser monitorado (seja pensamento ou
emoção) e, além disto, definir a forma com que ocorrerá (levando em
consideração critérios como duração, ocasião, etc). Adicionalmente,
este autor afirma que ao automonitoramento competirá responder
questões como “quando, onde, com quem e quanto”.
O uso da técnica deve ser feito durante um certo período de tempo,
com a finalidade de identificar determinado pensamento, comportamento
182 Treino de Habilidades Sociais

ou sentimento, sendo que seu aprimoramento deverá ocorrer sucessiva­


mente. Uma vez que for atingido o objetivo estabelecido, devem ser pro­
gramadas novas tarefas que propiciem ao paciente que vivencie as situações
anteriores sob uma nova perspectiva cognitiva ou afetivo-comportamental.

Tarefas de casa

A técnica é amplamente utilizada na TCC. Assume-se, ainda, que


seja fundamental para o êxito do THS, tanto para a sua apreensão quan­
to para o seu aprimoramento (Caballo, 2006; Dei Prette & Dei Prette,
2008). Existem algumas tarefas previamente indiciadas na literatura que
podem ser adequadas a cada programa: automonitoramento, registro de
nível de ansiedade, registro de situações em que tenha agido habilmente,
situações na qual teve dificuldade de agir habilmente, entre outros. As
tarefas devem ser dadas ao final de cada sessão, sendo cobradas ao início
da sessão seguinte (Caballo, 2006; Dei Prette & Dei Prette, 2008). Evi­
dentemente seu sucesso poderá depender do nível de comprometimento
do paciente, bem como de explicações claras sobre seu objetivo.

Considerações finais

Treinar HS está na base da intervenção clínica moderna em TCC,


pois tais habilidades se encontram fortemente ligadas ao fortalecimento da
saúde mental e ao ganho em qualidade de vida. Em uma perspectiva de
clínica ampliada, que vai além da intervenção em sintomas instalados, que
se atém à prevenção de sintomas e à promoção de saúde, o olhar clínico
deve voltar-se cada vez mais sobre intervenções em saúde positiva.
Nessa direção, torna-se fundamental introduzir o conceito de
Habilidades de Vida (HV), além do THS discutido neste capítulo. Se­
gundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), as HV devem ser de­
senvolvidas em todo programa que vise a promover saúde e a prevenir
doenças (WHO, 1997)- As HV são uma classe de aptidões que têm
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 183

sido correlacionadas fortemente com o enfrentamento saudável das de­


mandas cotidianas, bem como com o ganho em qualidade de vida de
pessoas com adversidades psicológicas.
Dentre essas habilidades, podem ser citadas as HS, que foram o
tema do presente capítulo. Porém, além das HS, habilidades para a to­
mada de decisão, resolução de problemas, pensamento crítico, pensa­
mento criativo, autoconhecimento, manejo de emoções e de estresse, ca­
pacidade de iniciar e manter relações de mútua satisfação pessoal, de
aprender com os problemas da vida, de desfrutar da solidão, de se diver­
tir, de rir de si mesmo e do mundo são exemplos de HV (Gorayeb,
2002; Minto, Pedro, Netto, Bugliani, & Gorayeb, 2006; Neufeld, et al.,
2014; Paiva & Rodrigues, 2008). Para finalizar o presente trabalho, fica
o convite ao clínico para que a promoção de HS e HV possam ser incor­
porados em sua prática cotidiana, visando ao empoderamento de seus
pacientes e à potencialização da eficácia de suas intervenções.

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