Você está na página 1de 49

TERAPIA

DO
ESQUEMA
T315 Terapia do esquema : base teórica e estratégias avançadas /
organizadora Ana Rizzon. — Novo Hamburgo : Sinopsys
Editora, 2024.
xix ; 715 ; 23 cm.

ISBN 978-65-5571-161-5

1.Terapia cognitiva focada em esquemas. I. Rizzon, Ana. II.


Título.

CDD 616.891425

Catalogação na publicação: Vanessa Levati Biff — CRB 10/2454


Ana Rizzon
ORGANIZADORA

TERAPIA
DO
ESQUEMA
BASE TEÓRICA
E ESTRATÉGIAS
AVANÇADAS

2024
© Sinopsys Editora e Sistemas Eireli, 2024.

Supervisão editorial: Paola Araújo de Oliveira


Capa: Eduardo Nunes
Tradução do Capítulo 25: Sandra Maria Mallmann da Rosa
Preparação de originais: Marcos Vinícius Martim da Silva, Marquieli
Oliveira e Patricia Alsina
Editoração: Juliano Gottlieb

Todos os direitos reservados à


Sinopsys Editora
(51) 3600-6699
atendimento@sinopsyseditora.com.br
www.sinopsyseditora.com.br
AUTORES

Ana Rizzon (Org.). Psicóloga clínica, terapeuta de casais há mais de


20 anos. Coordenadora e docente de cursos de Terapia do Esquema.
Supervisora da prática clínica e escritora. Pós-graduada em Psicoterapia
Familiar pela Universidade do Vale do Sinos (Unisinos) e em Terapia
Cognitivo-comportamental pela Universidade Federal do Rio Grande
do Sul (UFRGS). Formação em Terapia do Esquema pelo Instituto Wai-
ner Psicologia (credenciado à International Society of Schema Therapy
[ISST] e ao NJ/NYC Institute for Schema Therapy, Estados Unidos).
Terapeuta com formação básica em Terapia Focada nas Emoções (TFE)
pelo Centro de Estudos da Família e do Indivíduo (CEFI).

Adriana Kikuchi. Psicóloga. Especialista em Terapia Cognitivo-com-


portamental e em Neurociência e Comportamento pela Pontifícia Uni-
versidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Formação em Te-
rapia do Esquema para Casais pelo Instituto de Teoria e Pesquisa em
Psicoterapia Cognitivo-Comportamental (ITPC) e em Terapia Compor-
tamental Dialética pela ELO.
Alysson E. de C. Aquino. Psicólogo clínico. Professor colaborador do
Departamento de Psicologia da Universidade Estadual do Centro Oes-
te (Unicentro/Irati). Mestre em Educação pela Universidade Federal do
Paraná (UFPR). Doutor em Tecnologia e Sociedade pela Universidade
Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR).
Ana Carolina Silveira e Silva Streit. Psicóloga. Professora de Terapia do
Esquema do Insere, da Comportalmente, do Instituto de Excelência em
Psicologia (INEXPSI) e da Ane Vaz Academy. Supervisora particular em
Terapia do Esquema. Especialista em Terapia Cognitivo-comportamen-
tal pela PUCRS. Formação em Terapia do Esquema pela Wainer Psico-
logia e NJ/NYC Institute for Schema Therapy, Estados Unidos. Mestra
em Psicologia e Saúde pela Universidade Federal de Ciências da Saúde de
Porto Alegre (UFCSPA).
VI Autores

Anelisa Vaz de Carvalho. Docente de Psicologia e fundadora do Ane


Vaz Academy, portal de formação em Terapias Cognitivo-comportamen-
tais e Psicologia baseada em Evidências. Pós-graduada em Terapia Cog-
nitivo-comportamental pela Faculdade de Medicina de São José do Rio
Preto (FAMERP). Mestra e Doutora em Psicologia pela Universidade de
São Paulo (USP).
Bernardo Dewes. Psicólogo clínico. Especialista em Terapia Cognitivo-
-comportamental pela Wainer Psicologia. Formação em Terapia do Es-
quema também pela Wainer Psicologia.
Bruno Luiz Avelino Cardoso. Psicólogo. Terapeuta cognitivo certifica-
do pela Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC). Supervisor
da prática clínica e professor convidado de cursos de especialização e
formação em Terapias Cognitivo-comportamentais (TCCs). Especialista
em TCC pelo Instituto WP (IWP/Faccat) e especializando em Sexuali-
dade Humana pelo Child Behavior Institute of Miami, Estados Unidos.
Realizou treinamento em ensino e supervisão de TCC, TCC para casais
e TCC afirmativa para pessoas LGBT pelo Beck Institute, Estados Uni-
dos. Formação em Terapia do Esquema pela Wainer Psicologia e pelo
NJ/NYC Institute for Schema Therapy, Estados Unidos, e Terapia do
Esquema para Casais pelo ITPC. Mestre em Psicologia pela Universida-
de Federal do Maranhão (UFMA). Doutor em Psicologia pela Univer-
sidade Federal de São Carlos (UFSCar), com período sanduíche na The
Pennsylvania State University.
Carolina Cota Almeida. Psicóloga. Especialista em Terapia Cognitivo-
-comportamental pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
(PUC Minas). Formação em Terapia do Esquema e em Terapia Cogniti-
vo-comportamental para Transtornos Alimentares e Obesidade pela Wai-
ner Psicologia e em Transtornos do Controle do Impulso pela Manole.
Curso de imersão no Programa de Transtornos Alimentares Ambulim do
Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medi-
cina da Universidade de São Paulo (IPq-HCFMUSP). Membro da ISST.
Carolina Fischmann Halperin. Psicóloga clínica. Supervisora e profes-
sora convidada em diversas instituições nacionais e internacionais. Cria-
Autores VII

dora do primeiro curso em português de Terapia Focada na Compaixão


(TFC) e coordenadora da formação em TFC em parceria com a Wai-
ner Psicologia. Especialista em Terapia Cognitivo-comportamental pela
Wainer Psicologia. Formação e certificação internacional em Terapia do
Esquema pela Wainer Psicologia/ISST.
Francisco Crauss. Psicólogo clínico. Diretor da Crauss Psicologia Cog-
nitiva. Professor de pós-graduação. Especialista em Terapia Cognitivo-
-comportamental pela Wainer Psicologia. Formação em Terapia do Es-
quema também pela Wainer Psicologia. Mestre em Psicologia Clínica
pela Unisinos.
Giulia Altera. Psicoterapeuta. Treinadora oficial em Terapia Focada nas
Emoções pelo International Centre for Excellence in Emotionally Focu-
sed Therapy (ICEEFT).
Isabela Pizzarro Rebessi. Psicóloga. Terapeuta certificada pela FBTC.
Membro e supervisora clínica do estágio em Terapia Cognitivo-compor-
tamental Individual do Laboratório de Pesquisa e Intervenções Cogniti-
vo-comportamentais (LaPICC-USP). Supervisora particular em Terapia
do Esquema e em Terapia Cognitivo-comportamental. Especialista em
Terapia Cognitivo-comportamental pelo Centro de Estudos em Terapia
Cognitivo-comportamental (CETCC). Mestra em Psicologia pela USP,
com estágio de pesquisa no St. Joe’s Healthcare, em Hamilton, Canadá.
Jacqueline La Rosa de Mesquita. Psicóloga clínica. Especialista em
Terapia Cognitivo-comportamental pela Wainer Psicologia Cognitiva e
Faccat. Formação em Terapia do Esquema pela Wainer Psicologia. Mes-
tra em Psicologia pela PUCRS.
Jacqueline Nobre Farias Leão. Psicóloga. Diretora do Insere Psicologia
e Educação. Supervisora clínica do Insere com formação em Terapia do
Esquema, Gestalt Terapia, Terapia Cognitivo-comportamental e Teoria
do Apego. Secretária geral da Associação Latinoamericana de Terapia do
Esquema (Aslates). Especialista em Psicologia Jurídica pela Fundação
Getúlio Vargas (FGV). Certificação avançada em Terapia do Esquema
pela ISST. Mestra em Sociologia pela Universidade Federal de Alagoas
(UFAL).
VIII Autores

Joan M. Farrell. PhD. Professora adjunta de Psicologia da Indiana Uni-


versity – Purdue University Indianapolis (IUPUI).
Joana Monteiro. Psicóloga. Supervisora clínica em Terapia do Esquema.
Formação em Terapia do Esquema, Supervisão Clínica e Autoterapia pela
Wainer Psicologia e em Terapia do Esquema para Casais pelo Instituto Pa-
ranaense de Terapia Cognitiva (IPTC). Especialista em Neuropsicologia,
Psicopedagogia e Docência para o Ensino Superior pelo Centro de Estu-
dos Superiores de Maceió (CESMAC). Mestra em Psicologia pela UFAL.
João Guilherme de F. Campos. Psicólogo. Gestor de projetos do Insere.
Professor, supervisor, escritor e pesquisador na área da Terapia do Es-
quema. Formação em Gestalt Terapia pelo Instituto Mineiro de Gestalt
Terapia. Certificação em Terapia do Esquema pela ISST e pelo NJ/NYC
Institute for Schema Therapy, Estados Unidos.
Júlio Cesar de Souza Ribeiro. Psicólogo. Supervisor clínico em Tera-
pia do Esquema e Terapia Cognitivo-comportamental em consultório
particular. Especialista em Terapia do Esquema pelo IPTC. Mestre em
Psicologia Clínica pela PUCRS.
Kelly Paim. Psicóloga. Membro fundador da Associação Brasileira de Te-
rapia do Esquema (ABTE). Terapeuta do Esquema certificada pela ISST.
Especialista em Terapia Cognitivo-comportamental pela Wainer Psicologia
e em Psicoterapia de Casal e Família pela Unisinos. Formação em Terapia
do Esquema pela Wainer Psicologia e pelo NJ/NYC Institute for Schema
Therapy, Estados Unidos. Mestra em Psicologia Clínica pela Unisinos.
Lauren Heineck de Souza. Psicóloga. Professora e diretora clínica e pe-
dagógica do Instituto de Terapia Cognitiva (ITC). Especialista em Psico-
logia Clínica pela PUCRS. Mestra e Doutora em Ciências pela UFRGS.
Leonardo Wainer. Psicólogo. Membro da diretoria executiva da ISST.
Especialista em Terapias Cognitivo-comportamentais pela Wainer Psi-
cologia. Formação em Terapia do Esquema pelo NJ/NYC Institute for
Schema Therapy, Estados Unidos, e certificação avançada em Terapia do
Esquema pela ISST. Mestre em Psicologia Clínica pela PUCRS. Douto-
rando em Psicologia Clínica na PUCRS.
Autores IX

Lucas Elias Rosito. Psicólogo. Professor de Psicologia da PUCRS. Es-


pecialista em Psicologia Clínica e em Psicologia do Esporte pelo Conse-
lho Regional de Psicologia (CRPRS). Formação em Terapia do Esquema
pelo NJ/NYC Institute for Schema Therapy, Estados Unidos. Mestre em
Epidemiologia pela UFRGS.
Luisa Zamagna Maciel. Psicóloga. Sócia da Clínica Ethos e do Por-
tal Formare – Escola de Terapeutas Cognitivos. Membro da primeira
diretoria da ABTE. Supervisora e certificadora credenciada em Terapia
do Esquema pela ISST. Especialista em Terapia Cognitivo-Comporta-
mental pela Wainer Psicologia. Formação em Terapia do Esquema pela
Wainer Psicologia/ISST. Certificação avançada em Terapia do Esquema
pela ISST. Mestra em Psicologia Clínica pela PUCRS.
Marcela Mansur-Alves. Psicóloga. Professora do Departamento de
Psicologia e do Programa de Pós-graduação em Psicologia: Cognição e
Comportamento da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Coordenadora do Laboratório de Avaliação e Intervenção na Saúde (LA-
VIS/UFMG). Mestra em Psicologia do Desenvolvimento Humano e
Doutora em Neurociências pela UFMG.
Mariana Gressler Volante Balardin. Psicóloga. Professora em cursos de
especialização em Terapia do Esquema. Supervisora clínica e certificado-
ra internacional em Terapia do Esquema da ISST. Especialista em Tera-
pia Sistêmica e Cognitiva Individual, de Casal e de Família pelo INTCC.
Especialista em Avaliação Psicológica pela UFRGS. Formação em Tera-
pia Cognitivo-Comportamental pela Wainer Psicologia. Formação em
Terapia do Esquema pelo NJ/NYC Institute for Schema Therapy, Esta-
dos Unidos. Terapeuta com formação adicional em Terapia Focada nas
Emoções pelo CEFI. Formação intermediária em Terapia EMDR pelo
Trauma Clinic do INTCC.
Paula Guths. Psicóloga. Especialista em Psicoterapia Cognitivo-com-
portamental pela Unisinos. Formação em Terapia do Esquema pela Wai-
ner Psicologia e pelo NJ/NYC Institute for Schema Therapy, Estados
Unidos. Mestra em Psicologia Clínica pela PUCRS. Membro da ISST.
X Autores

Ramiro Figueiredo Catelan. Psicólogo. Terapeuta certificado pela


FBTC. Pesquisador de pós-doutorado e Coordenador do Núcleo de Pes-
quisa em Devaneio Excessivo e Desregulação Emocional do Instituto
de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Sócio
da Sínteses – Psicologia, Psiquiatria e Ensino e coordenador da primeira
formação brasileira em Terapia Afirmativa para Minorias Sexuais e de
Gênero. Especialista em Terapia Cognitivo-comportamental pelo CEFI.
Doutor em Psicologia pela PUCRS.
Ricardo Rodriguez. Psicólogo. Especialista em Terapia Cognitivo-com-
portamental pelo Instituto de Terapia Cognitiva (ITC) e pelo Programa
de Transtornos Alimentares Ambulim (IPq-HCFMUSP). Especialista
em Neuropsicologia pelo Instituto de Psicologia Aplicada Lev Vigotsky
(IPAF) e pelo IPq-HCFMUSP. Doutorando em Neurociências na Uni-
versidad de Flores (UFLO), Argentina.
Ricardo Wainer. Psicólogo. Diretor da Wainer Psicologia Cognitiva.
Professor e Supervisor de diversos cursos de especialização e formação em
TCC e Terapia do Esquema. Supervisor credenciado da ISST. Fundador
e primeiro presidente da ABTE. Terapeuta do Esquema com certificação
avançada pelo NJ/NYC Institute for Schema Therapy, Estados Unidos.
Mestre em Psicologia Social e da Personalidade e Doutor em Psicologia
pela PUCRS.
Rodrigo Trapp. Psicólogo clínico. Supervisor em Terapia do Esquema.
Professor de pós-graduação em Terapia do Esquema da Verbo Educa-
cional e em Terapia Cognitivo-comportamental Avançada do Instituto
de Desenvolvimento Educacional (IDE). Professor de Especialização em
Desenvolvimento Socioemocional no Contexto Educacional da Institui-
ção Evangélica de Novo Hamburgo (IENH). Professor dos cursos de
formação em Terapia do Esquema do Insere e do Instituto de Psicologia
e Carreira. Pesquisador no Núcleo de Estudos em Avaliação Psicológica
e Psicopatologia (NEAPP-UFRGS) e no Programa de Transtornos de
Humor do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (PROTHUM-HCPA).
Especialista em Terapia Cognitivo-comportamental pelo Centro Univer-
sitário Celso Lisboa. Formação em Terapia do Esquema individual e em
Autores XI

Terapia do Esquema em Grupo pelo Schema Therapy Institute Midwest


(STIM-INDY). Mestre e Doutor em Psicologia pela UFRGS.
Rossana Andriola. Psicóloga. Sócia fundadora da Valência Psicologia
Cognitiva. Professora convidada de diversos cursos de formação, exten-
são e especialização em Terapia do Esquema em vários estados brasileiros.
Terapeuta e supervisora do Esquema certificada pela ISST. Especialista
em Terapia Cognitivo-comportamental pela WP – Centro de Terapia
Cognitivo Comportamental. Formação em Terapia do Esquema pela
Wainer Psicologia e pelo NJ/NYC Institute for Schema Therapy, Esta-
dos Unidos.
Suzana Kroeff. Psicóloga clínica. Especialista em Terapias Comporta-
mentais Contextuais de Terceira Geração pelo CEFI/CIPCO. Especia-
lista em Psicologia Clínica pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP).
Formação em Terapia Cognitivo-comportamental pela Wainer Psicolo-
gia Cognitiva. Formação em Terapia do Esquema pela Wainer Psicolo-
gia/ISST.
Tiago Canuto. Psicólogo. Professor e supervisor clínico de Psicologia
pela Universidade Tuiuti do Paraná (UTP). Coordenador da pós-gra-
duação em Terapia do Esquema da Escola Internacional do Desenvolvi-
mento (EID). Especialista em Terapia Cognitivo-comportamental pelo
IPTC. Formação em Terapia do Esquema pela Wainer Psicologia e em
Terapia do Esquema para Casais pelo Instituto de Teoria e Pesquisa em
Terapia Cognitivo-comportamental. Mestre em Psicologia Forense pela
UTP.
Wendy T. Behary. Fundadora e diretora clínica do Centro de Terapia
Cognitiva de Nova Jersey e codiretora dos Institutos de Terapia do Es-
quema de NJ-NYC-DC, Estados Unidos. Membro fundador da Acade-
mia de Terapia Cognitiva. Mantém uma prática privada, sendo especiali-
zada em narcisismo e terapia de casais com alto grau de conflito.
Yana T. Mendes Felix. Psicóloga clínica. Coordenadora da Clínica Fe-
lix – Psicologia e Bem-estar. Perita da Justiça do Trabalho (TRT – 13ª
região). Formação em Terapia do Esquema pela Wainer Psicologia. Dou-
tora em Psicologia Social pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
APRESENTAÇÃO

Do seu surgimento até os dias atuais, a terapia do esquema (TE) tem se


constituído como uma modalidade de psicoterapia integrativa que con-
grega, dentro de seu campo teórico e metodológico, os mais variados
conhecimentos advindos de pesquisa básica e aplicada, de inovações téc-
nicas e de criativos insights sobre a relação terapêutica.
Inicialmente aplicada ao tratamento dos transtornos da personalida-
de e a situações refratárias e/ou crônicas, a TE foi ampliando seu alcance
para, nos últimos anos, apresentar-se como alternativa viável e validada
para quase todas as condições psicopatológicas conhecidas, assim como
para as mais diferentes populações (adultos, crianças e adolescentes, ca-
sais, famílias, etc.). Tal avanço foi obtido, em grande medida, pela carac-
terística de ciência de interface que a TE herdou das psicoterapias cogni-
tivo-comportamentais, e que impõe uma aglutinação natural com novos
entendimentos teóricos da gênese e desenvolvimento da personalidade,
bem como com novos e criativos aportes da técnica.
A TE tem nas experiências emocionais corretivas sua concepção nu-
clear para a mudança terapêutica. Para que estas ocorram, é fundamental
a avaliação meticulosa da singularidade da história de vida de cada pes-
soa, a fim de que se identifiquem as necessidades emocionais básicas que
não foram suficientemente supridas ao longo da infância e da adolescên-
cia. Essas lacunas afetivo-emocionais são os geradores das suscetibilida-
des para o estabelecimento de transtornos mentais e comportamentais.
Por sua vez, a nutrição de tais necessidades, advinda de uma postura
clínica de validação emocional e de reparentalização limitada, é que per-
mite superar dores e temores herdados dos cuidadores, levando a modos
mais saudáveis e felizes de como lidar com o drama da vida. É também
o que desencadeia um processo de quebra de ciclos de autossabotagem
enraizados no cotidiano e nas relações interpessoais de muitos de nós.
Nesta obra, organizada pela experiente e criativa psicoterapeuta
Ana Rizzon, com a colaboração de inúmeros expoentes da TE nacional
XIV Apresentação

e internacional, o leitor navegará por praticamente todo os domínios


teóricos e técnicos da TE. Desde os fundamentos teóricos e práticos da
abordagem até as aplicações clínicas e integrações com outras modali-
dades terapêuticas, os capítulos conseguem abranger o que há de mais
inovador e atual.
Destaca-se o ineditismo para a literatura brasileira dos capítulos so-
bre a junção da TE com a terapia focada na compaixão (Cap. 11); o
manejo de técnicas focadas na emoção (Cap. 10); a terapia baseada em
mindfulness e esquema (Cap. 12); a TE de duplo foco para transtornos
por uso de substâncias (Cap. 21), além dos capítulos sobre TE e cinema
(Cap. 18) e TE em alta performance (Cap. 16).
Ao leitor, aproveite o resultado deste livro que se torna um marco
para a TE do Brasil.

Ricardo Wainer
Diretor da Wainer Psicologia Cognitiva.
Mestre em Psicologia Social e da Personalidade e
Doutor em Psicologia pela PUCRS.
PREFÁCIO

Apresento este livro com uma confissão: ele é um só pretexto! Nas pági-
nas que seguem, você está convidado a mergulhar no universo da terapia
do esquema (TE) por meio da escrita de autores qualificados. Ela o guia-
rá por temas relevantes para a nossa prática clínica.
Porém, assumo que meu real desejo é contribuir para que você com-
preenda, com interesse genuíno, as partes quebradas. Para que seu adulto
saudável arregace as mangas e se disponha a remontar compassivamente
cada pedacinho. Seu e do seu cliente. E que nesse novo formato, vocês
celebrem e ajudem a celebrar as marcas que nos tornam únicos.
Fazemos com a psique processo semelhante ao que a arte japonesa
kintsugi faz com a cerâmica: reparamos as rachaduras com ouro, tal qual
ilustra a capa deste livro. Através das lentes da TE, vemos além dos limi-
tes e possibilidades da nossa história. Contribuímos para construir beleza
por meio da aceitação e da superação, fascinando-nos diante da nova
inteireza. Quebrar, na maioria das vezes, não é fruto de nossas escolhas.
Mas escolher dar destaque honroso às rachaduras, sim.
Desejo que esta obra contribua na sua arte de ser um ourives res-
taurador, atento, amoroso e eficaz. Que seu adulto saudável siga com
coragem e lucidez para acolher a impermanência e a imprevisibilidade do
mundo com suas imperfeições e incompletude. Que sua criança vulnerá-
vel confie na mão que une o seu todo e que isso traga segurança suficien-
te para que sua criança feliz se orgulhe do dourado que existe em você.
Minha gratidão por você ter escolhido aprender com este livro. Que
você, colega querido, faça um lindo trabalho e tenha muita vida na sua
vida.
Meu melhor abraço,
Ana Rizzon
Organizadora
SUMÁRIO

Apresentação ..................................................................................XIII
Ricardo Wainer
Prefácio ...........................................................................................XV
Ana Rizzon

PARTE I
A terapia do esquema e seus alicerces
1 Terapia do esquema: das contextualizações histórica e
conceitual à teoria orientada ao futuro ....................................... 3
Anelisa Vaz de Carvalho
2 Desenvolvendo as habilidades centrais do adulto saudável ........ 30
João Guilherme de F. Campos e Jacqueline Nobre Farias Leão
3 O papel do temperamento na formação dos esquemas ............. 51
Ana Rizzon, Suzana Kroeff e Marcela Mansur-Alves
4 Aprendizagens explícita e implícita: abordagens
complementares ....................................................................... 77
Jacqueline La Rosa de Mesquita
5 Necessidades básicas e as faces da reparentalização
limitada ................................................................................... 99
Jacqueline Nobre Farias Leão
6 As facetas da perpetuação esquemática: esquema
tem cura? ............................................................................... 120
Ana Carolina Silveira e Silva Streit e Ana Rizzon
7 A relação terapêutica e o ciclo esquemático com o paciente .... 154
Ana Carolina Silveira e Silva Streit
8 A nova conceitualização de caso em terapia do esquema ......... 178
Joana Monteiro
9 Uso de técnicas vivenciais/experienciais .................................. 215
Leonardo Wainer e Ricardo Wainer
XVIII Sumário

PARTE II
Teorias integrativas
10 Intervenções focadas na emoção ............................................. 243
Ana Rizzon, Giulia Altera e Rodrigo Trapp
11 A autocompaixão como instrumento de mudança.................. 269
Carolina Fischmann Halperin e Lauren Heineck de Souza
12 Treinamento de mindfulness integrado à terapia do
esquema ................................................................................. 286
Carolina Cota Almeida

PARTE III
Intervenções em diferentes cenários
13 Terapia do esquema para famílias ........................................... 303
Kelly Paim, Isabela Pizzarro Rebessi e Bruno Luiz Avelino Cardoso
14 Terapia do esquema para casais do mesmo sexo:
conceitualização esquemática e intervenção ............................ 322
Bruno Luiz Avelino Cardoso, Kelly Paim e Ramiro Figueiredo Catelan
15 Recursos lúdicos em terapia do esquema para casais ............... 347
Mariana Gressler Volante Balardin
16 Utilizando a terapia do esquema para o trabalho com
alta performance...................................................................... 379
Lucas Elias Rosito
17 Terapia do esquema em grupo................................................ 394
Rodrigo Trapp e Joan M. Farrell
18 Terapia do esquema pelas lentes cinematográficas .................. 418
Rossana Andriola

PARTE IV
Terapia do esquema para outros transtornos
19 Transtornos alimentares ......................................................... 447
Leonardo Wainer e Carolina Cota Almeida
Sumário XIX

20 Transtornos de ansiedade ....................................................... 472


Francisco Crauss, Bernardo Dewes e Yana T. Mendes Felix
21 Tratamento do transtorno por uso de substâncias ................... 499
Luisa Zamagna Maciel e Rodrigo Trapp
22 Transtornos depressivos.......................................................... 520
Rodrigo Trapp e Luisa Zamagna Maciel
23 Transtorno de déficit de atenção/hiperatividade ..................... 550
Adriana Kikuchi

PARTE V
Terapia do esquema para transtornos da personalidade
24 Terapia do esquema para o transtorno da personalidade
borderline ............................................................................... 589
Ricardo Rodriguez, Rodrigo Trapp e Joan M. Farrell
25 Terapia do esquema para o transtorno da personalidade
narcisista ................................................................................ 618
Leonardo Wainer e Wendy T. Behary
26 Transtorno da personalidade antissocial e modos
esquemáticos: uma intervenção possível? ................................ 637
Tiago Canuto, Alysson E. de C. Aquino e Júlio Cesar de Souza Ribeiro
27 Terapia do esquema com o cluster C: transtornos da
personalidade evitativa, dependente e
obsessivo-compulsiva ............................................................. 678
Paula Guths
PARTE I

A terapia do esquema
e seus alicerces
1
erapia do esquema das contextualizações histórica
e conceitual à teoria orientada ao futuro
Anelisa Vaz de Carvalho

“‘Tudo começa pela conceituação cognitiva’. A conceituação


cognitiva desenha o mapa e fornece estratégias sobre como transitar
no plano de tratamento com cada cliente. Contudo, muitas vezes,
mesmo com o mapa em mãos, é inevitável que o terapeuta se de-
pare, pelo caminho, com a barreira do ‘eu entendo racionalmente,
mas, emocionalmente não... apesar de, agora, entender isso, eu não
sinto diferente...’.
Em outras palavras: alguns clientes, ainda que engajados no pro-
cesso terapêutico, em algum momento, podem sentir-se incapazes
de mudar estritamente pelo ‘insight’ decorrente da flexibilização
dos mediadores cognitivo-comportamentais. E, nesse ínterim,
como, então, poderia um terapeuta proceder quando a modificação
cognitiva é insuficiente para promover a mudança?”
Anelisa Vaz de Carvalho

Nas décadas de 1970 e 1980, a maioria das universidades de psicologia


dos Estados Unidos estava dividida entre dois paradigmas: a tradição
psicanalítica e a terapia cognitivo-comportamental (TCC) (Neufeld &
Carvalho, 2017). A TCC, por meio do trabalho e do esforço de Aaron
Beck e colegas, ganhava cada vez mais notoriedade e difundia a abor-
dagem como sendo fundamentada na ciência experimental, cuja eficá-
cia era corroborada por sucessivos ensaios clínicos randomizados (Beck,
2021; Melnik & Atallah, 2011; Neufeld & Carvalho, 2017; Neufeld et
al., 2018). Este, sem dúvida, foi um marco na história da psicologia, com
4 Terapia do esquema: das contextualizações histórica e conceitual à teoria orientada ao futuro

um robusto salto tecnológico e ganhos clínicos expressivos. No entanto,


nos anos seguintes, tanto suas limitações quanto seus êxitos foram cons-
tatados: a TCC clássica (ou beckyana) mostrava-se limitada no atendi-
mento de uma variabilidade de casos clínicos, em especial, de pacientes
com transtornos da personalidade, com estruturas cognitivas mais rígi-
das e com dificuldades emocionais arraigadas (Arntz, 2012; Peeters et al.,
2021; Young et al., 2008).
Diante disso, Jeffrey Young, na década de 1990,* criou a terapia do
esquema (TE), por meio da ampliação de aspectos teóricos-conceituais
da TCC clássica e, também, da incorporação de perspectivas relacionais e
técnicas experienciais. A TE se ergueu sobre a premissa básica intrínseca
às TCCs: pensamentos, emoções e comportamentos estão intimamente
inter-relacionados e se influenciam mutuamente. Embora grande parte
das classes teóricas da TCC (em especial, a beckyana) coloquem luz so-
bre a primazia do pensamento em relação às outras duas instâncias (não
assumindo, necessariamente, as cognições como um fator único causal,
mas como uma variável de maior peso – reiterando sua forte base no es-
toicismo), a TE assume-se como uma abordagem integrativa, fortemente
orientada aos aspectos emocionais dos indivíduos e que enfatiza o pa-
pel estrutural da relação terapêutica (Arntz, 2012; Neufeld & Carvalho,
2017; Neufeld et al., 2018; Young et al., 2008).
Por meio dos estudos de Young com pacientes com transtornos da
personalidade e com estruturas cognitivas mais rígidas, a TE também
trouxe a perspectiva de que o self poderia não consistir em uma unidade
integral e estável, mas ser dividido em distintas partes que poderiam estar
em conflito umas com as outras (Kellog & Young, 2006). A partir dessas
premissas, a TE se consolidou e se expandiu com base em uma tríade
conceitual central: esquemas iniciais desadaptativos (EIDs), estilos
de enfrentamento esquemáticos e modos esquemáticos (Bach et al.,
2018; Genderen et al., 2012; Yakin et al., 2020).

* O trabalho de Young, anos mais tarde, influenciou o curso e o desenvolvimento


científico da TCC. Ele foi considerado um dos precursores cuja influência foi incor-
porada aos demais campos da TCC, inclusive da própria TCC Clássica (Edwards &
Arntz, 2012).
Terapia do esquema: base teórica e estratégias avançadas 5

Os esquemas iniciais desadaptativos


Os EIDS assemelham-se a traços* e consistem em estruturas de conhe-
cimento que influenciam a percepção, a interpretação e a memória dos
eventos. Por conseguinte, eles norteiam a visão que os indivíduos têm de
si, do mundo e do futuro, eliciando respostas comportamentais, emocio-
nais e fisiológicas (Bach et al., 2018; Young et al., 2008). Em síntese, os
esquemas são o nível mais “profundo” da cognição e consistem em um
padrão mal-adaptativo** pervasivo e persistente no processamento
da informação (Genderen et al., 2012; Young & Klosko, 2019).
Os EIDs se desenvolvem como um produto da interação entre as ca-
racterísticas neurobiológicas inatas dos indivíduos e suas interações am-
bientais e aprendizagens posteriores, que ocorrem, em sua maioria, nos
primeiros anos de vida (infância e adolescência).*** A TE enfatiza que
todos os indivíduos nascem com essas necessidades emocionais nucleares
(com alguma variação). Acredita-se que a interação entre o temperamen-
to biológico inato e os ambientes invalidantes resulte na frustração des-
sas necessidades básicas, o que se supõe causar vulnerabilidade e efeitos
deletérios na vida adulta. Um indivíduo “saudável” é, portanto, aquele

* Traços se referem a características intrínsecas a um indivíduo que são consistentes


ao longo do tempo e em diferentes situações. Essas características constituem a base
de sua personalidade.
** A despeito da frequente utilização do termo “desadaptativo” na psicologia, “mal-
-adaptativo” seria o mais apropriado em algumas ocasiões. Na área, é comum utilizar
termos como “comportamento desadaptativo” ou “comportamento disfuncional”
como sinônimos de comportamentos que são deletérios para o próprio indivíduo.
Entretanto, cabe ressalvar que, eventualmente, alguns comportamentos, mesmo
que aparentemente “nocivos”, podem consistir em uma tentativa bem-sucedida de
adaptação ao ambiente/contexto, alinhando-se com teorias evolucionistas (preceito
adotados pela psicologia ao utilizar termos dessa natureza). Portanto, a terminologia
“mal-adaptativo” é, em algumas circunstâncias, mais adequada do que “desadapta-
tivo”, pois reforça a noção do esforço adaptativo do indivíduo. Além disso, sob a
perspectiva behaviorista, todo comportamento tem uma função intrínseca. Assim,
o termo “disfuncional”, frequentemente usado para designar comportamentos pre-
judiciais, pode ser inadequado em alguns contextos também.
*** Alguns esquemas mal-adaptativos também podem se desenvolver tardiamente, na
vida adulta (Louis et al., 2018).
6 Terapia do esquema: das contextualizações histórica e conceitual à teoria orientada ao futuro

que teve essas necessidades atendidas na infância, resultando no desen-


volvimento de um self funcional saudável em relação aos outros (Young
et al., 2008).
Em outras palavras, os EIDs se desenvolvem sobre o substrato da in-
teração entre o temperamento inato e as experiências majoritariamen-
te aversivas, disfuncionais ou desagregadoras no ambiente (Bach &
Bernstein, 2018; Young & Klosko, 2019). A esse todo, soma-se, ainda,
o não atendimento apropriado das necessidades emocionais nucleares,
conforme o Quadro 1.1.
A literatura científica, durante muitos anos, concebeu a existências
de 18 EIDs, organizados em cinco domínios esquemáticos (Young et
al., 2008). Um estudo recente sinalizou que o agrupamento dos esque-
mas em quatro domínios é mais apropriado em termos de tratamento de
dados empíricos, metodologia* e para sua interpretação** (Bach et al.,
2018), conforme apresentado no Quadro 1.2.

* A análise fatorial é uma técnica estatística utilizada para entender a estrutura subja-
cente de um conjunto de variáveis observáveis. Consiste em um recurso que permite
identificar (e decompor) um número menor de fatores não observados (ou variáveis
latentes) que explicam a correlação entre as variáveis observadas. Por exemplo, um
pesquisador pode ter medidas de 50 diferentes traços de personalidade e querer
compreender quantas dimensões subjacentes estão efetivamente sendo medidas.
Por meio da análise fatorial, ele pode descobrir que todas essas medidas podem ser
reduzidas a, digamos, apenas cinco fatores subjacentes (como no modelo de perso-
nalidade do “Big Five”). Dessa forma, poder-se-ia concluir que a maioria das varia-
ções nos 50 traços de personalidade poderia ser explicada por variações nesses cinco
fatores subjacentes. A análise fatorial, portanto, é uma ferramenta extremamente
valiosa na psicologia, bem como na reformulação dos domínios esquemáticos, pois
permite a simplificação e a interpretação de dados complexos e/ou esparsos, ajudan-
do encontrar a estrutura relevante e mais apropriada dos fenômenos.
** É importante ressaltar que esses estudos são os primeiros a avaliar e a delinear esse
modelo, que consiste em uma proposta vanguardista, promissora e útil em investi-
gações futuras. Embora o modelo anterior (que tem como proposta a organização
dos EIDs em cinco domínios) ainda seja o mais difundido e preferencialmente ado-
tado, a autora deste capítulo presume que, por ele se constituir e apresentar através
de perspectiva metodológica mais apropriada, a proposta de reagrupamento atual
faz mais sentido à luz da ciência e da metodologia científica.
Terapia do esquema: base teórica e estratégias avançadas 7

Quadro 1.1 Necessidades nucleares


Necessidade nuclear Esquemas relacionados Descrição
Aceitação e pertenci- Privação emocional Encontram-se as demandas de
mento Desconança/abuso “apego seguro” baseadas em
Abandono/instabilidade aceitação, pertencimento, conexão,
Isolamento social/alie- aeto, respeito, estabilidade,
nação segurança, etc. Indivíduos que têm
Deectividade/vergonha essa necessidade nuclear atendida
tendem a ter maior prevalência
da percepção e da sensação de
que estão (ou podem se tornar)
seguros. Sentem-se aetivamente
correspondidos, aceitos, validados,
nutridos e respeitados em suas
relações.
Ambientes amiliares com víncu-
lo insuciente para a magnitude da
necessidade da criança, parenta-
lidade inconsistente, negligência,
abuso ísico ou emocional não
oerecem a presença de vínculo
seguro e estável. Como conse-
quência, há a percepção de que
as relações e as pessoas são
instáveis, pouco conáveis e que
relacionamentos são um território
perigoso. Outra inerência comum
é um autoconceito defectivo, além
da sensação de serem desprovidos
da habilidade de estabelecer uma
conexão genuína ou de pertence-
rem a algum grupo.
Autonomia, compe- Dependência/incompe- Voltado ao desenvolvimento da
tência e senso de tência autoecácia, anando a percepção
identidade Fracasso que o indivíduo tem de si e de suas
Vulnerabilidade ao dano habilidades. Diz respeito a caracte-
ou à doença rísticas como competência e obsti-
Emaranhamento/self nação para o autogerenciamento e
subdesenvolvido para a execução de tareas.
Indivíduos que vivenciaram o
endereçamento apropriado dessa
necessidade foram estimulados
a desenvolver a independência
salutar construindo autonomia.
Receberam o auxílio necessário
diante da resolução de problemas,
além de terem sido expostos a
desaos adequados a cada estágio
do desenvolvimento.
(Continua)
8 Terapia do esquema: das contextualizações histórica e conceitual à teoria orientada ao futuro

Quadro 1.1 Necessidades nucleares (continuação)


Necessidade nuclear Esquemas relacionados Descrição
Ao longo do crescimento, não
oram cerceados por adultos que
aziam tudo por eles, tampouco o-
ram negligenciados por cuidadores
alheios no auxílio necessário para o
desenvolvimento de suas compe-
tências. À medida que a indepen-
dência apropriada é estimulada,
as fronteiras de dois aspectos da
identidade vão se desenhando:
1) identidade pessoal – como o
indivíduo se constitui de orma
distinta das outras pessoas;
2) identidade social – como ele
se constitui com características
semelhante à de outros.
Adultos que tiveram o desenvol-
vimento apropriado desse núcleo
tendem a ter maior capacidade
de resolução de problemas, tomar
decisões de forma independente,
assumir responsabilidades, etc.
Limites saudáveis e Arrogo/grandiosidade Com o suprimento dessa neces-
cooperação Autocontrole e autodisci- sidade, é possível desenvolver a
plina insucientes autodisciplina e a autopreservação,
qualidades em que a impulsivida-
de dá lugar à segurança. Limites
apropriados também ensinam como
tolerar as emoções desconortáveis
e os dissabores cotidianos.
O atendimento dessa neces-
sidade torna o indivíduo mais
propenso a tolerar o retardo na
graticação, coibindo o desejo de
agir impulsivamente para obtenção
da satisação imediata. Oportuniza
a regulação das emoções por meio
de estratégias saudáveis, geren-
ciando o cumprimento de obje-
tivos e metas, orientando-se em
direção a “valores” em detrimento
do hedonismo. Ensina a agir com
urbanidade, cumprindo os deveres
tendo em vista o direito de outros,
os acordos ou promessas estabe-
lecidas.
(Continua)
Terapia do esquema: base teórica e estratégias avançadas 9

Quadro 1.1 Necessidades nucleares (continuação)


Necessidade nuclear Esquemas relacionados Descrição
É comum a carência de limites
em amílias excessivamente
permissivas ou indulgentes. Nesse
contexto, a criança ou o adoles-
cente não aprendem a tolerar
rustrações, seguir regras, respeitar
o direito de outras pessoas e em-
pregar esorços para obter aquilo
que desejam. No polo oposto,
amílias excessivamente rígidas
geram um contexto educacional em
que há excesso de regras e limites.
Nelas, impera a infexibilidade das
normas e da moral, podendo gerar
um pereccionismo mal-adaptativo.
Essa contingência semeia a ideia
de inadequação e insuciência da
criança ou do adolescente.
Aceitar a frustração é fun-
damental para o crescimento
humano. Respeitar o direito dos
outros, honrar os acordos, cumprir
com deveres e seguir regras são
elementos cruciais para relações
sociais saudáveis. O desenvol-
vimento adequado dessa aceta
demanda equilíbrio entre o discurso
infamado sobre autorresponsabili-
dade e a total ausência de regras e
de padrões.
Liberdade de expressão Subjugação Esse núcleo tem como demanda
emocional Autossacriício a liberdade da expressão e de
Busca de aprovação/ emoções válidas. É categórico
reconhecimento ao desenvolvimento saudável
demonstrar a emocionalidade
de orma salutar, habilidade que
deve ser ensinada e encorajada
por cuidadores saudáveis. Além
disso, as emoções precisam ser
concebidas como “válidas” e
“legítimas”.
É por meio de sua licitude que os
cuidadores buscarão desenvolver
estratégias para a regulação
emocional.
(Continua)
10 Terapia do esquema: das contextualizações histórica e conceitual à teoria orientada ao futuro

Quadro 1.1 Necessidades nucleares (continuação)


Necessidade nuclear Esquemas relacionados Descrição
A expressão emocional
adequada é undamental para a
constituição de relacionamentos
interpessoais bem-sucedidos, é ela
que viabiliza o “envio” de mensa-
gens emocionais de maneira ecaz
para si e para outros. A regulação
emocional permite a resiliência, o
desenvolvimento de relações mais
uncionais e a obtenção de maior
bem-estar emocional, mesmo dian-
te dos dissabores e diculdades do
cotidiano e das relações.
Punição, invalidação ou negli-
gência diante da expressão emo-
cional tendem a gerar diculdade
em gerenciar emoções diíceis e
expressar emoções e sentimentos.
Espontaneidade e lazer Postura punitiva A espontaneidade e o lazer
Negativismo/pes- permitem o desenvolvimento de
simismo competências sociais, a expressão
Padrões infexíveis/pos- das necessidades, a interação e a
tura crítica exagerada conexão com outros indivíduos, a
Inibição emocional evocação de emoções agradáveis
e o bem-estar emocional.
Quando essa necessidade não
é preservada, a criança tende a
aprender a “suocar” sua esponta-
neidade e a limitar sua forma de in-
teração com os outros, tornando-se
excessivamente retraída e contida.
Essa característica pode perpassar
a capacidade do sujeito de “se
encaixar” em grupo, podendo gerar
um adulto desadaptado ao repro-
duzir o rígido padrão aprendido em
suas relações.
Algumas crianças são concebi-
das como “adultos em miniatura”,
precisam crescer precocemente
por uma variedade de motivos.
Cuidadores egoístas que priorizam
suas necessidades em detrimen-
to das da criança, adversidades
familiares, cuidar de irmãos mais
novos e ter pais doentes são
exemplos de situações que criam
obstáculos para o atendimento
dessa necessidade. A busca do
sucesso acadêmico em detrimento
da socialização é outra contingên-
cia comum.
(Continua)
Terapia do esquema: base teórica e estratégias avançadas 11

Quadro 1.1 Necessidades nucleares (continuação)


Necessidade nuclear Esquemas relacionados Descrição
Em síntese, embora pareçam
“maduros”, muitas vezes esses in-
divíduos apresentam como prejuízo
a incapacidade de se conectar com
os pares. É comum a diculdade
em expressar-se e relacionar-se de
forma natural, espontânea, livre de
tensões e hipervigilância.
Para eles, o relaxamento, o
lazer e o autocuidado são antinatu-
rais, sendo concebidos como algo
de menor valor ou inapropriados.
Por consequência, se desenvolvem
negligenciando esses elementos
vitais para a saúde global. O resul-
tado costuma ser adultos isolados,
retraídos e desprovidos de espon-
taneidade, o que perpetua o racas-
so de suas relações. A isso segue
a baixa probabilidade de adesão
a fatores de proteção a saúde men-
tal, como relaxamento e lazer, além
da supressão de emoções (como a
raiva) e as próprias necessidades.
Fonte: Elaborado com base em Lockwood e Perris (2012) e Young et al. (2008).

Quadro 1.2 Apresentação dos esquemas iniciais desadaptativos pela perspectiva dos
quatro domínios esquemáticos
Domínio desconexão e rejeição
Esquemas Características
Privação emocional Expectativa de que outras pessoas jamais atenderão
as necessidades emocionais. O indivíduo presume:
privação de cuidados, privação de empatia e/ou privação
de proteção.
Isolamento social/alienação Crença de que é dierente de outras pessoas e de não
pertencimento.
Inibição emocional Inibição em expressar emoções espontaneamente.
Deectividade/vergonha Crença de que não tem valor, é inerior e o que sente é
inválido.
Desconança/abuso Crença de que as pessoas são abusivas, aproveitadoras,
tirarão vantagem de si ou alarão mal a seu respeito.
Pessimismo Expectativa de que as coisas sempre terminarão mal.
(Continua)
12 Terapia do esquema: das contextualizações histórica e conceitual à teoria orientada ao futuro

Quadro 1.2 Apresentação dos esquemas iniciais desadaptativos pela perspectiva dos
quatro domínios esquemáticos (continuação)
Domínio autonomia e desempenho prejudicados
Esquemas Características
Dependência/incompetência Acredita ser incapaz de lidar com tareas cotidianas sem
a ajuda de outros.
Fracasso Presume ser um racasso acadêmico/prossional e que,
eventualmente, alhará na vida.
Subjugação Crença de que deve obedecer aos outros para evitar
consequências negativas (punição, abandono, etc.).
Abandono/instabilidade Teme que pessoas signicativas poderão ser perdidas
(morrerão), o abandonarão ísica ou emocionalmente, a
qualquer momento.
Emaranhamento/self Acredita que deve sempre estar envolvido emocional-
subdesenvolvido mente (usionado) com outras pessoas (p. ex., pais e/ou
outros amiliares), deve dar/receber suporte nas deman-
das e problemas de pessoas próximas.

Vulnerabilidade ao dano ou à Crença de que coisas ruins, catastrócas, acontecerão e


doença que não será possível evitá-las nem lidar com elas.
Domínio responsabilidades e padrões elevados
Esquemas Características
Autossacriício O indivíduo se sacrica, “preere” tomar conta das neces-
sidades e demandas dos outros do que das próprias.
Padrões exagerados e infexí- Imposição de padrões de produtividade altamente eleva-
veis/crítica exagerada dos, pereccionismo, preocupação excessiva com regras,
performance, etc.

Autopunição Crença de que merece eventuais consequências nega-


tivas de sua impereição; baixa autocompaixão, ideia de
que merece o castigo.
Domínio limites prejudicados
Esquemas Características
Arrogo/grandiosidade O indivíduo acredita que é especial, superior aos demais,
que tem ou merece ter direitos especiais. Expressa-se
de orma arrogante, impositiva, sarcástica ou agressiva
e/ou passivo-agressiva.
Aprovação/busca por admira- Crença de que seu valor/signicância depende da aten-
ção ção positiva de terceiros.
Autocontrole e autodisciplina Não tolerância a rustrações e maiores desconortos.
insucientes Deseja o atendimento de suas necessidades de orma
imediata (graticações são dicilmente aceitas). Baixa
conscienciosidade, pouca perseverança.
Fonte: Elaborado com base em Bach et al. (2018).
Terapia do esquema: base teórica e estratégias avançadas 13

Cabe, no entanto, salientar que, historicamente, o agrupamento em


cinco domínios foi o primeiro a ser desenvolvido e têm sido difundidos
até os dias atuais, conforme Quadro 1.3.
Adicionalmente, Lockwood e Perris (2012) introduziram o conceito
de esquemas iniciais adaptativos (EIAs) (Quadro 1.4) que, posteriormente,
foi corroborado pelo estudo de Louis et al. (2018). Assim como os EIDs,
os EIAs consistem em padrões persistentes de processamento de informa-
ções, no entanto, eles dão origem a comportamentos adaptativos (Videler
et al., 2020). Surgem a partir do atendimento das necessidades emocionais
dos indivíduos ao longo do crescimento e do desenvolvimento (Lockwood
& Perris, 2012). A existência de EIDs, em geral, consiste em um preditor
negativo para a maior valência e ativação dos EIAs correspondentes – cada
EIA representa um polo oposto de seu EID (Louis et al., 2018).

Quadro 1.3 Apresentação dos esquemas iniciais desadaptativos pela perspectiva dos
cinco domínios esquemáticos
1º domínio
1. Abandono/instabilidade
2. Desconança/abuso
Desconexão
3. Privação emocional
e rejeição
4. Deectividade/vergonha
5. Isolamento social/alienação
2º domínio
6. Dependência/incompetência
Autonomia e
7. Vulnerabilidade ao dano ou à doença
desempenho
8. Emaranhamento/self subdesenvolvido
prejudicados
9. Fracasso
3º domínio
Limites 10. Arrogo/grandiosidade
prejudicados 11. Autocontrole e autodisciplina insucientes
4º domínio
12. Subjugação
Direcionamento
13. Autossacriício
para o outro
14. Busca de aprovação/reconhecimento
5º domínio
15. Negativismo/pessimismo
Supervigilância 16. Inibição emocional
e inibição 17. Padrões infexíveis/postura crítica exagerada
18. Postura punitiva
Fonte: Elaborado com base em Young et al. (2018).
14 Terapia do esquema: das contextualizações histórica e conceitual à teoria orientada ao futuro

Quadro 1.4 Apresentação dos esquemas iniciais adaptativos


1. Completude emocional
2. Sucesso
3. Empatia
4. Saúde e segurança/otimismo
5. Abertura emocional e espontaneidade
6. Autocompaixão
7. Limites saudáveis/senso de identidade (self) desenvolvido
8. Sensação de pertencimento (social)
9. Autocontrole e disciplina apropriados
10. Expectativas realistas
11. Autodirecionamento
12. Autocuidado e autointeresse adequados
13. Vínculos seguros
14. Autoconanca/competência saudáveis
Fonte: Elaborado com base em Lockwood e Perris (2012) e Louis et al. (2018).

O conceito de EIAs não é amplamente difundido na comunidade


clínica, embora muitos estudos venham sendo conduzidos a esse respei-
to (Lockwood & Perris, 2012; Louis et al., 2018; Videler et al., 2020).
Assim como nas demais classes de TCC, os esforços clínicos (e mesmo
aqueles empregados na área científica) ainda são mais fortemente dire-
cionados e pautados no trabalho com o manejo de disfuncionalidades do
que no fortalecimento dos fatores proteção.

Os processos esquemáticos
Uma vez que um ou mais esquemas são ativados, os indivíduos podem
adotar diferentes estilos de enfrentamento. Esses mecanismos, primor-
dialmente, se originam nas respostas inatas dos animais diante de situa-
ções de ameaça: lutar, congelar ou fugir. Dessa forma, na perspectiva da
TE, quando emoções desconfortáveis associadas aos esquemas são expe-
rimentadas, as pessoas podem reagir diante delas pela evitação (fuga),
pela rendição (congelamento) ou pela hipercompensação (luta) (Bach
& Bernstein, 2018; Young et al., 2008). Essas estratégias trazem alívio ao
estado aversivo experimentado, porém, eventualmente, também se tor-
nam mantenedoras dos EIDs, impedindo que eles sejam refutados (mais
detalhes sobre processos esquemáticos estão descritos no Capítulo 6).
Terapia do esquema: base teórica e estratégias avançadas 15

Na evitação – fuga, busca-se evitar ou fugir da ativação do EID por


meio de “recursos” cognitivos ou comportamentais (Arntz et al., 2021;
Bach & Bernstein, 2018; Young & Klosko, 2019; Young et al., 2008).
O indivíduo tenta organizar sua vida de forma a evitar a evitação esque-
mática, conforme Young e Klosko (2019), que pode ocorrer das seguin-
tes maneiras: a) retraimento social ou excessiva autonomia – pode haver
a desconexão diante de situações aversivas ou o indivíduo pode optar por
isolar-se socialmente; b) busca compulsiva por estimulação por meo de
comportamentos compulsivos (p. ex., sexo, compras, jogo patológico);
c) autotranquilização aditiva por meio do uso de substâncias, de comer
compulsivo, etc.; e e) retraimento psicológico – pode ocorrer dissocia-
ção, entorpecimento, negação ou confabulações para evitar a dor.
Na rendição – congelamento, o indivíduo “experimenta” direta-
mente a ativação e a respectiva dor do EID. Sua “verdade” é aceita e
o sujeito rotula-se como tal, aceitando padrões autodestrutivos em um
ciclo de autoperpetuação, segundo Arntz et al. (2021), Bach e Bernstein
(2018), Young e Klosko (2019) e Young et al. (2008), enquanto há tam-
bém uma tendência a rotular ou a distorcer os outros. Trata-se de uma
estratégia que, assim como as demais, perpetua a “verdade esquemática”,
mantém o sentimento de desesperança, fazendo a mudança parecer im-
possível (Young & Klosko, 2019).
Por fim, a hipercompensação é o processo de “luta” diante do EID.
Isso é feito pensando, sentindo ou comportando-se de forma contrária à
verdade esquemática, caracterizando uma inversão ao que foi sentido, ge-
rando uma “oposição emocional” (Arntz et al., 2021; Bach & Bernstein,
2018; Young & Klosko, 219; Young et al., 2008). Em geral, o paciente
empenha-se para ser “o mais diferente possível da pessoa que tem aquele
esquema” (ou da pessoa que era quando o “adquiriu”), configurando-se
em uma estratégia contra a terrível sensação de vulnerabilidade (Young
& Klosko, 2019; Young et al., 2008). A hipercompensação pode, a prio-
ri, parecer uma estratégia saudável, mas, em geral, o indivíduo não está
em paz consigo – isso ocorre porque o seu uso massivo impede o desen-
volvimento da capacidade de ficar vulnerável –, contudo, são pessoas que
não aprenderam a se defender e podem colapsar quando se deparam com
16 Terapia do esquema: das contextualizações histórica e conceitual à teoria orientada ao futuro

suas limitações; em essência, os hipercompensadores são frágeis (Young


& Klosko, 2019). Para Young et al. (2008), esse estilo de enfrentamento
pode se expressar de diversas formas: a) agressão e hostilidade ao enfren-
tar a dor do esquema contra-atacando, podendo desafiar, hostilizar, cri-
ticar ou culpar o outro; b) dominação e autoafirmação excessiva – busca
controle e domínio sobre o outro; c) busca de reconhecimento – seus
status e realizações são argumentos para impressionar e seduzir os outros;
d) manipulação e exploração por meio de recursos como manipulações
veladas, desonestidade e trapaças a fim de atender suas necessidades; e)
comportamento passivo-agressivo e rebeldia – embora pareça passivo,
pune e revolta-se contra os outros, podendo procrastinar, criticar, atra-
sar-se, descumprir parte de acordos ou responsabilidades; e f ) obsessão
e excesso de ordem – é inflexível; utiliza planejamento meticuloso e au-
tocontrole rígido, podendo usar de forma exagerada rotinas, rituais e
protocolos. Alguns exemplos podem ser observados no Quadro 1.5.

Quadro 1.5 Processos esquemáticos


Resignação/Rendição
Esquema Hipercompensação Evitação
(congelamento)
Abandono Aceitar o sentimento de ser Tentar provar o seu Evitar se envolver
indesejado e abandonado, valor sendo excep- emocionalmente com
e se isolar dos outros. cionalmente útil ou os outros para evitar
amigável para evitar a dor do abandono.
ser abandonado.
Desconança/ Tornar-se passivo e aceitar Tornar-se extrema- Evitar completamen-
abuso maus-tratos, achando que mente desconado te o envolvimento
merece ser tratado dessa ou agressivo para com os outros para
maneira. evitar ser abusado. se proteger contra o
abuso potencial.
Privação Aceitar a falta de cuidado e Tentar compensar a Evitar se envolver
emocional apoio emocional, acreditan- privação emocional emocionalmente com
do que é tudo que merece. sendo excessiva- os outros para evitar
mente emocional ou a dor da privação
carente. emocional.
Deectividade/ Ver-se como intrinseca- Tentar esconder Evitar situações que
vergonha mente defeituoso, sentir-se seus defeitos e criar possam expor seus
envergonhado e agir reor- uma imagem de per- defeitos ou provo-
çando esse esquema. feição para compen- car sentimentos de
sar os sentimentos vergonha.
de vergonha.
(Continua)
Terapia do esquema: base teórica e estratégias avançadas 17

Quadro 1.5 Processos esquemáticos (continuação)


Resignação/Rendição
Esquema Hipercompensação Evitação
(congelamento)
Isolamento Isolar-se e afastar-se dos Tentar se destacar Evitar grupos ou
social/aliena- outros, acreditando que não ou ser diferente dos situações sociais
ção pertence a nenhum grupo outros para compen- para se proteger
ou comunidade. sar o sentimento de do sentimento de
alienação. alienação.
Dependência/ Depender dos outros para Tentar provar a si Evitar situações ou
incompetência tomar decisões, acredi- mesmo que é com- tareas que exijam
tando que é incompetente petente, assumindo independência ou
para tal. responsabilidades habilidades.
demais ou se esfor-
çando demais.
Vulnerabilida- Viver em constante medo Envolver-se em Evitar situações per-
de ao dano ou de danos ou doenças, mes- comportamentos cebidas como poten-
à doença mo que não haja razões contraóbicos, ou cialmente perigosas
objetivas para isso. seja, ações que ou prejudiciais.
direcionadas para o
enfrentamento direto
e, muitas vezes, exa-
gerado da situação
ou objeto óbicos.
Forma paradoxal de
lidar com o medo.
Fracasso Manter a visão nuclear de Tornar-se perfec- Evitar desaos ou
que é um racasso e parar cionista, sempre oportunidades por
de tentar ter sucesso. buscando sucesso medo de racassar.
e evitando qualquer
alha.
Arrogo/gran- Adotar atitude de superio- Simular humildade Evitar situações nas
diosidade ridade, acreditando que é ou caridade exces- quais sua grandio-
especial e que as regras sivas (postura extre- sidade possa ser
normais não são aplicáveis mamente humilde, desaada.
a si. minimizando realiza-
ções ou desviando
elogios).
Autocontrole e Agir impulsivamente e não Ser excessivamente Evitar situações que
autodisciplina ter autodisciplina, cedendo controlado e disci- exijam autocontrole
insucientes aos desejos imediatos. plinado, reprimindo ou autodisciplina.
desejos e emoções.
Subjugação Submeter-se às neces- Tentar se rebelar Evitar situações ou
sidades e aos desejos dos contra a subjugação pessoas que podem
outros, acreditando que sendo agressivo ou azê-lo sentir-se
suas próprias necessidades dominador. subjugado.
não importam.
(Continua)
18 Terapia do esquema: das contextualizações histórica e conceitual à teoria orientada ao futuro

Quadro 1.5 Processos esquemáticos (continuação)


Resignação/Rendição
Esquema Hipercompensação Evitação
(congelamento)
Busca de Constantemente buscar Adotar comporta- Evitar situações nas
aprovação/re- aprovação dos outros, mes- mentos que repelem quais a aprovação
conhecimento mo que isso seja prejudicial a aprovação e o ou o reconhecimento
para si mesmo. reconhecimento, possam estar em
como autossabota- jogo.
gem (por negligência
ou omissão, alhar
em tarefas ou evitar
oportunidades que
trariam sucesso e
reconhecimento),
rejeição de elogios,
evitar ser o cen-
tro das atenções,
rejeição de normas
sociais, desao à
autoridade, falta de
compromisso, etc.
Negativismo/ Sempre esperar o pior e ver Tentar compensar o Evitar situações
pessimismo o lado negativo das coisas. negativismo sendo que possam ter um
excessivamente resultado negativo
otimista ou igno- ou incerto.
rando os aspectos
negativos da vida.
Inibição emo- Tentar inibir respostas emo- Compensar a inibi- Evitar situações que
cional cionais, acreditando que as ção emocional sendo possam provocar
emoções são perigosas ou excessivamente emoções intensas.
inapropriadas. emotivo e dramático
de forma socialmen-
te menos hábil.
Padrões Ser extremamente crítico Tentar compensar Evitar situações que
infexíveis/ consigo mesmo, aderindo padrões infexíveis possam desaar
postura crítica rigidamente a padrões sendo permissivo ou seus padrões ou pro-
exagerada elevados. relaxado. vocar autocriticismo.
Postura pu- Punir-se por erros ou alhas Tentar compensar Evitar situações que
nitiva (acreditando que merece a a postura punitiva possam levar a erros
punição). sendo indulgente ou alhas para evitar
ou ignorando suas a punição autoim-
alhas. posta.

Todas as estratégias apresentadas no Quadro 1.5 buscam trazer alívio


ao estado aversivo experimentado decorrente dos EIDs. No entanto, a
reiteração dos padrões aprendidos automatiza-se e generaliza-se em ou-
tros contextos, inviabilizando a adaptação bem-sucedida, tornando os
esquemas contextualmente mal-adaptativos (Bach & Bernstein, 2018;
Terapia do esquema: base teórica e estratégias avançadas 19

Lockwood & Perris, 2012). Tal qual uma profecia autorrealizadora, essas
estratégias se tornam mantenedoras dos EIDs, impedindo que eles sejam
refutados.

Os modos esquemáticos
Enquanto os EIDs assemelham-se a traços estáveis da personalidade, os
modos esquemáticos são estados dinâmicos que refletem grupos de es-
quemas ativados, altos níveis de afeto e estratégias de enfrentamento.
Esse conceito foi introduzido na TE uma vez que casos mais complexos
ou graves de pacientes com transtornos da personalidade (p. ex., trans-
torno da personalidade borderline [TPB]) apresentam grandes variações
em seus estilos de enfrentamento esquemáticos e um grande contingente
de esquemas ativados de maneira concomitante (Kellog & Young, 2006).
Ou seja, seu “funcionamento” – com grandes alternâncias e instabilidade
(em suas cognições, afeto e comportamentos) –, é explicado de forma
mais satisfatória pelos modos, que são como “estados de self dinâmicos”,
do que unicamente pelos “esquemas” que, de maneira análoga, apresen-
tam-se como “traços estáveis” (Bach & Bernstein, 2018).
No entanto, o conceito de modos foi gradativamente difundido na
formulação e no trabalho com outros casos clínicos, deixando de ser úni-
ca ou preferencialmente utilizado com casos específicos de transtornos
da personalidade, tendo em vista não somente sua eficiência (comple-
mentar ao conceito de “esquemas”) na compreensão do self, mas por
também, eventualmente, trazer ao paciente um entendimento mais claro
ou mesmo simplificado de sua própria conceituação (Bach et al., 2018;
Bamelis et al., 2011; Wilde & Arntz, 2019).
Young et al. (2008) sinalizaram a existência de três tipos de modos
disfuncionais: modos criança, modos parentais internalizados e mo-
dos de enfrentamento (coping) mal-adaptativos. Os “modos criança”,
em síntese, estão direta e profundamente ligados às necessidades emocio-
nais não atendidas e, quando acionados na vida adulta, os fatores cog-
nitivos (pensamento), comportamentais e emocionais são consonantes
com o repertório infantil “condicionado” previamente. A dor é alinhada
20 Terapia do esquema: das contextualizações histórica e conceitual à teoria orientada ao futuro

à ativação do esquema, despertando emoções intensas conectadas com


EIDs específicos (Fassbinder & Arntz, 2021).
Nos modos parentais internalizados, haveria uma “internaliza-
ção” da maneira como os cuidadores ou pessoas importantes se ma-
nifestavam diante da criança (Arntz et al., 2021; Fassbinder & Arntz,
2021; Young et al., 2008). Nesse modo, o ambiente invalidante de ori-
gem torna-se referência para a forma como o sujeito trata a si, podendo
desenvolver um padrão autopunitivo, excessivamente autocrítico e/ou
com exigências extremas de realizações. Farrell e Shaw (2018) sugeriram
a mudança na terminologia para modos críticos internalizados, com
base na justificativa de que esses modos nem sempre são consequência
da relação com os pais, mas podem se formar a partir de outros ambien-
tes invalidantes nos quais a criança ou o adolescente conviviam (de sua
relação com pares, outras figuras importantes ou forças institucionais,
etc.). Enfatiza-se que essa mudança também busca evitar fomentar no
cliente um possível “conflito de lealdade com os pais”. Outro aspecto
importante é que essa alteração pode ser facilitadora da conexão entre a
TE em seu extensivo trabalho com questões do “crítico internalizado”
(Farrell & Shaw, 2020).
Enfim, a concepção de modos de enfrentamento mal-adaptati-
vos refere-se à tentativa de lidar com o não suprimento das necessidades
emocionais formadoras dos EIDs por meio de recursos inapropriados.
Em geral, esses recursos voltam-se para a adoção de estratégias análogas
aos comportamentos de “lutar”, “evitar” e “fugir”. Todavia, outras pers-
pectivas relacionadas aos modos esquemáticos podem ser evidenciadas.
Há a consolidação dos modos de hipercompensação, que também são
orientados tanto a estratégias evitativas quanto a hipercompensatórias, e
que, na essência, buscam negar a existência do EID (Arntz et al., 2021;
Fassbinder & Arntz, 2021).
A literatura também aponta a existência de “modos saudáveis” – o
modo adulto saudável (veja o Capítulo 2) e o modo criança feliz.
O adulto saudável é o “lado funcional” do self, atendo-se à função execu-
tiva em relação aos outros modos (Arntz et al., 2021; Fassbinder & Arntz,
2021; Young et al., 2008). Já o modo criança feliz está satisfeito em suas
Terapia do esquema: base teórica e estratégias avançadas 21

necessidades emocionais, sendo um modo esquemático que se sente ama-


do, conectado e satisfeito (Fassbinder & Arntz, 2021; Young et al., 2008).
Os modos desadaptativos e, concomitantemente, os EIDs, são ativa-
dos quando as necessidades emocionais básicas não são satisfatoriamente
atendidas (Young et al., 2008). Os modos, a princípio, se desenvolvem
em algum momento (geralmente precoce) da história do indivíduo justa-
mente como um recurso para tentar obter o atendimento dessas necessi-
dades – assim como os esquemas, os modos, em algum momento, eram
congruentes com o contexto, portanto, adaptativos. Contudo, no curso
da vida do indivíduo, sua utilização reiterada e praticamente irrestrita
ou difusa (em contextos menos congruentes) tende a ser desadaptativa
(Bach & Bernstein, 2018; Roediger et al., 2018). Os modos esquemá-
ticos e seus subtipos e características mais marcantes estão apresentados
no Quadro 1.6.
Um dos focos da TE é diminuir a frequência do “uso” dos modos de-
sadaptativos, capacitando o indivíduo a substituí-los pelo modo adulto
saudável (Fassbinder et al., 2019; Yakin et al., 2020). Ao longo da evo-

Quadro 1.6 Apresentação dos modos esquemáticos


Modos criança Características
Sente-se triste, vulnerável, abandonada, sem aeto e sem va-
lor quando os EIDs são acionados. Pode haver o sentimento
de alienação e de que não é capaz de estabelecer conexão
Criança vulnerável
com outros indivíduos – as pessoas não são capazes de
(abusada, abandonada,
entendê-la, acolhê-la, conortá-la ou ampará-la em suas
dependente, solitária)
necessidades. (A TE busca atingir esse modo no processo te-
rapêutico, no entanto, isso é dicultado pelos demais modos
mal-adaptativos.)
Sente-se injustiçada e zangada quando as necessidades
básicas não são atendidas, comportando-se de orma de-
Criança zangada
mandante e hostil, não demonstrando a vulnerabilidade ou
necessidade subjacente.
Diante do não atendimento das necessidades e do sentimen-
to de vulnerabilidade, a raiva e/ou úria são externalizadas.
Criança enurecida Isso é eito de orma signicativamente mais elevada do que
o modo criança zangada. Aqui, é possível que o sujeito des-
trua objetos ou seja agressivo com outras pessoas.
Busca atender às necessidades básicas de orma inconse-
Criança impulsiva quente, imediatista e impulsiva. Pode maniestar raiva diante
da rustração de seus desejos.
(Continua)
22 Terapia do esquema: das contextualizações histórica e conceitual à teoria orientada ao futuro

Quadro 1.6 Apresentação dos modos esquemáticos (continuação)


Modos criança Características
Há baixa tolerância a rustrações. Não é capaz de executar
tareas rotineiras, enadonhas ou que sejam um pouco mais
Criança indisciplinada
desaadoras, sendo pouco persistente. Facilmente se rustra
e desiste das tareas.
Sente-se plena, amada, validada e conectada com outras
Criança eliz pessoas. Age de orma conante, otimista, autônoma e
competente.
Modo crítico
Características
internalizado
Há o sentimento de vergonha e mesmo de aversão a si mes-
mo que oram aprendidos e internalizados durante a inância,
devido às repetidas experiências de críticas e punições dos
principais cuidadores. O indivíduo mostra-se hostil, hipercríti-
co, desprovido de qualquer indulgência consigo e, sobretudo,
Punitivo acredita que suas alhas devam ser punidas. Apresenta hiper-
criticismo consigo e com os outros. Expressa altos padrões de
exigência/pereccionismo internalizados, devido às experiên-
cias com os principais cuidadores (“pereccionismo imposto
ao outro”). Não admite alhas e busca excessivamente pelo
alto desempenho, embora dicilmente sinta-se satiseito.
Apresenta hipercriticismo (consigo e com os outros). Não
Demandante admite alhas e busca excessivamente pelo desempenho,
mas dicilmente sente-se satiseito.
Modos de enfrentamento
Características
desadaptativos
Geralmente complacente, em especial com pessoas/relações
em que há algum tipo de desequilíbrio de poder. Age de orma
submissa, obediente e orientada a atender os desejos alheios,
Capitulador complacente
em detrimento das próprias necessidades, vontades e bem-
-estar, com a nalidade de evitar represálias, agressões, aban-
dono e/ou quaisquer outras consequências desagradáveis.
Busca a uga das emoções desconortáveis, se desconectan-
do das emoções e, até mesmo, das pessoas. Age de modo
robótico, eventualmente como se osse desprovido da capaci-
dade de experimentar emoções; pode relatar fatos relevan-
Protetor desligado
tes (e potencialmente ativadores) de orma completamente
desconectada das emoções/realidade. Por vezes, esse modo
é associado com despersonalização, sentimentos de vazio,
uso de Cannabis ou heroína.
De orma constante, busca evitar e ugir de situações que
possam ativar os EIDs. As evitações situacional e comporta-
Protetor evitativo
mental surgem como estratégias para lidar com problemas ou
diculdades.
(Continua)
Terapia do esquema: base teórica e estratégias avançadas 23

Quadro 1.6 Apresentação dos modos esquemáticos (continuação)


Modos de enfrentamento
Características
desadaptativos
Envolve manter distantes, por meio de um “muro de raiva”,
aqueles percebidos como ameaçadores ou perigosos. Die-
Protetor zangado rentemente dos modos criança zangada e criança enurecida,
a raiva apresenta-se de modo controlado e serve para manter
distância de outras pessoas.
Desconecta-se das emoções por meio de níveis elevados
de estímulos tranquilizadores ou estimulantes, buscando
distrações. Para evitar o sorimento, são usadas estratégias
Protetor autoaliviador como trabalho em excesso (“workaholic”), compulsões (jogos,
internet, sexo, álcool, comida ou compras), uso de subs-
tâncias estimulantes (cocaína ou anetaminas), dormir em
excesso, etc.
Modos de
Características
hipercompensação
Crença de que é superior, especial e dierente das demais
pessoas. Em geral, é uma orma de lidar com sentimentos
de deectividade e inerioridade. Comporta-se de maneira
arrogante, egoísta, autoritária, impositiva ou rude. Expressa-
Autoengrandecedor -se em comportamentos hostis, agressivos ou passivo-agres-
sivos, alegando estar sendo assertivo e agindo em deesa
de algo legítimo ou “daquilo que é correto”. Tende a ser abu-
sador e egoísta e, diante de eventuais questionamentos ou
críticas, age de orma irônica, debochada, cínica e agressiva.
Mente, manipula ou trapaceia para atingir objetivos espe-
cícos, como ganhar poder, dinheiro, ama ou escapar de
Manipulador e enganador punição. Tende ao vitimismo depois de causar problemas,
além de mentir e manipular para evitar responsabilizações ou
punições.
São, normalmente, impiedosos, rios e calculistas rente a
real ou potencial obstáculo/ameaça às suas vontades. Busca
eliminar rivais, inimigos e qualquer um que se oponha aos
Predador
seus desejos ou necessidades. Caracterizado pelo diagnósti-
co ou pela presença de traços do transtorno da personalida-
de antissocial.
Obtém atenção e a aprovação de outras pessoas de orma
Busca de aprovação e
extravagante e exagerada. Tenta, a todo modo, evitar ou
atenção
compensar o sentimento de solidão.
Busca controlar o comportamento das outras pessoas agindo
de modo dominador. Pode azer ameaças, agredir ou até
Provocador e ataque mesmo praticar bullying, azendo escárnio ou ridicularizando
os outros. O temor de ser controlado ou erido gera a anteci-
pação do sujeito, que se mobiliza atacando.
(Continua)
24 Terapia do esquema: das contextualizações histórica e conceitual à teoria orientada ao futuro

Quadro 1.6 Apresentação dos modos esquemáticos (continuação)


Modos de
Características
hipercompensação
Tenta buscar o controle extremo para se proteger de amea-
Obsessivo: hipercontrola-
ças percebidas/reais – para isso, pode se ocar na ordenação
dor/pereccionista
e na repetição de rituais.
Busca proteger a si mesmo de ameaça real ou percebida por
meio de controle excessivo – preocupação em localizar ou
Obssessivo: paranoide descobrir ameaças ocultas, reais ou imaginárias. A descon-
ança é central nas relações. Há grande diculdade de alar
de aspectos mais íntimos da vida.
Modo adulto saudável Características
É capaz de identicar as vulnerabilidades e as necessidades
emocionais. Busca, de orma uncional e adaptativa, por
Adulto saudável meio de estratégias racionais, assertivas e ao mesmo tempo,
empáticas, a resolução e/ou atendimento apropriado das
necessidades.
Fonte: Elaborado com base em Bamelis et al. (2011), Genderen et al. (2012) e Young et al.
(2008).

lução da abordagem, o conceito de modos foi gradativamente difundido


na formulação e no trabalho com outros casos clínicos mais brandos,
deixando de ser a única ou a estratégia de preferência nos casos especí-
ficos de transtornos da personalidade, tendo em vista sua eficiência na
compreensão do self. Além disso, o trabalho com modos esquemáticos
proporciona ao cliente um entendimento mais claro, ou mesmo simpli-
ficado, de sua própria circuitaria esquemática (Bach et al., 2018; Bamelis
et al., 2011; Wilde & Arntz, 2019).
Um exemplo são os casos de pacientes com TPB: não é incomum
que a infância desses indivíduos seja marcada por abusos (emocionais e
físicos) perpetuados por famílias de origem tipicamente invalidantes (veja
o Capítulo 24 para mais detalhes sobre TE para o TPB). Em geral, esses
pacientes crescem em ambientes que tendem a ser marcados por uma ou
mais das seguintes características: 1) presença constante de repressão ou
invalidação das expressões e das necessidades emocionais da criança (cui-
dadores não toleram e punem as “demonstrações emocionais negativas”,
dão pouca atenção aos filhos ou enfatizam a exigência de controle/
repressão das emoções); 2) ausência de orientação e reforçamento dos
comportamentos adequados e punição dos comportamentos inadequados
Terapia do esquema: base teórica e estratégias avançadas 25

de forma “aleatória” (não orientando ou definindo instruções ou regras


claras de “como se deve agir”); e 3) agressões físicas e/ou abusos sexuais
(Kellog & Young, 2006; Linehan, 1993).
Em geral, esses indivíduos tendem a apresentar os modos criança
vulnerável (abandonada, abusada e defeituosa), criança zangada, criança
indisciplinada-impulsiva, protetor desligado, modo crítico internalizado
e hipercompensador (provocativo e ataque) (Arntz, 2012). Considerando
o contexto no qual esses modos surgem e se desenvolvem, eles sinalizam
a tentativa e a luta para enfrentamento e/ou obtenção do atendimento
das necessidades emocionais – sendo coerentes ao contexto (uma forma
de sobreviver ao ambiente). Não obstante, esses indivíduos tendem a
continuar ativando os mesmos padrões na vida adulta, em circunstâncias
diferentes (ainda que distantes de seus ambientes infantis aversivos) e,
portanto, apresentam grandes chances de gerar maiores disfuncionalida-
des (Bach & Bernstein, 2018; Genderen et al., 2012).
Assim, a TE tem como uma de suas finalidades estimular que o pa-
ciente abdique ao uso de estilos de enfrentamentos mal-adaptativos (que,
embora adaptativos no passado, agora são geradores de situações desa-
gregadoras e disfuncionais), capacitando o indivíduo a substituí-los pelo
modo adulto saudável (Fassbinder et al., 2019; Yakin et al., 2020).
Ao partir da hipótese de que a frustração das necessidades emocionais
nucleares aumenta a vulnerabilidade dos indivíduos ao desenvolvimento
de transtornos mentais e à emissão de respostas emocionais e comporta-
mentais disfuncionais, bem como diante da premissa de que um indiví-
duo “saudável” é aquele que atende tais necessidades de modo salutar, a
TE busca auxiliar o cliente a desenvolver e a manter formas adaptativas
de satisfazê-las (Kellog & Young, 2006; Yakin et al., 2020; Young et al.,
2008).

Considerações fnais
Em síntese, da década de 1960 até os dias de hoje, a TCC revolucionou
a psicologia (ao lado de outras abordagens teóricas também fundamen-
tadas na ciência experimental). A princípio, propôs uma nova concepção
26 Terapia do esquema: das contextualizações histórica e conceitual à teoria orientada ao futuro

de ser humano, deixando de compreendê-lo como preponderantemente


movido por impulsos irracionais, inconscientes e primitivos, conforme
considerava a psicanálise. A TCC trouxe a compreensão do sujeito guia-
do por sua capacidade de pensar, por seu “racionalismo”, coadunado aos
fatores ontogenéticos, filogenéticos, etc. Ao mesmo tempo, a TCC tam-
bém transformou a prática clínica por meio da formulação de tratamen-
tos empiricamente sustentados e de intervenções baseadas em evidências
científicas – não mais relegando os pacientes às intervenções meramente
baseadas em inferências (Neufeld & Carvalho, 2017).
A TCC beckyana promoveu transformações profundas e necessárias
para a área, apresentando-se como uma abordagem com forte respaldo
empírico, com sua eficácia corroborada por sucessivos ensaios clínicos
randomizados. Ao mesmo tempo, ela também esbarrou em limites: ao
abordar casos clínicos que saíam de seu tradicional domínio (como os
transtornos do humor e os de ansiedade), ela revelou-se significativa-
mente ineficiente. A TE surgiu, então, como uma ampliação da TCC
tradicional, orientada ao tratamento de transtornos da personalidade (e
de clientes com dificuldades emocionais arraigadas ou crônicas que não
eram satisfatoriamente atendidos pela abordagem clássica beckyana),
mostrando-se significativamente mais satisfatória para esses indivíduos
(exceto em relação ao TPB – a terapia comportamental dialética, de Mar-
sha Linehan, detém o melhor nível de evidência científica para o manejo
desses casos clínicos).
Assim, ao ser incorporada às TCCs, enfatizando o papel estrutu-
ral da relação terapêutica (âmbito no qual grande parte da mudança se
sedimenta), alicerçada nas neurociências, a TE viabilizou não somente
a ampliação teórica da área, mas também propiciou que um maior nú-
mero de pessoas pudesse ser efetivamente auxiliada pela psicologia, por
meio da formulação de novas propostas de intervenção empiricamente
sustentadas. E por meio de uma proposta de intervenção cognitivo-com-
portamental reformulada, essa classe teórica agregou, portanto, valor ao
entendimento do “mapa do cliente”, fornecendo ao terapeuta uma nova
perspectiva para o território do “eu entendo racionalmente, mas, emo-
cionalmente não...”.
Terapia do esquema: base teórica e estratégias avançadas 27

Referências
Arntz, A. (2012). Schema therapy for tal: Teoria e prática (3ª ed., pp. 1-14).
Cluster C personality disorders. In Artmed.
M. F. V. Vreeswijk, J. Broersen & M. Edwards, D., & Arntz, A. (2012).
Nadort (Eds.), The Willey-Blackwell Schema therapy in historical perspec-
handbook of schema therapy: Theory, tive. In M. Vreeswijk, J. Broersen &
research and practice (pp. 397-414). M. Nadort (Eds.), The Wiley-Black-
Wiley Blackwell. well handbook of schema therapy: Theo-
Arntz, A., Rijkeboer, M., Chan, E., ry, research, and practice (pp. 3-26).
Fassbinder, E., Karaosmanoglu, A., John Wiley & Sons.
Lee, C. W., & Panzeri, M. (2021). Farrell, J. M., & Shaw, I. A. (2018).
Towards a reformulated theory un- Experiencing schema therapy from the
derlying schema therapy: Position inside out: A self-practice/self-reflection
paper of an international workgroup. workbook for therapists. The Guilford
Cognitive Therapy and Research, 45, Press.
1007-1020. https://doi.org/10.1007/
Farrell, J. M., & Shaw, I. A. (2020).
s10608-021-10209-5
Creative use of mode dialogues with
Bach, B., & Bernstein, D. P. (2018). the vulnerable child and dysfunc-
Schema Therapy conceptualization of tional critic modes. In G. Heath &
personality functioning and traits in H. Startup (Eds.), Creative methods
ICD-11 and DSM-5. Current Opin- in schema therapy: Advances and in-
ion in Psychiatry, 32(1), 38-49. novation in clinical practice (Cap. 9).
Bach, B., Lockwood, G., & Young, J. Routledge.
E. (2018). A new look at the schema Fassbinder, E., & Arntz, A. (2021).
therapy model: Organization and role Schema therapy. In A. Wenzel (Ed.),
of early maladaptive schemas. Cogni- Handbook of cognitive behavioral the-
tive Behaviour Therapy, 47(4), 328- rapy: Overview and approaches (pp.
349. 493-537). American Psychological
Bamelis, L., Renner, F., Heidkamp, Association.
D., & Arntz, A. (2011). Extended Fassbinder, E., O. Brand-de Wilde,
schema mode conceptualizations for O., & Arntz, A. (2019). Case formu-
specific personality disorders: An em- lation in schema therapy: Working
pirical study. Journal of Personality Di- with the mode model. In U. Kramer
sorders, 25(1), 41-58. (Ed.), Case formulation for personality
Beck, J. (2021). Introdução à tera- disorders: Tailoring psychotherapy to the
pia cognitivo-comportamental. In J. individual client (pp. 77-94). London
Beck, Terapia cognitivo-comportamen- Academic Press.
28 Terapia do esquema: das contextualizações histórica e conceitual à teoria orientada ao futuro

Genderen, H., Rijkeboer, M., & Melnik, T., & Atallah, A. N. (2011).
Arntz, A. (2012). Theoretical model: Psicologia baseada em evidências: Pro-
Schemas, coping styles, and modes. vas científicas da efetividade da psicote-
In M. F. V. Vreeswijk, J. Broersen & rapia. Santos.
M. Nadort (Eds.), The Willey-Black- Neufeld, C. B., & Carvalho, A. V.
well handbook of schema therapy: Theo- (2017). Latin America. In S. G.
ry, research and practice (pp. 27-40). Hofmann (Eds.), International pers-
Wiley Blackwell. pectives on psychotherapy (pp. 121-
Kellog, S. H., & Young, J. E. (2006). 137). Springer.
Schema therapy for borderline per- Neufeld, C. B., Carvalho, A. V.,
sonality disorder. Journal of Clinical Ohno, P. M., Teodoro, M. L. M.,
Psychology, 62(4), 445-548, Szupszynski, K. P. D. R., Lisboa, C.
Linehan, M. (1993). Borderline per- S. M., Carvalho, M. R., Almeida, N.,
sonality disorder: Concepts, contro- Barletta, J. B., Barbosa, L. N. F., Mon-
versies and definitions. In M. Line- teiro, Y. M., Donato, I. L., Araújo,
han, Cognitive-behavioral treatment D., Hayasida, N. M. A., Busetto, T.,
of borderline personality disorder (pp. Perez, N. C. S., Silva, N. G., Galdino,
3-27). The Guilford Press. M. K. C., Araújo, N., Filho, M. L. D.
Lockwood, G., & Perris, P. (2012). S... & Nóbrega, N. K. B. (2018). Te-
A new look at core emotional needs. rapia cognitivo-comportamental nos
In M. Vreeswijk, J. Broersen & M. cursos de graduação em Psicologia:
Nadort (Eds.), The Wiley-Blackwell Um mapeamento nacional. Revista
handbook of schema therapy: Theo- Brasileira de Terapia Comportamental
ry, research, and practice (pp. 41-66). e Cognitiva, 20(1), 86-97. https://doi.
John Wiley & Sons. org/10.31505/rbtcc.v20i1.1139
Louis, J. P., Wood, A. M., Lockwood, Peeters, N., Stappenbelt, S., Burk,
G., Ho, M. H. R., & Ferguson, E. W., Passel, B., & Krans, J. (2021).
(2018). Positive clinical psychology Schema therapy with exposure and
and Schema Therapy (ST): the deve- response prevention for the treatment
lopment of the Young Positive Sche- of chronic anxiety with comorbid
ma Questionnaire (YPSQ) to com- personality disorder. British Journal
plement the Young Schema Ques- of Clinical Psychology, 60(1), 68-76.
tionnaire 3 Short Form (YSQ-S3). https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/
Psychological Assessment, 30(9), 1199- articles/PMC7898627/
1213. https://pubmed.ncbi.nlm.nih. Roediger, E., Stevens, B., & Brock-
gov/29672073/ man, R. (2018). Contextual schema
Terapia do esquema: base teórica e estratégias avançadas 29

therapy: An integrative approach to per- Yakin, D., Grasman, R., & Arntz, A.
sonality disorders, emotional dysregu- (2020). Schema modes as a common
lation, and interpersonal functioning. mechanism of change in personality
Context Press. pathology and functioning: Results
Videler, A. C., Royen, R. J. J., Legra, from a randomized controlled trial.
M. J. H., & Ouwens, M. A. (2020). Behaviour Research and Therapy, 126,
Positive schemas in schema therapy 103553.
with older adults: Clinical implica- Young, J. E., & Klosko, J. S. (2019).
tions and research suggestions. Be- Reinvente sua vida. Sinopsys.
havioural and Cognitive Psychotherapy, Young, J. E., Klosko, J. S., &
48(4), 481-491. Weishaar, M. E. (2008). Terapia do
Wilde, O., & Arntz, A. (2019). Sche- esquema: Guia de técnicas cognitivo-
ma therapy. In K. S. Dobson & D. J. -comportamentais inovadoras. Artmed.
A. Dozois, Handbook of cognitive-be-
havioral therapies (4th ed., pp. 249-
270). The Guilford Press.

Você também pode gostar