Você está na página 1de 125

SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS

AULA 1

Prof. Rafael Alves Cazuza


SUMÁRIO – SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS
AULA 01: Ao longo desta disciplina, objetivaremos abordar a questão dos transtornos tanto mentais quanto
socioculturais decorrentes do uso e abuso de SPA. Abordaremos esse assunto com base em uma visão
neuropsicofarmacológica e sociocultural do uso de substâncias, compreendendo a relação entre a droga e
o organismo, mecanismos de adicção e impacto social. Em relação ao impacto social, discutiremos não
somente a relação da substância com o organismo, mas também como políticas públicas de controle de
consumo de substâncias e outros fatores culturais e sociais impactam e são impactados pelo uso de SPA.
As substâncias psicoativas (SPA) estão presentes na natureza e fazem parte da sociedade humana desde os
primórdios da história da espécie. Dados do consumo de substâncias psicoativas remontam desde a Pré-
História. Na Antiguidade, era comum o seu uso para fins de contato com os deuses, com os mortos ou até
para fins festivos e terapêuticos
 Conversa Inicial
 História, cultura, conceito de drogas e substâncias psicoativas
 Drogas lícitas/ilícitas
 Uso recreativo e uso abusivo/nocivo
 Dependência
 Aspectos socioculturais do uso e abuso de drogas
 Na prática
 Finalizando

AULA 02: O objetivo desta aula será o de apresentar conceitos básicos de psicofarmacologia para que, ao
decorrer da disciplina, fique evidente como cada droga interage com o organismo e como possivelmente
surgirão transtornos decorrentes de cada uso. As informações desenvolvidas nesta aula serão baseadas em
Stahl (2017), que descreve bem os mecanismos psicofarmacológicos no uso de substâncias psicoativas. Na
aula anterior, discutimos conceitos básicos no que se refere ao uso de substâncias psicoativas. Vimos que
conceitos importantes como dependência, tolerância, abstinência e abuso de drogas foram levantados a
nível conceitual básico.
 Conversa Inicial
 Farmacodinâmica e farmacocinética
 Interação droga-receptor
 Eficácia e eficiência
 Tipos de receptores e neuropeptídeos
 Mecanismos de neuroplasticidade
 Na Prática
 Finalizando

AULA 03: O objetivo é apresentar de maneira introdutória os principais efeitos de drogas psicodepressoras,
psicoestimulantes, psicotomiméticos e analgésicos, apontando seu mecanismo de ação, efeitos na
plasticidade e dependência. Além disso, discutiremos sobre mecanismos de sensibilização e tolerância no
uso dessas drogas, apontando outros efeitos danosos que podem ocorrer com seu uso prolongado ou
excessivo. Nesta aula, continuaremos o tema levantado na aula anterior sobre o efeito das substâncias no
organismo. Entretanto, aprofundar-nos-emos nos mecanismos de ação das principais substâncias
psicoativas (SPAs), drogas de abuso ou até drogas de usos clínicos controlados como ansiolíticos e afins.
 Conversa Inicial
 Sistema de Recompensa Cerebral
 Psicodepressores
 Psicoestimulantes
 Psicotomiméticos
 Analgésicos
 Na Prática
 Finalizando
SUMÁRIO – SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS

AULA 04: Abordaremos temas como a epidemiologia e dados demográficos do uso de substâncias
psicoativas, fatores de vulnerabilidade emocional e social, ambientes promotores e nutridores que podem
aumentar ou reduzir as chances de transtornos relacionados ao uso, além de sugerir uma compreensão
complexa do uso de substâncias que inclua fatores genéticos e biológicos, psicológicos e sociais no uso
nocivo e na dependência de substâncias psicoativas (SPAs). Nesta aula traremos um panorama geral dos
dados epidemiológicos de prevalência e incidência do abuso de drogas no Brasil e no mundo. Abordaremos
o tema de forma a compreender os determinantes emocionais e sociais dos transtornos decorrentes do uso
de SPAs.
 Conversa Inicial
 Epidemiologia e dados demográficos
 Vulnerabilidade emocional
 Vulnerabilidade social
 Ambientes nutridores
 Compreensão psicossocial do abuso de drogas e dependência
 Na Prática
 Finalizando

AULA 05: Nessa aula o foco será na discussão ética e sobre eficácia terapêutica no tratamento de
problemas decorrentes do uso de substâncias psicoativas. A ética permeará esta aula e será a linha base na
condução da compreensão e tratamento de transtornos associados ao uso de substâncias psicoativas (SPAs).
Nesta aula, focaremos nas principais intervenções existentes nos dias de hoje para detecção e intervenção
de transtornos relacionados ao abuso de drogas. Abordaremos questões referentes às internações
voluntárias, involuntárias e compulsórias, além de temas atuais sobre redução de danos (RD).
 Conversa Inicial
 Diagnósticos
 Intervenções
 Abstinência
 Internação compulsória
 Uma alternativa: redução de danos
 Na Prática
 Finalizando

AULA 06: O objetivo desta aula será o de apresentar a você, como aluno, as principais atuações do
psicólogo na área do abuso de drogas e como vem sendo feito o manejo de situações críticas. Além disso,
visaremos discutir questões éticas referentes à medicalização do usuário e produção de autonomia. Nesta
aula, abordaremos temas importantes sobre experiências que vêm conseguindo êxito no manejo de
transtornos relacionados ao abuso de drogas. Veremos temas como tratamentos farmacológicos, terapias
psicológicas, gestão autônoma de medicamentos e um panorama futuro. A linha base dessas discussões
sobre tratamentos será traçada a partir de uma base ética de ação focada na autonomia.

 Conversa Inicial
 Autonomia e Ética
 Gestão Autônoma
 Tratamentos Farmacológicos
 Terapias Psicológicas e Tratamentos Farmacológicos
 Tratamentos Alternativos e Perspectivas Futuras
 Na Prática
 Finalizando
CONVERSA INICIAL

As substâncias psicoativas (SPA) estão presentes na natureza e fazem


parte da sociedade humana desde os primórdios da história da espécie. Dados
do consumo de substâncias psicoativas remontam desde a Pré-História. Na
Antiguidade, era comum o seu uso para fins de contato com os deuses, com os
mortos ou até para fins festivos e terapêuticos. Além disso, também se observa
o seu consumo em diversas culturas e etnias ao longo da história da humanidade
(Escohotado, 2002). Dessa forma, é evidente comentar que o uso de substâncias
psicoativas faz parte da história do ser humano, possuindo um caráter
sociocultural importantíssimo na formação de vínculos, personalidade e
religiosidade, além do prazer. Entretanto, não é incomum estabelecer relações
entre o uso de SPA e o surgimento de transtornos mentais.
Ao longo desta disciplina, objetivaremos abordar a questão dos
transtornos tanto mentais quanto socioculturais decorrentes do uso e abuso de
SPA. Abordaremos esse assunto com base em uma visão
neuropsicofarmacológica e sociocultural do uso de substâncias, compreendendo
a relação entre a droga e o organismo, mecanismos de adicção e impacto social.
Em relação ao impacto social, discutiremos não somente a relação da substância
com o organismo, mas também como políticas públicas de controle de consumo
de substâncias e outros fatores culturais e sociais impactam e são impactados
pelo uso de SPA. Ao final, abordaremos experiências exitosas na prevenção e
no tratamento de transtornos decorrentes do uso de SPA.
Durante esta aula, discutiremos conceitos básicos que abordaremos ao
longo de toda disciplina como

1. Substâncias psicoativas lícitas e ilícitas;


2. Uso abusivo, nocivo; e
3. Dependência.

Objetivaremos apresentar o histórico inicial e a contextualização cultural


do uso de substâncias psicoativas, apresentar conceitos levando-se em conta o
entendimento da psicofarmacologia e sociologia e, por fim, discutir a relação
entre uso de substâncias, abuso de drogas e sociedade.

2
TEMA 1 – HISTÓRIA, CULTURA, CONCEITO DE DROGAS E SUBSTÂNCIAS
PSICOATIVAS

O conceito de droga se refere a qualquer substância que, em contato com


o organismo, promova alterações fisiológicas e ou comportamentais. Nesse
sentido, substâncias psicoativas serão consideradas como qualquer droga que
promova alterações psicológicas e comportamentais em função de modificações
fisiológicas. Esse conceito possui implicações práticas já que é comum encontrar
mal-entendidos ou informações equivocadas sobre o que é uma droga ou uma
substância psicoativa. Esse conceito difere do conceito de fármaco, já que se
refere a uma substância que também promove alterações funcionais na
fisiologia, mas com fim terapêutico.
Como mencionado anteriormente, as SPA possuem um papel importante
na história da humanidade. Ela esteve presente desde antes do período
civilizatório e está dispersa em diversas culturas. O papel varia desde questões
medicinais ao uso religioso ou contexto de festas. O ser humano, assim como
alguns poucos primatas, possui o padrão de experimentar SPA. Registros do uso
de SPA datam do período pré-colombiano na América Latina (Escohobato,
2002). Inclusive, em primatas não-humanos há registros do uso de etanol por
meio da ingestão de frutas fermentadas. Esses dados desmistificam o uso de
SPA, mostrando também um possível papel evolutivo, pelo menos ao que se
refere ao uso de álcool ou a substâncias que alteram a consciência (Dudley,
2000).
Em diversas culturas, as SPA são utilizadas em rituais religiosos. O desejo
humano pelo contato com o divino ou com algo além da vida estimulou que
diversas sociedades utilizassem drogas alucinógenas ou hipnóticas como
tentativa de comunhão e contato com os deuses (Escohotado, 2010). Nesse
sentido, populações de nativo-americanos tinham e ainda têm o costume do uso
de peyote, uma espécie de cacto desértico que possui efeitos alucinógenos
(Halpern et al., 2005). Outro exemplo está muito próximo a nós, com o uso de
ayahuasca por comunidades do Santo Daime, outra planta alucinógena
(Mercante, 2009). O uso de Cannabis na religião rastafári na região do Caribe
também se enquadra nesse caso. Todos esses exemplos montam um panorama
em relação ao uso de SPA em diversas culturas que estão presentes há muito
tempo.

3
Em relação ao uso para fins recreativos, a droga mais consumida no
mundo e que gera transtornos ao usuário é o álcool (Peacock, 2018). Apesar de
em determinadas sociedades e determinados períodos históricos optarem pela
proibição do uso e comercialização de álcool, o seu consumo está presente
desde períodos pré-históricos (Escohotado, 2010). Além do álcool, o tabaco
também é utilizado em diversos momentos históricos com fins de interação social
e prazer. Nesse aspecto, comentaremos em aulas posteriores o papel das SPA
em produção de prazer. Essa é uma chave para a compreensão do consumo e
dos problemas que podem surgir com seu uso excessivo e ou duradouro. Todas
essas substâncias passam por questões sociais importantes ao longo da história
e podem envolver questões de aceite ou proibição do seu consumo.
Abordaremos esse tema a seguir.

TEMA 2 – DROGAS LÍCITAS E ILÍCITAS

Como comentado anteriormente, as drogas possuem uma relação


intrínseca e histórica com as sociedades humanas. Sendo assim, seus
problemas ocasionados pelo consumo em larga escala também são
compartilhados. Questões referentes à toxicidade, capacidade de gerar
dependência, problemas de saúde ou alta aderência são fatores que impactam
a sociedade e, portanto, geram reações sociais. Essas reações estão
associadas ao aceite ou à criminalização/judicialização do consumo.
O conceito de drogas lícitas ou ilícitas é simples. Eles se referem ao nível
de aceite legal e local para determinadas substâncias. A legalidade referente à
liberdade de circulação de cada substância veio se alterando ao longo da história
e em diferentes contextos sociais. Um exemplo já referido anteriormente é o da
Lei Seca nos Estados Unidos na década de 20 do século XX. Essa lei proibia a
venda, fabricação e consumo de bebidas de alto teor alcoólico em todo território
nacional e só foi revogada 13 anos após, pelo presidente Roosevelt. A
embriaguez pública era punida pela lei com o objetivo de conter a violência e a
pobreza. Entretanto, o efeito dessa lei foi catastrófico e de conhecimento geral.
O fortalecimento de bares clandestinos, das máfias e da venda ilegal reforçou a
criminalidade associada ao álcool (McGirr, 2018). Nesse sentido, demonstramos
que a interação droga-sociedade é um fator que se inter-relaciona.
O papel da judicialização do consumo de substâncias também se
exemplifica na discussão atual sobre legalização de outras drogas além do álcool
4
e tabaco em diversos países. No Brasil, a discussão vem ganhando força,
principalmente em relação à Cannabis. O que justifica sua proibição geralmente
está relacionado ao seu papel como “porta de entrada para outras substâncias
mais fortes”. Entretanto, poucas evidências apontam para a confirmação dessa
justificativa. A relação simbiótica e histórica entre a comercialização de Cannabis
e o crime organizado no Brasil se formou como outra justificativa para o
mantimento de medidas proibicionistas. Apesar das limitações, a substância
continua sendo consumida em larga escala, mesmo que sua venda ainda seja
proibida. A proibição da maconha em grande parte dos países do mundo não
teve por base os efeitos da droga, até porque, no momento de sua proibição,
não conhecíamos o sistema endógeno de funcionamento fisiológico de
canabinoides. Nesse caso, a proibição se deve mais por questões sociais e
econômicas que supostamente transformam a maconha como uma droga
perigosa, embora pouco se saiba sobre seus efeitos colaterais de curto e longo
prazo a nível fisiológico.
Tomando por base estes exemplos, trataremos do conceito de drogas
lícitas ou ilícitas daqui em diante somente como forma de entender o impacto
social da licitude no consumo e produção de transtornos na comunidade.
Entretanto, é importante ressaltar que, para algumas substâncias com alta
toxicidade ou alto grau de produzir dependência, o controle social e legal dessas
substâncias pode ser um mecanismo de reduzir os transtornos provocados por
ela. Isso não significa necessariamente a proibição ou guerra a essas
substâncias, mas pode significar controle de qualidade, distribuição e cuidado. A
prevenção dos transtornos provocados tanto por lícitos quanto ilícitos estão
atrelados a diversos outros fatores que não somente o controle legal da
substância. Abordaremos essas intervenções de prevenção nas aulas
posteriores.
Por fim, é importante definir os tipos de SPA e que vamos retratar a seguir
e nas próximas aulas. Dentre as classes ou tipos de SPA que estão geralmente
atreladas ao aparecimento de transtornos encontram-se:

1. alucinógenos ou psicotomiméticos;
2. psicodepressivos;
3. psicoestimulantes; e
4. analgésicos.

5
Os principais ou mais conhecidos exemplos de cada classe serão
descritos a seguir:

1. Cannabis, mescalina, psilocibina, ibogaína, ayahuasca, ácido lisérgico,


dietilamida do ácido lisérgico (LSD) e dimetiltriptamina (DMT).
2. Benzodiazepínicos, barbitúricos, álcool e ketamina
3. Cocaína, anfetaminas, ecstasy (A3,4-metilenodioximetanfetamina MDMA)
e cafeína.
4. Opiáceos (derivador naturais do ópio), opioides (morfina, oxicodona e
fentanil, dentre outros) e opioides sintéticos ou semissintéticos (heroína).

É importante ressaltar que cada classe funciona de forma didática, e não


está atrelada necessariamente à sua farmacologia. Por exemplo, drogas como
a Cannabis possuem efeito psicotomiméticos (simulam psicose, alucinações
etc.), mas também podem demonstrar efeito psicodepressor. Assim como ela, o
álcool, dependendo da quantidade ou uso recorrente, pode apresentar efeitos
psicotomiméticos. Essa definição é importante para o reconhecimento dos seus
efeitos e controle social (Carlini, 2002).

TEMA 3 – ABUSO DE DROGAS/USO NOCIVO

Vimos anteriormente que o uso recreativo, responsável ou com outras


finalidades sociais está presente na sociedade desde momentos pré-históricos.
Entretanto é importante ressaltar que qualquer substância, seja psicoativa ou
não, possui danos relacionados devido ao uso excessivo ou recorrente. Os
danos provocados por SPA podem ser tanto de curto prazo quanto de longo
prazo.
Dentre os danos de curto prazo, podemos elencar a vulnerabilidade à qual
o indivíduo se submete enquanto entorpecido, impacto social da embriaguez que
pode envolver acidentes de trânsito, por exemplo e, por fim, situações de
sobredose ou dose letal de determinadas SPAs. Em relação a esses efeitos,
abordaremos na aula a seguir como a droga age no organismo e promove
alterações comportamentais importantes ou danos a outros sistemas que geram
morte por dose letal. Por fim, outro efeito pelo uso agudo problemático, mas que
pode gerar efeitos de longo prazo, é exemplificado pelo consumo de
determinadas substâncias alucinógenas. Alguns estudos apontam que

6
determinadas condições genéticas são fatores de risco para um alucinógeno
produzir psicoses permantentes (Bowers Jr.; Swigar, 1983).
Em relação a danos pelo abuso de drogas de longo prazo, exemplificamos
especialmente a dependência, a ser discutida posteriormente. Além da
dependência, podemos citar também problemas em relação a sistemas
orgânicos, como sistema cardíaco, respiratório ou excretor. É de conhecimento
geral que o abuso de tabaco (cigarro) a longo prazo promove problemas
pulmonares graves. O álcool é responsável por um dos principais problemas
crônicos de dependência e danos hepáticos (Peacock et al., 2018). Substâncias
ilícitas como a Cannabis, quando utilizada precocemente, podem promover
danos de longo prazo a eixos hormonais e capacidades cognitivas na fase adulta
(Hall; Lynskey, 2016).
Sendo assim, é possível dizer que a licitude de uma substância leva em
conta seu potencial danoso na sociedade, tanto para o indivíduo quanto para a
saúde geral da comunidade. Entretanto, alguns dados sugerem que interesses
econômicos e sociais fazem parte dessa tomada de decisão, como no caso da
Guerra do Ópio (1839-1860), entre Inglaterra e China pelo controle da venda de
ópio, o que acabou culminando na supressão legal da sua venda e uso em
território asiático. Casos de conflitos semelhantes ocorreram nos Estados Unidos
em relação à lei de proibição da produção e venda de destilados e bebidas com
alto teor alcoólico, o que transportou destilarias e alambiques à ilicitude,
fortalecendo máfias locais. Pouco tempo depois, a lei foi revogada, e o álcool,
liberado. Isso demonstra que a decisão política de licitude depende de questões
tanto do efeito da substância em relação à dependência e a danos sociais quanto
em relação ao controle social e à economia.
Tomando por base esses aspectos discutidos, dizemos que drogas de
abuso são geralmente associadas às drogas ilícitas de uso recreativo. Nesse
sentido, podemos citar, no Brasil, a maconha, a cocaína e drogas injetáveis.
Então, é importante ressaltar que, quando dizemos drogas de abuso, nos
referimos a um contexto sociocultural onde uma substância é colocada como
status de ilegalidade.

7
TEMA 4 – DEPENDÊNCIA E TOLERÂNCIA

Fatores de dependência de drogas são extremamente complexos e


envolvem fatores biológicos, psicológicos e sociais. Fatores biológicos e
psicológicos básicos serão tratados neste tema. Nesse sentido, focaremos
primeiramente em questões individuais do aparecimento da dependência para
posteriormente tratar de fatores socioculturais. É importante ressaltar que fatores
detalhados da farmacologia da dependência e tolerância estarão disponíveis em
aulas posteriores.
O conceito de dependência refere-se à incapacidade de um indivíduo em
manter um uso consciente ou controlado sobre determinada substância (APA,
2014). O aspecto comportamental nesse sentido é de extrema importância no
diagnóstico da dependência. Na linguagem da farmacologia, a dependência
química das SPAs é tratada como mecanismos de tolerância a uma droga.
Entretanto, o fenômeno da sensibilização também pode ser de extrema
preocupação no abuso de drogas.
Na Figura 1, podemos observar como a droga possui um efeito sobre o
organismo. Cada dose da substância promoverá um efeito (curva dose-
resposta). Ao aumentar a dose, se aumentará o efeito em uma função potencial.
No decorrer do uso repetido ou exagerado, o efeito antes obtido necessitará de
uma dose cada vez maior para ser alcançado. A esse fenômeno denominamos
tolerância, a chave para compreendermos a dependência. Entretanto, algumas
substâncias podem exacerbar os efeitos anteriormente obtidos, promovendo o
que denominamos sensibilização. Ou seja, uma mesma dose anteriormente
promotora de um efeito acaba por exercer um efeito muito maior, gerando casos
de superdosagens e morte. Casos conhecidos de usuários crônicos de bebidas
alcoólicas, por exemplo, mostram que essas pessoas necessitam de doses
baixas da bebida para entrar em estado de embriaguez (Becker, 1999). Os
mecanismos moleculares e farmacológicos da sensibilização e tolerância serão
discutidos na aula seguinte.

8
Figura 1 – Curva dose-resposta padrão, na tolerância e na sensibilização

Crédito: Cazuza, 2021.

Um aspecto importante da dependência é que as SPAs são capazes de


produzir prazer pela sua ação em mecanismos de recompensa no cérebro. Olds,
em 1958, havia demonstrado que a autoestimulação elétrica em áreas
encefálicas específicas do sistema de prazer de animais não humanos promovia
efeitos semelhantes ao de uso de SPAs, podendo gerar dependência e fissura.
Esses efeitos, quando condicionados a contextos sociais reforçadores, podem
desempenhar um papel de dependência psicológica. Dizemos psicológica tendo
em vista que são condicionantes comportamentais do uso e dependência que
estão diretamente conectadas ao prazer e mecanismos de reforçamento
comportamental. Entretanto, é importante ressaltar que substratos
neuroquímicos subjazem a esses condicionamentos, tornando-se um fenômeno
químico/comportamental indissociável. Ou seja, termos como dependência
química sendo dissociados de dependência psicológica podem se tornar um
equívoco. Apesar disso, alguns autores defendem que estes dois mecanismos
de manutenção do uso de drogas psicoativas estão atrelados aos efeitos de
crises abstêmicas características da dependência química, como irritabilidade,
enjoos e até convulsões (Beck, 1999).
O fenômeno da dependência é o principal efeito maléfico associado ao
uso de substâncias psicoativas. Nesse sentido, devemos sempre verificar

9
antecedentes no histórico do usuário, comorbidades, fatores de vulnerabilidade
genética e ontogenética. Transtornos mentais prévios podem contribuir para a
adesão à droga e dependência. No tema seguinte, abordaremos como fatores
socioculturais e de contexto contribuem para a dependência e efeitos de
abstinência.

TEMA 5 – ASPECTOS SOCIOCULTURAIS DO ABUSO DE DROGAS E


DEPENDÊNCIA

O contexto contribui mais ou menos para o uso e o abuso de drogas, o


que impacta diretamente nos mecanismos de dependência e transtornos em
nível pessoal e social. As pistas contextuais condicionadas ao uso de
substâncias podem gerar comportamentos de procura pela droga ou até
aumentar efeitos adversos da abstinência. Além disso, estímulos contextuais
podem ajudar em estratégias de uso seguro das drogas, protegendo o organismo
de reações como overdoses ou dependência. Neste tema, abordaremos como o
contexto pode alterar o comportamento da procura de SPAs e causar
dependência, focando também no papel social em humanos.

5.1 Papel do contexto no abuso de drogas e dependência

O contexto contribui mais ou menos para o uso e o abuso de drogas, o


que impacta diretamente nos mecanismos de dependência e transtornos em
nível pessoal e social. A exemplo, estudos anteriores sobre o uso de álcool em
animais mostrou que, a despeito do que se imaginava, animais criados em
ambientes enriquecidos (com parceiros, brinquedos e exercício físico)
apresentavam um consumo maior quando comparado a animais isolados ou
criados em ambiente padrão (Rockman; Gibson, 1992). Entretanto, um outro
estudo mais recente mostrou que roedores criados em ambiente enriquecido
podem consumir mais ou menos álcool, mas quando há a retirada repentina do
álcool, esses animais apresentam menos reações de abstinência que animais
criados em ambiente padrão (Nobre, 2016). Estes dados mostram que o
ambiente enriquecido pode ter efeito protetor e promotor do uso saudável de
substâncias psicoativas, enquanto ambientes estéreis podem desempenhar
efeito de dependência.

10
Além disso, o contexto também possui papel na sensibilização às drogas.
A exemplo desse fenômeno, Siegel (1982) demonstrou que a sensibilização de
analgésicos está ligada ao contexto em que o uso foi condicionado. Este papel
do condicionamento na sensibilização do uso de drogas pode explicar
fenômenos de overdose em humanos em ambientes distintos do uso corriqueiro,
como quartos de hotéis.
O contexto ambiental emite pistas ou sinais que podem ser condicionados
ao uso de substâncias (condicionamento clássico). Além disso, as substâncias
podem adquirir forte efeito reforçador do comportamento, fazendo com que o
ambiente também adquira propriedades reforçadoras. Esse fenômeno explica o
porquê de ambientes de festa serem tão atrativos ao consumo de SPAs, assim
como em ambientes de cultos religiosos. Esses ambientes possuem, além da
substância, reforçadora por si só, uma condição social importante de interação
com semelhantes, sexo ou comunhão de comunidade.

5.2 Contexto cultural e social humano no abuso de substâncias psicoativas

O uso e o abuso de drogas estão condicionados à cultura humana. Como


abordado anteriormente, o uso de SPAs está presente em cultos religiosos,
festas etc. Além disso, como abordamos no item anterior, o contexto pode indicar
o uso de substâncias, assim como seu efeito aditivo. A promoção de efeitos
protetores pode se dar pela criação de ambientes nutridores na sociedade.
Dados mostram que o uso de algumas substâncias também está
associada à classe social à qual pertence o indivíduo (Mortensen et al., 2007).
Nesse sentido, a condicionante da pobreza é um problema social grave que
possibilita o surgimento de usuários com problemas com as drogas. Além disso,
o uso problemático se torna um problema social, aumentando criminalidade,
além do impacto na saúde pública, que causa uma pressão sobre o sistema de
saúde. Assim, é evidente que a cultura pode ser um fator do uso de SPAs no
sentido do uso problemático ou até uso não problemático, como é o caso das
comunidades religiosas que usam alucinógenos. O uso problemático está na
vulnerabilidade genética do surgimento de psicoses, embora dados neste
sentido ainda sejam escassos.

11
NA PRÁTICA

Na prática, os conceitos de drogas lícitas e ilícitas, uso abusivo e


dependência servem como norte para o manejo de situações críticas
comunitárias ou individuais do uso de substâncias psicoativas. A informação
sobre a legalidade de cada droga é de extrema importância já que isso impacta
diretamente nas medidas de controle das drogas. Por exemplo, a discussão atual
sobre a legalização de substâncias psicoativas como a Cannabis (maconha)
utiliza dados sobre dependência, abuso generalizado da substância e
possibilidades de uma crise da perspectiva policial sobre o controle do crime
organizado no comercio dessa substância.
A problemática do comércio ilegal, narcotráfico e situações que promovam
dependência reúnem um fenômeno geral que representam o status atual de cada
substância e sua relação na sociedade. Nesse aspecto, é necessário ressaltar
que dados sobre os danos de cada droga sobre o organismo, capacidade de
produzir dependência e relação com a criminalidade são alguns determinantes
do estabelecimento da legalidade de cada substância. Por outro lado,
substâncias completamente danosas, com alto grau de dependência e altamente
prevalente como o álcool e tabaco adquirem, pelo menos em grande parte do
Ocidente, status de droga legal, mesmo que seu uso excessivo e continuado
mantenha-se sendo relatado como problemático. Ou seja, um componente
cultural e social que relacione preconceito, impressões que a população tem
sobre cada substância e história da relação com criminalidade prévia também
pode impactar na definição de cada substância psicoativa.

FINALIZANDO

Ao longo desta aula, abordamos conceitos importantes a serem utilizados


ao longo desta disciplina. Vimos inicialmente que o uso de SPAs ocorre desde
os primórdios da humanidade e até em outras espécies não humanas, estando
condicionados ao contexto ambiental e social. Vimos que o conceito atual mais
preciso de droga se refere a qualquer substância exógena natural, sintética ou
semissintética que, ao interagir com o organismo, produz um efeito orgânico. No
caso de substâncias psicoativas ou drogas psicoativas, o efeito orgânico
funcionaria como substrato para alterações psicológicas como dor, alteração da
consciência, ansiedade, dentre outros.

12
Além disso, vimos que o status de licitude de cada substância depende
de um contexto multifatorial. Isso inclui questões de grau de toxicidade,
dependência e impacto sobre a saúde pública. Porém, questões referentes a
ideais políticos, questões sociais e históricas complexas que atribuem um status
catastrófico a determinadas substâncias também podem influenciar a decisão
social de proibição ou liberação de substâncias psicoativas. Dessa forma, o
conceito a que nos referiremos daqui em diante será simplesmente o de
substâncias lícitas aquelas legalizadas pelo contexto local e ilegais aquelas
proibidas legalmente por cada contexto local.
Por fim, vimos conceitos de uso, abuso ou uso nocivo e dependência.
Esses conceitos se referem ao uso terapêutico ou recreativo de substâncias
psicoativas lícitas ou ilícitas enquanto o uso abusivo ou nocivo se relaciona ao
uso de substâncias lícitas ou ilícitas de forma excessiva, não controladas,
constante e que podem provocar problemas agudos ou crônicos. É importante
ressaltar que o uso recreativo ou terapêutico de substâncias psicoativas possui
importante papel na construção da história da humanidade e faz parte não só de
momentos de festa como de rituais religiosos. Já o conceito de dependência se
refere ao uso constante ou excessivo que promova efeitos crônicos deletérios no
nível psicológico. Além disso, vimos que uma das características da
dependência são as crises de abstinência na retirada da droga. Abordaremos
futuramente de forma mais detalhada o processo de dependência
fisiológica/psicológica de substâncias psicoativas. É importante ressaltar que o
uso abusivo de drogas psicoativas promove danos de longo prazo não só à
saúde do indivíduo como impactos sociais importantes. Ao longo desta
disciplina, abordaremos principalmente fatores que envolvem o uso de
substâncias de forma nociva, promovendo transtornos de longo prazo e como
tratá-los.

13
REFERÊNCIAS

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. DSM-5: Manual diagnóstico e


estatístico de transtornos mentais. Porto alegre: Artmed, 2014.

BECKER, H. C. Alcohol withdrawal: neuroadaptation and sensitization. CNS


Spectrums, v. 4, n. 1, p. 38-40, 57-65, 1999.

BOWERS JR, M. B.; SWIGAR, M. E. Vulnerability to psychosis associated with


hallucinogen use. Psychiatry Research, v. 9, n. 2, p. 91-97, 1983.

CARLINI, E. A. et al. Drogas psicotrópicas: o que são e como agem. Revista


Imesc, v. 3, p. 9-35, 2001.

DUDLEY, R. Evolutionary origins of human alcoholism in primate frugivory. The


Quarterly Review of Biology, v. 75, n. 1, p. 3-15, 2000.

ESCOHOTADO, A. Historia general de las drogas. [S.l.]: Espasa, 2002.

HALL, W.; LYNSKEY, M. Evaluating the public health impacts of legalizing


recreational cannabis use in the United States. Addiction, v. 111, n. 10, p. 1764-
1773, 2016.

HALPERN, J. H. et al. Psychological and cognitive effects of long-term peyote


use among Native Americans. Biological psychiatry, v. 58, n. 8, p. 624-631,
2005.

MCGIRR, L. Alcohol Prohibition in the United States, 1920-1933, and its


Legacies. New York: W. W. Norton & Company, 2015).

MERCANTE, M. S. Ayahuasca, dependência química e alcoolismo. Ponto Urbe.


Revista do núcleo de antropologia urbana da USP, n. 5, 2009.

MORTENSEN, J. T. et al. Socioeconomic correlates of drug use based on


prescription data. Danish Medical Bulletin, v. 54, p. 62-6, 2007.

NOBRE, M. J. Environmental enrichment may protect against neural and


behavioural damage caused by withdrawal from chronic alcohol intake.
International Journal of Developmental Neuroscience, v. 55, p. 15-27, 2016.

PEACOCK, A. et al. Global statistics on alcohol, tobacco and illicit drug use: 2017
status report. Addiction, v. 113, n. 10, p. 1905-1926, 2018.

14
ROCKMAN, G. E.; GIBSON, J.E.M. Effects of duration and timing of
environmental enrichment on voluntary ethanol intake in rats. Pharmacology
Biochemistry and Behavior, v. 41, n. 4, p. 689-693, 1992.

SIEGEL, S. et al. Heroin “overdose” death: contribution of drug-associated


environmental cues. Science, v. 216, n. 4544, p. 436-437, 1982.

15
Aula 1

Substâncias psicoativas Conversa Inicial

Prof. Rafael Alves Cazuza

1 2

Conceitos básicos
História, cultura, conceito de drogas e
substâncias psicoativas
Nesta aula, abordaremos conceitos básicos a
Drogas lícitas/ilícitas
serem tratados ao longo desta disciplina
Uso recreativo e uso abusivo/nocivo
Objetivo: apresentar conceitos referentes ao
histórico do uso de substâncias psicoativas, a Dependência
drogas e substâncias psicoativas, licitude, Aspectos socioculturais do uso e abuso de
uso recreativo, abuso e dependência drogas

3 4

Neste primeiro tema, abordaremos os


conceitos de droga e substância psicoativa e
seu histórico na sociedade
O que são drogas e substâncias psicoativas
História, cultura, conceito de
drogas e substâncias psicoativas Alteração da consciência e ambiente social
Prazer
Substâncias psicoativas na história
SPAs em diferentes culturas
SPAs em outros animais

5 6
Abordaremos aqui o tema da legalidade das
drogas
Histórico de legalidade
Papel da toxicidade na exclusão de drogas
Drogas lícitas/ilícitas
Problemas sociais e de criminalidade
Ciência e legalidade
Ambiente propício para consumo
generalizado?
Gasto na saúde pública

7 8

Lista de classes de drogas lícitas e ilícitas no


Brasil Classes de drogas
Lícitas Drogas psicoestimulantes,
Problemas sociais e de criminalidade psicodepressoras, psicotomiméticas e
analgésicas
Ciência e legalidade
Existem drogas legais e ilegais entre as 4
Ambiente propício classes, dependendo do país
Gasto na saúde pública

9 10

Discutiremos o que é uso recreativo,


responsável, abusivo ou nocivo das drogas
tanto lícitas quanto ilícitas
Uso recreativo e Uso seguro versus uso nocivo
uso abusivo/nocivo Existe uso seguro? E para ilícitos?
Uso em contexto de festas e multiusuários
Quantidade/qualidade/cronicidade
Dependência

11 12
Introduziremos a questão da dependência
Dependência química versus psicológica
Questão do contexto social
Ambientes nutridores versus estressores
Dependência Grau químico de provocar dependência
Existe realmente diferença entre dependência
química e psicológica?
Sinais de dependência química
Crise e sintomas de abstinência
“Tento parar e não consigo” (DSM-V)

13 14

Este tema abordará os aspectos


socioculturais do uso e abuso de drogas,
atentando-nos aos fatores que mantêm o uso
de drogas na sociedade, além de como o seu
Aspectos socioculturais abuso pode gerar efeitos na sociedade
do uso e abuso de drogas O papel do contexto no uso e abuso de
drogas
Experimentos de Rockman e Gibson (1992)
Experimentos de Nobre (2016)
Experimentos de Siegel (1980)

15 16

O papel do contexto sociocultural no uso e


abuso de drogas
Uso em diferentes culturas e diferentes
Na Prática
contextos (religião, medicina e recreativo)
Classes sociais e abuso de drogas
Vulnerabilidade social e problemas com
drogas

17 18
Aplicação prática dos conceitos

Exemplo da legalização da maconha,


dependência, determinantes sociais e
toxicidade
Finalizando
Preconceito na sociedade pode tornar uma
droga pejorativa
Qual a diferença para outras substâncias
Portas de entrada para outras drogas?
Relação com a criminalidade

19 20

Conceitos básicos

Nesta aula, abordamos conceitos básicos como


Também introduzimos temas referentes à
Drogas e substâncias psicoativas
dependência e transtornos do uso recorrente
Drogas lícitas e ilícitas: problemática da ou excessivo
legalidade
Transtornos afetivos e de humor
Uso recreativo e uso abusivo/nocivo de drogas
Dependência química ou psicológica
Toxicidade e capacidade de gerar dependência
Determinantes sociais no uso, abuso e
dependência de drogas

21 22

23
SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS
AULA 2

Prof. Rafael Alves Cazuza


CONVERSA INICIAL

Na aula anterior, discutimos conceitos básicos no que se refere ao uso de


substâncias psicoativas. Vimos que conceitos importantes como dependência,
tolerância, abstinência e abuso de drogas foram levantados a nível conceitual
básico. Entretanto, não nos aprofundamos nos mecanismos que promovem
essas modificações comportamentais. Para isso é importante compreender
como as drogas agem no organismo, especificamente, como as substâncias
psicoativas promovem alterações de comportamento e consciência. Veremos
que esses mecanismos são essenciais no estabelecimento de dependência a
determinadas substâncias.
Durante esta aula, discutiremos conceitos básicos de psicofarmacologia
(efeito das drogas no organismo) como i) farmacocinética e farmacodinâmica; ii)
interação droga-receptor; iii) conceitos básicos de eficácia e eficiência; iv)
introdução aos tipos de receptor; e v) mecanismos de neuroplasticidade. O
objetivo desta aula será o de apresentar conceitos básicos de psicofarmacologia
para que, ao decorrer da disciplina, fique evidente como cada droga interage
com o organismo e como possivelmente surgirão transtornos decorrentes de
cada uso. As informações desenvolvidas nesta aula serão baseadas em Stahl
(2017), que descreve bem os mecanismos psicofarmacológicos no uso de
substâncias psicoativas.

TEMA 1 – FARMACOCINÉTICA E FARMACODINÂMICA

Durante este tema, trataremos de discutir dois conceitos fundamentais da


farmacologia: farmacocinética e farmacodinâmica. Esses dois mecanismos são
de extrema importância para compreender como a substância psicoativa se
comporta no organismo e como podemos entender melhor sua interação. Tanto
a farmacocinética quanto farmacodinâmica possuem mecanismos particulares
os quais abordaremos mais detalhadamente a seguir. O objetivo deste tema será
o de abordar os dois principais mecanismos da ação de fármacos no organismo.

1.1 Farmacocinética

O primeiro mecanismo que podemos estudar em relação a como as


drogas atuam no organismo é a farmacocinética (Fármaco = “substância” +
cinética = “movimento”). Esse termo se refere a como o organismo atua sobre
2
uma substância que chega aos seus sistemas. Ou seja, o que o organismo faz
com a droga.
A farmacocinética, então, incluirá processos orgânicos referentes a cada
sistema pelo qual uma substância passará até sua eliminação. Destacam-se
então os seguintes processos: Absorção, distribuição, metabolização e
excreção.
Absorção se refere ao modo como uma droga será transportada do meio
exógeno para a corrente sanguínea para então ocorrer a distribuição do seu
princípio ativo. O princípio ativo de cada droga é a molécula efetiva que, ao se
ligar a receptores promoverá um efeito. O princípio ativo geralmente é
acompanhado de um veículo que o carrega. Os veículos podem ser feitos para
a absorção por diferentes vias, sejam elas digestórias, inalatórias ou
intravenosas. Os veículos digestórios geralmente são envoltos em cápsulas
específicas que formam uma película química para que não haja degradação do
princípio ativo no sistema digestório antes de chegar à corrente sanguínea. Os
veículos inalatórios geralmente são em forma de gases que podem ser inalados
pelo nariz ou boca e que vão direto para o sistema respiratório (pulmões). Já a
via intravenosa de absorção é a via mais direta de absorção, na qual o princípio
ativo é direcionado diretamente à corrente sanguínea. É importante ressaltar que
existem substâncias psicoativas de diferentes tipos de absorção.
Distribuição se refere ao segundo passo após a absorção. Cada via de
absorção permitirá um mecanismo de distribuição diferente. Por exemplo, ao
ingerir um comprimido pela boca, haverá diferentes mecanismos de distribuição,
pela ação de enzimas na boca e trato digestivo, passando pelo estômago e
fígado até ser absorvido pelo intestino e distribuído pela corrente sanguínea. Na
corrente sanguínea, a substância ativa percorrerá diferentes tecidos e se ligará
aos seus respectivos receptores. No caso do sistema nervoso, esse princípio
ativo precisa atravessar o que chamamos de barreira hemato-encefálica para
exercer seus efeitos. Barreira hemato-encefálica é uma barreira de
permeabilidade seletiva que seleciona moléculas mais ou menos lipossolúveis
(solúveis em lipídios) para adentrar ao sistema nervoso. Ou seja, drogas mais
lipossolúveis tendem a penetrar a barreira hematoencefálica com maior
facilidade que substâncias hidrossolúveis.
Cada uma das substâncias consumidas por outras vias de absorção
chegarão ao mesmo destino, porém, com mais ou menos velocidade e

3
toxicidade. Por exemplo, substâncias de absorção por via oral tendem a ser mais
hepatotóxicas que as absorvidas por via respiratória.
A metabolização é um processo complexo que envolve interação de
enzimas e proteínas do organismo com a substância consumida. A ação dessas
enzimas é de degradar o princípio ativo formando metabólitos (derivados da
substância composta) que podem se ligar a outros sistemas e produzir efeitos
diversos. A ação das enzimas vai ocorrer em diversos tecidos e pode aumentar
dependendo da sua exposição aos diferentes sistemas. Para vias orais, a
metabolização pode ocorrer desde o contato com a mucosa bucal até o
estômago. Esses processos, caso a substância não tenha um veículo adequado,
pode perder muito sua eficácia. Substâncias que não encontram enzimas
específicas para sua degradação e execução de suas funções tendem a ser
eliminadas nos mecanismos de excreção.
É importante compreender o mecanismo de metabolização para que se
entenda efeitos de substâncias diversas em crises de superdose de drogas e por
que pode resultar em mortes por parada respiratória ou cardíaca. Além disso,
alguns medicamentos podem ser tóxicos para determinadas pessoas justamente
pela interação dessas substâncias com a falta de enzimas metabólicas em
determinados sistemas. Por exemplo, pacientes que usam inibidores de uma
enzima chamada monoaminaoxidase, que degrada tiramina no fígado e
intestino, devem evitar o consumo concomitante com queijos ou vinhos (ricos em
tiramina). Caso contrário, pode haver uma crise metabólica por excesso de
tiramina que pode levar à morte.
O mecanismo de excreção é o processo pelo qual a substância será
eliminada do organismo. A substância então poderá ser eliminada pelo sistema
excretor (rins e trato urinário). O mecanismo de metabolização, que promove a
biotransformação, junto com os mecanismos de filtragem e eliminação do
sistema excretor incluem o que chamamos de meia-vida da droga. A meia-vida
é o tempo que leva para que uma substância reduza à metade da sua
concentração inicial. Isso possibilita calcular quanto tempo uma substância
deixará de exercer seus efeitos. No caso de uma substância psicoativa, a meia-
vida nos dá uma informação importante sobre quando o efeito psicológico
deixará de ocorrer, caso um paciente que usou a substância esteja em crise.
Isso facilita o manejo de situações de crise aguda por uso de drogas.

4
1.2 Farmacodinâmica

Diferentemente da farmacocinética, que envolve o percurso da substância


pelo organismo e como o organismo atua sobre a droga, a farmacodinâmica se
refere a como a substância interage com o organismo, exercendo sua função.
Cada substância só produz um efeito no organismo por termos sistemas de
sinalização selecionados evolutivamente. Ou seja, possuímos proteínas
reconhecedoras para substâncias exógenas. Isso implica em algumas
conclusões quando, por exemplo, descobrimos que a Cannabis possui
substâncias únicas, que não se assemelham a nenhuma outra na natureza, e
que exercem funções sobre o sistema nervoso.
Essas substâncias funcionam como chaves que possuem fechaduras
específicas para serem abertas. A este sistema de chave-fechadura chamamos
de interação droga-receptor. A interação droga-receptor, a ser discutida mais
detalhadamente a seguir, é o que faz com que substâncias psicoativas
desempenhem sua função no sistema nervoso, promovendo efeitos
psicológicos. A farmacodinâmica trata exatamente de como essas substâncias
interagem com seus receptores específicos, promovendo efeitos de curto e longo
prazo por alterações bioquímicas no sistema nervoso central. Os receptores são
proteínas transmembrana celular que possuem uma conformação química
específica, podendo desempenhar papéis biológicos importantes.
Essas chaves podem se ligar a suas fechaduras específicas pelo que
chamamos de afinidade. Isso significa dizer que, receptores que possuem
conformações químicas semelhantes a alguns peptídeos podem se ligar a eles.
Nesse processo, essa chave que possui afinidade pela sua fechadura (receptor)
pode ativá-lo ou não fazer nada, ocupando seu lócus de encaixe. A esse efeito
sobre o receptor (ativá-lo), chamamos de atividade intrínseca. Resumindo,
afinidade é a capacidade de uma substância se ligar a um receptor e atividade
intrínseca é a capacidade dessa substância exercer uma ação sobre o receptor,
ativando-o.
Substâncias que possuem afinidade e atividade intrínseca chamamos de
agonistas. As que possuem afinidade, mas não possuem atividade intrínseca, ou
seja, não ativam o receptor, somente ocupando o lócus de conexão, chamamos
de antagonistas. Alguns peptídeos também podem ter afinidade e atividade

5
intrínseca, mas que, entretanto, são efeitos opostos aos do agonista desse
receptor. A estas substâncias chamamos de agonistas inversos.
Os agonistas e antagonistas são neurotransmissores ou
neuromoduladores que interagem com os receptores para produzirem seus
efeitos. Os neurônios se comunicam a partir desse mecanismo. A comunicação
se dá por um espaço entre os terminais neuronais que chamamos sinapses. Nas
sinapses, um neurônio A pré-sináptico libera neurotransmissores que se
conectarão com receptores do neurônio B pós-sináptico. Esse mecanismo
básico demonstra como as substâncias interagem no cérebro e como produzem
efeito. Algumas substâncias estimulam liberação de neurotransmissores, ou
bloqueiam receptores pós-sinápticos, ou até bloqueiam a recaptação de
neurotransmissores excedentes na fenda sináptica (sinapse).

TEMA 2 – INTERAÇÃO DROGA-RECEPTOR

No tema anterior, discutimos que há dois mecanismos de interação da


droga com o organismo. O mecanismo farmacodinâmico se refere à interação
entre a droga e seu receptor. Focaremos neste tema em explicar basicamente
como receptores específicos são ativados e desempenham suas funções.
Abordaremos basicamente dois tipos de receptores: os ionotrópicos e os
metabotrópicos.
Cada substância psicoativa agoniza ou antagoniza seus receptores. Aqui
abordaremos o que isso significa em cada tipo de receptor que possuímos nos
neurônios.

2.1 Receptor ionotrópico

Receptores ionotrópicos são compostos proteicos que possuem um canal


iónico. Ou seja, possuem uma pequena passagem que permite a entrada ou
saída de íons carregados eletricamente. Quando íons negativos entram ou
positivos saem, a célula neuronal se carrega negativamente (despolariza) até um
ponto de produzir potencial de ação, emitindo descarga elétrica ao neurônio
seguinte. Quanto íons positivos entram, a célula se hiperpolariza e mantém o
neurônio em estado de repouso.
É importante ressaltar que alguns peptídeos agonistas podem ativar
receptores que permitem entrada de íons negativos ou positivos, o que

6
acarretará despolarização ou hiperpolarização no fim das contas. Neste sentido,
um agonista não é excitatório por si só, mas vai depender do tipo de receptor ao
qual se conecta. Da mesma forma, antagonistas de um receptor podem
desempenhar um papel excitatório no final, caso bloqueie neurônios inibitórios.
Esses mecanismos permitem compreender a complexidade de como as
substâncias psicoativas interagem no sistema nervoso, produzindo efeitos
excitatórios, inibitórios ou paradoxais (os dois ao mesmo tempo em regiões
encefálicas distintas). Agonistas inversos de receptores ionotrópicos podem
fechar mais ainda estes receptores, impedindo a passagem de íons e
promovendo inibição prolongada desses receptores.

2.2 Receptor metabotrópico

Receptores metabotrópicos são assim chamados pois são conformações


proteicas complexas que se ligam a outras proteínas, chamadas de segundo
mensageiro, e que alteram o metabolismo celular do neurônio. Os efeitos desses
receptores são múltiplos. As alterações metabólicas podem sinalizar produção
de peptídeos novos, receptação de outros, produção de outros receptores e até
abrir/fechar receptores ionotrópicos. Agonistas e antagonistas de receptores
metabotrópicos podem desencadear múltiplas respostas ou inibir essas
respostas.

TEMA 3 – EFICÁCIA E EFICIÊNCIA DE DROGAS

As drogas podem desempenhar papéis diferentes dependendo do tipo de


interação que realizam. Nesse sentido, dois conceitos são de extrema
importância par sua compreensão: Eficácia e eficiência. Assim como discutimos
anteriormente, agonistas, antagonistas e agonistas inversos são substâncias
que ativam, inativam ou exercem atividade contrária sobre os receptores.
Entretanto, a afinidade desses agonistas pode ser avaliada pela capacidade de
reversão. Ou seja, a capacidade de se ligarem aos seus receptores com ligações
fortes ou fracas.
Alguns peptídeos se ligam aos seus receptores específicos e produzem
uma resposta que pode ser o repouso celular, despolarização ou
hiperpolarização. Entretanto, alguns peptídeos possuem ligações químicas mais
ou menos fortes. A esses agonistas e antagonistas chamamos de reversíveis

7
e/ou parciais. Isso significa dizer que um agonista parcial de um receptor
exercerá um efeito mais fraco que o agonista pleno. Além disso, se a ligação
exercida com o receptor for uma ligação fraca, alguma outra molécula com maior
afinidade pelo receptor pode deslocar essa molécula e ocupar seu local no
receptor, exercendo sua função plena. Ao contrário, um agonista com muita
afinidade formará ligações fortes com o receptor e será muito mais difícil que
seja deslocado por um antagonista ou outro agonista parcial do receptor. A
eficácia de uma droga se refere à sua capacidade de desencadear uma resposta
e/ou translocar moléculas competidoras. Já a eficiência de uma droga se refere
à capacidade de, em baixas concentrações, uma droga exercer um efeito.
Em relação ao sistema nervoso, tanto a eficácia quanto a eficiência vão
depender de mecanismos tanto farmacocinéticos quanto farmacodinâmicos.
Farmacocinético pois dependerá de como a droga será absorvida e degradada
no organismo para que exerça um pleno e máximo efeito sobre o sistema
nervoso. E farmacodinâmico pois dependerá do princípio ativo da substância, se
ela é um agonista pleno ou parcial do receptor alvo. Além disso, em relação a
mecanismos farmacodinâmicos, é preciso reconhecer que cada substância
possui adjuvantes que são compostos não psicoativos que ajudam a carregar o
princípio ativo até seu alvo. Por exemplo, comprimidos ou cápsulas possuem um
envoltório gelatinoso que impedem a degradação da droga antes que alcance o
intestino e seja absorvido para depois ser distribuído pela corrente sanguínea.
Portanto, devemos avaliar a eficácia e eficiência de um medicamento
sempre em comparação a outros medicamentos ou drogas. Por exemplo, como
visto na Figura 1, a substância A possui uma eficiência maior que a substância
B, por produzir um efeito maior com uma dose menor, e as substâncias A e B
possuem uma eficácia maior que a C por possuir um efeito máximo maior que a
C. Note, então, na figura, que A é mais eficiente que B e C. A e B têm maior
eficácia que C.

8
Figura 1 – Curva dose resposta comparando duas substâncias com mesmo
princípio ativo, com, entretanto, eficácia e eficiências distintas

Cada substância possui uma dose mínima para provocar um efeito


(eficiência) e uma dose máxima de efeito (eficácia). Entretanto, as substâncias
também possuem uma dose tóxica que pode ser letal, ou seja, provocar efeitos
deletérios o suficiente para provocar toxicidade, hospitalização e possível morte.
Chamamos ao intervalo entre dose efetiva e dose tóxica de janela efetiva (ou
terapêutica quando falamos de medicamentos terapêuticos). A nível
experimental, chamamos de DL50 a dose letal que apresenta letalidade em 50%
de sujeitos experimentais e a DE50 a dose que apresenta efetividade em 50%
dos sujeitos experimentais. Sendo assim, a janela efetiva é descrita como
DE50/DL50. É importante ressaltar que drogas que promovem tolerância com
facilidade e possuem uma janela efetiva curta são extremamente perigosas.
Neste contexto, a tolerância indica aumento da dose para adquirir o efeito
anterior, entretanto, esse aumento pode provocar a morte do indivíduo.

TEMA 4 – INTRODUÇÃO AOS TIPOS DE RECEPTOR

Diferentes conjuntos proteicos com atividade intrínseca ou afinidade por


receptores interagem com receptores específicos, como comentado
anteriormente. Assim como esses conjuntos proteicos naturais e produzidos pelo
corpo, as SPA também interagem com receptores específicos através de suas
conformações químicas semelhantes a endo-peptídeos, promovendo atividade

9
intrínseca ou bloqueando seu funcionamento e assim desempenhando seus
efeitos observáveis. Neste tema, abordaremos os diferentes tipos de receptor e
as possíveis drogas que interagem com eles. Não abordaremos a função e
efeitos de cada droga, já que esse tema será discutido nas aulas a seguir,
entretanto, introduziremos de forma a compreender a importância de cada
receptor para a função dessas drogas. Dividiremos 3 tipos de receptores
baseado em seus efeitos. Os receptores excitatórios, inibitórios e modulatórios.
A rigor, todos os tipos podem ser modulatórios, entretanto, dois tipos são
intrinsecamente ou quase sempre excitatórios ou inibitórios, ou seja, podem inibir
a função neuronal ou promover o disparo elétrico através da entrada de íons e
mudança no potencial elétrico interno do neurônio.
Receptor excitatório são receptores basicamente de glutamato. Eles
podem ser tanto ionotrópicos quanto metabotrópicos. Dentre os metabotrópicos
citamos os tipos AMPA e mGluR enquanto o ionotrópico é o receptor NMDA ( ).
Como comentado anteriormente, os receptores metabotrópicos são associados
a outras proteínas transmembranares que desencadeiam respostas metabólicas
celulares. O receptor NMDA é o principal receptor ionotrópico excitatório,
permitindo entrada de íons de sódio e a saída de íons de potássio (bomba de
sódio-potássio), gerando potencial de ação no neurônio.
Receptor inibitório são receptores basicamente de GABA (ácido gama-
aminobutírico). Os receptores GABA se dividem em dois subtipos, os GABAa e
GABAb. Os receptores GABAa são receptores ionotrópicos que contam com
algumas subunidades, incluindo uma para GABA propriamente, etanol,
benzodiazepínicos e barbituratos (anestésicos clássicos). Cada subunidade
dessas se acoplam a alguma substância que potencializa a abertura do canal
iônico de GABA que permite a saída de cloro negativamente carregado que inibe
a função do neurônio. Já os receptores GABAb fazem parte dos receptores
metabotrópicos de GABA, que também possuem função inibitória.
Receptores modulatórios são todos os outros receptores que modulam
a ação tanto excitatória quanto inibitória dos neurônios. Além disso, grande parte
desses receptores metabotrópicos possuem papéis singulares importantes em
determinadas funções como controle do comportamento reforçado, como o da
dependência. Dentre estes, podemos citar os receptores de dopamina,
serotonina, de opioides, de noradrenalina, acetilcolina, de adenosina e de
canabinoides. Diversos outros receptores modulatórios se incluem nesse

10
espectro, entretanto discutiremos estes que são, ao menos até agora,
conhecidos como os principais neuromoduladores. Também é importante
ressaltar que a neurotransmissão que dependem desses receptores incluem
outras células de apoio além dos neurônios, como as células da glia.
Os receptores dopaminérgicos incluem duas famílias, a família D1 e D2,
sendo que a D1 inclui o receptor D1 e D5 e da família D2 os receptores D2, D3
e D4. Eles se ligam à dopamina, que é produzida através da enzima L-DOPA e
que é degradada por enzimas que degradam monoaminas como a dopamina e
serotonina, a monoaminaoxidase (MAO). São receptores extremamente
importantes pois constituem grande parte do sistema de recompensa cerebral,
sendo produzidas pela área tegmental ventral, que envia essas projeções
dopaminérgicas para grandes centros de recompensa como o núcleo
accumbens, além do córtex pré-frontal. Muitas substâncias afetam o sistema de
dopamina, e é através dele que grande parte dos sintomas de dependência se
formam.
Outro grupo de receptores modulatórios importantes são os de serotonina.
Popularmente, a serotonina é conhecida como sendo produtora de bem-estar,
mas não é bem assim. Os receptores serotoninérgicos são formados por
inúmeros grupos receptores como 5-HT1A, 5-HT-2ª, 5-HT2-C, Receptor 5-HT3,
Receptor 5-HT4 e Receptor 5-HT 6. Esses receptores fazem parte de uma
complexa rede de conexão serotoninérgica que engloba desde a medula espinal
até grandes centros corticais. Alguns dos principais alucinógenos e
antidepressivos atuam sobre estes receptores.
Além da dopamina e serotonina, outros receptores importantes fazem
parte da modulação da dependência e outros transtornos relacionados ao uso
de substâncias. O grupo de receptores opioides que englobam Mu, Delta e
Kappa fazem parte do sistema de inibição da dor e são utilizados por algumas
drogas como opioides, heroína dentre outros. Além disso, também podem estar
envolvidos na modulação dopaminérgica em vias de recompensa. Também, o
receptor opioide kappa é alvo de alguns tipos de alucinógenos como a
salvinorina.
Receptores adrenérgicos (noradrenalina), colinérgicos (nicotínico e
muscarínico), adenosina (P1 e P2) e canabinoides (CB1 e CB2) também estão
inclusos nesse grupo. Receptores adrenérgicos alfa e beta fazem parte de
diversos sistemas emocionais. Receptores colinérgicos são alvos de algumas

11
substâncias como a nicotina do cigarro e alguns alucinógenos que utilizam
receptores muscarínicos. Receptores de adenosina são alvo da cafeína (como
antagonistas). Por fim, os receptores canabinoides, descobertos mais
recentemente, são alvos do delta-9-tetrahidrocanabinol (THC), o princípio ativo
psicoativo da Cannabis (maconha).

TEMA 5 – MECANISMO DE NEUROPLASTICIDADE

Os organismos se alteram ao longo do tempo. O cérebro é modificável a


partir da interação dos órgãos sensoriais e o meio, assim como da interação das
drogas com o organismo. As drogas, a partir da sua interação constante com os
receptores abordados anteriormente, podem aumentar ou reduzir sua função,
expressão e proliferação. Além disso, algumas drogas podem desempenhar
alterações morfo-funcionais no tecido cerebral que promovem alterações
comportamentais de longo prazo e, por vezes, irreversíveis.
Como mencionamos na aula anterior, dois resultados da
neuroplasticidade podem ser observados pelos fenômenos da sensibilização e
tolerância (Figura 2).

Figura 2 – Curva dose-resposta padrão, na tolerância e na sensibilização

Esses mecanismos ocorrem por conta de um mecanismo chamado


regulação para cima ou regulação para baixo. Quanto um neurotransmissor é
muito disponível na fenda sináptica, há uma estimulação no terminal pós-
sináptico para que o seguinte neurônio produza mais receptores para darem

12
conta da alta demanda. Esse é um mecanismo utilizado por antidepressivos, por
exemplo. Entretanto, após uma alta demanda, o sistema utiliza a grande
quantidade de neurotransmissores e a disponibilidade é reduzida. Com a
disponibilidade reduzida, um mecanismo contrário entra em jogo, o que
chamamos de regulação para baixo, em que a ausência de neurotransmissores
reduz a disponibilidade de receptores, gerando um desbalanço de longo prazo.
Esse mecanismo peptidérgico de neuroplasticidade é um dos responsáveis por
mecanismos de dependência, tolerância e overdose.
A tolerância está associada com a regulação para cima, enquanto a
sensibilização está associada à regulação para baixo através do uso de longo
prazo de uma droga. Essa sensibilização devido a várias fases de abstinência
da substância também facilitam doses fatais (overdose) com baixas doses da
substância de escolha. Além desses mecanismos, a modificação morfológica
dos neurônios envolve modificações genéticas e epigenéticas nos neurônios que
modificam seu metabolismo através de interações complexas com receptores
metabotrópicos. Isso faz com que células residentes não neuronais (glia)
efetuem modificações a nível inflamatório que geram outros efeitos deletérios
com o uso de substâncias, como sintomas depressivos, ansiosos ou psicóticos.
Esses mecanismos incluem mudanças no tamanho do neurônio, morte celular e
alterações dentríticas (nas terminações do neurônio), impactando a
comunicação sináptica entre os neurônios.

NA PRÁTICA

O exemplo prático desta aula será o do uso repetido de álcool, abordando


conceitos de tolerância e sensibilização no abuso de álcool. Nesse sentido, o
que observamos na vida real são características peculiares do uso do álcool.
Inicialmente percebemos que usuários corriqueiros de álcool necessitam de
cada vez uma dose maior para se embriagar. Entretanto, usuários crônicos com
problemas com a substância desenvolvem sensibilização após diversas
tentativas de retirada da substância.
Não é incomum vermos que usuários crônicos de álcool necessitem de
uma dose muito baixa da droga para apresentar efeitos de embriaguez. Isso
ocorre pois, após um longo período de inibição constante cerebral, os receptores
de GABA apresentam uma regulação para cima, estando muito mais disponíveis
para se acoplarem a moléculas de etanol. Além disso, a retirada constante do
13
álcool provoca cada vez uma reação mais severa de abstinência. Os efeitos
inibitórios constantes do álcool alteram a funcionalidade de outros mecanismos
cerebrais como o da neurotransmissão excitatória, que acaba por provocar
efeitos pró-convulsivantes. Desse modo, a tolerância leva a mecanismos
também de sensibilização.

FINALIZANDO

Nesta aula, abordamos diversos conceitos importantes e básicos da


neuropsicofarmacologia como farmacodinâmica e farmacocinética, interação
droga-receptor, tipos de receptores, eficácia e eficiência de drogas, dose efetiva
e dose letal, introdução aos tipos de receptores específicos e por último,
mecanismos de neuroplasticidade.
Vimos que farmacocinética se refere a como o corpo lida com uma
substância através de mecanismos de absorção, distribuição, metabolização e
excreção. Já a farmacodinâmica se refere aos efeitos da droga sobre o
organismo. Nesse sentido, abordamos o conceito de interação droga-receptor,
que se assemelha a um mecanismo de chave e fechadura. A interação utiliza
dois conceitos básicos de afinidade e atividade intrínseca, em que substâncias
com afinidade e atividade intrínseca sobre um receptor chamamos de agonista
e uma que possui afinidade mas sem atividade intrínseca chamamos de
antagonista. Importante ressaltar que há também os agonistas inversos, que são
agonistas com efeitos opostos ao agonista padrão de determinado receptor.
Além disso, receptores podem ser ionotrópicos (acoplado a canais iónicos) ou
metabotrópicos, que exercem efeitos metabólico-celulares.
As drogas possuem doses efetivas, suficiente para produzir um efeito, e
dose letal ou tóxica, suficiente para produzir toxicidade. Dessa maneira, dizemos
que a relação entre dose tóxica e letal é a faixa segura da droga. Isso é utilizado
para avaliar doses minimamente seguras e doses tóxicas. Drogas com uma faixa
curta de efeito/toxicidade e que provocam tolerância são extremamente
perigosas, como os opioides. Dessa forma, abordamos o conceito de eficácia e
eficiência em que eficácia se refere ao efeito máximo de uma substância dada
uma determinada dose, enquanto eficiência se refere à quantidade mínima de
uma droga para produzir um efeito. Esses processos levam em conta a
capacidade de ligação de uma substância ao seu receptor e se ela possui efeito
pleno ou parcial sobre o receptor.
14
Em relação aos receptores, vimos que existem diversos e que podemos
classificá-los em excitatórios, inibitórios e modulatórios. Entre os excitatórios, os
principais são os de glutamato, enquanto os inibitórios são os receptores de
GABA. Os demais se enquadram como modulatórios, ou seja, que modulam a
atividade excitatória e inibitória de determinados neurônios. Além disso,
dependendo da relação desses receptores com GABA ou glutamato, os
receptores modulatórios podem adquirir propriedades diferentes em
determinadas regiões cerebrais. Assim, abordamos efeitos de neuroplasticidade
cerebral associados com mudanças morfológicas, celulares e biomoleculares ao
longo do tempo a partir de determinada estimulação. Sendo assim, a estimulação
por substâncias psicoativas pode provocar alterações fásicas, tônicas ou
crônicas sobre a plasticidade cerebral. Neste contexto, abordamos os
mecanismos de regulação para cima, quando dada uma determinada carga de
peptídeos sendo liberados na fenda sináptica, o neurônio recebe sinalização
para produzir mais receptores. Já a regulação para baixo se refere ao efeito
oposto, em que dada a redução de neurotransmissores, o neurônio seguinte
recebe sinais para redução no número de receptores. Esses efeitos estão ligados
diretamente a mecanismos de tolerância, sensibilização e dependência.

15
REFERÊNCIAS

STAHL, S. M. Psicofarmacologia: Bases Neurocientíficas e Aplicações


Práticas. 4. reimpr. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017.

16
Aula 2

Substâncias psicoativas Conversa Inicial

Profª Rafael Alves Cazuza

1 2

Efeito das substâncias psicoativas


no organismo: conceitos básicos
Farmacodinâmica e farmacocinética
Nesta primeira aula, abordaremos Interação droga-receptor
conceitos básicos relacionados à Eficácia e eficiência de drogas
neuropsicofarmacologia
Introdução aos tipos de
Objetivo: apresentar conceitos básicos para a receptores-neuropeptídeos
melhor compreensão das interações entre as
Mecanismos de neuroplasticidade
substâncias psicoativas e o organismo

3 4

Farmacodinâmica Neste tema introduziremos os principais


e farmacocinética mecanismos de farmacodinâmica e
farmacocinética

5 6
Farmacocinética
Absorção
Farmacodinâmica
Veículo
Sinapse: interação droga-receptor
Distribuição
(chave-fechadura)
Metabolização
Afinidade e atividade intrínseca
Interação com enzimas de degradação
Agonistas e antagonistas
Meia-vida
Agonista inverso
Excreção
Eliminação

7 8

Interação droga-receptor Neste tema aprofundaremos a relação entre


droga e receptor

9 10

Tipos de receptores
Ionotrópicos
Canais iônicos
Bomba sódio-potássio (polarização e
despolarização neuronal) Eficácia e eficiência
Metabotrópicos
Complexos proteicos
Segundos mensageiros
Ação sobre outros receptores ou
modificações metabólicas

11 12
Eficácia e eficiência
Nível de competitividade por receptor
Neste tema discutiremos os conceitos de
Ligação forte versus ligação fraca
eficácia e eficiência de drogas
Efeito máximo possível
Dose letal versus dose eficaz (DE50/DL50)

13 14

Tipos de receptores Neste tema abordaremos os tipos


e neuropeptídeos de receptores mais comuns e seus
respectivos neuropeptídeos

15 16

Receptores modulatórios importantes


Receptor excitatório Dopamina – D1, D2, D3, D4 e D5
Glutamato – NMDA, AMPA, mGLuR Serotonina – 5HT
Receptor inibitório Opioides – mu, kappa e delta
GABA – GABAa, GABAb Colinérgicos – nicotínico e muscarínico
Receptores modulatórios Adrenérgicos – alfa e beta
Demais receptores Canabinoides – CB1 e CB2
Adenosina (cafeína) – P1 e P2

17 18
A neuroplasticidade é a chave para a
compreensão da dependência às drogas
Mecanismos de neuroplasticidade
Abordaremos os principais mecanismos
pelos quais o cérebro se modifica por
estimulação neuroquímica

19 20

Regulação para cima


Efeitos psicodepressores
Necessidade de autorregulação para maior
produção de receptores
Sensibilização Exemplo do efeito de antidepressivos
Tolerância Regulação para baixo
Efeitos estimulantes
Autorregulação para cessar produção de
receptores
Exemplo da cocaína (tolerância)

21 22

Exemplo prático do uso repetido de álcool

Abordaremos o conceito de tolerância e


Na Prática sensibilização do abuso de álcool
Quanto mais bebemos mais conseguimos
beber?
Evidências de sensibilização em usuários
crônicos de álcool

23 24
Finalizando Nesta aula abordamos diversos
conceitos importantes e básicos da
neuropsicofarmacologia

25 26

Farmacodinâmica e farmacocinética
O que a droga faz no corpo e o que o
Introdução aos tipos de
corpo faz com a droga receptores-neuropeptídeos
Interação droga-receptor Receptores excitatórios, inibitórios e
Mecanismo chave-fechadura modulatórios
Ionotrópicos versus metabotrópicos Mecanismos de neuroplasticidade
Eficácia e eficiência de drogas Regulação para cima versus regulação
Força de ligação e capacidade de produzir para baixo
efeito
Sensibilização versus tolerância
Dose efetiva versus dose letal

27 28
SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS
AULA 3

Prof. Rafael A. Cazuza


CONVERSA INICIAL

Nesta aula, continuaremos o tema levantado na aula anterior sobre o


efeito das substâncias no organismo. Entretanto, aprofundar-nos-emos nos
mecanismos de ação das principais substâncias psicoativas (SPAs), drogas de
abuso ou até drogas de usos clínicos controlados como ansiolíticos e afins.
O objetivo é apresentar de maneira introdutória os principais efeitos de
drogas psicodepressoras, psicoestimulantes, psicotomiméticos e analgésicos,
apontando seu mecanismo de ação, efeitos na plasticidade e dependência.
Além disso, discutiremos sobre mecanismos de sensibilização e tolerância no
uso dessas drogas, apontando outros efeitos danosos que podem ocorrer com
seu uso prolongado ou excessivo. Por fim, a discussão está permeada dos
efeitos dessas substâncias no sistema nervoso central, principalmente no que
se refere ao sistema de recompensa cerebral e sistema límbico.

TEMA 1 – SISTEMA DE RECOMPENSA CEREBRAL

Neste tema, abordaremos como as drogas funcionam no cérebro, como


forma de produzir prazer. As substâncias psicoativas afetam vias cerebrais
importantes na manutenção (Routtenberg, 1978; Wise, 1980). A Figura 1 ilustra
as principais vias cerebrais envolvidas no comportamento reforçado e prazer
relacionado ao uso de substâncias. A via mesolímbica inclui basicamente
conexões neuroniais do sistema límbico, que controlam as emoções negativas
e o prazer, assim como o comportamento direcionado a um objetivo e
motivação para a ação.

2
Figura 1 – Tradução dos termos na imagem (sentido horário): Sistema de
dopamina; Estriado; Substância negra; Cerebelo; Medula espinal; Area
tegmental ventral; Lobo frontal

Crédito: Vasilisa Tsoy/Shutterstock.

Projeções dopaminérgicas que se iniciam na área tegmental ventral são


enviadas às áreas límbicas como o corpo estriado, nucleus accumbens e
habendula. Esta via está associada aos sintomas positivos das psicoses como
alucinações e sinestesias. Esta é a mesma via envolvida no prazer associado
ao uso de substâncias como cocaína e opioides. Mecanismos opioides estão
envolvidos na modulação dopaminérgica na via mesolímbica, responsável por
produzir o prazer. Além disso, mecanismos GABAérgicos e glutamatérgicos
também alteram a funcionalidade e plasticidade desta via, o que explica porque
outras drogas que utilizam estes receptores como alvos são capazes de
produzir prazer e manutenção do comportamento reforçado, como o álcool e
3
Cannabis (Castro, 2004; Formigoni, 2017). Projeções dopaminérgicas da
substância negra e área tegmental ventral em direção ao córtex pré-frontal
também estão associadas à dependência de substâncias. Essa via está
associada em psicóticos aos sintomas negativos, como anedonia e depressão,
o que poderia explicar por que o uso crônico de uma droga pode gerar efeitos
depressivos quando associados à abstinência.
Dados anteriores já haviam demonstrado que a autoestimulação elétrica
dessas regiões por roedores eram capazes de gerar condicionamento no
sentido de aumentar a frequência de comportamentos. Esse foi considerado
um possível mecanismo de ação de drogas psicoativas, gerando prazer a partir
da estimulação dessas regiões (Olds, 1958).
Substâncias opioides, além do mecanismo de reforço positivo nas vias
dopaminérgicas, também desempenham papel no reforço negativo ao longo do
tempo. Isso por dois fatores. O primeiro se dá porque o uso crônico de opioides
gera efeitos dolorosos ao usuário em abstinência. O segundo é que o abuso de
opioides está extremamente associado com a dor crônica (Kreek, 1996). Ou
seja, pacientes com dor crônica tendem a se tornar dependentes de opioides,
tanto pelo seu efeito reforçador direto quanto no reforço negativo ao desativar
mecanismos dolorosos. Vimos então que tanto drogas psicodepressoras
quanto psicoestimulantes podem gerar efeitos reforçadores a partir da sua
ação sobre o sistema de recompensa cerebral. Além disso, estes mecanismos
sofrem plasticidade, gerando efeitos de dependência e sensibilização, como
discutido na aula anterior. No tema seguinte, abordaremos a ação destas
drogas psicodepressoras, estimulantes ou psicotomiméticas, além do caso dos
opioides.

TEMA 2 – PSICODEPRESSORES

Neste tema, abordaremos as principais drogas psicodepressoras do


sistema nervoso central (CNS) e como elas interagem com o sistema de
recompensa cerebral. As principais drogas psicodepressoras são o álcool
(etanol), mais consumido no mundo, benzodiazepínicos, barbituratos e a
ketamina.
O etanol é a substância psicoativa de abuso mais utilizada no mundo,
gerando um impacto gigantesco na saúde (Peacock, 2018). O etanol se liga a
uma subunidade nos receptores GABAa, gerando um efeito sinérgico com o
4
GABA já que sensibiliza o receptor GABAa ao seu agonista (Stahl, 2005). Esse
efeito se chama efeito alostérico, já que o álcool por si só não desempenha a
abertura do canal iônico do receptor GABAa, mas sensibiliza sua ligação ao
GABA. Além disso, o etanol atua sobre o hormônio vasopressina, que, além de
inibir a micção, também possui efeitos sobre o comportamento emocional.
Um efeito semelhante é observado com os ansiolíticos (medicamentos
responsáveis pela redução da ansiedade) benzodiazepínicos. Os
benzodiazepínicos se ligam a seu locus específico no receptor GABAa
exercendo efeitos semelhantes ao álcool sobre o receptor. Ambos possuem
capacidade de gerar dependência quando se ligam aos receptores GABA no
córtex pré-frontal, inibindo a função inibitória do córtex pré-frontal sobre regiões
da via mesolímbica, gerando prazer e comportamento reforçado.
Os barbituratos (barbitúricos) são anestésicos utilizados na clínica como
sedativos maiores. Eles também possuem uma subunidade no receptor GABAa
que facilita a ligação do GABA ao seu receptor e potencializa seu efeito. Os
barbituratos possuem efeito extremamente inibitório, com uma dose letal baixa,
sendo uma droga de difícil manejo.
A última droga psicodepressora que abordaremos será a Cetamina. A
cetamina é um antagonista de receptor NMDA de glutamato, muito utilizada
principalmente na clínica veterinária como anestésico, também conhecida
como anestésico dissociativo. Recebe esse nome por possuir um efeito de
perda sensorial, amnésia, analgesia, paralisia e perda da consciência.
Abordamos este psicodepressor pelo fato de possuir um efeito diferente dos
que atuam sobre receptores de GABA. O efeito de inibição de receptores
NMDA excitatórios parece desempenhar um efeito sistêmico forte da ketamina
e que pode estar associado a esses fenômenos dissociativos. Neste sentido, a
cetamina tem sido cotada como um possível antidepressivo, por seu efeito
sobre sistemas de desinibição serotoninérgica e de crescimento de novos
neurônios (Krystal et al., 2019).

TEMA 3 – PSICOESTIMULANTES

Neste tema, abordaremos os principais psicoestimulantes e suas


funções sobre o SNC. Começaremos tratando da bebida mais consumida no
mundo e o psicoestimulante mais conhecido: o café. O café possui uma
substância estimulante, a cafeína, que interage com receptores de adenosina,
5
antagonizando seu papel inibitório (Fisone et al., 2004). Entretanto, os efeitos
maléficos do uso constante da cafeína estão mais associados ao câncer no
longo prazo, problemas gástricos e pouca dor de cabeça como síndrome de
abstinência (Shapiro, 2008).
Dentre os psicoestimulantes mais danosos encontramos, a cocaína
(cheirada ou injetada) e as anfetaminas (MDMA e ecstasy). Seu mecanismo de
ação é similar. Ambas as drogas inibem a recaptação de dopamina e são
agonistas de receptores de dopamina. Esse efeito no sistema de recompensa
gera rápido efeito prazeroso e aditivo. A plasticidade cerebral nos receptores
dopaminérgicos, discutida na aula anterior, é capaz de gerar efeitos rápidos de
tolerância e aumentar as crises de abstinência (Stahl, 2005). Seus efeitos
incluem excitação comportamental, agitação psicomotora e motivação. O efeito
adverso inclui aumento da peristalse (estimulação da contração da musculatura
lisa), euforia exagerada, estado de alerta excessivo e ansiedade. Já em relação
ao seu efeito crônico, a ingestão repetida ou excessiva dessas substâncias
provoca plasticidade sináptica em neurônios dopaminérgicos, gerando
dependência, sintomas psicóticos, transtornos de ansiedade, anedonia e
tolerância à droga. Além disso, a repetida abstinência promove sensibilização
desses receptores, o que pode contribuir para efeitos de overdose.
Um caso especial dos psicoestimulantes é o da nicotina
(tabaco/cigarros), que, apesar de ser um conhecido relaxante, também possui
efeitos estimulantes. A nicotina é um agonista de receptor colinérgico
nicotínico, mas também atua sobre a neurotransmissão dopaminérgica,
inibindo a MAO (monoaminaoxidase), gerando efeitos de dependência
(Franken, et al., 1996). O efeito aditivo da nicotina é extremamente perigoso,
tendo em vista seus efeitos prejudiciais, quando falamos de cigarro sobre os
pulmões e problemas cardiorrespiratórios.

TEMA 4 – PSICOTOMIMÉTICOS

Neste tema, discutiremos as substâncias psicotomiméticas, ou seja,


drogas que simulam psicose. Estas drogas produzem alteração da consciência
e do sistema sensorial (alucinações), além de pensamentos delirantes. Dentre
elas, podemos citar a Cannabis (maconha), o ácido lisérgico e dimetilamida de
ácido lisérgico (LSD), dimetiltriptamina (DMT), ibogaína, dentre outros que

6
possuem origem natural, como a ayahuasca, peyote, psilocibina e amanita
muscaria.
A maconha possui receptores específicos aos quais se ligam. A
maconha é uma planta com mais de 100 compostos ativos, denominados
canabinóides, e se assemelham aos canabinóides endógenos, como a
anandamina e o 2- araquidonilglicerol. Os principais compostos ativos da
maconha que se encontram em maior concentração são geralmente o Delta-9-
Tetrahidrocanabinol (THC) e o canabidiol (CBD). O composto psicoativo é o
THC, que exerce função por meio da agonização do receptor CB1. Já o CBD
possui mecanismos alostéricos que acabam por inibir o receptor CB1 e é
responsável pelos efeitos ansiolíticos da droga. Ou seja, são efeitos
antagônicos na mesma planta que possuem como resultado final o
aparecimento de alucinações, delírios, alteração da consciência, relaxamento,
prazer e redução da ansiedade. A maconha interage com o sistema de
recompensa e também pode gerar dependência (Hasan et al., 2020).
Já outros psicotomiméticos possuem efeitos geralmente sobre
receptores modulatórios serotoninérgicos. Tanto o LSD, DMT, peyote e
psilocibina são agonistas de receptores serotoninérgicos. No caso especial da
ayahuasca, contamos com dois compostos: a beta-carbolina, um inibidor de
monoamina oxidase, e um agonista de receptor de serotonina. Isso significa
dizer que mais serotonina estará disponível na fenda sináptica e que não serão
degradadas pela sua enzima de degradação (MAO). Ou seja, haverá uma
super ativação do sistema serotoninérgico. Isso pode gerar fortes efeitos
alucinógenos que podem ser irreversíveis, mas também pode gerar efeitos
antidepressivos e anti-dependência de outras substâncias (Dos Santos et al.,
2016). Já a ibogaína, extraída de uma raíz de iboga, possui mecanismo de
ação ainda desconhecido, incluindo agonista serotoninérgico, dopaminérgico e
antagonista de receptores de glutamato (Dos Santos et al., 2017).
Um mecanismo atípico dentre os alucinógenos está na Amanita
Muscaria, uma espécie de fungo de cor avermelhada que antes se acreditava
possuir efeitos sobre receptores colinérgicos muscarínicos, até ser descoberto
seu efeito como agonista de receptor GABA e Glutamato simultaneamente.
Essa estimulação gera toxicidade cerebral e pode gerar efeitos sobre a
consciência e sensibilidade (De Carolis et al., 1969).

7
Outro caso interessante de alucinógenos é o da Salvinorina A, que,
diferente dos alucinógenos abordados anteriormente, possuem seu mecanismo
de ação pela ativação de receptores Kappa opioides. A Salvinorina vem de
uma planta chamada sálvia que em grandes quantidades pode provocar
efeitos alucinógenos (Butelman; Kreek, 2015). Além dos seus efeitos
alucinógenos, também é considerado que pode possuir efeitos terapêuticos
para alguns transtornos mentais.
As substâncias alucinógenas apresentam alguns problemas no seu uso.
O primeiro se refere a seus efeitos agudos que podem gerar sintomas de
ansiedade elevada e confusão mental para os usuários menos acostumados ou
que fizeram uso irregular exagerado. O segundo efeito se refere ao seu uso
crônico, aumentando a vulnerabilidade para o surgimento de psicoses como a
esquizofrenia (Bowers, 1983). Entretanto, o uso de alucinógenos no tratamento
de transtornos aditivos (dependência) tem sido proposto recentemente (dos
Santos et al., 2016; dos Santos et al., 2017; Krebs; Johansen, 2012). Ou seja,
apesar de seus efeitos agudos e crônicos, estas substâncias parecem possuir
pouco efeito aditivo e ainda podem contribuir no tratamento de outras
dependências.

TEMA 5 – ANALGÉSICOS

Os analgésicos são substâncias que promovem analgesia, ou seja,


redução da dor. A dor é um mecanismo evolutivo importante na garantia da
sobrevivência das espécies. Ela necessita de um conjunto complexo de
ativações neuronais para ocorrer, incluindo sistemas serotoninérgicos,
dopaminérgicos e opioidérgicos. Diversos analgésicos opioides estão
associados a transtornos associados ao seu uso. Podemos definir os
analgésicos como esteroidais e não esteroidais (anti-inflamatórios não
esteroides). Dentre os esteroidais, encontramos os opioides e opiáceos.
Opiáceos são opioides extraídos diretamente da papoula (ópio), enquanto
opioides são todas as classes de substâncias agonistas de receptores
opioides, podendo ser endógenas ou exógenas. Abordaremos os principais
analgésicos e seus efeitos e discutir por quê podem produzir dependência.
Para compreender os mecanismos opioides, necessitamos compreender
os mecanismos de dor no ser humano. O sistema ascendente de dor (Figura 2)
detecta o estímulo doloroso na periferia por meio de um neurônio que possui
8
seu corpo celular no gânglio da raiz dorsal. A outra terminação deste neurônio
se comunica com o segundo neurônio na medula espinal, que envia projeções
até o tálamo onde a dor será percebida e distribuída a outros centros que
processam os componentes emocionais e cognitivos da dor. Entretanto,
mecanismos descendentes, quando detectam a dor, enviam projeções à
medula espinal a fim de modular a estimulação dolorosa ascendente. Esse
mecanismo descendente que se inicia em regiões do sistema de recompensa e
do tronco encefálico utiliza neurotransmissão opioide. Isso significa dizer que o
sistema de dor e de prazer estão intrinsecamente ligados (Leknes; Tracey,
2008).

Figura 2 – Mecanismos de estimulação dolorosa. Um estímulo periférico


detectado por um neurônio pseudounipolar com corpo celular no gânglio da
raíz dorsal se comunica com neurônios de segunda ordem da medula espinal.
Esse sinal sobe até o centro talâmico, que distribui a centros específicos para
identificarem diferentes aspectos da dor. Dentre esses aspectos, a sinalização
no sistema de recompensa cerebral, rico em neurotransmissão opioidérgica
que podem inibir a dor e gerar comportamento reforçado. A dor e o prazer
estão associados neste mecanismo

Crédito: Blamb/Shutterstock.

9
O estímulo doloroso funciona como uma sinalização aversiva; quando
seu funcionamento é cessado, gera efeitos reforçadores. Distúrbios neste
mecanismo podem gerar uma confusão entre um e outro (Leknes; Tracey,
2010). Mas, para nossa análise, estaremos interessados na dependência de
opioides e como eles podem gerar prazer e adicção. O sistema opioide
interage com o sistema dopaminérgico no sistema límbico, na via mesolímbica,
responsável pela modulação do comportamento motivado (Devine et al., 1993).
Este efeito explica o fenômeno do prazer ao uso de opioides, como a morfina,
heroína e próprio ópio. A heroína é um dos principais opioides de abuso
utilizados no mundo. É um opioide semi-sintético que possui um efeito rápido e
intenso, tolerância rápida e um efeito de abstinência também muito intenso, o
que explica seus efeitos devastadores (Siegel, 1982). Além disso, outros
opioides, como a hidroxicodona, fentanil e morfina, de uso clínico, também
promovem problemas associados ao seu uso. Neste caso, o efeito de
dependência tem muita correlação com o tratamento de dores crônicas (Kreek,
1996).
Os opioides possuem a característica de ter uma janela efetiva muito
pequena, em que a dose efetiva e dose tóxica são muito próximas. Sendo
assim, os efeitos tóxicos aparecem muito cedo com seu uso, que consistem em
constipação, crises de abstinência intensa e parada cardiorrespiratória. Além
disso, a alta tolerância facilita o aparecimento de efeitos de dependência
(Vowles et al., 2015).

NA PRÁTICA

Para nossa análise prática desta aula, avaliaremos as combinações


perigosas que têm sido usadas na prática, sugerindo seus efeitos maléficos e
possivelmente fatais. Combinações perigosas estão sempre presentes em
ambientes de festa e no cotidiano. Os usuários de drogas geralmente não
usam somente uma droga. Quando mais, utilizam uma droga de preferência,
mas sempre acompanhada de outras. Não é estranho observar usuários de
álcool que fumam tabaco (cigarro). Ou que utilizam em ambiente de festa
álcool, tabaco, maconha e ecstasy.
Além disso, nesses ambientes, utilizam-se combinações sinérgicas a fim
de obter um maior efeito desejável, como relaxamento, excitação ou alteração
da consciência. As combinações mais perigosas nesse sentido são o uso de
10
álcool e cetamina, ou álcool e lança-perfume (éter+clorofórmio). Ambos
possuem efeitos inibitórios fortes, que podem não ser só potencializados, mas
funcionar de forma sinérgica. Ou seja, a combinação ao invés de X+X=2X se
torna X+X=X2. Por meio do seu efeito inibitório sistêmico, esses efeitos podem
facilmente provocar inconsciência e até parada cardiorrespiratória.
Outra combinação comum em ambiente de festa são o uso de álcool,
maconha, LSD e anfetaminas. Essa combinação pode provocar efeitos de
psicose fortíssimos e alta ansiedade, podendo colocar o usuário em risco. Além
disso, os efeitos psicóticos podem ser prolongados o suficiente para provocar
plasticidade cerebral e apresentar dificuldade de readaptação da consciência.

FINALIZANDO

Nesta aula, apresentamos de maneira introdutória os principais efeitos


de algumas drogas sobre o sistema de recompensa cerebral e como elas
podem desenvolver sensibilização, dependência e outros transtornos.
Separamos inicialmente as SPAs em 4 classes:

• Psicodepressores;
• Psicoestimulantes;
• Psicotomiméticos;
• Analgésicos.

Vimos que as drogas psicodepressoras se utilizam basicamente de


mecanismos GABAérgicos (principal neutrotransmissor inibitório do sistema
nervoso central). Algumas substâncias são agonistas diretos de receptores de
GABA (como o álcool) e outras se ligam a subunidades destes receptores,
como os benzodiazepínicos, aumentando a funcionalidade do GABA quando se
ligam ao mesmo receptor. Discutimos que o álcool é extremamente
lipossolúvel, atravessando a barreira hematoencefálica e se ligam a receptores
GABA no córtex pré-frontal, desinibindo as funções do córtex sobre regiões do
sistema límbico que modula o prazer. Isso faz com que os efeitos iniciais do
álcool sejam inibição cognitiva (tomada de decisão e avaliação de risco) e
desinibição do prazer e recompensa. Os benzodiazepínicos ansiolíticos
possuem efeitos similares e, por isso, podem gerar dependência. Concluímos
que a coadministração de ansiolíticos e álcool podem gerar um efeito perigoso
sinérgico que pode provocar parada cardíaca. Um caso especial que

11
abordamos também foi o da Cetamina, utilizada como anestésico dissociativo
de uso veterinário e que também é usado em contexto de festa. Entretanto,
vimos que seu mecanismo de ação atua sobre a inibição de receptores NMDA
de glutamato, quase sempre excitatório no SNC.
Além disso, em relação aos psicoestimulantes, vimos que os principais
são cafeína (mais consumida no mundo por meio do café), cocaína e
anfetaminas, como o ecstasy. No caso da cafeína, vimos que seu mecanismo
de ação se dá pela inibição dos receptores de adenosina, gerando efeito
excitatório periférico e central, desencadeando respostas psicomotoras
exacerbadas. Já outras drogas psicoestimulantes como a cocaína e as
anfetaminas se dão pela inibição da recaptação de dopamina, por meio do
antagonismo de receptores pré-sinápticos. Esses efeitos descritos no sistema
límbico geram prazer, autoconfiança e um forte efeito de dependência, já que
podem ser capazes de promover plasticidade muito rapidamente nessas
regiões. Ressaltamos que, por alterar sistemas dopaminérgicos, a cocaína e
anfetaminas podem, em doses elevadas ou uso prolongado, desencadear
respostas típicas de psicose, como alucinações e delírios.
Discutimos que as drogas psicotomiméticas são aquelas que produzem
efeitos similares aos da psicose. Cocaína e anfetaminas não estão inclusas
nesta classe por ter como seu efeito primário gerar perturbação psicomotora.
Os psicotomiméticos são amplamente encontrados na natureza e funcionam
por diferentes mecanismos. A maconha possui seu mecanismo próprio por
aumentar função de receptores canabinóides enquanto o LSD, psilocibina,
dentre outros funcionam pelo agonismo do sistema serotoninérgico.
Interessante que a ayahuasca possui dois componentes: um que aumenta o
tônus serotoninérgico no córtex pré-frontal e outro que inibe a ação da enzima
que degrada serotonina, aumentando seus efeitos de maneira sinérgica.
Por fim, falamos dos analgésicos, principalmente os opioides. Eles
atuam em receptores opioides, que estão associados ao controle da dor. Vimos
que receptores opioides no sistema de recompensa são responsáveis pelo
estabelecimento de comportamentos reforçados e que podem gerar prazer em
humanos. Alguns opioides, como o próprio ópio e a heroína, são usados em
larga escala como drogas de abuso. A morfina, de uso médico para inibir a dor
também, têm sido utilizada para fins recreativos. Em pacientes com dores
crônicas, vimos que a dependência de opioides é muito mais presente também

12
pelo seu efeito de reforço negativo pela eliminação da dor. Por fim, é
importante ressaltar que são drogas que produzem alta tolerância e de forma
muito rápida, o que pode gerar aumento de dose e de seus efeitos colaterais,
como parada cardiorrespiratória.
Todas essas classes podem ser coadministradas em usuários de SPAs.
Em ambientes de festa, por exemplo, é comum observar multiusuários que
misturam álcool e outras drogas. Vimos que algumas dessas combinações
podem ser perigosas e até fatais. Neste sentido, apresentamos as principais
substâncias psicoativas e como podem gerar efeitos maléficos isoladamente e
em combinação.

13
REFERÊNCIAS

BUTELMAN, E. R.; KREEK, M. J. Salvinorin A, a kappa-opioid receptor agonist


hallucinogen: pharmacology and potential template for novel
pharmacotherapeutic agents in neuropsychiatric disorders. Frontiers in
Pharmacology, v. 6, p. 190, 2015.

CAROLIS, A. S. de; LIPPARINI, F.; LONGO, V. G. Neuropharmacological


investigations on muscimol, a psychotropic drug extracted from Amanita
muscaria. Psychopharmacologia, v. 15, n. 3, p. 186-195, 1969.

CASTRO, M. I. Do prazer à dependência. Revista toxicodependências, v. 10,


n. 3, p. 49-56, 2004.

DEVINE, D. P.; LEONE, P.; WISE, R. A. Mesolimbic dopamine


neurotransmission is increased by administration of μ-opioid receptor
antagonists. European journal of pharmacology, v. 243, n. 1, p. 55-64, 1993.

ELLIS, M. S.; KASPER, Z.; CICERO, T. Assessment of Chronic Pain


Management in the Treatment of Opioid Use Disorder: Gaps in Care and
Implications for Treatment Outcomes. The Journal of Pain, v. 22, n. 4, p. 432-
439, 2021.

FISONE, G.; BORGKVIST, A.; USIELLO, A. Caffeine as a psychomotor


stimulant: mechanism of action. Cellular and Molecular Life Sciences CMLS,
v. 61, n. 7, p. 857-872, 2004.

FORMIGONI, Maria Lucia Oliveira de Souza et al. Neurobiologia: mecanismos


de reforço e recompensa e os efeitos biológicos comuns às drogas de abuso.
Curso EAD SUPERA. Brasília, DF: MJC, 2017. Modulo 2, Capítulo 1, p. 13-27,
2017.

FRANKEN, R. A. et al. Nicotina. Ações e interações. Arq Bras Cardiol, v. 66,


n. 1, p. 371-3, 1996.

HASAN, A. et al. Cannabis use and psychosis: a review of reviews. European


archives of psychiatry and clinical neuroscience, v. 270, n. 4, p. 403-412,
2020.

KREEK, M. J. Opiates, opioids and addiction. Molecular psychiatry, v. 1, n. 3,


p. 232-254, 1996.

14
KRYSTAL, J. H. et al. Ketamine: a paradigm shift for depression research and
treatment. Neuron, v. 101, n. 5, p. 774-778, 2019.

LEKNES, S.; TRACEY, I. A common neurobiology for pain and pleasure.


Nature Reviews Neuroscience, v. 9, n. 4, p. 314-320, 2008.

LEKNES, S.; TRACEY, I. Pain and pleasure: Masters of mankind. 2010.

BOWERS JR, M. B.; SWIGAR, Mary E. Vulnerability to psychosis associated


with hallucinogen use. Psychiatry Research, v. 9, n. 2, p. 91-97, 1983.

KREBS, T. S.; JOHANSEN, P.-Ø.. Lysergic acid diethylamide (LSD) for


alcoholism: meta-analysis of randomized controlled trials. Journal of
Psychopharmacology, v. 26, n. 7, p. 994-1002, 2012.

OLDS, J. Self-stimulation of the brain: Its use to study local effects of hunger,
sex, and drugs. Science, v. 127, n. 3294, p. 315-324, 1958.

PEACOCK, A. et al. Global statistics on alcohol, tobacco and illicit drug use:
2017 status report. Addiction, v. 113, n. 10, p. 1905-1926, 2018.

ROUTTENBERG, A. The reward system of the brain. Scientific American, v.


239, n. 5, p. 154-165, 1978.

SANTOS, R. G. dos et al. The current state of research on ayahuasca: A


systematic review of human studies assessing psychiatric symptoms,
neuropsychological functioning, and neuroimaging. Journal of
psychopharmacology, v. 30, n. 12, p. 1230-1247, 2016.

SANTOS, R. G. dos; BOUSO, J. C.; HALLAK, J. E. C. The antiaddictive effects


of ibogaine: A systematic literature review of human studies. Journal of
Psychedelic Studies, v. 1, n. 1, p. 20-28, 2017.

SHAPIRO, R. E. Caffeine and headaches. Current pain and headache


reports, v. 12, n. 4, p. 311, 2008.

SIEGEL, S. et al. Heroin" overdose" death: contribution of drug-associated


environmental cues. Science, v. 216, n. 4544, p. 436-437, 1982.

SNYDER, S. H.; PASTERNAK, G. W. Historical review: opioid receptors.


Trends in pharmacological sciences, v. 24, n. 4, p. 198-205, 2003.

STAHL, S. M. Essential psychopharmacology: The prescriber's guide.


Cambridge University Press, 2005.

15
VOWLES, K. E. et al. Rates of opioid misuse, abuse, and addiction in chronic
pain: a systematic review and data synthesis. Pain, v. 156, n. 4, p. 569-576,
2015.

WISE, R. A. Action of drugs of abuse on brain reward systems. Pharmacology


Biochemistry and Behavior, v. 13, p. 213-223, 1980.

16
Aula 3

Substâncias Psicoativas Conversa Inicial

Prof. Rafael Alves Cazuza

1 2

Efeitos das substâncias no organismo


parte 2: efeitos de drogas
Abordaremos a função e o efeito de drogas
específicas e mais conhecidas como de uso
recreativo, medicinal ou de uso nocivo
Nesta aula, continuaremos o tema levantado O objetivo é apresentar de maneira
na aula anterior sobre o efeito das introdutória os principais efeitos de drogas
substâncias no organismo psicodepressoras, psicoestimulantes,
psicotomiméticos e analgésicos

3 4

Sistema de recompensa cerebral


Psicodepressores
Sistema de Recompensa Cerebral
Psicoestimulantes
Psicotomiméticos
Analgésicos

5 6
Via mesolímbica
Abordaremos como as drogas funcionam
no cérebro como forma de produzir prazer Via mesocortical
Mecanismo de manutenção do Área tegmental ventral
comportamento de autoadministração Nucleus accumbens
de drogas
Córtex frontal

7 8

Sistema de dopamina
Estriado
Lobo frontal
Substância negra

Papel da dopamina
Papel da glutamina
Papel dos opioides

Cerebelo
Area tegmental ventral
Medula espinal Vasilisa Tsoy / Shutterstock

9 10

Psicodepressores Abordaremos as principais drogas


psicodepressoras

11 12
Álcool: agonista de receptores de GABA
Benzodiazepínicos: liga-se a uma subunidade
para benzodiazepínicos de receptor GABA e O álcool e a ketamina podem inibir a inibição
aumenta sua atividade quando ligado ao seu de dopamina no sistema de recompensa,
agonista gerando prazer e possível dependência
Ketamina: antagonista de receptor NMDA de
glutamato

13 14

Psicoestimulantes Abordaremos aqui os principais


psicoestimulantes e suas funções

15 16

Cafeína: antagonista de receptor de Ingestão aguda de psicoestimulantes


adenosina, aumentando tônus excitatório em geral produz
no cérebro
Agitação psicomotora
Cocaína: bloqueia a recaptação de dopamina
Estimulação da peristalse
e estimula liberação de dopamina
(atividade estomacal e intestinal)
Anfetaminas: mecanismo similar ao da
Euforia e estado de alerta
cocaína (inclui as metanfetaminas como
MDMA/ecstasy) Prazer

17 18
Caso especial da nicotina (tabaco/cigarros)
Efeitos relaxantes e estimulantes
Ingestão repetida ou excessiva de Agonista colinérgico (receptor
estimulantes dopaminérgicos provoca nicotínico)
Sintomas psicóticos Atuação sobre outros mecanismos
Ansiedade neurotransmissores, incluindo
dopamina (por inibidores da
monoaminaoxidase), gerando
efeitos de prazer e dependência

19 20

Apresentaremos as drogas que simulam


Psicotomiméticos psicose, ou seja, que produzem alteração
da consciência e do sistema sensorial
(alucinações), além de pensamentos
delirantes

21 22

Cannabis: atividade indireta sobre receptores


CB1
LSD, DMT, psilocibina e ayahuasca: agonistas
serotoninérgicos
Efeitos psicóticos que podem ser de longo
Ibogaína: mecanismo pouco conhecido prazo
(agonista serotoninérgico, dopaminérgico,
antagonista glutamatérgico...) Ansiedade

Amanita Muscaria: agonista de receptor


GABA e hlutamato
Peyote: agonista parcial de serotonina

23 24
Abordaremos os principais analgésicos e
seus efeitos e discutiremos por que podem
Analgésicos produzir dependência
Interação do sistema de dor com o de prazer
Opioides e dopamina na via mesolímbica

25 26

Opiáceos (ópio)
Opioides (morfina, heroína, tramadol, fentanil,
entre outros)
Agonista de receptores opioides
Na Prática
Efeito analgésico (reforço negativo) e de
prazer (reforço positivo)
Rápida tolerância e poder de dependência
Efeitos colaterais como constipação, crises
de abstinência e parada cardiorrespiratória

27 28

Multiusuários e efeito sinérgico Exemplo de multiusuários em ambiente de


festa

Usuários de álcool + maconha + ketamina =


Combinações perigosas estão sempre parada respiratória
presentes em ambientes de festa
Usuários de álcool + LSD + anfetaminas =
Combinações comuns visando maior efeito efeitos psicotomiméticos fortes e
ansiogênese

29 30
Efeitos das substâncias no organismo
parte 2: efeitos de drogas

Finalizando Apresentamos de maneira introdutória os


principais efeitos de drogas sobre o sistema
de recompensa cerebral
Drogas psicodepressoras, psicoestimulantes,
psicotomiméticos e analgésicos

31 32

Vimos os principais receptores afetados por


Psicotomiméticos: serotonina e glutamato
determinadas drogas
Analgésicos: opioides
Psicodepressoras: GABA
Multiusuários: efeito sinérgico entre
Psicoestimulantes: dopamina, serotonina e
receptores
glutamato

33 34
SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS
AULA 4

Prof. Rafael Alves Cazuza


CONVERSA INICIAL

Nesta aula traremos um panorama geral dos dados epidemiológicos de


prevalência e incidência do abuso de drogas no Brasil e no mundo. Abordaremos
o tema de forma a compreender os determinantes emocionais e sociais dos
transtornos decorrentes do uso de SPAs.
Para isso, abordaremos temas como a epidemiologia e dados
demográficos do uso de substâncias psicoativas, fatores de vulnerabilidade
emocional e social, ambientes promotores e nutridores que podem aumentar ou
reduzir as chances de transtornos relacionados ao uso, além de sugerir uma
compreensão complexa do uso de substâncias que inclua fatores genéticos e
biológicos, psicológicos e sociais no uso nocivo e na dependência de
substâncias psicoativas (SPAs).

TEMA 1 – EPIDEMIOLOGIA E DADOS DEMOGRÁFICOS

Veremos neste tema os principais dados sobre transtornos decorrentes


do uso de substâncias psicoativas no Brasil e no mundo. Segundo dados do 3°
Levantamento do Repositório Institucional da Fiocruz (Arca) (Bastos et al., 2017),
3,2% dos brasileiros usaram substâncias ilícitas no ano de 2016, o que equivale
a 4,9 milhões de pessoas. Esse percentual é maior entre os homens: 5% (entre
as mulheres fica em 1,5%). E entre os jovens: 7,4% de pessoas entre 18 e 24
anos haviam consumido drogas ilegais no ano anterior à entrevista.
Segundo este estudo, a substância ilícita mais consumida no Brasil é a
maconha, sendo constatado que 7,7% dos brasileiros de 12 a 65 anos já a
usaram pelo menos uma vez na vida. Em seguida vem a cocaína em pó: 3,1%
já consumiram a substância. Aproximadamente 1,4 milhão de pessoas entre 12
e 65 anos relatam ter feito uso de crack e similares alguma vez na vida, o que
corresponde a 0,9% da população de pesquisa, com um diferencial pronunciado
entre homens (1,4%) e mulheres (0,4%), um número bastante elevado se levado
em conta o dano que esta droga pode causar. É importante ressaltar que o crack
possui o mesmo princípio ativo da cocaína, entretanto, é administrado pela via
respiratória (fumaça), aumentando o efeito e dependência, além de ser muito
mais tóxico e “impuro”, contando com diversas outras substâncias solventes em
sua composição.

2
No ano anterior ao levantamento deste estudo da Fiocruz, o uso do crack
foi reportado por 0,3% da população. A pesquisa destaca, porém, que esses
resultados devem ser observados com cautela, uma vez que o inquérito
domiciliar não é capaz de captar as pessoas que são usuárias e não se
encontram regularmente domiciliadas ou estão em situações especiais, como
vivendo em abrigos ou em presídios. A computação de pessoas que vivem em
ambientes onde a coleta de dados é difícil pode impactar no número de usuários,
tendo em vista o caso das “cracolândias” no Brasil.
Os números do levantamento em relação ao uso de crack são importantes
por revelarem uma discrepância em relação ao dado e a realidade. O percentual
do 3º Levantamento é inferior ao que aparece na Pesquisa Nacional do Uso do
Crack (Bastos; Bertoni, 2014), já que o levantamento foi domiciliar nesta
pesquisa mais atual. Entretanto, como comentado anteriormente, os usuários de
crack fazem parte de uma população majoritariamente marginalizada, que vive
em situação de rua e/ou em grandes centros de usuários de crack. Sendo assim,
os dados corroboram o problema de saúde pública, que é o uso de crack no
Brasil. A frequência mais baixa quando levantamos dados domiciliares revela
que o consumo dessa substância no país é um fenômeno socioeconômico grave
nos espaços públicos.
Este grande estudo também levanta dados sobre o abuso de
medicamentos sem prescrição. Ou seja, drogas de uso clínico sendo usadas de
forma recreativa ou desordenada, causando prejuízos aos usuários e pacientes.
Por exemplo, o uso dos analgésicos opioides e de tranquilizantes
benzodiazepínicos se apresentaram como as maiores escolhas como drogas de
abuso. Os dados apontam que 30 dias antes do fim do estudo os usuários
relataram ter consumido de forma não prescrita, ou de modo diferente àquele
recomendado pela prescrição médica, sendo 0,6% e 0,4% da população
brasileira, respectivamente. Esse é um número que se assemelha a dados
obtidos em países norte-americanos, onde o abuso de opioides é grande,
principalmente em pacientes com dores crônicas.
Com relação às drogas lícitas, o estudo demonstrou uma redução no
consumo do tabaco. Entretanto, há um aumento no fumo por vias alternativas
como cigarros eletrônicos e narguilés. Cerca de 33% dos brasileiros declarou ter
fumado cigarro industrializado pelo menos uma vez na vida. Já nos 30 dias

3
anteriores à pesquisa, foram 13,6%, o que corresponde a 20,8 milhões de
pessoas.
A substância psicoativa mais consumida continua sendo o álcool. É um
grande problema quando nos referimos ao uso de drogas, ainda mais por ser
uma droga lícita no Brasil. Mais da metade da população brasileira de 12 a 65
anos declarou ter consumido bebida alcóolica alguma vez na vida.
Aproximadamente 46 milhões de brasileiros, o que se aproxima de 30,1%,
informaram ter consumido pelo menos uma dose nos 30 dias anteriores à
pesquisa. Além disso, aproximadamente 2,3 milhões de pessoas apresentaram
critérios para dependência de álcool nos 12 meses anteriores à pesquisa. Um
dado alarmante no que se refere a problemas associados ao uso de substâncias,
já que sabemos da relação do álcool com diversos outros transtornos.
Neste sentido, a relação entre álcool e diferentes formas de violência
também foi abordada pelo estudo. Aproximadamente 14% dos homens
brasileiros de 12 a 65 anos dirigiram após consumir bebida alcoólica, nos 12
meses anteriores à entrevista. Entre as mulheres houve uma estimativa de 1,8%.
A percentagem de pessoas que estiveram envolvidas em acidentes de trânsito
enquanto estavam sob o efeito de álcool foi de 0,7%. Cerca de 4,4 milhões de
pessoas reportaram ter discutido com alguém sob efeito de álcool nos 12 meses
anteriores à entrevista, sendo que destes, 2,9 milhões eram homens e 1,5
milhão, mulheres. A prevalência de ter reportado que “destruiu ou quebrou algo
que não era seu” sob efeito de álcool também foi estaticamente significativa e
maior entre homens do que entre mulheres (1,1% e 0,3%, respectivamente).
Estes dados são extremamente preocupantes e possivelmente a maior
preocupação quando o assunto é problemas relacionados ao uso de substância.
Em relação à toxicidade e riscos de morte, levantou-se que a percepção
do brasileiro quanto às drogas atribui mais risco ao uso do crack do que ao álcool:
44,5% acreditam que crack é a droga associada ao maior número de mortes no
país, enquanto apenas 26,7% colocaram o álcool no topo do ranking. Entretanto,
dados deste estudo e da Organização Mundial de Saúde atribuem um risco de
mortalidade maior ao uso abusivo de álcool, direta ou indiretamente, seja por
intoxicação, doenças hepáticas, acidentes de trânsito ou violência doméstica.
No Brasil, o álcool e o crack representam grandes desafios à saúde
pública. O álcool pela sua ampla penetração na sociedade, e o crack pelo seu
efeito deletério rápido e com alta carga de marginalização. Os jovens brasileiros

4
estão consumindo drogas com mais potencial de provocar danos e riscos, como
o próprio crack. Além disso, entre jovens há uma tendência ao multiusuário, ou
seja, usuários que utilizam diversas drogas ao mesmo tempo.
Referente ao abuso de álcool e outras drogas no mundo, a prevalência
estimada entre a população adulta era de 18,4% para uso pesado de álcool,
15,2% para o tabagismo diário, e 3,8% para o uso de Cannabis (maconha),
0,77% para anfetamina, 0,37% para opioide e 0,35% para o uso de cocaína. Os
países europeus tiveram a maior prevalência de uso de álcool e uso diário de
tabaco. A prevalência de dependência de álcool padronizada por idade foi de
843,2 por 100 mil habitantes; para Cannabis, opioides, anfetaminas e
dependência de cocaína foi de 259,3, 220,4, 86,0 e 52,5 por 100 mil habitantes,
respectivamente.
Regiões de alta renda na América do Norte tiveram uma das maiores
taxas de dependência de Cannabis, opioides e cocaína no mundo. Uma
ferramenta usada para mensurar o dano causado pelas drogas, aponta que
estes foram mais elevados para o tabagismo (170,9 milhões), seguido por álcool
(85 milhões) e drogas ilícitas (27,8 milhões). As taxas de mortalidade associadas
ao uso de substâncias psicoativas foram mais altas para o tabagismo (110,7
mortes por 100.000 habitantes), seguidas por álcool e drogas ilícitas (33,0 e 6,9
mortes por 100.000 habitantes, respectivamente). As taxas de mortalidade
padronizadas por idade associadas aos danos à vida causados pelo álcool e
drogas ilícitas eram mais altas na Europa Oriental; as taxas de mortalidade por
tabaco padronizadas por idade associadas, assim como seu dano, foram mais
altas na Oceania. Ao que parece, o tabagismo no mundo é um problema mais
grave que o que observamos aqui no Brasil.
Em 2015, o uso de álcool e tabagismo custou à população humana mais
de um quarto de bilhão de anos de vida, com as drogas ilícitas custando mais
dezenas de milhões. Os europeus sofreram proporcionalmente mais, mas em
termos absolutos a taxa de mortalidade foi maior em países de renda baixa e
média com grandes populações e onde a qualidade dos dados era mais limitada.
É importante ressaltar que métodos mais padronizados e rigorosos para coleta
de dados, comparação e relatórios são necessários para avaliar com mais
precisão as tendências geográficas e temporais no uso de substâncias e sua
carga de doenças. É importante ressaltar também que os fatores sociais, como
discutiremos a seguir, são importantes fatores na vulnerabilidade e mortalidade

5
de usuários de substâncias psicoativas. Todos os dados referentes ao consumo
mundial de álcool e outras drogas encontram-se em Peacock et al., 2018.

TEMA 2 – VULNERABILIDADE EMOCIONAL

Indivíduos podem ser mais ou menos propensos a desenvolverem


transtornos relacionados às substâncias psicoativas (SPAs). É sabido que
transtornos psicológicos emocionais são fatores de risco para o desenvolvimento
de transtornos aditivos (de dependência). Ao que parece, sintomas depressivos
ou ansiosos podem promover um ambiente fértil para a fuga da sua condição ou
até mesmo dependência de medicamentos controlados como os
benzodiazepínicos.
Abordaremos os fatores de vulnerabilidade emocional que levam a
desordens psicológicas ou dependência às drogas. Iniciaremos abordando a
relação entre o estresse e abuso de drogas. É importante ressaltar que o uso de
substâncias está intimamente ligado com mecanismos cerebrais emocionais de
recompensa e motivação. Neste sentido, o eixo endócrino controlado por vias
cerebrais descendentes também faz parte desse controle emocional e participa
do controle da motivação (Ruisoto; Contador, 2019). O estresse é uma quebra
da homeostase comportamental que leva a alterações cerebrais de longo prazo.
Um estímulo estressor provoca alterações neuroquímicas como a liberação de
um hormônio chamado fator liberador de corticotrofina (CRF), que altera regiões
emocionais importantes no cérebro, aumentando as chances de recaída em
casos de abstinência de drogas e que também pode aumentar a sensação de
fissura pela droga. Esse mecanismo fornece um componente importante para
compreender como a droga pode ser reforçadora e sua abstinência pode
provocar efeitos estressores que geram esses efeitos descritos (Ruisoto;
Contador, 2019). Dessa forma, podemos entender o estresse como fator
primordial no estabelecimento de transtornos aditivos.
A genética exerce um papel importante neste mecanismo, já que funciona
como uma predisposição à resiliência (resistência ao estresse). É sabido que
alguns genes que codificam proteínas relacionadas ao estresse, como
receptores corticoides, fazem parte do arsenal antiestresse que o ser humano
possui. A resiliência é muito importante tanto na forma como o indivíduo lida com
o estresse quanto em como reage frente ao uso, à predisposição ao abuso e
dependência de drogas. A genética e epigenética também contribuem para o
6
aparecimento de transtornos psicológicos, que podem ser estressores e permitir
que o indivíduo possua problemas com as drogas. É importante ressaltar,
também, que o ambiente e o contexto social podem ser grandes estressores,
alterando a reação emocional dos indivíduos e possibilitando mais transtornos
associados ao uso de SPAs. Esse assunto em específico trataremos no tema a
seguir.

TEMA 3 – VULNERABILIDADE SOCIAL

Ao longo deste tema discutiremos a vulnerabilidade social e como o meio


pode influenciar na dependência e transtornos relacionados às SPAs. Como
discutimos anteriormente, a vulnerabilidade emocional provocada por
transtornos emocionais prévios é importante no aparecimento de transtornos
aditivos ou associados ao uso de substâncias. Entretanto, fenômenos
emocionais não estão descolados do meio social em humanos.
Questões ambientais e sociais podem ser fortes estressores para o
indivíduo. Esses estressores levam a alterações emocionais que podem se
tornar vulnerabilidades emocionais. Além disso, sabemos que ambientes
inócuos podem apresentar um fator importante no surgimento de problemas
associados ao uso de substâncias. Como comentado em conteúdos anteriores,
animais roedores mantidos em ambientes inócuos apresentavam problemas
relacionados a crises de abstinência, mesmo que consumindo a mesma
quantidade de etanol que animais em ambientes enriquecidos (Nobre, 2016).
Além disso, como mencionado no tema anterior, o estresse é um fator importante
que impacta na aquisição de dependência e abuso de drogas.
Dentre os estressores sociais podemos citar a pobreza, a criminalidade e
guerras às drogas e, por fim, o ambiente infértil e sem acesso a condições
básicas de vida. Mas como cada item desse impacta diretamente no abuso de
drogas e problemas relacionados ao seu uso? É importante ressaltar que os
problemas relacionados ao uso de substância são extremamente amplos e que
extrapolam os problemas individuais, podendo gerar questões sociais graves
como criminalidade e crises de saúde pública. Nesse sentido abordaremos como
as questões sociais geram vulnerabilidade para o uso e abuso de drogas e como
os problemas gerados pelo seu uso impactam a sociedade, gerando um
mecanismo de retroalimentação.

7
Como comentado em aulas anteriores, a questão do abuso de drogas está
atrelada sempre a uma legalidade suposta pelo contexto político vigente. Esse
controle legal das drogas por vezes pode gerar complicações no que se refere à
disponibilidade de SPAs, qualidade e controle. Nesse quesito, a ausência de
controle de qualidade permite a circulação de substâncias mais perigosas e mais
tóxicas. Além disso, a compra e venda dessas substâncias estão nas mãos de
criminosos, expondo usuários à esta situação. Em um contexto de pobreza o
crime organizado faz uso destes mecanismos para dominar uma região e
disponibilizar a essa população tais substâncias. Nesse contexto, por exemplo,
há o surgimento de drogas como o crack no Brasil ou o krokodil no leste europeu
(droga à base de heroína com outros solventes fortes injetáveis com graves
reações orgânicas que levam à necrose). Estas substâncias são extremamente
baratas e geram outros problemas de vulnerabilidade social mais danosos que
o próprio uso da cocaína ou heroína.
Populações mais pobres estão sempre à disposição deste tipo de
situação. Além disso, situações econômicas desfavoráveis são fatores de
vulnerabilidade para o abuso de drogas. Por exemplo, pessoas em crises
econômicas tendem a consumir mais substâncias entorpecentes no sentido de
fugir, mesmo que momentaneamente, da realidade à qual vivem. Isso pode
também aproximar o usuário de situações de risco e dependência ao uso, como
o abuso de álcool. Como abordado anteriormente, fatores de pobreza estão
atrelados ao nível de mortalidade associado ao uso de substâncias (Peacock et
al., 2018).
É importante dizer também que estas situações vulneráveis acabam por
impactar negativamente os gastos em saúde pública. Sabemos que no mundo e
no Brasil gasta-se muito por ano com o tratamento de usuários com problemas
associados ao uso de substâncias. É preciso que problemas do uso de
substâncias sejam abordados de maneira multifatorial, compreendendo que
alterações sociais são extremamente importantes se quisermos alcançar uma
melhor eficácia no manejo de situações em que haja problemas relacionados ao
uso de substâncias.

TEMA 4 – AMBIENTES NUTRIDORES

Neste tema aprofundaremos mais nesta questão de modificações sociais


no sentido da melhora da qualidade de vida e redução de fatores de
8
vulnerabilidade social e emocional. Abordaremos a questão da promoção de
ambientes nutridores. Este conceito como forma de compreender o fenômeno
psicossocial no abuso de drogas. Ele foi forjado por Anthony Biglan, psicólogo,
a fim de contribuir para uma metodologia integrativa que visa a redução de
fatores de vulnerabilidade.
O contexto ambiental pode ser promotor de diversos problemas
associados ao uso de substâncias e outros transtornos psicológicos. Dessa
forma, é importante modificar o ambiente no sentido de prevenir que os
comportamentos problemáticos ocorram, já que sua prevalência é alta em
ambientes problemáticos. Nesse sentido, Biglan (2015) apresenta um modelo de
estímulo de comportamentos pró-sociais, o que significa dizer: a ampliação de
comportamentos empáticos por meio de modificações ambientais.
A definição do conceito de ambientes nutridores seria o de ambientes
eficazes em nutrir o desenvolvimento humano, promovendo relações mais
afetuosas e menos coercitivas. O entendimento é de que o ambiente coercitivo
promove vulnerabilidades emocionais e sociais e que podem ser promotoras de
problemas relacionados às drogas, embora o conceito não se limite a isso.
O desenvolvimento desses ambientes seria capaz de produzir pessoas
empáticas e produtivas, valorizadas pela sociedade. As intervenções que
buscam os ambientes mais nutridores devem possibilitar alguns aspectos como
promover e reforçar o comportamento pró-social, minimizar condições tóxicas
tanto a nível social como biológico, limitar e monitorar as oportunidades para que
pessoas se engajem em comportamentos-problema, e promover a busca
flexível, consciente e pragmática de valores pró-sociais.
Comportamentos pró-sociais são comportamentos que beneficiam os
indivíduos e aqueles ao seu redor. Isso inclui cooperar com os outros auxiliando
no seu desenvolvimento. Indivíduos pró-sociais se articulam e cooperam com os
demais por meio da gentileza, trabalhando de forma produtiva, melhorando a sua
comunidade e dando suporte a familiares, amigos e colegas.
As pessoas desenvolvem comportamentos pró-sociais quando vivem em
contextos que os reforcem. Quando um ambiente não dispõe de atitudes
nutridoras, geralmente isso está associado ao desenvolvimento de padrões de
comportamentos danosos a si e aos outros, como autolesão e abuso de drogas.
Neste sentido, um ambiente nutridor incluirá ações parentais no
desenvolvimento de seus filhos, estimulando a cooperação; ação das escolas no

9
ensino e educação de alunos à cidadania, respeito e cooperação; e comunidades
prósperas, com redução de pobrezas e disponibilidade de mobilidade social a
partir do reconhecimento individual de seus esforços e comportamentos
cooperativos.
Em relação às mudanças sociais na comunidade, é necessário o controle
de condições tóxicas como a pobreza. A pobreza é um fator de vulnerabilidade
social como comentamos anteriormente. Ela impõe problemas de acesso e
manutenção da saúde, além da questão do acesso à educação e condições
básicas e dignas de vida.
As famílias também podem atuar na manutenção de ambientes
nutridores. Elas criam ambientes férteis para o desenvolvimento de seus filhos,
diminuindo as interações aversivas. As ações de prevenção com famílias podem
diminuir o número de jovens que desenvolvem algum tipo de problema
psicológico que se inicia no período pré-natal à adolescência (Biglan, 2015).
Dessa forma, ao abordarmos o conceito de ambientes nutridores,
chamamos a atenção para a implementação de medidas de prevenção no
surgimento de transtornos, incluindo os relacionados ao uso de substâncias
psicoativas. De acordo com Biglan, as ações necessitam da implementação de
políticas públicas baseadas em evidências, com constante avaliação e
disseminação generalizada. Essas políticas públicas devem promover o bem-
estar humano, redução da pobreza e de desigualdades econômicas e sociais.
Além disso, a mídia deve exercer um papel primordial na disseminação dessas
ações.
Os transtornos relacionados com o uso de drogas possuem um grande
impacto social e econômico como discutimos anteriormente. Sendo assim, o
delineamento de políticas públicas no sentido da promoção de ambientes
nutridores é de extrema importância na prevenção do aparecimento desses
problemas, tratamento dos casos e acompanhamento seguro dos usuários de
substâncias. Os ambientes nutridores teriam por objetivo reduzir a
vulnerabilidade desses usuários em questões como a dependência e outros
transtornos psicológicos que surgem com o seu uso.

10
TEMA 5 – COMPREENSÃO BIOPSICOSSOCIAL DO ABUSO DE DROGAS E
DEPENDÊNCIA

Abordaremos neste tema como fatores biológicos, psicológicos e sociais


interagem na manutenção do abuso e dependência de drogas. Entendemos aqui
que o uso e abuso de substâncias, assim como os seus transtornos
relacionados, fazem parte de um fenômeno multifatorial e, portanto, devem ser
entendidos de forma interdisciplinar e integrativa. Como vimos anteriormente,
fatores emocionais, sociais e genéticos fazem parte do arcabouço explicativo de
situações de vulnerabilidade que predizem transtornos associados ao abuso de
drogas.
Possuir uma compreensão integrativa e interdisciplinar significa dizer que
para entender os transtornos gerados pelas drogas não podemos nos ater a
fenômenos estritamente individuais ou sociais, mas compreendê-los
contextualmente. Fatores de seleção do comportamento de dependência às
drogas dependem da compreensão de que há um mecanismo comportamental
de condicionamento operante, no qual o comportamento é reforçado pela
substância e seu contexto. Além disso, é importante ressaltar que o
comportamento reforçado depende de uma circuitaria neural que foi selecionada
pela evolução em que os estímulos reforçados são processados e promovem
reações motivadoras a um objetivo, busca da droga e do prazer. Essa circuitaria
depende de um conjunto de genes que sintetiza proteínas, que são os receptores
dessas regiões e que serão ativados por substâncias exógenas.
Não menos importante, discutimos também como fatores sociais podem
gerar vulnerabilidade no abuso de drogas, mortalidade e dependência
relacionadas a elas. Para além disso, o meio social pode ser extremamente
reforçador e se associar ao uso de substâncias. Comportamento sexual,
ambientes de interação social como festas e confraternizações, e até mesmo o
circuito familiar e religioso, são componentes importantes na previsão do abuso
de drogas e os problemas relacionados a elas. Por exemplo, em ambientes de
festas eletrônicas é comum observarmos jovens multiusuários mesclando
diversas substâncias perigosas por reforço social. Outro exemplo é o uso de
psicodélicos em ambientes religiosos, que pode gerar problemas de longo prazo.
Ou seja, o ambiente social é promotor, mantenedor e pode gerar
vulnerabilidades pelo uso de drogas.

11
NA PRÁTICA

Para compreendermos a prevalência do uso de SPAs na prática,


abordaremos o uso problemático do crack em jovens pobres no Brasil. Nesse
sentido, podemos verificar que há propensões genéticas selecionadas
evolutivamente para a dependência desta droga, além de fatores pessoais
relacionados ao desenvolvimento e questões sociais.
Referente às propensões genéticas da prevalência do uso de crack
podemos abordar primeiramente a via de absorção (fumado – vias respiratórias),
que permite a rápida absorção e rápido efeito, assim como rápida eliminação do
organismo, gera reforço intenso e fugaz, o que estimula a busca e fissura pela
droga. Além disso, o sistema de recompensa do indivíduo é selecionado para
receber estimulação por vias dopaminérgicas, aumentando o prazer e
necessidade de usar a droga.
No sentido de propensões individuais levamos em conta questões de
aprendizado comportamental e fisiológico ao longo do desenvolvimento. Neste
sentido, o esquema de reforço provocado pelo crack permite uma manutenção
constante do comportamento. Além disso, o uso constante treina o organismo a
responder à exaustão, gerando tolerância, como comentado em aulas
anteriores. Também podemos dizer que a vulnerabilidade emocional em
populações de risco pode aproximar o indivíduo do uso do crack. Por fim, a
tolerância aos efeitos tanto fisiológicos quanto comportamentais induzidos pelo
prazer rápido do crack, permitem a dependência da substância.
Finalmente, em relação à propensão social, abordaremos uma questão
tão complexa quanto mecanismos genéticos, fisiológicos e comportamentais da
dependência do crack. A prevalência do crack possui raízes sociais importantes.
Por ser uma droga barata, a busca por ela evidencia um problema social grave
de pobreza e descaso com a saúde mental. As “cracolândias”, regiões de
acúmulo de usuários, permitem verificar que grande parte dos usuários
dependentes do crack sofrem de problemas de vulnerabilidade econômica e
social. Isso ajuda a formar essas pequenas comunidades de usuários onde o
foco é o uso pelo uso, criando uma espiral de uso, venda e consumo. A venda
da droga se torna um meio para a manutenção do próprio uso. Nesse sentido, a
guerra às drogas toma um protagonismo perigoso, em que um problema de

12
cunho social-econômico e de saúde se torna uma questão de segurança e
polícia.

FINALIZANDO

Nesta aula abordamos os principais dados epidemiológicos dos


transtornos decorrentes do uso de substâncias no Brasil e no mundo. Vimos que
a substância que mais causa problema em seu uso descontrolado, tanto
referente a problemas crônicos quanto agudos são o álcool, seguido do tabaco,
apesar de seu número estar reduzindo no mundo. Vimos que o problema com
álcool inclui tanto problemas comportamentais como o aumento da violência e
agressividade, quanto acidentes de trânsito e dependência. Vimos que os
principais efeitos do abuso de drogas na saúde estão atrelados ao surgimento
de transtornos emocionais, psicoses, acidentes de trânsito e suicídio.
Abordamos dados de vulnerabilidade social e emocional. Vimos que
fatores emocionais como comorbidades e transtornos emocionais prévios são
fatores de vulnerabilidade para o surgimento de transtornos relacionados ao uso
de substâncias psicoativas, como dependência, overdoses e suicídios por
overdose, além de outros transtornos ou agravamento de transtornos
psicológicos. Em relação aos fatores de vulnerabilidade social, abordamos a
questão de forma multifatorial e retroalimentada em que fatores sociais
promovem o surgimento de vulnerabilidades econômicas e sociais para o abuso
de drogas, assim como a promoção de vulnerabilidades emocionais. Além disso,
o aumento dos transtornos relacionados ao uso de SPAs contribuem para o
agravamento de fatores sociais que geram vulnerabilidade, como o impacto na
saúde pública e a relação com a criminalidade. Vimos que, questões políticas
relacionadas à guerra às drogas também estão envolvidas no surgimento de
vulnerabilidades sociais no uso e abuso de drogas. Discutimos a proposta feita
por Anthony Biglan sobre ambientes nutridores como promotores de qualidade
de vida.
Por fim, discutimos sobre uma perspectiva psicossocial do fenômeno dos
transtornos decorrentes de SPAs. Vimos que o abuso de drogas está atrelado a
fatores biológicos, comportamentais e sociais e que também pode gerar
problemas sociais graves. Neste sentido, devemos observar os efeitos sobre a
sociedade e como podemos desenvolver novos tratamentos no combate aos
transtornos associados ao uso de SPAs, e como diminuir fatores de
13
vulnerabilidade sociais e emocionais pela redução de estressores sociais,
promovendo um ambiente enriquecido e nutrido. Isso significa dizer: lutar por
mudanças estruturais que modifiquem questões da pobreza e criminalidade, que
impactam no consumo desordenado e problemático das drogas.

14
REFERÊNCIAS

BALTAR, J. G. da C.; IGLESIAS, A.; BORLOTI, E. B. Comorbidade entre uso de


álcool e outras drogas, transtornos psiquiátricos e comportamento suicida: uma
revisão. Revista Psicologia e Saúde, v. 12, n. 2, abr./jun. 2020.

BASTOS, F. I. P. M. et al. (Org.). III Levantamento nacional sobre o uso de


drogas pela população brasileira. Rio de Janeiro: Fiocruz/ICICT, 2017. 528 p.

BASTOS F. I.; BERTONI N. Pesquisa nacional sobre uso de crack: quem são
os usuários de crack e/ou similares no Brasil? Quantos são nas capitais
brasileiras? Rio de Janeiro: Fiocruz/ICICT, 2014. 224 p.

BIGLAN, A. The nurture effect: how the science of human behavior can improve
our lives and our world. Oakland, Califórnia: New Harbinger Publications, 2015.

CARNEIRO, H. Drogas: a história do proibicionismo. São Paulo: Autonomia


Literária, 2018.

GRIGG, D. The worlds of tea and coffee: patterns of consumption. GeoJournal,


v. 57, n. 4, p. 283-294, 2002.

HICKMAN, M. et al. Competing global statistics on prevalence of injecting drug


use–why does it matter and what can be done? Addiction (Abingdon, England),
v. 113, n. 10, p. 1768, 2018.

MORTENSEN, J. T. et al. Socioeconomic correlates of drug use based on


prescription data. Dan Med Bull, v. 54, p. 62-6, 2007.

NOBRE, M. J. Environmental enrichment may protect against neural and


behavioural damage caused by withdrawal from chronic alcohol intake.
International Journal of Developmental Neuroscience, v. 55, p. 15-27, 2016.

OLEKALNS, N.; BARDSLEY, P. Rational addiction to caffeine: an analysis of


coffee consumption. Journal of Political Economy, v. 104, n. 5, p. 1100-1104,
1996.

PEACOCK, A. et al. Global statistics on alcohol, tobacco and illicit drug use: 2017
status report. Addiction, v. 113, n. 10, p. 1905-1926, 2018.

REHM, J.; TAYLOR, B.; ROOM, R. Global burden of disease from alcohol, illicit
drugs and tobacco. Drug and alcohol review, v. 25, n. 6, p. 503-513, 2006.

15
RODRIGUES, L. B. F. Controle penal sobre as drogas ilícitas: o impacto do
proibicionismo no sistema penal e na sociedade. Programa de Pós-Graduação
em Direito, Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006.

RUISOTO, P.; CONTADOR, I. The role of stress in drug addiction. An integrative


review. Physiology & Behavior, v. 202, p. 62-68, 2019.

SANTOS, J. A. T.; DE OLIVEIRA, M. L. F. Políticas públicas sobre álcool e outras


drogas: breve resgate histórico. Saúde & Transformação Social/Health &
Social Change, v. 4, n. 1, p. 82-89, 2013.

SOARES, M. K. et al. Proibicionismo e poder regulatório: uma pesquisa


documental sobre o processo administrativo de classificação das drogas.
Cadernos Ibero-americanos de Direito Sanitário, v. 5, n. 3, p. 135-156, 2016.

16
Aula 4

Substâncias Psicoativas Conversa Inicial

Prof. Rafael Alves Cazuza

1 2

Epidemiologia e compreensão psicossocial


dos transtornos decorrentes do uso de
substâncias psicoativas (SPAs)
Abordaremos o tema de forma a
compreender os determinantes emocionais
Nesta aula traremos um panorama geral e sociais dos transtornos decorrentes do uso
dos dados epidemiológicos de prevalência e de SPAs
incidência do abuso de drogas no Brasil e no
mundo

3 4

Epidemiologia e dados demográficos


Vulnerabilidade emocional
Epidemiologia e dados
Vulnerabilidade social demográficos
Ambientes nutridores
Compreensão psicossocial do abuso de
drogas e dependência

5 6
Dados gerais no Brasil e no mundo
Veremos neste tema os principais dados Dados epidemiológicos de dependência
sobre transtornos decorrentes do uso de Dados de morte por superdose (overdose)
substâncias psicoativas
Principais drogas que causam morte por
superdose

7 8

Dados de efeitos físicos do uso agudo e


crônico de SPAs Vulnerabilidade emocional
Dados de efeitos psicológicos do uso agudo
e crônico de SPAs

9 10

Indivíduos podem ser mais ou menos Abordaremos os fatores de vulnerabilidade


propensos a desenvolver transtornos emocional que levam a desordens
relacionados à SPAs psicológicas ou dependência às drogas

11 12
Genética Vulnerabilidade social
Transtornos prévios

13 14

Meio social estressor


Discutiremos neste tema a vulnerabilidade Pobreza e uso de SPAs
social e como o meio pode influencias na
dependência e transtornos relacionados a Criminalidade e drogas
SPAs Ambiente infértil e geração
de problemas emocionais

15 16

Em contraponto ao tema anterior,


Ambientes nutridores abordaremos a questão de ambientes
nutridores como forma de compreender o
fenômeno psicossocial no abuso de drogas

17 18
Ambiente enriquecido ou nutridor
Compreensão psicossocial do
Adesão à droga, abstinência e dependência
abuso de drogas e dependência
Abuso de álcool em animais
Anthony Biglan e ambientes nutridores

19 20

Compreensão integrativa e interdisciplinar


Abordaremos neste tema como fatores Níveis de seleção por consequências
biológicos, psicológicos e sociais interagem
Filogenia
na manutenção do abuso e da dependência
de drogas Ontogenia
Seleção social

21 22

Genética e evolução na relação com o


ambiente
Na Prática
Prazer e reforçamento social
Meio social como promotor do abuso e
problemas sociais relacionados às drogas

23 24
Exemplo prático dos níveis de análise no
abuso de drogas
Propensão genética
Via de absorção (respiratório)  efeito
rápido, intenso e curto
Prevalência do uso de crack em jovens
Capacidade de receber agonistas
pobres
dopaminérgicos (capacidade de gerar
recompensa)

25 26

Propensão individual Propensão social


Reforço positivo Pobreza
Tolerância Criminalidade
Dependência Alta toxicidade e drogas baratas

27 28

Epidemiologia e compreensão psicossocial


dos transtornos decorrentes do uso de SPAs

Finalizando Nessa aula abordamos os principais dados


epidemiológicos dos transtornos decorrentes
do uso de substâncias no Brasil e no mundo
Vimos os principais efeitos do abuso de
drogas na saúde

29 30
Abordamos dados de vulnerabilidade social
e emocional
Discutimos sobre uma perspectiva
psicossocial do fenômeno dos
transtornos decorrentes de SPAs

31
SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS
AULA 5

Prof. Rafael Alves Cazuza


CONVERSA INICIAL

Nesta aula, focaremos nas principais intervenções existentes nos dias de


hoje para detecção e intervenção de transtornos relacionados ao abuso de
drogas. Abordaremos questões referentes às internações voluntárias,
involuntárias e compulsórias, além de temas atuais sobre redução de danos
(RD). O foco será na discussão ética e sobre eficácia terapêutica no tratamento
de problemas decorrentes do uso de substâncias psicoativas. A ética permeará
esta aula e será a linha base na condução da compreensão e tratamento de
transtornos associados ao uso de substâncias psicoativas (SPAs).
Todas as abordagens de tratamento levam em consideração princípios
éticos e que norteiam a conduta médica e do psicólogo. Sendo assim, o objetivo
será discutir temas importantes na detecção e tratamento de usuários com
problemas no uso de SPAs, apontando questões éticas que possibilitem a
garantia dos direitos individuais do usuário e ampliem a eficácia dos tratamentos
nesses casos. Abordaremos também questões de conflitos éticos como as
internações involuntárias e compulsórias, no que se refere à garantia das
liberdades individuais.

TEMA 1 – DIAGNÓSTICOS

Neste primeiro tema, abordaremos os principais diagnósticos referentes


aos transtornos decorrentes do uso de drogas e seus transtornos relacionados
como ansiedade, depressão e psicoses. Os transtornos, segundo o Manual de
Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais (DSM-V, APA, 2014), podem
ser separados pela sua gravidade – leve, moderada e forte – e estão associados
ao uso das substâncias, à abstinência e à toxicidade provocada pelo excesso.
Nesse sistema estão inclusos os transtornos ocasionados pelo álcool, tabaco,
cafeína, cannabis, alucinógenos em geral, psicoestimulantes e opioides.
Os transtornos decorrentes do uso de SPAs se caracterizam por um
conjunto de sinais e sintomas cognitivos, comportamentais e fisiológicos
indicando o uso contínuo ou exacerbado pelo indivíduo. Determinadas
substâncias promovem sintomas mais ou menos fortes e, em alguns casos, os
sintomas não se apresentam em sua totalidade, como no caso de alguns
alucinógenos inalatórios.

2
Uma característica importante dos transtornos por uso de SPAs é a
alteração nos circuitos cerebrais, que persistem após a retirada da droga. Esses
efeitos de neuroplasticidade podem provocar transtornos e outros sintomas de
longo prazo como impacto cognitivo e comportamental. Um dos principais
sintomas presentes nessa remodulação cerebral é a recaída, a fissura pela droga
e sintomas de abstinência, como as convulsões e a irritabilidade. Além disso,
estímulos pareados ao uso dessas substâncias também podem provocar esses
efeitos deletérios.
O diagnóstico de um transtorno por uso de SPA identifica um padrão
patológico de comportamentos relacionados ao seu uso, estabelecido por uma
relação causal e temporal. Segundo o DSM, alguns critérios são utilizados para
o diagnóstico do uso de substâncias, como deterioração social, perda do controle
sobre o próprio uso, uso arriscado e critérios farmacológicos (associados à
especificidade da substância). Além disso, o consumo da substância em grandes
quantidades ao longo do tempo e o aumento do consumo acima do pretendido
estão relacionados ao diagnóstico. Outro critério é a tentativa repetida e
malsucedida de reduzir ou regular o uso. Ainda, outro critério é o gasto excessivo
de tempo, esforço e dinheiro para usar uma substância e ter seu efeito. Por fim,
o controle da droga sobre a vida da pessoa, em que toda sua atividade gira em
torno de adquirir a substância de escolha.
O ambiente pode estar associado ao uso de substância, então, a
frequência nesses lugares é caracterizada também como problema relacionado
ao uso. Já o condicionamento da fissura pela droga se enquadra como problema
relacionado. E o efeito tem por base a alteração da plasticidade em circuitos
cerebrais de recompensa.
O uso recorrente de substâncias resulta em uma dificuldade em cumprir
atividades básicas diárias, como trabalho e estudos. Além disso, esses efeitos
são preditores de recaídas no uso. Nesse sentido, o indivíduo continua utilizando
a substância mesmo com danos interpessoais e sociais causados pela
substância, como a violência, afastamento e criminalidade.
Em relação ao uso problemático, o indivíduo apresenta um outro fator de
problemas associados ao uso de substâncias. Isso significa dizer que o indivíduo
usa a droga mesmo quando presente riscos à saúde e integridade física, usar a
substância mesmo sabendo dos problemas, além do problema em deixar de usar
a droga.

3
Um fator importante para o diagnóstico é a tolerância à droga, ou seja, o
aumento da dose ao longo do tempo com finalidade de obter o mesmo efeito.
Para essa avaliação, os níveis da substância no sangue podem ser usados como
exame da função da droga na produção de crises de tolerância. Além disso, a
abstinência é um fator preponderante no diagnóstico de transtorno relacionado
ao uso de drogas, ou seja, estão presentes sintomas da abstinência, como
ansiedade, agitação psicomotora e convulsões. Entretanto, algumas substâncias
apresentam pouca ou nenhuma crise de abstinência (West; Gossop, 1994).
É importante ressaltar que o diagnóstico é importante na detecção de um
transtorno, entretanto, é nas intervenções que acontecerão as remodulações
necessárias ao tratamento e melhora da qualidade de vida do usuário de drogas.

TEMA 2 – INTERVENÇÕES

Neste tema, abordaremos as principais intervenções no cuidado e


prevenção dos transtornos decorrentes do uso de substâncias psicoativas. É
importante verificar que algumas medidas são tomadas com o usuário de drogas.
As intervenções variam desde o acompanhamento ambulatorial, internações
voluntárias ou involuntárias, ou até mesmo compulsória, tratamentos
farmacológicos e a busca pela abstinência. Discutiremos o tema específico da
abstinência e das internações nos temas seguintes.
As intervenções de saúde mental no uso de álcool e outras drogas são
preconizadas por órgãos de saúde como a Organização Mundial de Saúde
(OMS) e, no Brasil, pelo Sistema Único de Saúde (SUS) (Souza et al., 2012).
Essas ações são balizadas por princípios dos direitos humanos, integralidade,
equidade e universalidade do SUS. Dentro desse sistema, as ações utilizam
métodos baseados em intervenções farmacológicas, psicoterápicas e
hospitalares. Nas intervenções hospitalares, é importante notar que a internação
ainda se encontra como foco do tratamento de transtornos de dependência de
drogas.
As ações no cuidado ao usuário de drogas no Brasil são classificadas
como diretas ou indiretas. Dentre as ações diretas estão atendimento médico,
enfermagem, medicação, cuidado intensivo, cuidado ambulatorial, reunião com
usuários, participação de equipe no controle de crises e psicoterapias. No caso
das ações indiretas, são bons exemplos as ações de saúde mental, estratégias
de promoção de saúde e manejo ambiental (Souza et al., 2012).
4
É importante notar que as estratégias indiretas fazem parte de um
conjunto de ações sobre a caracterização de protocolos de saúde mental,
psicoeducação e desenvolvimento de ações públicas que extrapolam a saúde.
Nesse sentido, a modificação de estruturas sociais, o cuidado na atenção
primária sendo ampliado e a educação relacionada ao uso de drogas se tornam
importantes ferramentas no controle do uso de drogas na comunidade. Se essas
ações não alcançarem o objetivo em casos específicos, são preconizadas ações
de redução de danos e, em último caso, internações e intervenções
farmacológicas.

TEMA 3 – ABSTINÊNCIA

Neste tema, discutiremos a questão da abstinência como foco das ações


de cuidado com o usuário de SPAs. A síndrome de abstinência continua
ocupando um lugar importante no estudo dos vícios. É interessante por si só e
em relação ao desenvolvimento e manutenção do uso compulsivo de drogas.
Apesar da atenção dedicada aos fenômenos de abstinência por muitos anos, a
demarcação precisa dos sintomas de abstinência associados às drogas da
dependência tem se mostrado difícil de ser alcançada.
A abstinência de todas as drogas de dependência parece levar a
distúrbios do humor, embora não esteja claro até que ponto estes são devidos
às ações farmacológicas de drogas semelhantes ou a outros processos
fisiológicos ou psicológicos. Os distúrbios do sono também são comuns, embora
as ligações diretas com as ações farmacológicas do medicamento retirado ainda
não tenham sido estabelecidas.
A abstinência de álcool, benzodiazepínicos e opiáceos costuma estar
associada a sintomas somáticos. Nos dois primeiros casos, isso pode envolver
sudorese, tremor e, ocasionalmente, convulsões. Também foram relatados
distúrbios perceptivos. No caso dos opiáceos, sintomas semelhantes aos da
gripe são frequentemente relatados, incluindo dores musculares e distúrbios
gástricos. No caso da nicotina, o aumento da irritabilidade foi estabelecido como
um efeito direto de retirada farmacológica.
A caracterização da abstinência de estimulantes ainda é incerta. Há pouca
evidência de sintomas somáticos, mas a depressão pode ocorrer como resultado
de um rebote fisiológico. Também há incerteza sobre o papel que os sintomas
de abstinência farmacológica desempenham na manutenção do uso compulsivo.
5
Avanços adicionais em nossa compreensão da natureza e importância dos
sintomas de abstinência dependerão do uso de definições operacionais precisas
de características de abstinência (West; Gossop, 1994).
A questão da abstinência deve ser bem contextualizada. Nem sempre a
busca da abstinência é um desejo do usuário. Por vezes, a necessidade do
usuário é ressignificar o seu uso, buscando formas de manter uma relação mais
ou menos saudável com a substância. Nesse sentido, deve-se respeitar o desejo
do usuário. Além disso, ações que buscam a abstinência como método deve ter
consciência de que a abstinência provoca reações que podem gerar
comportamentos de recaída e fissura pela droga. Além disso, uma questão
epistemológica é associada à abstinência como método. Isso significa dizer que
a “cura” é a própria abstinência, então, como exigir a cura a partir do usuário?
Exigir do paciente a própria cura se apresenta como um problema
epistemológico do próprio método de tratamento. Nesse contexto, buscamos
sempre o controle do uso de substâncias por redução de danos, por meio de
drogas substitutivas, redução gradativa e formação de vínculos sociais com o
usuário. Caso seja o desejo do usuário abster-se, os trabalhos devem ser
direcionados no sentido de desintoxicar por vias alternativas e gradativas até que
o objetivo do usuário se concretize.

TEMA 4 – INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA

A internação compulsória se apresenta como conflito ético no tratamento


de usuários de drogas. Neste tema, abordaremos essa questão polêmica e
discutiremos os casos específicos nos quais se preconiza a internação quando
o indivíduo não se encontra na posição de decidir sobre a própria saúde.
Para discutir a internação precisamos abordar a questão da tutela e
emancipação do sujeito. O Estado já foi capaz de executar ações catastróficas
no que se refere a direitos humanos no tratamento de transtornos mentais.
Sendo assim, ações que valorizam a autonomia do usuário devem ser sempre
primárias e preconizadas, garantindo os direitos fundamentais do indivíduo.
A tutela hospitalar é um problema histórico, no qual pacientes
considerados inaptos para o exercício de suas atividades sociais ou perigosos
para si e para os outros deveriam ser afastados da sociedade e obrigados a se
asilarem. Nesse contexto, a instituição ou o Estado teriam a tutela do indivíduo.
Hoje em dia se preconiza a emancipação do sujeito, garantindo sua liberdade.
6
Apesar da emancipação estar atrelada à humanização do cuidado à pessoa com
transtornos mentais, ainda hoje algumas ações se movimentam no sentido
oposto, como é o caso das internações involuntárias e as internações
compulsórias.
No Brasil, a internação é preconizada em condições bem específicas.
Segundo o art. 4º da Lei n. 10.216, de outubro de 2001, a internação só será
indicada quando os recursos extra-hospitalares forem insuficientes, ou seja, o
mais importante é a necessidade de manutenção de estratégias de tratamento
no território. Caso essas estratégias tenham se esgotado, que seja considerada
a necessidade de internação hospitalar. No caso de internação, o tratamento
deverá ter como finalidade a reinserção social do paciente em seu meio e a
manutenção dos laços e vínculos familiares e sociais. Além disso, a internação
deve ser estruturada para oferecer assistência integral, incluindo serviços
médicos, de assistência social, psicológicos, ocupacionais, de lazer, entre
outros. Por fim, a lei prevê que será vedada a internação de pessoas com
transtornos mentais em instituições com características asilares (Brasil, 2001).
A internação compulsória é uma das modalidades da internação em
situações de risco no uso de SPAs. Internações compulsórias são internações
decididas por quem possui a tutela do usuário quando o mesmo se encontra em
situação de alto risco e está incapacitado de responder por si de maneira
consciente. Um exemplo da internação compulsória fora do contexto do uso de
drogas é quando alguém sofre um acidente e se encontra inconsciente. Nesse
caso, um familiar ou até mesmo um agente de saúde pode encaminhar o
indivíduo à internação para tratamento até que o mesmo tenha condições de
despertar e pedir alta médica. No caso do uso de substâncias psicoativas,
algumas drogas podem induzir efeitos de inibição da consciência. Isso significa
dizer que um conjunto de sinais e sintomas demonstram que o usuário se
encontra em situação de risco de si ou de outros e não consegue ter consciência
de seus atos.
A avaliação da internação compulsória para algum usuário de SPAs é
muito mais difícil que quando alguém se encontra inconsciente. Entretanto,
quando, por exemplo, há ameaça de vida de alguém ou é identificado que um
usuário está sob alto efeito de embriaguez, com fala extremamente confusa, sem
conseguir manter a relação com a realidade e ainda está em situação de alto
risco de vida, é prescrita a internação.

7
A internação voluntária é mais fácil de se prescrever. Ela se refere à
decisão única e exclusivamente do usuário e deve ter como objetivo fornecer um
ambiente médico multidisciplinar que dê suporte às necessidades do usuário
para que identifique os problemas que o levam ao transtorno associado às SPAs
e exercitar a manutenção da autonomia do usuário.
É importante separar internação compulsória de internação involuntária.
No primeiro caso, há uma tutela temporária e bem demarcada de um familiar ou
agente de saúde, se um usuário de SPAs não estiver em condições de
responder. Embora esse conceito, por vezes, seja esticado e confundido com
internação involuntária, esta pressupõe uma incapacidade atemporal do usuário
de drogas e não se detém a se apossar da tutela de maneira arbitrária. A
internação involuntária está relacionada à internação do usuário sem sua
vontade mesmo em condições em que esteja capaz de decidir (Azevedo; Souza,
2017). Isso é bem ilustrado no Brasil no caso dos usuários de crack, sobre os
quais discutiremos na sessão “Na Prática”.

TEMA 5 – UMA ALTERNATIVA: REDUÇÃO DE DANOS

A redução de danos é uma proposta ética que se opõe à lógica de


internação como promotora de saúde e resolução do problema com as drogas.
O uso de drogas é inevitável. O ser humano possui consciência e é comum que
ele queira experimentar alterações na consciência. O uso de substâncias
psicoativas é uma constante ao longo da história, incluso na pré-história e em
outros animais (Escohotado, 2002). Nesse sentido, a perspectiva da redução de
danos entende que o uso de substâncias é quase inevitável e que o problema
real está nas pessoas que apresentam transtornos relacionados a essas SPAs.
A RD possui como pressuposto a autonomia do usuário de substâncias,
valorizando sua posição como ser humano e conhecedor das próprias questões,
autônomo e protagonista da própria história. É importante ressaltar que a
redução de danos não se opõe à internação, mas a vê como última opção no
cuidado com o usuário (Passos; Souza, 2011).
A RD surge baseada no dilema ético entre o tratamento e o cuidado dos
usuários de drogas, quando devemos garantir as liberdades e direitos individuais
e, simultaneamente, cuidar de casos em que o uso problemático de substâncias
tira a autonomia e liberdade de escolha do indivíduo (Fonseca, 2012). Isso
significa dizer que o uso de drogas só é um problema quando o usuário
8
compreende que tem um problema, e caso não compreenda, a família e a
comunidade têm o dever de dar suporte no sentido da busca de tratamento, com
finalidade de que o indivíduo compreenda suas limitações e necessidades de
cuidado.
Nesse modelo, o vínculo afetivo é de extrema importância na RD. O
vínculo parte tanto do terapeuta, médico ou outro profissional de saúde como
vínculo familiar. O vínculo também pode ser estabelecido entre o profissional de
saúde e a família. Nesse sentido, a relação com a família contribui para a adesão
ao tratamento do usuário, assim como favorece a compreensão do contexto
geral da vida do usuário. Essa relação fornece informações importantes no
entendimento dos fatores de risco e vulnerabilidade presentes no ambiente que
pode contribuir para a dependência do indivíduo ou outros transtornos que
podem gerar vulnerabilidade. A compreensão do contexto social do usuário é de
extrema importância na compreensão do fenômeno como multifatorial.
Além disso, as relações de vínculo do profissional de saúde com a família
e com o usuário devem sempre estar direcionadas no sentido da busca pela
autonomia do usuário. Além disso, a autonomia deve ser alcançada a partir da
compreensão do usuário sobre as substâncias que usa e sobre as ferramentas
que pode utilizar para evitar danos ocasionados por elas. Isso inclui
dependência, transtornos psicológicos e transtornos físicos ocasionados por
substâncias tóxicas ou utilizadas em quantidades exageradas.
A RD funciona como suporte em diversos ambientes, incluindo clínicos e
não clínicos. Nos ambientes clínicos, a RD busca ferramentas como a Gestão
Autônoma de Medicamentos (GAM), substituição de substâncias psicoativas,
busca por alternativas de tratamento que se adequem à realidade do usuário e
a psicoeducação, que inclui mecanismos de compreensão dos métodos que o
indivíduo usa para consumir a droga. No ambiente não clínico já existem ações
da RD, como, por exemplo, nas regiões de consumo de crack e em ambientes
de festas. Em ambientes de festa, a RD busca ações de testagem de substâncias
para que o indivíduo que escolha pelo uso da substância saiba exatamente o
que e quanto estará consumindo de uma substância. Além disso, ações em
festas como disponibilidade de enfermagem, ambientes que acolham o usuário
com crises tóxicas do uso e locais que possam educar o indivíduo pelo uso
consciente de SPAs. Já nas “cracolândias”, a RD se preocupa com problemas
associados ao uso das drogas de maneira geral, sendo pela droga em si como

9
pelo método. Nesse exemplo, a RD educará o usuário a não se colocar em risco
no que se refere ao uso de materiais descartáveis no uso de substâncias,
qualidade e quantidade da substância. Além disso, buscará a formação de
vínculo com os usuários, fornecendo possibilidades de internação ou restituição
de laços familiares caso o usuário entenda que isso é uma necessidade.
É importante dizer que a função da RD se baseia sempre na necessidade
do usuário. Isso inclui a vontade do indivíduo em primazia, mas também da
família. Além disso, é importante sempre separar a RD de apologia às drogas. A
RD busca uma posição ética como política pública de cuidado com os usuários
de drogas. Isso significa retirar a carga de preconceito do profissional de saúde
e buscar o cuidado, ou seja, a busca pelo cuidado do usuário partirá das
necessidades individuais e sociais do mesmo. Nesse sentido, é entendido pela
RD que o cuidado com o método do uso de substâncias, que podem gerar outros
problemas, como doenças transmissíveis pelo sangue em drogas injetáveis, é
um fator importante a ser considerado. Além disso, nem todo usuário entende
que a abstinência é desejável para si, ou que a internação deverá ser o caminho.
O respeito à vontade do usuário deve ser preservado. Caso ele entenda que
deve ocorrer internação para que se organize e mude sua relação com a droga,
assim deve ser. Desse modo, a lógica da RD não se opõe à lógica das
internações, mas a compreende de forma contextualizada e de forma que
respeite à liberdade do usuário. De preferência, a internação deve ser utilizada
em último caso e deve ser a mais reduzida possível. Deve-se buscar manter os
vínculos familiares entre o usuário e sua família e sempre promover a autonomia
e o protagonismo do usuário.
Entender a redução de danos como política pública no combate aos
problemas induzidos pelo uso de drogas é entender a psicologia como promotora
de autonomia, entendendo o usuário como sujeito conhecedor de si e do mundo
em que vive (Passos et al., 2011). A política pública de saúde que utilize a RD
busca uma alternativa à “guerra às drogas” que é o modelo vigente em grande
parte dos países. O controle das drogas por vias legais e policiais acabam por
afetar o usuário no sentido que o põe em condições de risco pelo contato com a
criminalidade. Além disso, é um modelo que acaba por gerar a produção de
drogas mais tóxicas, viciantes e menos seguras como o crack e o krokodil (droga
à base de heroína e solventes utilizada mais no Leste Europeu). No modelo de
guerra às drogas, a abstinência é sempre buscada independentemente da

10
vontade do usuário, buscando acabar com o uso de SPAs pela eliminação total
da sua existência por vias policiais. A RD busca fugir dessa relação, buscando a
saúde do usuário acima da droga em si.

NA PRÁTICA

Como exemplo prático de medidas de diagnóstico, cuidado e manejo do


usuário que apresenta problema com as drogas, usaremos o caso das
“cracolândias”.
O crack é um problema social no Brasil. Regiões em grandes centros
urbanos podem apresentar determinados locais onde se aglomeram usuários de
crack, que possuem histórias distintas e motivos distintos para se encontrarem
naquela situação. Entretanto, o que vemos geralmente ocorrer nessas regiões é
que o caso que deveria ser de saúde, envolvendo políticas públicas, se torna um
caso de polícia e internação compulsória.
Esse contexto apresenta problemas graves, está atrelado a questão
sociais profundas relacionadas à pobreza, à miséria e ao descaso com a saúde
pública. O crack é uma droga que possui o mesmo princípio ativo da cocaína,
mas com alto grau de impureza; é fumada e muito barata. Isso atrai usuários que
não possuem renda para ter acesso a outras drogas menos danosas,
acumulando pessoas pobres em torno de uma substância que possui um efeito
extremamente forte e rápido, gerando alto grau de tolerância da droga. A
tolerância é a chave para a compreensão dos transtornos aditivos. O usuário
necessita cada vez de mais droga para atingir o mesmo efeito inicial.
Sendo assim, medidas de redução de danos em ambientes de usuários
de crack têm sido propostas. Em contrapartida, há um grande apelo popular para
o desmanche das cracolândias no sentido de reduzir criminalidade nos grandes
centros urbanos, fortalecendo narrativas em favor da internação compulsória
desses usuários e prisão dos que traficam a droga. A redução de danos nesse
contexto trabalha o vínculo com usuário, estudando formas de ampliar ações de
saúde pública na saúde mental e acolhimento de usuários que desejam se
recuperar do uso problemático.

11
FINALIZANDO

Durante esta aula abordamos os principais modelos de diagnóstico na


dependência às drogas. Vimos que o diagnóstico de transtornos relacionados ao
uso de substâncias psicoativas se diferencia do transtorno aditivo. O transtorno
aditivo se refere à questão da dependência e dificuldades em deixar de usar a
substância de forma que isso afete a vida do usuário ou de outros. Já os
transtornos relacionados podem ser separados conforme as categorias de
drogas. Vimos que transtornos podem aparecer associados ao uso de álcool,
tabaco, psicotomiméticos (alucinógenos), cannabis, ansiolíticos, analgésicos,
dentre outros. Cada uma dessas substâncias possuirá efeitos psicológicos
agudos ou de longo prazo que podem provocar o surgimento de transtornos do
tipo depressivo, ansioso ou até psicoses. Além disso, abordamos os transtornos
sociais decorrentes do uso de substâncias psicoativas na sociedade. Discutimos
questões de criminalidade e impacto na saúde pública.
Em relação ao papel do psicólogo nas intervenções em pacientes com
transtornos relacionados às SPAs, discutimos a questão do acompanhamento
terapêutico, prevenção e promoção de saúde a nível básico e especializado. Nos
atentamos para a questão da produção de ambientes nutridores no
estabelecimento de sociedades saudáveis como promotor de bem-estar e
evitação do aparecimento de casos de uso problemático de drogas. Além disso,
discutimos sobre a posição do psicólogo na compreensão do uso de drogas e
dependência como uma questão biopsicossocial, estando submetida a uma
análise interdisciplinar.
No contexto de tratamento, discutimos a diferença entre cura e tratamento
na questão da abstinência às drogas. Discutimos a questão filosófica da
abstinência como cura. Vimos que nem sempre abster-se significa curar-se.
Compreendemos também que o ambiente no qual o usuário está inserido
permite mais ou menos o uso nocivo de SPAs. Ambientes de tratamento onde
não há drogas disponíveis podem indicar uma falsa cura, já que, ao voltar ao
ambiente em que há disponibilidade, a fissura da busca e o uso problemático
podem voltar a aparecer. Neste sentido, vimos que grande parte dos usuários de
alguma SPA não possui problemas com a substância. Sendo assim, devemos
buscar formas de tornar o indivíduo autônomo na decisão e controle do próprio

12
uso. Entretanto, vimos a possibilidade de algumas substâncias não permitirem
este controle de forma tão forte.
Abordamos também a questão da internação compulsória, autonomia e
luta antimanicomial. Vimos que em casos em que o indivíduo se encontra em
risco, há indicação da internação. A internação voluntária parte do indivíduo em
querer se abster; a involuntária se refere à internação sem o consentimento do
usuário, mas que se encontre em estado de decisão; e a compulsória se refere
a momentos em que o usuário se encontra sem a capacidade de decidir e sem
autonomia, devendo ser indicada a internação por um familiar ou agente de
saúde. Entretanto, as internações possuem papel extremo, como última cartada
no manejo do usuário em uso problemático, mas levando em conta sua
capacidade decisória, autonomia e direitos preservados. Vimos também que há
controvérsias em relação à efetividade da internação no tratamento do uso
problemático, estando mais associada a um momento íntimo do usuário para se
reorganizar quanto a sua própria vida e em sua relação com a droga. Nesse
sentido, alguns fármacos utilizados podem ajudar a reduzir efeitos adversos da
retirada da droga na abstinência e a fissura pela droga.
Por fim, falamos da redução de danos como alternativa para o manejo do
abuso de drogas. Vimos que a redução de danos é uma abordagem ética que
visa a promoção de saúde e autonomia do usuário, compreendendo-o como
sujeito com direitos sociais e que tem consciência da sua condição. Nesse
sentido, a redução de danos oferece alternativas para o usuário se abster caso
queira, se internar caso queira, ou controlar o uso problemático caso não queira
deixar de usar a drogas. O redutor de danos oferece ferramentas na promoção
da autonomia através da formação de vínculo, cuidado e confiança dos usuários.
Vimos a importância do exemplo da redução de danos em ambiente de festas,
evitando casos de overdose ou transtornos agudos decorrentes do uso
excessivo ou mesclado de substâncias psicoativas. A redução de danos se
apresenta atualmente como uma opção viável e ética na condução de casos de
transtornos decorrentes do uso de SPAs.

13
REFERÊNCIAS

APA – American Psychiatric Association. DSM-5: Manual diagnóstico e


estatístico de transtornos mentais. Artmed, 2014.

AZEVEDO, A. O.; SOUZA, T. P. Internação compulsória de pessoas em uso de


drogas e a Contrarreforma Psiquiátrica Brasileira. Physis: Revista de Saúde
Coletiva, v. 27, p. 491-510, 2017.

BRASIL. Lei 10.216 de 6 de abril de 2001. Brasília: Casa Civil, 2001.

ESCOHOTADO, A. Historia general de las drogas. Espasa, 2002.

FONSECA, C. J. B. da. Conhecendo a redução de danos enquanto uma proposta


ética. Revista Psicologia & Saberes, v. 1, n. 1, 2012.

PASSOS, E. H, et al. Redução de danos e saúde pública: construções


alternativas à política global de “guerra às drogas”. Psicologia & Sociedade,
v. 23, n. 1, p. 154-162, 2011.

SOUZA, J. de et al. Intervenções de saúde mental para dependentes de álcool


e outras drogas: das políticas à prática cotidiana. Texto &
Contexto-Enfermagem, v. 21, n. 4, p. 729-738, 2012.

WEST, R.; GOSSOP, M. Overview: a comparison of withdrawal symptoms from


different drug classes. Addiction, v. 89, n. 11, p. 1483-1489, 1994.

14
Aula 5

Substâncias Psicoativas Conversa Inicial

Prof. Rafael Alves Cazuza

1 2

Diagnósticos, intervenções, abstinência e Diagnósticos, intervenções, abstinência e


redução de danos (RD) redução de danos (RD)

Nesta aula nos focaremos nas principais


O objetivo será o de discutir os pontos de
intervenções existentes nos dias de hoje
eficácia e ética nas intervenções no abuso
para detecção e intervenção de transtornos
de substâncias psicoativas (SPAs)
relacionados ao abuso de drogas

3 4

Diagnósticos
Intervenções
Diagnósticos
Abstinência
Internação compulsória
Uma alternativa: redução de danos

5 6
Diagnósticos
Diagnóstico de dependência
Diagnóstico de transtornos relacionados
Deficiências intelectuais
Discutiremos neste tema os principais
diagnósticos de transtornos relacionados Transtorno de ansiedade
às SPAs, tanto pessoais quanto sociais Psicoses
Transtornos depressivos

7 8

Problemas sociais relacionados


Aumento de criminalidade Intervenções
Aumento de gastos em saúde pública
Impacto familiar

9 10

Intervenções

Papel do psicólogo
Neste tema abordaremos o papel do Interdisciplinaridade
psicólogo e as intervenções na prevenção e
Compreensão biopsicossocial
tratamento de transtornos associados à SPAs

11 12
Intervenções
Terapias
Políticas públicas de prevenção e
promoção de saúde Abstinência
Ambientes nutridores
Estudos sobre as determinantes
da dependência e transtornos
relacionados às SPAs

13 14

Abstinência

A abstinência desejável
Discutiremos a questão da abstinência ao Existe uso saudável de SPAs?
longo deste tema
Abstinência como política pública
Trataremos da abstinência como foco, cura no combate às drogas
ou tratamento no combate aos transtornos
Abstinência é cura?
associados ao uso de SPAs

15 16

Se abstinência é cura, por que a exigimos do


paciente? Internação compulsória
Adjuvantes farmacológicos na busca da
abstinência

17 18
Internação compulsória

Autonomia
Autonomia e liberdade vs. bem social
Consciência e liberdade
Neste tema abordaremos a problemática da
internação compulsória e a questão da Como diagnosticar a ausência de
autonomia do usuário consciência?
O papel da família

19 20

Internação e luta antimanicomial


Uma alternativa: redução de
Internação compulsória
danos
Rede de atenção psicossocial
Promoção de autonomia

21 22

Uma alternativa: redução de danos

Redução de danos
Redução de danos e a relação
Abordaremos neste tema a questão minimamente saudável com as drogas
da redução de danos no tratamento e Somente drogas ilícitas estão sujeitas?
prevenção do abuso de drogas
Redução de danos é apologia?

23 24
Redução de danos como política pública
Redução de danos no Brasil Na prática
Redução de danos em contexto de festa
Redução de danos e saúde mental

25 26

Exemplo prático de intervenções em uso de


crack

A “cracolândia” O crack como problema social relacionado à


pobreza
Vínculo e questão de saúde mental
Redução de danos na Cracolândia
Caso de saúde vs. Caso de policia
Internação compulsória na Cracolândia

27 28

Diagnósticos, intervenções, abstinência e


redução de danos (RD)

Durante esta aula abordamos os principais


Finalizando modelos de diagnóstico na dependência às
drogas
Abordamos o papel do psicólogo nas
intervenções em pacientes com transtornos
relacionados à SPAs

29 30
Discutimos a diferença entre cura e
tratamento na questão da abstinência
às drogas
Abordamos também a questão da
internação compulsória, autonomia
e luta antimanicomial
Por fim, falamos da redução de danos
como alternativa para o manejo do
abuso de drogas

31
SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS
AULA 6

Prof. Rafael Alves Cazuza

1
CONVERSA INICIAL

Nesta aula, abordaremos temas importantes sobre experiências que


vêm conseguindo êxito no manejo de transtornos relacionados ao abuso de
drogas. Veremos temas como tratamentos farmacológicos, terapias
psicológicas, gestão autônoma de medicamentos e um panorama futuro. A
linha base dessas discussões sobre tratamentos será traçada a partir de uma
base ética de ação focada na autonomia.
O objetivo desta aula será o de apresentar a você, como aluno, as
principais atuações do psicólogo na área do abuso de drogas e como vem
sendo feito o manejo de situações críticas. Além disso, visaremos discutir
questões éticas referentes à medicalização do usuário e produção de
autonomia.

TEMA 1 – AUTONOMIA E ÉTICA

Neste primeiro tema, abordaremos questões éticas primordiais no


manejo de usuários de drogas com transtornos relacionados. Focaremos na
questão do empoderamento e promoção de autonomia, discutindo a
importância da ampliação do campo de ação, incluindo o usuário, família e
comunidade.
Discutimos, anteriormente, situações críticas referentes aos usuários
com perda de autonomia ou em situação de risco. Relacionamos esses
problemas com questões de pobreza e outros riscos sociais graves que
aproximam essas pessoas de substâncias e situações de periculosidade.
É importante compreender que o uso de substâncias, como abordado
anteriormente, é persistente ao longo da história da humanidade. É intrínseco
ao ser humano, que possui consciência, querer alterá-la de alguma forma e
experimentar novas experiências que são associadas ao uso de substâncias
psicoativas (SPAs). Neste sentido, é importante ressaltar que grande parte dos
usuários de alguma substância não possui problemas com seu uso e, portanto,
não quer parar de usá-la. O transtorno decorrente do uso de substâncias surge
a partir de uma conjuntura multifatorial que inclui antecedentes genéticos e
comportamentais, além do contexto sociocultural e econômico ao qual o sujeito
está inserido.

2
A ética do psicólogo sobre o uso de substância se volta no sentido da
garantida da autonomia do usuário. O usuário diz ao psicólogo sua relação com
a droga. Se ela é problemática ou não, cabe ao usuário dizer. O trabalho do
psicólogo está no manejo de situações de crise e direcionamento do indivíduo
no uso mais consciente e responsável possível do usuário. Nesse sentido, se
por acaso o usuário entende que seu uso problemático será resolvido com
abstinência, que assim o seja, desde que seja uma decisão que venha do
usuário. Nesse caso, cabe ao psicólogo saber o melhor encaminhamento do
tratamento no sentido da abstinência e o manejo ambiental fora do ambiente
terapêutico que possibilite a melhor relação possível do usuário em seu
ambiente natural.
A autonomia do paciente está prescrita na Lei n. 10.216 que foi
publicada em 6 de abril de 2001 que dispõe sobre a proteção e os direitos das
pessoas com transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em
saúde mental. Neste sentido, há a necessidade de humanização da saúde e do
usuário de substâncias que apresentem algum problema com seu uso, ofertando
o cuidado de maneira integral. O cuidado com o usuário envolve então o conceito
de Protagonismo Social, em que os usuários devem participar da elaboração e
condução dos seus planos de cuidado e projetos terapêuticos, possibilitando o
desenvolvimento de autonomia e autodeterminação (Brasil, 2010).
Nesse contexto, o conceito de protagonismo se torna primordial no cuidado
ao usuário. O termo se refere àquele que entra em cena primeiro, ou seja, o ponto
inicial de onde partirá a história. Os usuários necessitam ser agentes da própria
história, tomando as decisões em relação ao seu tratamento e os
encaminhamentos. Essa participação permite não apenas a construção de
ações efetivas, mas também permite que esses indivíduos possam
experimentar a possibilidade de pensar e decidir por si mesmos.
A participação social e o protagonismo de usuários permitem que a
autonomia seja alcançada pelas decisões dos usuários sobre sua relação com
a droga. Isso implica em decisões importantes na vida e saúde do indivíduo.
Caso haja decisão da continuidade do usuário, devemos buscar o auxílio no
sentido da redução de danos, como comentado anteriormente. Além disso, o
conceito de autonomia não se foca somente no indivíduo, mas também dos
vínculos sociais aos quais o indivíduo possui. Ou seja, o estabelecimento de
vínculos se transforma em mais uma ferramenta no combate a problemas

3
relacionados às drogas, fortalecendo uma rede de apoio social que também
são promotoras de autonomia. Isso significa dizer que o meio social gera
vínculos e responsabilidades individuais que impactam na utilização da droga e
modificam a relação que o indivíduo tem com a substância.
A vida em sociedade sofreu grandes mudanças ao longo do tempo,
chegando ao momento atual em que as pessoas possuem direitos invioláveis
garantidos por lei. Em diversos períodos da história, as pessoas eram
submetidas às piores condições possíveis, em situações cruéis e degradantes,
como no caso da escravidão (Rabenhorst, 2016). Entretanto, algumas relações
sociais ainda podem ser extremamente cruéis e injustas. Nesses casos,
devemos sempre buscar a definição de direitos humanos na tentativa de
regularizar esses tipos de práticas. O direito se refere justamente ao que é
justo, uma posição ética perante a condição humana, somente por ela ser
humana e, portanto, detentora de direitos fundamentais.
O conceito de direitos humanos significa reconhecer que seres humanos
devem ser tratados de acordo com sua condição de humanidade. Dessa
maneira, direitos não são favores, mas sim garantias que devem ser protegidas
por força de lei. Reivindicar um direito individual é justo e garantido. O
significado de um direito se refere à possibilidade de agir ou exigir uma conduta
do outro, para uma ação ou de omissão (Rabenhorst, 2016). Ter um direito
significa que necessariamente há um dever a ser cumprido, ou seja, ter um
direito significa ser benificiário de um dever por parte do Estado ou de outras
pessoas.
Para assegurar os direitos, necessitamos de instrumentos jurídicos e os
extrajurídicos. Os instrumentos jurídicos são leis, convenções, pactos,
declarações, tratados, constituições, entre outros. Já os extrajurídicos são
resultantes do poder social, que vem da organização e reivindicação enquanto
cidadãos. Os movimentos sociais, como sindicatos e associações, são
exemplos dessa ferramenta. Dessa forma, é necessário conhecermos nossos
direitos para que possamos lutar para que sejam cumpridos (Rabenhorst,
2016).
Mas o que isso tem de relação com o uso de substâncias? O usuário de
drogas é um cidadão, um ser humano e, portanto, deve ter seus direitos
primordiais garantidos. Isso significa dizer que ele tem direito à vida, à
dignidade e à liberdade. Portanto, esses direitos devem ser resguardados

4
quando tratamos de usuários de substâncias psicoativas. Por exemplo,
usuários de crack são quase automaticamente taxados como seres sem
consciência e que devem ser afastados da sociedade por conta da sua
condição psicossocial de usuário de crack. Isso significa dizer que, por usar
uma substância, você é automaticamente incapacitado de ter seus direitos
garantidos e deve ser internado. Entretanto, hoje sabemos que a população de
usuários de substâncias é extremamente heterogênea, em que um pequeno
percentual apresentará problemas relacionados à perda de autonomia pelo uso
de substâncias, colocando-se em risco ou a outros. Neste sentido, os direitos e
garantias individuais devem ser também garantidos no sentido da internação
como meio de reorganização pessoal do usuário no caminho à restituição da
autonomia.

TEMA 2 – GESTÃO AUTÔNOMA DE MEDICAMENTOS (GAM)

Seguindo a questão discutida anteriormente sobre direitos humanos,


abordaremos neste tema o que há de mais recente no que se refere a
ferramentas de promoção de autonomia do usuário de substâncias psicoativas.
Nesse sentido, é importante ressaltar que pessoas com problemas com drogas
são pessoas com transtornos mentais. Um importante marco na área dos
direitos das pessoas com transtornos mentais foi a Resolução n. 46/119 de 17
de dezembro de 1991, aprovada pela Assembleia Geral da ONU. Essa
Resolução aborda a proteção das pessoas com algum transtorno mental e a
proposta de melhoria das ações em assistência à saúde mental. A discussão
sobre direitos da pessoa com transtornos mentais se originou nos anos 70, a
partir do momento que a Comissão dos Direitos Humanos da ONU passou a
investigar situações de abuso e violações de diretos humanos da psiquiatria.
Em seguida, iniciou-se a discussão dos direitos das pessoas com transtornos
mentais e, posteriormente, possibilidades de melhorar a assistência à saúde
mental (Bertolote, 1995).
No Brasil, em meados dos anos de 1970, houve diversas violações de
direitos fundamentais humanos de pessoas com e sem transtornos mentais em
instituições psiquiátricas, incluindo abandono, tortura, negligência e maus-
tratos. O movimento de trabalhadores da saúde mental foi a chave na luta
antimanicomial, fortalecendo esforços contra as violações de direitos humanos.
Com a Lei n. 10.216, comentada anteriormente, a Lei da Reforma Psiquiátrica,
5
vieram à tona a discussão de modelos de atendimento mais humanizados e
eficazes, como atender pacientes graves e como lidar com tratamentos
involuntários em um Estado de direito que preserve os direitos humanos.
Toda essa discussão ética na saúde mental é trazida também a pessoas
com problemas no uso de substâncias. Neste contexto, diversas ferramentas e
modos de abordar o consumo e abuso de álcool e outras drogas que incluam
políticas baseadas nos direitos humanos começaram a emergir. Sendo assim,
a gestão autônoma de medicamentos vem ganhando espaço principalmente na
saúde mental no Brasil. Explicaremos a seguir como funciona esse modelo.
A Gestão Autônoma de Medicamentos (GAM) é uma nova abordagem
ética na intervenção em saúde mental e manejo de pacientes que possuem
problemas com o uso de substâncias psicoativas. A GAM é uma estratégia pela
qual aprendemos a cuidar do uso dos medicamentos, considerando seus
efeitos em todos os aspectos da vida das pessoas que os usam. Esse uso de
medicamentos pode ser utilizado tanto na automedicação quanto no manejo do
uso de outras substâncias psicoativas.
A GAM tem uma abordagem ética que parte do reconhecimento de que
cada usuário tem uma experiência singular ao usar psicofármacos e de que o
poder de negociação do usuário com os profissionais da saúde que cuidam do
seu tratamento deve ser aumentado. Esta negociação deve ocorrer sobretudo
com os médicos, que são os que prescrevem os medicamentos. Ao prescrever
um medicamento, o profissional deve considerar a experiência prévia do
usuário e não excluir a possibilidade de diminuir doses, trocar um medicamento
por outro ou substituir o tratamento medicamentoso por outras formas de tratar
(Campos et al., 2012). Essa é uma forma de aumentar o protagonismo e
autonomia do usuário do sistema de saúde.
É de extrema importância que usuários e profissionais possam avaliar e
decidirem juntos em que medida os medicamentos servem mesmo à melhoria
da qualidade de vida, reduzindo o sofrimento ocasionado pela condição do
paciente. Além disso, é fundamental que profissionais de saúde se aproximem
das vivências dos usuários, criando vínculos no cuidado, de maneira que os
usuários se sintam com liberdade e no direito de intervir nas condições do
tratamento que seguem (Passos et al., 2013). Trazendo essa perspectiva para
o cuidado do usuário de SPAs que apresentam algum problema, a GAM faz
todo o sentido. Pessoas com transtornos associados ao uso de SPAs também

6
são humanos e possuem seus direitos garantidos por lei e pela ética. Nesse
sentido, a GAM deverá desenvolver todas essas estratégias no sentido de
promover a saúde mental, reduzir os danos causados pelas substâncias e
permitir o protagonismo do usuário na decisão do seu tratamento e nos
psicofármacos que quer utilizar, e quais o farão sofrer menos.

TEMA 3 – TRATAMENTOS FARMACOLÓGICOS

Neste tema, abordaremos os principais tratamentos farmacológicos que


vêm mostrando eficácia na redução do comportamento de busca por drogas.
Neste sentido, levantaremos tanto drogas antiaditivas (reduzem dependência),
quanto substitutivas (menos tóxicas e com efeitos mais brandos).
Os tratamentos farmacológicos são geralmente baseados em drogas
substitutivas ou drogas que reduzem os efeitos da dependência como a fissura
e crises de abstinência. Por exemplo, para tratamento da dependência em
nicotina (tabagismo), utiliza-se adesivos de nicotina. Estes adesivos possuem
uma liberação lenta cutânea de nicotina que supre os estoques demandados
pelo organismo do indivíduo ao longo do dia. Essa liberação permite o controle
da vontade de fumar e inibe reações adversas da retirada do cigarro. Além
disso, faz com que o indivíduo se condicione a sobreviver ao longo do dia sem
o uso do cigarro, o que permite que o sujeito reduza gradativamente a
demanda por nicotina, além de colocar em extinção o comportamento
prazeroso de ter o cigarro na boca.
Outro exemplo, mas desta vez referente às drogas substitutivas,
podemos citar o uso de metadona no tratamento da dependência de opioides
como a heroína. A metadona é um medicamento controlado mais seguro que a
heroína e que é utilizado para controlar os efeitos da abstinência da heroína,
além de garantir um desmame gradativo da droga. Essa droga é um exemplo
de droga substitutiva. Essas substâncias já são usadas há muito tempo como
drogas antiaditivas; entretanto, apresentam valor elevado e são privilégios de
nações com condições sanitárias mais avançadas, não se adequando a
realidades de países mais pobres que enfrentam efeitos do crack, por exemplo.

7
TEMA 4 – TERAPIAS PSICOLÓGICAS E TRATAMENTOS FARMACOLÓGICOS

A abordagem das terapias psicológicas, somada aos tratamentos


farmacológicos, pode apresentar fortes efeitos antiaditivos e o cuidado com
transtornos relacionados ao uso recorrente e nocivo de SPAs. As principais
psicoterapias, neste sentido, tem sido a terapia de grupos, como os alcoólicos
anônimos e grupos semelhantes, e as terapias cognitivo-comportamentais.
Em relação às terapias de grupo, elas são baseadas na troca de
experiência e apoio grupal (Zucker, 1961). A justificativa é de que a
dependência de drogas é muito difícil de se tratar individualmente, sendo
necessário um aporte social e grupal. É importante ressaltar que esse tipo de
terapia apresenta algumas dificuldades, como isolar o indivíduo de ambientes
promotores de comportamentos de busca da droga. Além disso, não
necessariamente a experiência do outro se identifica com a sua. Isso significa
dizer que, por vezes, a transposição de experiência é inviável. Apesar disso, as
terapias de grupo e grupos de apoio no uso de substâncias psicoativas ainda
são utilizadas amplamente hoje em dia, principalmente em instituições de
saúde como as comunidades terapêuticas.
Em relação às terapias cognitivas e cognitivo-comportamentais, parece
haver uma efetividade sobre a prevenção de comportamentos de recaída,
controle de impulsos e treinamento de habilidades sociais (Silva; Serra, 2004).
Estas habilidades comportamentais são importantes em contextos de abuso de
drogas em que a pressão ambiental que motivam a busca pela droga é grande.
Por exemplo, em ambientes amigáveis, de festa ou familiares, a indução e
apoio dos amigos para o uso pode ser um fator importante no uso e abuso da
droga. Nesse contexto, dizer não, evitar ou controlar os impulsos são
habilidades importantes. Essas habilidades, somadas ao tratamento
farmacológico antiaditivo, parecem apresentar grande efetividade. Além disso,
o acompanhamento terapêutico pode contribuir para a resolução de conflitos
emocionais que se apresentam como fatores de vulnerabilidade, contribuindo
assim para a redução da motivação do uso de substâncias como subterfúgio da
realidade através da alteração da consciência.

8
TEMA 5 – TRATAMENTOS ALTERNATIVOS E PERSPECTIVAS FUTURAS

O uso problemático de SPAs às vezes pode se tornar refratário a alguns


tratamentos mais clássicos. Neste sentido, tratamentos alternativos têm sido
propostos. Algumas substâncias alucinógenas parecem apresentar efeitos
antiaditivos. Estudos neste sentido têm sido propostos e parecem ser
promissores. Os principais compostos que parecem apresentar efeitos
antiaditivos são a psilocibina, proveniente de um cogumelo psylocibe cubbensis
e a raiz de uma planta chamada iboga, que apresenta ibogaína.
No caso da psilocibina, seu mecanismo de ação é como um agonista de
receptores de serotonina. A desregulações no sistema serotoninérgico pode
estar associado a alterações de hormônios do estresse e aos transtornos de
humor, como a depressão. Vimos, anteriormente, que o estresse e fatores de
vulnerabilidade emocional como transtornos prévios são preditores de
problemas associados ao uso de substâncias. Os dados apontam que, após a
administração de psilocibina, os níveis de hormônios de estresse se
regularizam e ativam a rede de controle executivo cerebral, ou seja, há um
aumento do controle dos processos emocionais e alívio de pensamentos
negativos. Alguns estudos demonstram que o uso de álcool e tabagismo
podem ser controlados a partir da administração de psilocibina, assim como a
dependência de outras substâncias. É importante ressaltar que a psilocibina
tem um baixo risco de toxicidade e dependência, podendo ser usada em
condições clínicas controladas. Apesar de haver uma correlação entre o abuso
de alucinógenos e o risco de esquizofrenia, o uso controlado evita esse tipo de
efeito (de Veen et al., 2017).
No caso da ibogaína, ela tem sido cotada como droga antiaditiva para
drogas como a cocaína e opioides. Entretanto, parece haver um problema de
arritmia cardíaca com o uso de ibogaína e precisa haver cuidado pelo seu
tratamento clínico. Apesar disso, os efeitos antiaditivos da ibogaína parecem
promissores (Koenig et al., 2015).
Em relação a seu mecanismo de ação no efeito antidependência, a
ibogaína apresenta uma ação multireceptores. Ela é um alcaloide inicialmente
sugerida como um agonista de receptores de serotonina. Entretanto, parece
interagir com receptores opioides (mu, delta e kappa), receptores muscarínicos
e na inibição da recaptação de dopamina, norepinefrina e serotonina

9
(Sweetnam, 1995). Esse mecanismo ajuda a explicar seus efeitos antiaditivos
de cocaína e opioides.
Mais recentemente, a bebida ayahuasca e o LSD (dimetilamida do ácido
lisérgico) têm sido propostos no efeito antiaditivo. Ambas as drogas
apresentam efeitos agonistas sobre sistemas de monoaminas como a
serotonina e dopamina. No caso especial da ayahuasca, há uma combinação
entre a agonização de receptores serotoninérgicos e a inibição da degradação
dessa substância, ampliando sua capacidade de se ligar aos receptores (dos
Santos et al., 2016). Esses exemplos de drogas alucinógenas antiaditivas são o
que há de mais novo nas discussões farmacológicas no tratamento da
dependência e outros transtornos de humor associados. Entretanto, é
importante ressaltar que, apesar de drogas seguras em doses subefetivas e
doses clínicas, podem desencadear mecanismos genéticos na vulnerabilidade
de doenças cardíacas e psicoses. Nesse sentido, mais estudos necessitam ser
realizados no sentido da compreensão dos seus mecanismos exatos na
dependência e como aumentar a segurança do seu uso.

NA PRÁTICA

Abordaremos, aqui, um exemplo prático do uso de alucinógenos


serotoninérgicos naturais que vêm sendo empregados no tratamento de
transtornos depressivos e aditivos. Como comentamos anteriormente, essas
substâncias fazem parte do grupo de novas abordagens psicofarmacológicas
no manejo de transtornos aditivos. Trataremos nesse ponto especificamente o
caso da ibogaína (proveniente da raíz da Tabernanthe iboga) e da Psilocibina
(proveniente de cogumelos Psilocybe cubensis).

Figura 1 – A) Raíz de Iboga B) cogumelos Psilocybe cubensis

A) B)

Crédito: kay fochtmann/EyeEmadobe stock.

10
Relatos de algumas instituições de abrigo para usuários de drogas em
tratamento sugerem que o único uso de poucas gramas dessas substâncias
podem desencadear um forte efeito psicotomimético seguido de um forte efeito
antiaditivo. Ou seja, com uma única dose desses alucinógenos, parece haver
um forte efeito contra a dependência e fissura por drogas como cigarro, álcool
e crack.
Entretanto, alguns estudos vêm demonstrando que há uma escassez de
evidências que realmente sugiram esse efeito. Há, de fato, uma carência de
estudos duplo-cego, placebo controlado e randomizados que permitam dizer
com maior precisão que realmente há um efeito antiaditivo para essas drogas.
No entanto, os relatos de usuários são de fato comuns entre si em favor desse
efeito (de Veen et al., 2017; Koenig et al., 2015; dos Santos, 2017).
Nesses casos, é necessário ter cuidado com a prescrição de fármacos
não comprovados no tratamento, tendo em vista que substâncias
psicotomiméticas podem gerar danos irreversíveis a pacientes susceptíveis.
Mais estudos precisam ser direcionados nesse sentido, tendo em vista sua
possível eficácia; contudo, tomando os devidos cuidados médicos. Até agora, o
ideal seria manter os protocolos mais utilizados concomitante com estudos
nesse sentido.

FINALIZANDO

Nesta aula, abordamos as experiências exitosas no manejo do abuso de


drogas e transtornos associados. Vimos que métodos farmacêuticos clássicos
têm sido usados no tratamento de transtornos aditivos, incluindo medicamentos
substitutivos do princípio ativo e redução de danos. Além disso, medicamentos
novos têm sido utilizados na tentativa de tratar os transtornos aditivos, como o
uso de substâncias psicotomiméticas (alucinógenos serotoninérgicos).
Vimos que terapias comportamentais e cognitivo-comportamentais
apresentam bons resultados no manejo de transtornos aditivos e relacionados.
O psicólogo também atua na prevenção e educação no uso consciente de
substâncias psicoativas para evitar que surjam esses transtornos. Nessa
perspectiva, abordamos a Gestão Autônoma do Medicamento, que é uma
abordagem ética exitosa na intervenção em usuários de drogas. Vimos que a
GAM é baseada nos princípios da escuta clínica e promoção de
autonomia/empoderamento do paciente. Isso possibilita uma ampliação da
11
ação terapêutica, já que envolve o aprendizado de manejo do próprio paciente
sobre aquilo que o faz sofrer.
Na sequência, abordamos aspectos interdisciplinares, somando o uso de
psicofármacos e terapias psicológicas no tratamento de transtornos associados
ao uso de SPAs. Vimos que há um êxito muito maior quando combinamos
técnicas de intervenção, tomando por base um entendimento biopsicossocial
da dependência e dos transtornos associados.
Por fim, vimos que, a cada dia, estudos buscam encontrar alternativas
para o tratamento e prevenção do abuso de drogas. Vimos que técnicas de
bioinformática, novas abordagens psicofarmacológicas e quimiogenéticas vêm
sendo estudadas para alcançar uma maior eficiência nos tratamentos de
transtornos aditivos. Essas técnicas englobam estudos que

1) Tentam compreender o comportamento de busca pela droga a partir de


uma programação cerebral que pode ser simulada por linguagem
computacional, possibilitando prever e tratar esses comportamentos;
2) Buscam drogas já disponíveis na natureza ou no setting farmacológico
que permitam maior especificidade no tratamento da dependência e
comorbidades sem gerar efeitos colaterais;
3) E pesquisa drogas extremamente específicas formadas a partir da
compreensão dos mediadores genéticos no surgimento dos transtornos
relacionados ao uso de SPAs.

12
REFERÊNCIAS

BERTOLOTE, J. M. Legislação relativa à saúde mental: revisão de algumas


experiências internacionais. Revista de saúde pública, v. 29, p. 152-156,
1995.

BICKEL, W. K.; CHRISTENSEN, D. R.; MARSCH, L. A. A review of computer-


based interventions used in the assessment, treatment, and research of drug
addiction. Substance use & misuse, v. 46, n. 1, p. 4-9, 2011.

BRASIL. IV Conferência Nacional de Saúde Mental – Intersetorial. Relatório


Final. Brasília: Ministério da Saúde, 2010.

CAMPOS, R. T. O. et al. Adaptação multicêntrica do guia para a gestão


autônoma da medicação. Interface-Comunicação, Saúde, Educação, v. 16,
p. 967-980, 2012.

COSTA, D. F. C. da; PAULON, S. M. Participação Social e protagonismo em


saúde mental: a insurgência de um coletivo. Saúde em debate, v. 36, p. 572-
582, 2012.

DE VEEN, B. T. H. et al. Psilocybin for treating substance use disorders?.


Expert review of neurotherapeutics, v. 17, n. 2, p. 203-212, 2017.

DOS SANTOS, R. G.; BOUSO, J. C.; HALLAK, J. E. C. The antiaddictive


effects of ibogaine: A systematic literature review of human studies. Journal of
Psychedelic Studies, v. 1, n. 1, p. 20-28, 2017.

DOS SANTOS, R. G. et al. Antidepressive, anxiolytic, and antiaddictive effects


of ayahuasca, psilocybin and lysergic acid diethylamide (LSD): a systematic
review of clinical trials published in the last 25 years. Therapeutic advances in
psychopharmacology, v. 6, n. 3, p. 193-213, 2016.

EVERITT, B. J. Neural and psychological mechanisms underlying compulsive


drug seeking habits and drug memories–indications for novel treatments of
addiction. European Journal of Neuroscience, v. 40, n. 1, p. 2163-2182,
2014.

KOENIG, X.; HILBER, K. The anti-addiction drug ibogaine and the heart: a
delicate relation. Molecules, v. 20, n. 2, p. 2208-2228, 2015.

13
KOOB, G. F. Neurobiology of Addiction: Toward the Development of New
Therapies. Annals of the New York Academy of Sciences, v. 909, n. 1, p.
170-185, 2006.

KOOB, G. F.; LLOYD, G. K.; MASON, B. J. Development of pharmacotherapies


for drug addiction: a Rosetta stone approach. Nature reviews Drug discovery,
v. 8, n. 6, p. 500-515, 2009.

KREBS, T. S.; JOHANSEN, P.-Ø. Lysergic acid diethylamide (LSD) for


alcoholism: meta-analysis of randomized controlled trials. Journal of
Psychopharmacology, v. 26, n. 7, p. 994-1002, 2012.

MORANDI, M.; GUIMARÃES, L. P. Intervenções Cognitivo-Comportamentais


no Tratamento das Dependências Químicas. ID on line Revista de
Psicologia, v. 9, n. 25, p. 203-216, 2015.

MÜLLER, F. et al. Neuroimaging of chronic MDMA (“ecstasy”) effects: A meta-


analysis. Neuroscience & Biobehavioral Reviews, v. 96, p. 10-20, 2019.

PASSOS, E. et al. Autonomia e cogestão na prática em saúde mental: o


dispositivo da gestão autônoma da medicação (GAM). Aletheia, n. 41, p. 24-
38, 2013.

HALPERN, J. H. et al. Psychological and cognitive effects of long-term peyote


use among Native Americans. Biological psychiatry, v. 58, n. 8, p. 624-631,
2005.

RABENHORST, E. R. O que são direitos humanos? 2014. 2016.

RANGÉ, B. P.; MARLATT, G. A. Terapia cognitivo-comportamental de


transtornos de abuso de álcool e drogas. Brazilian Journal of Psychiatry, v.
30, p. s88-s95, 2008.

SILVA, C. J.; SERRA, A. M. Terapias cognitiva e cognitivo-comportamental em


dependência química. Brazilian Journal of Psychiatry, v. 26, p. 33-39, 2004.

SWEETNAM, P. M. et al. Receptor binding profile suggests multiple


mechanisms of action are responsible for ibogaine's putative anti-addictive
activity. Psychopharmacology, v. 118, n. 4, p. 369-376, 1995.

ZUCKER, A. H. Group psychotherapy and the nature of drug addiction.


International Journal of Group Psychotherapy, v. 11, n. 2, p. 209-218, 1961.

14
Aula 6

Substâncias Psicoativas Conversa Inicial

Prof. Rafael Alves Cazuza

1 2

Gestão autônoma de medicação e


experiências exitosas

Objetivo: apresentar dados concretos


Nesta aula, abordaremos
de experiências que vêm demonstrando
Gestão autônoma de medicamentos eficácia no tratamento e na prevenção dos
Experiências exitosas no controle transtornos e o conceito de gestão autônoma
e tratamento dos transtornos
relacionados ao uso de substâncias

3 4

Autonomia e ética
Gestão autônoma
Tratamentos farmacológicos Autonomia e Ética
Terapias psicológicas e tratamentos
farmacológicos
Tratamentos alternativos e perspectivas
futuras

5 6
Abordaremos conceitos básicos sobre Autonomia
autonomia, uso responsável e ética no
Uso responsável
manejo de situações de crise em uso de
substâncias psicoativas Uso problemático

7 8

Ética
Autonomia e liberdade
Gestão Autônoma
Manejo social
Manejo compulsório
Luta antimanicomial

9 10

Gestão autônoma
A gestão autônoma é uma abordagem Automedicação
não invasiva e ética no tratamento de Autonomia e empoderamento do usuário
dependência
Diálogo e estigmatização do usuário de
drogas

11 12
Abordaremos os principais e clássicos
Tratamentos Farmacológicos tratamentos farmacológicos no tratamento
da dependência e de transtornos decorrentes
do uso de substâncias

13 14

Drogas clássicas Substâncias novas no tratamento de


dependência
Abstinência e drogas substitutivas
Alucinógenos serotoninérgicos
Metilfenidato (LSD, ayahuasca, DMT, etc.)
Modafinil Salvinorina A

15 16

Terapias Psicológicas e Abordaremos evidências da eficácia


Tratamentos Farmacológicos da concomitância entre tratamentos
farmacológicos e terapias psicológicas

17 18
Terapias integrativas
Psicoterapia e uso de medicamentos
Abordagem interdisciplinar
Exemplo 1: terapia cognitivo
Compreensão do fenômeno da
comportamental e antidepressivos
dependência e abstinência
Exemplo 2: manejo ambiental e
Compreensão de outros transtornos
abstinência
provocados pelo uso recorrente de
substâncias Exemplo 3: terapia, manejo ambiental,
redução de danos e substituição de
drogas

19 20

Tratamentos Alternativos e Abordaremos novas abordagens e as


Perspectivas Futuras perspectivas futuras nas ações do
tratamento de transtornos decorrentes
do uso de substâncias psicoativas

21 22

Exercícios físicos
Terapias quimiogenéticas Na Prática
Terapias e diagnósticos baseados em
modelos computacionais

23 24
Experiência de substâncias alucinógenas no
tratamento de dependência

Ibogaína
Apresentação de um caso especial: uso de kay fochtmann/EyeEm / Adobe Stock

Psilocibina
substâncias alucinógenas no tratamento de
dependência

Rafael / Adobe Stock

25 26

Gestão autônoma de medicação e


experiências exitosas

Finalizando
Abordamos os importantes conceitos de
autonomia e gestão autônoma da medicação

27 28

Além disso, abordamos as principais


contribuições farmacológicas e as
terapias psicológicas
Por fim, vimos perspectivas futuras no
tratamento e na prevenção dos transtornos
decorrentes do uso de substâncias

29

Você também pode gostar