Você está na página 1de 5

Capítulo 28

M odelo cognitivo da ansiedade


lulhinc Pietro Peres'

A terapia cognitiva foi desenvolvida nos anos 60 e teve Aaron Beck como o princi­
pal responsável pela sua fundamentação empírica e conceituai. A princípio, era uma
psicoterapia para depressão; depois, foi adaptada a outros transtornos, como ansiedade,
abuso de substâncias e transtornos de personalidade Estudos têm sido feitos para veri­
ficar a eficácia da terapia cognitiva como tratamento para esquizofrenia, transtorno bipolar,
transtorno de estresse pós-traumático, transtorno obsessivo-compulsivo, disfunção se­
xual, dor crônica, problemas de relacionamento, etc.

1. Princípios da terapia cognitiva


A terapia cognitiva é orientada no presente, portanto focalizada em problemas
recentes. Apresenta uma forma de tempo limitada, o que não significa que é breve ou a
curto prazo, mas estabelecem-se objetivos para um número de sessões e após este
prazo avaliam-se as metas e a partir daí pode ser feito um novo contrato.
Essa terapia apresenta uma estrutura para cada sessão. Inicia-se com uma breve
atualização e checagem de humor e, para tal, além da descrição subjetiva do paciente, os
inventários ajudam o terapeuta a monitorar como o paciente está progredindo. Em seguida ó
feita uma ponte com a sessão anterior, reestabelecendo rapport, uma agenda colaborativa,
quando define-se os itens a serem abordados naquela sessão, revisão da tarefa de casa,
discussão de questões estabelecidas na agenda, estabelecimento de nova tarefa de casa,
resumo da sessão e finaliza-se com o retorno de como o paciente percebeu aquela sessão.
' Psicóloga oolaboradora do AMBAN - IPq - HC - FMUSP

230 luliiinc Pictro Pcrcs


A terapia cognitiva é colaborativa, ou seja, paciente e terapeuta trabalham juntos.
É educativa, pois orienta o paciente a ser seu próprio terapeuta, para identificar
seus pensamentos disfuncionais, avaliá-los e respondê-los.
É ativa, portanto o paciente deve participar e estar disposto a fazer um esforço
para mudar.
É diretiva, pois há uma direçào para a terapia, baseando-a em metas.
O foco ó dirigido ao problema e orientado à solução, portanto o terapeuta está
atento aos obstáculos que impedem o paciente de resolver problemas e atingir metas por
si mesmo.
A terapia cognitiva dá importância à empatia e ao vinculo terapêutico.

2. Modelo cognitivo

A terapia cognitiva ó baseada no modelo cognitivo. O conceito central do modelo


cognitivo é que não são os eventos em si, e sim as expectativas, percepções e interpre­
tações que as pessoas têm a respeito deles, que são responsáveis pela sua resposta
emocional.
O modelo cognitivo baseia-se na hipótese de que os pensamentos automáticos
influenciam as respostas emocionais, fisiológicas e comportamentais das pessoas. Não
causam, mas formatam a resposta.

3. Pensamentos disfuncionais

Os pensamentos automáticos disfuncionais são um fluxo de pensamentos que


coexistem com o pensamento mais manifesto. Parecem surgir espontaneamente, são
breves e normalmente aceitos como verdade, sem ser resultado de reflexão ou avaliação.
Podem ser desencadeados por um desafio imediato: um exame, um evento social, uma
entrevista para emprego, ou podem estar relacionados com a possibilidade de um evento
distante, como casar ou divorciar, sofrer um ataque cardíaco ou acidente, ou fracassar
em sua carreira. Se os pensamentos forem distorcidos e irracionais, então interferem na
habilidade do paciente em atingir sua meta.
O pensamento disfuncional pode apresentar-se em uma forma visual, a pessoa
pode ter uma imagem em mente. O fóbico social, por exemplo, pode ter a imagem das
pessoas gargalhando e ridicularizando dele.

4. Pensamentos disfuncionais da ansiedade


Os pensamentos que influenciam a ansiedade normalmente enfocam o futuro e
superestimam o perigo inerente a uma determinada situação. Um paciente com Fobia
Específica pode pensar: "Isso pode me matar", "eu vou ser mordido por este animal". Um
fóbico social pode pensar: "Eu posso ser rejeitado", "eu não serei capaz de a g i r O s
pensamentos de um paciente com pânico podem se r: "E se eu tiver um ataque cardíaco
e morrer?"

Sobre Comportamento c CoRmç<lo 231


Beck dá um exemplo conhecido: uma pessoa está sozinha em casa e escuta no
meio da noite um barulho no outro quarto. Se pensar "Tem um ladrão no quarto", vai
sentir-se ansiosa, provavelmente o coração vai disparar ou as mãos tremerem e comportar-
se na tentativa de minimizar o perigo (se escondendo ou telefonando para a polícia). Ou
a pessoa poderia pensar “A janela está aberta, o vento derrubou alguma coisa", e então,
não sentiria medo e o comportamento seria diferente (fechando calmamente a janela e
voltando a dormir).
Os tipos de pensamentos automáticos disfuncionais que uma pessoa tem são
influenciados pelas suas crenças centrais. Os indivíduos vivenciam ansiedade porque
suas crenças a respeito de si mesmos e do mundo tornam-os propensos a interpretar
uma grande variedade de situações como ameaçadoras.
As crenças centrais do ansioso são principalmente relacionadas à vulnerabilidade,
ou seja, à existência de um ponto fraco pelo qual as pessoas podem ferir ou atacar. A
maioria dessas crenças gira em torno de questões de aceitação, competência,
responsabilidade, controle e dos sintomas de ansiedade em si.
Os pensamentos que influenciam a ansiedade podem incluir distorções cognitivas
das seguintes categorias:
1. Exagero: As pessoas muitas vezes têm um sentido ampliado de ameaça, mesmo em
face da evidência objetiva do contrário. Por exemplo, o medo do fóbico é desproporci­
onal à fonte de perigo. Portanto, há uma tendência a exagerar a importância de certas
situações, acreditando que são uma questão de vida ou morte, mobilizando-se
excessivamente para lidar com a ameaça e portanto sobrecarregando o funcionamen­
to normal do indivíduo.
2. Catástrofe: Quando as pessoas ansiosas antecipam um perigo ou uma dificuldade ,
elas às vezes percebem o desastre como o resultado provável. Um homem ansioso
enfrentando um procedimento cirúrgico relativamente simples teme que irá ficar inca­
pacitado ou morrer. Ou um paciente com ataques de pânico, tende a interpretar uma
sórie de sensações corporais de maneira catastrófica. As sensações mal interpreta­
das são principalmente aquelas que podem estar envolvidas em respostas normais de
ansiedade.
3. Generalização excessiva: Uma experiência negativa, como ser recusado para uma
promoção, pode ser traduzida em uma lei que abrange e governa a vida inteira: “Eu
posso nunca conseguir um lugar na vida. O que fazer se eu não for classificado?"
4. Ignorar o positivo: As pessoas ansiosas omitem as indicações de sua própria habili­
dade de enfrentamento com sucesso, esquecem as experiências positivas do passa­
do e antecipam apenas os problemas lamentáveis e o sofrimento interminável no
futuro. Uma paciente com fobia social, com medo de escrever na frente das pessoas
há três anos, esquece a sua experiência positiva de 2 0 anos como secretária de uma
multinacional, quando escrevia sempre na frente das pessoas.

5. Modelo cognitivo da ansiedade

Na ansiedade, as interpretações ou cognições relevantes estão relacionadas à


percepção de perigo físico ou psicológico. Os indivíduos superestimam o perigo inerente

23 2 luluine Pietro Pcros


a uma determinada situação. Essa avaliação excessiva ativa automaticamente e de for­
ma reflexa, o "programa de ansiedade".
O "sistema de alarme" prepara o indivíduo para enfrentar rapidamente o perigo, permitindo
que se prepare para uma ação evasiva, congele, para evitar uma descoberta, ou lute
decisivamente contra um inimigo, tudo sem um planejamento ou uma análise lógica. A natureza
nos induz a prestar atenção às ameaças, interrompendo atividades habituais até que tudo
esteja resolvido.
A ansiedade tem a função valiosa de ajudar as pessoas a se protegerem ou esca­
parem de situações perigosas.
Em relação à quantidade adequada de ansiedade, pode-se estabelecer uma ana­
logia à quantidade de ar no pneu. Se não tiver ar, não anda. Se tiver ar demais, explode.
É necessária a quantidade adequada para o carro andar. Portanto, a ansiedade não ó um
inimigo, pelo contrário, pode ser útil.
É necessário que duas avaliações sejam feitas:
a) Qual a quantidade de perigo e risco da situação?
b) Que tipo de recursos a pessoa tem para enfrentar a situação?
O ansioso avalia incorretamente a situação, percebe os riscos de forma excessiva
e minimiza seus próprios recursos para enfrentamento.
Quando a ansiedade é disparada por uma avaliação errônea, as respostas ativadas
pelo programa de ansiedade são inadequadas à situação, portanto o alarme ó falso.
Desse modo, o paciente com um transtorno de ansiedade faz esta distorção
cognitiva e antecipa uma ameaça mesmo quando existe uma pequena probabilidade de
ela ocorrer.
Através da terapia cognitiva, existe a possibilidade de ensinar formas de provar
uma avaliação mais verdadeira e realista do perigo. A situação pode ter só uma pequena
quantidade de perigo ou nenhum perigo. É necessário aumentar a conscientização dos
recursos e quando o paciente realmente não tem recursos, estes podem ser construídos.
O objetivo da terapia ó desligar o alarme falso, que ó acionado influenciando a
ansiedade, mas, manter o alarme real, que ó importante.

6. Modelo cognitivo do pânico

Os pensamentos disfuncionais no Transtorno do Pânico, especificamente, quase


sempre fazem parte de um ciclo vicioso de pensamentos, emoções e sensações físicas,
que pode ser disparado por exemplo pelo pensamento: “E se eu tiver um ataque cardíaco
enquanto estiver dirigindo?” O pensamento, que contém a idéia de perigo, desencadeia
ansiedade e uma variedade de sensações físicas e mentais como tontura, formigamento
nas mãos, falta de ar, ou outros sentimentos de irrealidade.
Estímulos externos ou internos (mais comuns) são percebidos como ameaça,
então vem um estado de apreensão associado com uma variedade de sensações corpo­
rais. Se essas sensações são interpretadas de maneira catastrófica, aumenta a apreen­

Sofore C'omporf<imcn(o e C o u m ç Jo 2 3 3
são e isto traz um aumento das sensações corporais. E assim por diante, entrando numa
espiral viciosa que culmina em um ataque de pânico.
Portanto o indivíduo interpreta uma série de sensações corporais normais de ma­
neira catastrófica, como um indício de desastre físico ou mental. Uma leve falta de ar
pode ser percebida como uma parada respiratória iminente, ou palpitações como um
ataque cardíaco, ou fraqueza como desmaio.
Dois processos contribuem para a manutenção do pânico. Por temerem certas
sensações, eles se tornam muito mais vigilantes a elas e examinam muito os seus corpos.
Entâo percebem mais sensações que outras pessoas.
A evitação mantém as interpretações negativas dos pacientes. O paciente acredi­
tava que evitar exercício físico o ajudava a evitar uma doença cardíaca, e isto o impedia
de constatar que os sintomas que estava experimentando eram inócuos. Achava que
realmente teria sofrido um ataque de pânico se não tivesse interrompido o que fazia.

7. Conclusão

Nos transtornos de ansiedade, a ênfase do tratamento está na reavaliação do risco


em situações e dos recursos da pessoa para lidar com a ameaça. Para transtornos de
pânico, a direção da terapia envolve testagem das interpretações erradas catastróficas do
paciente de sensações corporais ou mentais.
Através da terapia cognitiva, as pessoas podem ser ensinadas a identificar os pen­
samentos disfuncionais e avaliar quanto eles são válidos ou verdadeiros. O paciente vai
aprender a reconhecer seus pensamentos quando se sentir ansioso, a observar os sinais
físicos da ansiedade e a modificar os pensamentos irreais.
Quando as pessoas mudam seus pensamentos para uma direção mais realista,
gradativamente eliminando as distorções de pensamento, a ansiedade diminui e desenvol­
ve-se uma abordagem viável para lidar com as situações da vida.

Bibliografia
Beck, A. T. & Emery, G. (1985)(with Greenberg, R. L .) Anxlety disorders andphobias: A cognitive
perspective. New York: Basic Books.
Bock, A. T. & Emery, G. (1995)Coping with anxiety and panic (rev.ed.). Bala Cynwyd, PA: Beck
Institute for Cognitive Therapy and Research.
Gentil, V. et al. (1993) Pânico, Fobias e Obsessões. Sflo Paulo: EDUSP.
Hawton, K., Salkovskis, P. M., Kirk, J. & Clark, D. M. (eds.)(1989) Cognitive-behavior therapy for
psychiatric problems: A practical guide. New York: Oxford University Press.

2 3 4 lulianc Pictro IV rc s

Você também pode gostar