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​ INTRODUÇÃO

A morte é a única certeza que há na existência humana, e todos aqueles que


possuem a capacidade de elaboração de vínculos afetivos com outros seres,
provavelmente, em algum momento, passarão pela experiência do luto.

Mesmo o luto normal envolve um conjunto de sintomas que podem ser


considerados típicos dessa experiência e que estabelecem relação com o pesar e a
lamentação. Além de lidar com a dor da perda, as pessoas em luto têm, muitas
vezes, a difícil tarefa de se reajustar a um ambiente e a um novo estilo de vida
considerando a ausência do ser perdido. Alguns determinantes, como idade,
gênero, fase da vida do enlutado e do morto, tipo de morte e características da
relação podem exercer influência no luto e na capacidade do sujeito de superar
essa fase crítica da vida.

Algumas pessoas evoluem para quadros de luto complicado, que apresenta


características específicas que devem ser consideradas para o planejamento do
acompanhamento terapêutico do paciente. Por meio da terapia
cognitivo-comportamental (TCC), é possível oferecer a pacientes enlutados um
atendimento breve e focal direcionado para as necessidades desse período,
facilitando a elaboração do luto e resolvendo problemas a ele relacionados.

Este artigo apresentará um panorama desse campo de estudo, enfocando os tipos


de luto, seus determinantes, sua classificação diagnóstica e os procedimentos de
avaliação e tratamento com o enfoque da TCC. Embora na literatura geral alguns
autores optem por estender o luto e seu tratamento para qualquer outro tipo de
perda (divórcio, perda de emprego, mudanças geográficas e culturais, lesões físicas
definitivas etc.), o presente trabalho considera o luto apenas como reação à perda
em decorrência de morte.

A morte possui um componente de irreversibilidade único, e por isso o luto devido à


finitude da vida de alguém estimado caracteriza uma situação ímpar, que não pode
ser adequadamente comparada a qualquer outro tipo de perda.1

​ OBJETIVOS

Ao final da leitura deste artigo, o leitor será capaz de:

■ reconhecer as características do luto normal e do luto complicado;


■ classificar os principais tipos de enlutamento e suas características;
■ identificar os critérios diagnósticos do luto;
■ perceber a necessidade da adequada avaliação do paciente enlutado;
■ caracterizar as bases da atuação, no enfoque da TCC, com pacientes
enlutados.
​ ESQUEMA CONCEITUAL

​ ASPECTOS GERAIS DO LUTO

Sendo a morte universal, o luto se torna uma experiência pela qual todo ser humano
capaz de elaborar vínculos emocionais inevitavelmente passará. Algumas pessoas
apresentam facilidade para a desvinculação e conseguem seguir em frente com
suas vidas após a perda com tranquilidade, ao passo que outras apresentam
dificuldades para se readaptar diante da ausência do ser perdido.

O tema do luto tem ganhado maior destaque na literatura científica nos últimos
anos, e se anteriormente predominavam estudos teóricos, atualmente pode-se
observar um aumento no número de estudos disponíveis,2 com metodologias mais
sofisticadas, considerando aspectos epidemiológicos, busca de maior compreensão
sobre a presença e a gravidade de diferentes sinais e sintomas, evidências para a
adequada classificação diagnóstica e avaliação de resultados de aplicações
terapêuticas tanto de base psicológica quanto farmacológica.

Em princípio, todos os seres humanos passarão pela experiência de luto normal,


porém, alguns estudos estimam que de 10 a 20% das pessoas evoluam para casos
de luto complicado,3,4 vivenciando pesar emocional muitas vezes descrito como
“insuportável”, acompanhado de comportamentos disfuncionais e piora do quadro
de saúde geral. Um conjunto de sintomas que envolvem manifestações típicas de
ansiedade e depressão, com eventual presença de ideações suicidas, complica o
quadro clínico do enlutado, facilitando a abertura de outros quadros
psicopatológicos2,5 que, uma vez comórbidos, contribuirão para pior prognóstico
geral.

LEMBRAR

Cerca de 7% dos enlutados preenchem os critérios para diagnóstico de depressão


maior após dois anos da perda, 15% no ano posterior à perda e 40% no período
de um mês após a perda.6

Deve-se considerar ainda que pacientes enlutados podem apresentar pensamentos


de desvalia e presença de ideação suicida.6,7 A presença de diagnóstico de luto
também contribuirá no caso de comorbidade com transtorno depressivo para maior
gravidade da depressão e menos funcionalidade geral do paciente. Pacientes
enlutados apresentam maior morbidade e mortalidade, maior procura por
atendimento médico no período posterior à perda e maior número de internações
quando comparados à população geral.8

O luto envolve um conjunto de sintomas emocionais, cognitivos e comportamentais


(Quadro 1) e físicos (Figura 1). Esses sintomas estão presentes mesmo no luto
normal e tendem a se reduzir espontaneamente com o passar do tempo. Apesar
disso, recomenda-se sempre a adequada avaliação do paciente para verificar a
eventual necessidade de intervenção.
Quadro 1

PENSAMENTOS, SENTIMENTOS E COMPORTAMENTOS FREQUENTES NO


LUTO

Emoções Comportamentos Cognições


■ Choque ■ Choro ■ Descrença
■ Anseio pela presença ■ Hiperativi ■ Confusão
do outro dade ■ Preocupação
■ Tristeza ■ Distúrbio ■ Sensação de
■ Raiva s do presença
■ Culpa sono ■ Alucinações
■ Autorrecriminação ■ Distúrbio
■ Ansiedade s do
■ Solidão apetite
■ Fadiga ■ Comport
■ Emancipação amento
■ Alívio “aéreo”
■ Estarrecimento ■ Isolamen
■ Desamparo to social
■ Sonhos
com a
pessoa
morta
■ Evitação
ou busca
de coisas
que
lembrem
a pessoa
morta
Figura 1 – Sintomas físicos no luto.

Fonte: Elaborada pela autora.

LEMBRAR

Alguns fatores são determinantes no curso do luto, como o gênero do enlutado, a


idade do enlutado e do morto, a qualidade da relação existente entre eles e o tipo
de morte ocorrida. Quanto ao gênero, por exemplo, a incidência de problemas
psicológicos/psiquiátricos após a perda é maior entre as mulheres.9
​ TIPOS DE LUTO

Considerando o ciclo de vida, mortes ligadas a períodos de início costumam ser


mais difíceis de manejar do que aquelas ligadas a términos. Assim, a morte na
infância é considerada a mais difícil de ser elaborada. Em si, é um tipo de morte que
suscita a ideia de “quebra da ordem natural”, em que “filhos deveriam enterrar seus
pais”. Em situação de luto disfuncional, uma mãe poderia buscar gerar um novo filho
para “substituir” o que morreu, passando à nova criança todas as expectativas
anteriormente depositadas naquela que faleceu. Em alguns casos, pode ser
atribuído o mesmo nome e gerada a expectativa de que a “nova” criança tenha os
mesmos gostos e atributos da “anterior”.

Com o avançar na linha do tempo, a morte se torna mais “aceitável” e até mesmo
“esperada”. Assim, a morte de uma pessoa já em idade avançada é considerada
natural e “parte da vida”, como relatado por muitos. Por outro lado, a morte de idoso,
principalmente quando após certo período de adoecimento, é considerada parte do
fluxo natural da vida.

LEMBRAR

É esperado que pessoas idosas venham a morrer; a morte no início da vida, no


entanto, é vista como uma anomalia.

O tipo de relação, o apego e a força do vínculo também terão grande influência na


vivência do luto.1 Conflitos, segredos, ambivalências, desavenças, pendências e
arrependimentos prévios à morte muitas vezes se mostram como complicadores do
luto. Separações em decorrência da morte de alguém com quem se conviveu
durante quase toda a existência geram dificuldades. Para o cônjuge sobrevivente, a
readaptação à vida considerando a ausência do companheiro próximo pode se
converter em um fardo além do suportável.

Relações que envolvam dependência de qualquer natureza também merecem


atenção especial, principalmente quanto à reformulação de papéis. Perdas múltiplas
(por exemplo: em um acidente automobilístico envolvendo um casal e dois filhos em
que apenas um deles sobrevive), por morte violenta (por exemplo: assassinato,
suicídio) e ambíguas (em acidente em que nunca tenha sido encontrado o corpo;
desaparecimento há tanto tempo que o indivíduo é dado como morto etc.) também
aumentam a vulnerabilidade do enlutado para a abertura de quadros patológicos.
Diferentemente do luto normal, no luto considerado patológico, a tristeza e a
lamentação diante da ausência do ser perdido podem variar desde um
embotamento até uma tristeza intensa que pode aparecer associada à ideação
suicida e, em alguns casos, a sintomas psicóticos. A tristeza pode não estar
presente no momento imediatamente posterior à perda, mas pode se revelar após
transcorrido algum tempo, que pode variar de anos a décadas.

Alguns tipos específicos de luto patológico são descritos como luto crônico, luto
exagerado, luto mascarado e luto adiado.

LUTO CRÔNICO
Nesse tipo de luto, os sintomas do luto podem permanecer presentes ao longo de
anos e acabam sendo incorporados à vida cotidiana do sujeito com grande desgaste
para a pessoa. O enlutado consegue identificar claramente que os sintomas têm
relação direta com a perda, assim como sua dificuldade em superar essa perda por
conta própria.

LEMBRAR

Sujeitos com esse tipo de luto são os que procuram ajuda profissional com mais
frequência.

LUTO EXAGERADO
Nessa modalidade de luto, não há a questão da prolongação da duração dos
sintomas, no entanto, eles surgem com grande intensidade, e os enlutados se
sentem sobrecarregados com a experiência. Como no luto crônico, os sujeitos
conseguem relacionar os sintomas à perda e também podem buscar auxílio
profissional especificamente para lidar com o luto.

LUTO MASCARADO
No luto mascarado, diferente dos anteriores, a presença de sintomas físicos
costuma ser mais frequente, assim como de comportamento ou padrões de
pensamentos que não são parte do padrão usual do sujeito. Geralmente o paciente
não relaciona os sintomas à perda e é pouco frequente que procure auxílio
psicológico ou psiquiátrico para a elaboração do luto. Esse paciente costuma chegar
ao profissional de saúde mental por caminhos indiretos.
LEMBRAR

Às vezes, o paciente chega ao profissional de saúde mental após diversas


consultas médicas com variados especialistas sem que qualquer problema físico
específico que justifique ou explique as queixas do paciente tenha sido
identificado.

LUTO ADIADO
Nesse tipo de luto, também denominado como “luto inibido” ou “luto postergado”,
algumas reações típicas do enlutamento podem se manifestar no período
imediatamente posterior à perda, porém, de modo insuficiente para o fechamento do
processo do luto. Nesse caso, os sintomas relativos ao luto podem aparecer em
momentos futuros da vida do sujeito e, devido ao tempo passado desde a perda,
nem sempre são claramente reconhecidos em sua relação com a situação, o que
pode dificultar o diagnóstico.

LEMBRAR

O luto adiado pode ocorrer, entre outros motivos, devido à necessidade de


envolvimento do enlutado em outras tarefas e obrigações no momento da morte e
dos rituais funerários, o que retiraria o foco da perda, dificultando o processo do
luto. Em outras situações, pressões sociais ou decorrentes das crenças do sujeito
para parecer bem ou manter determinada imagem perante os que lhe cercam
também podem atrapalhar, facilitando a abertura de um quadro de luto adiado.

Luto adiado: P., 42 anos. Queixa principal: sonhos frequentes com o marido morto,
dores de cabeça, dificuldades de concentração e choro frequente. Diz que a
situação teve início aproximadamente três meses antes da consulta, período que
coincide com o ingresso do filho mais novo na universidade.

P. teve o primeiro filho com 17 anos, o segundo com 19 anos e o terceiro com
22 anos. Vivia em casa cuidando exclusivamente dos afazeres domésticos e
dos filhos. Não tinha parentes em condições de auxiliá-la nos cuidados com as
crianças pequenas. O orçamento doméstico era muito “curto”, e ela se
perguntava constantemente se haveria condições de continuar alimentando os
filhos adequadamente. Segundo ela, “o que a gente ganhava num dia gastava
no outro”. O marido era o provedor principal e sustentava a família vendendo
na praia comida que ela ajudava a preparar.

Com a morte do marido, além do pesar que, segundo a paciente, foi


“devastador”, houve o “desespero” de não saber como faria para “manter as
crianças”, ainda pequenas e extremamente dependentes pelas próprias
demandas de cuidados de suas faixas etárias. “Nem tive tempo para pensar
direito, pois tinha que manter meus filhos vivos e sem fome”. Durante meses,
anos até, assumiu a função do marido, levando as crianças com ela à praia
para tentar vender alguma coisa.

No primeiro ano, os donos das “barraquinhas que tinham cobertura” ficavam


com pena dela e deixavam-na ficar com as crianças na área coberta também.
Nesse período passou fome muitas vezes, pois, depois que alimentava as
crianças, com o dinheiro que sobrava ela tinha que comprar material para ter o
que vender no dia seguinte. Passou inúmeras noites sem dormir e diz que
“olhando para trás, não sei como consegui”. Acrescenta que “ao longo de
anos, não pude nem parar para pensar, estava meio anestesiada, sabe? Eu só
continuava... não tinha escolha...”.

Com o passar dos anos, devido a muito trabalho e dedicação, a situação


financeira foi melhorando, assim como as condições de vida da família.
Acrescenta, com orgulho: “consegui colocar todos os meus filhos na faculdade.
Todos estão bem encaminhados na vida”. Em seu relato, manifesta que sentiu
grande alívio quando seu filho mais novo foi para a faculdade e que, pela
primeira vez, ela “pôde respirar tranquila” sem se preocupar com o futuro
deles. “Minha parte está feita, agora é com eles, né?”.

Teve o primeiro sonho com o marido morto duas noites após saber do
resultado do filho no vestibular. Sentiu grande tristeza, pois, pela primeira vez,
se deu conta que “perdi o amor da minha vida e nem pude me despedir
direito”. “Fui soterrada pela vida...”. Relata culpa por acreditar não ter se
despedido adequadamente, não ter parado por um tempo para “chorar a morte
dele”. Diz sentir uma “tristeza paralisante” todas as vezes em que pensa nele e
que agora, pela primeira vez em anos, fica imaginando como seria se tivessem
ficado juntos. Passa muitas horas do dia pesando sobre como teria sido a vida
deles e em tudo que pensaram em fazer e não pôde ser realizado.

Menciona desinteresse pelas atividades cotidianas e mesmo pelas demandas


trazidas pelos filhos no presente. Diz que os pensamentos sobre o falecido e
todas as possibilidades perdidas agora ocupam quase todo o seu tempo. Diz
não entender o motivo de apenas agora, depois de muitos anos, estar sofrendo
tanto, já que na época ela não sentiu coisa alguma.

Alguns tipos de luto possuem características específicas e, entre eles, destacam-se:

■ luto “não autorizado”;


■ luto antecipatório;
■ luto decorrente de perdas ambíguas.

O luto antecipatório é marcado por ter seu início antes que a morte aconteça. É
observado com frequência em familiares e cuidadores de pacientes de adoecimento
crônico em fase terminal. Nesse tipo de luto, um grande diferencial é o tempo para
despedida e a possibilidade de ensaios de papéis prevendo as alterações na
dinâmica familiar e social que ocorrerão após a morte.

Outro ponto marcante do luto antecipado é a possibilidade de resolução de


questões pendentes entre o sujeito e aquele que está morrendo, embora a negação
da morte, muitas vezes estimulada pela sociedade, possa atrapalhar esse processo,
já que, infelizmente, em alguns casos ainda impera o silêncio referente à morte
entre pacientes terminais e aqueles que o acompanham. Quando isso ocorre, são
perdidos preciosos momentos em que seria possível uma comunicação honesta e a
resolução de problemas ainda existentes entre aqueles que se despedem.

Sujeitos que assumem o papel de cuidadores apresentam maior incidência de


sintomas de luto complicado quando os pacientes que acompanham mostram
dificuldades em aceitar o adoecimento e apresentam maior medo da morte.10
Sugere-se abordagem desse paciente enquanto a morte ainda não ocorreu, para
reduzir os sintomas de depressão presentes no período que antecede a morte e já
preparando o acesso do enlutado ao suporte social que será necessário após a
perda ocorrer de fato.11

A possibilidade de ensaio de papéis permite uma readaptação à vida de forma mais


tranquila para aqueles que sofrem a perda, todavia, pode levar a um recuo
emocional prematuro. Nesses casos, observa-se a família deixar de frequentar o
hospital ou visitar aquele que está morrendo aos poucos, pois já se adaptou a uma
rotina da qual aquela pessoa já não faz mais parte.

LEMBRAR

Infelizmente, observa-se com alguma frequência esse tipo de situação de


afastamento em pacientes geriátricos internados por longo período de tempo, que,
em alguns casos, parecem já “abandonados” pela família. Outro risco frequente no
luto antecipatório é a presença de comportamentos de cuidados exagerados de
modo compensatório ou como forma de aliviar sentimentos de culpa.

Outra particularidade do luto antecipatório, principalmente quando o adoecimento da


pessoa que está morrendo envolve determinantes genéticos, é a existência de
pensamentos do tipo “talvez eu esteja olhando para o meu futuro”. Em paciente com
doenças neurodegenerativas, por exemplo, faz-se necessária, a partir de
determinado ponto, a presença de um cuidador, devido à perda da autonomia do
paciente. Geralmente, esse cuidador é um familiar, sendo que em 80% dos casos a
pessoa é um filho ou o cônjuge do paciente.

O cuidador, geralmente do sexo feminino, sofrerá o desgaste de trabalho referente


ao cuidado, aliado à renúncia de diversas atividades antes praticadas e que são
incompatíveis com a nova realidade de dedicação ao paciente adoecido. Como
exemplo, pode-se citar o fato de que muitos cuidadores acabam precisando largar
os seus empregos e podem enfrentar problemas na própria vida conjugal, quando
casados, devido ao tempo dedicado ao ser que precisa de sua assistência. Assim
sendo, quando a morte ocorre, diversos pensamentos e sentimentos conflitantes se
fazem presentes.

Após a ocorrência da morte, há a necessidade de o cuidador retomar a própria vida


e seus interesses. O que pode parecer simples a princípio, na prática se torna
especialmente complicado quando se considera que alguns cuidadores chegam a
dedicar a quase totalidade de seu tempo a essa tarefa, em alguns casos por anos,
e, quando não existe mais a necessidade de sua atuação, ficam perdidos sem saber
o que fazer com suas vidas.

No luto não autorizado, termo proposto ainda na década de 1980 por Kenneth J.
Doka,12 a principal característica é o fato de a situação não ser socialmente aceita
ou reconhecida. Nesses casos, pode ser a perda em si que não é reconhecida, que
o enlutado não seja reconhecido ou que a relação existente entre eles não seja
aceita ou legitimada. Como exemplo, podem-se citar, entre outros, os casos de:

■ abortamento espontâneo ou perda gestacional;


■ abortamento induzido;
■ morte por doença socialmente estigmatizada;
■ morte de amante (relacionamento extraconjugal em sociedades que
prezam a monogamia).

As situações referidas dizem respeito a perdas que não podem ser francamente
comunicadas, e o pesar não encontra espaço para ser socialmente compartilhado.
Esse tipo de perda também não encontra qualquer tipo de suporte social. Por suas
características, apesar de as reações ao luto não autorizado serem semelhantes ao
que ocorre em outros tipos de perda, sua duração tende a ser mais longa e existe
maior vulnerabilidade para abertura de quadro patológico.

Luto não autorizado: B., 65 anos, morte de amante. A paciente relata ter tido um
relacionamento que durou 30 anos com um homem 10 anos mais velho do que ela
casado com outra pessoa. No período em que ficaram juntos, tiveram um filho, que
atualmente mora com a própria família e com quem a paciente tem uma relação
difícil, pois o filho nunca aceitou a situação familiar.

Durante esses 30 anos, não teve relacionamentos com outros homens e


manteve suas amizades bastante limitadas, pois não podia “ter estranhos em
casa bisbilhotando”, já que a situação de seu relacionamento não poderia ser
descoberta. Diz que, “apesar de tudo”, ele sempre foi muito bom para ela e
muitas vezes “chegava a passar semanas inteiras” em sua casa, quando dizia
para a esposa que estaria viajando por motivo de trabalho. Lamenta o fato de
terem, em todos esses anos, passado apenas três natais juntos, pois é sua
celebração favorita no ano, e ela diz que sempre sentia muito a falta dele
nessa data. Relata estar sofrendo muito com a tristeza e diz que “o pior de
tudo foi que não consegui me despedir dele no hospital”.

Durante o período de internação que antecedeu a morte, a paciente chegou a


ir ao hospital onde ele estava internado, mas diz que “a esposa dele estava
sempre lá, então não pude chegar nem perto”. “Queria ter dito a ele que o
amava uma última vez”. Também não foi ao velório ou ao enterro. Diz que
sente “muita dor” e não poder falar sobre o assunto com ninguém e, “pior
ainda, ter que fingir que está tudo bem” é extremamente cansativo e
desgastante. Acrescenta: “só consigo pensar nele” e “já não quero mais nada
com a vida”.

Devido ao fato de a relação ter sido vivenciada em segredo, a paciente não


conta com qualquer rede de apoio e ainda relata pressão social para “parecer
bem”, já que, segundo conhecimento de todos com quem tem relações sociais,
não haveria qualquer motivo para ela estar sofrendo ou com dificuldades.

Outra categoria de luto bastante específica e com dificuldades próprias é aquela


decorrente de perdas ambíguas, ou seja, quando não é possível ter absoluta
certeza sobre a ocorrência da morte. Isso ocorre em situações de desastres naturais
e catástrofes em que evidências da morte não existem, como, por exemplo, o corpo
do ser considerado morto nunca ser encontrado. Em tal situação, muitas vezes
surge algum nível de dúvida entre os enlutados quanto à realidade da morte, o que
dificulta elaboração do luto.

LEMBRAR

Outro caso que pode se enquadrar na categoria de luto decorrente de perda


ambígua surge com os progressos da medicina, que, com os avanços
tecnológicos, pode prolongar indefinidamente a vida de uma pessoa em alguns
casos.

Os movimentos bioéticos defendem a ortotanásia, que seria a “morte no tempo


correto”, ou seja, sem prolongamentos desnecessários (distanásia) com “futilidades
terapêuticas” e sem abreviá-la (eutanásia). Pode-se exemplificar com a situação de
perda de pacientes com danos cerebrais permanentes internados em unidade de
terapia intensiva (UTI). Esses pacientes estão presentes fisicamente, porém, com
todos os demais aspectos da existência comprometidos.13 Para os familiares, essa
situação é mobilizadora de grande ambivalência de pensamentos e sentimentos e
gera grande desgaste.

ATIVIDAD
ES

1. O luto normal apresenta um conjunto de sinais e sintomas muito próximo


ao encontrado nos quadros de

A) transtorno de estresse pós-traumático (TEPT).


B) depressão.
C) pânico.
D) demência.

Confira aqui a resposta

2. Quais comportamentos são considerados frequentes no luto?

Confira aqui a resposta

3. Quais são os fatores que aparecem como determinantes no curso do luto?

I – Idade do enlutado e do morto.


II – Tipo de morte ocorrida.
III – Experiência profissional do morto.
IV – Rede de relacionamentos do morto.

Quais alternativas estão corretas?

A) Apenas a I e a II.
B) Apenas a I e a IV.
C) Apenas a II e a III.
D) Apenas a III e a IV.

Confira aqui a resposta

4. Qual tipo de morte é percebida como anomalia e gera mais dificuldades


para ser elaborada? Por quê?

Confira aqui a resposta


5. Trata-se de um tipo de “luto complicado”:

A) luto não autorizado.


B) luto decorrente de perda ambígua.
C) luto adiado.
D) luto antecipatório.

Confira aqui a resposta

6. Sujeitos que assumem o papel de cuidadores apresentam maior incidência


de sintomas de luto complicado quando

A) os pacientes que acompanham mostram dificuldades em aceitar o


adoecimento, porém, apresentam menor medo da morte.
B) os pacientes que acompanham mostram dificuldades em aceitar o
adoecimento, porém, não apresentam medo da morte.
C) os pacientes que acompanham mostram facilidades em aceitar o
adoecimento e não apresentam medo da morte.
D) os pacientes que acompanham mostram dificuldades em aceitar o
adoecimento e apresentam maior medo da morte.

Confira aqui a resposta

7. Qual dos exemplos a seguir pode ser classificado como luto não
autorizado?

A) Luto decorrente de aborto ou de perda gestacional.


B) Luto por perda após longo período de adoecimento.
C) Luto pela morte dos pais.
D) Luto decorrente de morte violenta (acidente/incêndio).

Confira aqui a resposta

8. A morte no “tempo certo”, sem ser adiada ou prolongada


desnecessariamente, pode ser chamada de

A) mistanásia.
B) distanásia.
C) ortotanásia.
D) eutanásia.

Confira aqui a resposta

​ DIAGNÓSTICO DO LUTO

Em termos de classificação diagnóstica oficial, o luto esteve classificado tanto na


quarta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais14
(DSM-IV-TR) quanto na décima edição da Classificação Internacional de Doenças
(CID 10), publicação em que aparece definido no código diagnóstico Z63.4 –
Desaparecimento ou falecimento de um membro da família.15

Na classificação do DSM-IV, o luto era apresentado com o código V62.82 no eixo V,


que se refere à avaliação global do funcionamento. Nessa edição do DSM,14 ao
contrário do que ocorreu na anterior (terceira edição do mesmo manual), a
abordagem do luto passava pelos sintomas característicos dos quadros
depressivos, sendo enfatizada a necessidade de diferenciação entre luto “normal” e
transtorno depressivo maior (TDM).

No DSM-5,9 a preocupação com a diferenciação entre luto normal e depressão


ainda se faz presente. No início do capítulo sobre transtornos depressivos, é
recomendada atenção para a diferença entre a tristeza manifesta no primeiro
quadro e o que é observado no TDM.9 De acordo com a literatura científica
internacional, o texto alerta que, havendo concomitância entre os quadros, os
sintomas depressivos serão mais graves e com pior prognóstico se comparados aos
quadros de luto sem comorbidade com depressão. Um ponto de destaque é a
eliminação do critério, existente no DSM-III e no DSM-IV, de “exclusão do luto” para
o diagnóstico de depressão maior no período dos dois primeiros meses após a
perda.

Recomenda-se atenção especial ao diagnóstico diferencial entre luto e


depressão,8,16 pois, ainda não há evidências suficientes para total ausência de
confusão entre o luto normal e a depressão. No caso do luto complicado, sua
diferenciação para a depressão maior é bastante clara.4
O DSM-5 declara que a depressão relacionada ao luto pode ter sua recuperação
facilitada por tratamento psicofarmacológico com antidepressivos.9 Estudos atuais
mostram que o uso de antidepressivos melhora os sintomas da depressão comuns
no luto, porém, os demais sintomas característicos do luto propriamente dito não
têm mostrado melhora com essa abordagem farmacológica. Mais estudos são
necessários na área para melhor entendimento quanto à eficácia de
antidepressivos, benzodiazepínicos (BZDs) e outros fármacos para o alívio do luto.

Nos anos que antecederam a elaboração do DSM-5,9 diversos estudos buscaram


avaliar a validade para inclusão o luto complicado,17 quadro diverso do luto normal,
nessa edição. Conceitos que envolvem a aproximação com o TEPT e de luto
prolongado, que funcionaram como modelos independentes por muito tempo,1
foram considerados na elaboração de um consenso sobre os critérios diagnósticos
para o luto complicado18 que reuniu os autores de ambas as abordagens, entre
outros.

Na edição final, o grupo de trabalho do DSM-5 decidiu pela inclusão do denominado


“Luto Complexo Persistente” junto a “condições para estudos posteriores”. Os
critérios propostos são expostos no Quadro 3.
Quadro 2

CRITÉRIOS DO DSM-5 PARA TRANSTORNO DO LUTO COMPLEXO


PERSISTENTE

A O indivíduo experimentou a morte de alguém com quem tinha um


relacionamento próximo.

B Desde a morte, ao menos um dos seguintes sintomas é experimentado em


um grau clinicamente significativo na maioria dos dias e persistiu por pelo
menos 12 meses após a morte no caso de adultos enlutados e por seis
meses no caso de crianças enlutadas:

■ saudades persistentes do falecido. Em crianças pequenas, a


saudade pode ser expressa em brincadeiras e no comportamento,
incluindo comportamentos que refletem ser separado de e também
voltar a unir-se a um cuidador ou a outra figura de apego;
■ intenso pesar e dor emocional em resposta à morte;
■ preocupação com o falecido;
■ preocupação com as circunstâncias da morte. Em crianças, essa
preocupação com o falecimento pode ser expressa por meio dos
temas de brincadeiras e comportamento e pode se estender à
preocupação com a possível morte de outras pessoas próximas a
elas.

C Desde a morte, ao menos seis dos seguintes sintomas são experimentados


em um grau clinicamente significativo na maioria dos dias e persistiram por
pelo menos 12 meses após a morte, no caso de adultos enlutados, e seis
meses no caso de crianças enlutadas:

Sofrimento relativo à morte:


■ dificuldade em aceitar a morte. Em crianças, isso depende de sua
capacidade de compreender o significado e a continuidade da
morte;
■ incredulidade ou entorpecimento emocional quanto à perda;
■ dificuldade com memórias positivas a respeito do falecido;
■ amargura ou raiva relacionada à perda;
■ avaliações desadaptativas sobre si mesmo em relação ao falecido
ou à morte (por exemplo: autoacusação);
■ evitação excessiva de lembranças da perda (por exemplo: evitação
de indivíduos, lugares ou situações associadas ao falecido; em
crianças, isso pode incluir a evitação de pensamentos e
sentimentos relacionados ao falecido).

Perturbação social/da identidade


■ desejo de morrer para estar com o falecido;
■ dificuldade de confiar em outros indivíduos desde a morte;
■ sentimento de solidão ou isolamento em relação aos outros
indivíduos desde a morte;
■ sensação de que a vida não tem sentido ou é vazia sem o falecido
ou a crença de que não consegue funcionar sem o falecido;
■ confusão quanto ao próprio papel na vida ou senso diminuído
quanto à própria identidade (por exemplo, sentir que uma parte de
si morreu com o falecido);
■ dificuldade ou relutância em buscar interesses desde a perda ou
em planejar o futuro (por exemplo, amizades, atividades).
D A perturbação causa sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no
funcionamento social, profissional ou em outras áreas importantes da vida
do indivíduo.

E A reação de luto é desproporcional ou inconsistente com as normas


culturais, religiosas ou apropriadas à idade.

Fonte: American Psychiatric Association (2014). 14

​ AVALIAÇÃO DO PACIENTE ENLUTADO

A adequada avaliação do paciente enlutado, seja luto normal ou complicado, assim


como de qualquer outro quadro psicológico/psiquiátrico, é fundamental e deve ser
feita por profissional experiente em avaliação psicológica, com utilização de
procedimentos, técnicas e instrumentos válidos e precisos, de forma ética e sempre
respeitosa.19 Essa avaliação passa não apenas pela verificação do correto
diagnóstico de luto, mas também por seu diagnóstico diferencial, considerando,
principalmente, depressão e TEPT.

Além de investigação sobre depressão ou TEPT, na avaliação ao paciente enlutado


são examinados os determinantes do luto, seus sinais e sintomas, formas como o
indivíduo maneja a questão, existência e acesso à rede de apoio, presença de
outros estressores e demais pontos de relevância para a elaboração do luto.

Recomenda-se o início do processo de avaliação com entrevista clínica/anamnese.


Nessa entrevista, além de todos os aspectos cobertos pela entrevista
tradicionalmente realizada para outras condições clínicas (queixa principal do
sujeito, investigação sobre história pessoal pregressa, história educacional, familiar,
social, conjugal/de relacionamentos, laboral etc.), são incluídas questões
específicas referentes à perda, como tipo de morte, características do falecido,
tempo e tipo de relação, possíveis conflitos, pendências e problemas, impactos
percebidos da perda, papel do morto na vida do atual enlutado, funcionamento do
sujeito antes e após a perda e mudanças percebidas, se houve possibilidade de
despedida e rituais funerários etc.

As questões específicas sobre o falecido, sua relação com o enlutado, o processo


da morte e do luto serão fundamentais para posteriores ajustes no protocolo de
atendimento por TCC para adequação às demandas específicas do enlutado. Ao
longo da entrevista, a investigação quanto a estilos e padrões de pensamentos
auxiliará a posterior conceitualização do caso clínico.

Em seguida, recomenda-se a utilização de entrevista estruturada. Exemplos de


entrevistas estruturadas são a Mini International Neuropsychiatric Interview (MINI) e
a Structured Clinical Interview for DSM-IV Disorders (SCID), porém, existem outras
disponíveis. A utilização desse tipo de instrumento auxilia o profissional na detecção
de outros quadros psiquiátricos comórbidos ou potenciais problemas que requeiram
atenção clínica.

Considerando que em saúde mental não há marcadores biológicos para


determinação diagnóstica, os instrumentos psicométricos se mostram como
fundamentais na avaliação dos pacientes. É importante destacar, no entanto, que
tais instrumentos devem possuir alguns requisitos básicos para garantir sua
qualidade. Devem ter padronização para a população-alvo, ter sido validados e ter
tido sua fidedignidade aferida de modo apropriado e, se destinados ao uso clínico,
possuir normatização.

A seleção dos instrumentos deve considerar as particularidades do caso clínico


apresentado e o contexto da avaliação. Com o desenvolvimento desse campo de
estudos, têm sido disponibilizadas cada vez mais escalas que servem tanto para
avaliar o luto como um construto geral quanto para categorias específicas, como o
luto decorrente de morte de irmãos, o luto antecipatório e mesmo o luto perinatal.19

Cada caso de luto possui suas singularidades e instrumentos específicos colaboram


para um melhor entendimento deles. Ao mesmo tempo, alguns instrumentos se
concentram na frequência e/ou na intensidade de conjuntos de sintomas presentes
no luto, ao passo que outros avaliam a percepção do enlutado sobre tais sintomas
ou como esses sintomas afetam o paciente.19

Além de instrumentos específicos para avaliação do luto, recomenda-se a inclusão


de ferramentas que mensurem construtos relevantes no quadro em questão, mais
uma vez, considerando as particularidades do luto apresentado. Mostra-se de
interesse na quase totalidade dos casos uma avaliação cuidadosa da depressão e
possível presença de ideação suicida. Ansiedade, estresse, qualidade de vida,
habilidades sociais, capacidade de coping e funcionamento global são outros
exemplos de mensurações de interesse. Em um trabalho mais cuidadoso,
recomenda-se ainda a finalização do processo com uma breve avaliação
neuropsicológica também realizada com instrumentação adequada e por
profissional com experiência em testagem psicológica.

Ressalta-se a importância da responsabilidade profissional do trabalho técnico na


escolha dos instrumentos mais adequados para o processo de avaliação. Todos os
instrumentos adotados devem ter sido padronizados, validados e terem tido sua
fidedignidade aferida com constatação de bons parâmetros para a população-alvo.
A testagem com esses instrumentos pode e deve ser repetida posteriormente para
verificação do progresso do tratamento. A frequência de repetição dependerá de
características do quadro clínico e também do instrumento utilizado.

O conjunto de informações obtido após todo o processo de avaliação guiará o


profissional clínico na seleção de procedimentos e técnicas adequadas para o
tratamento do caso, considerando suas particularidades e visando ao melhor
aproveitamento. Tal procedimento é fundamental, e o tempo e/ou o número de
sessões de avaliação poderá variar de acordo com o instrumental selecionado e a
duração da entrevista inicial.

Avaliação de caso de luto: P., 24 anos, passou por experiência de perda gestacional
há quatro meses. Relata extrema tristeza, dificuldades de concentração, falta de
apetite, pensamentos intrusivos referentes à perda, dores no corpo e sensação
constante de fraqueza.

Na etapa de avaliação, foi realizada anamnese completa, incluindo questões


relativas à perda. Dados obstétricos referentes à perda, assim como detalhes
da condição de saúde atual, foram obtidos por meio do prontuário da paciente.
Sendo um caso de perda gestacional, houve cuidadosa investigação sobre
expectativa’s da paciente para o período gestacional e para a criança
esperada.

O impacto da perda na dinâmica familiar e a rede de apoio disponível foram


cuidadosamente investigados. Foi utilizada a MINI versão 5.0 para avaliação
de possíveis comorbidades psiquiátricas. Sintomas de depressão e ansiedade
foram avaliados por meio da Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão
(HADS). De modo complementar, a escala Beck de Desesperança (BHS) foi
aplicada.

Considerando presença de queixas de dificuldades de concentração, foi


utilizado o teste de trilhas coloridas. Para avaliação quanto aos aspectos do
luto, foi selecionada a escala Perinatal Grief Scale. O Questionário de Saúde
Geral de Goldberg (QSG) foi utilizado para investigação de saúde geral e de
seus cinco fatores: estresse psíquico, desejo de morte, desconfiança no
próprio desempenho, distúrbios do sono e distúrbios psicossomáticos. A
qualidade de vida foi mensurada em suas dimensões: físico, psicológico,
relações sociais e meio ambiente, por meio do Instrumento de Avaliação de
Qualidade de Vida da Organização Mundial da Saúde (WHOQOL-Bref).

​ TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL PARA LUTO

Apesar de até o momento não ter sido identificada evidência de que intervenções
visando à prevenção do luto complicado sejam efetivas, o tratamento do luto
buscando redução de sintomas tem se mostrado eficaz em diversos estudos.20
Estudos envolvendo TCC,3,21,22 utilizando psicoeducação, reestruturação
cognitiva, exposição, técnicas comportamentais diversas e mesmo suporte pela
Internet23 têm obtido bons resultados no tratamento de enlutados. Apesar disso,
deve-se considerar que o número de estudos ainda é escasso quando comparado à
quantidade de trabalhos publicados sobre tratamento com TCC para outros
transtornos mentais.

Outro ponto a ser considerado é que os tratamentos implementados, apesar de


seguirem um mesmo enfoque – TCC –, não são homogêneos em seus
procedimentos ou mesmo nas variáveis adotadas para avaliação de seus
resultados, o que dificulta a comparação entre eles. Ainda, o nível de melhora obtida
varia entre as pesquisas realizadas. Mesmo dentro da classificação diagnóstica de
“luto complexo persistente”, há diferenças nos determinantes do luto que demandam
abordagens específicas e que também poderiam ser capazes de influenciar o curso
do tratamento, dificultando ainda mais as tentativas de comparação entre os
estudos.

Apesar disso, os resultados promissores das pesquisas existentes mostram que a


TCC, com suas características educacionais e abordagem estruturada e diretiva,
valorizando a participação ativa do paciente em todas as fases do tratamento, além
de seu foco em resolução de problemas específicos, se mostra adequada no
tratamento de pessoas nesse crítico momento da existência.

O tratamento cognitivo-comportamental voltado para o atendimento de enlutados


deve considerar a classificação diagnóstica (luto normal, luto complexo persistente),
o tipo de luto, seus determinantes e a presença de comorbidades psiquiátricas ou a
existência de outros elementos estressores no momento da perda e no momento
presente. Portanto, é fundamental que seja feita uma ampla e adequada avaliação
psicodiagnóstica antes do início de qualquer procedimento psicoterápico.

Alguns pontos no atendimento dos enlutados merecem destaque. Por meio de


função psicoeducativa, deve-se promover o esclarecimento do paciente quanto a
todas as alterações esperadas no período de luto, tanto em termos de emoções
quanto de pensamentos, comportamentos e mesmo sintomas físicos, que são
comuns nos momentos que sucedem uma perda. Considerando que se vive em
uma sociedade que ainda apresenta como forte característica a evitação da morte,
esse momento se mostra bastante importante.

O paciente enlutado muitas vezes se percebe sozinho, e experiências de morte e


luto são pouco compartilhadas por causa da característica de evitação da morte da
sociedade brasileira. Assim, os enlutados nem sempre compreendem bem o quadro
pelo qual estão passando, e, devido ao fato de conversas francas sobre luto serem
pouco frequentes, muitos não possuem sequer parâmetros de comparação para
tentar entender o que estão vivenciando.

Em alguns casos, veem-se pacientes enlutados que relatam que antes da perda em
questão nunca tiveram contato com um morto ou nunca participaram de um ritual
fúnebre ou, mesmo se participaram, relatam a experiência mais como uma
formalidade social na qual pouco se envolveram. Alguns pacientes chegam a
acreditar que estão “enlouquecendo” quando têm alucinações com referência ao ser
perdido, que são comuns no período de luto. A compreensão de que algumas
experiências, se não universais, são bastante comuns no período de enlutamento já
produz algum alívio para o sujeito e funciona também como um fator de redução de
ansiedade.

São fornecidos esclarecimentos ao paciente sobre as fases do luto tidas como


normais, pois, embora essas fases não sejam definitivas e nem mesmo sigam uma
ordem fixa, sua compreensão ajuda-o em sua experiência com o próprio
enlutamento. Também são utilizadas técnicas compatíveis com a fase do luto em
que o indivíduo se encontra.

O enlutado é treinado no reconhecimento e monitoramento de pensamentos,


sentimentos e comportamentos. Os principais sentimentos envolvidos no processo
de luto são abordados com maior atenção (estarrecimento, tristeza, raiva, culpa,
ansiedade, desamparo, choque, emancipação, alívio, anseio pela presença do ser
perdido etc.). O mesmo ocorre com os pensamentos e crenças e mesmo com as
alterações neurocognitivas.

O modelo ABC pode ser empregado para auxiliar na compreensão de como a


experiência do luto pode ativar crenças individuais, que, por sua vez, provocarão
consequências em termos comportamentais, emocionais e mesmo fisiológicas.

A Figura 2 exemplifica a aplicação do modelo ABC em um caso de luto decorrente


da morte de um pai.
Figura 2 – Exemplo de aplicação do modelo ABC em caso de luto.
Fonte: Arquivo de imagens da autora.

O paciente enlutado deve receber orientação e ser treinado em técnicas que o


ajudem a manejar alterações comportamentais, como:

■ distúrbios do sono;
■ distúrbios do apetite;
■ comportamento “aéreo”;
■ busca ou evitação de objetos ou locais ou situações que lembrem a pessoa
morta;
■ isolamento social.

LEMBRAR

Acredita-se que a redução de cognições disfuncionais e de comportamentos


evitativos colabora para a redução da gravidade dos sintomas do luto
complicado.22

As principais queixas somáticas também são abordadas diretamente, e geralmente


o paciente é encaminhado para consulta por médico clínico geral, ou especialista,
quando necessário, dependendo do tipo de queixa, para avaliação geral como
medida de segurança. Apesar do fato de, em grande parte dos casos, as queixas
físicas não representarem lesões de órgãos-alvo, trata-se de uma questão de
responsabilidade profissional não ignorar a possibilidade de que possa haver um
problema médico presente que também necessite de adequada intervenção por
profissional qualificado.

LEMBRAR

Há um aumento de morbidade e mortalidade no período que segue uma perda,


principalmente em alguns lutos específicos. O trabalho motivacional paralelo para
a adesão ao tratamento também se mostra de grande importância no
acompanhamento de pessoas em luto.
O Quadro 4, como proposta, apresenta um modelo básico para atendimento de
casos de luto.
Quadro 3

MODELO BÁSICO PARA ATENDIMENTO EM CASOS DE LUTO

Bloco Procedimentos e técnicas

1 ■ Esclarecimentos quanto ao processo de enlutamento.


■ Treinamento para identificar sinais e sintomas (físicos,
emocionais, comportamentais e cognitivos).
■ Utilização de técnicas para controle da ansiedade e da
depressão em momentos agudos [por exemplo: relaxamento
muscular progressivo (RMP), mudança de foco].
■ Técnicas para manejo dos delírios e alucinações (quando
presentes).
■ Facilitação do reconhecimento da realidade da perda.
■ Objetos e documentos que atestem/comprovem a realidade da
morte (por exemplo: certidão de óbito).
■ Questões legais eventualmente ainda envolvidas.
■ Compartilhamento da experiência da perda.
■ Apresentação das histórias individuais no grupo.
■ Estímulo ao contato familiar e com outras pessoas que sofreram
a perda da mesma pessoa.
■ Auxílio na elaboração e, se necessário, execução de rituais de
despedida.
■ Agrupamento do material que lembre o ser perdido (fotos,
objetos, filmes etc.).
■ Visitas ao cemitério.
■ Técnica de hipnose para despedida.
■ “Limpeza da casa/quarto/armário”.

2 ■ Resolução de problemas pendentes entre o sujeito enlutados e


o ser perdido (por exemplo: escrever carta ao morto).
■ Criação de rede de apoio social.
■ Estímulo ao contato social (parentes, amigos, vizinhos, colegas
de trabalho etc.).
■ Identificação das pessoas que fazem parte da vida do enlutado
e que possam ajudá-la.
■ Fornecimento de habilidades sociais para que o sujeito consiga
obter o apoio necessário em sua rede de contatos.
■ Reorganização do sistema familiar.
■ Redistribuição de papéis/distribuição de tarefas (por exemplo,
organizar a quem caberá as tarefas que antes eram executadas
pela pessoa morta).

3 ■ Auxílio à readaptação da pessoa à vida cotidiana.


■ Organização do horário de atividades semanais (usar registro
de atividades diárias).
■ Investimento em novos objetivos de vida e novas relações.
■ Assessoria para a pessoa identificar novos interesses.
■ Fornecimento de instrumentos para que a pessoa seja capaz de
implementar novos projetos.
■ Desfazimento de crenças disfuncionais que impeçam a pessoa
de investir em novas relações.
■ Prevenção de recaída.

Pelo atendimento segundo esse modelo, o paciente enlutado recebe informações


sobre o curso normal do luto e esclarecimentos sobre seu caso em particular,
considerando tipo específico de luto, determinantes e gravidade do quadro clínico
apresentado. Ao longo do tratamento, o paciente é treinado em novas habilidades,
tanto cognitivas quanto comportamentais, que facilitem sua readaptação à vida
considerando a ausência do ser perdido, o que inclui a necessidade de
reformulação de papéis exercidos nos âmbitos familiar e social.

A duração é de 12 sessões24 de 45 minutos, que podem ser agrupadas, para fins


didáticos, em três blocos, cada um equivalente a quatro sessões terapêuticas, ou
seja, um mês de acompanhamento. Cada um desses blocos enfatiza alguns pontos
específicos, importantes no processo de elaboração do luto.

LEMBRAR

Deve-se ressaltar que a proposta de intervenção apresentada neste artigo possui


característica breve e focal, sendo direcionada para o atendimento de pessoas
que passaram por perda referente à morte de alguém com quem possuíam
vínculo. Sendo essa uma proposta generalista, recomenda-se adaptação às
necessidades específicas dos diferentes tipos de luto.
ATIVIDAD
ES

9. Quais modificações e recomendações o DSM-5 introduziu acerca do


diagnóstico do luto?

Confira aqui a resposta

10. Para satisfazer um dos critérios do DSM-5 para transtorno do luto


complexo persistente, qual dos seguintes sintomas deve ser
experimentado em um grau clinicamente significativo na maioria dos dias e
persistir por pelo menos 12 meses após a morte no caso de adultos
enlutados e por seis meses no caso de crianças enlutadas?

A) Sentir saudades esporádicas do falecido.


B) Adotar a negação do falecido.
C) Evitar preocupação com as circunstâncias da morte.
D) Sentir intenso pesar e dor emocional em resposta à morte.

Confira aqui a resposta

11. Recomenda-se iniciar o processo de avaliação da pessoa enlutada com


entrevista clínica/anamnese. Destaque os aspectos que devem ser
investigados nesse procedimento.

Confira aqui a resposta

12. Sobre os instrumentos utilizados no processo de avaliação do paciente


enlutado, observe as seguintes afirmativas.

I – Os instrumentos adotados devem estar em fase de estudo de validade


junto à população-alvo para que após seja verificada e aferida sua
fidedignidade.
II – A testagem com esses instrumentos pode e deve ser repetida
posteriormente para verificação do progresso do tratamento.
III – A frequência de repetição dependerá de características do quadro
clínico e também do instrumento utilizado.

Quais estão corretas?

A) Apenas a I e a II.
B) Apenas a I e a III.
C) Apenas a II e a III.
D) A I, a II e a III.

Confira aqui a resposta

13. Quais aspectos devem ser considerados quando se aplica o tratamento


cognitivo-comportamental no atendimento de enlutados?

Confira aqui a resposta

14. O modelo ABC pode ser empregado para auxiliar na compreensão de


como a experiência do luto pode ativar crenças individuais, que, por sua
vez, provocarão consequências em termos comportamentais, emocionais e
mesmo fisiológicas. Assim, o paciente deve receber orientação e ser
treinado em técnicas que o ajudem a manejar alterações comportamentais,
como as indicadas a seguir.

I – Distúrbios de leitura.
II – Desejo de ampliar as relações sociais.
III – Comportamento aéreo.
IV – Distúrbios do apetite.

Quais estão corretas?

A) Apenas a I e a II.
B) Apenas a I e a IV.
C) Apenas a II e a III.
D) Apenas a III e a IV.

Confira aqui a resposta

15. Marque V (verdadeiro) ou F (falso) acerca dos procedimentos e técnicas


que fazem parte do modelo básico para atendimento em casos de luto.

( ) Ajudar a pessoa a identificar novos interesses.


( ) Desfazer crenças disfuncionais que impeçam a pessoa de investir em
novas relações.
( ) Organizar horário de atividades semanais (usar registro de atividades
diárias).
( ) Relembrar a necessidade de uso contínuo de antidepressivo.
Assinale a alternativa que apresenta a sequência correta.

A) V – V – V – F
B) V – V – F – V
C) V – F – V – V
D) F – V – V – V

Confira aqui a resposta

16. Como proceder com pacientes que apresentam queixas físicas?

Confira aqui a resposta

​ CASOS CLÍNICOS

A seguir, serão apresentados dois casos clínicos, ambos tratados com base no que
foi apresentado no presente artigo. Todos os pacientes passaram por avaliação
psicodiagnóstica antes da primeira sessão de TCC, na qual foram utilizados:

■ entrevista clínica;
■ entrevista estruturada para avaliação de possíveis comorbidades
psiquiátricas;
■ escalas específicas para avaliação de luto;
■ escalas clínicas para avaliação de aspectos de humor, ansiedade,
qualidade de vida e quadro geral de saúde.

Os pacientes concordaram com a divulgação dos casos para fins didáticos e/ou
científicos, sendo preservado o anonimato. Desse modo, nomes foram modificados,
assim como características que permitissem a identificação dos sujeitos. Antes do
início do tratamento com TCC, ambos os pacientes passaram por avaliação médica,
não tendo sido encontrado qualquer problema clínico que requeresse intervenção
nesse sentido. Nos dois casos aqui apresentados, não houve tratamento
psicofarmacológico concomitante ao tratamento com TCC, e os pacientes não
estavam em uso de nenhum medicamento dessa natureza.

CASO CLÍNICO 1
Dados do caso clínico 1:

■ nome: R.;
■ idade: 34 anos;
■ pessoa perdida: filho mais velho – H. (7 anos);
■ causa da perda: adoecimento, câncer, após recidiva (sic);
■ tempo da perda: cinco meses;
■ determinantes: morte esperada;
■ tipo de luto: luto antecipatório;
■ observações: tem outros dois filhos.

História do caso

A morte de H. ocorreu quando ele tinha 7 anos, durante internação por recidiva de
câncer. Anteriormente, já havia feito tratamento oncológico, sendo submetido à
radioterapia e à quimioterapia. Após melhora, foi dada alta médica e fez-se controle
ambulatorial.

Após dois anos, houve a recidiva do câncer, o que gerou a necessidade de nova
internação. Foram tentados tratamentos, porém, devido à agressividade com que o
quadro se manifestou, não havia mais a possibilidade de intervenções visando à
cura, e a situação foi comunicada aos pais pela equipe médica, que recomendou
tratamento paliativo, pare evitar que H. sentisse dor ou desconfortos decorrentes do
adoecimento. R. relata que no momento se percebeu “sem chão”, pois, apesar de
saber que o câncer é uma doença grave, ainda tinha esperanças de que o quadro
fosse revertido e que o filho pudesse voltar bem para casa, como ocorreu na
primeira internação.

Diz que gostaria de ter passado mais tempo com o filho, mas era difícil, pois não
podia deixar de trabalhar, já que sua família dependia financeiramente dele. Além
disso, sentia-se “pressionado” pela família (esposa e pais – os avós paternos de H.)
a conseguir dinheiro para oferecer o que “houvesse de melhor” nos momentos finais
da criança. Acrescenta que, paradoxalmente, sua esposa o acusava de não se
importar, devido ao fato de ele não tirar mais dias de dispensa no trabalho.

R. defende-se esclarecendo que já havia tirado todos os dias de dispensa possíveis


e tinha medo de ser demitido e piorar ainda mais a situação da família. Afirma que
muitas vezes teve dúvidas sobre ser essa a atitude certa, mas que não queria
decepcionar a família como provedor. Menciona que se arrepende de não ter
passado mais tempo com H. enquanto “ainda podia”.

R. saía do trabalho e tentava ir para o hospital direto, fazendo revezamento com a


esposa, que, por sua vez, permanecia como acompanhante do filho no restante do
tempo. Tendo eles outros filhos, o casal contou com a ajuda dos avós no cuidado
das outras crianças. Assim, nessa configuração, os demais filhos do casal passaram
a residir temporariamente com esses familiares.
R. sente-se culpado por não ter estado mais ao lado do filho nos momentos finais de
sua vida. Também relata muita culpa ao contar que, em alguns momentos,
confrontado com o sofrimento do filho, acreditava “que seria melhor se tudo
acabasse logo”. Relata sentir-se muito envergonhado por ter pensado desse modo
algumas vezes e acrescenta que “não aguentava mais aquela situação”, devido a
todo o desgaste da família, tanto emocional quanto financeiro, e pelas situações
pesarosas pelas quais a criança estava passando, em relação às quais ele dizia se
sentir impotente. Acredita que “deveria ter feito mais” e que “isso me atormenta até
hoje”, mas que “no fundo foi melhor assim”, mas “sinto muita falta do meu filho”.

Ao longo de todo o adoecimento, informa, tentou permanecer ao lado do filho,


mesmo diante de todas as dificuldades, mas que “às vezes se sentia perdido”, pois
sua esposa “é que sempre estava lá com ele” e que “resolvia as coisas”.
Acrescentou também que como no hospital quem “manda são os médicos”, ele não
se sentia muito confortável, pois sua autoridade parecia “não valer nada” ali.

Quando H. morreu, R. se responsabilizou por todos os trâmites burocráticos e


cuidados das cerimônias fúnebres. Avisou os amigos e familiares sobre o enterro e
fizeram uma cerimônia pequena, mas com a presença de todos os familiares e
amigos que conheciam a criança. Depois do enterro, que foi muito triste para ele,
foram para casa. Chegando ao ambiente residencial, quase não falaram sobre o
assunto. Mantiveram-se afastados e calados, cada um cuidando de suas questões.

Depois de 15 dias, R. e a esposa resolveram “esvaziar o quarto” da criança morta,


mas “foi muito doloroso”, então interromperam o processo, e o quarto permanece do
mesmo modo desde então e sempre com a porta fechada. Diz que olhar para os
brinquedos do filho o faz se sentir mal por não ter passado mais tempo com ele
“enquanto podia”.

Seus outros filhos só voltaram para casa uma semana após o enterro. R. e a esposa
só contaram a eles o que tinha ocorrido nesse momento e de modo breve, pois R.
diz que tem dificuldades para falar sobre o assunto e sempre evita as perguntas que
os filhos fazem. Diz que os filhos estão mais agitados do que o habitual e com
dificuldades para dormir desde que voltaram para casa.

Em relação a si mesmo, enfatiza que o mais difícil agora é lidar com a “culpa” por,
em alguns momentos, “ter acreditado que seria melhor assim”. Apesar disso, e da
falta que relata sentir do filho, acredita que foi preferível “isso ter acontecido” do que
ele “continuar naquela vida”. Acrescenta que gostaria de se reaproximar da esposa,
pois o casamento “só piora”. Teme que os problemas no relacionamento possam
levar a um divórcio no futuro próximo caso “nada seja feito”. Também busca ajuda
para conseguir ajudar os filhos a superar a perda do irmão.

Tratamento e resultados
R. foi encaminhado para tratamento psicoterápico no enfoque da TCC, sendo
utilizado um protocolo terapêutico específico para luto. Ao longo do processo, o
progresso terapêutico foi avaliado com o Inventario Beck de Depressão (BDI), o
Inventario Beck de Ansiedade (BAI), a BHS e o QSG.

R. apresentou redução em seus índices de depressão e ansiedade ao longo do


processo de aplicação do protocolo, sendo que esses índices sofrem aumento nas
sessões relativas à busca de elementos que atestem a realidade da perda e
também na que é relacionada à elaboração de rituais de despedida. Também foi
observada redução em seus escores de desesperança. Além disso, R. apresentou
melhora em relação aos fatores avaliados pelo QSG, sendo que, mesmo na primeira
aplicação, seus índices, exceto o do fator três, não se mostravam dentro da faixa
considerada de maior risco (superior a 90%) segundo determina o manual do
instrumento.

O motivo de o fator número três se mostrar elevado está relacionado, além da


questão da perda, com as consequências dela para seu relacionamento conjugal,
ou seja, a perda de confiança em si mesmo refere-se tanto ao sentimento de
frustração, por não conseguir fazer nada diante do adoecimento e morte do filho,
quanto ao fato de ele se acreditar ineficiente para prestar o devido apoio à sua
esposa, havendo afastamento entre eles após a morte da criança.

Os pensamentos de R. sobre a morte reduziram bastante (de 86 para 59%),


estando ausentes nas sessões finais da terapia, segundo constatado por meio da
BDI. Distúrbios associados ao sono também sofreram importante redução (de 95
para 40%), assim como distúrbios psicossomáticos (de 65 para 20%).

A redução do fator ligado ao estresse psíquico foi mais discreta (de 87 para 70%),
porém, deve-se acrescentar aqui a presença de dificuldades no momento atual que
são consequências da morte da criança, principalmente em seu ambiente familiar.
Essas dificuldades, mais do que o processo de elaboração da perda em si,
colaboram para que esse fator se mantenha elevado.

Cabe lembrar que, por se tratar de um caso de luto antecipatório, a elaboração da


perda foi realizada paulatinamente enquanto a criança ainda estava viva, o que
facilitou a adaptação de R. à continuação de sua vida, mesmo na ausência do filho.
Por outro lado, essa elaboração antecipada é geradora de sentimentos de culpa,
que fazem com que o paciente se questione quanto a ser um bom pai. Também
deve-se considerar que, mesmo sendo um caso de luto antecipatório, a perda de
um filho é considerada o tipo de perda mais difícil de ser superado.

Os sentimentos de culpa e os questionamentos referidos podem ajudar a esclarecer


o aumento de ansiedade na sessão sete, na qual é realizado o trabalho em relação
a assuntos pendentes. Ajudaria a esclarecer também a queda mais intensa dos
índices da BDI e BAI nas sessões iniciais, em que pensamentos disfuncionais são
trabalhados de forma mais intensa, de acordo com a demanda do paciente.

Havendo queixas físicas, recomenda-se que o paciente seja encaminhado para


avaliação médica.

Caso as queixas do paciente sejam diversas e gerais, um médico generalista


poderia ser mais indicado para o encaminhamento. Caso seja detectado algum
sintoma específico, por exemplo, “dor no peito”, é indicado o encaminhamento para
um cardiologista, que poderá avaliar a angina de modo apropriado.

Em muitos casos, os sintomas apresentados não requerem intervenção médica e


reduzem naturalmente com o avanço da terapia e a resolução do luto, no entanto
pode haver casos em que o paciente já possua um problema de saúde anterior ao
luto e que se agravou diante da crise ou mesmo que tenha desenvolvido um
problema orgânico que requeira cuidados de um especialista. Assim sendo, é uma
questão de responsabilidade profissional realizar o encaminhamento quando
necessário de modo a garantir a segurança do paciente.

ATIVIDA
DE

17. É considerada característica do luto antecipatório:

A) rápido desapego emocional do enlutado.


B) possibilidade de ensaio de papéis.
C) grande ansiedade no momento que precede a morte.
D) não reconhecimento social da morte.

Confira aqui a resposta

CASO CLÍNICO 2
Dados do caso clínico 2:
■ nome: M.;
■ idade: 53 anos;
■ pessoa perdida: marido;
■ causa da perda: infarto agudo do miocárdio (IAM);
■ tempo da perda: quatro meses;
■ determinantes: morte inesperada;
■ observações: não houve oportunidade para despedida.

História do caso

M. conta que conheceu o marido ainda na adolescência e que namoraram por seis
anos e se casaram quando ela tinha 19 anos. Pela sua vontade, teria se casado até
antes, mas seu pai, na época, só autorizaria a união quando ela fosse “maior”. O
marido foi a única pessoa com quem teve relação de base romântica e/ou sexual.
Tinham uma boa relação e sempre foram muito amigos, mesmo “nas épocas de
dificuldades”, e, apesar de “desentendimentos” esporádicos, tinham uma
convivência harmoniosa.

Durante todo o tempo em que ficaram juntos, diz que nunca chegaram a considerar
a hipótese de se afastarem um do outro. Acrescenta ainda que ele era a única
família que ela possuía, já que seus pais já haviam morrido e ela não tem irmãos.
Como seus pais também eram ambos filhos únicos, ela não conta com tios, primos
ou outros parentes próximos.

Seu marido era dez anos mais velho do que ela e possuía boa saúde física,
praticava caminhada quatro vezes na semana, encontrava-se com amigos para
jogar futebol todo sábado e mantinha hábitos de boa alimentação. Não apresentava
fatores de risco para cardiopatia, tais como etilismo, tabagismo, obesidade,
hipertensão ou diabetes melito, e era uma pessoa saudável que realizava exame
médico, como revisão, anualmente.

M. acrescenta que ela “não era tão disciplinada quanto ele”, evitava a prática de
exercícios, consumia alimentos gordurosos, frituras, chocolates e doces, além de ter
hábitos de sono considerados “errados” pelo marido, pois gostava de ficar até tarde
na madrugada assistindo filmes na televisão. Diz que não entende como “isso pôde
acontecer”, pois, “se tivesse que acontecer com alguém, seria com ela, que nunca
se preocupou em se cuidar”.

A morte do marido ocorreu de forma inesperada. Durante uma caminhada que


realizava com um amigo, ele começou a se sentir mal e sentou no chão, relatando
tontura, enjoo e “dor no peito”. Seu amigo, conforme contaram a ela posteriormente,
chamou um táxi e levou-o ao hospital. Após rápida passagem pela emergência, ele
foi conduzido para a UTI específica para problemas cardíacos. Notando a gravidade
da situação, o amigo entrou em contato com ela pedindo que fosse ao hospital. M.,
que estava em casa quando recebeu a chamada telefônica, foi imediatamente para
o hospital. Chegando lá, recebeu a notícia de que ele havia sofrido um “ataque
cardíaco e não resistira”.

M. conta que, a princípio, não conseguia acreditar no que estava ouvindo e que o
amigo do marido que estava lá a apoiou bastante, ficando ao lado dela durante todo
o tempo. Diz que chorou muito e que só depois conseguiu pedir para falar com o
médico novamente. Ao conversar com o médico, disse que gostaria de ver seu
marido morto, mas ele já havia sido levado para o necrotério, e que ela só estava
sendo mantida em espera ali ainda porque teria que pegar o atestado de óbito.
Ficou desesperada, pois só então “caiu a ficha de que nunca mais o veria ou
poderia falar com ele”, e lhe ocorreu que “nem teve a chance dizer que o amava
antes de ele ir embora de vez”. Diz que gostaria de “poder se despedir”.

M. foi rapidamente ao necrotério “resolver papéis”, o que diz ter feito “de modo
automático” e “graças à ajuda do amigo do marido”, que depois levou-a para casa,
já que ela não se achava em condições de dirigir e não queria pegar um táxi, pois
“não queria ficar chorando na frente de estranhos”.

No dia seguinte, houve o velório, ao qual compareceram os muitos amigos do casal,


assim como os colegas de trabalho de seu marido e também seus familiares. Relata
que se sentiu muito apoiada nesse momento, mas que, “mesmo assim, nada tirava
sua tristeza”. “Era como uma tristeza infinita”. Diz que sentia como “se o chão
houvesse se aberto embaixo dela”. Nos dias que se seguiram, teve ajuda de seus
familiares e amigos para resolver questões burocráticas ligadas à morte, e “não
sabe se teria tido condições de fazer tudo aquilo sem ajuda”.

Depois, quando já sozinha, em alguns momentos, andando pela casa, M. “tinha a


impressão de vê-lo”, mas que logo percebia que “devia ser só sua imaginação”.
Ainda assim, era difícil, pois, “cada vez que o via, seu coração disparava” e, depois,
quando “se dava conta de que ele não estava ali, entrava em desespero”. Diz ter
sido muito difícil ficar em casa, pois “tudo ali a lembrava dele”.

Ao mesmo tempo, não se sentia à vontade para sair, pois estava “sempre com os
olhos inchados de chorar”. “Passava horas chorando e já não queria mais viver”.
Sonhava com seu marido todas as noites e acordava assustada. Relata sentir-se
“inútil e incompleta” e “não encontrar sentido na vida”, pois “desde sempre” eles
“faziam tudo juntos”. Ao mesmo tempo, tentava imaginar o motivo de estar
passando por tudo aquilo.

Na entrevista inicial, M. relata sentimentos de “tristeza profunda”, “raiva por não


terem levado ele para o hospital antes”, “angústia pela falta dele em casa”.
Acrescenta ainda que “não sabe mais qual o sentido de sua vida” e que “está
completamente perdida e sozinha”. Acrescenta que, às vezes, pensa em morrer
para poder se reencontrar com seu marido, mas que nesses momentos lembra-se
que se fizer isso, talvez nunca mais o veja (baseado em crenças de sua
religiosidade/espiritualidade).

Tratamento e resultado

Para o tratamento de M., foi utilizado o protocolo básico apresentado neste artigo. A
avaliação do progresso terapêutico foi realizada com o BDI, o BAI, a BHS e o QSG.

M. apresentou redução em seus níveis de ansiedade (de grave para leve) e de


depressão (de grave para moderada, estando os valores finais próximos ao ponto
de corte para leve) ao longo do processo terapêutico, sendo, no entanto, notado
ligeiro aumento de seus escores nas aplicações relativas às sessões cinco e oito. A
sessão cinco inicia o trabalho dos rituais de despedida. Embora a paciente tenha
participado de rituais sociais, refere como uma dificuldade o fato de não ter tido a
chance de se despedir do marido. Esse fator foi trabalhado de forma mais intensa
na sessão sete, com exercícios que possibilitaram essa despedida além dos ritos
sociais.

A sessão oito, junto com suas tarefas a serem executadas ao longo da semana,
mostrou-se bastante difícil para M., que manifestou sentimento de culpa ligado a
pensamento de que seria errado seguir em frente na vida diante da ausência do ser
amado. A redistribuição de papéis tornou a perda mais concreta para a paciente,
que teve que montar um novo esquema de vida, considerando essa ausência.

O assunto em questão retornou como tópico de trabalho na sessão dez, destinada à


readaptação à vida e à reorganização dos horários. Organizar isso no papel, aliado
ao trabalho cognitivo de possíveis crenças disfuncionais ligadas aos sentimentos de
culpa anteriormente manifestos, foram trabalhados conforme surgiam. Essa sessão
provocou alívio na paciente e mostrou-se importante na redução de seus índices de
depressão e ansiedade e também para a promoção de um sistema de vida mais
funcional.

Diferentemente do que ocorre com outros pacientes, a sessão de número nove, que
trata da busca de amparo social, foi vivenciada com tranquilidade, sem aumento dos
escores de ansiedade, o que pode ser explicado pelo fato de a paciente ter recebido
apoio desde o início do processo, sendo, em seu caso, o trabalho ligeiramente
diferente do habitual, ou seja, enquanto em grande parte dos casos a busca de
amparo é estimulada, nesse caso específico, busca-se evitar a dependência da
paciente em relação aos que lhe oferecem auxílio.

Apesar de sua desesperança quanto ao futuro ter diminuído, ainda se mostra em


grau moderado, sendo sugerido trabalho posterior de acompanhamento, uma vez
que a desesperança é um fator que pode levar novamente ao aumento da
depressão, apresentando-se como fator de morbidade para problemas orgânicos e
psíquicos.

Em relação ao QSG, observou-se queda em seu fator de saúde geral (de 94 para
67%), no fator relativo ao estresse psíquico (de 90 para 65%) e nos distúrbios
psicossomáticos (de 85 para 60%). A redução dos índices de distúrbios do sono
mostrou-se bem mais discreta (de 100 para 85%), merecendo posterior atenção.

O desejo em relação à morte ainda se mostra presente, apesar de mais discreto (de
100 para 77%), o que também foi observado ao se analisar o item nove da BDI.
Apesar de qualquer tipo de ideação ligada ao desejo de morte merecer especial
cuidado, deve-se enfatizar aqui que o desejo de morte da paciente está diretamente
ligado à busca pelo ser perdido, o que é esperado na fase de luto em que ela se
encontra.

Deve-se considerar que, apesar do desejo, não propriamente da morte em si, mas
de poder reunir-se a seu marido, a paciente demonstra não ter intenção de colocar
em prática qualquer ideia quanto a provocar sua morte, devido as suas crenças
religiosas/espirituais, o que é evidenciado em sua escala, quando em momento
algum assinala item que possa indicar tendência a colocar em prática tais ideias.

A paciente foi atendida em período bastante recente à perda, que ocorreu por uma
morte inesperada, rompendo uma relação de forte vinculação afetiva. Desse modo,
é esperado que, apesar da melhora na funcionalidade, assim como da redução de
sua ansiedade e depressão, alguns sinais e sintomas ainda permaneçam por mais
tempo, até que ocorra a total interiorização e reorganização.

ATIVIDA
DE

18. Na TCC realizada com M., duas situações diametralmente opostas foram
constatadas nas sessões oito e nove. Por quê?

Confira aqui a resposta

​ CONCLUSÃO

Como seres sociais, as pessoas estabelecem vínculos afetivos com aqueles que as
cercam. A morte, tema ainda tabu na atualidade, e única certeza da existência
humana, apresenta a todos a necessidade de encerramento dessas relações
individualmente construídas. Se a morte é parte natural da vida, então, nesse
contexto, o luto também o é. A perda irreversível de um ser amado, apesar disso,
costuma ser um evento doloroso e, para muitos, difícil de ser elaborado.

Mesmo no luto considerado normal, um conjunto de sintomas típico desse quadro


se faz presente, aumentando a probabilidade de ocorrência de problemas físicos e a
abertura de quadros psicopatológicos. Enlutados buscam mais atendimentos
médicos e têm maior número de internações quando comparados à população
geral.

O quadro de luto e seu processo de elaboração podem ser influenciados por


diversos determinantes, como:

■ idade;
■ momento do ciclo de vida;
■ gênero;
■ presença de outros estressores;
■ conflitos existentes na época da morte;
■ características da morte.

Algumas pessoas evoluem para quadros patológicos de luto, exigindo atenção


profissional especializada.

O correto diagnóstico do luto e a ampla avaliação do sujeito enlutado são


fundamentais para a elaboração de um protocolo de tratamento adequado,
considerando as necessidades peculiares do paciente. A avaliação deve passar da
entrevista clínica até o uso de instrumentos específicos para avaliação do luto e
testagem de outras variáveis de interesse, sempre considerando sua qualidade e
pertinência para o processo geral.

A TCC, por sua abordagem diretiva, estruturada e focal, mostra-se uma boa opção
para acompanhamento terapêutico de pacientes em luto, devendo ser adotados
procedimentos e técnicas, visando acessar demandas particulares das diferentes
fases do enlutamento, e tarefas a serem realizadas pelo enlutado, visando facilitar a
elaboração do luto. Tipos específicos de luto podem requerer procedimentos
terapêuticos diferenciados para melhor atendimento das necessidades dos
pacientes.

​ RESPOSTAS ÀS ATIVIDADES E COMENTÁRIOS


Atividade 1
Resposta: B
Comentário: Desde o DSM-IV, a classificação do luto passa por sintomas
característicos de depressão, e é recomendado o cuidado com o diagnóstico
diferencial. No luto normal, predominam sintomas comuns aos quadros depressivos,
e em lutos decorrentes de mortes violentas ou traumáticas que evoluem para luto
complicado estão mais presentes sintomas típicos do quadros de TEPT.

Atividade 2
Resposta: Os comportamentos considerados frequentes no luto são: choro,
hiperatividade, distúrbios do sono, distúrbios do apetite, comportamento “aéreo”,
isolamento social, sonhos com a pessoa morta, evitação ou busca de coisas que
lembrem a pessoa morta.

Atividade 3
Resposta: A
Comentário: Alguns fatores aparecem como determinantes no curso do luto, sendo
eles o gênero do enlutado, a idade do enlutado e do morto, a qualidade da relação
existente entre eles e o tipo de morte ocorrida. Por outro lado, a morte de idoso,
principalmente quando após certo período de adoecimento, é considerada parte do
fluxo natural da vida.

Atividade 4
Resposta: Considerando o ciclo de vida, mortes ligadas a períodos de início
costumam ser mais difíceis de manejar do que aquelas ligadas a términos. Assim, a
morte na infância é considerada a mais difícil de ser elaborada. Em si, é um tipo de
morte que suscita a ideia de “quebra da ordem natural”, de que “filhos deveriam
enterrar seus pais”. Em situação de luto disfuncional, uma mãe poderia buscar gerar
um novo filho para “substituir” o que morreu, passando à nova criança todas as
expectativas anteriormente depositadas naquela que faleceu. Em alguns casos,
pode ser atribuído o mesmo nome e gerada a expectativa de que a “nova” criança
tenha os mesmos gostos e atributos da “anterior”. Por outro lado, com o avançar na
linha do tempo, a morte se torna mais “aceitável” e até mesmo “esperada”; assim, a
morte de uma pessoa já em idade avançada é considerada natural e “parte da vida”,
como relatado por muitos.

Atividade 5
Resposta: C
Comentário: Apesar de os demais tipos de luto expostos nas alternativas serem
fatores de vulnerabilidade para o luto complicado, alguns sujeitos conseguem
elaborar esses lutos sem que isso ocorra. O luto adiado, assim como os lutos
exagerado, mascarado e crônico, classifica-se como um tipo de luto complicado.

Atividade 6
Resposta: D
Comentário: Sujeitos que assumem o papel de cuidadores apresentam maior
incidência de sintomas de luto complicado quando os pacientes que acompanham
mostram dificuldades em aceitar o adoecimento e apresentam maior medo da
morte. Sugere-se a abordagem desse paciente enquanto a morte ainda não
ocorreu, com o objetivo de reduzir os sintomas de depressão presentes no período
que antecede a morte e já preparando o acesso do enlutado ao suporte social que
será necessário após a perda ocorrer de fato.

Atividade 7
Resposta: A
Comentário: Aquele que “ainda não nasceu” não é reconhecido socialmente.
Dependendo do período gestacional e do peso do concepto, a perda não existe nem
mesmo em termos legais, e o concepto é descartado como lixo hospitalar. Em casos
em que já é exigido registro civil e enterro, as cerimônias tendem a ser simples e
rápidas, sem o apoio social comum em outras perdas.

Atividade 8
Resposta: B
Comentário: Na distanásia, a morte é prolongada. Na eutanásia, a morte é
antecipada. Mistanásia é um termo utilizado quando há antecipação da morte em
decorrência de aspectos sociais. Ortotanásia é o termo usado para denominar uma
morte que ocorre “no tempo certo”.

Atividade 9
Resposta: No DSM-5, a preocupação com a diferenciação entre luto normal e
depressão ainda se faz presente. No início do capítulo sobre transtornos
depressivos, é recomendada atenção para a diferença entre a tristeza manifesta no
primeiro quadro e o que é observado no TDM. De acordo com a literatura científica
internacional, o texto alerta que, havendo concomitância entre os quadros, os
sintomas depressivos serão mais graves e com pior prognóstico se comparados aos
quadros de luto sem comorbidade com depressão. Um ponto de destaque é a
eliminação do critério, existente no DSM-III e no DSM-IV, de “exclusão do luto” para
o diagnóstico de depressão maior no período dos dois primeiros meses após a
perda. Assim, recomenda-se atenção especial ao diagnóstico diferencial entre luto e
depressão, pois, se ainda não há evidências suficientes para total ausência de
confusão entre o luto normal e a depressão, no caso do luto complicado sua
diferenciação para a depressão maior é bastante clara.

Atividade 10
Resposta: D
Comentário: Para satisfazer um dos critérios do DSM-5 para transtorno do luto
complexo persistente, o seguinte sintoma deve ser experimentado em um grau
clinicamente significativo na maioria dos dias e persistir por pelo menos 12 meses
após a morte no caso de adultos enlutados e por seis meses no caso de crianças
enlutadas: saudades persistentes do falecido. Em crianças pequenas, a saudade
pode ser expressa em brincadeiras e no comportamento, incluindo comportamentos
que refletem ser separado de e também voltar a se unir a um cuidador ou a outra
figura de apego; intenso pesar e dor emocional em resposta à morte; preocupação
com o falecido; preocupação com as circunstâncias da morte. Em crianças, essa
preocupação com o falecimento pode ser expressa por meio dos temas de
brincadeiras e comportamento e pode se estender à preocupação com a possível
morte de outras pessoas próximas a elas.

Atividade 11
Resposta: Recomenda-se o início do processo de avaliação com entrevista
clínica/anamnese. Nessa entrevista, além de todos os aspectos cobertos pela
entrevista tradicionalmente realizada para outras condições clínicas (queixa principal
do sujeito, investigação sobre história pessoal pregressa, história educacional,
familiar, social, conjugal/de relacionamentos, laboral etc.), são incluídas questões
específicas referentes à perda, como tipo de morte, características do falecido,
tempo e tipo de relação, possíveis conflitos, pendências e problemas, impactos
percebidos da perda, papel do morto na vida do atual enlutado, funcionamento do
sujeito antes e após a perda e mudanças percebidas, se houve possibilidade de
despedida e rituais funerários etc.

Atividade 12
Resposta: C
Comentário: Todos os instrumentos adotados devem ter sido padronizados,
validados e terem sua fidedignidade aferida com constatação de bons parâmetros
para a população-alvo.

Atividade 13
Resposta: O tratamento cognitivo comportamental voltado para o atendimento de
enlutados deve considerar a classificação diagnóstica (luto normal, luto complexo
persistente), o tipo de luto, seus determinantes e a presença de comorbidades
psiquiátricas ou a existência de outros elementos estressores no momento da perda
e no momento presente. Portanto, considera-se fundamental que antes do início de
qualquer procedimento psicoterápico seja feita uma ampla e adequada avaliação
psicodiagnóstica.

Atividade 14
Resposta: D
Comentário: O modelo ABC pode ser empregado para auxiliar na compreensão de
como a experiência do luto pode ativar crenças individuais que, por sua vez,
provocarão consequências em termos comportamentais, emocionais e mesmo
fisiológicas. Assim, o paciente deve receber orientação e ser treinado em técnicas
que o ajudem a manejar alterações comportamentais, tais como distúrbios do sono,
distúrbios do apetite, comportamento “aéreo”, busca ou evitação de objetos ou
locais ou situações que lembrem a pessoa morta e isolamento social.

Atividade 15
Resposta: A
Comentário: Os seguintes procedimentos e técnicas fazem parte do modelo básico
para atendimento em casos de luto: auxiliar a readaptação da pessoa à vida
cotidiana, organizar horário de atividades semanais (usar registro de atividades
diárias), incentivar o investimento em novos objetivos de vida e novas relações;
ajudar a pessoa a identificar novos interesses, fornecer instrumentos para que a
pessoa seja capaz de implementar novos projetos, desfazer crenças disfuncionais
que impeçam a pessoa de investir em novas relações e fazer a prevenção de
recaída.

Atividade 16
Resposta: Havendo queixas físicas, recomenda-se que o paciente seja
encaminhado para avaliação médica. Caso as queixas sejam diversas e gerais, um
médico generalista poderia ser mais indicado para o encaminhamento. Caso seja
detectado algum sintoma específico, por exemplo, “dor no peito”, indica-se o
encaminhamento para um cardiologista, que poderá avaliar a angina de modo
apropriado. Em muitos casos, os sintomas apresentados não requerem intervenção
médica e reduzem naturalmente com o avanço da terapia e a resolução do luto. No
entanto, pode haver casos em que o paciente já possua um problema de saúde
anterior ao luto e que se agravou diante da crise ou mesmo que ele tenha
desenvolvido um problema orgânico que requeira cuidados de um especialista.
Assim sendo, é uma questão de responsabilidade profissional realizar o
encaminhamento quando necessário, de modo a garantir a segurança do paciente.

Atividade 17
Resposta: B
Comentário: Um ponto que distingue o luto antecipatório dos demais tipos de luto é
o fato de que os enlutados podem começar a se preparar para a vida considerando
a ausência daquele que está morrendo antes que a morte de fato ocorra. Pode
ocorrer ansiedade por parte dos enlutados diante da ocorrência da morte,
dependendo de sua própria vulnerabilidade e fatores diversos nesse momento.
Apesar disso, essa não é uma característica distintiva desse tipo de luto. O não
reconhecimento social da morte é uma característica de outro tipo de luto, chamado
de “não autorizado”.

Atividade 18
Resposta: A sessão oito, junto com suas tarefas a serem executadas ao longo da
semana, mostrou-se bastante difícil para M., que manifestou sentimentos de culpa
ligados a pensamentos de que seria errado seguir em frente na vida diante da
ausência do ser amado. A redistribuição de papéis tornou a perda mais concreta
para a paciente, que teve que montar um novo esquema de vida, considerando essa
ausência. Diferentemente dos outros pacientes, a sessão de número nove, que trata
da busca de amparo social, foi vivenciada com tranquilidade, não aumentando os
escores de ansiedade de M., o que pode ser explicado pelo fato de a paciente ter
recebido apoio desde o início do processo, sendo, em seu caso, o trabalho
ligeiramente diferente do habitual; ou seja, enquanto em grande parte dos casos a
busca de amparo é estimulada, nesse caso específico, busca-se evitar a
dependência da paciente em relação aos que lhe oferecem auxílio.

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Como citar a versão impressa deste documento

Cardoso, A. (2016). Terapia cognitivo-comportamental aplicada à psicologia do


esporte. In Federação Brasileira de Terapias Cognitivas, Neufeld, C. B., Falcone, E.
M. O. & Rangé, B. P. (Orgs.). PROCOGNITIVA Programa de Atualização em Terapia
Cognitivo-Comportamental: Ciclo 3. (pp. 9-56). Porto Alegre: Artmed Panamericana.
(Sistema de Educação Continuada a Distância, v. 3).

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