Você está na página 1de 14

Para mais informações acesse:

ce
eutoco.com.br leu foco /eutoco

wmu.shlre.com.br
Edifício Rochaverá Towers - Av. das Nações tinidas, 14.171 /Torre Ebony - 5 andar
0804,
8880 11, CEP 04794-000 - São Paulo — SP — Brasil
Material destinado ao público leigo.
medinfoLATAMeshire.com BR/C-ANPROPULDX/17/0004 - Março/2017
Prof. Dr. Eugenio Horacio Grevet
Introdução 04
CRM-RS 019673

Médico Psiquiatra / Professor do Departamento de Entendendo a natureza do TDAH 08


Psiquiatria e Medicina Legal da Faculdade de Medicina
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul / Chefe do
Serviço de Psiquiatria do Hospital de Clinicas de Porto
Alegre (HCPA) / Coordenador do Ambulatório de Déficit As causas do TDAH 10
de Atenção em adultos do HCPA

Os sintomas e o diagnóstico do TDAH

O TDAH ao longo da vida 16

A relação com outros transtornos psiquiátricos

O tratamento do TDAH o

Considerações finais 24

Referências Bibliográficas
O que estas pessoas Transtorno de déficit de atenção/hiperatividade ou TDAH, acrônimo pelo qual também é
conhecido, afeta 5% das crianças e adolescentes e 3% dos adultos.' Lamentavelmente,


nenhuma das pessoas abaixo suspeita do diagnóstico.
tão diferentes
podem ter em comum?

M9

Pedro, 40 anos, um Francisco, casado, com Mario tem oito anos, cursa o Júlio é um menino de três Luciana, uma modelo muito Carmen, 17 anos, está se Joaquim, 59 anos, tem um
Joaquim,
profissional de sucesso, vem aproximadamente 50 anos de segundo ano do ensino anos que não para de correr inquieta e ativa de 29 anos, preparando para o vestibular, ritmo alucinante de trabalho.
tendo sérios problemas idade, se sente frustrado fundamental e seus pais foram enquanto está acordado. Sua desenvolveu nos últimos anos mas não consegue manter a Fuma, adora fast-food, é
conjugais porque, apesar de porque, apesar de inteligente, chamados pela direção da mãe não sabe mais o que uma forte compulsão por concentração por mais de 20 obeso e extremamente
amar profundamente sua nunca conseguiu desenvolver escola devido às dificuldades fazer para acalmá-lo, sente-se doces, tabaco e maconha. minutos sem ter que parar de sedentário. Acaba de dar
esposa, não consegue dar a todo seu potencial que ele tem de prestar atenção exausta e desanimada. Num fim de semana de folga, estudar para "descansar a entrada em uma emergência
devida atenção para suas e tem problemas frequentes em sala de aula. Suas decidiu conhecer uma região cabeça". com fortes dores no peito.
obrigações domésticas. no relacionamento com a professoras gostam muito montanhosa da França.
esposa. dele, mas dizem que está Distraiu-se olhando o celular
sempre sonhando. enquanto dirigia e sofreu um
grave acidente, no qual quase
perdeu a vida.

4 5
Da mesma forma que ocorre com outras doenças silenciosas, como a hipertensão Infelizmente, como estas pessoas comumente procuram atendimento para tratar
ou o diabete, os sintomas do TDAH: a desatenção, a hiperatividade e a das consequências tardias do transtorno, o diagnóstico de TDAH raramente é
impulsividade não doem. Geralmente, são sentidos de forma indireta, pelas suas levado em conta. Os responsáveis? O desconhecimento, a desinformação e o
consequências práticas: o fracasso acadêmico, laborai e dos relacionamentos preconceito.
íntimos. Além disso, devido à elevada impuisividade e a baixa capacidade Pensando nas dificuldades enfrentadas por seus portadores e seus familiares,
reflexiva, as pessoas com TDAH podem apresentar comportamentos bastante idealizamos esta cartilha, com o intuito de prover e promover informações
irracionais, principalmente visando à obtenção de prazer imediato. científicas sobre TDAH em uma linguagem clara, direta e de fácil compreensão.
Elas se tornam propensas ao abuso de substâncias, a sofrerem acidentes de Acreditamos que a mesma possa servir para que todos entendam melhor o que os
trânsito ou doenças físicas decorrentes da falta de cuidado com a saúde. Também, acomete e sirva como fonte de inspiração para o enfrentamento racional do
pessoas com TDAH são mais propensas a apresentar outros transtornos transtorno.
psiquiátricos como a depressão, a ansiedade e de conduta (ver figura )5.

• Problemas de saúde e
comorbidades psiquiátricas
• Disfunção psicológica
Dificuldade acadêmica e funcional
Morte prematura
• Incapacidade social
Comportamento de Obesidade, Sobrepeso e Hipertensão
risco
Delinquência e criminalidade, tabagismo e adicções
Dificuldades de Aprendizagem específicas e disfunção executiva
Comportamento Disruptivo, Humor, Ansieda de, Eliminação, Tics e espectro autista
Disfunção da coordenação de movimentos, fala Discordâncias no casamento, separação e divórcio,
e linguagem problemas legais, prisões e encarceramentos.
Habilidades Sociais reduzidas, relações com familiares prejudicadas, relações pobres ou rejeição com pares.
Ideação suicida, tentativas de suicídio e suicídio
Baixa Qualidade de vida e Baixa autoestima
Desregulação Emocional e falta de motivação
Baixo desempenho, repetição de anos, necessidades Redução na performance, desemprego e baixo
educacionais especiais, expulsões de escolas e abandono escolar status socioeconômico
Gravidez não planejada
Acidentes e Injúrias, Violações e Acidentes cle_ s ....;j_ :o e licenças

UL
A natureza do TDAH
Lamentavelmente, muitas pessoas desconhecem a existência do TDAH ou sintomas de TDAH não significa, necessariamente, ter a doença ou determinar um
afirmam que o transtorno não existe e que, na realidade, tudo não passa de mais fracasso garantido na vida. Muitas pessoas com TDAH têm enorme sucesso
uma invenção da sociedade moderna. Aqui podemos começar a dissipar um dos acadêmico, profissional e pessoal, apesar das dificuldades enfrentadas.
grandes mitos sobre o TDAH! Como podemos ver, não há nada de estranho na maneira como entendemos o
O transtorno, da forma que o entendemos na atualidade, foi descrito há mais de três TDAH. Assemelhando-se à maneira como são conceitualizadas patologias
séculos por Melchior Adam Weikard, em 1775. Além disso, o primeiro relato amplamente aceitas, como a miopia, o diabete ou a pressão arterial, nas quais as
científico de um tratamento farmacológico efetivo e idêntico ao que utilizamos na pessoas passam ater um problema médico a partir de um determinado "grau" em
atualidade foi feito por Charles Bradley, em 1937. Provando que o transtorno não é que os sintomas se apresentam.
uma invenção da sociedade moderna e sim, um problema humano atemporal.
Como opiniões preconceituosas ou superficiais têm o poder de atemorizar as
pessoas, nada melhor que o conhecimento científico para se combater o medo.
Inclusive, antes de começar, é importante ressaltar que o TDAH é um dos
transtornos mais estudados na Medicina. E no Brasil, temos uma longa tradição Todos nós ternos um padrão
neste campo.
especifico que pode variar ao
Primeiramente, para melhor enfrentar as dificuldades impostas pelo transtorno e
entender seus sintomas, precisamos ter uma clara noção de sua natureza. Quando
longo do tempo, em termos
falamos em doenças ou transtornos mentais, geralmente pensamos em uma de atenção - desatenção;
quebra do funcionamento físico ou mental normal, evidenciada pelo surgimento quietude - inquietude; ou
de sintomas dolorosos, que não são vistos em pessoas "normais". Por exemplo, a autocontrole - impulsividade.
forte dor de cabeça que caracteriza uma enxaqueca ou o aparecimento de
alucinações e delírios na esquizofrenia. Diferentemente, o TDAH se caracteriza por
uma alteração na intensidade de como se expressam funções normais do
comportamento humano. Ou seja, qualquer indivíduo pode ser alocado em algum (5-b
ponto das diferentes dimensões cognitivas e comportamentais que constituem o
TDAH. Todos nós temos um padrão específico, que pode variar ao longo do tempo,
em termos de atenção - desatenção; quietude - inquietude ou reflexão -
impulsividade.
Geralmente, os indivíduos com TDAH apresentam uma capacidade de atenção
abaixo do esperado (por isso déficit de atenção) e uma expressão motora acima do
esperado (por isso hiperatividade), quando comparado àquela observada em
indivíduos da mesma faixa etária e com os mesmos recursos intelectuais. Estas
alterações não devem ser determinadas por causas externas. Por exemplo, basta
uma noite mal dormida para sentirmos as mesmas dificuldades atencionais que
uma pessoa com TDAH sofre ao longo de sua vida ou sentirmos a mesma
inquietude de uma pessoa com TDAH depois de 10 horas viajando sentados num
avião. Nesse sentido, as alterações na atenção e na atividade motora devem estar
presentes há um longo período de tempo (crônicas) e em diferentes situações na
vida do indivíduo, causando-lhe sofrimento significativo. Vale ressaltar que ter 9
8
As causas do TDAH
Apesar de não conhecermos na integridade as causas do TDAH, sabemos que para noradrenalina que se encontram diminuídos nos pacientes com TDAH. Como
que ele se manifeste, é preciso haver uma combinação de fatores genéticos e veremos a seguir, a reposição dos níveis de dopamina é fundamental para que
ambientais, que causam alterações duradouras na estrutura e no funcionamento de ocorra normalização da funcionalidade das estruturas afetadas.
áreas do córtex cerebral, responsáveis pelo controle cognitivo e comportamental.
Essas mesmas técnicas radiológicas, também nos permitiram observar o
O TDAH é considerado um dos transtornos psiquiátricos com maior influência funcionamento das diferentes regiões cerebrais ao vivo, enquanto realizamos um
genética. Sabe-se, por exemplo, que um indivíduo que tenha um pai com TDAH teste que exige concentração ou em momentos que estamos apenas relaxados e de
tem uma chance oito vezes maior de ter também o transtorno. Além disso, gêmeos olhos fechados. Quando indivíduos normais são submetidos a uma tarefa que
univitelinos, que compartilham 100% da carga genética, têm uma probabilidade exige concentração, ocorre a ativação de áreas corticais responsáveis pela
de 70% de ambos apresentarem TDAH. Enquanto isso, a chance de encontrarmos cognição e a execução de tarefas. De forma sincronizada, ocorre a desativação das
duas pessoas ao acaso, que não compartilhem a mesma carga genética, com o áreas responsáveis pelo estado de relaxamento, permitindo ao indivíduo otimizar
transtorno é baixíssima.' Ou seja, a chance de você e seu vizinho terem ambos ao máximo a utilização de suas capacidades cognitivas na execução da tarefa. Já
TDAH é muito baixa, evidentemente, caso não sejam parentes. Apesar disso, nos indivíduos com TDAH, a ativação/desativação das áreas de trabalho e de
nenhum gene específico para o TDAH foi encontrado, entendendo-se que existem descanso se dá de forma dessincronizada. Ocorrendo o funcionamento
vários genes contribuindo para seu surgimento. Este tipo de herança genética é concomitante do sistema de relaxamento durante a execução da tarefa, fazendo
chamada de "poligênica". com que o indivíduo tenha pensamentos alheios à execução da mesma, ou
Isso, não significa que a carga genética seja a única responsável pelo surgimento propiciando que durante o relaxamento ocorra a intromissão de pensamentos
do TDAH. Há fatores ambientais específicos que também foram associados como referentes ao trabalho. Como veremos a seguir, dois importantes sintomas de
surgimento do transtorno. Pessoas expostas intrauterinamente à nicotina ou ao TDAH são "não conseguir se envolver em tarefas que exijam esforço mental" e
álcool (mães fumantes ou que fizeram uso de álcool durante a gravidez), que "não conseguir relaxar e ter momentos de lazer calmos".
nasceram com baixo peso, prematuros ou que foram expostas a toxinas (chumbo e
corantes) durante a infância são mais propensas a apresentarem desatenção e
hiperatividade. Além disso, pessoas que viveram em ambientes familiares ou
sociais estressantes também têm uma chance maior de ter TDAH. E importante
ressaltar que, apesar de serem menos determinantes para o surgimento do 1
transtorno do que os fatores genéticos, os fatores ambientais são muito relevantes,
visto que podem ser evitados através de campanhas de prevenção. Ou seja,
evitando-se a exposição, diminuímos as chances do surgimento de casos ou, ao
menos, teríamos pessoas sofrendo sintomas ou consequências menos graves.
Utilizando-se técnicas como da ressonância magnética, foi possível determinar 11
algumas das alterações causadas pelos fatores genéticos e ambientais na estrutura
e no funcionamento cerebral. Pacientes com TDAH apresentam um volume O TDAH é considerado um dos
cerebral global levemente menor do que indivíduos não afetados. Diminuição esta transtornos psiquiátricos com
que é mais evidente no córtex cerebral, em regiões responsáveis pelo
funcionamento cognitivo, como a área pré-frontal (determinando os sintomas de maior influência genética. Sabe-
desatenção) e de áreas localizadas abaixo do córtex cerebral (subcorticais), se, por exemplo, que um indivíduo
responsáveis pelo controle inibitório dos movimentos e das emoções que tenha um pai com TDAH tem
(responsáveis pela hiperatividade, impulsividade e desregulação emocional). uma chance oito vezes maior de
Muitas dessas áreas são inervadas por neurônios produtores de dopamina e
10 ter também o transtorno.
Os sintomas e o perdem coisas necessárias às tarefas porque, já que ao não prestar atenção ou
memorizar onde colocaram as coisas, terminam por perdê-las. Muitos destes
problemas, resultantes da falta de atenção e concentração, podem ser observados

diagnóstico do TDAH por familiares, principalmente os problemas de motivação, de organização do


tempo e de estratégia para realizar tarefas. Na idade adulta, pessoas com TDAH
podem sofrer uma atenuação de muitos dos sintomas de hiperatividade motora,
Infelizmente, ainda não é possível utilizar exames de ressonância para confirmar o geralmente preservando sintomas de desatenção e prejuízo funcional. Como
diagnóstico de TDAH, sendo utilizados apenas para pesquisa. O diagnóstico de muitos destes indivíduos realizam trabalhos pouco qualificados, os sintomas são
TDAH é feito através de uma entrevista (consulta), que deve ser feita por um clínico pouco percebidos, já que a pessoa deve exigir de sua atenção para perceber a
com conhecimentos amplos sobre o transtorno, diretamente com a pessoa que se dificuldade. Dessa maneira, adultos com TDAH podem sedimentar um estilo de
suspeita ter o transtorno (adolescentes e adultos) ou com seus familiares (no caso vida caótico e problemático, principalmente porque nesta fase o suporte familiar
de crianças que não saibam expressar adequadamente suas dificuldades). A não é tão eficaz quanto na infância. Não é incomum que esses problemas sejam
entrevista é focada no levantamento da presença de sintomas de desatenção, atribuídos a falhas morais, falta de caráter, preguiça ou malandragem. Geralmente,
hiperatividade e impulsividade e sobre os prejuízos decorrentes. Nenhum exame estas pessoas sofrem enormes problemas de estigma, autoestima e confiança.
de sangue, neuropsicológico, psicopedagógico, fonoaudiológico ou Adultos que ainda estudam ou desenvolvem trabalhos com exigências cognitivas
eletroencefalográfico tem a capacidade de fazer o diagnóstico de TDAH. Alguns elevadas procuram atendimento com mais frequência, seja pelos seus sintomas
destes exames podem ser solicitados para auxiliar no diagnóstico (p.ex., exame de ou pelos sentimentos desmoralizantes e de baixa autoestima crônicos.
01 para determinar a inteligência), eliminar causas específicas (p.ex., níveis de Os sintomas de hiperatividade podem ser tanto motores quanto verbais. As
hormônios tiroidianos para descartar hipotireoidismo, uma causa de desânimo e pessoas que sofrem do transtorno são mais inquietas, tendem a permanecer
desatenção) ou garantir que o tratamento seja realizado com segurança (p.ex., menos tempo sentadas, mexem com as mãos e os pés de forma errática ou
eletroencefalograma para descartar epilepsia ou eletrocardiograma para verificar a apresentam movimentos corpóreos grosseiros e desajeitados. Muitos desses
função cardíaca antes do uso de estimulantes). movimentos não apresentam uma finalidade objetiva aparente. Crianças com
A atenção é considerada como uma função mental complexa que está relacionada hiperatividade apresentam dificuldades de permanecer sentadas em sala de aula
com os níveis de alerta e vigilância, assim como com a capacidade de selecionar, por muito tempo e, quando obrigadas, ficam se remexendo na cadeira. Em suas
manter e modificar as estratégias necessárias para que ocorra a efetiva realização casas, correm sem nenhuma objetividade e escalam objetos e mobília, muitas
de uma tarefa. Ou seja, é a função mental que nos permite juntar as forças para vezes localizados em lugares altos e perigosos. Não são incomuns os acidentes
alcançar nossos objetivos. Sabe-se que o TDAH não é só um problema de atenção graves. São descritos pelas suas famílias como "ligados na tomada". Outra
e sim uma alteração no conjunto de funções cognitivas que compõem o que característica hiperativa é a tagarelice, eles falam sem parar ou fazem vocalizações
chamamos de função executiva. A função executiva é um conjunto de habilidades e ruídos sem uma motivação aparente. Na idade adulta, há uma diminuição dos
mentais que permitem o estabelecimento de metas, a antecipação, o esboço de sintomas de hiperatividade motora. Os sintomas de hiperatividade passam a ter
planos, a escolha do momento adequado para dar início a uma ação, o uma qualidade mais subjetiva, sendo sentidos como uma inquietação mental,
automonitoramento da ação, a regulação da ação pela seleção precisa dos facilmente confundida com ansiedade por médicos e familiares.
comportamentos e das condutas. A utilização harmoniosa destas funções visa à A impulsividade é a dificuldade de inibir um comportamento em resposta a uma
obtenção de resultados favoráveis na resolução de problemas. Este sistema demanda situacional. A dificuldade de controlar a resposta comportamental é um
complexo encontra-se desafinado nos pacientes com TDAH. Os sintomas do TDAH dos sintomas mais importantes no TDAH. Os sintomas de impulsividade
são a parte observável do desajuste deste sistema. Vejamos. comumente observados são a intromissão na conversa dos outros, dificuldades de
Pacientes com déficit de atenção apresentam dificuldades importantes de manter esperar em filas e responder antes que uma pergunta seja terminada. Contudo,
o foco, se distraem facilmente com coisas irrelevantes, parecem não ouvir os sinais mais graves de impulsividade podem ser notados na dificuldade de parar ou
outros (ficam pensando em outras coisas enquanto lhes falam ou se distraem com adiar atividades prazerosas, quando é necessário realizar tarefas obrigatórias e
coisas irrelevantes do ambiente), têm dificuldade de refletir sobre os problemas menos prazerosas (por exemplo, ficar vendo TV ao invés de fazer ou terminar um
enfrentados (não têm concentração suficiente para ouvir a si mesmos), têm relatório). Se na infância a impulsividade pode ter como consequência uma nota
dificuldades de iniciar tarefas que requeiram esforço mental continuado, são baixa em Português, na idade adulta a impulsividade pode ter consequências mais
12 esquecidos com as obrigações (por exemplo, quando agendam uma entrevista) e graves, predispondo o indivíduo a comportamentos como o uso de substâncias ou 13
Os sintomas e o
diagnóstico do TDAH 2) Os critérios americanos permitem-nos diagnosticar os vários "tipos" de TDAH
sexo inseguro. Além disso, a impulsividade e a consequente perda do autocontrole descritos (desatento, hiperativo e combinado), enquanto que os critérios da CID-10
são os responsáveis pelas brigas conjugais, pelos acidentes de carro (causa nos permitem diagnosticar somente pacientes com quadros que combinam
frequente de morte nesta população), pela perda do emprego e por gastos e simultaneamente desatenção e hiperatividade (apenas do tipo combinado). Dessa
negócios mal feitos ou impensados. maneira, aqueles que usarem os critérios da OMS de forma estrita deixarão de
Contudo, saber apenas se os sintomas estão presentes na vida do indivíduo não diagnosticar pessoas que apresentam desatenção como seu problema principal.
basta para se fazer o diagnóstico. Para se ter uma ideia do efeito que a simples Profissionais bem treinados sabem também que não precisam usar estes critérios
contagem de sintomas causaria na prevalência de TDAH, pelo menos 25% dos de forma rígida, tendo a liberdade de fazer um julgamento crítico sobre a moléstia
adultos brasileiros aos 18 anos e 15% aos 30 anos de idade seriam considerados dos pacientes.
pessoas com TDAH.1017 Isso seria um completo absurdo. Para evitar que esse tipo
de fenômeno ocorra, existem critérios diagnósticos padronizados, que Os critérios americanos chamados, corriqueiramente, pela sua sigla— DSM, listam
sistematizam de forma racional o diagnóstico e são utilizados e consultados como 18 sintomas divididos em dois agrupamentos ou dimensões sintomatológicas
referências por psiquiatras e profissionais de saúde. para se diagnosticar TDAH. No primeiro grupamento, são descritos os nove
Diferentemente do que muitos pensam, os critérios não são instrumentos de sintomas de desatenção. No segundo, seis sintomas de hiperatividade e três de
rotulação. São instrumentos de trabalho que permitem à comunidade psiquiátrica impulsividade.
mundial realizar diagnósticos precisos. Por exemplo, critérios diagnósticos são Para ser considerado presente, cada sintoma deve ser muito frequente na vida do
muito úteis para que profissionais com menos experiência em TDAH possam fazer indivíduo e para ser considerado um caso de TDAH, o paciente deve apresentar ao
um diagnóstico preciso. Não seria racional exigir que todos os profissionais sejam menos cinco a seis sintomas em pelo menos uma das dimensões descritas
superespecialistas em déficit de atenção. Além disso, a existência de uma anteriormente. Contudo, a simples contagem de sintomas não basta, eles também
linguagem única facilita a comunicação entre os diferentes profissionais, devem estar presentes em vários contextos ou áreas da vida do indivíduo.
impedindo que as práticas em saúde se tornem uma verdadeira Torre de Babel,
onde ninguém se entende. Não podemos pensar em TDAH quando a pessoa refere que tem dificuldade de
prestar atenção ou é muito inquieto em apenas uma situação específica e deva ser
Atualmente, os critérios padronizados mais utilizados para o diagnóstico do TDAH considerada doente, principalmente naquela em que se considera muito chata.
são os da Organização Mundial da Saúde (OMS) e o da Associação Americana de Além disso, os sintomas devem causar um claro prejuízo no desempenho ou
Psiquiatria. No Brasil, os critérios da OMS são utilizados no sistema de saúde causar sofrimento relevante ao indivíduo. Nas crianças abaixo de 12 anos, os
pública e para fins oficiais, enquanto os critérios norte-americanos são usados na sintomas devem estar presentes há pelo menos seis meses e nos adultos, vários
prática clínica e na pesquisa. Pelo menos dois motivos determinam o uso na destes sintomas devem estar presentes antes dos 12 anos de idade.
prática clínica dos critérios americanos:
Apesar de seu início ocorrer geralmente na infância antes dos 12 anos de idade, o
TDAH pode ser diagnosticado em qualquer etapa da vida. Isso geralmente ocorre
1) Eles são os critérios mais utilizados pelos grupos de pesquisa ao redor do mundo. quando a hiperatividade e a desatenção se tornam disfuncionais, afetando o
Dessa forma, os clínicos que queiram aplicar nos seus pacientes os resultados desempenho acadêmico ou laborai. Apesar de o TDAH afetar homens e mulheres
dessas pesquisas, terão que ter certeza que seus pacientes tem o mesmo perfil de forma igual, meninos hiperativos têm maiores chances de serem
clínico daqueles indivíduos que faziam parte do estudo original. Temos que convir que diagnosticados durante a infância, enquanto mulheres predominantemente
ninguém gostaria de usar uma medicação testada para uma doença "parecida" desatentas são geralmente diagnosticadas na adolescência ou na vida adulta."
daquela que sofre.
14 15
O TDAH ao longo da vida
O TDAH é considerado um transtorno do neurodesenvolvimento. Ou seja, um muito inquietos e hiperativos. Este tipo de quadro é mais comumente observado
problema que surge no período de vida em que ocorre a maturação cerebral em meninos do que em meninas. O segundo tipo de maturação cerebral, diz
humana (do nascimento até ao redor dos 25 anos de idade), devido ao atraso ou respeito a um grupo de meninas e meninos, mas principalmente de meninas, onde
desvio no curso normal de desenvolvimento neurológico. Nesse sentido, nossa o controle motor se deu de forma apropriada, porém o controle cognitivo sofre
capacidade de prestar atenção a detalhes evolui com o amadurecimento atraso. Estas pessoas, são geralmente diagnosticadas mais tardiamente. São
neurológico e emocional. Normalmente, temos uma capacidade cognitiva menor caladas, tímidas e sonhadoras. Passam os dias dentro de seus sonhos, no mundo
no início da nossa vida, que vai aumentando com o passar dos anos e a decorrente da Lua. O diagnóstico ocorre a partir do quinto ou sexto ano do ensino fundamental,
maturação cerebral, até atingir o auge no início da vida adulta. Esta maturação quando a carga cognitiva na escola se intensifica muito. Provavelmente, teríamos
neurológica progressiva nos permite dedicar tempo e atenção a assuntos cada vez um terceiro grupo que é formado por pessoas que apesar de terem dificuldades
mais complexos. atencionais, são muito inteligentes e só sentirão o problema quando estiverem
Por exemplo, a alfabetização efetiva das pessoas só é possível, em média, a partir tentando entrar na faculdade ou ingressarem no mercado de trabalho, inclusive
dos seis ou sete anos, guando temos capacidade de decifrar códigos e com o aparecimento de sintomas de TDAH na vida adulta.
conseguimos inibir nosso comportamento motor. Todos temos que parar nossa Provavelmente, todos temos uma capacidade de atenção que pode ser superada
vida de brincadeiras pouco organizadas e passamos a ter a obrigação de ficar pela demanda cognitiva. Novamente, o diagnóstico só será possível pela
sentados por longos períodos de tempo, prestando atenção no conteúdo que é comparação com pares da mesma idade, mesma capacidade intelectual e mesma
ministrado para sermos efetivamente alfabetizados. Neste período exigimos muito demanda cognitiva, que não estão tendo dificuldades. Os ditos "normais"!
de nossa neurologia. Lamentavelmente, pacientes com TDAH apresentam um
importante atraso na maturação cerebral, que para muitos pode chegar a 3-4 anos
e que só é recuperado no final da adolescência. Ou seja, quando uma criança com
TDAH entra na escola sua capacidade neurológica pode ser a de uma criança de
três anos.
É muito comum escutarmos dos críticos do diagnóstico de TDAH dizer que
crianças são assim, muito inquietas e sapecas. E verdade! Porém crianças de
quatro anos são muito diferentes de crianças de sete ou oito anos. A diferença entre
o observado e o esperado é fundamental para chegarmos ao diagnóstico. Para
estes pequenos indivíduos com TDAH, o ambiente escolar se torna um verdadeiro
teste de estresse para seus neurônios. Por estarem atrasados em relação aos seus
colegas e amigos da mesma idade, os pacientes com TDAH apresentam
comportamentos que são observados em crianças menores. A evolução dos
sintomas também segue este padrão peculiar de maturação cerebral e de desafios
do ciclo vital. E assim será em muitas etapas evolutivas da vida do indivíduo
(entrada no ensino médio, vestibular, faculdade, novo emprego, pós-graduação,
vida de casado, etc.).
Também, tudo nos leva a pensar que existam diferentes padrões cerebrais,
diferenciando os diferentes tipos de apresentações, que o TDAH pode ter. Ou seja,
poderemos entender a evolução do TDAH, tendo em vista estas diferenças
neurológicas. Nos primeiros anos da vida, os indivíduos que apresentam um grau
16
importante de falta de controle inibitório sobre a sua motricidade, tendem a ser
17
O TDAH e a relação
com outros transtornos
psiquiátricos
Pacientes com TDAH apresentam uma probabilidade maior de ter, ao mesmo
tempo, outro transtorno psiquiátrico (as chamadas comorbidades) do que pessoas
sem TDAH. Este padrão é observado tanto em crianças como em adultos. De modo
geral, cerca de 70% dos indivíduos com TDAH apresentam pelo menos outra
patologia psiquiátrica ao longo da vida e 50% duas ou mais.1° Falando de maneira
mais simples, estes indivíduos são um para-raios de patologias psiquiátricas.
Estes transtornos iniciam precocemente, geralmente na infância ou na
adolescência e quando não são diagnosticados ou tratados pioram muito o
prognóstico do TDAH. As comorbidades mais comuns são o transtorno de
conduta, o transtorno por oposição e desafio, os transtornos de ansiedade, os
transtornos decorrentes do uso de substâncias e outros transtornos do
neurodesenvolvimento, como a dislexia e o autismo.
O gênero pode predispor a perfis diferenciados de comorbidades. As mulheres
com TDAH apresentam mais transtornos do humor e de ansiedade, enquanto Mia
homens apresentam mais frequentemente transtornos decorrentes do uso de
substâncias. Vale destacar que, apesar de semelhante ao que ocorre na população
normal, ocorre com uma intensidade muito maior nos pacientes com TDAH.'
Por exemplo, quase 50% dos pacientes com TDAH fumam ou já fizeram uso
crônico de tabaco, enquanto que este padrão é visto apenas em 18% na população
geral. Dessa maneira, toda pessoa com TDAH deve passar por uma avaliação
obrigatória sobre a presença de outros diagnósticos psiquiátricos."
Além disso, o tratamento de comorbidades sintomáticas deve ser feito antes de
iniciado o tratamento para TDAH, já que muitas destas comorbidades, se não
tratadas com as medicações específicas para seu tratamento (por exemplo, o uso
de antidepressivos em pacientes com pânico), podem piorar com o uso de
estimulantes. Além disso, dados do nosso Programa demonstram que o
tratamento das comorbidades pode resolver cerca de 30% dos problemas com
desatenção e hiperatividade.
O tratamento do TDAH
Modernamente, para o tratamento do TDAH empregam-se técnicas ou seriam as mais "indicadas" para se tratar de pacientes inquietos, hiperativos e
intervenções psicoterápicas e farmacológicas. A psicoeducação e a terapia impulsivos. Lamentavelmente, as drogas com efeito calmante se mostraram
cognitivo-comportamental são as modalidades não farmacológicas mais inócuas e até mesmo prejudiciais. A história mudou de forma radical e
utilizadas no tratamento do TDAH em todas as idades. Estas técnicas não são surpreendente em 1937, quando Charles Bradley, um psiquiatra americano testou
utilizadas com o intuito de melhorar diretamente os problemas cognitivos dos por mero acaso a benzedrina, um estimulante, em pacientes com sintomas de
pacientes, que são resultantes de processos automáticos e fora do controle hiperatividade e desatenção. Na realidade, seu intuito inicial não era tratar os
consciente do indivíduo, e sim as consequências da desatenção e a hiperatividade. sintomas de TDAH, mas a profunda dor de cabeça provocada nos pacientes por um
Logo, não é nada producente pedir a uma pessoa com TDAH que se esforce a exame radiológico chamado pneumografia.
prestar mais atenção, da mesma maneira que não pediríamos a uma pessoa com Este exame era uma forma rudimentar de tomografia, que servia para medir o
miopia que se esforce para enxergar melhor. Contudo, medidas comportamentais volume cerebral ou detectar alterações morfológicas de pacientes com doenças
que visam aumentar a capacidade de organização podem ser extremamente neurológicas ou psiquiátricas. O exame consistia em drenar o líquido que preenche
efetivas, já que otimizam a utilização da capacidade inata de atenção do indivíduo. as cavidades e no qual está embebido nosso cérebro, substituindo-o por ar, que era
Por exemplo, muitos pacientes podem se sentir novamente sob controle de suas injetado através de uma agulha. Quando exposto ao RX, o ar injetado nas cavidades
vidas apenas utilizando uma agenda de forma sistemática. Também, o tratamento cerebrais criava um contraste maior entre a massa cerebral e as cavidades cheias
psicoterápico, principalmente as técnicas cognitivo-comportamentais podem de ar, permitindo calcular com certa precisão o volume cerebral.
ajudar diminuindo sentimentos de desvalia decorrentes do fracasso e de anos Além de ter um poder diagnóstico limitadíssimo, o exame provocava tremendas
vividos sem uma explicação mais convincente do que os acometia. Muitos dores de cabeça nos pacientes. Essa dor só diminuía muito gradualmente, quando
pacientes se sentem muito aliviados quando compreendem que não são olíquor, como é chamado o líquido que embebe o cérebro, era restituído pelos
desmotivados ou medrosos crônicos e que apenas evitam situações de aumento mecanismos fisiológicos naturais. Como este processo podia durar dias, Bradley
de demanda, devido aos sucessivos fracassos vivenciados ao longo da vida. teve uma brilhante ideia: usar um estimulante para acelerá-lo!
A psicoeducação também deve ser realizada com pais, cônjuges e filhos de Novamente, o resultado sobre a dor de cabeça foi um rotundo fracasso, demos-
pessoas afetadas, já que permite que os familiares entendam os reais motivos trando que as anfetaminas não conseguiam "estimular" a produção de liquor.
pelos quais seus entes queridos agem de uma maneira tão peculiar, diminuindo as Contudo, membros de sua equipe relataram que, do ponto de vista
possíveis "pseudoexplicações". Não é incomum que familiares atribuam à falta de comportamental, os pacientes que fizeram o uso de estimulantes, paradoxalmente
caráter, ao oportunismo ou até mesmo à falta de inteligência problemas que estão se acalmavam. A descrição deste efeito dos estimulantes no comportamento de
relacionados aos sintomas de TDAH e suas consequências. crianças com problemas de conduta, hiperatividade e desatenção foi publicada em
Além disso, as técnicas psicoterápicas são importantíssimas no que se refere à uma importante revista científica, dando início ao tratamento com estimulantes no
manutenção do tratamento farmacológico a longo prazo, já que podem sensibilizar TDAH.
o paciente quanto às dificuldades que irão enfrentar. O medo é um fator muito Passados quase 80 anos desta brilhante descoberta serendipitia, os estimulantes
importante a ser combatido, principalmente quando sabemos que os seguem sendo o principal tratamento farmacológico utilizado para o TDAH.
medicamentos utilizados para tratamento do TDAH têm um potencial de induzir Evidências robustas, coletadas durante décadas, de estudos testando o uso de
dependência ou produzir efeitos colaterais indesejados (ver adiante). Estes e estimulantes para o tratamento de TDAH em crianças, adolescentes e adultos
outros pontos do tratamento farmacológico devem ser discutidos antes de ser demostraram a segurança e a superioridade deste tipo de medicamento sobre
iniciado qualquer tipo de medicamento, já que a grande maioria dos pacientes qualquer outra medicação. Ao redor de 80% dos pacientes apresentam uma
desiste de utilizar as medicações prescritas assim que os efeitos colaterais são resposta favorável aos estimulantes, sendo seus efeitos colaterais bastante
sentidos. toleráveis e, quando ocorrem, tendendo a diminuir com o passar do tempo."
Inúmeras substâncias foram testadas para o tratamento farmacológico do TDAH. Seus efeitos terapêuticos se dão através da capacidade que estas substâncias têm
Principalmente, substâncias com propriedades "calmantes", que intuitivamente de promover um aumento nas concentrações de dopamina e noradrenalina no 21
20
O tratamento do TDAH
córtex cerebral, estimulando as áreas envolvidas nos processos de atenção e Nos casos de resistência ou intolerância aos estimulantes existem alternativas
controle motor. Permitindo, dessa maneira, que o indivíduo afetado tenha uma eficazes, principalmente com uso de antidepressivos, agentes promotores de
melhora significativa na sua capacidade de atenção, bem como reduzindo os vigília e anti-hipertensivos. Estas substâncias, apesar de terem aplicações
níveis de hiperatividade e de impulsividade, pelo aumento do controle inibitório. originais tão diferentes, têm em comum a capacidade de aumentar a concentração
Estudos de neuroimagem demonstraram que após uma dose de estimulante ocorre de noradrenalina e dopamina, semelhante ao dos estimulantes, mas de forma mais
a normalização do funcionamento cerebral dos pacientes tratados com sutil ou atenuada. Também, são drogas que podem ter uma relevância muito
estimulantes. importante quando os pacientes com TDAH apresentam comorbidades ou
Contudo, diferentemente do que poderia se pensar e de medos com relação a estar transtornos relacionados com o uso de substâncias.
havendo uma epidemia de uso destas substâncias, a grande maioria das pessoas
com TDAH não recebe nenhum tratamento, principalmente em países onde o
diagnóstico ainda não é amplamente reconhecido. Além disso, a grande maioria
dos que recebe o diagnóstico sequer começa a medicação. Cerca de 45% dos
pacientes que procuraram ajuda em nosso ambulatório sequer iniciaram o
tratamento. Daqueles que recebem o tratamento adequado, raramente
permanecem por mais do que três meses com a medicação e apenas 15%
daqueles tratados permanecerão em tratamento por um período maior do que 12
meses. Nosso grupo de pesquisa reavaliou mais de 200 pacientes, sete anos
depois do diagnóstico, verificando que apenas 12% se mantinham tomando a
medicação prescrita. Demonstrando que o tratamento em longo prazo pode ser
bastante ineficiente.'"
Quando questionados sobre os motivos que levaram a interrupção, a presença de
efeitos colaterais foi a causa da metade dos abandonos. Medo de dependência foi a
segunda causa, afetando mais de 30% dos casos. Ausência de resposta, custo da
medicação ou achar desnecessário usar a medicação foram referidos por
aproximadamente 25% dos indivíduos. Esquecer frequentemente de tomar a
medicação, estigma e dificuldades de encontrar profissionais que saibam utilizar e
receitar a medicação foi determinante para 15% dos entrevistados.
Todos estes motivos poderiam ter sido evitados se uma abordagem psicoeducativa
mais intensa tivesse sido feita. Estudos escandinavos demonstraram que
pacientes tratados por longos períodos de tempo em ambulatórios especializados
poderiam chegar a ter uma aderência ao tratamento de até 50% em dois anos.
Demonstrando que a psicoeducação e o tratamento com especialistas melhora o
tratamento em longo prazo.'

22 Li4 23
Considerações finais
O transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, que superficialmente parece Além disso, posso dar o testemunho pessoal do que pode melhorar com o
pouco grave e até sutil na sua apresentação, tem a capacidade de modificar o curso tratamento, não somente por ter dedicado integralmente a minha carreira ao
da vida de uma maneira determinante, que quando não tratado pode ser inexorável. estudo, à pesquisa e ao tratamento do TDAH, mas como alguém que convive e
Esta se dá, principalmente, pela destruição de sonhos. Sonhos de realização conviveu com vários familiares com TDAH. Alguns deles, principalmente os mais
pessoal, sonhados na infância e na juventude, que requerem um desempenho velhos, nunca souberam ou suspeitaram do que os acometia. Certamente, tiveram
intelectual e organização para ser atingidos. vidas muito interessantes, mas que poderiam ter seguido cursos menos
turbulentos. Brilhantes talvez, principalmente, se pudessem ter tido a
Os mais comuns, dizem respeito a coisas como termos uma profissão, uma
oportunidade de utilizar suas capacidades de forma organizada. Os mais novos,
carreira. Outros têm a ver com a vida íntima das pessoas, com seus amores. Alguns
que tiveram a oportunidade de ter um diagnóstico e tratamento, sempre terão que
sofrerão com a depressão e a ansiedade que parecem não ter sentido. Outros
lidar com a desatenção, a impulsividade e a inquietude, os efeitos colaterais das
precisarão lutar contra compulsões, que lhes roubarão o melhor de seus esforços.
medicações, mas poderão também sonhar com mais tranquilidade.
Quem vive ou convive com alguém que tenha TDAH sabe bem do que estou
falando. Desfechos que podem ser modificados se houver uma identificação e o Esse é o objetivo deste material: O sonho voltar a ser sonhado. A mãe voltar a ter
tratamento precoce do TDAH. esperança. A esposa voltara acreditar que as coisas podem melhorar na relação.
Espero que este I ivreto possa ajudar às pessoas neste sentido.

24 25
1. Barkley RA, Brown TE. Unrecognized attention-deficit/hyperactivity disorder in adults Psychopharmacol. 2009; 29(6):614-6. 15. Victor MM, Rovaris DL, Salgado CA, Silva KL,
presenting with other psychiatric disorders. CNS Spectr. 2008; 13(11):977-84. 2. Barkley Karam RG, Vitola ES, Picon FA, Contini V, Guimarães-da-Silva PO, Blaya-Rocha
RA, Fischer M, Smallish L, Fletcher K. Young adult outcome of hyperactive children: Belmonte-de-Abreu PS, Rohde LA, Grevet EH, Bau CH. Severity but not comorbidities
adaptive functioning in major life activities. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2006; predicts response to methylphenidate in adults with attention-deficit/hyperactivity
45(2):192-202. 3. Barkley RA, Peters H. The earliest reference to ADHD in the medicai ilisorder: resuits from a naturalistic study. J Clin Psychopharmacol. 2014; 34(2):212-7.
literature? Meichior Adam Weikard's description in 1775 of "attention deficit" (Mangel der 16. Biederman, J., Faraone, S. V., Keenan, K., Knee, D. & Tsuang, M. T. Family-genetic and
Aufmerksamkeit, Attentio Volubi lis). JAtten Disord. 2012;16(8):623-30. 4. Catalá-López F, psychosocial risk factors in DSM-III attention deficit disorder. J. Am.Acad. Child Adolesc
Hutton B, Núnez-BeitránA, MayhewAD, Page MJ, Ridao M, Tobías A, Catalã MA, Tabarés- Psychiatry, 1990; 29:526-533. 17. Vitola ES, Bau CH, Saium GA, Horta BL, Quevedo L,
Seisdedos R, Moher D. The pharmacological and non-pharmacological treatment of I3arros FC, Pinheiro RT, Killing C, Rohde LA, Grevet EH. Exploring DSM-5 ADHD criteria
attention deficit hyperactivity disorder in children and adolescents: protocol for a heyond young adulthood: phenomenoiogy, psychometric properties and prevalence in a
systennatic review and network meta-analysis of randomized controlled trials. Syst Rev. large three-decade birth cohort. Psychol Med. 2016 Nov 21:1-11. 18. Quinn PO, Madhoo
2015; 27;4:19. 5. Faraone SV, Asherson 1 Banaschewski T, Biederman J, Buitelaar JK, M. A review of attention-deficit/hyperactivity disorder in women and giris: uncovering this
Ramos-Quiroga JA, Rohde LA, Sonuga-Barke EJ, Tannock R, Franke B. Attention- iiidden diagnosis. Prim Care Companion CNS Disord. 2014;16(3). 19. Grevet EH, Bau CH,
deficit/hyperactivity disorder. Nat Rev Dis Primers. 2015; 6;1:15020. 6. Franke B, Faraone Salgado CA, Fischer AG, Kaiii K, Victor MM, Garcia CR, Sousa NO, Rohde LA, Belmonte-de-
SV, Asherson F Buitelaar J, Bau CH, Ramos-Quiroga JA, Mick E, Grevet EH, Johansson S, Abreu P Lack of gender effects on subtype outcomes in adults with attention-
Haavik J, Lesch KF Cormand B, Reif A; International Multicentre persistent ADHD deficit/hyperactivity disorder: support for the validity of subtypes. Eur Arch Psychiatry Clin
CollaboraTion. The genetics of attention deficit/hyperactivity disorder in adults, a review. Neurosci. 2006 Aug;256(5):311-9. 20. Frank E, Ozon C, Nair V, Othee K. Examining why
Moi Psychiatry. 2012; 17(10):960-87. 7. Heidbreder R.ADHD symptomatology is best patients with attention-deficit/hyperactivity disorder lack adherence to medi cation over the
conceptualized as a spectrum: a dimensional versus unitary approach to diagnosis.Atten long term: a review and analysis. J Clin Psychiatry. 2015 Nov;76(11):e1459-68. 21.
Defic Hyperact Disord. 2015; 7(4):249-69. 8. Karam RG, Breda V, Picon FA, Rovaris DL, Weisier R, Young J, Mattingly G, Gao J, Squires L, Adier L; 304 Study Group. Long-term
Victor MM, Salgado CA, Vitola ES, Silva KL, Guimarães-da-Silva PO, Mota NR, Caye A, safety and effectiveness of lisdexamfetamine dimesyiate in adults with attention-deficit/
Belmonte-de-Abreu F Rohde LA, Grevet EH, Bau CH. Persistence and remission of ADHD hyperactivity disorder. CNS Spectr. 2009 Oct;14(10):573-85. 22. Bejerot S, Rydén EM,
during adulthood: a 7-year clinicai follow-up study. Psychol Med. 2015;45(10):2045-56. Arlinde CM. Two-year outcome of treatment with central stimuiant medication in adult
9. Martinez-Badía J, Martinez-Raga J. Who says this is a modern disorder? The early h istory attention-deficit/hyperactivity disorder: a prospective study. J Clin Psychiatry. 2010
of attention deficit hyperactivity disorder. World J Psychiatry. 2015; 22;5(4):379-86. 10. Dec;71(12):1590-7.
Matte B, Anselmi L, Salum GA, Kieling C, Gonçalves H, Menezes A, Grevet EH,Rohde LA.
ADHD in DSM-5: a field trial in a large, representative sample of 18- to 19-year-old adults.
Psychol Med. 2015 Jan;45(2):361-73. 11. Matte B, Rohde LA, Grevet EH. ADHD in adults:
a concept in evolution.Atten Defic Hyperact Disord. 2012;4(2):53-62. 12. Matte B, Rohde
LA, Turner JB, Fisher PW, Shen S, Bau CH, Nigg JT, Grevet EH. Reliability and Validity of
Proposed DSM-5 ADHD Symptoms in a Clinicai Sample of Aduits. J Neuropsychiatry Clin
Neurosci. 2015; 27(3):228-36. 13. Newcorn JH. Managing ADHD and comorbidities in
adults. J Clin Psychiatry. 2009; 70(2):e40. 14. Victor MM, Grevet EH, Salgado CA, Silva
KL, Sousa NO, Karam RG, Vitola ES, Picon FA, Zeni GD, Contini V, Rohde LA, Belmonte-de-
Abreu e Bau CH. Reasons for pretreatment attrition and dropout from methylphenidate in
26
adults with attention-deficit/hyperactivity disorder: the role of comorbidities. J Clin 27

Você também pode gostar