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PSICOPATOLOGIA

AULA 1

Profª Maria Cecília Beltrame Carneiro


INTRODUÇÃO À PSICOPATOLOGIA

O termo “psicopatologia” foi cunhado em 1817, por Jeremy Benthan:


psyché = alma, páthos = sofrimento ou doença e logos = estudo ou ciência.
Portanto, é um campo da ciência voltado ao estudo dos fenômenos psíquicos -
suas causas, as mudanças estruturais e funcionais associadas a ela e suas
formas de manifestação.
Já a semiologia psicopatológica estuda os sinais e sintomas dos
transtornos mentais, o qual permite ao profissional da saúde identificar
alterações físicas e mentais, ordenar os fenômenos psíquicos observados,
formular hipóteses diagnósticas e propor tratamento. Seria a “ciência dos
signos”, ou seja, de sinais providos de significado. Embora esteja intimamente
relacionada à linguística, a semiologia não se limita somente a esta, uma vez
que transcende a esfera da língua.

CONVERSA INICIAL

Nesta aula falaremos dos conceitos básicos de psicopatologia, como


suspeitar de comportamento anormal, bem como uma visão geral das etiologias
relacionadas aos transtornos mentais.

TEMA 1 – FENOMENOLOGIA E PSICOPATOLOGIA

A psicopatologia elabora e classifica os fenômenos mentais de maneira


que sejam o mais claro possível na documentação de sintomas clínicos.
Fenômeno é todo objeto que se apresenta à nossa consciência. Portanto, a
fenomenologia estuda as experiências psicológicas subjetivas de maneira
descritiva e seu objeto é o que nos aparece na consciência. Dentro da saúde
mental, categoriza os eventos psíquicos anormais e foca-se nas vivências
internas do paciente e seu comportamento consequente, e não nos eventos em
si. O observador deve prestar atenção aos seus próprios pressupostos para
evitar que distorçam a observação. Utilizamos a intuição para captação
fenomenológica adequada, por meio da compreensão empática destas
vivências.
Existem várias linhas que estudam a psicopatologia (psicodinâmica,
comportamental, biológica etc.) e se encaixam ou na linha descritiva ou na
explicativa. A explicativa baseia-se em modelos teóricos ou experimentos. Ao
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longo das aulas daremos ênfase à psicopatologia descritiva. A psicopatologia
descritiva evita explicações teóricas para eventos psicológicos/psiquiátricos,
descrevendo e categorizando a experiência anormal como relatada pelo
paciente e observada pelo seu comportamento, ocorrendo em duas etapas: a
observação do comportamento e a avaliação empática já mencionada no
parágrafo anterior. A observação acurada é essencial, pois está um passo à
frente de uma mera descrição do que se está vendo: se ater a uma lista de
sintomas a serem investigados dificulta uma compreensão mais genuína do
paciente que está sendo entrevistado. Com isso queremos dizer que precisamos
ter objetividade e uma linha de raciocínio a ser seguido, mas precisamos ir além
para compreender nuances mais subjetivas e igualmente importantes em uma
avaliação psíquica.
O segundo tópico da psicopatologia descritiva avalia a experiência
subjetiva, traduzida pela empatia, ou seja, a capacidade de compreender o que
o outro está sentindo. Na psicopatologia descritiva utilizar o método da empatia
implica em organizar o que será perguntado, reformular e reafirmar, quando
necessário, até se ter certeza de que está descrevendo corretamente o que o
paciente relata e dar-lhe um feedback sobre sua experiência para que este possa
reconhecer como seu.
A psicopatologia e a semiologia psiquiátrica e psicológica são advindas
diretamente da filosofia, mais precisamente da corrente fenomenológica, criada
por Edmund Husserl, no século XIX. É importante, ao se estudar e praticar a
psicopatologia, deixar de lado qualquer julgamento moral: o objetivo é observar,
identificar e compreender os diversos elementos do transtorno mental. Além
disso, como em todos os campos da ciência, deve-se refutar qualquer dogma,
verdade pronta e inalterável, seja de cunho religioso, filosófico, psicológico ou
biológico; o conhecimento científico está sempre sujeito a revisões e a
modificações. Assim, é importante que você não se atenha a este roteiro
resumido da psicopatologia, mas sim, aprofunde seu histórico ao longo do
tempo, além de estar sempre atualizado com o conhecimento científico
contemporâneo mais relevante sobre este módulo. Um dos métodos mais
frequentes de classificação de transtorno mental é pela categorização de
experiências descritas pelos indivíduos com transtornos mentais e da definição
dos termos utilizados, tais como "depressão" ou "ansiedade". Para um melhor
desfecho no prognóstico e no tratamento, tal classificação é essencial. Os

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sintomas agregam-se em certos padrões e podemos, portanto, categorizar
diferentes transtornos psiquiátricos. Os métodos precisos de diagnóstico ou a
definição da natureza do problema continuam sendo importantes. Como
veremos adiante, para organizar e aplicar todos estes conceitos na prática,
utilizamos sistematizações de diagnósticos de transtornos mentais, que
atualmente são o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM
V) (APA, 2013) e a Classificação Internacional de Doenças (CID-10) (em breve
a CID-11 em português. Assim, o trabalho para aprimorar os conceitos e técnicas
para identificar os principais sinais e sintomas dos transtornos mentais é
contínuo).
O que uma pessoa acometida por um transtorno está realmente sentindo?
De que forma suas próprias experiências se parecem ou diferem da experiência
dos outros - tanto daqueles que estão bem quanto dos que estão doentes? É
importante haver um esquema para organizar os fenômenos que ocorrem, pois
um mesmo sintoma pode estar presente em mais de um transtorno mental.
Como podemos usar a palavra observador com relação à experiência interna de
outra pessoa? É exatamente aqui que o processo de empatia se torna relevante.
Concluindo, a psicopatologia descritiva abrange tanto aspectos subjetivos
(fenomenologia) como objetivos (descrição do comportamento) da variada
experiência humana, sempre permeada por aquilo que é clinicamente relevante.
Sua importância é imensurável para o uso adequado das ferramentas
diagnósticas disponíveis, refinando a avaliação clínica e a comunicação com o
paciente.

TEMA 2 – NORMALIDADE X ANORMALIDADE

Durante um atendimento, quando devemos suspeitar que aquele


indivíduo apresenta sinais e/ou sintomas de um transtorno mental?
Em geral, os quadros psiquiátricos são um conjunto de sintomas, ou seja,
de alterações nas funções mentais (detalharemos nas próximas aulas), que
obrigatoriamente causam prejuízo na vida do paciente e/ou a terceiros. Nem
sempre o paciente terá noção do quanto aquele transtorno o impede de seguir
com sua vida normalmente, muitas vezes entrevistar um familiar ou cônjuge será
a chave para definir um diagnóstico. Delimitar e categorizar as funções psíquicas
são apenas formas de facilitar o estudo, sem esquecer que a mente humana
funciona como uma só e todas as funções se influenciam e interpenetram ao
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mesmo tempo, como exemplo a influência clara existente entre o afeto, a
atenção e a memória: dirigimos nossa atenção geralmente ao que nos interessa
ou em situações ameaçadoras e consequentemente as registramos.

2.1 Normal x saudável e saúde x doença

Um importante questionamento antes de iniciarmos propriamente nosso


estudo sobre o sofrimento psíquico é entender o conceito de normal e saudável.
Em uma discussão sobre transtornos mentais, elas ocorrem tão frequentemente
que vale a pena uma breve explanação antes de continuarmos nossa trajetória.
O conceito de saúde e de normalidade em psicopatologia sempre foi muito
discutido, bem como os limites entre o comportamento normal e o patológico
(Almeida Filho, 2000). As questões de normalidade/anormalidade dentro da
psicopatologia são difíceis de serem delimitadas, pois para reconhecermos os
diversos prejuízos em cada uma das funções psíquicas, precisamos primeiro
estudá-las dentro dos limites da normalidade. Outro desafio neste quesito são
os casos ditos leves ou limítrofes, como diferenciá-los de um comportamento
normal? Como não incorrer no risco de “patologizar” ou definir uma hipótese
diagnóstica para um indivíduo são? Casos graves, crônicos e incapacitantes são
mais fáceis de serem detectados (por exemplo, deficiência intelectual grave,
esquizofrenia ou demências em estágios moderado a avançado). É por essas e
outras que a psicopatologia está em constante construção (e desconstrução).
A psicopatologia preocupa-se com a doença da mente. O que é doença,
porém? Trata-se de um tema vasto, que tem sido discutido em várias áreas das
ciências humanas e biológicas. Os profissionais que passam a maior parte do
tempo de seu trabalho em meio à saúde e à doença raramente fazem esta
pergunta, e com menos frequência tentam respondê-la:

1. A definição da Organização Mundial de Saúde afirma: "Saúde é um estado


de completo bem-estar físico, mental e social e não somente a ausência
de doença ou enfermidade" (1946). Como definir um completo bem-estar
nos dias de hoje?
2. O termo “doença” foi criticado nas áreas de psiquiatria e psicologia
clínicas, pois implicaria sempre ou quase sempre em alterações
patológicas no corpo (no caso, no cérebro). Embora esta alegação ajuste-
se aos estados psiquiátricos orgânicos, na maioria das condições

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psicopatológicas não se evidenciam alterações anatômicas, fisiológicas
ou histológicas no cérebro, portanto convencionou-se usar o termo
“transtorno”.
3. De modo semelhante, as doenças podem ser descritas como aquelas
condições que o médico trata. Doença mental torna-se, então, um termo
para descrever os sintomas e a condição daquelas pessoas que são
encaminhadas a um psiquiatra. Porém esta definição também acaba
sendo muito reducionista.
4. A doença pode ser considerada como uma variação estatística da norma,
O normal passa a ser aquilo que se observa com mais frequência. Os
indivíduos que se situam estatisticamente fora (ou no extremo) de uma
curva de distribuição normal passam, por exemplo, a ser considerados
anormais ou doentes. Esse é um critério muitas vezes falho em saúde
geral e mental, pois nem tudo o que é frequente é necessariamente
“saudável” (ex.: prevalência do uso de álcool), assim como nem tudo que
é raro ou infrequente é patológico (p. ex.: indivíduos com altas
habilidades).
5. A doença tem implicações legais. A definição de alguém como normal
psicopatologicamente significa que o indivíduo é plenamente responsável
por seus atos e deve responder legalmente por eles. Já se o indivíduo for
considerado anormal, não responderá pelos seus atos nem terá
autonomia, e por outro lado será tratado compulsoriamente. Os limites
entre normalidade e anormalidade têm implicações sérias e legais
também na vida prática (estar apto ou não a trabalhar, a dirigir), no
planejamento das políticas de saúde, privada e pública, nos estudos
epidemiológicos de uma população e, claro, na sua prática clínica. O
modelo geral de abordagem em saúde mental foca no atendimento a
pessoas com transtornos, porém indivíduos dentro de uma faixa de
normalidade podem se beneficiar de várias terapias; profissionais que
atendem crianças e adolescentes precisam dominar o desenvolvimento
normal esperado para cada faixa etária antes de estudar e avaliar
alterações psicopatológicas nesta população.

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2.2 Amostra psiquiátrica na população geral

A amostra de pessoas que vai a um psiquiatra é diferente, em muitos


aspectos, daquela que consulta com um médico generalista. Embora seja muito
necessário concentrar-se no indivíduo e em seus sintomas, é também útil ter em
mente as características do restante da população da qual ele provém. Seu
comportamento e seu entendimento do mundo têm raízes dentro da sua própria
psicopatologia individual, mas também de seu meio social geral.
Normalmente, existe um desejo de se raciocinar do particular para o geral.
Com base em nossa experiência, por exemplo, fazemos generalizações sobre a
depressão. Vale lembrar, porém, que cada população, cultura ou país difere entre
si no entendimento do sofrimento psíquico, bem como de tratamentos
apropriados.

2.3 Cinco critérios para um transtorno mental

De acordo com a última versão do manual para diagnósticos de


transtornos mentais (DSM V) (American Psychiatric Association, 2013), existem
cinco critérios para caracterizar um transtorno mental, a saber:

• Significância clínica: envolve prejuízo mensurável, não são sintomas


fugazes ou de pouca relevância.
• Validade diagnóstica: os diagnósticos predizem comportamento futuro ou
respostas ao tratamento, isto é, ajudam os profissionais de saúde mental
na tomada de decisões relacionadas ao tratamento.
• O comportamento reflete uma origem multifatorial, relacionada à genética,
predisposição cerebral, fatores estressores ambientais, alterações no
neurodesenvolvimento e na construção da personalidade.
• Sofrimento ou incapacidade/dificuldade significativos em vários aspectos
da vida do paciente.
• Os transtornos devem desviar de comportamento socialmente aceito e
esperado para aquela população, faixa etária, cultura ou por indivíduos
que passam por estresses semelhantes na vida.

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TEMA 3 – QUAIS AS ETIOLOGIAS ASSOCIADAS AOS TRANSTORNOS
MENTAIS?

Os transtornos mentais são derivados de uma interação entre fenômenos


biopsicossociais; dificilmente uma das etiologias isoladas será a “culpada” por
determinado transtorno psiquiátrico, por isso atentar-se na prática clínica a não
reduzir ou explicar o quadro do paciente somente a um fator específico. Uma
orientação bem-feita resulta em maior chance de adesão ao tratamento. A isso
damos o nome de psicoeducação.
Este modelo também nos orienta a entender o indivíduo como um ser
passível de mudança ao longo da vida. Portanto, identificar fatores de risco e de
proteção auxiliam em minimizar ou tornar a pessoa mais vulnerável a
desenvolver transtornos mentais (por. ex., uso de substâncias na gestação,
aconselhamento genético, suporte familiar e social, assiduidade escolar ou
dificuldade de aprendizagem). Os fatores de proteção podem reduzir a chance
de desenvolvimento pleno de um transtorno, ou ainda, impactar no prognóstico
e na adesão aos tratamentos propostos (com ênfase em populações especiais
como: menores de idade, idosos, gestantes e puérperas, minorias).
Cada uma das etiologias citadas apresentará maior ou menor impacto, a
depender do transtorno. Por exemplo, na esquizofrenia o papel biológico
predomina; já no transtorno de estresse pós-traumático, como o próprio nome
diz, é necessário que o indivíduo passe por uma situação de ameaça à sua vida
ou à de terceiros; já nos transtornos por uso de substâncias, existe uma
substância psicoativa envolvida causando prejuízo.

3.1 Causas biológicas e genéticas

Pessoas com transtornos mentais podem herdar dos pais biológicos


alterações em genes que predispõem ao desenvolvimento de transtornos
mentais. Lesões cerebrais, bem como doenças clínicas também podem estar
envolvidas, por exemplo, traumatismos cranianos, anemia, doenças da tireoide
etc.

3.2 Induzido por substâncias

Será visto com mais detalhes nas próximas aulas.

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3.3 Sintomatologia

Em geral, quando se estudam os sintomas psicopatológicos, dois


aspectos básicos devem ser enfocados: a forma dos sintomas, isto é, sua
estrutura básica, relativamente semelhante nos diversos pacientes e nas
diversas sociedades (a forma “alucinação”, “delírio”, “ideia obsessiva”, “fobia”
etc.), e seu conteúdo, ou seja, aquilo que preenche a alteração estrutural (o
conteúdo de culpa, religioso, de perseguição, de um delírio, de uma alucinação
ou de uma ideia obsessiva, por exemplo). Fator patogenético propriamente dito
está mais relacionado à manifestação dos sintomas diretamente produzidos pelo
transtorno mental de base; assim, há o humor triste, o desânimo e a inapetência
relacionados à depressão, ou as alucinações auditivas e a percepção delirante
relacionadas à esquizofrenia. Segundo Dalgalarrondo (2008),

o fator patoplástico inclui as manifestações relacionadas à


personalidade pré-mórbida do paciente, à história de vida específica
do sujeito e aos padrões de sentir e se comportar relacionados à
cultura de origem do indivíduo, seu meio familiar, religioso, de classe
social, profissional, que lhe eram particulares desde antes de adoecer.
São fatores externos e prévios ao processo patológico de base, mas,
nem por isso, menos importantes, pois intervêm de forma marcante na
constituição e na conformação dos sintomas e na exteriorização do
quadro clínico.

3.4 Organização dos fenômenos psicopatológicos

Karl Jaspers (1883-1969), um dos principais autores da psicopatologia


moderna, pensa que esta é uma ciência básica, que serve de auxílio à psiquiatria
e à psicologia clínica, a qual é, por sua vez, um conhecimento aplicado a uma
prática profissional e social concreta. Jaspers é muito claro em relação aos
limites da psicopatologia: embora o objeto de estudo seja o ser humano na sua
totalidade (“Nosso tema é o homem todo em sua enfermidade” (Jaspers,
1913/1979)), os limites da ciência psicopatológica consistem precisamente em
nunca se poder reduzir por completo o ser humano a conceitos psicopatológicos.
O domínio dessa ciência, segundo ele, estende-se a “[...] todo fenômeno
psíquico que possa ser apreendido em conceitos de significação constantes e
com possibilidade de comunicação” (Jaspers, 1979, p. 13). Assim, a
psicopatologia, como ciência, exige um rigoroso pensamento conceitual, que
seja sistemático e que possa ser comunicado de modo inequívoco. A observação
articula-se dialeticamente com a ordenação dos fenômenos. Isso significa que,

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para observar, também é preciso definir, classificar, interpretar e ordenar o objeto
observado em determinada perspectiva, seguindo certa lógica observacional e
classificatória.

TEMA 4 – SEMIOLOGIA

Observação minuciosa, atenta e perspicaz do comportamento do


paciente, do conteúdo de seu discurso e do seu modo de falar, da sua mímica,
da postura, da vestimenta, da forma como reage e do seu estilo de
relacionamento com o entrevistador, com seus familiares e, eventualmente, com
outros pacientes.

4.1 Compreendendo sintomas do paciente

Entender o paciente por meio da fenomenologia perpassa também pelo


conhecimento detalhado de sua base cultural, de informações sobre sua família
e os ambientes em que vive. Além disso, é necessário analisar o que está
acontecendo com o sujeito naquele momento dentro do contexto em que está
inserido, e não somente avaliá-lo de forma isolada, pois somos seres sociais e a
maior parte das nossas experiências e vivências ocorre devido às interações
sociais. Por último, detalhamos o estado psíquico do paciente logo antes do
evento que o trouxe ali, e quais mudanças foram observadas após, se surgiram
sinais e sintomas novos e/ou mais intensos.
Segundo Oyebode (2015), “O método fenomenológico torna a
comunicação com o paciente mais fácil de compreender. O paciente também se
sente mais seguro em relação ao profissional que o atende, pois percebe que
seus sintomas são entendidos e, portanto, aceitos como “reais”. A descrição
precisa e a avaliação dos sintomas auxiliam na comunicação entre os membros
de uma equipe de saúde mental.
Em outras especialidades médicas conseguimos delimitar e identificar de
forma clara os sinais (dados objetivos), como aumento da frequência cardíaca,
da pressão arterial, febre etc. e sintomas (dados subjetivos), dores em locais
específicos, náuseas, prurido, e isto auxilia na busca por um diagnóstico.
Dentro da psicopatologia esta distinção é mais difícil de ser feita: quando
um paciente descreve algum fenômeno psíquico ou se queixa de algo que
ocorreu, as duas situações são consideradas sintomas e entendidas como

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possivelmente patológicas, principalmente se associadas. Por exemplo: o
paciente se queixar de tristeza prolongada voluntariamente ou conta-nos que
ouve vozes durante perguntas mais fechadas (ainda que ele não relate como
queixa) faz parte deste tipo de situação. Há sinais comportamentais – como o
paciente tapar os ouvidos ou falar sozinho durante o atendimento, que é uma
característica frequente na esquizofrenia. Para que um sintoma seja válido para
nosso raciocínio clínico, sua ocorrência deve ser esperada e ocorrer com relativa
frequência naquela condição mental.
O método clínico clássico de obter informações sobre o paciente ocorre a
partir da anamnese e do exame físico. O uso da fenomenologia na saúde mental
é uma extensão da entrevista, amplia e detalha a descrição dos fenômenos
psíquicos. É, também, um exame, já que revela o estado mental. Não é possível
para o examinador observar a alucinação do paciente, nem medi-la de maneira
direta. No entanto, para compreendê-la, podemos utilizar as vivências humanas
em comum com ele, isto é, utilizar nossa habilidade para perceber e usar a
linguagem que compartilho com ele. Inicialmente podemos hipotetizar nossa
ideia do que ele está sentindo naquele momento. A seguir, testamos para
averiguar se a nossa reconstrução da experiência do paciente está correta,
descrevendo nossa impressão e solicitando que confirme ou não. Também é
possível descrever ao paciente o que está sendo observado durante a avaliação
(a expressão de tristeza, de angústia, inquietação etc.) e, igualmente, solicitar
que nos confirme. Finalizando, é necessário se tomar muito cuidado ao se
formular e fazer perguntas. Profissionais de saúde mental muitas vezes
identificam sintomas incorretamente e fazem uma hipótese diagnóstica
erroneamente, pois fizeram perguntas capciosas com as quais o paciente, por
meio de sua vulnerabilidade e ansiedade para cooperar, acaba concordando.

TEMA 5 – RELAÇÕES DA PSICOPATOLOGIA E PSICOLOGIA

As relações da psicopatologia com a psicologia geral e a psiquiatria são


múltiplas, a seguir descreveremos os conceitos principais e resumidos dentro de
Dalgalarrondo (2018, p. 38-39).

Há diversas visões sobre a posição exata da psicopatologia em relação


a essas duas outras ciências (Ionescu, 1997):
Apresentam-se aqui algumas dessas correntes: psicopatologia como
“patologia do psicológico”. Aqui, a psicopatologia é tida como um ramo
da psicologia geral. Nesse sentido, se a psicologia é o estudo
sistemático da vida psíquica normal, a psicopatologia deveria ser vista,
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então, não propriamente como uma disciplina autônoma, mas como
uma parte ou um ramo da psicologia geral, uma subdisciplina que
estuda os fenômenos anormais. Os fenômenos psicopatológicos
(delírios, alucinações, alterações do humor, da vontade etc.) seriam
derivados dos fenômenos psicológicos normais, desvios em certa
continuidade com os fenômenos normais.
Psicopatologia como “psicologia (especial) do patológico” (da mente
alterada ou patológica). A psicopatologia seria, neste caso, uma ciência
autônoma, porque, em seu campo de estudo, entraria uma série de
fenômenos especiais que não representam alterações quantitativas do
normal, simples desvios do normal. Alguns fenômenos
psicopatológicos seriam produções novas, como o delírio verdadeiro,
as alucinações verdadeiras, as alterações de humor no transtorno
bipolar. Seriam fenômenos originais, descontínuos, não deriváveis dos
fenômenos psicológicos normais (como o pensamento e julgamento
normal, as percepções normais, a afetividade normal)”.

Segundo Henri Ey (1965, citado por Dalgalarrondo, 2018), “a


psicopatologia como semiologia psiquiátrica se concentraria na descrição e no
estudo dos sintomas e dos sinais dos transtornos mentais, como unidades de
estudo, sem se ater a questões outras da psiquiatria e psicologia clínica”.
Ainda em Dalgalarrondo (2018),

a psicopatologia como propedêutica psiquiátrica seria o campo de


estudo dos princípios e dos métodos de estudo do adoecimento
mental, a ciência introdutória e prévia à psiquiatria e psicologia clínica.
Ela visaria elucidar as bases conceituais e epistêmicas da prática
clínica em saúde mental, da psiquiatria e psicologia clínica como
campos de saber, bem como os pressupostos filosóficos e
metodológicos que fundamentam o estudo dos transtornos mentais.

Seria, então, uma disciplina introdutória, preparatória para os estudos em


psiquiatria e psicologia clínica.

5.1 Fenômenos temporais

Quando analisamos a evolução crônica de um transtorno mental grave ao


longo do tempo, podemos nos referir como processo, o qual se refere a uma
transformação lenta e insidiosa da personalidade, decorrente de alterações
psicologicamente incompreensíveis, de natureza endógena. O processo
irreversível, supostamente de origem neurobiológica, rompe a continuidade do
sentido normal do desenvolvimento de um indivíduo, se este processo ocorrer
durante a infância ou adolescência, seus danos podem ser maiores, já que o
cérebro não terá terminado de amadurecer. Utiliza-se o termo “processo”, por
exemplo, para caracterizar um quadro esquizofrênico de evolução insidiosa, que
lentamente transforma a personalidade do sujeito acometido.

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Em relação ao desenvolvimento, estamos falando da construção e
evolução emocional e psicológica ao longo do tempo. Essa evolução pode estar
dentro do espectro da normalidade, no qual vão se formando os traços de caráter
do indivíduo, ou desviante, evoluindo para possíveis personalidades patológicas,
como os transtornos da personalidade, por exemplo.
Já os fenômenos mais recentes, ou seja, agudos ou subagudos, podem
ser classificados como: 1) crises ou ataques, 2) reações vivenciais, 3) fases e 4)
surtos. Dalgalarrondo (2018) descreve com clareza como distinguir cada um
deles:

A crise, ou ataque, por definição apresenta um início e um término


abruptos, com duração de segundos ou minutos, dificilmente horas.
Usamos os termos “crise” ou “ataque” para fenômenos como crises
epilépticas, ataques de pânico, crises conversivas e dissociativas,
crises de agitação psicomotora, entre outros.
O segundo tópico, a reação vivencial dita anormal, caracteriza-se como
um fenômeno psicologicamente compreensível, desencadeado por
eventos vitais significativos para o indivíduo que os experimenta. É
designada reação anormal por causa da intensidade muito marcante e
duração prolongada dos sinais e sintomas. Ocorre geralmente em
personalidades vulneráveis, com certa predisposição a reagir de forma
anormal a certas ocorrências da vida. Alguns exemplos incluem: após
a morte de uma pessoa próxima, perda de emprego ou um divórcio;
nestas situações o indivíduo pode reagir apresentando um conjunto de
sintomas depressivos, ansiosos ou mesmo delirantes. A reação
vivencial pode durar semanas ou meses, eventualmente alguns anos.
Passada a reação vivencial, o indivíduo retorna ao que era antes, sua
personalidade não sofre ruptura; pode empobrecer-se ou enriquecer-
se, mas não se modifica radicalmente.
A fase de um transtorno refere-se mais especificamente aos períodos
de depressão e de mania/hipomania dos transtornos do humor
(transtorno bipolar e transtorno depressivo recorrente). Passado este
período, o indivíduo retorna ao que era antes dele, sem alterações
duradouras na personalidade, ou seja, não há sequelas na
personalidade. A fase tem um caráter endógeno e pode durar semanas
ou meses, menos frequentemente anos e há quase sempre uma
remissão significativa. Por exemplo, descreve-se uma fase depressiva,
uma fase maníaca e período interfásico assintomático chamado de
eutimia.
O surto é definido como uma ocorrência aguda, que se instala de forma
mais ou menos repentina, fazendo eclodir uma doença de base
endógena, não compreensível psicologicamente. A característica
principal do surto é que ele produz sequelas irreversíveis, nos aspectos
cognitivos do humor ou da personalidade.
Um surto psicótico dentro de um quadro de esquizofrenia pode levar
semanas a meses para sua remissão, e o paciente geralmente
apresenta os chamados sintomas negativos, que se tornam mais
isolados, o afeto modula menos e ele tem dificuldades na vida social,
as quais não consegue explicar ou entender. Após vários anos de
doença, com uma sucessão de surtos (ou um processo insidioso foi se
implantando de forma lenta), em geral o paciente se encontrará no
chamado estado residual, apresentando apenas sinais e sintomas que
são sequelas desta, sintomas predominantemente negativos.

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Já a definição de episódio é mais genérica, compreendendo uma duração
de dias até semanas. Tanto o termo crise como o termo episódio não especificam
a natureza do fenômeno mórbido: diferem-se apenas no aspecto temporal. Na
prática, é comum utilizarmos o termo episódio de forma inespecífica, quando
ainda não há condições de precisar a natureza do fenômeno, por exemplo, diante
de uma síndrome psicótica.

NA PRÁTICA

Como tudo isso funciona na prática? Uma paciente procura atendimento


queixando-se de ser “infeliz”. É tarefa da psicologia descritiva tanto obter os
pensamentos e ações da paciente sem tentar explicá-los quanto observar e
descrever o comportamento dela - seus ombros caídos, postura cabisbaixa,
pouco contato visual. A fenomenologia exige uma descrição muito precisa de
como exatamente ela sente-se internamente - "este horrível sentimento de não
existir realmente" e "não ser capaz de sentir nenhuma emoção". É importante
tentar alcançar o significado subjetivo do paciente e não somente ficar satisfeito
porque a resposta é anormal. O significado fenomenológico é, algumas vezes,
revelado no tipo de resposta. Da mesma maneira que os eventos externos têm
causas que podem ser explicadas, os eventos psíquicos internos podem
originar-se uns dos outros de forma encadeada, se o estado interno do paciente
puder ser entendido empaticamente.

FINALIZANDO

Diferenciar comportamentos anormais e normais é tarefa básica do


profissional de saúde mental, ao abordar o indivíduo em sofrimento. Ter em
mente os cinco aspectos necessários para mensurar sintomas que caracterizem
uma síndrome psiquiátrica. Os transtornos mentais, em sua grande maioria,
derivam da interação de aspectos biopsicossociais. Fatores de risco e de
proteção podem impactar diretamente na vulnerabilidade individual para
desenvolver um transtorno psiquiátrico como também no prognóstico e
tratamento.

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REFERÊNCIAS

ALMEIDA FILHO, N. O conceito de saúde: ponto-cego da epidemiologia?


Revista Brasileira de Epidemiologia, v. 3, n. 1-3, p. 4-20, 2000.

ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE PSIQUIATRIA. Manual diagnóstico e


estatístico de transtornos mentais: DSM-5. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.

CARLAT, D. J. Entrevista psiquiátrica. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2007.

CHENIAUX JUNIOR, E. Manual de psicopatologia. 5. ed. Rio de Janeiro:


Guanabara Koogan, 2015.

DALGALARRONDO, P. Psicopatologia e semiologia dos transtornos


mentais. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2018.

IONESCU, S. Quatorze abordagens de psicopatologia. 2. ed. Porto Alegre:


Artmed, 1997.

OYEBODE, F. Sims' symptoms in the mind: textbook of descriptive


psychopathology (5th ed.). Elsevier Saunders, 2015.

SCHNEIDER, K. Psicopatologia clínica. São Paulo: Mestre Jou, 1976.

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PSICOPATOLOGIA
AULA 2

Profª Maria Cecília Beltrame Carneiro


CONVERSA INICIAL

Nesta aula, entenderemos os principais conceitos em uma primeira


avaliação do paciente psiquiátrico. Veremos como extrair o máximo de
informações possíveis do paciente, sem que a entrevista aparente um
“bombardeio” de perguntas, de modo a fazer com que o paciente se sinta
confortável e acolhido para contar sua história de vida e suas queixas.

TEMA 1 – A ENTREVISTA INICIAL COMPLETA

Inicialmente, temos que ter em mente que a finalidade da entrevista não


é somente sintetizar a hipótese diagnóstica em si, mas também o plano
terapêutico a ser proposto e o prognóstico (em jargão médico, “diagnóstico é
prognóstico”).
Um olhar mais apurado pode descobrir uma infinidade de dados em
referências ou observações. A incapacidade de descrever de forma adequada
aquilo que foi observado e colhido depois de uma investigação ativa leva,
inevitavelmente, à sua perda ou à diminuição do seu interesse. Especialidades
médicas dispõem de uma infinidade de exames e outros recursos que podem
“suprir” as deficiências de uma anamnese malconduzida (embora não sejam
recomendados, pois como diz a máxima na medicina – a qual cabe bem a outras
áreas da saúde – “a clínica é soberana”). O psiquiatra e o psicólogo, ao contrário,
dispõem quase que somente da sua habilidade em entrevistar e observar.
Claro que alguns dados do exame físico e alguns exames
complementares fazem parte do arsenal da psiquiatria, ao passo que testes
objetivos e subjetivos fazem parte da psicologia. Entretanto, alterações
encontradas em exames como eletroencefalograma, exames de imagem e
laboratoriais costumam ser solicitados para excluir causas orgânicas (tumores,
doenças endocrinológicas, epilepsias etc.) e não para confirmar o diagnóstico
psiquiátrico; já os testes neuropsicológicos auxiliam a determinar condições
neuropsiquiátricas, de personalidade etc., desde que bem indicados.
A entrevista propriamente dita se inicia apenas quando nos identificamos
e fazemos a identificação do paciente. Sua observação, porém, inicia-se muito
antes disso: já podemos inferir alguns aspectos em relação ao paciente desde o
momento em que ele nos contata para agendar uma avaliação inicial – quem faz
o contato, como ele se organiza para atender ao horário proposto, se é pontual

2
e como se comporta caminhando em nossa direção. Portanto, a anamnese (e o
exame do estado mental, que será apresentado na próxima aula) já terá iniciado
e os dados relevantes dessa observação deverão ser anotados no seu
prontuário, durante ou ao final da sessão. Comumente, os pacientes que
procuram consultório de psiquiatria e de psicologia tendem a estar passando por
uma situação de vulnerabilidade e perda de sua autoconfiança. Isso, por si só,
deve ser motivo para que procuremos ser sinceros e francos, inclusive em
relação às nossas próprias limitações, deixando claro caso não estejamos aptos
para atender um transtorno mental específico ou uma demanda específica –
como questões familiares, da infância e adolescência, idosos, vulnerabilidade
social ou casos ditos “difíceis”, que já passaram por vários profissionais, ou de
difícil resolução, principalmente quando estamos em formação ou somos recém-
formados. Por vezes é necessário uma autocrítica em prol do bem-estar do
paciente que nos procura.
O produto redigido a partir de uma entrevista denomina-se anamnese. A
anamnese em saúde mental tem muitas peculiaridades se comparada a outras
especialidades médicas e outras profissões da área de saúde. Os dados de
identificação de um paciente funcionam como uma espécie de “moldura” em
relação a tudo o que vai ser investigado e já nos fornecem diversos indícios em
relação aos caminhos que a entrevista poderá seguir. O primeiro passo é se
apresentar e identificar o paciente. Frequentemente, ele não sabe como chegou
até você e nem o que pretendemos “fazer com ele”. Quando nos identificamos
de maneira clara, eliminamos boa parte deste desconforto, principalmente se for
um atendimento dito “involuntário” (que ocorre mais frequentemente com
crianças, adolescentes, pacientes psicóticos ou intoxicados, pacientes com
comportamento suicida, idosos com suspeita de demência) ou em ambientes
menos acolhedores, como prontos-socorros, enfermarias de hospital clínico e
enfermarias de hospitais psiquiátricos.
Existe ainda uma série de relações que podem ser estabelecidas entre os
dados da identificação e um risco aumentado para certas condições
psiquiátricas:

1. Idade: há faixas etárias com maior risco para certas condições. O início
da esquizofrenia e do transtorno bipolar, por exemplo, tipicamente se dá
entre a adolescência e começo da vida adulta, enquanto as demências
ocorrem nas idades avançadas. Transtornos do neurodesenvolvimento

3
(como deficiência intelectual, transtorno do espectro autista, transtorno do
déficit de atenção e hiperatividade) invariavelmente apresentam sintomas
na infância;
2. Profissão: é menos prevalente a ocorrência de transtornos mentais
especificamente causados por uma certa atividade profissional ou contato
frequente com determinadas substâncias, como intoxicações por metais
pesados em pintores (artistas ou de paredes), de substâncias químicas
em frentistas de postos de gasolina, ou por alguns pesticidas em
indivíduos que trabalham em plantações de tabaco (que são associados
à depressão e risco aumentado para suicídio). Aqui vale uma curiosidade:
– o famoso pintor holandês Vincent Van Gogh, motivo de muitas
discussões e especulações diagnósticas (até hoje não se sabe bem ao
certo que condição mental grave apresentava), apresentava, entre outros
quadros, intoxicação por chumbo e solventes de tintas, diretamente
relacionados ao seu ofício e às tentativas de suicídio por intoxicação
exógena.

Por outro lado, cada vez mais se estudam os efeitos exercidos por
determinadas situações no trabalho, como a Síndrome de Burnout, a qual foi
oficializada recentemente pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como uma
síndrome crônica. Como um “fenômeno ligado ao trabalho”, a OMS incluiu a
síndrome de burnout na CID-11 (que deve entrar em vigor em 1º de janeiro de
2022). É caracterizada como uma síndrome ocupacional, que pode acarretar
sentimentos de exaustão ou esgotamento de energia, apatia ou distanciamento
emocional, sentimentos de negativismo relacionados ao próprio trabalho e
prejuízo no rendimento laboral. Além de correlações clínicas, a profissão
costuma ser uma das marcas principais da nossa individualidade.

1. Escolaridade: do ponto de vista semiológico, costumamos utilizar o


desempenho escolar de uma pessoa como fator importante na avaliação
do seu desenvolvimento intelectual na infância, adolescência e escolha
de profissão. Esse dado é, com muita frequência, importante e diferencial
em diversos quadros, como em transtornos específicos da aprendizagem,
deficiência intelectual, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade.
Além disso, pacientes com baixa escolaridade têm maior propensão a
transtornos mentais comuns;

4
2. Estado civil: este dado tem muita importância quando avaliamos fatores
de risco para suicídio. É fato comprovado a partir de diversas fontes, pelo
menos entre os ocidentais, a elevação do risco de suicídio para aqueles
que vivem sozinhos, como solteiros, divorciados e, especialmente, viúvos
(Almeida et al., 2020);
3. Naturalidade e nacionalidade: as doenças mentais são as que melhor se
distribuem do ponto de vista social, pois atingem todas as classes, raças,
etnias e faixas etárias. Do ponto de vista sociocultural, a população
imigrante apresenta maior vulnerabilidade para sintomas de ansiedade,
maior pessimismo em relação ao futuro, muitas vezes
produzidos/agravados pela perda da rede social de apoio, pelo
distanciamento devido ao não conhecimento da língua e pelas mudanças
no seu estatuto social (Penha, 2012). A ocorrência de transtornos mentais
também pode ocorrer em famílias ou indivíduos que mudam de cidade ou
região do país. Vale ressaltar em nosso contexto atual a questão dos
refugiados, os migrantes involuntários, que apresentam risco aumentado
para quadros de ansiedade, de manifestações depressivas, de sintomas
hipocondríacos, sintomas de transtorno de estresse pós-traumático e um
aumento no consumo de álcool e substâncias ilícitas, acompanhadas ou
não de comportamentos agressivos (Martins-Borges, 2013). O ano de
2019 foi o maior em número de solicitações de reconhecimento de
condição de refugiado no Brasil, sendo mais frequentes pedidos de
venezuelanos, haitianos e cubanos (Silva, 2020);
4. Religião: esse dado pode nos ajudar a avaliar melhor certas crenças
compartilhadas por certos grupos e, com isso, reduzir a chance de
cometer juízos de valor. O fato de seguir uma religião é fator protetivo
frente ao suicídio, de um modo geral. Pessoas com maior envolvimento
religioso, sem levar em consideração a filiação religiosa, possuem
menores chances de desenvolver o comportamento suicida (Rasic et al.,
2011; Osafo et al., 2013). Por outro lado, alguns fenômenos psicóticos
podem ser difíceis de serem diferenciados, em um primeiro momento, de
rituais religiosos ou crenças. Estudos realizados no Brasil mostram que
pacientes internados por transtornos psiquiátricos pertencentes a grupos
evangélicos têm uma maior frequência de diagnósticos de psicoses
(Dalgalarrondo, 2004), e pertencer a religiões minoritárias (como igrejas

5
evangélicas pentecostais e espiritismo kardecista) pode associar-se à pior
saúde mental (Baptista, 2004) e qualidade de vida, o que possivelmente
seria reflexo de um processo social de busca de novos agrupamentos
religiosos por pessoas em situação de sofrimento.

Ao menos durante estágios e no início de sua vida profissional, tente se


disciplinar na aplicação de um roteiro semiestruturado de entrevista, para que,
no futuro, com maior experiência e gestão do tempo de sessão, você possa
realizá-la de forma mais livre. Vemos, com bastante frequência, profissionais
valerem-se do expediente de pedir ao paciente que fale “sobre a sua infância”
ou “sobre os seus problemas”. Porém, sem ter treinamento para saber como
direcionar estas perguntas abertas, muitas vezes, a investigação se perde. É
claro que, muito provavelmente, nos primeiros minutos de contato com o
paciente, ele irá manifestar o que o trouxe até ali, porém, devido a vários fatores,
apenas isso não será suficiente.
Existem certas “linhas” de investigação para cada um dos transtornos
psiquiátricos. Assim, quando algum dado colhido faz surgir uma suspeita
qualquer, o entrevistador deverá seguir aquela “pista” até o seu esgotamento, ou
seja, até a sua confirmação ou afastamento. É como se fosse o trabalho de um
garimpeiro, que a partir do encontro de algumas pepitas, procura pelo veio que
levará à mina do mineral em vista, e há que se ter paciência até que seu objetivo
seja concluído. Muitas vezes, esse processo pode se prolongar por quase toda
uma entrevista, ou mesmo por várias sessões, a depender da colaboração do
paciente.

TEMA 2 – AS QUATROS TAREFAS DA ENTREVISTA PSIQUIÁTRICA

2.1 Estabelecer uma aliança terapêutica

De acordo com revisão de Carlat (2007) sobre o assunto, até 50% dos
pacientes abandonam o tratamento antes da quarta sessão. Podemos pensar
em vários motivos para que isso aconteça: alguns podem não ter formado boa
aliança com seus terapeutas, outros não estavam interessados em se tratar e
ainda podem ter reduzido o estresse que os levou a buscar atendimento,
somente com os atendimentos iniciais.
O ato de entrevistar e se mostrar interessado pela história do paciente
auxilia (e muito!) na formação do vínculo terapêutico. Escutar uma pessoa com

6
total atenção é uma disciplina muito difícil de atingir, a qual exige concentração
intensa em tudo o que ela está tentando dizer verbalmente ou não, além do
respeito a ela. É muito mais fácil concentrar o foco no que está sendo dito do
que no que está por trás: por exemplo, se o paciente comenta “nos últimos
meses parece que meu médico tem precisado aumentar a dose da medicação”,
o profissional pode responder “sim, talvez o senhor responda a doses maiores
mesmo”, ou pode perguntar “isso te preocupa?”. Muito provavelmente, a última
pergunta fará o paciente desenrolar o motivo pelo qual abordou este assunto.
Transpondo da literatura médica, existem estudos mostrando que o
médico interrompe o paciente em média a cada 18 segundos (Beckman; Frankel,
1984), sendo a consulta dominada por perguntas do profissional e, assim, as
necessidades do paciente podem ser ignoradas ou deixadas de lado. Um dos
erros mais comuns na prática clínica é fazer uma pergunta e já respondê-la sem
dar a chance de o paciente se manifestar: “e então, como está seu apetite? Tem
se alimentado bem?”. Michael Balint (1955), médico psicanalista e grande
estudioso da relação médico-paciente, afirmava que “se você fizer somente
perguntas, irá receber somente respostas e nada mais”. Portanto, saber
equilibrar perguntas abertas e fechadas é essencial na boa condução de uma
anamnese.

2.2 Coletar dados de sinais e sintomas diretos

É a coleta da história psiquiátrica, dos dados relevantes ao longo da vida


do indivíduo até chegar na história atual (que veremos adiante). Inclui histórico
familiar, doenças clínicas, hábitos de vida, círculo social e familiar. A obtenção
de um histórico prévio detalhado permite comparar o curso do quadro do
paciente com estudos de psicopatologia e classificações diagnósticas atuais,
aumentando a chance de uma avaliação correta e tratamento bem indicado.

2.3 A entrevista

A habilidade de entrevistar um paciente sem parecer mero preenchimento


de um checklist de sinais e sintomas é uma das tarefas mais importantes e
essenciais, e você a aperfeiçoará durante toda a sua vida profissional. A
entrevista é um processo ativo de sondagem, no qual são feitas perguntas
específicas em momentos oportunos do processo, usando habilidades de

7
transição e otimizando o tempo disponível. Um exemplo de pergunta de transição
(a qual auxilia no direcionamento da entrevista) em uma hipótese de transtorno
de personalidade: “anteriormente, você mencionou que seu marido a deixou
anos atrás, como você costuma lidar com situações de rejeição?”.

2.4 Propor plano terapêutico

Este tópico propõe-se a discutir maneiras de negociar o tratamento e


garantir a adesão do paciente ao plano proposto. Se o sujeito não compreender
suas orientações e seu embasamento para uma formulação diagnóstica, muito
provavelmente sua entrevista terá sido em vão (falaremos adiante do papel
importante da psicoeducação).

TEMA 3 – AS TRÊS FASES DA ENTREVISTA

Como qualquer avaliação realizada por profissionais de saúde, a


entrevista deve ter início, meio e fim. Precisamos estruturar mentalmente como
a entrevista se desenrolará, controlar seu ritmo e direcionar assuntos, quando
necessário. O bom entrevistador consegue coletar o maior número de
informações relevantes em um espaço de tempo pré-determinado. Aqui, vamos
discorrer sobre a estrutura de uma avaliação inicial. No próximo tópico,
voltaremos para detalhar melhor a fase intermediária da entrevista.

3.1 Fase de abertura

Nos primeiros minutos da sessão, o objetivo é conhecer um pouco do


paciente, dar-lhe abertura para que possa contar, sem interrupções, sobre sua
motivação em procurar ajuda. Além disso, é nessa etapa que o paciente está
decidindo se confia e tem segurança no profissional que acabou de conhecer. A
sensação de rapport começa desde o primeiro segundo de contato entre vocês,
e a aliança terapêutica é o ingrediente principal no sucesso psicoterápico. Ser
você mesmo, mostrar-se cortês, afetuoso e sensível à situação do paciente
auxiliam nesse processo.

3.2 Fase intermediária da entrevista

À medida que a sessão transcorre, o entrevistador irá traçar uma linha de


raciocínio direcionando para possíveis diagnósticos e verificando quais sintomas
8
e contextos requerem maior detalhamento. Por exemplo, sintomas ansiosos,
dificuldade para dormir ou uso de álcool podem ser os temas mais prevalentes
e você irá traçar uma forma de explorá-los, tanto no presente como no passado.
Além disso, também se investiga o contexto social, laboral ou escolar,
doenças clínicas associadas e histórico familiar. Dependendo do histórico,
começar do primeiro momento em que a pessoa apresentou prejuízos na sua
vida pode impedi-la de discorrer sobre a situação atual; por outro lado, é muito
comum o entrevistador usar a maior parte da entrevista explorando praticamente
só o histórico mais recente, pois é o momento mais sensível e doloroso que ele
irá compartilhar com você. Portanto, ter em mente perguntas de transição são
estratégias sugeridas para mudar o tópico sem parecer insensível.
Também é possível indagar qual foi o “ponto de virada” que fez o paciente
procurar ajuda, quando o paciente percebeu que estava em sofrimento e quais
são os possíveis fatores estressores associados. Quando a entrevista é bem
conduzida, ela lembra uma dança, na qual a troca de informações flui sem
obstáculos, e o paciente sente que está participando de uma conversa fascinante
sobre sua vida, em vez de estar sendo “o tempo todo analisado” por um estranho.
Novamente, pode soar repetitivo, mas interessar-se pela história de vida,
demonstrar curiosidade com os interesses, profissão e hobbies daquele
indivíduo tornam o momento menos engessado e desconfortável, sendo mais
fácil de coletar informações relevantes.

3.3 Fechamento

Ocorre nos minutos finais da entrevista, momento em que você fará uma
súmula para o paciente sobre suas impressões do caso, de uma forma que ele
consiga compreender o que está acontecendo com ele e qual é a proposta de
tratamento. Psicoeducar o paciente sobre seu transtorno diminui sua ansiedade
com o que de fato está acontecendo com ele, além de mostrar que ele não é o
único a padecer de tal sofrimento, dando a sensação de pertencimento e
melhorando a adesão ao tratamento que será proposto. Ainda, posicioná-lo de
acordo com sua expertise no assunto desmistifica informações que ele possa ter
encontrado na internet ou em literatura pouco recomendada, apurando o nível
de confiança na sua condução do caso.
A apresentação da hipótese diagnóstica para o caso nem sempre precisa
ser feita em termos técnicos, mas sim de uma forma que o paciente entenda.
9
Assim, em vez de “transtorno depressivo maior”, pode-se dizer que ele está
passando por uma depressão clínica.
O próximo passo será investigar o que o paciente sabe sobre seu
transtorno e possibilidade de tratamento. Oriente sobre a etiologia, fatores de
risco, fatores estressores e discuta e estabeleça com ele um plano terapêutico
compartilhado, salvo exceções em que o paciente não apresenta condições de
decidir sozinho, como: comportamento suicida, psicose, agitação ou iminência
de agressividade, ou seja, situações em que o paciente pode colocar-se em risco
ou a terceiros. Nesses casos, a presença de um familiar ou cônjuge é necessária,
a fim de decidir a melhor conduta.
A adesão também se consolida se o profissional finalizar a sessão com a
próxima data e hora agendadas para um período curto e, se forem necessários,
fizer outros encaminhamentos (médico, fonoaudiologia, terapeuta ocupacional
etc.). Estabelecer limites no contato fora da sessão e formas de o contatar se
houver emergência também faz parte do fechamento e continuidade do
acompanhamento.

TEMA 4 – HISTÓRIA DA DOENÇA ATUAL

Se extrapolarmos este termo geral da medicina, seriam literalmente as


queixas estritamente relacionadas aos acontecimentos recentes, porém, na
saúde mental, a abordagem será diferente. A maior parte das condições
psiquiátricas tende a ter um curso crônico, ou seja, uma lenta instalação e longa
duração (ainda que vários transtornos apresentem fases de remissão). A História
da Doença Atual (HDA) de nossos pacientes pode se iniciar décadas antes da
avaliação clínica. Certamente, caberá aqui uma tentativa de desfazer o mal-
entendido que se formou em relação à palavra crônico, a qual é frequentemente
associada à deterioração global da personalidade, quando, na verdade, refere-
se apenas ao tempo de instalação e evolução de uma doença, o que não implica,
necessariamente, em deterioração ou incapacitação (alguns quadros
apresentam episódios únicos, outros estabilizam com tratamento de manutenção
e outros realmente incapacitam o paciente ao longo da vida e necessitam de
reabilitação).
Ao longo da entrevista, você invariavelmente caracterizará a primeira
“crise” de um paciente, bem como a atual e suas circunstâncias. O escrutínio das
demais crises dependerá da frequência, uma vez que alguns pacientes sofreram
10
várias, inclusive cursando com internações, interrupções de medicação e fatores
estressores ambientais importantes. O delineamento da situação de um paciente
nos períodos de remissão ou “intercríticos” e o fato dele ter retornado (ou não)
aos níveis prévios de adaptação costuma ser de grande valia até para o próprio
diagnóstico da condição com a qual o paciente sofre. A boa caracterização dos
níveis prévios de adaptação de um paciente é absolutamente necessária, até
para que tenhamos um referencial de maneira a bem avaliar os resultados da
terapêutica aplicada.
Frequentemente, médicos e psicólogos incorrem no erro de julgar que um
“nível de melhora” alcançado por um paciente não foi suficiente, porém, sem o
parâmetro do funcionamento prévio e da resiliência. Além disso, estabelecer
uma linha do tempo para os acontecimentos de interesse clínico costuma ser
muito útil para correlacionar episódios de morbidade, inclusive da natureza
etiológica.
Um olhar para a história da nosologia (ramo da medicina que estuda e
classifica as doenças) mostra que diversos transtornos mentais surgiram,
desapareceram, retornaram, tiveram seu nome modificado e assim por diante.
Além disso, é sempre bom não perder de vista essa dimensão histórica e pensar
que o mesmo pode acontecer com transtornos nas classificações atuais, os
quais podem simplesmente desaparecer ou passar a receber outro nome. Nesse
sentido, nossas classificações funcionam muito mais como bússolas que nos
orientam por qual caminho seguir com aquele paciente em específico, sem
esquecer de toda a sua individualidade.

TEMA 5 – OUTROS QUESITOS A SEREM INVESTIGADOS

Na História Familiar, procuramos saber se mais familiares consanguíneos


apresentam ou apresentaram um quadro psiquiátrico, já que a maioria desses
apresenta algum componente genético herdado. Dentro do mesmo tópico,
elaboramos também uma impressão inicial a respeito da dinâmica do núcleo
familiar do qual o paciente provém. Com isso, é possível não só identificar o
papel nela desempenhado, como também fazer uma razoável ideia acerca das
demais pessoas da família, especialmente se existe um suporte de familiares
que possam colaborar com o andamento do tratamento ou resistência e
dificuldade por parte de outros para compreender o sofrimento de seu ente.

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Um bom critério para discriminar os casos nos quais alguma intervenção
junto à família é imprescindível, dispensável ou mesmo prejudicial é o grau de
dependência do paciente em relação a ela. Esse é, aliás, o mesmo princípio que
implica a necessidade quase absoluta da participação da família nos tratamentos
de crianças em geral ou de idosos com declínio cognitivo. Em outras palavras,
avaliar se a dependência torna a família necessária no tratamento – isto é,
pacientes vulneráveis – ou tem cunho patológico; por outro lado, pacientes
afastados de seu núcleo familiar podem denotar relacionamento conflituoso ou
até histórico de negligência.
Diversas doenças clínicas e medicações podem estar envolvidas na
etiologia de quadros psiquiátricos ou agravá-los, como anemias, doenças da
tireoide, tumores cerebrais, traumatismos cranianos, epilepsia. Medicações
como corticoides podem influenciar em quadros de humor ou alteração de
comportamento em crianças.

NA PRÁTICA

Talvez uma analogia da medicina geral seja útil aqui: um médico


experiente apalpa um fígado aumentado no abdômen de seu paciente. Ele
convida os estudantes de medicina a apalparem o abdômen com as duas mãos
para que possam aprender a identificar esta alteração. O método
fenomenológico de empatia empregado em psiquiatria e psicologia é mais difícil
de ensinar do que este. É como se o profissional tivesse que realizar este exame
sem as mãos. Primeiro, ele precisa “treinar” o paciente a apalpar seu próprio
abdômen de maneira correta e, depois, descrever de forma precisa o que sentiu
(tarefa nada fácil, não é mesmo?). Dessa maneira, o profissional interpreta a
descrição do paciente, se o fígado está de fato aumentado, se é uma
interpretação errônea do paciente, se o paciente está tentando manipular que
seu fígado está alterado ou ainda exagerando no seu tamanho (veremos tudo
isso no exame do estado mental).
Situações difíceis:

• O paciente hostil: responder o paciente da mesma maneira não é só


antiético como improdutivo. A melhor maneira de conduzir a situação é
mostrando-se disponível para ajudar e fazendo uma breve detecção da
origem deste comportamento para encaminhar a melhor abordagem (por

12
exemplo, transtorno do humor reagudizado, psicose, emergência
hospitalar, solicitar familiar na sala etc.);
• O paciente persecutório: geralmente, está em quadro psicótico agudo e
qualquer pessoa à sua volta representa uma ameaça naquele momento.
Simplificar a avaliação também é uma boa saída, já que sua alteração de
juízo da realidade está alterada e ele terá pouco ou nenhuma escuta.
Nesses casos, intervenção médica é mandatória e emergencial;
• O paciente com suspeita de transtorno de personalidade: conduzindo a
entrevista de forma cronológica, focando principalmente nas suas
relações interpessoais, conseguimos tentar traçar possíveis padrões
disfuncionais;
• O paciente tímido ou ansioso: iniciar sempre com perguntas neutras
(nome, onde mora, profissão, estado civil, nome de familiares etc.) e
assuntos para “quebrar o gelo” para, então, gradativamente, começar a
formular perguntas mais diretivas.

Outra dica prática importante que pode comprometer todo o raciocínio


clínico: não aceite jargões fornecidos pelos pacientes, como “nervoso”,
“deprimido”, “tenho pânico”. É preciso pedir que ele explique o que quer dizer
com essas palavras (paciente diz que está “nervoso” – é um termo leigo genérico
que pode significar várias sensações subjetivas internas, como irritabilidade,
ansiedade, angústia etc.).

FINALIZANDO

Conduzir uma entrevista satisfatória depende de uma série de variáveis,


além do treinamento e sensibilidade do profissional, a saber (Dalgalarrondo,
2018):

Do paciente, de sua personalidade, de seu estado mental e emocional


no momento, de suas capacidades cognitivas etc. Às vezes, o
entrevistador precisa ouvir muito, pois o indivíduo “precisa muito falar,
desabafar, descrever seu sofrimento para alguém que o ouça com
atenção e respeito”; outras vezes, o entrevistador deve falar mais para
que o paciente não se sinta muito tenso ou retraído.
– Do contexto institucional da entrevista (caso a entrevista se realize
em pronto-socorro, enfermaria, ambulatório, centro de saúde, Centro
de Atenção Psicossocial [CAPS], consultório particular, consultório de
rua etc.).
– Dos objetivos da entrevista (diagnóstico clínico; estabelecimento de
vínculo terapêutico inicial; entrevista para psicoterapia, tratamento
farmacológico, orientação familiar, conjugal, pesquisa, finalidades
forenses, trabalhistas; etc.).

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E, por fim, mas não menos importante, da personalidade do
entrevistador. Alguns profissionais são ótimos entrevistadores, falam
muito pouco durante a entrevista, sendo discretos e introvertidos;
outros só conseguem trabalhar bem e realizar boas entrevistas sendo
espontaneamente falantes e extrovertidos”.
Evitar posturas excessivamente rígidas ou emotivas demais,
julgamento de valores, responder de forma agressiva a um paciente
hostil ou provocador e direcionar o paciente quando este está sendo
muito prolixo e desviando frequentemente do motivo e andamento da
sessão.

14
REFERÊNCIAS

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associados em pacientes com transtorno psíquico. Arch. Health. Sci. v. 27, n.
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16
PSICOPATOLOGIA
AULA 3

Profª Maria Cecília Beltrame Carneiro


CONVERSA INICIAL

O exame do estado mental

Apesar de estudarmos as funções psíquicas e suas alterações de forma


separada, é preciso lembrar que esse procedimento é artificial. É útil, pois
podemos aprofundar cada função; porém, devemos ter em mente que cada uma
delas não são fenômenos psíquicos isolados. Assim, logo veremos como eles
se inter-relacionam. Essa categorização de funções e seus termos técnicos
facilitam por uso de uma linguagem universal na área de saúde mental. Mas,
obviamente, é sempre a pessoa, na sua totalidade, que adoece e que será
examinada.
Quando falamos de transtornos mentais, esses não se tratam apenas de
agrupamentos de sintomas que coexistem entre si mas que também são
conectados estruturalmente. A psicopatologia, sendo centrada na pessoa, se
desenvolve com base em determinadas síndromes psiquiátricas, as quais
detalharemos em outras aulas. Na prática, com o paciente à nossa frente,
avaliamos seu estado mental atual e nos dias anteriores à consulta (geralmente
na última semana ou último mês, dependendo do caso).
Nesta aula, daremos início ao estudo das funções mentais. Devido a ser
esse um assunto extenso e central do curso, continuaremos tratando-o na aula
seguinte. Além da definição de cada função, vamos expor como identificar
alterações em cada uma delas e como correlacioná-las com quadros
psiquiátricos, lembrando que apenas uma única função mental alterada
provavelmente não configurará um transtorno mental (obviamente, em pacientes
sintomáticos e não nos que já estão estabilizados). O exame do estado mental
é parte fundamental da avaliação psicológica e bastante extenso; portanto,
daremos ênfase aos dados mais importantes e às sugestões para seu
aprofundamento.

TEMA 1 – APARÊNCIA, ATITUDE, CONSCIÊNCIA, ATENÇÃO E ORIENTAÇÃO

Algumas das funções apresentadas neste tema farão parte de um assunto


pouco explorado nos livros de psicopatologia, de forma geral: a comunicação
não verbal (CNV), de que trataremos em aula posterior.

2
1.1 Aparência

Pouco foi escrito sobre a aparência física do paciente, na literatura sobre


psicopatologia. De forma geral, quando um profissional da saúde mental
examina um paciente, ele pode observar literalmente o que está aparente, ou
seja, o aspecto global do paciente, expresso pelo seu corpo e sua postura
corporal, seus trajes (roupas, sapatos etc.), acessórios (colares, brincos,
piercings etc.), por detalhes como uso de maquiagem, perfumes, odores e
marcas corporais (tatuagens, cortes etc.), cuidados higiênicos e estéticos
relativos ao corpo (incluindo cabelos, barba, unhas, dentes). A aparência do
paciente pode revelar muito de seu estado mental interior, sendo um recurso
importante para auxiliar no diagnóstico e para conhecer o indivíduo como
pessoa. É importante ressaltar que esse tópico não se refere, de modo nenhum,
a julgamento de valores ou preferências estéticas.
Mas, afinal, como descrevemos alterações na aparência do paciente? Ele
pode se apresentar de modo cuidado; ou descuidado – com a higiene corporal
comprometida, roupas sujas, rasgadas ou desalinhadas; mau cheiro; cabelos
despenteados ou malcuidados; dentes estragados, ausentes; unhas sujas e/ou
compridas. A aparência do paciente também podemos classificá-la como:
adequada, bizarra (extravagante ou excêntrica), exibicionista, inadequada para
o clima (por exemplo, pacientes esquizofrênicos podem trajar roupas de inverno
durante o verão e vice-versa e pacientes autistas com alterações sensoriais
táteis podem usar apenas determinados tipos de tecido ou peças de roupa).
Adolescentes do sexo feminino e adultas jovens que apresentem quadro de
automutilação podem, muitas vezes, vestir apenas roupas de mangas compridas
para esconder as lesões, e as pacientes com possível quadro de anorexia
nervosa, roupas mais largas, para mascararem a magreza excessiva. Já a
aparência exibicionista caracteriza-se pela excessiva exposição do corpo, sendo
observada em pacientes com aumento da libido; e, ainda, por maquiagem
exagerada, que destoa do basal do indivíduo ou da ocasião, frequentemente
visto em pacientes com mania ou hipomania.

1.2 Atitude

Vamos restringir o emprego do termo atitude ao comportamento


especificamente relacionado ao examinador e à entrevista. O profissional não

3
deve provocar, ativamente, nenhuma atitude no paciente – esta deve ser
espontânea, e podemos analisá-la desde antes de o paciente entrar na sala de
consulta. Não existem muitos termos técnicos para descrever esse quesito e
muitos extrapolam o seu uso corriqueiro. Algumas atitudes, por parte dos
pacientes, são consideradas desejáveis, pois contribuem positivamente para a
realização da avaliação psíquica, tais como: atitudes cooperantes, amistosas,
confiantes, interessadas, abordáveis. Essas atitudes mostram que o paciente
apresenta uma plena consciência de sua morbidade.
Algumas das atitudes observadas em pacientes com transtorno mental –
lembrando que, durante toda essa nossa imersão no tema, propomos um roteiro
mínimo para posterior estudo aprofundado – são: não cooperação, oposição ao
que a eles se apresenta como recomendação, hostilidade, fuga, suspicácia
(ligada a quadros delirantes), querelância (o paciente discute e briga com o seu
examinador), reivindicação (o paciente quer ser atendido na hora que bem
entender), arrogância, evasão, invasão, esquiva, inibição ou desinibição
excessivas, jocosidade, ironia, muito lamurio, dramaticidade ou teatralidade,
sedução, puerilidade, simulação ou dissimulação (o paciente tenta ocultar ou
forjar um sintoma ou doença, com objetivos secundários), indiferença,
manipulação, submissão e expansividade.

1.3 Consciência

A palavra consciência vem do latim cum scientia e significa, literalmente,


uma ciência acompanhada de outra ciência. Para consciência existem várias
definições, a depender do campo do estudo. Por ora, citaremos três delas. A
consciência neuropsicológica seria o estado de estar acordado, vígil, lúcido, o
que é categorizado em níveis de consciência. Já a definição psicológica
conceitua o campo da consciência como a soma das experiências conscientes
de um indivíduo em determinado momento de sua vida (Jaspers, 2005). Na
relação do eu com o meio à sua volta, a consciência seria a capacidade do
indivíduo de entrar em contato com a realidade, perceber e conhecer os seus
objetos, distinguir o eu do não eu, ter consciência de que tem consciência e,
assim, poder refletir sobre os seus conteúdos psíquicos – trata-se, enfim, do dar-
se conta de si, do mundo externo e de suas vivências subjetivas. A terceira
definição seria a ético-filosófica, utilizada não só no campo da ética e da filosofia
como também no do direito. Ela se relaciona a tomar ciência dos deveres éticos
4
e assumir as responsabilidades, os direitos e os deveres concernentes a essa
ética. Neste curso, enfocaremos a consciência do ponto de vista neurofisiológico.

1.3.1 A consciência neurofisiológica

A consciência dita neurológica pode ser traduzida como um nível geral de


atividade do sistema nervoso, com variações quantitativas, regulada por
sistemas moduladores difusos que, por sua vez, são formados por conjuntos de
neurônios com diferentes neurotransmissores. O estado da consciência
neurológica é regulado pelo sistema ativador reticular ascendente (Sara) e pelo
relógio biológico hipotalâmico, que regula o sono mediante modulações da luz
do dia e produção de melatonina pela glândula pineal. O Sara tem como principal
função a ativação do córtex cerebral, regulando os estados de alerta e de sono.
Drogas que deprimem a atividade neuronal do Sara, como os sedativos,
provocam sonolência; outras, como a anfetamina, que a estimulam, têm efeito
excitatório. Lesões ou disfunções no Sara causam rebaixamento da consciência
ou prejuízo cognitivo.
Vigilância é a capacidade neurofisiológica que serve de suporte a
qualquer atividade adaptativa. Significa que o indivíduo está vígil, desperto,
alerta, com o seu nível sensorial funcionando de modo claro. Para melhor
entendimento, é de suma importância que você se aprofunde no tema ciclo sono-
vigília e ritmos de vida, que compõe as variações normais de níveis de
consciência. A lucidez constitui um estado de consciência evidente ou de
vigilância plena. Quando o indivíduo está lúcido, os seus processos psíquicos
são experimentados com suficiente intensidade, os seus estímulos são
apreendidos e os seus conteúdos mentais possuem nitidez e são bem
delimitados. O nível de consciência pode ser modulado tanto por estímulos
externos como por estímulos internos (como pensamentos, emoções e
recordações). Uma das principais propriedades dessa modulação dos níveis de
consciência é facilitar a interação da pessoa com o ambiente de forma adequada
ao contexto no qual o sujeito se encontra (p. ex., em situações de ameaça,
alguns estímulos podem ser ignorados e, ao mesmo tempo, a sensibilidade para
outros, mais relevantes, pode estar aumentada, expressando o chamado estado
de alerta). Por fim, o campo (ou amplitude) da consciência refere-se à quantidade
de conteúdos que a consciência abarca em determinado momento e representa
a dimensão horizontal da consciência.
5
1.3.1.1 Alterações quantitativas da consciência

As alterações quantitativas da consciência/vigilância referem-se à


intensidade da clareza das vivências psíquicas. No seu estado de normalidade,
o indivíduo está constantemente apresentando oscilações na intensidade de sua
consciência, em geral pequenas. Há certa diminuição no nível de consciência
quando o indivíduo, por exemplo, está cansado, sonolento, relaxado ou em
repouso e quando os estímulos sensoriais externos e internos e os afetos são
pouco intensos. O nível de consciência varia ao longo de um continuum que
inclui desde o estado total de alerta até os estados de sono (variação normal) ou
coma (variação patológica mais grave). Algumas alterações patológicas
quantitativas, nesse espectro, incluem: torpor, estado confusional, confusão
mental, estado oniroide, estado confuso-onírico, obnubilação (diminuição branda
da atenção e da sensopercepção) e estupor. Esse espectro traduz as variações
do rebaixamento do nível de consciência, um comprometimento difuso e
generalizado do funcionamento cerebral que sempre possui uma etiologia
orgânica. Alguns autores também descrevem a elevação do nível de consciência
ou hipervigilância: esse fenômeno ocorre na intoxicação por alucinógenos ou por
anfetamina, na mania, no início da esquizofrenia, situações em que há um
aumento de intensidade das percepções, do afeto, da atividade, da memória de
evocação e da atenção espontânea, porém com prejuízo na concentração, no
raciocínio e na memória de fixação.

1.3.1.2 Alterações qualitativas da consciência

Dentre as variações fisiológicas da consciência, o sonho é a mais


frequente e definida como uma vivência subjetiva durante o sono. Caracteriza-
se pelo predomínio de imagens visuais (podendo haver sensações motoras,
auditivas etc.), conteúdos bizarros, falsa crença de que se está acordado,
diminuição da capacidade de reflexão; mudanças súbitas quanto a tempo, lugar
e pessoas; dificuldade de se lembrar de seu conteúdo após ter despertado
(Hobson, 2002).
No âmbito das alterações patológicas da consciência, temos o
estreitamento do campo da consciência, que é a característica que define os
estados crepusculares e que ocorre na epilepsia parcial complexa, na
intoxicação alcoólica, nos estados dissociativos, no estresse pós-traumático, no

6
sonambulismo e nas crises de terror noturno na infância. Seu curso é breve, de
início súbito: o paciente apresenta-se um pouco confuso, perplexo, demonstra
afeto indiferente e tem amnésia anterógrada. Tanto o sonambulismo como o
terror noturno, que são classificados como parassonias, têm curso benigno.
O quadro de delirium é definido como uma disfunção transitória no
metabolismo cerebral – atenção: não confundir com delírio! Tal alteração do
conteúdo do pensamento será vista mais adiante. O delirium tem início agudo ou
subagudo e, geralmente, origem orgânica (muitas vezes ligada a quadros
infecciosos, medicamentosos, de insuficiência renal ou hepática, de tumores
cerebrais) ou relativa a quadros de abstinência de substâncias (o mais comum é
o delirium tremens, pela abstinência de álcool, do qual falaremos em outra aula).
Umas das suas principais características são a flutuação do nível de consciência
e a desorientação do indivíduo no tempo e no espaço.
Por último, temos os fenômenos de despersonalização e desrealização,
caracterizados pela vivência de uma sensação de estranheza para consigo
mesmo e o mundo ao redor. Pacientes costumam descrevê-los como: percepção
de forte pressão na cabeça, sensação de sair do corpo, de ver o ambiente de
fora, como numa desconexão emocional. O indivíduo consegue fazer a crítica da
sua irracionalidade e tem medo de perder o controle. Por mais peculiar que
pareçam, esses fenômenos são comuns em transtornos ansiosos, dadas as
consequentes preocupações e angústias inerentes ao quadro.

1.4 Atenção

Segundo definição de Cheniaux Junior (2015, p. 52),

A atenção é o processo pelo qual a consciência é direcionada para


determinado estímulo (de origem externa ou interna) sensorial, afetivo
ou cognitivo. O que é selecionado pela atividade da atenção adquire
maior clareza e nitidez. Se não tivéssemos esta capacidade de
selecionar o estímulo, a quantidade de informações externas e internas
que chegaria à nossa mente seria tão grande que inviabilizaria
qualquer atividade psíquica. A volição e o afeto/humor também podem
interferir diretamente na atenção.

Além disso, a atenção influencia a sensopercepção, a memória (tanto de


fixação de novos registros como de evocação de antigos) e a orientação do
indivíduo.

7
1.4.1 Principais funções da atenção

Também classificamos a atenção como voluntária, ou seja, traduzida por


um esforço intencional e consciente, por parte do indivíduo, concentrado em um
objeto; ou espontânea, associada à vigilância e definida como uma reação
automática, não consciente e não intencional do indivíduo aos estímulos. Por
exemplo, despertam mais a nossa atenção os estímulos mais intensos,
repentinos e inesperados.
Avaliamos também a tenacidade e a mobilidade da atenção. A primeira é
definida como a capacidade de um indivíduo de manter a atenção (ou a
concentração) em determinado objeto, por certo tempo. Já a segunda seria a
capacidade de direcionarmos a atenção de um objeto para outro. As duas são
qualidades opostas: se uma aumenta, a outra tende a diminuir de intensidade.

1.4.2 Alterações quantitativas da atenção

Classificamos as alterações quantitativas da atenção somente em


hipoprosexia e aprosexia. A primeira corresponde a uma diminuição global da
atividade da atenção, a qual afeta a tenacidade e a mobilidade do indivíduo.
Nesse quadro, há uma rápida fatigabilidade, associada ao esforço para se
concentrar, e o paciente necessita de estímulos mais intensos para manter a sua
atenção em algo. Pode ocorrer nos estados de fadiga, tédio e sonolência e em
decorrência da apatia ou da falta de interesse, como na esquizofrenia, na
depressão e na demência, e pode ser secundária a um rebaixamento da
consciência (como em quadros de delirium) e a um déficit intelectual. Já a
aprosexia consiste na abolição da atenção: nos limites da normalidade, ocorre
durante o sono sem sonhos; e é também observada no coma, na demência em
fase terminal e em alguns casos de estupor.

1.4.3 Alterações qualitativas da atenção

No caso das alterações qualitativas da atenção, a mobilidade e a


tenacidade estão em condições opostas. Por exemplo, a rigidez da atenção
constitui um estado de hipertenacidade/hipomobilidade: por um período longo, o
indivíduo está concentrado em um único objeto e não é capaz de alterar sua
atenção para outro foco. Nessas características, podemos observar um
ensimesmamento do indivíduo, quando a sua atenção está dirigida,
8
exclusivamente, a um objeto interno (mais comum na esquizofrenia); e pode
ocorrer no indivíduo sem patologia psiquiátrica (por exemplo, uma pessoa está
lendo um livro que considera muito interessante e não registra nada do que
ocorre ao seu redor, com sua atenção voltada exclusivamente para essa vivência
interna). Nas grandes síndromes, é possível observar tal situação: na depressão,
em relação a pensamentos e recordações dolorosas; no transtorno obsessivo-
compulsivo, em relação às ideias recorrentes; na hipocondria, em relação às
sensações corporais. Muitos autores denominam essa alteração de distração.
Já a labilidade da atenção constitui-se de uma hipotenacidade da atenção
com uma hipermobilidade, estado em que o paciente não mantém a sua atenção
a um determinado objeto por muito tempo (Cheniaux Junior, 2015, p. 54). Ocorre
na mania, na intoxicação por certas substâncias, nas síndromes ansiosas, no
transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, nos quadros de delirium com
sintomas psicóticos e nos transtornos cognitivos.
No exame do seu estado mental, a expressão fisionômica do paciente já
fornece elementos para a avaliação do seu estado de atenção. Devemos
observar também a adequação e a velocidade das suas respostas às perguntas
formuladas, bem como o seu grau de distraibilidade e fatigabilidade durante a
entrevista. O contato visual do paciente nos fornece informações relacionadas à
sua atenção: se o seu olhar se mantém direcionado ao examinador ou se é
constantemente desviado, ou se parece perdido e transpassa o examinador, ou
seja, o paciente o olha mas dá a impressão de não o estar vendo.

1.5 Orientação

A orientação é uma função mental complexa, com a qual o indivíduo é


capaz de situar-se no tempo, no espaço, em relação a si e ao mundo. É
interligada com a consciência, a atenção, a memória, a sensopercepção, o afeto
e o tônus do humor, com cujos aspectos definimos se o paciente está orientado
alopsiquicamente (no tempo e no espaço) e autopsiquicamente (em relação a si
e ao ambiente).

1.5.1 Alterações da orientação

Registram-se as seguintes possibilidades de alteração da orientação de


um paciente:

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• Desorientação de causa orgânica: geralmente alopsíquica, compromete
o funcionamento cerebral do indivíduo, como nos casos de deficiência
intelectual, estados confusionais (abuso de drogas, traumatismos
cranianos, delirium tremens etc.), amnésicos, lacunares (quando o
paciente não sabe o que aconteceu nem o que está acontecendo em um
espaço de tempo, comum em quadros pós-concussão), demenciais
(declínio cognitivo global).
• Desorientação por alterações da volição e do afeto: em quadros
dissociativos (fugas, amnésias, transes, em geral aqueles dois podem
estar alterados), apáticos (depressões graves – o paciente se apresenta
consciente mas pouco responsivo a estímulos externos, pela falta de
energia para processar percepções e raciocínios), maníacos (pelo seu
humor exaltado, agitado, o paciente se perde na fluência do tempo) e
psicóticos (geralmente com alteração autopsíquica, em função do quadro
delirante e/ou alucinatório).

TEMA 2 – SENSOPERCEPÇÃO E MEMÓRIA

2.1 Sensopercepção

A sensopercepção pode ser definida como a capacidade do indivíduo de


apreender, em sua consciência, os objetos reais do mundo externo ou até do
seu próprio mundo interior. Essa função faz a captação intuitiva (proporcionada
pelos órgãos sensoriais) e a integração significativa (proporcionada pela
consciência reflexiva) das informações absorvidas pelo indivíduo.
Desmembrando, de forma artificial, os processos ligados a essa função mental,
temos a sensação – “fenômeno passivo, físico, periférico e objetivo que resulta
das alterações produzidas por estímulos externos sobre os órgãos sensoriais”
(Cheniaux Junior, 2015, p. 59), por meio do qual podemos identificar cor, forma,
peso, temperatura etc. de um objeto; e, por sua vez, a percepção, relacionada à
discriminação dos objetos, dando significação às sensações. Classificamos as
qualidades sensoriais em: exteroceptivas – visuais, auditivas, gustativas,
olfativas, cutâneas; interoceptivas – bem-estar, mal-estar, fome, sede,
sensibilidade visceral; proprioceptivas – cinestésicas, posição segmentar do
corpo, equilíbrio, barestesia, palestesia, imagem perceptiva e imagem
representativa.

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2.1.1 Alterações quantitativas da sensopercepção

Consistem em alterações quantitativas da sensopercepção:

• Agnosia: distúrbio do reconhecimento de estímulos visuais, auditivos ou


táteis, na ausência de déficits sensoriais. As sensações do indivíduo
continuam a ocorrer normalmente, porém não são associadas às suas
representações. O paciente é capaz de descrever a cor e a forma de um
objeto, mas não o identifica: ele não consegue reconhecer, por exemplo,
um guarda-chuva, nem dizer para que ele serve. Essa alteração está
relacionada a lesões cerebrais corticais.
• Hiperestesia: aumento global da capacidade sensitiva, ou seja, as
impressões sensoriais do indivíduo tornam-se mais intensas, mais vívidas
ou mais nítidas. É observada na mania, na intoxicação por anfetamina,
cocaína, maconha e alucinógenos. Pode se manifestar também como
uma hipersensibilidade a estímulos sensoriais comuns que se tornam
extremamente desagradáveis, por exemplo, diante de leves ruídos.
Costuma ser observada na depressão, em estados de ansiedade e no
transtorno do espectro autista (TEA), de forma mais intensa.
• Hipoestesia: diminuição da capacidade sensitiva – o mundo fica sem cor,
o paladar do indivíduo não sente o gosto dos alimentos e até a sua
sensação de dor pode se mostrar rebaixada. Observa-se, principalmente,
em quadros de depressão, esquizofrenia, demências, delirium e
transtornos conversivos.
• Anestesia: perda da sensibilidade, encontrada nas mesmas situações que
a hipoestesia.

Existem também alterações de sensopercepção relacionadas ao tamanho


de um objeto: macropsia, micropsia e dismegalopsia.

2.1.2 Alterações quantitativas da sensopercepção

As principais alterações, de ordem quantitativa, da sensopercepção são:


a ilusão, que se trata da percepção falsa de um objeto real e presente, que pode
ocorrer não só em pessoas com transtornos mentais, mas também em pessoas
consideradas saudáveis, de que as ilusões visuais são as mais frequentes; a
pareidolia, que consiste numa imagem criada intencionalmente com base em

11
percepções e que não é patológica, por exemplo ver figuras humanas, animais,
objetos em nuvens; as alucinoses, em que há uma percepção clara e definida do
objeto, porém o paciente tem crítica de que a sua sensopercepção é algo
patológico (diferentemente das alucinações verdadeiras) – são também
chamadas alucinações neurológicas, já que estão relacionadas a distúrbios de
origem orgânica, comuns em transtornos orgânicos cerebrais, na intoxicação por
alucinógenos e no fenômeno do membro fantasma, em amputados.
Nesse grupo de alterações, há ainda aquela que deve ser mais bem
estudada: a alucinação, ou seja, a percepção clara, definida e convicta de um
objeto inexistente, vivenciada como própria do mundo do sujeito. As alucinações
não se originam de transformações de percepções reais, o que as distinguem
das ilusões. Conforme o receptor sensorial envolvido, podem ser: auditivas,
visuais, olfativas, gustativas ou táteis. Podem levar, secundariamente, ao
desenvolvimento de ideias deliroides, criadas como uma explicação para
aquelas. As alucinações verdadeiras possuem uma força irresistível de
convencimento e são aceitas pelo juízo de realidade, por mais que pareçam,
para o próprio paciente, estranhas ou especiais. Pseudoalucinações são
imagens representativas involuntárias, fugazes, sem intensidade e pouco
nítidas, geralmente visuais e auditivas. Os pacientes as percebem com os seus
olhos (ou ouvidos) internos, com o termo internos referindo-se a algo que se
opera dentro da mente (e não dentro do corpo ou da cabeça). As alucinações
manifestam-se na esquizofrenia, em transtornos de humor, situações de abuso
de substâncias e episódios de estresse e fadiga. Sua manifestação também se
refere a alucinações factícias em simuladores ou a alucinações em que há crítica
por parte do paciente (p. ex., em pacientes que têm a sensação de que alguém
os chama pelo nome).
As alucinações visuais podem ser simples ou complexas e têm
geralmente etiologia orgânica, como em quadros de delirium e na intoxicação
por alucinógenos, sendo mais raras em síndromes psicóticas (como
esquizofrenia). As alucinações auditivas são as mais comuns e podem ser
nítidas ou ininteligíveis para o paciente. Descrevemo-las como alucinações
auditivas de comando quando o paciente relata ouvir vozes imperativas e
persecutórias, comuns em síndromes psicóticas. Alucinações olfativas e
gustativas são raras e, em geral, estão associadas entre si, podendo ocorrer na
esquizofrenia (quando o paciente se recusa a comer por achar que alguém

12
envenenou sua comida). Entre as alucinações táteis estão incluídas as cutâneas,
as térmicas, as dolorosas e as hídricas.
Nas alucinações cenestésicas, as sensações dos indivíduos são
localizadas nos seus órgãos internos. Também existem as alucinações que
ocorrem nas transições vigília-sono e sono-vigília, conhecidas respectivamente
como alucinação hipnagógica e alucinação hipnopômpica, que costumam ser
visuais, mas também podem ser auditivas ou táteis, ocorrendo em pessoas
consideradas saudáveis e naquelas com narcolepsia. E, por último, as
alucinações sinestésicas compreendem estímulos sensoriais, em um órgão dos
sentidos, que são percebidos como oriundos de outro sentido, por exemplo: ver
sons, ouvir cores etc., mais comuns na intoxicação por alucinógenos.

2.1.3 Avaliação da sensopercepção

Alguns sinais, durante a entrevista com o paciente, podem fazer-nos


suspeitar que, naquele momento, ele apresente atividades alucinatórias: atenção
prejudicada (quando o paciente parece estar prestando atenção em outra coisa
que não nas perguntas do entrevistador); mudanças súbitas da posição da
cabeça (como se o paciente estivesse vendo algo a mais na direção de onde
vem a voz que ouve), fisionomia de terror ou perplexidade (principalmente no
início do quadro psicótico); execução de gestos como tapar os ouvidos, os olhos,
as narinas ou os órgãos genitais ou “protegê-los” com algodão ou outro material.
Especificamente nas alucinações auditivas, pode ocorrer o comportamento de o
paciente falar sozinho (o que é conhecido como solilóquio), dar respostas
incoerentes em relação às perguntas e rir de forma imotivada. Olhar fixo em
determinada direção, desvios súbitos do olhar, movimentos defensivos com as
mãos podem denotar atividade alucinatória visual.
Em casos mais graves o paciente pode apresentar uma recusa
sistemática de alimentos (alucinação gustativa e olfativa), isso levando à perda
de peso excessiva; coçar ou tentar afastar algo da pele (alucinação cutânea).
Porém, o paciente não apresentar nenhum sinal sugestivo de atividade
alucinatória durante a sessão não exclui a possibilidade de ele ter sintomas de
alucinação. Vale reforçar que o exame psíquico do paciente é feito durante a
sessão e também com seus dados dos dias/semanas anteriores – na prática,
será muito mais comum o relato prévio do paciente ou familiar sobre os seus
sintomas do que observá-los facilmente em um consultório.
13
2.2 Memória

A memorização se constitui de uma atividade psíquica basal pela qual se


dá a aquisição de conhecimento e aprendizado, os quais são essenciais para o
desenvolvimento e a sobrevivência do indivíduo. As informações armazenadas
na memória dizem respeito às nossas experiências perceptivas e motoras, assim
como às nossas vivências internas. O processo de atividade da memória é
dividido em três fases:

1. fixação – refere-se à aquisição de novas informações e depende da


preservação do nível de consciência (vigilância), atenção e
sensopercepção do indivíduo;
2. armazenamento – nessa etapa, ocorre a manutenção das informações
que foram fixadas, em um processo bastante dinâmico;
3. memória de evocação – corresponde ao retorno ao presente, de modo
espontâneo ou voluntário, dos dados fixados.

Na classificação das memórias temos a memória sensorial (ou imediata),


que dura menos de 1 segundo, permanece ativa apenas o tempo necessário
para se dar a percepção e é a mais precisa, pois ainda não se baseia nas
vivências do indivíduo. Em seguida, a memória de curto prazo (ou recente) dura
de alguns segundos a minutos, armazenando temporariamente as informações
para a realização de tarefas cognitivas. A memória de trabalho se compõe de
três subsistemas: um verbal, que armazena informação auditiva sob a forma de
linguagem falada; um visuoespacial, que mantém ativas imagens visuais de
objetos e informações de localização no espaço; e o executivo central, que
coordena os outros dois e direciona a atenção. Por último, a memória de longo
prazo corresponde ao registro dos dados e se apoia na vivência do indivíduo,
armazenando permanentemente as informações. Ela se subdivide em explícita
(com informações sobre o que é o mundo, que são evocadas voluntariamente e
podem ser expressas em palavras) e implícita (não declarativa). A memória
explícita subdivide-se, por sua vez, em memória episódica e memória semântica.
A primeira é uma memória explícita que se refere a eventos autobiográficos, a
vivências pessoais do indivíduo, vinculadas a determinado local e ocasião. A
memória semântica se refere a conceitos atemporais, compartilháveis com as
outras pessoas. Na memória implícita armazenam-se conhecimentos que são
adquiridos sem esforço, por exemplo, o processo de desenvolvimento
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perceptomotor para executar tarefas e seu aprimoramento ao longo do tempo,
devido às experiências prévias. É um tipo de memória automática e reflexa, não
descrita por palavras e pré-consciente.

2.2.1 Alterações quantitativas da memória

Constituem alterações quantitativas da memória:

• Amnésia (ou hipomnésia) anterógrada: dificuldade de formar novas


lembranças de longo prazo e de adquirir novas aprendizagens a partir do
momento em que a doença se instalou. Ocorre principalmente nos
quadros demenciais, de déficit intelectual e nos transtornos amnésticos.
Também pode fazer parte dos quadros de delirium, estados
crepusculares, transtornos ansiosos e de agitação psicomotora devido à
diminuição na capacidade de concentração. Nessas situações, o sujeito
perde objetos, não consegue gravar recados e transmiti-los, nem nomes
e rostos de pessoas que acabou de conhecer; pode se desorientar quanto
à localização e ter dificuldade em registrar o dia corrente.
• Amnésia (hipomnésia) retrógrada ou de evocação: dificuldade ou perda
da memória de fatos anteriores ao fator causal do distúrbio mnêmico,
relativa a um período limitado de tempo (horas ou dias) e que ocorre
principalmente em quadros dissociativos e traumatismos
cranioencefálicos.
• Amnésia (hipomnésia) retroanterógrada: também denominada mista ou
de fixação e vocação, é a forma mais comum de amnésia. Aparece nos
quadros demenciais e de delirium ou, ainda, após um traumatismo
cranioencefálico.
• Amnésia (hipomnésia) lacunar: também chamada de localizada, trata-se
de falha de memória que abrange especificamente determinado espaço
de tempo, com limites mais precisos, durante o qual há um prejuízo na
capacidade de fixação. Ocorre posteriormente a um estado de coma ou
delirium ou durante um período maníaco ou psicótico (devido à agitação
psicomotora), uma crise de pânico ou um evento psicológico traumático.
• Amnésia (hipomnésia) seletiva: perda de elementos mnêmicos com valor
psicológico específico, que não afeta a capacidade de reter novas

15
aprendizagens. É observada em quadros dissociativos (como na amnésia
psicogênica).
• Hipermnésia anterógrada (de fixação): capacidade exagerada de
armazenamento de novas informações. Geralmente está relacionada a
uma habilidade específica, por exemplo, de memorizar uma grande
quantidade de números ou nomes. Pode ocorrer em pessoas
consideradas saudáveis, porém é mais frequente em indivíduos com
déficit intelectual ou TEA.
• Hipermnésia retrógrada: observada na síndrome maníaca, na qual ocorre
um excesso de recordações num breve espaço de tempo, as lembranças
são pouco claras e precisas e não há controle voluntário sobre elas.
• Hipermnésia seletiva: comum na depressão, em que se relaciona a fatos
dolorosos ou que despertem sentimento de culpa; na mania, quanto a
sucessos e realizações pessoais; e nos quadros delirantes, quanto a fatos
que pareçam confirmar um juízo patológico.

2.2.2 Alterações qualitativas da memória

A paramnésia ou alucinação de memória corresponde a uma distorção no


processo de evocação, quando a lembrança do indivíduo não corresponde à
sensopercepção original, embora, para o paciente, ela seja verdadeira, podendo
misturar presente e passado e envolver distorções ou inclusão de detalhes,
significados ou emoções falsas. A fabulação (ou confabulação) seria um tipo
especial de paramnésia.
Na alomnésia, ou ilusão de memória, o paciente evoca lembranças
verdadeiras ou reais adicionando alguns elementos falsos ao núcleo da imagem
mnêmica, de forma involuntária. Ela aparece no delirium, na demência, nos
transtornos amnésticos, nos estados crepusculares, na mania, na depressão, na
esquizofrenia e no transtorno delirante, como expressão do conteúdo dos
delírios.
No déjà vu (já visto), o indivíduo interpreta uma situação nova como uma
repetição de memória que lhe é anterior, como se ele já a houvesse vivenciado.
No jamais vu (nunca visto), uma situação antiga é vívida como se fosse a
primeira vez de sua incidência. Ambos os quadros podem ocorrer na
esquizofrenia, em síndromes ansiosas e em pessoas sem alterações
psicopatológicas.
16
Na criptomnésia, as lembranças voltam à mente do indivíduo, mas não
são reconhecidas como tais, lhes parecendo fatos novos, de forma repetitiva e
em curto espaço de tempo.

2.2.3 Avaliação da memória

Durante a coleta de dados da anamnese do paciente, já é possível ter


uma estimativa inicial sobre as suas capacidades mnemônicas, principalmente
a sua memória de evocação, como ele organiza a cronologia dos fatos narrados,
os detalhes de sua história e sua autonomia de vida diária. Quando necessário,
solicitamos uma avaliação formal mais detalhada, por intermédio de testes
neuropsicológicos padronizados como o teste de cópia de figura complexa de
Rey e alguns subtestes da bateria Wechsler. Convém lembrar que fatores como
ansiedade e sintomas depressivos podem alterar o desempenho real do
indivíduo.

TEMA 3 – A LINGUAGEM

A linguagem é a principal forma de expressar um pensamento, formada


principalmente de signos fonéticos e gráficos que mediam o pensamento e o
mundo externo. Tem como objetivos, conforme Cheniaux Junior (2015, p. 91): “a
comunicação social, a expressão de vivências internas, a organização da
experiência sensorial e dos processos mentais, a tradução dos estímulos
externos, indicação e descrição das coisas, transmissão de conhecimentos e
regulação da conduta”.
Linguagem e pensamento são instâncias diferentes, apesar de sua
ligação direta, já que podem ocorrer alterações do pensamento sem alterações
da fala e vice-versa. Veremos que o estudo da linguagem tem como objeto as
palavras e o do pensamento se refere às ideias.

3.1 Alterações quantitativas da linguagem

Consistem em alterações quantitativas da linguagem:

• Afasia e disfasia: a primeira se refere à perda, e a segunda a um prejuízo


de linguagem. As afasias são distúrbios adquiridos da capacidade
linguística – na compreensão ou na expressão – que ocorrem na ausência
de déficit auditivo ou fonoaudiológico. De acordo com Cheniaux Junior
17
(2015), “[...] estão relacionadas a lesões no córtex cerebral causadas
principalmente por doenças vasculares, tumores e processos
degenerativos, como a demência de Alzheimer”. As afasias podem ser
classificadas como: motora (expressiva ou de broca), sensorial (receptiva
ou de Wernicke), de condução, global, transcortical e anômica
(semântica, amnéstica).
• Agrafia: caracteriza-se pela incapacidade isolada para escrever. Pode
também estar associada às afasias.
• Alexia: perda da habilidade para a leitura. Pode ocorrer isoladamente ou
associada às afasias e às agrafias.
• Aprosódia (hipoprosódia): diminuição da modulação da fala, que se
apresenta como monótona, com poucas modulações, além de com
dificuldade em compreender a prosódia da fala das outras pessoas.
• Mutismo: silêncio voluntário ou inibição psíquica para falar.
• Oligolalia: expressão verbal diminuída, mas não abolida.
• Hiperprosódia: acentuação da modulação, frequente nas síndromes
maníacas, que pode se apresentar com aumento da loquacidade.
• Logorreia (ou verborragia): refere-se a um comprometimento da fala,
devido ao aumento de sua velocidade, sendo difícil interrompê-la. Ela é
observada tipicamente nos estados maníacos.

A latência da resposta refere-se ao tempo que o paciente demora para


responder às perguntas do examinador: o aumento pode expressar uma inibição
psíquica, como na depressão; já a diminuição pode estar relacionada a uma
síndrome maníaca ou à ansiedade. Vale citar que, em relação ao volume de voz,
temos, ainda, a hiper e a hipofonia.

3.3 Alterações qualitativas da linguagem

A ecolalia consiste na repetição, via fala, da última ou das últimas palavras


que o indivíduo ouviu, dirigida(s) ou não a ele, e é algo totalmente involuntário.
Ocorre nas síndromes catatônicas, no TEA e em quadros psico-orgânicos. Na
palilalia o paciente repete seu próprio discurso. Ela ocorre principalmente nas
demências (como na demência de Alzheimer). A estereotipia verbal é a repetição
involuntária, inadequada e sem sentido comunicativo de palavras ou frases, que

18
o paciente faz com base no que ouviu. Ocorre na esquizofrenia, no TEA, nas
demências, no déficit intelectual e em algumas encefalites.
A mussitação (murmúrio repetitivo em tom baixo e com pouco movimento
labial), os neologismos (uso de palavras novas ou já conhecidas a que o paciente
atribui outro significado) e a jargonofasia (ou salada de palavras) ocorrem
principalmente na esquizofrenia. O ato de falar sozinho é denominado solilóquio
e é sugestivo de alucinação auditiva, mas pode ocorrer também em pessoas
consideradas saudáveis. Por último, a coprolalia é caracterizada pela presença
de palavras obscenas de maneira repetitiva e involuntária. Quando se constitui
num tique verbal, é uma manifestação típica da síndrome de Tourette,
manifestando-se de forma involuntária.

3.4 O exame da linguagem

A linguagem expressiva é definida como a capacidade de se expressar,


através da linguagem falada ou escrita ou de forma não verbal. Essas
habilidades são avaliadas de modo informal durante toda a entrevista com o
paciente. Todavia, alguns testes podem ser necessários, como os encontrados
no miniexame do estado mental (Folstein; Folstein; McHugh, 1975), os quais
ajudam a avaliar a capacidade de compreensão de nomeação e de repetição de
um indivíduo, principalmente em suspeitas de declínio cognitivo.

TEMA 4 – O PENSAMENTO E SUAS ALTERAÇÕES

O pensar está relacionado à antecipação de acontecimentos, à


construção de modelos de realidade e à simulação do seu funcionamento. As
atividades fundamentais do pensamento são: a elaboração de conceitos, a
formação de juízos e o raciocínio. Um conceito identifica os atributos ou
qualidades mais gerais e essenciais de um objeto ou fenômeno e é expresso por
uma palavra. Está relacionado à abstração e à generalização. Por exemplo: céu
e azul são conceitos. Na sequência, o juízo estabelece uma relação entre dois
ou mais conceitos e isso consiste no ato de afirmar ou negar algum atributo ou
qualidade a um objeto ou fenômeno. O raciocínio é composto por um sujeito, um
verbo de ligação e um predicado.
O pensamento se estrutura por meio de: curso, forma e conteúdo, que
constituem a chamada arquitetura do pensamento. O curso refere-se à

19
velocidade e ao ritmo do pensamento, à quantidade de ideias ao longo do tempo.
A forma, por sua vez, está relacionada à relação entre as ideias. Já o conteúdo
diz respeito à temática do pensamento, às qualidades ou características das
ideias.

4.1 Alterações quantitativas do pensamento

Na aceleração do curso do pensamento (ou taquipsiquismo), ocorre um


aumento importante na velocidade do processo associativo envolvido no
pensamento, e múltiplas ideias aparecem uma atrás da outra. Ela ocorre nas
síndromes maníacas graves, na intoxicação por estimulantes/alucinógenos e em
quadros ansiosos graves. Por outro lado, na lentificação do curso do pensamento
(ou bradipsiquismo), o paciente apresenta um pensamento com progressão
lenta, há uma redução no seu número de ideias, uma inibição do processo
associativo, sem comprometimento dos conceitos e juízos, que surgem de modo
mais moroso. Essa alteração é tipicamente observada na depressão grave,
ocorrendo também nas demências e no quadro de abuso de determinadas
substâncias depressoras do sistema nervoso central. A interceptação do curso
(ou bloqueio do pensamento) é considerada uma alteração quase que exclusiva
da esquizofrenia e incide abruptamente e sem motivo, podendo ou não o curso
do pensamento se completar ou se iniciar um outro. A vivência do paciente é a
de que o fluxo do seu pensamento se rompeu, resultando num branco em sua
mente. Tal experiência é muitas vezes atribuída pelo paciente a um roubo do seu
pensamento.

4.2 Alterações qualitativas do pensamento

Consistem em alterações qualitativas do pensamento:

• Fuga de ideias: variação rápida e incessante de temas, podendo ocorrer


um afastamento da ideia central, mas sem confusão mental – a velocidade
do pensamento está tão aumentada que produz um “atropelamento” das
ideias. Pode-se identificar na síndrome maníaca grave e na intoxicação
por estimulantes e álcool.
• Desagregação do pensamento: pensamento desarticulado, com ideias
fragmentadas, incoerentes, difíceis de serem compreendidas ou mesmo

20
irracionais. Manifesta-se na esquizofrenia, no delirium, na demência em
estágio avançado e na síndrome maníaca.
• Prolixidade: incapacidade de síntese, raciocínio difícil e sem conclusão do
tema – o paciente detalha uma série de pormenores desnecessários,
sendo extenso e cansativo. Alguns autores preferem utilizar os termos
circunstancialidade e tangencialidade.
• Perseveração: recorrência excessiva e inadequada de um mesmo tema,
com fixação em uma única ideia e um déficit nas associações de ideias,
ocorrendo na demência, no déficit intelectual, no delirium, na epilepsia e
na esquizofrenia.
• Ideias obsessivas (ou obsessões): são reconhecidas pelo próprio
paciente como absurdas, são repetitivas e persistentes (veremos com
mais detalhes em outra aula).
• Pensamento concreto (ou pensamento empobrecido): discurso pobre em
conceitos abstratos, impossibilitando o uso do campo simbólico, com
estrutura rudimentar e dificuldade para se utilizar metáforas. Em sua
incidência, há uma intensa adesão do indivíduo ao nível sensorial e
imediato das suas vivências, com generalizações equivocadas e, além
disso, uma inflexibilidade ou dificuldade diante de regras. Ocorre na
demência, no déficit intelectual e na esquizofrenia.

4.3 O exame do pensamento

A fala do paciente é a única forma de acessar o seu pensamento, não


sendo possível, portanto, avaliar o pensamento de um paciente em estado de
mutismo. Para se examinar a forma do pensamento, observamos o paciente falar
livremente durante algum tempo, evitando interrompê-lo; se o seu pensamento
se expressa em um discurso lógico ou ilógico; e também a velocidade com a qual
o paciente interage. As ideias delirantes ou delírios são alterações do conteúdo
do pensamento e, devido à grande importância do tema, o abordaremos mais
detalhadamente a seguir.

TEMA 5 – ALTERAÇÃO DO CONTEÚDO DO PENSAMENTO: O DELÍRIO

Os delírios consistem em alterações patológicas do juízo que possuem as


seguintes características: irredutibilidade, irremovibilidade e conteúdo

21
impossível. Por meio do juízo crítico da realidade, discernimos o que é real do
que é fruto de nossa imaginação. Dependendo do contexto e das características
do paciente, a intensidade do delírio pode flutuar e o paciente pode até mesmo
ter dúvidas ou questionar a sua veracidade. Os delírios que classificamos como
bizarros são geralmente impossíveis (por exemplo, o paciente ter a sensação de
que um extraterrestre implantou um chip dentro de sua cabeça). Já os delírios
não bizarros envolvem temas plausíveis porém improváveis de acontecerem
(como o paciente achar que está sendo perseguido por um carro preto que para
todo dia na frente de sua casa).
A vivência do delírio é muito particular a cada indivíduo e difere das
crenças culturalmente compartilhadas, como os dogmas religiosos. Além disso,
é, de certa forma, autorreferente, pois o conteúdo do pensamento está em maior
ou menor grau relacionado ao paciente e se transforma no eixo em torno do qual
passa a girar a vida do indivíduo. Em função de sua convicção irredutível, o
paciente delirante não sente a necessidade de comprovar objetivamente a
veracidade de seu pensamento e seu juízo crítico, nem de convencer os outros
de que está certo.
O delírio primário costuma ser incompreensível, por ser algo novo,
duradouro e irreversível, sem nenhuma raiz anterior. É um dos sintomas
cardinais da esquizofrenia, mas também encontrado em outros transtornos do
espectro psicótico. A percepção delirante consiste na atribuição de um
significado novo ou na percepção anormal de um objeto real e ocorre
simultaneamente ao ato perceptivo. Já a ideia deliroide (ou delírio secundário) é
uma ideia semelhante ao delírio, em relação ao juízo da realidade alterado,
porém é mais compreensível ao interlocutor, já que se origina de outras
manifestações emocionais, como alterações do humor, da sensopercepção e da
consciência, e seriam mais supostamente corrigíveis do que as ideias delirantes.
Exemplos: na depressão, o humor deprimido é o evento primário, por ser
incompreensível, e daí podem surgir os conteúdos das ideias deliroides
depressivas, como as ideias de culpa; na mania, as ideias de grandeza
decorrentes de um humor eufórico. Por fim, a ideia sobrevalorada é uma ideia
distorcida, afetada por uma superestimação afetiva. Decorre do fato de a ideia
estar relacionada a uma carga afetiva muito intensa, que influencia o julgamento
da realidade pelo paciente, tornando-o pouco racional. A convicção é muito
menor do que no delírio, é mais influenciável, podendo a ideia sobrevalorada

22
ocorrer inclusive em pessoas consideradas saudáveis. Incide, por exemplo, na
hipocondria, no transtorno dismórfico corporal, na anorexia nervosa.

FINALIZANDO

Daremos continuidade ao estudo das funções psíquicas na próxima aula.


Até aqui, é notável ter em mente noções de neuroanatomia e de neurofisiologia
que você já estudou em aulas anteriores.

23
REFERÊNCIAS

CHENIAUX JUNIOR, E. Manual de psicopatologia. 5. ed. Rio de Janeiro:


Guanabara Koogan, 2015.

FOLSTEIN, M. F.; FOLSTEIN, S. E.; McHUGH, P. R. Mini-mental state: a


practical method for grading the cognitive state of patients for the clinician.
Journal of Psychiatric Research, v. 12, n. 3, p. 189-198, nov. 1975.

HOBSON, J. A. Dreaming: an introduction to the science of sleep. Nova York:


Oxford University, 2002.

JASPERS, K. A abordagem fenomenológica em psicopatologia. Revista Latino-


Americana de Psicopatologia Fundamental, v. 8, n. 4, p. 769-787, 2005.

24
PSICOPATOLOGIA
AULA 4

Profª Maria Cecília Beltrame Carneiro


CONVERSA INICIAL

Nesta apresentação, finalizaremos o estudo teórico das principais funções


mentais e assim você poderá exercitar na prática em seus estágios e
supervisões de casos.
A esta altura, você já deve ter percebido que a maioria das funções são
interligadas e muitas vezes várias delas estão alteradas ao mesmo tempo no
mesmo paciente. Continuaremos nosso estudo das funções psíquicas a seguir.

TEMA 1 – INTELIGÊNCIA, VOLIÇÃO E PRAGMATISMO

1.1 Inteligência

A inteligência reúne todas as capacidades e habilidades mentais usadas


na adaptação de tarefas necessárias para a sobrevivência e relação com o
mundo. Funciona por meio de esquemas complexos e móveis para a resolução
de problemas. Várias outras funções psíquicas podem estar comprometidas,
causando prejuízos intelectuais, dentre as quais a linguagem, o pensamento, a
memória, o raciocínio, a orientação autopsíquica e a sensopercepção. Além
disso, as habilidades de intuição e criatividade permitem que novos conteúdos e
esquemas sejam construídos.
Determinadas fases do desenvolvimento da criança, os períodos críticos,
são importantes para a aquisição de habilidades específicas. Se a aprendizagem
não ocorreu ao final de determinado período, pode não ser possível a obtenção
da habilidade posteriormente. Geralmente prejuízos na inteligência se devem a
fatores múltiplos. Neste ponto, sugerimos estudar os estágios do
desenvolvimento das funções cognitivas segundo Piaget e os pré-requisitos para
a expressão da inteligência segundo Jaspers. Há também autores que propõem
outros modelos de estruturação da inteligência, como Catell (1971), Gardner
(1994) e Goleman (1994) – este último teoriza sobre a inteligência emocional.

1.1.1 Alterações da inteligência

Segundo Cheniaux Junior (2015), a inteligência está abaixo do intervalo


normal em duas situações: no déficit intelectual e no declínio cognitivo. O déficit
intelectual está relacionado a atrasos na aquisição de habilidades
neurocognitivas desde os primeiros meses de vida. O nível da inteligência é
2
inferior ao da maioria dos indivíduos com a mesma idade. O declínio cognitivo
consiste numa queda das habilidades intelectuais já adquiridas previamente.
Esse quadro ocorre na demência, no delirium e em outras síndromes mentais
graves, como a depressão e a esquizofrenia. Atualmente, sabe-se também que
as duas situações podem ocorrer concomitantemente: um
neurodesenvolvimento deficitário e uma deterioração intelectiva no mesmo
indivíduo, por exemplo, pacientes com Síndrome de Down, os quais apresentam
maior risco para demência de Alzheimer precoce. Pelo DSM V, o diagnóstico de
deficiência intelectual é confirmado quando há prejuízo adaptativo em várias
áreas: cognitivo, social, autonomia, relacionamento interpessoal, dentre outros.
Não é mais necessária a confirmação obrigatória por testes específicos da
inteligência formal, já que os prejuízos ultrapassam apenas esse aspecto.
Porém, na prática, sabemos que testagens neuropsicológicas têm seu valor
também para acompanhar o desenvolvimento de pacientes, psicoeducação dos
pais, orientação escolar e, inclusive, planejamento e expectativa de atividades
na vida adulta.
No outro extremo do espectro dos níveis de inteligência, temos as
crianças e adolescentes com altas habilidades, uma vez que apresentam um
desempenho intelectual acima do esperado para a sua idade e parece haver um
desenvolvimento precoce, geralmente se sobressaindo em alguma área
específica (musical, artes, lógica etc.).

1.1.2 Exame da inteligência

Em uma entrevista rotineira com o paciente, é possível termos uma


impressão inicial do nível de inteligência, ao analisar sua capacidade de
compreender conceitos, metáforas e analogias, a adequação de seus juízos e
raciocínios e o repertório do vocabulário. Informações sobre o seu desempenho
escolar ou profissional, sobre como lida com os problemas do dia a dia, sua
autonomia e capacidade adaptativa hoje são critérios fundamentais para avaliar
uma possível deficiência intelectual.

3
1.1.3 Testes neuropsicológicos

Basicamente, os testes podem ser divididos em verbais e de execução.


Os verbais avaliam a retenção de informações adquiridas anteriormente e os
executivos, a capacidade viso espacial e a velocidade viso motora nas tarefas
de solução de problemas. Nem sempre a capacidade cognitiva está
comprometida de forma uniforme: pode acontecer do desempenho nas provas
verbais ser melhor do que nas executivas ou vice-versa. Durante uma entrevista,
podemos utilizar testes verbais mais simples e de rastreio para avaliar os
seguintes aspectos: capacidade de abstração e de generalização, de síntese, de
raciocínio e o nível de conhecimentos: interpretação de provérbios, de fábulas e
cálculos matemáticos simples.

• Conceitos abstratos: pergunta-se o que significam palavras como


liberdade, alegria, amizade etc.;
• Resumo de textos: solicita-se que o paciente leia um texto curto e, em
seguida, sintetize as informações ali contidas
• Conhecimentos: são feitas perguntas simples como “Quais são as cores
da bandeira brasileira?”;
• Solução de problemas: “É melhor lavar uma escada de baixo para cima
ou de cima para baixo?”

Os testes executivos compreendem tarefas como resolver quebra-


cabeças e labirintos, completar figuras, ordenar uma história sem palavras,
copiar desenhos, encaixar objetos em tabuleiros com formas etc.
Para uma interpretação adequada dos resultados dos testes de
inteligência, devem ser considerados todos os fatores que podem interferir no
desempenho do paciente, como um baixo grau de instrução, sintomas ansiosos,
sintomas depressivos, a falta de interesse ou de motivação. Atualmente, a escala
de Wechsler é a mais utilizada: há uma versão para adultos (WAIS) e outra para
crianças (WISC), fornecendo um QI verbal, um QI de execução e um QI total.
Porém, temos que ter em mente que, atualmente, o prejuízo adaptativo em várias
esferas do desenvolvimento é que definem o diagnóstico.

4
1.2 Vontade

É uma função mental complexa e constitui um processo de escolha de


uma entre várias possibilidades de ação, uma atividade consciente de
direcionamento da ação, constituída de quatro fases: eclosão (ainda
inconsciente, ligadas aos impulsos), deliberação (a escolha racional: “faço ou
não faço?”), decisão (etapa principal: início da ação da vontade) e execução
(realização e finalização da vontade através da motricidade).
Já o impulso é uma resposta incontrolável, momentânea e involuntária na
qual o indivíduo satisfaz uma necessidade, basicamente uma necessidade
corporal e não tem a finalidade de sobrevivência e perpetuação da espécie
(como fome, sede, reprodução – que seriam os instintos).

1.2.1 Alterações quantitativas da volição

Hipobulia e abulia consistem na diminuição e total incapacidade da


atividade volitiva. A hipobulia e a abulia caracterizam-se por uma sensação de
indisposição, desânimo ou falta de iniciativa e perda do interesse pelo mundo
externo, dificuldade de transformar as decisões em ações e inibição da
psicomotricidade. Ocorrem na depressão grave, na esquizofrenia, no delirium
sem psicose, em alguns casos de demência e de déficit intelectual e no uso
crônico de neurolépticos de primeira geração.
A hiperbulia caracteriza-se por uma exacerbação do impulso volitivo com
a utilização de um esforço voluntário inapropriado, exagerado ou socialmente
inadequado para uma atividade. Ocorre principalmente na síndrome maníaca.

1.2.2 Alterações qualitativas da volição

Os atos impulsivos caracterizam-se por serem súbitos, incoercíveis e


incontroláveis e desprovidos de finalidade consciente. Pulam-se as etapas de
deliberação e decisão do processo volitivo, indo-se direto da intenção para a
ação. Alguns comportamentos heteroagressivos, autoagressivos e suicidas, a
frangofilia (a ação de destruir objetos), a piromania (propensão a atear fogo), a
dromomania (deambulação sem finalidade), a dipsomania (ingestão de grande
quantidade de álcool) e a hiperingestão alimentar (da bulimia nervosa) podem
ter as características de um ato impulsivo. Os comportamentos de automutilação
e suicida podem ser considerados desvios dos impulsos de autopreservação.
5
Formas leves e moderadas de automutilação ocorrem mais em pacientes com
déficit intelectual ou transtorno da personalidade borderline. Já formas mais
graves são mais comuns na esquizofrenia e no TEA grave. O suicídio é um risco
importante na depressão (principalmente a bipolar), no transtorno por uso de
substâncias e na esquizofrenia, embora nem sempre esteja relacionado a uma
doença mental.
As compulsões são atos que o indivíduo se sente compelido a realizar
após uma deliberação consciente, havendo, com frequência, luta ou resistência
contra a sua execução. Em alguns transtornos almeja-se uma sensação de
prazer (compulsões sexuais, por compras etc.) momentâneo, porém repetitivo
levando a prejuízos; em outros casos o objetivo é trazer certo alívio, em geral
temporário, para uma vivência disfórica e angustiante (como no transtorno
obsessivo compulsivo – TOC). Neste último, as compulsões podem ser atos ou
rituais secundários às ideias obsessivas, no sentido de aliviar a ansiedade
causada por tais pensamentos disfuncionais.
Em se tratando de alterações da diminuição da volição, temos o
negativismo, que consiste em uma resistência não deliberada, imotivada e
incompreensível às solicitações externas. No negativismo passivo, o paciente
simplesmente não faz o que lhe é pedido; no ativo, ele faz o oposto ao solicitado.
Podem ser manifestações do negativismo passivo o mutismo (recusa a falar) e
a sitiofobia (a recusa de alimentos). Podemos observar esses fenômenos na
esquizofrenia e na depressão.
Já obediência automática é uma alteração oposta ao negativismo: ocorre
uma tendência exagerada a atender às solicitações externas. Mais comum nos
transtornos dissociativos (por exemplo, o paciente se convence de que perdeu a
memória), conversivos (autossugestão – o indivíduo pode passar a acreditar, por
si próprio, que está paralítico ou cego), nos estados hipnóticos e no transtorno
psicótico compartilhado.

1.2.3 Avaliação da volição

A avalição da volição é feita por meio da observação do comportamento


do paciente: se ele demonstra iniciativa, é espontâneo e ainda consideramos sua
capacidade de tomar decisões. O grau de cooperação do paciente numa
entrevista já nos fornece alguns elementos para a identificação de alterações já
citadas, como negativismo e obediência automática. Além disso, as variações
6
quantitativas da linguagem e da psicomotricidade costumam estar diretamente
ligadas à volição: a hipervolição quase sempre é acompanhada de logorreia e
de agitação psicomotora, e a hipobulia, ocorre concomitante com oligolalia ou
mutismo e inibição psicomotora.

1.3 Pragmatismo

Pragmatismo é a capacidade de colocar em prática e eficaz aquilo que se


deseja ou que foi planejado. Assim, não conseguimos avaliá-lo se a volição
estiver diminuída. Também nos auxilia a determinar o grau de eficácia das
funções psíquicas como um todo. As alterações do pragmatismo são apenas
quantitativas e para menos: hipopragmatismo e apragmatismo. O exame do
pragmatismo implica identificar os interesses e objetivos do paciente e avaliar
como coloca em prática a execução de tais objetivos. Todos os transtornos
mentais levam a algum grau de hipopragmatismo, uns mais, outros menos.
Pacientes em mania, apesar da hipervolição estão com o pragmatismo
rebaixado, pois seus objetivos vão mudando constantemente e não consegue
finalizar tarefas que iniciam, apesar do discurso neste quadro ser de “estar muito
produtivo”.

TEMA 2 – PSICOMOTRICIDADE

2.1 Psicomotricidade

Consiste na execução de movimentos (voluntários e involuntários) de


maneira organizada e integrada. Os movimentos corporais involuntários e
independentes do psiquismo são direcionados a doenças neurológicas, não
sendo abordados nesta aula. É uma síntese psíquica e por meio dela nos
adaptamos ao meio ao nosso redor e relacionada com a execução da volição.

2.1.1 Alterações quantitativas da psicomotricidade

Apraxia: consiste no prejuízo ao tentar realizar atos motores intencionais,


voluntários, na ausência de paresia ou paralisia, de déficit sensorial e de
incoordenação motora. O indivíduo perda a habilidade do movimento aprendido
e geralmente está relacionado a lesões corticais, envolvendo doenças
vasculares cerebrais, demências e neoplasias. Há basicamente duas formas de

7
apraxias: apraxia ideomotora – perda da capacidade de realizar movimentos
simples em resposta à solicitação do examinador: por exemplo, fazer um aceno
significando adeus; escovar os dentes etc.; e a apraxia ideativa, que significa a
perda da capacidade de realizar movimentos sequenciais: por exemplo, dobrar
uma folha de papel e entregar ao examinador. Os pacientes conseguem executar
apenas individualmente os movimentos que integram a sequência.
A hipocinesia/acinesia (ou inibição psicomotora) caracteriza-se pela
diminuição acentuada e generalizada dos movimentos voluntários e
involuntários. Os movimentos tornam-se lentos e são realizados com grande
dificuldade. Em geral, há inibição do pensamento e da fala, empobrecimento da
mímica, hipovolição e da marcha. Na acinesia (ou estupor), os movimentos
voluntários desaparecem. O paciente pode ficar por um longo período restrito ao
leito, sem qualquer reação ao ambiente, apresentando mutismo, abolição da
expressão facial, recusa alimentar e incontinência urinária/fecal, além de abulia
– caso esta condição não receba os cuidados devidos, pode levar a obito.
Este último pode ocorrer na esquizofrenia, na catatonia, na depressão
grave, nos quadros de delirium, estados dissociativos, no déficit Intelectual,
demências e em ataques de pânico. Quando o estupor é acompanhado de
rigidez muscular, com redução clara da mobilidade passiva e manutenção da
postura corporal, denominamos catatonia. Nesse caso, o paciente pode assumir
espontaneamente posições bastante incômodas por um tempo prolongado, cujo
exemplo clássico é manter os braços elevados. Também é válido mencionar que
as paralisias nas crises conversivas constituem um estado de acinesia
localizada, restrita a um ou mais membros.
Por último, a hipercinesia (ou exaltação psicomotora) define o aumento
patológico da atividade motora voluntária. Essa exaltação da psicomotricidade
pode ser dividida em três níveis de gravidade: inquietação, agitação e furor. É
uma alteração psicopatológica bastante comum e inespecífica, podendo ser
observada na esquizofrenia, na mania, no delirium, em estados crepusculares e
epilépticos, em síndromes ansiosas, em síndromes delirantes, em pacientes com
déficit intelectual ou demência e no transtorno de déficit de atenção e
hiperatividade (TDAH).

8
2.1.2 Alterações qualitativas da psicomotricidade

A ecopraxia consiste na repetição automática e despropositada das ações


motoras executadas por outra pessoa, que está diante do paciente (examinador
ou acompanhante). São imitados os gestos, a postura, a fala (ecolalia) ou a
expressão fisionômica (ecomimia) e está relacionada à sugestionabilidade. Pode
ser observada principalmente no déficit intelectual, no TEA, no delirium e em
processos demenciais.
Estereotipias motoras das primeiras, além de serem ações desprovidas
de finalidade, são repetidas de maneira uniforme e com muita frequência. Podem
ocorrer por meio de gestos ou movimentos, de posições, de lugares, de palavras
e frases, na síndrome catatônica, em estados crepusculares epilépticos e no
TEA.
Maneirismos motores são movimentos expressivos – isto é, movimentos
que servem a um propósito de comunicação, tais como gestos, mímicas,
vocalização – que se tornam exagerados quanto à sua amplitude, tornam-se
afetados, rebuscados, estilizados ou desarmônicos, perdem sua graça natural e
parecem extravagantes ao observador.
A interceptação cinética consiste numa interrupção brusca e
incompreensível de uma ação motora já iniciada, que para no meio. O paciente
muitas vezes atribui a impossibilidade de completar o movimento a uma
influência externa e pode ocorrer na esquizofrenia.
A perseveração motora representa uma repetição sem sentido de uma
ação motora que foi executada uma primeira vez de forma adequada. Por
exemplo: solicitamos ao paciente que coloque a língua para fora e, em seguida,
que ele a coloque para dentro, todavia o paciente passa a realizar repetidamente
os mesmos movimentos com a língua sem que haja uma nova solicitação por
parte do examinador. Ocorre na esquizofrenia em síndromes demenciais, no
déficit intelectual etc.

2.1.3 Exame da psicomotricidade

A maior parte das alterações da psicomotricidade surge


espontaneamente, e sua detecção depende apenas da simples observação por
parte do examinador. Contudo, determinados procedimentos podem ser úteis
para a identificação de alguns distúrbios em especial. Para avaliar a presença

9
de apraxia ideomotora, podem ser dadas ao paciente ordens como as seguintes:
“Mostre-me como você faz um aceno de adeus”. Para avaliar se há apraxia
ideativa, podem ser dadas os seguintes comandos sequenciais: “Eu vou lhe dar
um pedaço de papel. Quando eu fizer isso, pegue o papel com a sua mão direita,
dobre-o ao meio, com ambas as mãos, e coloque-o no chão”.

TEMA 3 – AFETO, EMOÇÕES E HUMOR

Os afetos consistem em estados psíquicos subjetivos que se caracterizam


pela propriedade de serem agradáveis ou desagradáveis. Os afetos podem ser
vistos como uma consequência das ações do indivíduo que visam à satisfação
de suas necessidades (corporais ou psíquicas). Se essas ações são bem-
sucedidas, o afeto é agradável; caso contrário, o afeto é desagradável.
Os afetos possuem pelo menos quatro componentes:

1. a avaliação subjetiva – o indivíduo se dá conta de que está alegre, por


exemplo;
2. as crenças cognitivas – ele atribui sua alegria à ocorrência de determinado
evento positivo;
3. os processos fisiológicos; e
4. a expressão afetiva – mímica, gestos, postura e prosódia, que têm a
finalidade de comunicar aos outros como aquele indivíduo está se
sentindo.

O conceito de afetividade abrange as emoções, os sentimentos, as


paixões e o humor. Existe um grande desacordo entre os autores quanto à
definição e à delimitação desses conceitos. Na prática, esses termos são
utilizados de forma mais ou menos intercambiável.
O termo afeto pode ser usado para designar genericamente os elementos
da afetividade, que incluem emoções, sentimentos e humor. O termo emoção
está ligado a uma ideia de movimento, representa um estado afetivo súbito, de
curta duração e grande intensidade, que é acompanhada de alterações
corporais, relacionadas a uma hiperatividade autonômica. Sentimento se refere
a um estado afetivo menos intenso e mais prolongado que as emoções, e sem
as alterações fisiológicas encontradas nestas. Talvez se possa dizer que os
sentimentos resultem de um processamento cognitivo maior do que haveria nas
emoções.

10
O humor (ou estado de ânimo, ou tônus afetivo) representa um somatório
ou síntese dos afetos presentes na consciência em um dado momento. Constitui
o estado afetivo basal e fundamental, que se caracteriza por ser difuso, isto é,
não relacionado a um objeto específico e por ser em geral persistente e não
reativo. O humor oscila entre os polos da alegria, da tristeza e da irritabilidade.
O termo disforia corresponde a um estado de humor desagradável.

3.1 Alterações quantitativas do afeto

Exaltação afetiva corresponde a um aumento da intensidade ou duração


dos afetos, ou a uma reação afetiva desproporcional em relação à situação ou
ao objeto que a motivou. Por exemplo, na mania há uma exaltação do humor
alegre ou irritado, e, na depressão, do humor triste. Muito frequentemente são
utilizados os termos hipertimia e hipotimia para se referir às alterações
quantitativas da afetividade nos transtornos do humor. Praticamente todos os
autores restringem a definição de hipertimia a uma alegria (ou irritabilidade)
patológica, como a que ocorre na síndrome maníaca, reservando para os
estados depressivos o termo hipotimia. A exaltação afetiva pode ainda ser
encontrada em alguns transtornos de personalidade, como o borderline, em
alguns casos de demência e de déficit intelectual, em quadros de delirium com
sintomas psicóticos e em quadros psicóticos com ideação de natureza
persecutória.
Embotamento afetivo (ou empobrecimento, aplainamento afetivo)
significa diminuição da intensidade e da excitabilidade dos afetos, sejam eles
positivos ou negativos. Nos estados de diminuição da afetividade, o doente
torna-se indiferente ao meio, às outras pessoas e, algumas vezes, a si próprio,
sendo a expressão emocional bastante restrita. Pode ocorrer ainda anedonia,
que é a perda da capacidade de sentir prazer. Indivíduos com transtorno de
personalidade antissocial apresentam um embotamento afetivo mais
circunscrito, principalmente relacionado ao não sentimento de culpa. Pode
ocorrer embotamento afetivo momentâneo, de curta duração, logo após um
evento traumático de grande magnitude, como no transtorno de estresse pós-
traumático, o que é chamado de estupor emocional ou paralisia afetiva aguda.

11
3.2 Alterações qualitativas do afeto

As alterações qualitativas da afetividade podem ser divididas em


distúrbios da regulação afetiva e distúrbios do conteúdo dos afetos. Entre os
distúrbios da modulação afetiva estão a labilidade afetiva, a incontinência afetiva
e a rigidez afetiva. Entre os distúrbios do conteúdo dos afetos estão a paratimia,
a ambitimia e a neotimia.
A labilidade afetiva constitui uma dificuldade no controle dos afetos.
Caracteriza-se por mudanças do humor frequentes e bruscas, que são
imotivadas ou inesperadas. Os afetos atingem grande intensidade, mas são de
curta duração. O estado afetivo está continuamente oscilando e dá verdadeiros
saltos entre os diversos polos afetivos: por exemplo, o humor do paciente passa
direto da alegria para a tristeza, logo após retorna para a alegria e, a seguir,
passa para a irritabilidade. A labilidade afetiva ocorre na mania, no transtorno de
personalidade borderline, na demência, no retardo mental e nos quadros de
delirium com sintomas psicóticos.
A incontinência afetiva consiste num distúrbio da regulação afetiva mais
grave que a labilidade. Há uma perda completa da capacidade de controle da
expressão afetiva; existe uma falha de certos mecanismos frenadores,
inibitórios, adquiridos na educação e no convívio social. As reações afetivas são
produzidas com grande facilidade, são exageradas, desproporcionais ao
estímulo e prolongam-se em demasia. A incontinência afetiva manifesta-se sob
a forma de riso ou pranto convulsos, ou de raiva extrema. Ocorre principalmente
na demência, podendo ser encontrada ainda na mania, na intoxicação alcoólica,
no retardo mental, nos transtornos de personalidade antissocial e borderline, no
transtorno dissociativo.
A rigidez afetiva caracteriza-se por uma perda da capacidade de modular
a resposta afetiva de acordo com a situação de cada momento. Em oposição ao
que ocorre na labilidade e na incontinência afetiva, a expressão afetiva varia
muito menos do que o normal, no decorrer do tempo. Assim, independentemente
dos acontecimentos externos, o estado de humor do paciente será mais ou
menos o mesmo. A rigidez afetiva ocorre na esquizofrenia, na depressão e na
demência mais frequentemente.
A paratimia caracteriza-se por uma inadequação do afeto: uma
incongruência entre o afeto expresso e a situação vivenciada, ou entre o afeto

12
expresso e aquilo que o indivíduo verbaliza. Por exemplo: o paciente, rindo,
conta que foi torturado na noite anterior; ou então o doente afirma estar alegre,
mas sua mímica é de tristeza. A paratimia reflete uma desarmonia entre a
afetividade e o pensamento.
A ambitimia representa a presença de sentimentos opostos ou
contraditórios que são simultâneos e que se referem ao mesmo objeto, pessoa
ou situação. Por exemplo, ao mesmo tempo, amar e odiar a mesma pessoa.
A neotimia consiste em uma vivência inteiramente nova, extravagante e
inusitada. São afetos qualitativamente diferentes de todos os que o paciente
havia experimentado em sua vida. Podem ter esse caráter de neotimia alguns
sentimentos místicos, de êxtase, de elação, de desolação e de terror. A neotimia
é observada na esquizofrenia, na intoxicação por alucinógenos, por exemplo.

3.3 Exame do afeto

Comunicação não verbal do afeto: não é necessário que o paciente nos


conte como está se sentindo para podermos avaliar a sua afetividade, O afeto é
expresso através da mímica, do olhar, dos gestos, da postura e do tom de voz.
Também é avaliado empaticamente. É como se o observador dissesse para si
mesmo, por exemplo: “Se eu estivesse me sentindo como aquele indivíduo
aparenta estar – pela sua expressão facial, gestos etc. –, eu me sentiria muito
alegre; portanto, ele está alegre.”

TEMA 4 – COMUNICAÇÃO NÃO VERBAL

Segundo Dalgalrrondo (2019),

a comunicação não verbal (CNV), avaliada por meio da mímica da face,


do olhar, dos movimentos da boca, da postura, do gestual, da
qualidade e do tom da voz, do modo de andar e se mexer, de se vestir
e utilizar adereços, informa muito sobre a personalidade e o estado
mental das pessoas. Eventualmente, a CNV informa de forma mais
verdadeira, sintética e expressiva do que a comunicação verbal. Os
sistemas de comunicação verbal e não verbal ocorrem, no mais das
vezes, de forma conjugada, ambos sendo importantes para a
comunicação e para a expressão do quadro psicopatológico. Charles
Darwin produziu uma das primeiras obras científicas sobre a expressão
não verbal das emoções nos homens e nos animais. Nela, além de
descrição detalhada da CNV em diferentes povos e em animais,
expressão de distintos estados emocionais, é apresentada a tese
relacionando a evolução humana com a evolução da expressividade
gestual nas diferentes espécies.

13
A CNV se baseia mais em respostas automáticas e reflexas, mais
espontânea que a comunicação verbal pois utiliza ferramentas ligadas às
expressões faciais, de movimentação corporal, do timbre e volume da voz, por
exemplo sendo mais difícil de modificar intencionalmente. Os sinais emitidos por
um indivíduo, quando em uma interação social, vão desde sinais visuais,
acústicos até táteis e olfativos, como por exemplo:

1. Ambiente da interação: a influência de fatores ambientais pode afetar o


humor, a expressão corporal, a escolha de palavras e de temas
interlocução
2. Aparência física: já visto na aula anterior;
3. Proxêmica: seria a maneira como os indivíduos manipulam e reagem ao
espaço ao seu redor durante uma interação social levando-se em conta
também a ocupação do espaço de acordo com seu gênero, status social,
hierarquia, papel social e cultural;
4. Movimentos corporais – pode ser traduzido como a maneira como as
pessoas se expressam que servem para enfatizar uma fala. Gestos
independentes da fala podem substituir palavras ou resumir símbolo:
como gestos de cumprimento, de aprovação (com o polegar e/ou com a
cabeça), de intimidação, xingamentos etc.

Também incluem movimentos feitos com as mãos, que não têm uma
função clara (como pegar uma caneta para escrever algo, ou se coçar após ter
sido picado por um inseto), mas podem sinalizar algum nível de ansiedade e
tensão, por exemplo: uma pessoa que fica passando as mãos nos cabelos
enquanto fala, ou que fica apertando os dedos enquanto fala ou escuta o
interlocutor.
Já a postura pode indicar o nível de atenção ou envolvimento durante uma
interação, por exemplo, a inclinação do corpo para a frente, na direção do
interlocutor, é associada a maior envolvimento na conversa, enquanto a postura
curvada é mais associada à tristeza.
O comportamento tátil é definido como o modo, a frequência e a
intensidade com que as pessoas se tocam: a maneira que a pessoa dá o aperto
de mão, abraça o interlocutor, se dá tapinhas nas costas até o grau de erotização
do contato, são elementos importantes da CNV.
Durante a sua prática clínica em saúde mental, você deve ser muito
cuidadoso em relação ao comportamento tátil (é preciso conhecer bem o
14
paciente para saber o que o mínimo toque significa para ele, por exemplo, um
paciente autista que tem hipersensibilidade tátil muito provavelmente
demonstrará desconforto ou rejeitará uma tentativa de toque).
Expressões faciais: o rosto e as expressões faciais revelam de forma
particularmente importante o estado afetivo de uma pessoa, principalmente o
movimento dos olhos, das sobrancelhas e da região da boca (sorrisos, lábios
cerrados, curvatura dos lábios e boca etc.) revelam os afetos básicos: tristeza,
raiva, alegria, surpresa, medo e nojo. Além disso, o rubor, a palidez e/ou suor
facial são expressões de vergonha, raiva, medo, surpresa ou susto.
Comportamento ocular: movimentos que sinalizam em qual direção,
quando e por quanto tempo uma pessoa olha para outra ou para objetos do
ambiente, assim como à dilatação e à contração das pupilas.

5. A paralinguagem relacionada às vocalizações, latências de respostas,


silêncios e pausas que o indivíduo produz ou deixa de produzir durante a
interação, as saber: as variações sonoras, as mudanças na altura da voz,
a prosódia (que seria a entonação da fala e suas as inflexões - intensidade
dos sons, sua frequência e a duração de cada um). Também avaliamos
os sons intrusos na fala, como risos, bocejos, gemidos etc., que podem
acentuar a comunicação verbal ou se contrapor ao que é falado.

Lembrando que o histórico cultural é essencial ao se avaliar a CNV do


paciente. Focando especificamente na psicopatologia, a CNV é avaliada de
acordo com:

1. A expressão emocional, que é a capacidade de expressar diferentes


estados emocionais por meio de mímica, gestos, postura, tom de voz etc.;
2. Sensibilidade aos sinais não verbais – capacidade de perceber no outro e
decodificar seu estado emocional emitidos por vias não verbais e
3. Controle e monitoração de estados emocionais, que significa a capacidade
de controlar estados emocionais percebidos e emitidos por CNV.

Serão abordados os principais achados em algumas das grandes


síndromes nas próximas duas aulas: depressão, ansiedade, esquizofrenia,
autismo e mania.

15
TEMA 5 – SÚMULA PSICOPATOLÓGICA

A sequência das funções psíquicas examinadas e caracterizadas pela da


escrita não é arbitrária. Ela tem como critério a avaliação, em primeiro lugar,
daquelas que mais chamam a atenção inicialmente e influenciam de maneira
determinante as demais. Tendo sido bem caracterizados e denominados os
sinais e sintomas, estamos capacitados, ou mesmo obrigados a atribuir um
diagnóstico sindrômico, que consiga reunir os principais sinais e sintomas
caracterizados em um paciente.
Um diagnóstico sindrômico é completamente referenciado a um exame
psíquico efetivamente realizado – este representa um corte transversal na
observação, ou seja, a caracterização daquele tempo limitado de observação,
ao contrário das observações longitudinais. Um paciente pode apresentar mais
de uma síndrome, mas há que ser muito criterioso nessa atribuição, fazendo
valer sempre aquele princípio denominado da parcimônia: o esforço da procura
por um único diagnóstico que possa enfeixar todas as manifestações
observadas.
Se existissem sinais e sintomas específicos para cada uma das doenças
psiquiátricas, não se perderia tempo raciocinando em torno de síndromes. Como
não é assim que as coisas se dão, o diagnóstico sindrômico é imprescindível,
até porque, também do ponto de vista do tratamento, as terapias são, quase
todas elas, mais propriamente sindrômicas do que dirigidas especificamente às
diversas doenças, ou seja, um diagnóstico sindrômico autoriza o início de uma
terapêutica. Uma vez realizado e redigido o exame psíquico, deverão constar na
súmula os termos técnicos que expressam fenômenos psíquicos alterados ou
não. Trata-se de um resumo técnico de tudo o que foi observado na entrevista.
Aconselha-se seguir-se uma determinada ordem na redação do exame
psíquico. A disposição da súmula deverá constar de um único parágrafo, com
cada item avaliado limitado por ponto. Não é recomendado utilizar a palavra
normal para qualificar qualquer um dos itens, evitando-se, assim, possíveis
distorções com relação ao conceito de normalidade. No último item, devemos
descrever a noção que o paciente tem de sua morbidade, o seja, o insight. Ele
pode expressar uma completa negação de sua doença ou níveis progressivos
de insight, percebendo que existe algo de errado que precisa ser tratado.

16
NA PRÁTICA

Com o objetivo de ilustrar, apresentamos um exemplo de súmula de um


paciente com hipótese diagnóstica de episódio maníaco com sintomas
psicóticos:
Lúcido. Vestido adequadamente e com boas condições de higiene
pessoal. Orientado auto e alopsiquicamente. Pouco cooperativo. Normovigil.
Hipertenaz. Memórias retrógrada e anterógrada prejudicadas. Inteligência
mantida. Sensopercepção alterada sugestiva de alucinação auditiva.
Pensamento sem alteração de forma, mas com alteração de curso (fuga de
ideias e descarrilamento) e alteração de conteúdo (ideias deliroides de
perseguição e grandeza). Linguagem apresentando alguns neologismos.
Hipertímico. Psicomotricidade alterada – agitação. Hiperbúlico. Pragmatismo
parcialmente comprometido. Insight parcial.

FINALIZANDO

Ao longo das aulas, estudamos todas as funções mentais e suas


principais alterações. Ao final de cada exame psíquico, é importante realizar a
súmula psicopatológica, ou seja, um resumo do exame do estado mental.
Quando um exame psicopatológico é bem-feito, qualquer outra pessoa que o ler
formulará a mesma súmula e fará um raciocínio semelhante para as hipóteses
diagnósticas. Assim, você deverá ser capaz de construir as seguintes linhas de
raciocínio: síndrome principal, hipótese diagnóstica e diagnóstico diferencial.
Do mesmo modo que existe uma semiologia para a investigação febre,
por exemplo, existe também uma semiologia para a caracterização de alterações
do pensamento, por exemplo. Sempre que possível, tentaremos ajudar na
sistematização dessa semiologia, principalmente para aquelas manifestações
que são facilmente confundidas com outras. Toda manifestação psíquica que
não permite a apresentação da semiologia utilizada para sua caracterização
deve ser classificada como especulação.

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REFERÊNCIAS

CATTEL, R. B. Abilities: their structure, grouth and action. Boston: Houghton


Miffl, 1971.

CHENIAUX JUNIOR, E. Manual de psicopatologia. 5. ed. Rio de Janeiro:


Guanabara Koogan, 2015.

DALGALARRONDO, P. Psicopatologia e semiologia dos transtornos


mentais, 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2019.

GARDNER, H. Estruturas da mente: a teoria das inteligências múltiplas. Porto


Alegre: Artmed, 1994.

GOLEMAN, D. Emotional intelligence: why it can matter more than IQ. New
York: Bantam,1994.

NOGUEIRA, M. J. Exame das funções mentais: um guia. 3. ed. Rio de Janeiro:


Atheneu, 2017.

18
PSICOPATOLOGIA
AULA 5

Profª Maria Cecília Beltrame Carneiro


CONVERSA INICIAL

Na prática clínica, os sinais e os sintomas não ocorrem de forma aleatória;


surgem em certas associações, agrupamentos mais frequentes e estáveis,
classificados em síndromes. Entretanto, ao se delimitar uma síndrome (como
depressiva, demencial, maníaca etc.), não se trata ainda da definição e da
identificação de causas específicas, do curso e evolução de um transtorno. Ela
descreve um conjunto momentâneo e recorrente de sinais e sintomas. Na
medicina, as entidades nosológicas são doenças ou transtornos específicos
(como esquizofrenia, doença de Alzheimer, anorexia nervosa etc.), nos quais
podem-se identificar (ou presumir) alguns fatores causais, o curso e evolução.
Além disso, busca-se identificar mecanismos psicológicos e psicopatológicos
característicos, antecedentes genéticos e familiares.
Na psicopatologia, não é incomum trabalharmos no âmbito das
síndromes, pois, algumas vezes, o diagnóstico preciso de entidades nosológicas
e transtornos específicos é difícil ou incerto. Cabe, ainda, lembrar que o
reconhecimento dessas entidades não tem apenas um interesse científico, mas
também viabiliza ou facilita o desenvolvimento de terapêuticas e ações
preventivas mais eficazes. As vivências psicopatológicas podem ser divididas
em: transfundo das vivências de contexto mais geral e basal e sintomas
específicos ou emergentes, que ocorrem e se desenvolvem de forma perceptível
e delimitável. Estes últimos se desenvolvem sempre sobre determinado
transfundo.
Assim, temos os transfundos estáveis, os quais são pouco mutáveis,
como a personalidade e a inteligência. Qualquer experiência (alucinação, delírio,
afeto etc.) ganha conotação diferente com base na personalidade específica do
indivíduo que a vivencia. Pacientes com personalidades mais passivas,
dependentes e “sem energia” tendem a vivenciar os sintomas de modo também
passivo; já indivíduos hipersensíveis ou muito reativos tendem a responder aos
sintomas de forma mais intensa ou superdimensionada, por exemplo. A
inteligência determina a diferenciação, a profundidade e a riqueza dos sintomas
psicopatológicos.
Pacientes muito inteligentes podem produzir delírios ricos e complexos,
interpretam constantemente suas vivências e desenvolvem as dimensões
conceituais dessas experiências de forma mais acabada. Já os com inteligência

2
reduzida criam quadros psicopatológicos menos nítidos, com menos detalhes,
superficiais e, às vezes, pueris. Os transfundos mutáveis e momentâneos são
representados pelo nível de consciência, atenção, humor e estado afetivo. Eles
atuam na determinação da qualidade e no sentido do conjunto das vivências
psicopatológicas. O nível de consciência e a atenção estabelecem a clareza e a
precisão dos sintomas específicos. Sob o estado de obnubilação da consciência,
alucinações, recordações e sentimentos são experimentados em uma atmosfera
nebulosa e até confusa. O humor e o estado afetivo de fundo influenciam no
desencadeamento de sintomas e na intensidade da vivência: uma lembrança,
uma alucinação ou um delírio em um estado depressivo grave passam a ter uma
importância enorme para o sujeito. Portanto são as vivências psicopatológicas
mais destacadas que o paciente experimenta.
As síndromes são conjuntos de sinais e sintomas que se agrupam de
forma recorrente e são observados na prática clínica diária, sendo o primeiro
passo na organização do raciocínio psicopatológico dos sinais e dos sintomas
dos pacientes. Assim, o raciocínio clínico vai evoluindo gradativamente ao longo
das primeiras avaliações para o conhecimento mais aprofundado sobre o
paciente e seu sofrimento mental.
Nesta aula daremos início ao estudo das principais síndromes
psiquiátricas, com ênfase nas alterações mais comuns na entrevista e no exame
do estado mental de cada. A ideia é apresentar a vocês, alunos, os transtornos
mais recorrentes no atendimento em saúde mental. Lembre-se de que esta é
uma aula e muitas das citações e termos técnicos apresentados necessitam de
aprofundamento por meio das bibliografias sugeridas e na sua prática clínica.
Além disso, há muitos outros transtornos psiquiátricos que não foram abordados
aqui, mas que são igualmente essenciais de se estudar e aprofundar em
supervisões e atendimentos.

TEMA 1 – SÍNDROMES DEPRESSIVAS

De acordo com Sampaio e Lotufo Neto (2019),

o transtorno depressivo é uma condição clínica comum, tendo uma


prevalência de 15% ao longo da vida na população geral. Sua
incidência na atenção primaria chega a 10%, em pacientes internados
esta taxa sobe para 15%. A idade média do primeiro episódio
depressivo é em torno dos 27 anos, sendo que 40% relatam o primeiro
antes dos 20 anos, 50% entre 20 e 50 anos e 10% após os 50 anos. A
depressão é duas a três vezes mais frequente em mulheres e foi

3
estimada como a segunda causa de incapacitação em países
desenvolvidos e a primeira em países em desenvolvimento.
Atualmente considera-se que a depressão resulta de uma interação
entre processos biológicos, psicológicos, ambientais e genéticos. Do
ponto de vista fisiopatológico, a teoria das monoaminas é a mais
consolidada e postula que a depressão está ligada a falta ou
desequilíbrio dos neurotransmissores noradrenalina, serotonina e
dopamina no sistema límbico. Os fatores genéticos têm um papel
significativo no desenvolvimento de transtornos do humor, porém
sendo padrão de herança genética complexo que contribui entre 40 a
50%. O uso de substâncias psicoativas (álcool, inibidores de apetite)
destaca-se como um fator de risco ambiental para depressão. Também
sabe-se que eventos adversos precoces (p. ex., baixo suporte social e
abuso físico e/ou sexual na infância) também configuram um fator de
risco ambiental, bem como outros fatores psicossociais, por exemplo,
perda do emprego, de um ente querido ou separações.

Mesmo com a alta prevalência ao longo da vida, estima-se que


aproximadamente metade dos pacientes neguem seus sintomas depressivos e
em quadros menos graves podem não demonstrar externamente seu humor
rebaixado. Nessas situações, o paciente pode ser levado por um familiar até a
consulta. Por isso, é importante que o profissional de saúde assuma uma postura
ativa na investigação dos sintomas, a menor suspeita de um quadro depressivo.
Os sintomas essenciais ou cardinais da depressão são:

1. Humor depressivo;
2. Anedonia (prejuízo da capacidade de sentir alegria e prazer) e
fatigabilidade.

O paciente também pode apresentar apatia e indiferença ao seu redor e


ainda angústia e desespero. Os sintomas ansiosos são muito comuns podendo
ocorrer em até 90% desses pacientes, embora não seja um critério diagnóstico
(no DSM-V os sintomas ansiosos entram como um especificador, dada a
importância destes). Alterações no sono também são muito comuns (80% dos
casos), sendo as queixas mais frequentes a insônia terminal ou despertar
precoce e múltiplos despertares ao longo da noite. Outra característica do quadro
é o relato de variação (ou oscilação) dos sintomas durante o dia, com queixas
mais intensas pela manhã e redução dos sintomas à noite. Queixas físicas,
álgicas, alteração da libido, disfunção erétil ou ejaculação rápida também podem
aparecer, assim como um aumento ou uma diminuição do apetite e do peso. Em
torno de dois terços dos pacientes deprimidos cogitam o suicídio e 10 a 15%
cometem-no. Alguns podem apresentar ideação suicida (referem vontade de se
matar, sem plano concreto), mas devido ao desânimo ou falta de energia não
são capazes de planejar e cometer o ato.

4
Em relação ao pensamento do paciente, a realidade passa a ser vista sob
uma ótica pessimista, predominando relatos eventos passados as quais
predominaram emoções negativas ou desconfortáveis (até mesmo os eventos
positivos são relatados de forma a desvalorizá-los). O presente se traduz pela
incapacidade de mudança e o futuro visto com desinteresse, sem planos ou
como um cenário de ruína. Estas ideias pessimistas, apesar de recorrentes e
espontâneas, são passiveis de refutação com argumentação lógica na maioria
dos casos, ou seja, não são de base psicótica. Mesmo assim, em um quadro
agudo ainda podem enviesar a entrevista e em alguns casos é necessário
confirmar a veracidade das informações com outras pessoas próximas.
A depressão também pode se manifestar com sintomas psicóticos (cerca
de 15 a 19% dos casos): os pensamentos de cunho pessimista tomam uma
proporção a ponto de tornarem-se crenças irrefutáveis, caracterizando o quadro
como delirante. É importante ter em mente que, na grande maioria dos quadros
delirantes secundários a um transtorno do humor, os delírios são congruentes
com este, ou seja, os delírios de pacientes deprimidos giram em torno de temas
como inadequação pessoal, pecado, ruína financeira ou moral, culpa,
perseguição, doenças terminais etc.
Ainda dentro do espectro psicótico, o indivíduo pode relatar alucinações
com conteúdo depressivos, geralmente auditivas, e podem ser descritas como
vozes que dizem “você não presta”, “você é inútil” ou “seus filhos vão passar
fome”. As alucinações também podem ter o conteúdo de “punição merecida”
(“vou morrer, vou sofrer, pois mereço isso”). As depressões psicóticas estão
relacionadas a uma maior gravidade dos demais sintomas e são mais
observadas em quadros bipolares do que unipolares.
Neste tópico, daremos maior ênfase ao transtorno depressivo maior, o
qual tem seus episódios caracterizados pelos critérios diagnósticos a seguir.

1.1 Critérios diagnósticos – DSM V

Durante a apresentação em vídeo, citaremos os sinais e sintomas para


fechar um diagnóstico de transtorno depressivo maior (para saber mais,
aprofunde sua leitura no próprio manual da APA – DSM V). As síndromes e as
reações depressivas surgem com muita frequência após perdas significativas:
de um ente querido, emprego, moradia, status socioeconômico ou algo
puramente simbólico. A depressão maior é mais bem conceitualizada como uma
5
síndrome clínica multissistêmica. Para que se possa fazer seu diagnóstico,
alterações em quatro principais domínios devem estar normalmente presentes:
alterações de humor, alterações psicomotoras, alterações cognitivas e
alterações neurovegetativas.
Humor deprimido – o paciente enxerga o mundo através de uma “lente
cinzenta”: as suas relações com as demais pessoas são carregadas de um afeto
triste, sendo que o indivíduo se sente, a maior parte do empo, triste, vazio.
Diminuição do interesse e/ou do prazer em todas, ou quase todas, as atividades
pelas quais antes o indivíduo se interessava. Embotamento dos sentimentos;
agitação ou inquietação, uma dificuldade em ficar parado, aliado à insônia;
retardo psicomotor; pobreza de movimentos espontâneos, aumento do tempo de
latência de resposta; baixa concentração; estupor/apatia; pensamentos
negativos distorcidos em relação a si próprio, ao mundo e ao futuro.
Também podemos memorizar através dos “3 Ds” a serem
obrigatoriamente investigados numa suspeita de depressão: desvalia,
desamparo e desesperança, podendo culminar com comportamento suicida;
anorexia ou hiporexia/perda de peso; insônia, mas também pode ocorrer a
hipersonia – necessidade aumentada de sono, sonolência diurna e dificuldade
de acordar pela manhã. No episódio depressivo, evidentes sintomas depressivos
devem estar presentes por pelo menos duas semanas e não mais que dois anos
de forma ininterrupta. Esses episódios na comunidade podem ser curtos (cerca
de 50% duram menos do que três meses) ou longos. Cerca de 15 a 26% das
pessoas com depressão maior apresentam um curso crônico de depressão, com
duração de mais de dois anos, que pode ser de intensidade leve (distimia –
humor irritado é mais frequente) ou de moderada a grave. Começa geralmente
na adolescência ou no início da vida adulta e persiste por vários anos. Também
são comuns na distimia o mau humor crônico e a irritabilidade.
Em resumo, as alterações no EEM encontradas em pacientes deprimidos:

• Aparência: o desinteresse ou a falta de energia pode prejudicar os


cuidados e higiene pessoais. Alguns pacientes preferem vestir-se com
roupas escuras;
• Atitude: é comum uma atitude queixosa ou lamuriosa ou ainda o
desinteresse/apatia pode levar a uma atitude de indiferença;

6
• Atenção: ocorre hipoprosexia, em função da anedonia ou então uma
rigidez da atenção, quando o paciente se concentra apenas em algumas
ideias de conteúdo de sofrimento;
• Sensopercepção: a hipoestesia, as ilusões catatímicas e as alucinações
auditivas são as mais frequentes;
• Memória: em função do desinteresse em relação ao mundo externo, a
capacidade de memória de fixação está reduzida. Quando a inibição
psíquica é muito intensa, há também uma hipomnésia de evocação. Por
outro lado, há uma maior facilidade para evocar fatos ruins, geradores de
culpa (uma hipermnésia seletiva), enquanto lembranças agradáveis
tornam-se raras. São comuns distorções das recordações (alomnésias),
geralmente permeadas por conteúdo de tristeza, ruína ou culpa;
• Linguagem: oligolalia ou mutismo, bradilalia, hipofonia e aumento da
latência de resposta, podendo ocorrer também hipoprosódia ou
aprosódia;
• Pensamento: está em geral lentificado. Temas niilistas, de culpa ou ruína,
mesmo que não sejam sob a forma de um delírio, podem se tornar
perseverantes e dominantes no discurso do paciente;
• Delírio: nas depressões psicóticas, os temas delirantes mais comuns são
ruína, culpa, hipocondria e negação;
• Inteligência: as dificuldades cognitivas são secundárias e reversíveis,
associadas com o prejuízo na atenção, à falta de motivação e à inibição
do pensamento que acompanham as alterações do afeto;
• Volição: há hipovolição, assim como anorexia ou hiporexia, insônia (mais
raramente hipersonia), perda da libido e, nos casos mais graves,
negativismo e ideação suicida;
• Psicomotricidade: costuma haver hipocinesia. Também podemos
identificar o estupor depressivo (em casos graves), no qual a mímica de
tristeza está presente, em contraste com a indiferença afetiva observada
no estupor esquizofrênico. Nas depressões ansiosas pode haver
inquietação ou agitação psicomotora;
• Orientação: o paciente sente o tempo passar vagarosamente na
depressão. Ocorre uma desorientação apática;
• Afeto: há uma tristeza patológica, que costuma ser caracterizada como
uma tristeza vital. Em alguns pacientes, podem ocorrer ansiedade ou
7
irritabilidade. O estado de humor sofre poucas variações, caracterizando
assim uma rigidez afetiva.

Na maioria dos casos, o paciente deprimido costuma manter a crítica


acerca da doença, ou seja, ele identifica que seu atual estado não corresponde
ao seu “normal”.
Além disso, dentro do que estudamos sobre a CNV, temos as seguintes
alterações (Dalgalarrondo, 2018): “nos quadros depressivos de intensidade
moderada ou grave, há, de modo geral, uma redução da expressividade afetiva.
O contato ocular com as outras pessoas é diminuído, ou tende a não olhar ou a
evitar a face e os olhos do interlocutor, pode dirigir-se para baixo e há redução
global das interações sociais. A face, como um todo, revela emoções tristes,
melancólicas ou simplesmente apáticas. Em alguns casos, por contração
excessiva de alguns músculos da testa (há o enrugamento da pele sobre o nariz
entre as sobrancelhas) que se contraem e se curvam em direção ao centro da
testa, produzindo dobras no andar superior da face que parecem “desenhar” a
letra ômega do alfabeto grego (Ω): por isso, tal expressão facial foi batizada de
sinal do ômega”.
Outras observações incluem a boca curvar-se para baixo e a cabeça
apontar na direção do chão, com postura cabisbaixa (esta reduz à medida que o
paciente apresenta melhora, geralmente quando há pouca recorrência). O
paciente deprimido dificilmente sorri, ou sorri pouco. Os gestos da cabeça, mãos
e corpo podem estar diminuídos, a voz pode ser monótona, com pouca
expressividade e, em alguns quadros extremos, de difícil compreensão. Como
apoio, também pode-se utilizar algumas escalas como Escala de Avaliação para
Depressão de Montgomery e Åsberg (MADRS) e Escala de Hamilton para
Avaliação de Depressão.

TEMA 2 – SÍNDROME MANÍACA

Episódios de mania distinguem o transtorno de humor depressivo unipolar


do transtorno do humor bipolar (THB) pois, neste, ocorrem episódios depressivos
e, obrigatoriamente, pelo menos um episódio de mania ou hipomania ao longo
da vida. Os episódios de mania e depressão ocorrem de modo relativamente
delimitado no tempo (fásicos), e, com frequência, há períodos de remissão, em
que o humor do paciente encontra se normal, eutímico, e as alterações

8
psicopatológicas. O THB tipo I apresenta uma prevalência significativa,
acometendo 1% da população ao longo da vida. Tipicamente o THB tipo I pode
ter início desde a infância até os 50 anos de idade, sendo a média de
apresentação em torno dos 30 anos e tem prevalência igual entre homens e
mulheres, os episódios depressivos são muito mais frequentes do que os
maníacos do modo geral, mas os episódios maníacos são mais comuns em
homens e os depressivos mais comuns em mulheres. Também, é mais
recorrente entre as pessoas que não concluíram ensino médio, o que pode
indicar a idade precoce de início do transtorno. Vale ressaltar que o THB vai além
do tipo 1 e que o DSM-5 engloba dentro do transtorno bipolar uma serie de
subtipos, como: THB tipo I, THB tipo II, transtorno ciclotimico, THB induzido pelo
uso de substâncias ou medicamentos, THB devido a uma condição médica, entre
outros.
Neste segundo tema daremos maior ênfase ao THB tipo I e THB tipo II.
Assim como na depressão, existem diversas alterações endócrinas,
neurológicas e metabólicas descritas em pacientes com THB I, assim como
diversas teorias psicológicas. Em relação ao componente cerebral do THB, há
certo consenso de que haveria uma combinação de comprometimento do
controle cognitivo-emocional, implicando estruturas com ação deficitária como o
córtex do cíngulo anterior dorsal, e os córtices pré-frontais dorsolaterais e
dorsomediais, hiper-responsividade de áreas límbicas, como a amígdala, o
córtex frontal ventrolateral e o córtex do cíngulo anterior ventral. Porém nenhuma
delas mostrou-se totalmente capaz de explicar as manifestações e o curso desse
transtorno. O fator genético é significativo em seu desenvolvimento e mais
importante do que na depressão, sendo também um padrão de herança é
complexo: 50% dos indivíduos bipolares possui um parente com transtorno de
humor. Se um dos pais tem THB tipo I existe chance de 25% de que qualquer
filho desenvolva um transtorno de humor. Se os dois pais têm esse transtorno, a
chance aumenta para 50-75%.
A mania é indicada por um humor elevado, expansivo ou irritável que se
desvia do humor normal do paciente (cuidado com frases feitas como “vou da
alegria à tristeza no mesmo dia”, aqui, o humor é patológico também, ou seja,
causa prejuízo e dura vários dias). Este fica impulsivo, grandioso e distraído e
apresenta comportamentos de risco. O transtorno bipolar II é caracterizado por
episódios de depressão e episódios de hipomania (os sintomas são mais leves

9
e breves e não satisfazem todos os critérios para a mania). Para ambos os
transtornos, o episódio mais recente pode ser descrito com alguns aspectos
especificadores, como “com características psicóticas”, além disso, os pacientes
podem apresentar um “estado misto”, com elementos tanto de depressão como
de mania ou hipomania (p. ex., humor deprimido com irritabilidade e insônia). É
comum o transtorno bipolar I começar com um episódio de depressão e ser um
transtorno recorrente. O prognóstico é pior para esse transtorno do que para o
depressivo maior. Ele tem um curso crônico em cerca de um terço dos pacientes,
que apresentam declínio social significativo. Pacientes do tipo bipolar II
apresentam tendência a episódios depressivos.
Além disso, quase sempre presente, observa-se nos quadros maníacos a
aceleração das funções psíquicas (taquipsiquismo); pode haver agitação
psicomotora, exaltação, loquacidade e pressão para falar, assim como
pensamento acelerado e fuga de ideias. O quadro deve durar pelo menos uma
semana, mas a média de duração do episódio maníaco é por volta de três
meses. A atitude geral do paciente pode ser alegre, brincalhona, eufórica ou,
também, muito frequentemente, irritada, arrogante e, às vezes, agressiva
tendendo a ser superficial e inconsequente.
No episódio maníaco, são frequentes a euforia, que é alegria marcante e
desproporcional aos eventos da vida e a elação, que é o sentimento de expansão
e engrandecimento do eu e/ou a irritabilidade, em graus variados. Não são raros
comportamentos espalhafatosos, como tirar a roupa em ambientes públicos ou
ficar cantando e/ou pregando e também ocorrem ideias ou delírios de grandeza,
poder, riqueza e/ou importância social. Também podem estar presentes
alucinações (geralmente auditivas e visuais). O DSM-5 exige, para o diagnóstico
de episódio maníaco, além de humor elevado, pelo menos mais três dos
sintomas de mania (quatro, se o humor for apenas irritável) descritos a seguir: -
Aumento da autoestima: o paciente se sente superior, melhor que os outros,
mais potente.
Diminuição da necessidade de sono: os familiares podem descrever como
insônia, mas trata-se, de fato, de diminuição do tempo de sono, sem queixas do
paciente (que dorme pouco, de 3 a 4 horas por noite, sem que isso o afete).
Produção verbal rápida, fluente e persistente, ou logorreia, com perda das
concatenações lógicas, substituídas por associações contingenciais ou por
assonância e tendência irresistível de falar sem parar, de não conseguir

10
interromper a fala. Alterações formais do pensamento – expressam-se como
fuga de ideias, desorganização do pensamento, tangencialidade,
descarrilhamento, incoerência, ilogicidade, perda dos objetivos e repetição
excessiva.
Atenção voluntária diminuída, e espontânea, aumentada.
Aumento de atividade dirigida a objetivos (no trabalho, na escola, na
sexualidade) ou agitação psicomotora.
Envolvimento excessivo em atividades potencialmente perigosas ou
danosas, como comprar objetos ou dar seus pertences indiscriminadamente e
realizar investimentos financeiros insensatos ou indiscrições sexuais;
comportamentos sexuais aumentados, desinibidos, e o paciente se torna
particularmente vulnerável a exposições sexuais de risco (sexo desprotegido).
Resumimos a seguir as alterações possíveis no EEM encontradas em
pacientes em mania/hipomania:

• Aparência: pacientes mulheres em mania costumam vestir-se com roupas


muito coloridas e chamativas, excesso de maquiagem, muitos adornos,
unhas e cabelo às vezes pintados com várias cores diferentes, roupas
muito curtas e decotadas (aparência exibicionista). Os pacientes podem
apresentar também uma aparência descuidada em função de uma intensa
agitação, que impede que eles finalizem qualquer atividade, inclusive as
relativas aos cuidados pessoais;
• Atitude: pode ser expansiva, desinibida, jocosa, irônica, arrogante ou
hostil;
• Atenção: tipicamente há hipermobilidade com hipotenacidade da atenção:
a atenção está mais comprometida na fase de mania do que nas fases de
depressão ou de eutimia;
• Sensopercepção: a elação do humor pode ocorrer com hiperestesia e na
mania com sintomas psicóticos as alucinações auditivas são as mais
frequentes;
• Memória: há hipermnésia de evocação, associada a uma hipomnésia de
fixação, a qual está relacionada ao estado de hipotenacidade e
hipermobilidade da atenção. Do déficit da atenção poderá resultar, a
posteriori, uma hipomnésia lacunar, referente ao período de maior
agitação maníaca. Podem ocorrer ainda alomnésias, com as recordações
sendo distorcidas em função das ideias deliroides de grandeza;
11
• Linguagem: o paciente fala alto, está logorreico ou taquilálico, com
hiperprosódia e diminuição da latência de resposta, podendo apresentar
ainda coprolalia, em função da desinibição;
• Pensamento: é acelerado, com fuga de ideias. Se a aceleração for muito
intensa, pode haver desagregação;
• Delírio: na mania psicótica, os delírios típicos são os de grandeza.
Todavia, tanto na mania quanto na depressão, observam-se também
delírios persecutórios e outros incongruentes com o humor;
• Volição: caracteriza-se pela presença de hiperbulia, aumento da libido,
diminuição da necessidade de sono (como consequência do aumento da
energia, este sintoma é bem característico nas síndromes maníacas),
além de um fraco controle dos impulsos;
• Psicomotricidade: a agitação psicomotora é bastante comum, mas mais
organizada e mais relacionada ao ambiente do que a que ocorre na
esquizofrenia;
• Orientação: a passagem do tempo é percebida como acelerada;
• Afeto: observa-se uma euforia (ou elação do humor) ou uma irritabilidade,
ambas obrigatoriamente patológicas (causam prejuízo), também
llabilidade ou incontinência afetiva.

A CNV é bem característica: o comportamento global do paciente é muito


ativo, alegre, eufórico ou irritável; interage com o interlocutor logo ao conhecê-
lo, como se fosse seu amigo íntimo. A proxêmica está alterada, e o indivíduo se
aproxima de pessoas desconhecidas, podendo não respeitar a distância mínima
de corpo com corpo, como se fosse uma pessoa íntima. A perda da inibição
social é frequente no episódio de mania. Pode expressar também alegria e
grandeza, contentamento transbordante, com risos, sobretudo quando conta de
suas peripécias. Geralmente, considera-se uma pessoa extraordinária, por isso
deve receber toda a atenção dos outros.
No começo do quadro, pode haver algumas CNVs que indicam o início da
fase maníaca. Além de diminuição da necessidade de sono, veste-se com
roupas mais chamativas, às vezes provocativas sexualmente, bem como usa
mais maquiagem ou adereços corporais; tem “acessos” de limpeza ou de
arrumação (p. ex., resolve arrumar todas as suas roupas ou objetos guardados
há anos); toma providências diversas, faz compras excessivas e investe em falas
proselitistas sobre religião, política ou costumes. É comum que o paciente com
12
mania acorde muito cedo pela manhã, manifestando já uma hiperatividade
ruidosa; canta e sobretudo se for religioso, prega para todos, entoa os hinos e
canções de sua igreja ou outros hinos conhecidos. Tem uma loquacidade quase
inesgotável, com condutas diversas e, às vezes, escandalosas.
Seus movimentos às vezes são incessantes, acelerados e endiabrados;
faz barulho, suas roupas podem ser vestidas de forma descuidada, colocando
várias camisas, saias ou calças, umas sobre as outras. A mímica pode exprimir
de forma exagerada as emoções que se impõem ao paciente. Há aceleração em
todas as esferas psíquicas e comportamentais, da ação, do pensamento, das
lembranças e das representações na imaginação. O ritmo global é não apenas
acelerado, mas exagerado e descompassado. O paciente maníaco pode
permanecer muitas horas, às vezes dias, em movimento agitado. Com o passar
dos dias e semanas, as pessoas que lhe são mais próximas passam a impor
limites aos seus atos, por exemplo, negam-lhe dar dinheiro, censuram sua
atitude e fazem críticas crescentes. Geralmente, então, o paciente pode mudar
de um estado global de alegria, elação e excitação para o estado de irritação,
beligerância, podendo agredir familiares, profissionais da saúde ou outros que
interagem com ele e lhe coloquem qualquer limite ou oposição.

TEMA 3 – SUICÍDIO E COMPORTAMENTO SUICIDA

Quando identificamos depressão grave, em algum momento da entrevista


será necessário perguntar sobre risco de suicídio, com perguntas ativas e
direcionadas, colocando-nos em alerta. Iremos revisar uma série de dados de
sua história, ficaremos mais atentos aos detalhes do estado mental. É uma
experiência frequente por que passa um profissional de saúde mental e também
na qual nos faz termos habilidades para avaliação especializada: pôr em prática
uma avaliação do risco de suicídio e identificar e priorizar os alvos para uma
ação terapêutica
O risco de suicídio, por mais cuidado que tenhamos em sua formulação,
distancia-se da noção de previsão de quem irá, ou não, tirar a própria vida.
Quando nos referimos a graus de risco – baixo, moderado ou alto –, estamos
nos referindo a probabilidades de que um suicídio venha a ocorrer em um futuro
próximo. Não há fórmula simples, nem escalas que possam fazer essa estimativa
com precisão. A formulação de risco tem a principal vantagem de orientar o
manejo clínico e colocar as ações terapêutica sem ordem de prioridade. Além
13
disso, o risco suicida é mutável: um risco crônico transforma-se em agudo, e
avaliações sequenciais costumam ser necessárias.
A melhor abordagem seria escalonar perguntas iniciando pelas mais
abertas (“Você já pensou em morrer?” “Acha que se sumisse tudo se
resolveria?”) e dependendo da resposta, afunilar para perguntas mais fechadas
e objetivas (“Você está pensando ou já pensou alguma vez em se suicidar?”, “de
que maneira?”). O paciente que descreve um plano específico de suicídio é muito
preocupante, muitas vezes requerendo o apoio de terceiros durante a avaliação.
Também devemos estar atentos aos sinais de alerta, como o indivíduo ficar mais
quieto e menos agitado que o habitual depois de expressar uma intenção suicida
ou fazer um testamento e doar propriedades pessoais.
Os fatores de risco para suicídio incluem idade precoce ou avançada,
dependência de álcool ou drogas, tentativas anteriores de suicídio (principal
fator), sexo masculino e história familiar de suicídio. Adultos com transtorno
depressivo maior sob tratamento com antidepressivos devem ser observados
para identificar agravamento do humor deprimido e propensão ao suicídio,
particularmente durante os meses iniciais do curso farmacoterapêutico e quando
há alteração de dosagem (aumento ou redução). Os resultados de um exame
mental cuidadoso, fatores de risco, tentativas anteriores de suicídio e
pensamentos e intenção suicidas devem todos ser considerados ao se avaliar o
risco de suicídio.

3.1 Alterações no exame do estado mental atual

Aqui, serão descritos alguns estados mentais que se associam ao risco


de suicídio.

3.1.1 Psychache e constrição cognitiva

O neologismo psychache foi idealizado para denominar uma dor


intolerável, vivenciada como uma turbulência emocional interminável, uma
sensação angustiante de estar preso em si mesmo, sem encontrar saída. Junto
com esse desespero, costuma haver a sensação de que a vida entrou em
colapso e o suicídio passa a ser visto como a única saída, uma forma de
cessação da dor psíquica.

14
3.1.2 Ansiedade, inquietude e insônia

De modo geral, a inquietude motora, as preocupações excessivas e os


sintomas corporais que acompanham a ansiedade levam ao desespero e à
ideação suicida. O controle da ansiedade é sempre um objetivo terapêutico
essencial no tratamento de pessoas sob risco de suicídio. A insônia é um fator
de risco igualmente modificável pelo tratamento.

3.1.3 Impulsividade e agressividade

Atos impensados e explosões de raiva podem aparecer espontaneamente


no relato porém é comum que os pacientes relutem em contar eventos dessa
natureza. Precisaremos interrogá-los e, muitas vezes, contar com a informação
complementar de um familiar. Algumas técnicas podem auxiliar a confirmar tais
alterações: passar a ideia de que reações excepcionais podem acontecer com
qualquer pessoa e que, por isso, não deveria haver constrangimento ao
responder e não usar as expressões impulsividade, agressividade, violência:
“quando estamos sob muita pressão, podemos fazer coisas sem pensar; algo
que, se tivéssemos um pouco mais de tranquilidade naquele momento, faríamos
de um jeito diferente. Isso já aconteceu com você? Poderia me dar alguns
exemplos?” “Já fez alguma coisa contra alguém, ou contra si mesmo, quando
estava nesse estado?” É uma regra geral, principalmente em uma avaliação
inicial, evitar termos que tenham conotação negativa ou adjetivos que impliquem
julgamento. Se o paciente empregar as palavras que inicialmente evitamos,
podemos, então, passar a usá-las.

3.1.4 Desesperança

Lembrar dos 3D´s: sentimentos de desesperança, bem como a falta de


razões para viver, associam-se mais ao suicídio do que o humor deprimido:
“Você tem planos para futuro? Você tem esperança de que sua situação vai
melhorar?”. Investigar quais as razões que o paciente encontra para viver:
responsabilidade pelos filhos, princípios podem compor um plano de segurança.

15
3.1.5 Vergonha e vingança

É importante não menosprezar o sentido de expiação de culpa, ou de


ataque vingador, que um suicídio pode representar. O suicídio pode resultar da
vergonha em quem teve um segredo exposto ou em quem frustrou a própria
expectativa ou a de outra pessoa. Alguns fatores de risco se associam com estes
sentimentos: pessoa mora sozinha, pouco ou nenhum suporte social ou familiar,
insistindo em uma reconciliação improvável, forma de pensar e de agir for do tipo
“tudo ou nada, história de impulsividade, uso de substância em excesso. Nesses
casos, mesmo na ausência dos principais fatores de risco (transtorno mental,
tentativa de suicídio prévia), um contexto insuportável leva à necessidade de
fazer alguma coisa definitiva. Para cessar a dor psíquica, ou para permanecer
na lembrança do ser amado perdido, o suicídio pode ser visto como a melhor
opção.

3.1.6 Ambivalência

Muitas vezes os pacientes estão ambivalentes, ou seja, oscilam a todo


tempo sobre pensamentos opostos (suicidar-se ou não) e é nisso que devemos
focar para fortalecer os fatores protetivos (suporte social, filhos etc).

TEMA 4 – TRANSTORNOS POR USO DE SUBSTÂNCIAS

De acordo com Cheniaux Jr. (2015) e Sampaio e Lotufo Neto (2019),

As substâncias aqui citadas e denominadas psicoativas (ou seja, que


atuam no cérebro e apresentam consequências nos fenômenos
psíquicos) que fazem parte deste tópico da são: álcool, cafeína, tabaco,
Cannabis (ou maconha), psicoestimulantes como cocaína (pó ou
crack) e anfetaminas, opioides, alucinógenos, inalantes, sedativos,
hipnóticos e ansiolíticos. Essas substâncias produzem, de modo geral,
sensações de prazer ou excitação (respostas de recompensa), cuja
correspondência cerebral está vinculada às chamadas áreas e
circuitos de recompensa do cérebro. As principais estruturas
envolvidas nesses circuitos são o nucleus accumbens, a área
tegmental ventral e a amígdala e o principal neurotransmissor
envolvido é a dopamina. Pessoas com transtornos mentais graves são
mais propensas a fazer uso problemático e a desenvolver dependência
de substâncias.

4.1 Principais sinais e sintomas de acordo com o DSM-V

No transtorno por uso de substâncias, ocorre o uso contínuo e recorrente


de uma substância, que é mantido apesar de problemas significativos que dele
16
decorrem. As principais características são: dificuldade importante ou baixo
controle sobre o uso, prejuízos psicossociais e sociais evidentes, riscos físicos e
psicológicos, além das alterações como tolerância e abstinência (mais
relacionadas com a dependência). A renomeação dessa categoria no DSM-5
vem ampliar a noção anterior e mais restrita de “dependência química” (que é
fenômeno farmacológico obrigatório, podendo ou não estar presente nesses
transtornos).
A dificuldade no controle do uso é um elemento essencial desses
transtornos e se expressa pelo fracasso em relação a tentativas de reduzir ou
regular o consumo; o indivíduo pode gastar muito tempo para obter a droga, e
grande parte (se não todas) das atividades diárias giram em torno da substância
(comportamento de busca e gastos desproporcionais para obtê-la). Há, em geral,
fissura (forte desejo ou necessidade intensa de usar a droga), desencadeada por
um ambiente onde a droga já foi consumida ou obtida anteriormente. O prejuízo
psicossocial se verifica pelas dificuldades em cumprir as obrigações nos
estudos, no trabalho ou em casa, bem como pelo abandono de importantes
atividades sociais, profissionais, estudantis e recreacionais em virtude do uso da
substância. O indivíduo continua a usar a droga apesar dos problemas
interpessoais e sociais relacionados ao consumo e o paciente pode se colocar
em situações de riscos envolvendo sua integridade física e/ou psicológica e,
apesar deles, não consegue manter-se abstinente. Finalmente, pode haver
também critérios farmacológicos, que não são mais necessários para o
diagnóstico, de acordo com o DSM-5: a tolerância e a abstinência. A primeira
observamos pela necessidade de doses cada vez maiores da substância para
obter o efeito similar ao do primeiro uso ou o efeito da substância nas mesmas
doses é acentuadamente reduzido com o passar do tempo, ocorrendo com
frequência no transtorno por uso de álcool, de opioides e de benzodiazepínicos.
Já a abstinência, ou síndrome de abstinência, pode ocorrer quando a
concentração da droga no organismo da pessoa diminui, e o indivíduo passa a
apresentar sintomas físicos como tremores, ansiedade, sudorese, insônia ou
sonolência (cada substância apresenta um conjunto de sintomas específico). A
abstinência ocorre com frequência em relação a álcool, opioides, cafeína,
tabaco, estimulantes e sedativos (como benzodiazepínicos).

17
4.2 Transtornos induzidos por substâncias

Os transtornos induzidos ocorrem em decorrência dos efeitos fisiológicos


da substância no cérebro. Há uma relação específica entre o uso e a síndrome
induzida. São quadros geralmente reversíveis que podem durar horas ou dias,
mas que não ultrapassam, de modo geral, um mês após a cessação do uso da
substância, vejamos a seguir.
A intoxicação é definida como uma síndrome reversível específica, com
alterações comportamentais ou mentais, como prejuízo do nível de consciência
(embriaguez, sedação, torpor), perturbação da percepção, da atenção, do
pensamento, do julgamento e do comportamento psicomotor, além de
agressividade, beligerância ou humor instável, causados por uma substância
recentemente ingerida. Com o termo binge, descrevemos os episódios de
consumo intenso, rápido e compulsivo, que se relaciona intimamente à
intoxicação (Ribeiro; Andrade, 2007).
Neste tópico, é importante para a prática clínica aprender a diferenciar os
quadros psicopatológicos graves induzidos por substâncias e episódios (de
esquizofrenia, mania, depressão, entre outros) independentes do efeito delas.
Nos quadros induzidos por substâncias (ou pela síndrome de abstinência da
substância), os sintomas devem regredir em, no máximo, 30 dias após o
indivíduo ter cessado o uso. Nos quadros independentes, é comum que o
episódio já tenha surgido outra vez na vida, independentemente do uso da
substância. De modo geral, nos quadros independentes, como um surto de
esquizofrenia ou um episódio de mania, a duração é superior a 30 dias.

TEMA 5 – TRANSTORNOS NEUROCOGNITIVOS/DEMÊNCIA

As síndromes mentais orgânicas (entre elas delirium, demências,


transtorno amnéstico etc.) foram reagrupadas nas classificações atuais (DSM-5
e CID-11) e atualmente são denominados transtornos neurocognitivos (TNCs).
Todos os TNCs, apesar de terem necessariamente uma causa orgânica
indiscutível e, muitas vezes, identificável (doenças ou condições como
Alzheimer, Parkinson, encefalite, insuficiências renal e hepática etc.), são
estudados pela psicopatologia (e abordados pela psiquiatria e pela psicologia
clínica, e não apenas pela neurologia) pelo fato de suas manifestações clínicas
serem predominantemente mentais e comportamentais. Os TNCs foram

18
subdivididos em dois grandes grupos: o delirium (quadros agudos, de curta
duração) e os TNCs de longa duração ou crônicos (demências, síndrome
amnéstica, TNC leve etc.). Estes últimos foram subdivididos em maiores e leves.
Na denominação comprometimento cognitivo leve (CCL) estão reunidos quadros
semelhantes aos TNCs maiores, mas com menor gravidade ou em fase inicial.
Os déficits neurocognitivos não podem interferir na capacidade de ser
independente do indivíduo ou nas suas atividades e o prejuízo cognitivo deve
ser, de modo geral, de pouca gravidade. Uma porcentagem importante desse
paciente (aproximadamente 5 a 20%), com o tempo, evolui para demência. No
DSM – 5, os TNCs maiores são agrupados juntos, de modo a unir as demências
e as síndromes amnésticas em um grupo único: TNCs maiores, nos quais as
alterações clínicas principais são déficits cognitivos adquiridos.

5.1 Características

O curso das perdas cognitivas e da limitação da vida funcional é quase


sempre progressivo (na esquizofrenia, por exemplo, as perdas tendem a ser
precoces e mais estáveis). Os TNCs (demências) são causados por doenças
neurodegenerativas e cerebrovasculares, ou seja, têm uma etiologia
neuropatológica específica e bem estabelecida. Para a realização do diagnóstico
de um TNC maior (demência) ou leve (CCL), é necessário que haja perda ou
declínio de alguma função cognitiva (de um dos diversos domínios cognitivos –
Declínio do funcionamento cognitivo prévio, em domínios cognitivos como
memória, linguagem, funções executivas, julgamento, atenção, velocidade de
processamento, cognição social, velocidade psicomotora e habilidades
visuoespaciais ou visuoperceptivas) em relação aos estágios anteriores da vida,
quando essa função ou domínio estava normal ou, se já reduzida desde a
infância (p. ex., no déficit intelectual), sofreu clara redução em relação ao seu
nível anterior.

Saiba mais
Atenção! Não se exige mais que seja especificamente a memória como
domínio cognitivo alterado (embora em grande parte dos casos ela esteja
alterada, e, na demência de Alzheimer, essa alteração seja proeminente desde
o início).

19
5.2 Entrevista

É bastante relevante fazer o esforço para se identificarem os domínios


cognitivos mais comprometidos, por meio da história clínica e de testes
neuropsicológicos. Isso permite que se estabeleçam hipóteses diagnósticas
anatômicas e neuropsicológicas, ou seja, que se compreendam quais circuitos e
regiões no cérebro podem apresentar disfunções, que resultam nos sintomas do
paciente. Por sua vez, o diagnóstico anatômico e neuropsicológico contribui para
a elaboração de hipóteses etiológicas, já que determinadas condições
neuropatológicas acometem inicialmente regiões e estruturas específicas do
cérebro.

NA PRÁTICA

Caso Clínico – Uma mulher de 60 anos solicita atendimento queixando-


se de fadiga no último mês. Refere ter dificuldade para adormecer, pouco apetite
e perda de 4,5 kg, além de pensamentos sobre querer morrer. Reconhece ter
tido sintomas semelhantes em várias ocasiões no passado, mas “nunca tão
graves”. Seus problemas clínicos incluem hipertensão e diabetes, além da saída
dos filhos de casa. Qual dos seguintes sintomas deve estar presente para se
fazer o diagnóstico de transtorno depressivo maior?

A. Humor deprimido.
B. Apetite diminuído.
C. Culpa excessiva.
D. Fadiga.
E. Ideação suicida.

FINALIZANDO

Vimos resumidamente alguns dos principais transtornos mentais e suas


alterações na entrevista e no exame do estado mental. É de suma importância
que você revise esses tópicos e aprofunde na literatura recomendada

20
REFERÊNCIAS

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual diagnóstico e estatístico de


transtornos mentais: DSM-5. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.

BOTEGA, N. J. Crise suicida: avaliação e manejo. Porto Alegre: Artmed, 2015.

CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. O suicídio e os desafios para a


psicologia. Brasília: CFP, 2013.

CHENIAUX JUNIOR, E. Manual de psicopatologia. 5. ed. Rio de Janeiro:


Guanabara Koogan, 2015.

DALGALARRONDO, P. Psicopatologia e semiologia dos transtornos


mentais. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2019.

SAMPAIO, L. A. N. P. C; LOTUFO NETO, F. (Ed.). Psiquiatria – O essencial.


São Paulo: Edimédica, 2019.

TOY, K. Casos clínicos em psiquiatria. Tradução de Régis Pizzato; revisão


técnica: Renata Rodrigues de Oliveira. 4. ed. Porto Alegre: AMGH, 2014.

21
GABARITO

Resposta: A.

22
PSICOPATOLOGIA
AULA 6

Profª Maria Cecília Beltrame Carneiro


CONVERSA INICIAL

Daremos continuidade aos estudos dos principais transtornos mentais e


seus fenômenos psicopatológicos. Incluiremos um tópico sobre o Transtorno do
Espectro Autista (TEA), devido à importância e o aumento progressivo na
prevalência ao longo do tempo.

TEMA 1 – SÍNDROMES ANSIOSAS

Primeiramente, vale ressaltar que a ansiedade em si é uma reação


adaptativa, ou seja, é uma resposta do corpo para se defender de algum tipo de
estressor externo: diante de uma ameaça, o organismo reage aumentando seu
ritmo e capacidade de resposta para que este possa se preparar para lutar ou
fugir, acionando o sistema nervoso autônomo, como o aumento da frequência
cardíaca e respiratória. Quando falamos em ansiedade patológica, essa
definição se torna mais subjetiva, com um sentimento vago e desagradável de
medo, apreensão, tensão antecipatória ante a um perigo futuro (real ou
imaginário).
Em relação à definição de medo, ele seria a resposta a um perigo iminente
real ou imaginário. Os dois podem ocorrer no mesmo paciente, mas se
manifestam de formas diferentes: no medo há maior hiperativação autonômica,
necessária para a resposta de luta ou fuga como vimos no parágrafo anterior, e
na ansiedade há tensão muscular e hipervigilância, se preparando para um
futuro perigo, além de comportamento de cuidado e evitação. Tanto o medo
quanto a ansiedade são classificados como transtorno quando são exagerados,
desproporcionais em relação ao estímulo ou diferentes do que se observa como
normal naquela faixa etária, prejudicando o funcionamento do indivíduo,
implicando em comprometimento ocupacional, social e acadêmico, sofrimento
emocional considerável e perda considerável de tempo do dia em respostas de
esquiva e evitação. Nos quadros ansiosos ocorre uma exaltação do afeto,
oscilação da atenção, hipomnésia anterógrada, aumento da velocidade da fala
e do pensamento e diminuição da latência da resposta e ainda são comuns as
de insônia, alteração do apetite e aumento da atividade motora.

2
Para a consideração de tratamento (seja psicoterápico e/ou
farmacológico), deve-se levar em conta os fatores estressores
desencadeadores, além das características individuais do sujeito. As síndromes
ansiosas ocorrem em condições estressantes variadas, corriqueiras na rotina de
um profissional de saúde, como associadas a doenças clínicas, situações de
violência, na vigência de uso de medicamentos ou drogas e comórbidas com
outros transtornos mentais.

1.1 Características

Resumidamente, podemos caracterizar as síndromes por "grupos de


sintomas”. Conforme Sampaio e Lotufo Neto (2019), eles podem ser divididos
em:

sintomas psíquicos (tensão, nervosismo, apreensão, mal estar


indefinido, insegurança, dificuldade de concentração, sensação de
estranheza ou despersonalização e desrealização etc.)
comportamentais (p.ex. inquietação, sobressaltos, evitação) e
sintomas somáticos, que podem ser divididos em: autonômicos
(taquicardia, vasoconstrição, suor, aumento de peristaltismo intestinal,
taquipneia, piloerecção, midríase); musculares (dores, contraturas,
tremores); cenestésicos (parestesias, calafrios, adormecimentos,
ondas de calor); respiratórios (sensação de afogamento ou sufocação,
dispnéia).

1.2 Exame do estado mental

Nos quadros ansiosos, podemos observar expressão facial tensa,


preocupada ou amedrontada. A tensão muscular pode ser mais intensa nos
músculos cervicais do pescoço e na musculatura da face. Em episódios agudos
de ansiedade, ocorre uma descarga intensa do sistema nervoso autônomo: na
descarga simpática, há a reação de lutar ou fugir, com manifestações físicas
como a vasoconstrição cutânea, palidez da face e midríase (dilatação das
pupilas), podendo haver ereção dos pelos, aumento da frequência cardíaca,
sudorese e tremores das extremidades, sensação de sufocamento e/ou aumento
da frequência respiratória. A voz pode ficar hesitante, o que pode tornar a
compreensão da fala difícil (Dalgalarrondo, 2019).

1.3 Classificação dos transtornos

São estados de ansiedade patológica repetitivos, persistentes e que


causam prejuízos. As classificações atuais consideram os seguintes quadros

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nosológicos como transtornos ansiosos (Sampaio e Lotufo Neto, 2019):
transtorno de pânico ou ansiedade episódica paroxística, transtornos fóbico-
ansiosos (fobias específicas ou isoladas, agorafobia, fobias sociais), transtorno
de ansiedade generalizada, transtorno de ansiedade devido a uma condição
física ou uso de substância psicoativa e transtorno de ansiedade sem outra
especificação. A síndrome ansiosa é encontrada principalmente no transtorno de
ansiedade generalizada e no transtorno de pânico, mas pode ocorrer também
nos outros transtornos de ansiedade e em diversos outros transtornos mentais,
como a esquizofrenia e a depressão. Outras causas da síndrome de ansiedade
são: abstinência de nicotina, benzodiazepínicos ou opioides; intoxicação por
cafeína, simpaticomiméticos ou estimulantes; hipertireoidismo; hipoxia;
hipoglicemia; epilepsia do lobo temporal; e isquemia cerebral, conforme lista
Cheniaux (2015).
No transtorno de ansiedade generalizada, a ansiedade é crônica e
praticamente contínua, sem picos ansiosos bem delimitados, as preocupações
são persistentes e excessivas acerca de vários domínios, incluindo desempenho
no trabalho e escolar e as quais o paciente encontra dificuldade em controlar. As
manifestações mais comuns e que fazem parte dos critérios diagnósticos são os
sintomas físicos, incluindo inquietação ou sensação de “nervos à flor da pele”;
fatigabilidade; dificuldade de concentração ou “ter brancos”, irritabilidade, tensão
muscular e perturbação do sono (American Psychological Association, 2014). Já
no transtorno de pânico, há episódios bem delimitados e recorrentes de
ansiedade, que são de grande intensidade e que duram apenas alguns minutos,
os chamados “ataques de pânico”. Estes ataques constituem-se de vários sinais
e sintomas físicos que ocorrem simultaneamente e de maneira intensa, como
palpitação, dor no peito, falta de ar, vertigem, sensação de desmaio, tremor,
ondas de calor ou calafrios, náuseas e formigamento. Pode ocorrer também a
despersonalização, como comentamos anteriormente. Os ataques de pânico são
tão intensos que o indivíduo apresenta medo de morrer, de enlouquecer ou de
perder o controle sobre seus atos. Em função das alterações
cardiorrespiratórias, muitas vezes acredita estar tendo um infarto (APA, 2014).
A síndrome fóbica é sempre direcionada a um objeto, atividade ou
situação específica e a reação é desproporcional a este e, se for criança ou
adolescente, a reação pode ser desproporcional ao esperado na faixa etária;
medo, ansiedade ou esquiva são quase sempre imediatamente induzidos pela

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situação fóbica, até um ponto em que são persistentes e fora de proporção em
relação ao risco real que se apresenta. Existem vários tipos de fobias
específicas: a animais, ambiente natural, sangue-injeção-ferimentos, situacional
e outros. Uma forma bem específica de fobia é a agorafobia, que consiste em
um comportamento de esquiva em relação a lugares ou situações em que a fuga
seria difícil ou embaraçosa, ou que o socorro poderia não ser disponível, caso o
indivíduo apresente um ataque de pânico. O paciente pode evitar passar por
túneis ou pontes, andar de trem, metrô ou avião, estar no meio de uma multidão
ou em uma fila. Em casos mais graves, recusa-se a ficar sozinho ou não sai mais
de casa. Outra forma de fobia é a ansiedade social (anteriormente chamada fobia
social), que se caracteriza por um medo persistente, excessivo e incapacitante
de agir em situações sociais como encontrar-se com pessoas que não lhe são
familiares, situações em que o indivíduo pode ser observado comendo ou
bebendo e situações de desempenho diante de outras pessoas. A distorção
cognitiva associada é a de ser avaliado negativamente por terceiros. A exposição
a essas situações sociais produz uma reação física imediata de ansiedade e,
assim, são geralmente evitadas. Pessoas com ansiedade social são muito
sensíveis às reações e expressões faciais dos outros, sobretudo de mínimos
sinais negativos, percebidos de forma exagerada em indivíduos considerados
como “importantes” ou dotados de significação “superior”. Os indivíduos com
ansiedade social vivem em frequente estado de hipervigilância.
Já as síndromes do espectro obsessivo-compulsivo ganharam
classificação própria, que veremos a seguir. Os transtornos decorrentes de
situações traumáticas, como o transtorno por estresse pós-traumático, também
deixaram de fazer parte dos transtornos ansiosos, pois suas manifestações
clínicas são distintas e faz parte dos critérios diagnósticos que o paciente tenha
vivenciado situação de ameaça à sua vida ou a de terceiros.

TEMA 2 – SÍNDROME OBSESSIVO-COMPULSIVAS (SOCs)

No Brasil, segundo dados apresentados em Dalgalarrondo (2019),


estudos epidemiológicos nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro revelaram
a presença de TOC (transtorno obsessivo-compulsivo), nos últimos 12 meses da
referida pesquisa, em 2,8 a 3,9% da população (casos graves em 42,5% dos
casos) e, pelo menos uma vez na vida, em 3,6 a 4,1%. Os quadros obsessivo-
compulsivos dividem-se em três subtipos básicos: aqueles nos quais
5
predominam as ideias obsessivas, os predominam os comportamentos
compulsivos (mais comum em crianças) e, mais frequentemente, observamos as
formas mistas.

2.1 Entrevista e exame do estado mental nas SOCs

Nas SOCs, segundo Cheniaux, (2015):

podem ocorrer ideias obsessivas (alteração do conteúdo do


pensamento) e/ou comportamento compulsivo (alteração da vontade).
As ideias obsessivas se apresentam de forma recorrente (há
perseveração do pensamento) e são vivenciadas como absurdas,
irracionais, sem sentido, repulsivas, desagradáveis ou ansiogênicas.
Elas invadem a consciência do indivíduo contra a sua vontade,
produzindo assim uma luta interna ou resistência contra elas, o que
denominamos de pensamentos intrusivos. Eles são reconhecidos pelo
indivíduo como produto da sua própria mente e não impostas a partir
do exterior. São exemplos de ideias obsessivas: dúvidas (se trancou a
casa, se desligou o gás, se executou uma tarefa de forma completa ou
perfeita), preocupação com contaminação (maçanetas, banheiros,
dinheiro), imagens de conteúdo agressivo, assustadoras, presságios
quanto a tragédias, de cunho religioso, obsceno e pensamentos ou
imagens sem sentido (números, letras, músicas). Os atos compulsivos
são comportamentos repetitivos e intencionais, na maioria das vezes
realizados em resposta a uma ideia obsessiva. Ocorrem de acordo com
certas “regras” ou de uma maneira estereotipada. O comportamento
objetiva neutralizar ou prevenir desconforto ou evitar algum evento ou
situação pavorosa.

As compulsões mais observadas envolvem rituais de contagem,


verificação, limpeza, arrumação, tocar em objetos e há também as compulsões
ou rituais mentais – como repetir mentalmente números, frases etc. O ato
compulsivo muitas vezes não tem relação lógica com o pensamento e, assim
como as ideias obsessivas, o paciente também tem a noção de que é irracional
e tenta fazer algum esforço para resistir em executá-lo, mas, ao longo do tempo
isso vai se tornando cada vez mais difícil – por exemplo: vem à mente do
paciente um pensamento repetitivo de algum familiar seu vai morrer, e que tal
situação só será evitada se bater em um objeto determinado 5 vezes seguidas;
outro exemplo é somar os algarismos das placas de todos os automóveis na rua
até que uma soma resulte num múltiplo de nove, “uma regra” o que “assegura”
que nada de mal irá ocorrer.
Em outros casos estão interligados, por exemplo, o medo relacionado com
contaminação/doenças leva a um ritual de limpeza excessiva e repetitiva.
Outros achados do exame do estado mental nestes pacientes podem ser
a rigidez da atenção (o foco permanece apenas na ideia obsessiva) e

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minuciosidade. O insight da doença, ou seja, a noção da morbidade, está
preservado, embora em alguns casos mais graves possa estar prejudicado.

2.2 Principais transtornos associados

Os quadros obsessivos compulsivos são mais característicos do


transtorno obsessivo compulsivo e síndrome de Tourette (que é um transtorno
de tique), podendo surgir na esquizofrenia e na depressão. O padrão de
comportamento compulsivo ocorre também no transtorno por uso de
substâncias, na cleptomania, no jogo patológico e na tricotilomania (estes fazem
parte da classificação de síndromes impulsivas – capítulo específico também no
DSM-5, para que você possa estudar e diferenciar das SOCs).

TEMA 3 – SÍNDROMES PSICÓTICAS

Neste tópico iremos focar principalmente na esquizofrenia, pois sua


prevalência é em torno de 1% da população mundial. Com relação à idade de
início, o pico de incidência se dá em torno de 20-25 anos e as mulheres
desenvolvem a doença em média cinco anos mais tarde que os homens e
apresentam ainda um segundo pico de incidência dos 45 aos 49 anos. A
susceptibilidade à esquizofrenia é multifatorial e um dos mais marcantes é a
predisposição genética. Segundo Sampaio e Lotufo Neto (2019), estudos
indicam que “complicações na gestação, desenvolvimento fetal anormal e
complicações no parto (como hipóxia) são fatores de risco para esquizofrenia. O
uso de cannabis está associado ao desencadeamento de sintomas psicóticos
em indivíduos normais e à piora dos sintomas em pacientes com esquizofrenia”.
Estudos de neuroimagem e neuropatologia identificaram de forma consistente
redução do volume cerebral total e do volume de substância cinzenta,
alargamento dos ventrículos e redução de estruturas como áreas mediais dos
lobos temporais, do córtex pré-frontal e do tálamo.

3.1 Características principais da esquizofrenia

A apresentação clínica pode ser dividida nas seguintes dimensões (aqui


resumidas de acordo com Sampaio e Lotufo Neto, 2019).

1. Sintomas positivos: delírios e alucinações.

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2. Sintomas negativos: embotamento afetivo, diminuição da motivação,
isolamento social, empobrecimento do pensamento.
3. Sintomas cognitivos: déficits de memória, de atenção e de funções
executivas.
4. Sintomas de humor: sintomas depressivos ou sintomas maníacos e
ansiedade.
5. Sintomas de desorganização: desorganização do pensamento e
comportamento, afeto inapropriado ou incongruente.

3.2 Critérios segundo o DSM V

É necessário que o paciente apresente pelo menos dois dos sintomas


característicos (delírios, alucinações, desorganização de discurso,
desorganização de comportamento ou sintomas negativos), por pelo menos 1
mês. Além disso, um mínimo de seis meses de sintomas ainda que atenuados
(ou apenas sintomas negativos) e declínio no nível de seu funcionamento global
(dificuldades ocupacionais, sociais e acadêmicas). É necessário diferenciar os
sintomas que se devam a alguma condição médica, uso de substâncias e
transtornos do humor dos sintomas psicóticos.
A esquizofrenia é uma doença grave e crônica, com surtos recorrentes e
não há, de modo geral, remissão completa dos sintomas após a estabilização
dos surtos. O curso da doença é dividido em três fases: fase pré-mórbida, fase
de sintomas psicóticos e fase crônica, em que há graus diversos de prejuízos
funcionais e cognitivos.

3.3 Entrevista e exame do estado mental na esquizofrenia

Indivíduos esquizofrênicos apresentam insight muito prejudicado em


relação aos seus sintomas. Diferenciar a esquizofrenia de outros transtornos
mentais psicóticos graves pode ser difícil em um primeiro momento: as
manifestações psicopatológicas variam muito entre os pacientes e ao longo do
curso da doença, além dos déficits cognitivos também apresentarem grande
amplitude considerável. De forma geral, podemos observar as seguintes
alterações no EEM.

• Atitude: nos quadros em que predominam os sintomas negativos ou na


catatonia, pode haver indiferença em relação ao interlocutor e à

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entrevista. Nos quadros paranoides, observa-se uma atitude suspicaz,
hostil, querelante, ou de fuga.
• Atenção: paciente em psicose aguda podem se distrair com qualquer
estímulo externo. Já em casos de sintomas negativos predominantes, a
atenção pode estar globalmente diminuída, devido à apatia e
desinteresse. Podemos suspeitar de atividade alucinatória no momento
da consulta se ocorrer uma rigidez ou labilidade da atenção. Nos casos
em que há delírios persecutórios, a atenção espontânea costuma se
intensificar.
• Sensopercepção: apresenta grande riqueza alucinatória, predominando
as alucinações auditivas, e o paciente pode descrever vozes que
dialogam entre si, vozes depreciativas sobre o paciente ou que ordenam
algo.
• Memória: segundo Cheniaux (2015), “é possível surgir uma hipomnésia
de fixação, devido ao embotamento e desinteresse quanto ao mundo
externo, ou quando há agitação psicomotora importante. Há uma
hipermnésia seletiva em relação a eventos que possa julgar como
relacionados a seus delírios e uma hipomnésia para aqueles que os
contradizem. Ainda podem ocorrer alomnésias (memorias distorcidas de
eventos passados) e paramnésias (“recordar” fatos que na verdade nunca
ocorreram, como se criasse memorias “novas” do passado). Estudos
atuais baseados em avalições neuropsicológicas têm mostrado que
alguns esquizofrênicos podem apresentar alterações de memória
semelhantes às encontradas nas demências”.
• Linguagem: podemos observar as alterações como mussitação,
solilóquio, jargonofasia, neologismos, maneirismos, pararrespostas e até
a aprosódia completa.
• Conteúdo do pensamento: é quase que característico o delírio bizarro,
com um conteúdo impossível. Pode ser primário (quando intuitivo) ou
secundário (à atividade alucinatória).
• Inteligência: há uma deterioração intelectual, relacionada às alterações
formais e empobrecimento do pensamento e os sintomas psicóticos
também pode prejudicar o desempenho cognitivo. Atualmente, estudos
também deterioração cognitiva na esquizofrenia seja primária e
relacionada diretamente a alterações estruturais no cérebro.

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• Volição: a hipobulia é considerada um sintoma negativo da esquizofrenia,
mas também podem ocorrer atos impulsivos, suicídio, negativismo e
obediência automática.
• Psicomotricidade: podem manifestar apraxia, catatonia, agitação (que
reflete a desorganização do pensamento, sem relação com estímulos do
ambiente) e maneirismos.
• Afetividade: O embotamento afetivo é um dos sintomas negativos
principais da esquizofrenia. Em quadros delirantes francos ou de agitação
psicomotora o afeto de tônus ansioso pode prevalecer, caracterizando
uma hipertimia. Podem ser encontradas também rigidez afetiva,
paratimias, ambitimias e neotimias (adaptado de Cheniaux, 2015).

3.4. CNV na esquizofrenia

No caso da esquizofrenia, dividimos os CNVs nos momentos agudos e


crônicos do transtorno. Nos estados agudo, principalmente nos estágios iniciais
da esquizofrenia, podemos identificar gestos e movimentos faciais denotando
um estado de medo e desconfiança ou perplexidade relacionados às vivências
paranoides como delírio de perseguição e vozes ameaçadoras (alucinações
auditivas). Além disso, neste momento, é frequente que o paciente se apresente
com desorganização mental e comportamental, até mesmo em atividades de
vida diária, como alimentação e higiene pessoal, em posturas bizarras de
repouso, e na interação social. Nos quadros já crônicos, identificamos uma
diminuição da expressão afetiva, desde uma indiferença afetiva discreta até o
embotamento afetivo. Pacientes esquizofrênicos têm dificuldade em expressar
emoções tanto negativas como positivas; ainda podem apresentar estereotipias
faciais com caretas, piscamento dos olhos e movimentos orofaciais repetitivos.
A prosódia também está diminuída. Estes pacientes também tendem a
“apresentar distorção na interpretação da interação social do interlocutor: em
quadros paranoides observam em detalhes a mímica e da voz dos outros (que,
muitas vezes, emitiram apenas sinais neutros), sinais ameaçadores, com
conteúdo de desprezo, ameaça ou condenação em relação a eles”
(Dalgalarrondo, 2019).

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3.5 Outros transtornos psicóticos

São o transtorno psicótico breve (presença de sintomas psicóticos já


descritos) por um período de 1 dia a 1 mês, sem a presença de sintomas
residuais após sua remissão; transtorno esquizofreniforme (que tem duração
maior que um mês e menor que seis meses); já no transtorno delirante
persistente, a definição é dada pela recorrência de ideias delirantes, com
duração de pelo menos um mês, e a ocorrência de alucinações táteis e olfativas;
o transtorno esquizoafetivo, que consiste em episódio de alteração de humor
(depressão e/ou mania) somados aos sintomas psicóticos característicos da
esquizofrenia e em que, obrigatoriamente, o paciente deve apresentar um
intervalo de pelo menos duas semanas no qual os sintomas psicóticos estão
presentes e os sintomas de humor estão ausentes. Por último, os transtornos de
personalidade do cluster A podem ser confundidos com esquizofrenia –
paranoide, esquizoide e esquizotípico – pois nos dois primeiros observam-se
crenças idiossincráticas similares aos delírios e no transtorno de personalidade
esquizoide há um comportamento de isolamento social importante (Sampaio e
Lotufo Neto, 2019).

TEMA 4 – SÍNDROMES RELACIONADAS AO COMPORTAMENTO


ALIMENTAR

A conduta alimentar envolve sensações básicas de fome, sede e


saciedade e os transtornos alimentares, por sua vez, são caracterizados por
perturbação persistente no comportamento alimentar com prejuízos psíquicos e
físicos. Além da relação com o hipotálamo (centro da saciedade) e várias
estruturas límbicas e corticais, mediadas por substâncias como a insulina, a
leptina e a grelina, mudanças sociais e culturais também contribuem para o
aumento da prevalência de casos mundo afora. Neste quarto tema, daremos
preferência aos transtornos mais frequentes: anorexia nervosa, bulimia nervosa
e transtorno da compulsão alimentar.

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4.1 Anorexia Nervosa

Anorexia Nervosa (AN) é um transtorno alimentar no qual as três


características essenciais são a restrição persistente da ingesta calórica, medo
intenso de ganhar peso e perturbação na percepção da própria forma e peso. A
prevalência da AN na população é de cerca de 0,5 a 1%. Dentre todos os
transtornos psiquiátricos, a AN é a responsável pela maior morbimortalidade,
sendo que metade das mortes em pacientes com AN ocorre por suicídio e o
restante por complicações clínicas decorrentes do quadro, principalmente por
arritmias cardíacas. Os critérios diagnósticos, segundo o DSM V (APA, 2013)
são os que se seguem.

1. Restrição persistente da ingesta calórica levando ao baixo peso corporal


significativo (relacionado àquilo que é minimamente esperado para idade,
sexo, desenvolvimento e saúde física).
2. Medo intenso de ganhar peso ou de engordar, ou comportamento persis-
tente que interfira no ganho de peso (apesar do significativo baixo peso).
3. Distúrbio na maneira que o indivíduo experiencia seu peso ou forma
corporal, influência indevida do peso e forma corporal na autoavaliação
ou falta de reconhecimento do risco do baixo peso atual. Subtipos: tipo
restritivo e purgativo (com compulsão alimentar).

4.2 Bulimia Nervosa

A Bulimia Nervosa (BN) é definida por episódios recorrentes de compulsão


alimentar, com ingestão de grande quantidade de alimentos em determinado
período, juntamente com um sentimento de falta de controle, além de
comportamentos compensatórios inapropriados, para impedir o ganho de peso.
A autoavaliação destes pacientes é influenciada pelo peso e pela forma corporal,
com prejuízos sociais e funcionais. A prevalência de BN varia entre 1,1% e 4,2%
e as comorbidades são frequentes, como depressão, transtornos ansiosos,
abuso de substâncias e transtornos de personalidade.
Segundo o DSM V (APA, 2013):
um episódio de compulsão alimentar é caracterizado por:
1. comer em um pequeno período (intervalo de 2 horas) uma
quantidade de comida definitivamente maior que a maioria das
pessoas comeria durante o mesmo tempo e em circunstâncias
parecidas;

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2. sensação de perda de controle alimentar durante o episódio
(sensação que o indivíduo não consegue parar de comer ou não
controla “o quê” nem quanto come). Comportamento compensatório
inapropriado buscando prevenir ganho de peso como, por exemplo,
vômitos autoinduzidos; uso inadequado de laxativos, diuréticos ou
outros medicamentos; jejum ou exercício excessivo. A compulsão
alimentar e a compensação inapropriada ocorrem, em média, uma vez
por semana em período mínimo de 3 meses. Autoavaliação é
indevidamente influenciada pelo peso e forma corporal. O distúrbio não
ocorre exclusivamente durante episódios de Anorexia Nervosa.

4.3 Transtorno da Compulsão Alimentar (TCA)

Resumidamente, a TCA é caracterizada por (APA, 2014): “episódios


recorrentes de compulsão alimentar, nos quais o paciente ingere uma grande
quantidade, com sensação de falta de controle, come mais rapidamente que o
normal e até se sentir desconfortavelmente cheio. Pode comer grandes
quantidades de alimento sem a sensação de fome e pode ficar com vergonha e
comer sozinho”. Após o episódio, é comum se sentir culpado ou triste. Para
diagnosticarmos o TCA, é necessário que as compulsões alimentares ocorram
com frequência média de 1 vez por semana durante um tempo mínimo de 3
meses. Destacamos que no TCA não são utilizados métodos compensatórios,
característica que o distingue da BN.

TEMA 5 – TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA

O Transtorno do Espectro Autista (TEA), segundo Sampaio e Lotufo Neto


(2019), é caracterizado por “prejuízo nas habilidades sociais, déficit na
comunicação verbal, comportamentos repetitivos associados a interesses
restritos”. Sobre a prevalência, os autores indicam que ela:

varia entre os estudos, mas é estimada em 30-100 para cada 10.000


pessoas, afetando 3-5 homens para cada mulher. Sua origem é
multifatorial e tem grande influência de componentes genéticos, com
taxa de herdabilidade estimada em 50 a 90%. Sobre os fatores de
risco, os autores notam que normalmente “englobam uma história de
familiar positiva em primeiro grau, doença congênita no paciente e
idade parental (mãe ou pai) acima de 40 anos, exposição a
determinadas substâncias químicas, deficiência de vitamina D ou de
ácido fólico, infecções maternas, uso de ácido valpróico durante a
gestação, prematuridade (abaixo de 35 semanas) e baixo peso ao
nascer (< 2500g).

5.1 Exame do Estado Mental no TEA

Podemos observar as seguintes alterações psíquicas.

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• Inteligência: em boa parte dos pacientes, a inteligência está abaixo do
esperado. Mais raramente, alguns pacientes podem apresentar
habilidades cognitivas extremamente desenvolvidas, relacionadas a
música, arte, cálculos matemáticos, orientação viso espacial e memória
(hipermnésia de fixação).
• Linguagem: ecolalia, hipoprosódia e neologismos (alterações da
linguagem).
• Psicomotricidade: hipomimia, maneirismos, estereotipias e agitação.
• Volição: impulsividade e comportamentos de autolesão.
• Afeto: embotamento afetivo ou incontinência afetiva.
• Sensopercepção: pode estar exacerbada (hiperestesia) ou diminuída
(hipoestesia).
• Consciência do eu: é comum o paciente referir a si próprio usando o
pronome na terceira pessoa (“ele” ou “ela”) (Cheniaux, 2015).

5.2 Critérios Diagnósticos – DSM V (APA, 2014)

• Deficiências persistentes na comunicação social e interação social em


diferentes contextos, manifestados pelos seguintes itens, no presente ou
no relato histórico:
o deficiências na reciprocidade social-emocional, variando, por
exemplo, de aproximação social anormal e falha em manter
conversação à diminuição do compartilhar de interesses, emoções
ou afeto até falha para iniciar ou responder a interações sociais;
o deficiências em comportamentos comunicativos não verbais
usados para interação social, variando, por exemplo, de
comunicação verbal e não verbal desintegrados a anormalidades
no contato visual e expressão corporal ou deficiências no
entendimento ou uso de gestos até ausência de expressão facial e
falta de comunicação não verbal; e
o deficiências no desenvolvimento, manutenção e entendimento das
relações interpessoais, variando, por exemplo, de dificuldades em
ajustar comportamento para se adequar a vários contextos a
dificuldades em compartilhar jogos imaginativos ou fazer amigos
até ausência de interesse por pares.

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• Padrão repetitivo e restrito de comportamentos, interesses ou atividades,
manifestado por pelo menos dois dos itens, no presente ou no relato
histórico:
o movimentos motores, uso de objetos ou discurso de forma
repetitiva ou estereotipada (ex., estereotipias motoras simples,
alinhamento de brinquedos ou brincadeiras estereotipadas com
objetos, ecolalia, frases idiossincráticas);
o insistência na similaridade de situações vividas, manutenção
inflexível das rotinas ou padrões ritualizados de comportamentos
verbais e não verbais (ex., sofrimento extremo a pequenas
mudanças, dificuldades com mudanças, padrões rígidos de
pensamento, cumprimentos ritualizados, necessidade de fazer um
mesmo caminho ou ingerir um mesmo alimento todos os dias);
o interesses fixos e significativamente restritos que são anormais em
intensidade ou foco (ex., ligação intensa ou preocupação com
certos objetos, interesses circunscritos e perseverativos); e
o hiper ou hiporreatividade a estímulos sensoriais ou interesses
incomuns em aspectos sensoriais do ambiente (exemplo: aparente
indiferença a dor ou temperatura, resposta adversa a sons e
texturas específicas, olfação ou tato excessivo de objetos, fascínio
visual por luzes ou movimentos).
• Sintomas devem estar presentes durante o início do desenvolvimento
(mas podem não se manifestar completamente até as demandas sociais
excederem o limite das capacidades, ou podem ser mascarados por
estratégias aprendidas em estágios futuros da vida).
• Sintomas causam prejuízos clínicos em áreas sociais, ocupacionais e
outras importantes para o funcionamento atual.
• Os sintomas não são mais bem explicados por deficiência intelectual ou
atraso global do desenvolvimento. Deficiência intelectual e transtorno do
espectro autista frequentemente coexistem; para o diagnóstico comórbido
do transtorno do espectro autista e deficiência intelectual, a comunicação
social deve ser menor do que aquela esperada para o nível global de
desenvolvimento.

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• Níveis de gravidade: grau 1 – necessita de algum apoio; grau 2 –
necessita de apoio consistente; grau 3 – necessita de intenso apoio
consistente.

5.3 CNV no Transtorno do Espectro Autista

Indivíduos com TEA apresentam dificuldades importantes na CNV, pois


estas regulam a interação social, a comunicação expressiva e a receptiva.
Assim, podem apresentar contato visual empobrecido, sendo esse um dos
déficits de CNV mais frequentes nesse quadro. O sorriso social pode ser raro ou
inapropriado para um determinado momento de interação, ou ainda um contato
visual “longe”, que “atravessa” o interlocutor. Pode-se notar também resistência
ou sensibilidade ao toque (por exemplo, ao receber um abraço, cumprimento) ou
dificuldade em responder reciprocamente a estes gestos. Em relação a
psicomotricidade, apresentam com frequência comportamentos repetitivos
(estereotipias motoras), como balanceio do tronco, andar na ponta dos pés,
balançar as mãos como bater asas (flapping), emissão de ruídos e estalos com
a boca ou mãos. Apresentam déficit em expressar seus interesses e conquistas
para os outros. Podem ter dificuldade em compartilhar o que estão fazendo,
chamar para fazer uma atividade junto ou demonstrar quando querem ou
necessitam de algo (apontar um objeto, por exemplo). Em relação à voz e aos
elementos sonoros da comunicação verbal, pacientes com TEA nível leve
apresentam o desenvolvimento da fala e da linguagem, mas tendem a
apresentar uma voz com prosódia monótona, com volume alto ou baixo ou ainda
a entonação se assemelhar à de personagens de desenho animado ou à de um
robô.
Outra observação marcante são os déficits no reconhecimento facial e da
expressão emocional pela mímica facial, os quais não correspondem a um
simples atraso no desenvolvimento, mas tendem a ser persistentes (sobretudo
naqueles que não recebem tratamento especializado e adequado). Ao que
parece, o reconhecimento de emoções mais complexas, como orgulho ou
constrangimento, é bem mais difícil que o de emoções simples, como alegria e
tristeza (McGee; Morrier, 2003).
Nas últimas décadas, com o desenvolvimento de abordagens terapêuticas
mais específicas (como Análise do Comportamento Aplicada [ABA]), tem sido
verificado que alguns aspectos das dificuldades comunicacionais das pessoas
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com TEA podem ser adaptados com a elaboração de estratégias alternativas ou
originais para incrementar e melhorar a qualidade da interação e da
comunicação (Dalgalarrondo, 2019).

NA PRÁTICA

Aqui usaremos como exemplo um caso clínico, recolhido por Sampaio e


Lotufo Neto (2019):

Um jovem de 18 anos é levado ao setor de emergência pelos amigos


depois de ter iniciado uma briga com um deles e ficado inconsciente
com um soco recebido. Ao recuperar a consciência, afirma que estava
brigando pela “liberdade do mundo” e que “as vozes em sua cabeça”
lhe disseram que os amigos tinham a chave para vencer essa batalha.
Irritável e agitado, perambula pelo setor de emergência. Não consegue
ficar sentado ao ser entrevistado, preferindo ficar em pé e de costas
para a porta enquanto é entrevistado. Seus amigos relatam está mais
isolado e a piora do rendimento acadêmico nos últimos 8 meses.
Relatam que seu humor ficou irritável somente nos últimos dias. Os
resultados do screening toxicológico são negativos, exame físico sem
alterações, embora este último tenha sido limitado devido a sua pouca
colaboração.

Qual diagnóstico é o mais provável para esse paciente? Na sequência,


alguns pontos para a discussão: “o paciente está apresentando um típico
episódio de psicose, que parece ter aumentado gradativamente com o
surgimento de paranoia (ficar em pé com suas costas para a porta enquanto fala
com o médico) e irritabilidade extrema, o que pode nos levar, nos passos
seguintes, descartar (sempre!) se o mesmo apresenta sintomas de mania
psicótica ou uma evolução já estabelecida de esquizofrenia (pela duração das
alterações de comportamento e faixa etária de risco)”.
Recomendamos um vídeo bem didático sobre sinais precoces de TEA,
comparando o desenvolvimento de uma criança neurotípica e uma atípica. Já
nos primeiros anos de vida, é possível rastrear possíveis sinais e sintomas. O
vídeo pode ser acessado pelo link a seguir.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=YX5qETl24gs>.
Acesso em: 29 set. 2021.

FINALIZANDO

Primeiramente queremos parabenizar você, que chegou até o final desta


aula. Estudar e continuar se atualizando sobre psicopatologia e as principais
síndromes é essencial, é a base para a boa prática clínica. Ter esse

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conhecimento bem sedimentado garante que você será bem-sucedido na sua
prática clínica, independente da área de atuação que escolher.

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REFERÊNCIAS

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual diagnóstico e estatístico


de transtornos mentais: DSM-5. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.

Bringing the Early Signs of Autism Spectrum Disorders Into Focus. Jenna Diaz.
29 de agosto de 2013. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=YX5qETl24gs>. Acesso em: 29 set 2021.

CHENIAUX JUNIOR, E. Manual de psicopatologia / Elie Cheniaux. - 5. ed. -


Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2015.

DALGALARRONDO, P. Psicopatologia e semiologia dos transtornos


mentais [recurso eletrônico], 3. ed. Porto Alegre :Artmed, 2019.

SAMPAIO, L. A. N. P. C.; LOTUFO NETO, F. (editores). Psiquiatria - O


Essencial. 1a edição. São Paulo: Edimédica, 2019.

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