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Conhecendo para

PREVENIR.

Manual para os profissionais da


saúde de Madalena

Madalena-CE
2019
1. INTRODUÇÃO

O suicídio é definido como o ato pelo qual a


pessoa tira voluntariamente a própria vida,
chegando-se à conclusão que é melhor
morrer para escapar de um sofrimento ou
dor psíquica insuportável “psychache”
(SHNEIDMAN,1993). Mas, na maioria das
vezes em torno de 90% dos casos, este
comportamento está ligado a problemas de
ordem mental, segundo a Organização Mundial da Saúde. O diagnóstico e o tratamento
adequando diminuiria as tentativas e o suicídio em si (OMS, 2001).
O comportamento suicida é um grave problema de saúde pública responsável por
ceifar quase 1 milhão de vidas por ano no mundo inteiro ou uma morte a cada 40 segundos
(OMS, 2018). No Brasil, mais de 12 mil óbitos por suicídio por ano e no Estado do Ceará
em 2018 teve 661 casos, tendo em média de dois casos por dia (DATASUS). É sabido que
as pessoas que pensam em desistir de viver não buscam ajuda nos serviços de saúde
mental, isso acontece devido o pensamento que caso busque ajuda nessa área, a pessoa
seria estigmatizada e sofreria preconceitos (BOTEGA, 2015). Tal fato, acontece no mundo
inteiro e no Brasil. Muitas vezes, essas pessoas dão sinais tanto verbais como
comportamentais aos parentes, amigos e até aos profissionais da saúde como os da
Atenção Primária à Saúde (APS).
Na cidade de Madalena, no período de 1997-2018 teve 32 casos de suicídios,
segundo a pesquisa que realizei com os dados do Departamento de Informática do SUS
(DATASUS), do SIM (Sistema de Informação sobre Mortalidade) e da Secretaria da Saúde
do Estado do Ceará, onde qualquer pessoa pode acessar tais dados quantitativos. Percebi
também, e isso pode ser comprovado pelos profissionais da saúde mental de Madalena,
casos e mais casos de jovens das escolas públicas que se automutilam. Apesar de a
automutilação não ser comportamento suicida, porém, existem evidências de que tais
pessoas posteriormente podem tentar o suicídio (FRANKLIN, et al., 2017).
Diante de tais fatos, a abordagem do risco de suicídio e sua prevenção, são de
responsabilidade de todos os profissionais de saúde e não somente os que trabalham na
saúde mental (BOTEGA, WERLANG, CAIS & MACEDO, 2006). Porém, é na Atenção
Básica que possibilita o primeiro contato e acesso das pessoas ao sistema de saúde. Os
profissionais da Atenção Básica lidam com várias patologias e também sempre se
confrontam com pessoas em sofrimento psíquico que muitas vezes pensam em desistir de
viver ou tentam o suicídio (MS, 2013). Por causa disso, é comum os profissionais terem
dúvidas, receios e até curiosidades de como ajudar.
Com conhecimento adequado e compreensão dos aspectos do comportamento
suicida, os que trabalham na Atenção Primária poderão prevenir e articular na rede de
suporte da pessoa em risco e também apoiar os familiares e amigos (SMS-RS, 2016).
Como já foi ressaltado antes, ocorreram 32 casos de suicídios em Madalena no
período de 1997-2018. Porém, devemos dá atenção aos três últimos anos anteriores entre
2016-2018, onde teve um aumento substancial de 11 óbitos autoprovocados. O gráfico 1
abaixo mostra tais fatos:

Gráfico 1: Nº de casos de suicídios ocorridos no período de 1997-2018- Madalena-CE

Fonte: DATASUS/ SIM e Secretaria da Saúde do Estado do Ceará: dados tabulados pelo autor

Por causa desses fatos e nos números de tentativas de suicídio no município de


Madalena, foi criado esse manual que irá ajudar na orientação e na prevenção ao suicídio,
sendo que os fatos apresentados aqui se baseiam em evidências científicas.
Este manual, guiará as equipes da Atenção Básica e os Núcleos de Apoio de Saúde
da Família (NASF) de Madalena, nas ações de cuidado e prevenção ao suicídio, além de
orientar os profissionais em:

1. Identificar precocemente pessoas em risco de suicídio e avaliar o nível de gravidade


se é leve, moderado ou grave;

2. Conhecer quais as linhas de cuidados que devem ser adotados, obedecendo o


princípio da integralidade;

3. Saber quais os meios de interversão que possam ser usados no processo


terapêutico que ajudará a pessoa na remissão da ideação suicida e na resolução de
agravos que estejam associados.

O comportamento suicida por ser complexo e multifatorial onde permeiam fatores


como: biológicos, genéticos, psicodinâmicos, psicológicos, socioculturais, filosóficos e até
religiosos (figura 1). É preciso então, a coordenação e colaboração entre os diversos
profissionais da saúde. O estudo e sua prevenção vale salientar, não é “exclusivo” somente
dos que trabalham na saúde, exige esforços dos vários setores da sociedade como:
educação, trabalho, economia, justiça, defesa, política, religião e mídia (OPAS, 2016).

Figura 1: Suicídio e seus múltiplos fatores

Fonte: Botega, 2017.


2. MITOS SOBRE O SUICÍDIO

Muitos profissionais da Atenção Primária e assim como os profissionais de outros


setores da saúde, sentem uma dificuldade de entender o comportamento suicida. Muitos
podem trazer dentro si medos e receios sobre esse fenômeno, inclusive os mitos
(BALLONE, 2015 apud HERRON, et al.,2001). O conhecimento pode contribuir para
derrubar esses mitos. Vejamos quais os principais mitos e as verdades na tabela 1 abaixo:

Quadro 1: Os mitos sobre o suicídio.

Mitos Verdades
O suicídio é uma decisão individual, já que FALSO. Os suicidas estão passando quase
cada um tem pleno direito a exercitar o seu invariavelmente por uma doença mental que
livre arbítrio altera, de forma radical, a sua percepção da
realidade e interfere em seu livre arbítrio. O
tratamento eficaz da doença mental é o pilar
mais importante da prevenção do suicídio.
Após o tratamento da doença mental o desejo
de se matar desaparece.
Quando uma pessoa pensa em se suicidar terá FALSO. O risco de suicídio pode ser eficaz-
risco de suicídio para o resto da vida. mente tratado e, após isso, a pessoa não estará
mais em risco.
As pessoas que ameaçam se matar não farão FALSO. A maioria dos suicidas fala ou dá sinais
isso, querem apenas chamar a atenção. sobre suas ideias de morte. Boa parte dos
suicidas expressou, em dias ou semanas
anteriores, frequentemente aos profissionais
de saúde, seu desejo de se matar.
Se uma pessoa que se sentia deprimida e FALSO. Se alguém que pensava em suicidar-se
pensava em suicidar-se, em um momento e, de repente, parece tranquilo, aliviado, não
seguinte passa a se sentir melhor, normal- significa que o problema já passou. Uma
mente significa que o problema já passou. pessoa que decidiu suicidar-se pode sentir-se
“melhor” ou sentir-se aliviado simplesmente
por ter tomado a decisão de se matar.
Quando um indivíduo mostra sinais de FALSO. Um dos períodos mais perigosos é
melhora ou sobrevive à uma tentativa de quando se está melhorando da crise que
suicídio, está fora de perigo. motivou a tentativa, ou quando a pessoa ainda
está no hospital, na sequência de uma
tentativa. A semana que se segue à alta do
hospital é um período durante o qual a pessoa
está particularmente fragilizada. Como um
preditor do comportamento futuro é o
comportamento passado, a pessoa suicida
muitas vezes continua em alto risco.
Não devemos falar sobre suicídio, pois isso FALSO. Falar sobre suicídio não aumenta o
pode aumentar o risco. risco. Muito pelo contrário, falar com alguém
sobre o assunto pode aliviar a angústia e a
tensão que esses pensamentos trazem.
É proibido que a mídia* aborde o tema do FALSO. A mídia tem obrigação social de tratar
suicídio. desse importante assunto de saúde pública e
abordar esse tema de forma adequada. Isto
não aumenta o risco de uma pessoa se matar;
ao contrário, é fundamental dar informações à
população sobre o problema, onde buscar
ajuda etc.
Fonte: Associação Brasileira de Psiquiatria, 2014: Suicídio: conhecendo para prevenir.

*Para saber mais sobre de como a mídia deve abordar sobre o suicídio, veja a cartilha comportamento suicida
conhecer para prevenir: dirigido aos profissionais da imprensa, ao o site da Associação Brasileira de
Psiquiatria no seguinte link: https://www.abp.org.br/manual-de-imprensa
3. CONCEITOS

Nessa seção, será abordado os conceitos como: o que é o suicídio, ideação suicida,
intenção suicida, comportamento suicida, tentativa de suicídio e por fim, risco de suicídio:

Morte autoprovocada, com evidências implícitas ou


SUICÍDIO explícitas de que a pessoa tinha intenção de morrer

Pensamento relacionado à intenção de cometer


IDEAÇÃO SUICIDA suicídio. Varia em gravidade, desde a simples
vontade de desaparecer até a formulação de um
plano de suicídio concreto

Desejo e expectativa subjetiva de que um ato


INTENÇÃO SUICIDA autodestrutivo resulte em morte

Ato de consequências não fatais praticado por um


TENTATIVA DE SUICÍDIO indivíduo, acompanhado de evidências implícitas
ou explícitas de que a pessoa tinha intenção de
morrer

Probabilidade de um indivíduo com fatores de risco


RISCO DE SUICÍDIO para suicídio efetivamente cometê-lo. Pode-se
sempre estimar o risco de suicídio com base em
uma boa entrevista com o paciente

Conjunto de ações tomadas pela pessoa com a


COMPORTAMENTO SUICIDA finalidade de terminar a própria vida. Deve-se
sempre avaliar a letalidade do comportamento
suicida, isto é, o quanto essas ações são
realmente capazes de tirar a vida do indivíduo

Fonte: Associação Psiquiátrica Americana, 2002.


4. MAGNITUDE DO SUICÍDIO NO MUNDO, BRASIL, CEARÁ E NA
MADALENA: POR QUE PREVENIR?

4.1 No mundo:

✓ Cerca de mais de 800.000 pessoas morrem por suicídio todos os anos;


✓ O suicídio é a segunda causa principal de mortes entre os jovens de 15-29
anos;

✓ De cada um suicídio consumado, há 10-20 tentativas, ou seja, num único


ano há em torno de 10-20 milhões de tentativas;

✓ Ingestão de pesticidas, enforcamento e armas de fogo estão entre os


métodos mais comuns em nível global;

✓ Os homens se matam mais do que as mulheres, porém, as mulheres tentam


mais do que os homens;

✓ Se não houver ações para prevenir, segundo os especialistas, em 2020 o


suicídio ceifará 1,5 milhão de vidas;

✓ Devido a magnitude do comportamento suicida, a Organização Mundial da


Saúde em 2014, propôs ações para prevenção e promoção em saúde mental
para reduzir em 10% os casos de suicídio em até 2020.

4.2 No Brasil:

✓ Em 2017 ocorreram 12.495 casos de suicídios, ou seja, em média 34 casos


por dia;

✓ O Brasil é 8º país em termos absolutos nos casos de suicídio;


✓ É a terceira causa de morte entre os jovens na faixa etária de 15-29 anos;
✓ Dos 12.495 óbitos por suicídio em 2017, 9.826 casos foram praticados pelo
sexo masculino contra somente 2.664 do sexo feminino (teve 5 casos
ignorados);

✓ No período entre 2011-2016, ocorreram 48.200 tentativas de suicídios.


Dessa totalidade, as mulheres corresponderam por 33.269 tentativas (69%)
e os homens por 14.931 tentativas (31%):
✓ O enforcamento, uso de armas de fogo e o envenenamento, são os métodos
mais utilizados no Brasil.

4.3 No Ceará:

✓ O Estado do Ceará ocupa o 5º lugar nos números de casos de suicídio no


Brasil;

✓ No ano de 2018, ocorreram 645 óbitos, ou seja, em média 2 casos por dia;

✓ No período de 2000-2018 a taxa de suicídio cresceu no Ceará em 54,1%;

✓ Dos 645 óbitos autoprovocados em 2018, 530 foram praticados pelo sexo
masculino, contra 115 casos do sexo feminino;

✓ No período de 2010-2018, ocorreram cerca de 5.151 óbitos por suicídio no


Ceará.

4.4 Na Madalena-CE:

✓ No período de 1997-2018, ocorreram 32 óbitos por suicídio;

✓ Dos 32 casos, 27 eram do sexo masculino contra somente 5 casos do sexo


feminino;

✓ A faixa etária onde teve mais casos, foi entre 20-29 anos com 9 casos (28%),
e em segundo lugar, na faixa etária entre 40-49 anos com 7 casos (22%);

✓ O enforcamento foi o método mais utilizado durante esse período, sendo


praticado por 19 pessoas (17 homens e 2 mulheres), com um percentual de
59,4%.

Fontes: Relatórios da OMS, 2014;2018; DATASUS; SIM; SVS-CE; Id. Mortalidade por suicídio na cidade de
Madalena-CE,1997-2018: um estudo quantitativo comparativo.
5. O PAPEL DA ATENÇÃO PRIMÁRIA NA PREVENÇÃO, AVALIAÇÃO
E NA ABORDAGEM DO RISCO DE SUICÍDIO

Segundo os autores Abreu, Lima, Kohlrausch & Soares, usuários do Sistema de


Saúde com comportamento suicida, tendem a procurar auxílio nos serviços de Atenção
Primária antes de morrer, sendo possível neste caso, identificar a presença desse
comportamento. Foi analisado que mais de 75% das vítimas de suicídio procuraram um
serviço de Atenção Primária no ano de sua morte e 45% no mês que cometera o suicídio.
Portanto, para a prevenção do suicídio, os profissionais da área de saúde pública
desempenham um papel fundamental na detecção precoce de fatores de risco (LUOMA,
MARTINS & PEARSON, 2002).
Os profissionais da Atenção Primária, podem tornar-se aptos para realizar
intervenções seguras tecnicamente fundamentadas, que estimulem a proteção à vida. Para
que isso aconteça, é preciso a educação e a capacitação já que a Atenção Primária é a
porta de entrada de pessoas com risco de suicídio (ABREU et al.,2010).
Diante de tais premissas, pode-se observar, que o trabalho voltado para a prevenção
ao comportamento suicida vai além dos limites da psicologia e psiquiatria, onde os técnicos
e outros profissionais da saúde e até pessoas da comunidade podem exercer um papel
crucial na prevenção (BOTEGA et al.,2006).

5.1 Abordagem

Vamos imaginar hipoteticamente que um paciente de 50 anos com o diabetes tipo 2


e ao mesmo tempo é hipertenso, por causa da não adesão ao tratamento começa a ter
complicações. Devido a isso, ele procura o médico do PSF na sua comunidade em
Madalena. Ele relata que se sente triste e sem ânimo para nada. Relata também que há
um bom tempo toma ansiolíticos para dormir. Tal fato, aconteceu depois que um de seus
filhos sofreu um acidente de moto, vindo a falecer depois. Diz que sua vida nunca mais foi
a mesma depois desse acontecimento.
Daí, o médico pergunta do porque a não adesão ao tratamento com a insulina e os
anti-hipertensivos. O paciente responde: “prefiro estar morto do que viver essa situação,
sofro muito doutor.” Esse discurso ao ser analisado, percebe-se que a não adesão ao
tratamento denota uma vontade em morrer.
Os médicos assim como os outros profissionais da saúde passam anos estudando
para salvar vidas e diante de discursos onde o paciente deseja não viver, pode parecer algo
perturbador e contraditório.
O primeiro passo na prevenção ao comportamento suicida, é falar abertamente. Ao
contrário do que muitos pensam, falar ou perguntar não induz o paciente a consumar o ato.
Terá efeito oposto, a pessoa se sentirá a vontade de se expressar e reduz a ansiedade e o
medo. Alguns é claro, terão dificuldades de se expressarem. Falar sobre a morte e logo
sobre o suicídio é um tabu em nossa sociedade, isso precisa ser mudado (OMS, 2018;
BOTEGA, 2015).
Diante da fala e de mudanças comportamentais é importantíssimo o profissional
reconhecer sinais de que o paciente deseja morrer ou de se matar esteja presente. Vejamos
os principais sinais verbais onde se ver uma relação frágil do paciente com a sua própria
existência:

✓ “Eu não aguento mais viver assim”


✓ “Eu preferia estar morto”
✓ “Não vejo saída nessa vida”
✓ “Me sinto um fardo”
✓ “Tenho vontade de sumir”
✓ “Não vejo mais propósitos na vida”
✓ “Eu penso em fazer besteiras comigo”
✓ “Acho que minha família ficaria melhor sem eu aqui”

GERALMENTE QUANDO ALGUÉM FALA QUE ESTÁ CANSADO DA VIDA


OU QUE NÃO HÁ MAIS RAZÃO PARA VIVER, É REJEITADO E NÃO
RECEBE O ACOLHIMENTO NECESSÁRIO
5.2 Observar também mudanças no comportamento

✓ Mudanças nos padrões de sono;


✓ Abuso de drogas como o álcool;
✓ Isolamento ou sentir-se só;
✓ Apresentar mudanças bruscas de humor;
✓ Agir de forma diferente com ansiedade, agitação ou
negligência;

✓ Abandono de atividades que antes gostava.

Depois de ter analisado as expressões verbais e comportamentais agora é hora de


analisar a intencionalidade suicida do paciente e fazer as seguintes perguntas conforme
a figura 2 abaixo:

Figura 2: Sequências de perguntas que investiguem o grau de intencionalidade suicida.

Fonte: Botega, 2015.

No decorrer da entrevista o paciente pode-se apresentar ansioso e também usar


manobras e mecanismos defensivos, como rir, ficar em silêncio, fazer perguntas
inadequadas, fazer comentários críticos sobre o hospital e sobre seus profissionais. Tais
comportamentos são estratégias involuntárias e até de forma proposital utilizadas para
evitar falar de seu sofrimento psíquico (BOTEGA,2015).
FLUXOGRAMA DE COMO REALIZAR A ABORDAGEM DE RISCO DE SUICÍDIO

Ideação suicida Importante acompanhar a família e incluí-la no cuidado do paciente

• Falar abertamente é a 1º forma de prevenção e tratamento


Precisa abordar o paciente • Encontre um ambiente adequado para conversar de forma
tranquila, mantendo a privacidade
pacpacient
• É importante reservar o tempo necessário para o acolhimento e
escuta

• Faça perguntas abertas, feitas a partir da própria fala do paciente,


Utilizar abordagem calma, aberta, de aceitação, isso gera respostas mais espontâneas (veja na figura 2, e use
empatia e de não julgamento é fundamental para também o MINI**).
facilitar a comunicação e o vínculo (rapport) • Ter vontade de morrer não significa que a pessoa pensa em se
matar

O profissional deve perguntar sobre as razões


que a pessoa tem para viver*, pois isso dá a Importante saber se a pessoa*:
dimensão da gravidade da desesperança e da • Pensa em suicídio como possibilidade.
falta de perspectiva de futuro. • Pensa em forma (s) de cometer suicídio.
• Tem acesso aos meios para colocar os planos de suicídio em
prática ou o planejamento suicida em prática.
Importante observar se há pessoas, crenças,
coisas ou projetos que são importantes para o
paciente.
• informações ajudam a avaliar a gravidade e uma possível internação.
*Essas
Auxiliar na construção de estratégias de ** Há outros instrumentos clínicos que os profissionais da Atenção Primária possam usar
como o Sad-Persons e Back- SIS- Escala de Intenção Suicida.
enfrentamento da crise.
Fonte: Adaptado e baseado em Van der Molen e Lang, 2007; Botega, 2015.
E em adolescentes, como o profissional da Atenção Básica de Madalena poderia
perceber sinais de alerta? O quadro 2 abaixo mostra alguns sinais. Em adolescentes não
é fácil perceber alguns sinais, porque alguns podem fazer parte do processo de adolescer,
como explicam os autores Aberastury e Knobel (1981) no livro Adolescência Normal: um
enfoque psicanalítico.

Quadro 2: Sinais de alerta em relação ao risco de suicídio em adolescentes.

• Mudanças marcantes na personalidade ou nos hábitos


• Comportamento ansioso, agitado, ou deprimido
• Piora do desempenho na escola, no trabalho e em outras atividades que
costumava manter
• Afastamento da família e de amigos
• Perda de interesse em atividades de que gostava
• Descuido com a aparência
• Perda ou ganho inusitado de peso
• Mudança no padrão comum de sono
• Comentários autodepreciativos persistentes
• Comentários negativos em relação ao futuro, desesperança
• Disforia marcante (combinação de tristeza, irritabilidade e acessos de raiva)
• Comentários sobre morte, sobre pessoas que morreram, e interesse por essa
temática
• Doação de pertences que valorizava
• Expressão clara ou velada de querer morrer ou de pôr fim à vida
Fonte: Botega, 2015.
5.2 Como não se comportar

1. Falar ao paciente que não deveria pensar assim pois a vida é tão bela, de que
é inteligente, com emprego, com filhos etc...”

2. Não haja como se estivesse em choque, dizendo que o suicídio é errado.


3. Dizer que é falta de Deus.
4. Não levar a sério o que o paciente diz.
5. Dizer que você está muito ocupado.
6. Tratar o paciente em que o coloca na posição de inferioridade.
7. Fazer perguntas indiscretas.
8. Interromper muito o paciente
9. Fazer comentários invasivos e pouco claros.

Diante de uma pessoa que pensa em suicídio, é preciso compreender o sofrimento


que ela está passando. Quando a pessoa está assim, muitas vezes fica fechada aos
conselhos citados a cima. Até muitas vezes quando o paciente recebe tais conselhos,
frequentemente acha que o interlocutor está despreparado. Lembre-se também que cada
ser humano é único e com isso traz dentro de si sua afetividade* particular que pode mudar
ou ser alterada diante de situações difíceis (a afetividade também pode ser alterada perante
um transtorno mental). Sua dor psíquica (psychache) também é ÚNICA. É preciso dizer
que existe tratamento e de como será o plano terapêutico individualizado. Deixe que o
paciente saiba que você se importa com ele e que não está sozinho. Permita que ele
desabafe seus desesperos e sua angústia. No momento de crise suicida, a pessoa quer
ser compreendida e não julgada.

Recomenda-se que as perguntas feitas ao paciente estejam associadas à consulta


clínica, consulta de enfermagem e outras atividades realizados na Atenção Básica,
ou seja, integrem o repertório de perguntas de uma entrevista clínica realizada pelos
profissionais da Atenção Básica. Lembrar que o processo de avaliação de risco
pressupõe competência médica sendo importante trabalhar em equipe.

Fonte: Coleção guia de referência rápida: avaliação do risco de suicídio e sua prevenção. RJ. 2016.
• Havendo uma conexão de vários níveis assistenciais no
cuidado de uma pessoa que tentou o suicídio em
Madalena, naturalmente se formará uma rede de proteção
devido ao laço e no interesse compartilhado pelos
profissionais. Rompem-se assim, o tradicional modelo que
é somente usuário/prestador de serviço.
• No momento de uma crise suicida de um paciente, o
modelo biomédico tradicional (centrado na doença), não
surtirá muito efeito de forma isolada. Para isso, o Método
Centrado na Pessoa é o mais indicado numa crise suicida.
Deve-se compreender dentro de uma avaliação integral da
pessoa e a perspectiva que essa pessoa tem sobre seu
processo de adoecimento dentro da sua comunidade e no
seu contexto familiar.
6. FATORES DE RISCO E PROTEÇÃO

É muito importante o profissional da saúde ter o conhecimento dos fatores de risco


e dos fatores de proteção, por que facilita entender quais as situações de risco o paciente
esteja passando na sua crise suicida. Saber também sobre os fatores protetores, ajuda os
profissionais na construção do projeto terapêutico singular.

Quadro 3: Fatores de risco para o suicídio.

FATORES DE RISCO
Fatores sociodemográficos Fatores psicossociais Outros
• Sexo masculino • Abuso físico ou sexual • Acesso a meios letais (arma
• Adultos jovens (19 a 49 • Perda ou separação dos de fogo, venenos)
anos) e idosos pais na infância • Doenças físicas
• Estados civis viúvo, • Instabilidade familiar incapacitantes,
divorciado e solteiro • Ausência de apoio social estigmatizantes, dolorosas
(principalmente entre • Isolamento social e terminais
homens) • Perda afetiva recente ou • Estados confusionais
• Orientação homossexual ou outro acontecimento orgânicos
bissexual estressante • Falta de adesão ao
• Ateus, protestantes • Datas importantes (reações tratamento, agravamento ou
tradicionais > católicos, de aniversário) recorrência de doenças
judeus • Desemprego preexistentes
• Grupos étnicos minoritários • Aposentadoria • Relação terapêutica frágil ou
• Violência doméstica instável;
Transtornos mentais
• Depressão, transtorno • Desesperança, desamparo
bipolar, • Ansiedade intensa
abuso/dependência de • Vergonha, humilhação
álcool e de outras (bullying)
drogas, esquizofrenia, • Baixa autoestima
transtornos da • Desesperança
personalidade • Traços de personalidade:
(especialmente impulsividade,
borderline) agressividade, labilidade do
humor, perfeccionismo
• Comorbidade psiquiátrica
(coocorrência de • Rigidez cognitiva,
transtornos mentais) pensamento dicotômico
• História familiar de doença • Pouca flexibilidade para
mental enfrentar adversidades
• Falta de tratamento ativo e
continuado em saúde
mental
• Ideação ou plano suicida
• Tentativa de suicídio
pregressa
• História familiar de suicídio

Fonte: Botega,2015
Quadro 4: Fatores de proteção contra o suicídio.
FATORES DE PROTEÇÃO
Personalidade e estilo Fatores socioculturais Outros
cognitivo • Integração e bons • Gravidez, puerpério
• Flexibilidade cognitiva relacionamentos em • Boa qualidade de vida
• Disposição para grupos sociais (colegas, • Regularidade do sono
aconselhar-se em caso amigos, vizinhos) Boa relação terapêutica
de decisões importantes • Adesão a valores e
• Disposição para buscar normas socialmente
ajuda compartilhados
• Abertura à experiência de • Prática religiosa e outras
outrem práticas coletivas (clubes
• Habilidade para se esportivos, grupos
comunicar culturais)
• Capacidade para fazer • Rede social que propicia
uma boa avaliação da apoio prático e emocional
realidade • Estar empregado
• Habilidade para solucionar • Disponibilidade de
problemas da vida serviços de saúde mental
Estrutura familiar
• Bom relacionamento
interpessoal
• Senso de
responsabilidade em
relação à família
• Crianças pequenas na
casa
• Pais atenciosos e
consistentes
• Apoio em situações de
necessidade

Fonte: Botega,2015*

* Se o profissional desejar entender com maior profundidade sobre o manejo e muitas outras informações
sobre o suicídio, recomendo a leitura do livro Crise Suicida do suicidólogo e psiquiatra Neury Botega no
respectivo link: https://drive.google.com/open?id=1R9MqJrxRXenqFsYk0egWK_o1foftvRva
Outro livro que recomendo do mesmo autor, seria: Prática psiquiátrica no hospital geral, interconsulta e
emergência
6.1 OS PRINCIPAIS FATORES DE RISCO

No quadro 2 pode-se observar que dentro dos fatores de risco para o suicídio
encontra-se dois com maior peso segundo diversas pesquisas científicas tanto aqui no
Brasil como nos outros país. Os principais fatores de risco que o profissional deva ficar
atento são:

1. Quem já tentou o suicídio

2. Ou quem tenha algum Transtorno Mental

6.2 Tentativa anterior

Um estudo conduzido pelos pesquisadores Suominen, Isometsä, Ortamo e Lönnqvist


que durou 12 anos, chegaram à conclusão de quem tentou o suicídio corre o risco de vir a
tentar de novo. E segundo a Associação Brasileira de Psiquiatria 2014, o risco de quem
tentou e depois vi a tentar novamente é de cinco a seis vezes. Estima-se que 50% daqueles
que suicidaram já haviam tentando antes.
Então, quando um profissional de Madalena estiver realizando entrevista com um
paciente com ideações suicida, deve pergunta-lo se ele já tentou alguma vez. O profissional
usará um instrumento de entrevista denominado de Mini Entrevista Neuropsiquiátrica
Internacional ou como os especialistas chamam de MINI. Usando o MINI, o profissional
poderá saber o grau de SUICIDALIDADE do paciente se é leve, moderado ou grave, além
de outras informações importantes que servirá de base para o tratamento psicoterapêutico
e até psicofarmacológico. Vale, lembrar que o MINI é uma entrevista diagnóstica
padronizada breve (15-30 minutos) compatível com o Manual Diagnóstico e Estatístico de
Transtornos Mentais (DSM-V) e também com o Código Internacional de Doenças (CID-10).
Em Madalena é comum adolescentes das escolas públicas se
automutilarem. Essa forma de comportamento autolesivo não é
um comportamento suicida pois, não há intenção de causar
morte, mas sim de aliviar a tensão emocional, culpa, raiva
ansiedade ou medo antes do ato. Depois do ato, a pessoa pode se sentir culpada e
aborrecida, mas depois vem o alívio e até prazer. Segundo alguns estudiosos, isso
acontece por que é liberado na corrente sanguínea opioides endógenos como endorfinas e
encefalinas (CASTILHO, GOUVEIA & BENTO,2010). Mesmo que não seja um
comportamento suicida, boa parcela das pessoas que praticam esse ato, pode apresentar
também ideações suicidas por isso, o profissional deva ficar atento (PATTISON &
KAHAN,1983). Segundo Neury Botega (2015) mesmo que as autolesões não implicam
intenção de se matar, porém, aumenta o risco de tentativas de suicídio.
Alguns adolescentes podem se cortar nos braços, pulsos, pernas, virilhas (sendo
uma forma de esconder das pessoas), outros se queimam com cigarros e outros objetos,
se mordem etc. Adultos também podem se automutilarem (CASTILHO, GOUVEIA &
BENTO,2010).
Algumas pessoas que se automutilam podem
apresentar algum transtorno mental e já outras não
apresentam nenhum diagnóstico. Mesmo assim, caso
algum profissional de Madalena perceba que alguém se
autolesiona, é preciso acolher essa pessoa e respeitar seu
sofrimento e buscar junto a ela intervenções específicas
para cada situação.

MESMO QUE AS AUTOLESÕES NÃO IMPLICAM INTENÇÃO DE SE


MATAR, PORÉM, AUMENTA O RISCO DE TENTATIVAS DE SUICÍDIO.
6.3 Transtornos Mentais

A presença de algum transtorno mental é um importante fator de risco ao suicídio. É


sabido que mais de 90% das pessoas que se suicidaram, tinham um diagnóstico
psiquiátrico no momento da morte. Tal fato, foi demonstrado pelos autores Bertolote e
Fleischamann (2002). Esses autores realizaram uma revisão de 31 artigos publicados entre
1959 e 2001 em todo mundo com um total de 15.629 suicídios. O gráfico 2 abaixo mostra
o resultado dessa revisão:

Gráfico 2: Transtornos mentais e suicídio.

Fonte: Bertolote & Fleischamann, 2002.

Fazendo uma análise no gráfico 2, os transtornos do humor como a depressão e


transtorno afetivo bipolar, dependência de bebidas alcoólicas ou de outras drogas
psicoativas, transtornos de personalidade e esquizofrenia foram os transtornos mais
encontrados em casos de suicídios. A comorbidade de transtornos do humor como a
depressão e uso de substâncias psicoativas é mais frequente em todos os registros onde
havia mais de um diagnóstico (BERTOLOTE & FLEISCHAMANN, 2002).

O RISCO É MAIOR QUANDO MAIS DE UM TRANSTORNO OU


CONDIÇÕES SE COMBINAM

6.3.1 Transtorno Depressivo

No gráfico 2, pode-se observar que os transtornos do humor como a depressão e o


transtorno afetivo bipolar são responsáveis pela maioria dos casos de suicídios. Outros
estudos feitos com mais de 3.275 pessoas que morreram por suicídio, chegaram também
as mesmas conclusões (LAPIERRE, KIM & TURECKI,2004). Como já foi dito, o uso de
drogas em conjunto com outros transtornos como a depressão aumenta o risco elevado de
suicídio e tentativas. Para a avaliação da depressão moderada ou grave, o profissional de
Madalena deve fazer as seguintes perguntas ao paciente:

1. Nas duas últimas semanas você sentiu-se triste, desanimado(a), deprimido(a),


durante a maior parte do dia, quase todos os dias?

2. Nas duas últimas semanas você teve o sentimento de não ter mais gosto por
nada, ter perdido o interesse e prazer pelas coisas que antes lhe agradavam
habitualmente?

Se houver pelo menos uma resposta SIM, faça as perguntas a seguir:

A. Seu apetite mudou de forma significativa?


B. Teve problemas de sono quase todas as noites (dificuldade para pegar no
sono, acordar no meio da noite, dormir demais)?
C. Falou ou movimentou-se mais lentamente que de costume ou pelo contrário,
sentiu-se mais agitado ou incapaz de ficar quieto?
D. Sentiu-se a maior parte do tempo cansado, sem energia, quase todos os
dias?
E. Sentiu-se sem valor ou com culpa, quase todos os dias?
F. Teve dificuldades em tomar decisões, de se concentrar ou problemas de
memória quase todos os dias?
G. Teve por várias vezes pensamentos ruins, como seria melhor estar morto,
ou fazer mal a si mesmo?

Se SIM em 1 ou 2 + sim em qualquer um de A à G, há grande risco de depressão;


3 e 4 respostas positivas Depressão leve;
5 a 7 respostas positivas Depressão moderada;
Risco de suicídio, sintomas psicóticos ou 8 a 9 respostas positivas Depressão
grave.

Fontes: Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM), 5º Edição. Guia Prático de
Matriciamento em Saúde Mental, 2011.

Para saber se a pessoa tenha possivelmente um diagnóstico de


depressão, o profissional deve realizar uma avaliação integral e
abrangente, e que não se baseia unicamente em contagem de
sintomas. Segundo o DSM-5, além da avaliação individual, o profissional deve realizar
perguntas as pessoas próximas ao paciente, como os parentes e amigos, ou seja, tanto
como relato subjetivo como por observação feita por outras pessoas. Os sintomas causam
sofrimento e interfere na vida da pessoa e é preciso que tais sintomas tenham duração mais
de duas semanas. Além disso, o profissional deve ficar atento porque alguns pacientes
poderão tentar esconder sinais de tristeza, como ressalta o DSM-5. Em crianças e
adolescentes, a depressão poderá se manifestar por meio de irritabilidade e agressividade.
Em adolescentes, é preciso verificar se estão usando drogas como o álcool e até drogas
ilícitas.
Fique atento também com relação as doenças crônicas como diabetes, lúpus
eritematoso sistêmico, doenças reumáticas, HIV etc. São doenças que normalmente andam
de mãos dada com a depressão (comorbidade) e até piora o quadro sintomático da
depressão (FORLENZA at el.,2014).
Com respeito ao diagnóstico diferencial com Transtorno Afetivo Bipolar, é preciso
investigar história prévia de maníaco ou hipomaníaco, o profissional deve fazer as seguintes
perguntas:

1. Você já passou por período de cerca de 1 semana (ou 4 dias para episódio
hipomaníaco) em que se sentiu tão feliz e cheio de energia que seus amigos
lhe disseram que estava falando rápido demais ou que estava se comportando
de forma estranha e diferente?

2. Já houve algum período no qual você esteve com tanta energia e irritado que
se envolveu em discussões?

Verifique também se o paciente tenha os seguintes sintomas conforme o DSM-5:

✓ Autoestima excessiva e grandiosidade;


✓ Necessidade de sono diminuída (p. ex., sente repousado (a) após 3 horas de
sono);

✓ Fugas de ideias ou experiência subjetiva de que os pensamentos estão


acelerados;

✓ Distratibilidade (i.e., atenção muito facilmente atraída para estímulos triviais


ou irrelevantes), como relatado ou observado;

✓ Aumento na atividade dirigida ao objetivo (socialmente, no trabalho ou na


escola ou sexualmente) ou agitação psicomotora;

✓ Envolvimento excessivo em atividades que têm um alto potencial para


consequências dolorosas (p.ex., envolver-se em farras de compras
desenfreadas, indiscrições sexuais ou investimentos comerciais insensatos)

Essa é uma etapa de extrema importância pois, além de o tratamento ser


diferente, prescrever antidepressivos para um paciente bipolar tem o risco
de desencadear a fase maníaca. Havendo suspeita de Transtorno Bipolar,
solicitar apoio do psiquiatra que no momento da elaboração deste manual,
realiza consultas em Madalena uma vez por mês!

Além da história clínica detalhada da depressão ou possivelmente haver


posteriormente diagnóstico de transtorno bipolar, deve-se ainda ser realizado exame físico
e neurológico e laboratoriais de rotina (hemograma completo, TSH, T4 livre, T4, T3, úreia,
creatinina) para descartar possíveis causas orgânicas associadas.
Para não ficar extenso e esse não é o objetivo deste manual, recomendo a leitura do
livro: Compêndio de Clínica Psiquiátrica, da Editora Manole, 2º edição 2014 para analisar
outras psicopatologias que estejam associadas ao comportamento suicida. Foi dado ênfase
na depressão e transtorno bipolar porque são os transtornos mais relacionados ao suicídio
como já vimos.

6.3.2 Outros fatores de risco

6.3.3 Sexo

Os autores Bertolote, Barros, Léon, Mello-Santos e Wang ao realizarem seus


estudos epidemiológicos sobre o suicídio, constataram que os casos de suicídios são
maiores entre os homens do que as mulheres. Os homens se suicidam 2,3 a 4 vezes mais
do que as mulheres. Na cidade de Madalena relacionado ao sexo, houve uma
predominância do sexo masculino nos óbitos autoprovocados, já que constituíram 27 (vinte
e sete) contra apenas 5 (cinco) do sexo feminino no total de 32 casos como já falado antes
no período de 1997-2018. Em percentual, os homens corresponderam por 84 % e as
mulheres por 16%. A tabela 1 mostra tais dados:

Tabela 1: Suicídio segundo o sexo-Madalena-1997-2018


SEXO Nº DE CASOS %
Masculino 27 84
Feminino 5 16
Fonte: DATASUS/ SIM e Secretaria da Saúde do Estado do Ceará: dados tabulados pelo autor

A maior ocorrência de óbitos autoprovocados pelo gênero masculino, se dá porque


determinados comportamentos nos homens facilitam ou predispõem ao suicídio como:
competitividade, impulsividade e acesso aos meios mais letais como armas de fogo.
Desemprego e empobrecimento também constituem fatores de risco, porque neste caso, o
homem se sente responsável para provir as necessidades da família, e não tendo como
sustentar a família, isso se torna um fator estressante para o homem (MENEGHEL et al.,
2004).

6.3.3 Fatores sociais e ambientais

Crianças que sofreram abusos sexuais, físicos e


emocionais têm o risco de desenvolver um transtorno mental e
consequentemente o comportamento suicida. Quanto maior a
intensidade dos abusos maior o risco. Crianças expostas a
violências parentais, também aumenta o risco (BOTEGA, 2015
apud O’ BRIEN & SHER, 2013).
Os fatores de risco em adolescentes (fatores sociais) são: jovens com nível
socioeconômico baixo, de orientação sexual (homossexual, bissexual e transgênero), baixo
rendimento escolar.
Fatores culturais exercem a capacidade de serem tanto fatores de riscos como de
protetores. Em sociedades onde falar sobre os problemas com diferentes pessoas é algo
muito valorizado e que sejam mais abertas a mudança de opinião, são ditas sociedades
mais protetivas. Ao contrário, em sociedades onde pedir ajudar é sinal de fraqueza e a
independência e também o individualismo são valorizados, constituem fatores de risco
(BOTEGA et al.,2006). Interessante que uma obra intitulada de “O suicídio” escrito pelo
sociólogo francês Emile Durkheim em 1897, comprovou o modo como a sociedade estava
mudando e afetando os seus indivíduos e com isso tendo um aumento nos óbitos
autoprovocados.

6.3.4 Doenças físicas

Com respeito as doenças físicas o autor Neury Botega (2015) fala:

Os índices de suicídio são maiores em portadores de doenças físicas que


causam comprometimento funcional, desfiguração, dor e dependência de
outrem: tumores malignos, infecção por HIV, lúpus erimatoso sistêmico,
insuficiência renal, doença pulmonar obstrutiva crônica, doenças
neurológicas degenerativas. Com frequência, tais doenças são
acompanhadas de depressão e de outros transtornos psiquiátricos, o que
levanta a suspeita de que não sejam fatores de risco independentes para o
suicídio. (pág. 97-98).

OS PROFISSIONAIS DA ATENÇÃO BÁSICA, DEVEM FICAR


ATENTOS AOS PACIENTES COM DOENÇAS FÍSICAS/CRÔNICAS

6.3.5 Fatores genéticos e histórico familiar

É sabido que o risco de suicídio aumenta quando no meio familiar há um histórico de


suicídio e de tentativas. Muitos estudos em genética indicam que em parte o
comportamento suicida pode ser herdado geneticamente. Estima-se que a influência da
hereditariedade na propensão para o suicídio chega a 55% (BOTEGA, 2015 apud
STATHAM et al.,1998). Mas para que os genes sejam ativados é preciso que o meio em
que a pessoa vive influencia ou ative os genes. Ou seja, os fatores ambientais interagem
com vários genes para determinar a suscetibilidade para o comportamento suicida.

7. OS FATORES DE PROTEÇÃO

Os fatores de proteção são aqueles que diminuem a possibilidade de acontecer um


resultado negativo em pessoas que estão em risco. Os fatores protetores influenciam no
desenvolvimento psíquico desde da infância e protegem contra várias atribulações, não
apenas contra o suicídio. Quais seriam os fatores de protetores presentes no paciente?
Fazer perguntas sobre com quem ele mora, sobre como é o ambiente familiar e como está
os seus relacionamentos tanto no meio escolar, profissional e social são perguntas
importantes que nos ajudam para formamos uma ideia a respeito dos fatores protetores
(BOTEGA,2015). Vamos ver alguns?

7. 1 Suporte social

O suporte social é denominado como ações ou comportamentos de apoio dentre


eles estão:

✓ Suporte emocional (afeto, estima, preocupação)


✓ Suporte de informação (conselhos, referências, sugestões)
✓ Suporte de avaliação (feedback, informação)
✓ Suporte instrumental (dinheiro, tempo)

No contexto psicossocial, o suporte social promove a resiliência diante de eventos


estressores e na redução da vulnerabilidade para diversos agravos de saúde. Na prevenção
do comportamento suicida o suporte social são:

• Bons vínculos afetivos;


• Sensação de estar integrado a um grupo ou comunidade;
• Estar casado ou com companheiro fixo;
• Bom relacionamento no meio familiar;
• Pais dedicados e consistentes.

No suporte social, faz com que a pessoa busque ajuda em momentos de crise e de
sofrimento psíquico. Esse apoio ajuda a prevenir a pessoa que apresenta algum
comportamento suicida. Protege nos momentos difíceis, identificar mudanças de humor e
ajuda a pessoa buscar ajuda especializada.
7. 2 Outros fatores de proteção*

Estilos cognitivos e
personalidade

. Sentimento de valor pessoal


. Ter objetivos na vida
. Confiança em si mesmo
. Habilidade para se comunicar
. Disposição para adquirir novos conheci-
mentos
Fatores culturais e sociais
. Disposição para buscar ajuda
. Disposição para pedir conselhos dia-
ante de experiência alheia

. Adesão valores, normas e tradições


positivas
. Integração social, no trabalho em
alguma igreja, em atividades esportivas,
clubes etc.
. A religiosidade também pode configurar
como um fator de proteção, juntamente
com os fatores ambientais: boa
alimentação, bom sono, luz solar e
atividades físicas

Fontes: Botega, 2015; Prevenção do suicídio, escola de saúde pública do Paraná módulo 1, 2019.

* Alguns pontos já foram mostrados no quadro 4 sobre os fatores de proteção.


8. FORMULAÇÃO DO RISCO DE SUICÍDIO

Já vimos sobre de como realizar a abordagem, perceber a intencionalidade suicida,


fatores de risco e proteção contra o suicídio. Agora iremos realizar formulação ou avaliação
do risco de suicídio. Por mais que a suicidologia tenha avançado nos estudos sobre o
suicídio, não é possível prever se a pessoa irá cometer suicídio ou não, porém, o risco pode
ser estimado e depois permite priorizar as ações dirigidas ao paciente. Agora iremos ver
as gradações de risco de suicídio que aparece em vários manuais de prevenção.

ALTO
MÉDIO

BAIXO
Tentativa de suicídio
Tentativa de suicídio prévia
prévia
Depressão grave,
Nunca tentou o suicídio influência de delírio ou
Depressão ou transtorno
Ideias de suicídio são bipolar alucinação
passageiras e
perturbadoras Ideias persistentes de Abuso/dependência de
suicídio, vistas como álcool
Não planeja como se solução
matar Desespero, tormento
Não tem um plano de psíquico intolerável, não
Transtorno mental, se como se matar vê saída
presente, com sintomas
bem controlados Não abusa/depende de Plano definido de se
álcool ou drogas matar e
Boa adesão ao Tem meios de como
tratamento Conta com apoio social fazê-lo
Já tomou providências
Tem vida e apoio sociais para o ato suicida

Fontes: Ministério da Saúde. Prevenção do suicídio: manual dirigido a profissionais das equipes de saúde
mental, 2006; Botega, 2015.

A formulação do risco de suicídio deve ser registrada no prontuário do paciente para


permitir o profissional realizar possíveis intervenções e auxiliar outros profissionais que no
futuro tenham acesso às anotações. Só se conclui a avaliação caso seja escrito tudo no
prontuário. Essas anotações devem ser feitas junto com um dos profissionais da psicologia
ou da psiquiatria do NASF. É preciso ser feito reuniões sempre que surgir um paciente com
risco de suicídio para discutir o caso e tentar realizar intervenções. O trabalho da soma
(trabalho compartilhado) de todos os profissionais da atenção básica e do NASF são
importantes na prevenção do comportamento suicida (princípio da integralidade). Em casos
de risco iminente de suicídio, as equipes devem procurar ajuda do CAPS II que fica na
cidade de Canindé, já que em Madalena não possui nenhum CAPS. Os CAPS são
responsáveis pela intervenção de crise em tempo hábil.

8.1 Estratégias que devem ser feitas depois da formulação de risco

• Escuta acolhedora para a compreensão e amenização


de sofrimento;
• Facilitar a vinculação do sujeito ao suporte social e
ajuda possível ao seu redor social e institucional;
RISCO BAIXO • Tratamento de possível transtorno mental;
• Caso não melhore, encaminhar o paciente ao
profissional da saúde mental;
• Tente obter uma contrarreferência do atendimento.

• Escuta acolhedora para a compreensão e


amenização de sofrimento;
• Focalizar os sentimentos de ambivalência que o
paciente sente entre querer viver e morrer, até que
pouco a pouco o desejo de viver se fortaleça;
• Facilitar a vinculação do sujeito ao suporte social e
RISCO MÉDIO ajuda possível ao seu redor social e institucional;
• Entrar em contato com a família*, amigos e colegas,
e reforce seu apoio;
• Ao entrar em contato com a família, orientei-os para
esconder facas; cordas; armas; deixar medicamentos
em um local onde o paciente NÃO tem acesso;
• Encaminhe ao um médico psiquiatra, ou médico e
marcar uma consulta o mais rápido possível;

* Essa forma de comunicação é feita como objetivo de criar uma rede de apoio de proteção de pessoas mais
próximas ao paciente. Entrar em contato com um familiar ou amigo é algo mandatório não apenas em casos
de menores de idade. Mesmo que o paciente não aceite, temos que comunicar e falar sobre o risco de suicídio
(BOTEGA,2017).
• Estar junto ao paciente. Nunca deixá-lo sozinho;
• Tomar cuidado com os meios que estejam no próprio
espaço do atendimento;
• Realizar o contrato de não suicídio;
RISCO ALTO • Informar a família* da forma que já foi sugerida;
• Deverá ser encaminhado para o Hospital e
Maternidade Mãe Totonha imediatamente e depois
possivelmente para o CAPS de Canindé.

8.2 Na urgência/emergência no Hospital e Maternidade Mãe Totonha

Quando há tentativas de suicídios na cidade de Madalena, os pacientes são


atendidos no Hospital e Maternidade Mãe Totonha. Casos de menor gravidade são
manejados aqui mesmo. Casos mais graves são encaminhados para o Hospital São
Francisco de Canindé-CE ou para o Instituto José Frota (IJF) na capital.
Mesmo que não haja tentativa de suicídio e o paciente esteja em alto risco de
comete-lo, médico ou enfermeiro dos PSF devem encaminha-lo para o Hospital e
Maternidade Mãe Totonha (sendo que posteriormente o paciente poderá ser encaminhado
ao CAPS) que terá três objetivos: reduzir o risco imediato, acompanhamento e depois junto
com os profissionais do NASF, o manejo dos fatores predisponentes (ABP, 2014). O que
são os fatores predisponentes (distais)? São predisposições e acontecimentos que ficaram
no passado. Já vimos alguns deles como: transtornos mentais, tentativas anteriores, casos
de suicídios na família, abuso sexual na infância, impulsividade/agressividade, isolamento
social, doenças incapacitantes etc.
Normalmente nós tentamos procurar o fator ou fatores mais recentes (fatores
precipitantes) que podem ser: uma desilusão amorosa (muito comum na adolescência),
separação conjugal, conflitos relacionais, derrocada financeira, perda de emprego,
embriaguez etc. Mas esquecemos da história de vida da pessoa. O suicídio é muito mais
complexo do que uma análise isolada (BOTEGA, 2015).
Voltando ao assunto sobre caso alguma pessoa tentou o suicídio ou que esteja em
alto risco. No hospital, deve haver vigilância 24 horas que pode ser feita pelo profissional
da saúde ou por um cuidador do paciente (ser for avaliado como capacitado) até a
reavaliação médica. Objetos que podem ser usados para se machucar (facas,
instrumentos pontiagudos, remédios, cintos) devem ser retirados do acesso do paciente.
Portas do banheiro, não devem ser deixadas trancadas (ABP,2015). Depois deve acionar
os profissionais da saúde mental do NASF.
Devemos sempre lembrar que a pessoa em alto risco de suicídio ou que tentou, não
está em sua plena capacidade cognitiva. Pior ainda se essa pessoa esteja com quadro
depressivo grave ou com sintomas psicóticos. O córtex pré-frontal do cérebro, que é
responsável pela tomada de decisão e pelo controle da impulsividade/agressividade, está
comprometido.
Abaixo o fluxograma mostra de forma esquematizada de como realizar um plano
terapêutico geral para alcançar o objetivo de manter o paciente seguro, com várias
estratégias e as ações de prevenção.

Manter o paciente seguro


Imediatamente 24 e 48 horas

• Impedir que o paciente se mate


Afastar meios letais
Apoio emocional e vigilância
• Psicofármacos
Para diminuir a ansiedade e a impulsividade
Para garantir a noite de sono
• Identificar pessoas significativas e obter seu apoio
• Avaliação imediata da necessidade de acompanhamento
Intensivo em CAPS.
• Acionar os profissionais do NASF.
• Esclarecimento e apoio dos familiares.

Usar medicamentos com


CURTO PRAZO menor potencial de letalidade
1º semana (caso seja utilizado em uma
Profissionais do NASF tentativa).

• Elaborar um plano de segurança


Identificar gatilhos
Diminuir os estressores
Aumentar o apoio social
Telefonemas periódicos
• Repetir avaliação do risco
• Diagnosticar e tratar transtornos mentais
• Psicoterapia
• Lidar com estressores crônicos e cuidar da adesão ao
tratamento.
9. INTERNAÇÃO

Em alguns casos, o paciente como já foi dito, pode apresentar quadros depressivos
graves, e outros podem apresentar problemas com uso de drogas psicoativas e sintomas
psicóticos. Caso assim precisam ser avaliados para a necessidade de internação, sendo
imperativo tal estratégica. O CAPS II e o CAPS AD (em caso onde o paciente é usuário de
drogas) de Canindé podem ver a possibilidade de cuidar dos casos mais graves. Muitas
vezes quando há vagas no Hospital Mental de Messejana pacientes podem ser
encaminhados para lá durante a crise. Não esquecendo que depois da alta, o paciente deva
receber cuidados da Atenção Primária junto com o NASF. No quadro abaixo, mostram quais
são as circunstâncias que indicam a necessidade de internação psiquiátrica.

Quadro 5: Circunstâncias que indicam a necessidade de internação psiquiátrica.

• Estado mental crítico, cuja gravidade impeça a boa conduta ambulatorial


• Exigência de se obter história mais acurada ou completa
• Necessidade de um período mais longo de observação do paciente
• Reavaliação do tratamento psiquiátrico que vinha sendo realizado
• Ausência de uma rede de apoio social
• Família claramente disfuncional ou sem condições de dar continência emocional
• Familiares mostram-se cansados de cuidar do paciente

Fonte: Botega, 2015.

E se por acaso nem no CAPS e nem no Hospital Mental de Messejana não houver
vagas? Ou se a família compromete a cuidar do paciente? Neste caso, pode ser pensando
na internação domiciliar. Mas devemos ter uma certa cautela ao pensar nessa opção.
A família que relata querer cuidar do paciente, pode fazer isso por sentimentos de
culpa e por meio do inconsciente, para permitir que o suicídio se consuma. Não é qualquer
família que terá capacidade de conter e cuidar (BOTEGA 2015). É preciso conversar de
forma clara e objetivamente com o paciente e seus familiares sobre um risco muito
consistente de suicídio e quais as medidas a serem tomadas. Caso seja necessário a
internação domiciliar é preciso formas de segurança em casa para impedir de o paciente
ter acesso a armas de fogo, venenos, medicamentos, cordas etc. (ABP,2014). No caso dos
medicamentos, devem mantidos longe do paciente e administrados por outra pessoa. Aqui
em Madalena, o estudo que realizei mostrou quais foram os meios que as pessoas usaram
para cometer o ato suicida. Foi constatado que o método mais utilizado foi o enforcamento
com 19 casos (59, %) conforme a tabela 5, e em segundo lugar foi o uso de objetos
cortantes, penetrantes e contundentes com 4 casos (12,5%) o que inclui “dentro” dessas
três categorias os seguintes instrumentos: facas, navalhas, giletes, canivetes, etc. Saber
quais foram os meios utilizados é importante para elaborar estratégias de prevenção tanto
numa internação domiciliar como na prevenção universal.

Tabela 5: Suicídio segundo Métodos/Instrumentos utilizados-Madalena-1997-2018


MÉTODOS/INSTRUMENTOS Nº DE %
CASOS

X70- Enforcamento 19 59,4

X72/X74-Autolesão por Arma de fogo 2 6,3

X69-Autolesão por Produtos Químicos 2 6,3

X64-Autointoxicação p/ drogas, medic. e subs. biológicas 1 3,1

X65-Autointoxicação por Álcool 1 3,1

X78/X79-Autolesão p/ obj. cortantes, penetrantes e contundentes 4 12,5

X76-Autolesão por fogo 1 3,1

X84-Autolesões não específicas 2 6,3


Fonte: DATASUS/ SIM e Secretaria da Saúde do Estado do Ceará: dados tabulados pelo autor

Na internação domiciliar, é preciso a curto prazo usar alguns psicofármacos (podem


ser prescritos por clínicos gerais) que segundo o médico psiquiatra Neury Botega, terá dois
objetivos: reduzir a ativação do paciente durante o dia e ajudá-lo a dormir à noite. É muito
comum haver ansiedade, inquietude motora, impulsividade e insônia e juntos aumentam a
sensação de desespero, e por conseguinte aumenta mais ainda o risco de suicídio.
Ainda segundo Neury Botega, o cansaço, insegurança e desgaste emocional
costuma ocorrer na família que assume a tarefa de cuidar e vigiar um de seus membros e
ao mesmo dar-lhe apoio emocional. Isso tudo pode ser reduzido, caso o profissional sempre
reunir com a família (visita domiciliar) e saber como estão se sentido eu quais as estratégias
a serem adotadas durante o período da internação.
10. TRATAMENTO MEDICAMENTOSO

Como já vimos, os transtornos do humor como a


depressão e o transtorno afetivo bipolar, são as
psicopatologias mais comum encontradas nas pessoas
que tentaram ou cometeram o suicídio. Então, caso seja
realizado o diagnóstico de depressão, o uso de
medicamentos como os antidepressivos são indicados na
depressão moderada e grave. Na depressão leve, a psicoterapia resolve sem a
necessidade de medicamentos (SHATZBERG & DEBATTISTA,2016). Dever-se também,
ficar atento pelo fato de os antidepressivos demorarem de duas a quatro semanas para
surtir os efeitos terapêuticos. Os efeitos colaterais são comuns no início do tratamento e
tendem a desaparecer com o tempo. No início do tratamento, a psicoterapia e as
intervenções terapêuticas para a crise serão importantes e também para o controle da
ansiedade e impulsividade.
Quando houver sintomas como a insônia e imperatividade no paciente com risco de
suicídio, é recomendado prescrever benzodiazepínicos. O uso de benzodiazepínicos
servem também para diminuir a ansiedade até que os antidepressivos comecem a surtir os
efeitos. Dentre outras opções, para melhorar o sono pode ser usado antidepressivos com
efeitos sedativos ou antipsicóticos em doses baixas, que também têm a função de diminuir
a impulsividade no início do tratamento sendo que depois devem ser retirados (RJ, 2016;
STAHL, 2014). Qualquer dúvida consultar o psiquiatra do NASF.

• Antidepressivos tricíclicos e lítio tem maior risco de letalidade quando usados


em tentativas de suicídio do que outras medicações.

• Benzodiazepínicos quando associados ao álcool ou com outras substâncias


depressoras do SNC têm maior risco de letalidade.

• Em caso de risco de suicídio, o fornecimento da medicação deve ser


feito em intervalos (semanalmente, por exemplo). Qualquer
medicamento não pode ficar ao alcance do paciente, mesmo
analgésicos, anti-inflamatórios, anti-hipertensivos etc.

• Sabemos que o lítio tem um efeito protetor contra o risco de suicídio,


mas caso seja usado em uma tentativa, tem mais chance de ser fatal.
• A clozapina, apesar de ser mais frequentemente utilizada na esquizofrenia
refratária, tem efeito protetor maior quando comparada aos outros psicóticos
no que se refere ao risco de suicídio.

• Casos mais graves de risco de suicídio, que na prática clínica estão ligados a
depressão grave, esquizofrenia, transtornos de personalidade, transtorno
bipolar, abuso de drogas ou até mesmo mais de um destes juntos
(comorbidade) devem ser acompanhados pela Atenção Secundária e ao
mesmo tempo a Atenção Básica participe também do cuidado.

Caso seja feito o diagnóstico da depressão* moderada ou grave onde precisa-se


prescrever medicamentos, a equipe deve ficar atento. Estudos demonstram que
nos primeiros 15 dias de tratamento, o risco de suicídio é grande. Quando o
medicamento está surtindo efeito pode surgir o ânimo, a energia e a capacidade
de colocar planejamento em prática antes de melhorar o humor deprimido e os
pensamentos suicidas. Ou seja, antes da melhora, a tentativa de suicídio pode
acontecer.

Fontes: Coleção guia de referência rápida: avaliação do risco de suicídio e sua prevenção. RJ. 2016; OMS:
MI-GAP manual de intervenções, 2010.

O TRATAMENTO MEDICAMITOSO, É INDICADO NA DEPRESSÃO


MODERADA E GRAVE. JÁ NA DEPRESSÃO LEVE, A PSICOTERAPIA
RESOLVE.

Nas próximas páginas há um resumo dos antidepressivos mais comuns e de outros


medicamentos como os antipsicóticos e estabilizadores do humor. Foi colocado somente
os que estão disponíveis na Secretaria de Saúde de Madalena. Posteriormente, poderá
haver a entrada de novos medicamentos.

*Caso haja transtornos resistentes ao tratamento, recomendo a leitura e estudo do livro: transtornos
psiquiátricos resistentes ao tratamento, diagnóstico e manejo, da editora Artmed, 2015.
Tabela 2: Antidepressivos tricíclicos

Doses mais
Efeitos Colaterais Monitorização
Medicamento Classe comumente Periocidade Contraindicações
mais comuns Laboratorial
usadas em adultos

• Distúrbio de
• ECG basal para condução cardíaca
• Boca seca pacientes com mais • Glaucoma de
• Constipação de 50 anos. ângulo fechado
intestinal • Determinar se o • Infarto agudo do
Doses terapêuticas • Tontura paciente já miocárdio recente
Antidepressivos da clomipramina • Hipotensão apresenta sobre De acordo com a (3 a 4 semanas)
Clomipramina
Tricíclicos variam entre 75 e Postural peso (IMC 25,0 a necessidade clínica • Depressão bipolar
250 mg por dia • Sedação 29,9) ou obesidade sem o uso de
• Visão borrada (IMC ≥ 30). estabilizadores do
• Retenção urinária • Exame glicêmico humor
• Ganho de peso • Colesterol total e • Retenção urinária
frações • Prostatismo
• Íleo paralítico

• Boca seca • ECG basal para • Distúrbio de


• Constipação pacientes com mais condução cardíaca
intestinal de 50 anos. • Glaucoma de
Dose inicial: 25mg. • Tontura • Determinar se o ângulo fechado
50 a 150 mg ao dia • Hipotensão paciente já • Infarto agudo do
(doses de 30 a Postural apresenta sobre miocárdio recente
Nortriptilina 50mg para idosos e De acordo com a
Antidepressivos • Sedação peso (IMC 25,0 a (3 a 4 semanas)
adolescentes são necessidade clínica
Tricíclicos • Visão borrada 29,9) ou obesidade • Depressão bipolar
recomendáveis) traz (IMC ≥ 30).
menos ganho de • Retenção urinária sem o uso de
• Ganho de peso • Exame glicêmico estabilizadores do
peso e efeitos
• Colesterol total e humor
cardiovasculares
frações • Retenção urinária
que os outros ADT
• Prostatismo
• Íleo paralítico
• Boca seca • ECG basal para • Distúrbio de
• Constipação pacientes com mais condução cardíaca
Dose inicial: 25mg. intestinal de 50 anos. • Glaucoma de
As doses variam de • Tontura • Determinar se o ângulo fechado
75 a 300mg ao dia, • Hipotensão paciente já • Infarto agudo do
sendo a dose média Postural apresenta sobre miocárdio recente
Amitriptilina Antidepressivos 150mg. • Sedação peso (IMC 25,0 a (3 a 4 semanas)
Tricíclicos • Visão borrada 29,9) ou obesidade • Depressão bipolar
Deve-se aumentar • Retenção urinária (IMC ≥ 30). De acordo com a sem o uso de
25mg em intervalos • Ganho de peso • Exame glicêmico necessidade clínica estabilizadores do
de dois ou três dias. • Colesterol total e humor
Pode ser frações • Retenção urinária
administrado uma • Prostatismo
vez ao dia. • Íleo paralítico

Fontes: Coleção guia de referência rápida: avaliação do risco de suicídio e sua prevenção. RJ. 2016; Fundamentos de psicofarmacologia de Stahl: guia de prescrição.
6º edição, 2019. Manual de psicofarmacologia clínica. 8º edição, 2017.
Tabela 3: Antidepressivos seletivos da recaptação de serotonina, da recaptação da serotonina e norepinefrina e da recaptação de noradrenalida e dopamina.

Doses mais
Efeitos Colaterais Monitorização
Medicamento Classe comumente Periocidade Contraindicações
mais comuns Laboratorial
usadas em adultos

Inicial: 20mg a • Náuseas • Uso concomitante


80mg para • Cefaleia ou nos últimos 14
Inibidores seletivos
depressão e • Diminuição do Nenhum para
dias de IMAOs
Flouxetina da recaptação de
transtornos de apetite pacientes
De acordo com a • Uso concomitante
serotonina
ansiedade • Dor abdominal saudáveis
necessidade clínica de tioridazina
• Insônia
Máxima: 60 a 80mg • Ansiedade
para bulimia

• Boca seca • Uso concomitante


• Cefaleia ou nos últimos 14
• Náuseas dias de IMAOs
Inibidores seletivos Inicial: 10 a 20mg
• Sonolência De acordo com a De acordo com a • Uso concomitante
Paroxetina da recaptação de
serotonina Máxima: 60mg • Tontura necessidade clínica necessidade clínica de tioridazina ou
• Retardo na pimozida
ejaculação
• Diminuição da
libido
• Náuseas • Uso concomitante
• Insônia ou nos últimos 14
Inibidores seletivos Inicial: 20mg • Tontura dias de IMAOs
• Retardo na De acordo com a De acordo com a • Uso concomitante
Citalopram da recaptação de
ejaculação necessidade clínica necessidade clínica de tioridazina ou
serotonina Máxima: 60mg
pimozida

• Cefaleia • Uso concomitante


Inibidores seletivos • Insônia ou nos últimos 14
Inicial: 150 mg
da recaptação de • Boca seca Monitorar pressão De acordo com a dias de IMAOs
Bupropriona
noradrenalida e • Tremor arterial necessidade clínica • Bulimia e anorexia
Máxima: 450mg
dopamina • Náuseas • Traumatismo
• Perda de peso craniano
• Inquietação
• Rash cutâneo • Pacientes em fase
• Constipação de descontinuação
intestinal de álcool ou
benzodiazepínicos
• Tumores cerebrais

De liberação • Uso concomitante


imediata: 75mg, em ou nos últimos 14
2 ou 3 tomadas com • Náuseas dias de IMAOs
Inibidores seletivos
dose máxima de • Insônia • Em pessoas com
da recaptação da
375mg • Tremor Monitorar pressão De acordo com a insuficiência
Venlafaxina
serotonina e • Boca seca arterial necessidade clínica cardíaca, a
De liberação • Disfunção sexual venlafaxina deve
norepinefrina
prologada (XR): ser usada com
uma tomada/dia cautela
com dose máxima
de 225mg

Fontes: Coleção guia de referência rápida: avaliação do risco de suicídio e sua prevenção. RJ. 2016; Fundamentos de psicofarmacologia de Stahl: guia de prescrição.
6º edição, 2019. Manual de psicofarmacologia clínica. 8º edição, 2017.
Tabela 4: Antipsicóticos de primeira e segunda geração.
Doses mais
Efeitos Colaterais Monitorização
Medicamento Classe comumente Periocidade Contraindicações
mais comuns Laboratorial
usadas em adultos

Inicial: 3mg • Acatasia • Usar com cautela


• Distonia em pacientes com
Média: 10 a 15 mg • Hipercinesia insuficiência
(quadros agudos) • Parkinsonismo cardíaca
• Sonolência • Pacientes com
De acordo com a
Antipsicóticos de Máxima: 15 a 20mg • Tremor De acordo com a Parkinson
Haloperidol necessidade
primeira geração • Síndrome necessidade clínica • Depressão grave
clínica
extrapiramidal do SNC
• Ganho de peso • Alergia ao
medicamento

• Bradicinesia • Glicemia Perfil metabólico na • Alergia ao


Inicial: 2mg, 1 a 2
• Acatasia • Colesterol total e visita inicial e a cada medicamento
vezes ao dia. Pode
• Distonia frações 3 meses • Gravidez e
ser aumentada a
cada 2 dias. • Sintomas • Triglicerídeos lactação
Antipsicóticos de
Risperidona extrapiramidais • Nível sérico de Prolactina caso haja • Insuficiência renal
segunda geração sinais clínicos
com doses prolactina ou hepática grave
Média: 4 a 6mg
maiores que
6mg/dia
Máxima: 8mg
• Hiperprolactinemia

• Ganho de peso IMC mensalmente • Hipersensibilidade


• Dislipedemia • Glicemia
por 3 meses, depois ou ao componente
Inicial: 5mg • Hiperglicemia • Colesterol total e
a cada 3 meses da fórmula
Olanzapina
Antipsicóticos de • Síndrome frações • C.I relativas
segunda geração Máxima: 10 a 20 metabólica Deve verificar a ligadas a efeitos
mg • Triglicerídeos pressão arterial em anticolinérgicos e
idoso antes de metabólicos
iniciar o tratamento
• Glicemia
• Colesterol total e
• Ganho de peso frações
• Dislipedemia • Triglicerídeos
Inicial: 50 a • Hiperglicemia • Determinar se o
100mg/dia. • Síndrome paciente já
Aumentos de metabólica apresenta sobre
100mg/dia. • Hipotensão peso (IMC 25,0 a
ortostática 29,9) ou
Máxima: 400 a • Sedação obesidade (IMC ≥ Hipersensibilidade
Antipsicóticos de ao medicamento
Quetiapina 800mg 30). Na visita semestral
segunda geração
• Monitorar a
pressão arterial
antes e durante o
tratamento

Inicial: 25mg. • Sedação • Glicemia Hemograma na • Hipersensibilidade


Aumentar 25 mg a • Sialorreia • Hemograma visita inicial, ao medicamento
cada 2 dias, em • Tontura • Colesterol total e semanalmente por 6 • Leucócitos <
média, até atingir a • Ganho de peso frações meses e 3500/mm3 e/ ou
dose terapêutica de • Taquicardia • Triglicerídeos mensalmente após 6 neutrófilos <
200 a 500mg/dia • Constipação meses. Perfil 2000/mm3
intestinal metabólico na visita • Epilepsia não
Máxima: 800mg • Agranulocitose inicial controlada
Antipsicóticos de
Clozapina • Doenças
segunda geração QUALQUER SINAL mieloproliferativas
DE INFECÇÃO • Uso de agentes
DEVE SER imunossupressores
AVALIADO POIS, • História de
PODE ESTAR granulocitopenia/
RELACIONADO AO agramulocitose
MEDICAMENTO E com clozapina
LEVAR À • Depressão do SNC
• Íleo paralítico
SUSPENSÃO DO • Doença hepática
MESMO ou cardíaca grave

Fontes: Coleção guia de referência rápida: avaliação do risco de suicídio e sua prevenção. RJ. 2016; Fundamentos de psicofarmacologia de Stahl: guia de prescrição.
6º edição, 2019. Manual de psicofarmacologia clínica. 8º edição, 2017.

Tabela 5: Estabilizadores do Humor

Doses mais Níveis séricos


Efeitos
comumente Monitorização
Medicamento Classe Colaterais mais Periocidade Contraindicações
usadas em Laboratorial
comuns
adultos

Inicial: 300mg, 0,5 – 1,2 • Acne TSH, T4 livre, • Insuficiência renal


podendo ser mEq/L Acima • Aumento do Ureia, Creatinina, grave
aumentadi para de 1,2 é apetite Litemia. • Bradicardia
600mg no 2º dia tóxico • Edema Eletrocardiograma sinusal
e a 900mg no 3º Na fase de • Ganho de peso para pacientes de • Arritmias
dia manutenção • Polipsia com mais de 50 ventriculares
de • Poliúria anos graves
Estabilizadores de
Variação da tratamento é • Tremores finos Determinar se o Visita inicial • Insuficiência
Lítio dose: recomendada paciente já cardíaca
humor • Diminuição da
geralmente litemia entre apresenta sobre Semestral congestiva
mémoria
entre 900 e entre 0,6 e peso (IMC 25,0 a • Gravidez
• Leucocitose
2.100mg, 1,0 mEq/L 29,9) ou • Síndrome de
• Náuseas obesidade (IMC ≥
avaliada de Brucada
acordo com 30).
litemia
• Doenças
hematopoiéticas
• Insuficiência
• Náuseas hepática
• Sonolência • Histórico de
Inicial: 200mg, • Náuseas depressão da
Anticonvulsivantes/
com aumento de • Vômitos medula óssea,
200mg a cada 2 8-12 µ/g/mL • Vertigens Hemograma Visita inicial agranulocitose
Carbamazepina
Estabilizadores de
dias • Ataxia Enzimas por clozapina ou
humor • Agranulocitose hepáticas Trimestral alergia a ADTs
Máxima: • Elevação de • Primeiro trimestre
1.600mg/dia enzimas de gravidez
hepáticas • Uso concomitante
ou nos últimos 14
dias de IMAOS
• Uso concomitante
de nefazona

• Náuseas • Insuficiência
• Vômitos hepática grave
• Sedação • Doenças do ciclo
Inicial: 250m,
• Dispepsia da ureia
podendo ser • Gravidez
• Diarreia Visita inicial
Anticonvulsivantes/ aumentado
• Leucopenia Hemograma • Hipersensibilidade
250mg a cada 2 45-125 µ/g/mL
Ácido Valpróico
Estabilizadores de dias • Alopecia Enzimas Trimestral ao medicamento
humor • Elevação de hepáticas
enzimas Indicação clínica
Máxima:
60mg/kg hepáticas
• Discrasias
sanguíneas
• Hiperamonemia

Fontes: Coleção guia de referência rápida: avaliação do risco de suicídio e sua prevenção. RJ. 2016; Fundamentos de psicofarmacologia de Stahl: guia de prescrição.
6º edição, 2019. Manual de psicofarmacologia clínica. 8º edição, 2017.
11. ALGUMAS AÇÕES TERAPÊUTICAS PARA OS PROFISSIONAIS DA
ATENÇÃO BÁSICA

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