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O Banco mais vantajoso e infalível 


  OU

A Esmola 
 
Considerações e exemplos pelo Servo de Deus 
ANDRÉ BELTRAMI 
da Pia Sociedade Salesiana 
 
 
Non  memini  me  legisse  mala  morte 
defunctum,  qui  liberius  opera  caritatis 
exercuerit. 
S. Jerônimo 
 
Transcrição de​ LEITURAS CATÓLICAS 
ANO XLVIII - DEZEMBRO DE 1938 - nº 583 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
IMPRIMATUR 
Por comissão especial do Exmo. e Revmo. 
Sr. Bispo de Niterói, D. JOSÉ PEREIRA ALVES. 
Niterói, 29 de Setembro de 1938 
P. Orlando Chaves, S. S. 
 

ÍNDICE 
PREFÁCIO DOS EDITORES 3 

CAPÍTULO I – FREQUENTES FALÊNCIAS DE BANCOS 4 

CAPÍTULO II – UM BANCO INFALÍVEL 6 

CAPÍTULO  III  –  JUROS  VANTAJOSOS  NESTA  VIDA  E  A  GLÓRIA  ETERNA 


NA OUTRA 8 

CAPÍTULO IV O OURO É TERRA BRILHANTE 14 

CAPÍTULO V – A AVAREZA É UM VÍCIO REPUGNANTE 17 

CAPÍTULO VI – O PRECEITO DA ESMOLA NO ANTIGO TESTAMENTO 20 

CAPÍTULO VII – BELA DOUTRINA DO LIVRO DE TOBIAS 27 

CAPÍTULO VIII – O PRECEITO DA ESMOLA NO NOVO TESTAMENTO 31 

CAPÍTULO  IX  –  QUE  É  O  RICO?  É  O  TESOUREIRO  E  O  PROVEDOR  DO 


POBRE 36 

CAPÍTULO X – LUMINOSOS EXEMPLOS DOS SANTOS 40 

CAPÍTULO XI – QUE É O POBRE? É A PESSOA DE JESUS SOFREDOR 49 

CAPÍTULO XII - A PREDESTINAÇÃO DO RICO DEPENDE DA ESMOLA 54 

CAPÍTULO XIII — A ESMOLA RESOLVE A QUESTÃO SOCIAL 58 

CAPÍTULO XIV – A ESMOLA DEVE SER FEITA DURANTE A VIDA 60 

CAPÍTULO XV – VÁRIAS ESPÉCIES DE ESMOLAS 62 


 

   
PREFÁCIO DOS EDITORES 
Já  em  outra  ocasião foi publicado nas ​Leituras Católica um 
opúsculo  sobre  a  esmola,  intitulado  «A  Esmola  segundo  Deus. 
Esse  trabalho  foi  muito  apreciado  e  estávamos  cogitando  fazer 
nova  edição,  quando  foi  traduzido  o  presente opúsculo da lavra 
do  Servo  de  Deus  Padre  André  Beltrami,  da  Pia  Sociedade 
Salesiana. 
Oh!  seja  bem-vinda  esta  voz  do  virtuoso  Sacerdote  a 
acordar certas pessoas que dormem, a evocar certos mortos. 
O  glorioso  Apóstolo  S.  Paulo  nos  exorta  a  fazermos  o 
bem,  enquanto  temos  tempo.  Outra  não  é a exortação do Padre 
Beltrami neste seu trabalhinho sobre a Esmola. 
Hoje  a  palavra  de  André  Beltrami  é  mais  autorizada, 
porque  já  se  introduziu  a  Causa  de  sua  Beatificação  e 
Canonização,  e  esperamos  que,  dentro  em  breve,  receba  na 
fronte a auréola dos Bem-aventurados. 
Acolhei,  pois,  esta  sua  palavra  como  uma  voz  vinda  do 
Céu. 

   
CAPÍTULO I – FREQUENTES FALÊNCIAS DE BANCOS 
Todo ano, nas principais cidades da Europa e da América, 
os  jornais  anunciam  a  falência  de  algum  banco,  que  arrasta  à 
miséria  muitas  famílias  e  lança  na  desolação  regiões  inteiras. 
São  desgraças  terríveis,  que,  ao  invés  de  diminuírem  com  o 
avançar  da  civilização  e do progresso, aumentam em proporção 
espantosa;  e  dão  o  que  fazer  aos  homens  de  Estado,  os  quais, 
debalde,  procuram  medicar  essa  chaga  social,  que  assassina  o 
comércio  e  flagela  os  povos.  Mal  se  acalmaram  os  gritos  de  dor 
pela  quebra  de  um  banco,  que roubou o patrimônio a inúmeras 
famílias,  eis  logo  se  divulga  a  funesta  notícia  da  falência  de 
outro  banco,  que  renova  as  mesmas  cenas  de  desventura, 
lançando  na  rua  um  número  grande  de  pessoas,  que  da 
opulência passam à mais esquálida miséria. 
São  muitas  as  causas  de  tais  bancarrotas,  que  constituem 
um  estudo  sério  para  os  legisladores  que tentam impedi-las por 
meio de leis.  
Algumas  vezes é a má administração e a falta de treino no 
manejo  dos  negócios;  outras  vezes  é  uma  crise  que  paralisa  a 
administração,  os  negócios  de  toda  uma  região.  Mas,  na  maior 
parte  dos  casos,  a  falência  provém  da  fraude  ou  furto  de algum 
dos  administradores.  São  aleivosias  indignas,  que  desonram  o 
homem  e  mostram  até  que ponto de baixeza pode levar o amor 
ao  ouro,  o  qual  bem  considerado  não  é  senão  um  pouco  de 
terra reluzente.  
Eis  aqui  uma  triste  história:  Um  dos  diretores  do  banco 
apodera-se  do  dinheiro,  das  letras  e  dos  valores  e  foge  para  o 
estrangeiro,  onde  a  lei  o  não  pode  alcançar,  a  fim  de  gozar  das 
riquezas  roubadas,  que  pertencem  a  inúmeras  famílias, as quais 
talvez  suaram  por  muitos  anos,  fazendo  economia,  mesmo  do 
necessário,  para  assim  garantir  o  futuro.  Então  o  banco  abre 
falência;  e  o  tribunal  institui  o  processo  para  examinar  os 
delinquentes.  Que  deplorável  espetáculo  não  apresenta  a  sala 
judiciária!  Aqui,  um  pobre  pai  de  família,  que  tinha  posto  no 
banco  todo  seu  dinheiro,  reduzido  agora  à  miséria;  triste, 
rábido,  assiste  ao  processo,  pedindo  justiça.  Ali  uma  criada  que 
serviu  por  muitos  lustros,  trabalhando  da  manhã  à  noite,  e 
pondo  no  banco,  mês  por  mês,  os  frutos  de  suas  economias.  Já 
possuía  um  bom  capital,  aumentado  pelos  juros,  e  esperava  ter 
um  arrimo  na  sua  decrepitude,  quando  fosse  impotente  para  o 
trabalho.  O  pensamento  do  descanso  próximo,  após  duras 
fadigas,  fazia  saltar  de  alegria  a  boa  da  mulher;  de  repente  o 
banco  quebra  e  ela  perde  tudo.  Agora  está  lá,  furiosa,  no 
tribunal,  a  dirigir  imprecações  contra  os  autores  de  sua 
irreparável  desventura.  Quem  é  aquele  ancião,  que  chora  qual 
uma  criança  e,  de  onde  em  onde,  mostra  os  punhos  aos  que  se 
assentam  no  mocho  dos  acusados?  É  um  pobre  operário  que 
tinha  posto  no  banco  boa  parte  dos  ordenados  recebidos  desde 
os  primeiros  anos  da  mocidade.  Não  podendo  mais  trabalhar, 
vivia  dos  juros  e  passava  tranquilo  os  anos  da  senilidade;  mas  a 
falência  do  banco  o  arruinou  e  o  lançou  na  miséria  e,  se  quer 
comer,  deve  estender  a  mão  e  implorar  a  caridade  ao 
transeunte.  Estais  vendo  aquele  senhor  de  modos  corteses, 
vestido  de  pobre  operário?  Era  um  rico  proprietário  de 
palacetes  e  terras.  A  falência  do  banco  arrebatou-lhe  todo  o 
capital; agora é coagido a trabalhar para viver. 
Felizes  aqueles  que  sabem  transmudar  em  mérito  a  sua 
desgraça,  recebendo-a  das  mãos  de  Deus  e  aprendendo  à  sua 
custa  a  não  confiar nos homens, nem nas riquezas terrenas, mas 
a  depositar  a  confiança  nos  bens  eternos  do  Céu.  Todavia,  são 
bem  poucas  tais  pessoas.  Quantas,  invés,  reduzidas  à  miséria, 
não  sabem.  resignar-se  e  põem  termo  aos  seus  dias  com  o 
suicídio,  sem  refletir  que  depois  da  morte  cairão  numa  miséria 
mil vezes pior.   
CAPÍTULO II – UM BANCO INFALÍVEL 
Há,  porém,  um  banco  infalível,  no  qual  deveriam  pôr 
seus  capitais  todos  os  cristãos,  certos  de  que  se  locupletarão  no 
tempo  e  na  eternidade,  na  terra  e  no  Céu.  Esse  banco  conta  já 
milhares  de  anos  de  existência  e  nunca  abriu  falência,  e  temos 
firme  certeza  que  há  de  durar  até  o  fim  do  mundo.  As  pessoas 
sábias  e  previdentes,  que  pensam,  seriamente  nos  seus 
verdadeiros  interesses,  sempre  confiaram  a  ele  os  seus  bens  e 
dele tiraram riquezas inexauríveis.  
Moisés  recomenda  este  banco  ao  seu  povo  em 
muitíssimos  lugares  de  sua  lei  e  a  maior  parte  dos  livros  do 
Antigo  Testamento  o  exaltam  com louvores magníficos. O livro 
de  Tobias  parece  escrito  unicamente  para  demonstrar  a  sua 
utilidade,  a  sua  grandeza,  as  vantagens  imensas  que  traz 
consigo;  e  um  Anjo  descido  do  Céu  tece-lhe  o  mais belo elogio, 
recomendando-o a todos. 
Jesus  Cristo,  vindo  à  terra,  falou  muitas  vezes  de  tal 
banco, altamente, e encomiou e o propôs aos seus sequazes. 
Mas,  que  banco  misterioso  é  esse?  Os  nossos  corteses 
leitores já adivinharam; esse banco privilegiado é ​a esmola​. 
O  próprio  Deus,  criador  de  todas  as  coisas,  senhor  de 
todo  o  ouro  do  mundo,  é  o  banqueiro,  que  não  pode  falir,  e  é 
fiel  a  pagar  os  juros.  Os  agentes  do  banco  são  os  pobres,  que 
recebem  em  nome  d’Ele.  Tudo  quanto  damos  aos  necessitados 
para  aliviá-los  nas  suas  misérias,  em  dinheiro,  alimento, 
vestuário  ou  abrigo,  é  como  se  o  déssemos  ao  mesmo  Deus. Os 
pobres  são  uma  continuação,  uma  imagem  real,  um  retrato 
perfeito  de  Jesus  sofredor,  o  qual é honrado e servido na pessoa 
deles.  Nosso  Senhor  considera  feito  a  Si  mesmo  tudo  quanto 
fazemos  em  favor  dos  pobres.  Até  o  copo  d’água  dado  em  seu 
nome  ao  sedento  terá  recompensa.  O  Divino  Redentor  repetiu 
muitas  vezes  esta  confortadora  doutrina,  que  o  pobre  é  Seu 
representante  na  terra.  Na  descrição  do  juízo  universal  Ele  a 
tornou  óbvia  e  familiar  com  um  diálogo  que  vale  por  um 
tratado e contém a mais alta filosofia. 
No  dia  em  que  os  homens  deverem  dar  contas  das 
riquezas  que  Deus  lhes  colocou  nas  mãos,  Ele  dirá  com  ar  de 
júbilo  aos  eleitos:  «​Vinde,  benditos de meu Pai, vinde possuir o Reino 
que  vos está preparado desde o início dos tempos. Pois que, Eu tive fome 
e  vós  Me  destes de comer; Eu tive sede e vós Me destes de beber; andava 
peregrino  e  Me  destes  pousada;  estava  nu  e  Me  destes  de  vestir;  estava 
enfermo  e  Me  visitastes;  estava preso e Me consolastes​» Admirados de 
tal  modo  de  falar,  dirão  os  justos:  «Quando  vos  vimos  faminto, 
sedento,  peregrino,  nu,  enfermo  e  preso,  e  fomos  em  vosso 
socorro?»  E  responderá  Jesus:  «​Tudo  que  tendes feito aos pobres, Eu 
o considero feito à Minha pessoa»​ . 
Voltando-se  depois  para  os  maus,  os  exprobará  por 
terem-no  desprezado  nos  pobres,  afirmando  que  todas as vezes 
que  negaram  uma  esmola  aos  necessitados  fizeram  uma  injúria 
a Ele. 
Os  pobres  são,  pois,  os  agentes  do  banco  divino,  que 
recebem  os  capitais, em nome de Deus; e o que depusermos em 
suas  mãos  será  entregue  a  Jesus  Cristo,  que  nos  recompensará 
nesta  vida  e  na  outra.  O  nosso  bom  Anjo  da  Guarda,  à  guisa  de 
fiel  secretário,  toma  nota  das  esmolas  e  das  obras  de  caridade 
que fazemos. 
Ora,  se  esta  é  a  verdade,  porque  não  pomos  os  nossos 
capitais  nesse  banco?  Deus,  que é o banqueiro, pode talvez falir? 
Ele  que  é  o  Senhor  do  mundo,  que  depositou  o  ouro  e  os 
diamantes  nas  entranhas  das  rochas  e  no  seio dos montes, pode 
talvez  tornar-se  pobre  e  nos  arrastar  à  miséria,  como  fazem  os 
banqueiros  deste  mundo?  Não.  Ele  é  infalível  e nos enriquecerá 
no tempo e na eternidade.   
CAPÍTULO III – JUROS VANTAJOSOS NESTA VIDA E A 
GLÓRIA ETERNA NA OUTRA 
O  banco  de  que  falamos,  não  abriu  falência,  nem  abrirá 
jamais;  não  só,  mas  também  é  o  mais  vantajoso, pois multiplica 
os  capitais  em  pouco  tempo.  Os  bancos  terrenos  dão 
ordinariamente  cinco  ou  seis  por  cento  de  juros;  mas  o  divino 
banco  da  esmola oferece nada menos que o cêntuplo nesta vida, 
como  penhor,  e  depois,  na  outra,  as  riquezas  do  Céu,  tesouros 
que  não  podem  ser  roubados  pelos  ladrões,  nem  estragados 
pelas  traças;  pérolas  e  diamantes  que  formarão  a  nossa  coroa 
para sempre.  
Não  é  exagero  para  engrandecer  a  beleza  e  utilidade  da 
esmola  mas  a  pura  realidade,  promessa  formal  de  Jesus  Cristo; 
de  fato,  lemos  no  Evangelho  (S.  Marcos  X,  30):  «Quem 
abandonar  as  suas  coisas  por  amor  de  Mim,  diz  Ele,  receberá 
centies  tantum  nunc  in  tempore  hoc,  et  in  sæculo  futuro,  vitam 
æternam»​ .  Receberá  o  cêntuplo  das  bênçãos  que  Deus  enviará  à 
sua  pessoa,  a  seus  bens,  a  seus  negócios;  o  cêntuplo  na  paz  do 
coração;  o  cêntuplo  na  concórdia  da  família;  o  cêntuplo  nas 
graças  espirituais  na  vida  e  na  morte.  E  não  é  só:  os  juros  do 
divino  banco  da  esmola  vão  além  do  túmulo  e obtêm-nos lá no 
Céu  uma  glória  eterna,  uma  coroa  imarcescível,  um  trono 
firme.  Este  banco,  fundado  por  Deus  no  tempo,  é  destinado 
principalmente  a  enriquecer-nos  de  riquezas  imortais,  que  são 
as  verdadeiras  riquezas,  as  únicas  que  merecem  ser  amadas  e 
procuradas pelo homem, pois não nos podem ser roubadas.  
O  Profeta-rei  cantava  na  harpa  as  alegrias  inefáveis  da 
esmola e dizia no salmo quarenta: «​Feliz aquele que vem em auxílio 
do  pobre  e  do  mísero;  o  Senhor  defendê-lo-á  na  hora  da  tribulação, 
conservá-lo-á  ileso,  dar-lhe-á  a  vida  de  Sua  graça,  torná-lo-á feliz na 
terra e não o entregará nas mãos de seus inimigos»​ .  
A  magnitude  dos  lucros  prometidos  não  deve  causar 
maravilha.  Nosso  Senhor  é  um  banqueiro  riquíssimo  e  embora 
dê  muito  e  enriqueça  os  homens,  nunca  empobrece.  Os  seus 
haveres  são  infinitos  e  não  ficam  diminuídos,  como  o  mar  que 
não se esvazia quando os homens lhe tiram as águas.  
Todos,  os  ricos,  principalmente,  deveriam  pensar  na 
prodigiosa  fecundidade  do  celestial  banco  da  esmola  e  nele pôr 
os  seus  capitais.  Porventura  não  é  melhor  receber  cem  por  um, 
que  seis  por  cento?  Não  é  melhor  ficar  rico  no  tempo  e  na 
eternidade,  do  que  enriquecer-se  somente  cá  na  terra?  Pondes 
os  vossos  capitais  nos  bancos  da  terra  e  os  deixareis  quando 
tiverdes  de  deixar  a  terra.  Se,  invés,  colocais  o  dinheiro  no 
banco  da  esmola,  depois  de  terdes  gozado  juros  centuplicados 
nesta  vida,  levá-lo-eis  convosco  e  sereis  ricos  por  toda  a 
eternidade.  É  horripilante  pensar  a  um  avaro  que  passou  a vida 
ajuntando  dinheiro,  confiando  seus  bens  ora  a  este,  ora  àquele 
banco,  sem  socorrer  os  pobres,  sem  enxugar  uma  lágrima,  sem 
desalterar  a  fome  a  um  infeliz,  alimentando,  quiçá,  galgos  ou 
cavalos  de  raça,  para  fazer  bela  figura  diante  dos  homens.  Ei-lo 
agora  estendido  no  leito  de  morte,  e em breve deve deixar tudo 
e baixar à sepultura, sem poder levar nem um ceitil.  
Por  outro  lado,  como  não  deve  consolar  o  rico  no  ponto 
de  morte  o  pensamento  de  ter  socorrido  generosamente  os 
pobres!  Suas  riquezas  ele  as  achará  na  outra  vida  convertidas 
em  méritos  e  glória  eterna  e  morre  consolado  com  a  esperança 
do Céu.  
Procuremos,  pois,  acertar  na  escolha  do  banco  e  demos 
preferência  ao  divino  banco  da  caridade,  pondo  nele  os  nossos 
capitais,  porque  apresenta  tais  garantias,  que  torna-se 
impossível  uma  bancarrota,  e  porque  dá  rendas  vistosas. 
Destarte  evitaremos a triste sorte do rico epulão e daquele outro 
infeliz  que,  depois  de ter enchido os celeiros para gozar da vida, 
foi logo chamado ao outro mundo e obrigado a deixar tudo.  
Não  esqueçamos  a  promessa  do  Redentor:  «​Dai  e  vos  será 
dado;  e  derramar-vos-ão  no  seio  uma boa medida, cheia, e recalcada, e 
acogulada;  porque  com  aquela  mesma  medida  que  tiverdes  medido,  se 
vos há de medir a vós​» (S. Lucas, VI, 38).  
Na  vida  dos santos vemos confirmada retribuição do cem 
por um. Quanto mais davam, mais recebiam.  

* * 
S.  João,  Patriarca  de  Alexandria,  foi  chamado  o  Esmoler 
por  causa  das  abundantes  e  continuadas  esmolas  que distribuía. 
Ele  confessou  ter-lhe  Deus  dado  a  correspondência  fiel  do 
cêntuplo  por  um.  Jovem  de  quinze anos, tendo dado um manto 
a  um  pobre,  no  mesmo  dia  foi-lhe  entregue  o  dinheiro  no  seu 
valor centuplicado.  
De  outra feita, ordenou ao seu esmoer que desembolsasse 
quinze  escudos  e os desse a um pobre forasteiro espoliado pelos 
ladrões;  ao  mordomo  pareceu  demasiada  aquela  soma  e  deu 
apenas  cinco.  No  mesmo  dia  uma  rica  senhora  mandou 
quinhentos  escudos  para  os  seus  pobres.  O  santo,  que  já  se 
habituara  a  receber  cem  por  um,  e  vendo  que  isto  agora  não  se 
verificara,  suspeitou  do  mordomo,  e  procurou  saber  como  este 
cumprira  a  ordem  recebida;  confessou  sem  ambages,  que  tinha 
dado cinco escudos somente.  
Foi  o  santo  agradecer  à  piedosa  senhora,  e  qual  não  foi  a 
sua  admiração  ao  saber  que  ela  determinara  mandar-lhe  mil  e 
quinhentos  escudos  e  ao  dar  a  ordem  ao  seu  caixa,  errara  o 
número, anotando só quinhentos.  
S.  João  via  a  Jesus  Cristo  na  pessoa  dos  pobres  e  por  isso 
os  chamava  seus  senhores.  Enquanto,  certo  dia,  um  dos  pobres 
por  ele  socorrido  se  desabafava  nos  mais  ternos  afetos  de 
reconhecimento,  o  santo  Bispo,  lançando-se  a  seus  pés,  o 
interrompe  com  estas belas palavras: «Meu caro irmão, eu ainda 
não  derramei  o  meu  sangue  por  ti,  como  fez  Jesus  Cristo  pela 
minha  salvação  e  como  está  obrigado a fazer, se preciso for, um 
Pastor fiel» .  

* * 
Reproduzo da vida de S. José Cottolengo o fato seguinte:  
Quando  lhe  pediram  em  Utelle,  que  mandasse  algumas 
Irmãs  para  atenderem  ao  hospital  e  abrirem  um  educandário, 
notou  que  não  só  não  tinha  dinheiro para fornecer o necessário 
às  religiosas,  mas  nem  ainda  um  ceitil  para  a  viagem.. 
Confiando  na  Divina  Providência,  sai  tranquilo  de  casa e na rua 
Milão  dá  com  o  senhor  Henry,  seu  conhecido e amigo. O Santo 
foi-lhe logo dizendo: 
—  Devo  ir  a  Utelle,  a  fim  de  erigir  uma  casa  das  nossas 
Irmãs  e  não  tenho  no  bolso  nem  sequer  um  centésimo 
quereríeis emprestar-me mil liras? 
— Darei com muito gosto, respondeu o amigo.  
Horas  após,  o  Santo  tinha  a  quantia  necessária;  ao 
recebê-la,  pronunciou  infalível  ​Deo  gratias;​   e  sorrindo 
acrescentou:  
— Recordai-vos caro Henry, cinquenta por um.  
Henry não compreendeu.  
Cottolengo ao se despedir disse mais uma vez.  
— Recordai-vos, Henry, cinquenta por um.  
Passaram-se  meses.  Um  belo  dia,  Henry  recebia 
cinquenta  mil  liras  por  um  bilhete  de  loteria  que  lhe  custara 
mil.  Só  então  compreendeu  que  Deus  para  premiar  a  sua 
caridade, o recompensava precisamente como lhe fora predito.  

* * 
S.  Vicente  de  Paulo,  paupérrimo  como  era,  chegou  a 
distribuir  em  esmolas  aos  pobres  milhões  de  francos.  E  donde 
tirava  tanto  dinheiro?  Deus  dera-lhe  o  cêntuplo  por  um  e,  mais 
ainda, inspirava aos ricos a proverem-no de dinheiro.  

* * 
Alfredo  o  Grande,  rei  da  Inglaterra  destronado  pelos 
dinamarqueses  e  obrigado  em  tempo  de  inverno  a  homiziar-se 
no castelo de Athelney, por pouco morria de fome.  
Um  dia,  se  lhe  apresentou  um  mendigo pedindo comida; 
mandou  que  lhe  dessem  alguma  coisa.  Sua  mãe,  porém, 
advertiu  que  em  casa  só  havia  um  pão.  Alfredo  roga  à  sua  mãe 
que  dê  metade  ao  pobre,  e  tenha confiança naquele Senhor que 
saciara  cinco  mil  pessoas  com  cinco  pães  e  dois  peixes  e 
prometera  o  cêntuplo  por  um  do  que  fosse  dado  por  seu amor. 
A  fé  viva  do  monarca  foi  logo  recompensada  e  a  sua  caridade 
heróica  atraiu  as  bênçãos  do  Céu  sobre  si  e  sua  família. 
Porquanto,  Deus  lhe  concedeu  vitória  completa  sobre  os 
dinamarqueses e o restabeleceu no trono.  

* * 
—  Mas,  objetará  alguém,  eu  dou  tanta  esmola  e  não acho 
que Deus me de cem por um.  
— Vós vos enganais, respondo; a promessa de Jesus Cristo 
não pode falir.  
Certamente  que  Deus  não  manda  ter  por  vez  um  anjo  a 
pagar-vos  cem  por  um;  mas  Ele  vo-lo  dá  abençoando  a  vossa 
família,  fazendo  prosperar  os  vossos  negócios,  dando saúde, e o 
que  é  mais  importante,  colmando-vos  de  graças  espirituais. 
Uma  só  graça,  embora  pequena  vale  mais  que  todo  o  ouro  do 
mundo.  
E,  se  não  obstante,  virmos  pessoas  esmoleres  visitadas 
pela tribulação, é sinal que assim exige a salvação de sua alma.  
Quereis um exemplo? Lede:  
Santa  Teresa  de  Jesus  recebia  abundantes  esmolas  de  um 
negociante  que  se  recomendava  sempre  às  suas  orações;  uma 
vez  a  Santa  lhe  falou  assim:  «Tenho  rogado  muito  por  vós  e foi 
me  revelado  que  o  vosso nome está escrito no livro da vida pela 
generosa  caridade  que  haveis  usado  para  comigo;  mas,  no 
entanto, é mister que passeis antes por muitas provações».  
Tal  aconteceu;  uma  tempestade  pôs  a  pique  as  naus 
carregadas  de  mercadoria  sua.  Abriu  falência.  Cientes  da 
desgraça,  os  seus  amigos  lhe  subministraram  o  necessário  para 
continuar  o  negócio.  Novo  desastre  e  nova  falência.  Pelo  que 
ele,  espontaneamente,  fechou-se  numa  prisão.  Seus  credores, 
conhecendo a magnanimidade de seu coração, libertaram-no.  
Reduzido  à  miséria,  deu-se  todo  ao  serviço  divino  e  às 
obras de caridade e morreu santamente, cheio de méritos.  
Ora,  pergunto  eu,  deixou  talvez  de  se  cumprir  a  palavra 
do  Divino  Redentor  neste  negociante  esmoler?  Absolutamente. 
Ele  recebeu  cem  por  um  nas  desgraças  que  lhe  deram  ampla 
ocasião  de  conseguir  méritos,  na  paciência  que  Deus  lhe 
concedeu, nas boas obras que praticou. Do Céu deve certamente 
bendizer  a  caridade  para  com  Santa  Teresa  e  aquelas 
desventuras,  que,  suportadas  por  amor  de  Deus,  lhe  fruíram  o 
paraíso.  
Se  tivesse  tido  prosperidade,  apegaria  o  coração  às  coisas 
desta terra e talvez se condenaria.  
Demos  pois,  esmola,  confiados  que  Deus  nos 
recompensará  largamente  nesta  vida  e  na  outra  e  procuremos 
imitar os luminosos exemplos que os santos nos deixaram. 
   
CAPÍTULO IV O OURO É TERRA BRILHANTE 
Afinal  de  contas,  que  é  esse  ouro  ao  qual  tanto  nos 
afeiçoamos,  ao  ponto  de  nos  esquecermos  das  necessidades  da 
alma?  É  um  pouco  de  terra  brilhante,  lodo  reluzente,  um  metal 
que  Deus  escondeu  no  seio  das  rochas  e  nas  entranhas  dos 
montes,  e  que  os  rios  levam  ao  mar  com  a  areia  e  os  cascalhos. 
O  ouro  não  serve  para  alimento,  nem  remédio;  e  para  nós  são 
mais  úteis  e  preciosos  o  trigo  da  campina,  a  lenha  do  bosque,  o 
carvão mineral.  
Referem  as  fábulas  que  um  rei da antiguidade andava tão 
apaixonado  pelo  ouro  que  pediu  com  insistência  aos deuses lhe 
concedessem  o  favor  de  transformar  em  ouro  tudo  o  que 
tocasse.  Por  desgraça  foi  ouvido.  Ébrio  de  alegria  deu  ordens 
para  que  se  sacrificasse  em  agradecimento  aos  deuses.  A  sua 
alegria,  porém,  foi  breve  e  converteu-se  para  logo  em  amargo 
desengano,  em  profundo  desespero.  Ele  transformara  em  ouro 
brilhante  o  paço  e  os  móveis,  tudo  em  roda  dele  luzia  daquele 
metal  que  tanto  amava.  Chegou  a  hora  da  refeição  e  pôs-se  à 
mesa.  Apenas  tocava  uma  iguaria  ou  bebida,  elas  se 
transformavam  em  ouro,  pelo  que  não  pode  mais  comer,  nem 
beber.  Só  então  caiu  em  si  o  infeliz  rei  e  maldisse  seu  amor 
desordenado  ao  vil  metal;  mas,  era  tarde.  Morreu  dias  após, 
consumido pela fome e pela sede.  
Conta-se  também  de  um  avaro  que  juntara  muito 
dinheiro,  e  de  medo  dos  ladrões  tinha-o  escondido  no  fundo 
dum  subterrâneo  fechado  por  uma grande porta de ferro. Todo 
dia,  ele  descia  sozinho  para  ver  e  contar  seu  tesouro  levando 
sempre  novo  dinheiro,  que  sabia  ganhar,  trabalhando 
assiduamente  e  comendo  mal.  Entrando  no  subterrâneo  tinha 
sempre  o  cuidado  de  tirar  a  chave  da  fechadura  e  levá-la 
consigo,  porque  a  porta,  uma  vez  fechada,  não  se  abria  senão 
com  a  chave.  Um  dia,  porém,  que  tinha  ganho  mais  que  de 
costume,  ébrio  de  alegria,  abriu  a  porta e a fechou para sempre. 
Contou  o  seu  tesouro,  como  sabia  fazer,  ajuntou  os  novos 
ganhos  e,  ao  ver  tanto  dinheiro,  exultou  de  alegria,  julgando-se 
o  mais  feliz  dos  mortais.  Mas,  ai!  Dirigindo-se  para  a  porta, 
percebe  que  a  chave  foi  esquecida  fora  e  que  a  saída  está 
irrevogavelmente  fechada.  Que  fazer?  Pedir  socorro?  O 
subterrâneo  é  fundo  e  isolado  e  nenhuma  voz  pode  ser  ouvida. 
Arrombar  a  porta?  É  de  ferro,  e  dez  homens  o  não  fariam.  O 
infeliz  avarento  cavara  a  sua  sepultura  e  nela  se  fechara  para 
sempre.  Teria  com certeza dado todo aquele ouro por uma fatia 
de  pão  ou  para  ser  posto  em  liberdade;  mas  só  ele  conhecia  o 
esconderijo  de  sua  riqueza.  Depois  de  alguns  dias  os  vizinhos, 
tendo  ido  à  procura  dele,  revistaram  toda  a  casa,  desceram  ao 
subterrâneo  e  o  encontraram  cadáver  com  sinais  de  desespero 
no rosto e com as mãos apertando moedas de ouro...  
Portanto,  o  ouro  considerado  em  si  mesmo  não  tem 
nenhuma  utilidade  e  deixar-vos-ia  perecer  de  fome.  Se  o 
considerarmos  como  metal, não é certamente o mais útil, pois o 
homem  encontra  mais  vantagens  no  ferro,  no cobre e no zinco. 
A  única  propriedade  que  tanto  o  recomenda  é  a  grande 
maleabilidade,  pela  qual  pode  ser reduzido a folhas sutilíssimas. 
Por  que  é  o  ouro  tão  estimado  e  procurado?  Unicamente 
porque  os  homens  convieram  que  se  representassem os valores 
pela  sua  raridade.  Suponhamos  que  um  dia  fossem  descobertas 
em  quantidade  desmesurada  camadas  de ouro nas entranhas da 
terra;  o  ouro  perderia  a  cotação  e  os  homens  iriam  procurar 
outro  objeto  mais  raro  para  significar  e  representar  os  valores 
das coisas.  
Quando  os  espanhóis  se  atiraram  sobre  o  Novo  Mundo, 
viram  com  espanto  que  os  selvagens  não  apreciavam  o  ouro,  a 
prata,  as  pedras  preciosas,  porque  os  havia  em  abastança. 
Quando, porém, os americanos viram que os europeus iam com 
avidez  à  cata  de  ouro  e  expunham-se  a  perigos  e  fadigas  a  fim 
de  o  conseguir,  também  eles  começaram  a  julgá-lo  coisa 
preciosa.  Antes  da  descoberta  do  novo  continente  o  ouro  tinha 
mais  valor,  porque  mais  escasso;  ao  depois,  tornou-se  menos 
precioso pelas muitas minas descobertas.  
Eis,  pois,  o  motivo  porque  tanto  amamos  o  ouro: 
representa  os  valores  e  com  ele  podemos  procurar 
comodidades  da  vida  e  os  prazeres  terrenos;  mas  é  sempre 
terra, lodo.  
Como  são  estultos  os  avaros  que  amam  o  dinheiro  e 
ajuntam  ouro  unicamente  pelo  prazer  de  vê-lo  em  suas  mãos, 
fazendo grandes penitências e mortificações para economizar.  
Não  são  menos  estultos  aqueles  homens  que  amam 
desordenadamente  o  ouro,  para  viver  vida  cômoda. Mas, a vida 
do  homem  é  tão  breve,  e  o  que  não  vale  para  a  vida  futura  é 
vaidade  e  estultícia.  Prudentes  são  os  que  com  o  ouro  e  as 
riquezas  terrenas  compram,  por  meio  da  esmola,  os  bens 
eternos  do  Céu.  O  ouro  é  terra  brilhante,  vil  metal;  mas  Deus 
em  sua  bondade  permite-nos  trocá-lo  com  as  riquezas 
imperecíveis  do  paraíso.  Pensemos  seriamente  nisto;  invés  de 
amar  um  pouco de terra vistosa, sirvamo-nos dela para merecer 
graças  e  favores  que  nos  levam  à  santidade.  Os  pobres  devem 
ser  os  vossos  maiores  amigos,  porquanto  serão  os  vossos 
defensores  no  dia  do  juízo  e  perorarão  a  vossa  causa, 
apresentando  à  justiça  divina  o  bem  que  lhes  temos  feito.  Mas, 
ai  de  nós  se  lhes  fechamos  a  porta  e  lhes  negamos  auxílio. 
Teremos  a  mesma  sorte  do  rico epulão e pagaremos no inferno 
a truculência usada para com os nossos irmãos.   
CAPÍTULO V – A AVAREZA É UM VÍCIO REPUGNANTE 
A  avareza  é  um  dos  vícios  mais  repugnantes  e  dos  que 
mais  desonram  o  homem.  O  avarento  é  odiado  por  todos,  e  na 
sociedade  é  tido  como  uma  sanguessuga.  Quando  o  amor  o 
torna  egoísta,  o  embrutece,  fá-lo  incapaz  de  pensamentos 
nobres  e  elevados,  curva-o  para  a  terra,  fá-lo  esquecer  o  Céu. 
Ele  torna-se  cruel  para  com  o  próximo,  espezinha  as  leis  de 
justiça  e da caridade, oprime os pobres e só aspira enriquecer-se 
de  qualquer  maneira,  justa  ou  injusta.  As  moedas  que  ajunta  na 
bolsa  são  muitas  vezes  o  preço  das  lágrimas  e das privações dos 
infelizes.  Conta-se  que  S.  Francisco  de  Paula,  uma  ocasião, 
partiu  uma  moeda  e  encontrou dentro o sangue do pobre que o 
avarento barbaramente confiscara,  
O  avaro  não  só  é  cruel  para  com  os  outros  como  o  é 
também  consigo  mesmo,  trabalha  de  manhã  à noite, come mal, 
veste-se  pobremente,  priva-se  do  conforto  para  economizar... 
Quanto  sacrifício...  para  não  gastar!  Muita  vez  o  avarento  jejua 
como  um  anacoreta, veste-se como um pedinte, suporta o frio e 
o  calor  com  uma  constância  igualável  à  dos  santos  mais 
austeros.  O  ouro  é  a  sua  divindade,  à  qual  sacrifica  a  saúde,  as 
comodidades  e,  às  vezes,  a  mesma  vida.  Viram-se  avarentos 
preferem a morte a gastarem dinheiro com médico e remédios! 
A  paixão  pelo  ouro,  longe  de  diminuir  com  a  idade, 
aumenta  e  aproximando-se  a  hora  extrema  em  que  se  deve 
abandonar  tudo,  maior  é  o  apego  às riquezas. O velho é sempre 
mais  avarento  que  o  moço.  Que  dor não há de sentir o avaro ao 
separar-se  de  seus  tesouros  Que  tristeza  no  dever  ditar  o 
testamento  e  pronunciar  aquela  palavras:  «Deixo...»  Ele  bem 
quisera não deixar.  
Conta-se  de  avaros  que  morreram  desesperados  com  as 
mãos  no  cofre,  como  não  soubessem  separar-se  do  dinheiro 
idolatrado;  outros  apertavam  convulsivamente  ao  coração  o  vil 
metal  e  expiraram  naquele  ato,  furiosos  por  não  o  poderem 
levar  consigo.  A  morte  de  um  avarento,  odiado  em  toda  a 
cidade  por  sua  paixão  repugnante,  deu azo a que Santo Antônio 
pregasse  sobre  a  avareza  e  a  necessidade  da  esmola.  Depois  de 
ter  comentado  as  palavras  do  Evangelho,  ​«onde  está  o  tesouro  aí 
está  o  coração»​ ,  afirmou  que o coração do avarento estava dentro 
do  cofre.  Foram  os  ouvintes  à  casa  do  defunto,  abriram  o  cofre 
e  encontraram  no  meio  das  moedas  o  coração  do  avarento. 
Quis  Deus mostrar com um milagre quão asquerosa é a avareza, 
que prende o homem ao lodo da terra.  
Judas  é  um  exemplo  terrível,  que  nos  mostra  como  o 
ouro  cega.  Encarregará-o  Jesus  de  guardar  as  esmolas  para 
prover  às  necessidades  do  colégio  apostólico.  O  mísero 
deixou-se  levar  pelo amor ao dinheiro e acabou ladrão. Quando 
Madalena  entrou  em  casa  do  fariseu  e  perfumou  com  bálsamo 
os  pés  do  Divino  Redentor,  enxugando-os  com  as  madeixas,  o 
discípulo  prevaricador  lamentou  aquele  desperdício  de 
unguento  precioso,  que,  dizia,  poderia  ser  vendido  e  dado  aos 
pobres  o  valor. Não era o amor aos pobres que o fazia falar, mas 
a  avareza  acobertada  com  tal  pretexto.  Judas  queria  ter  aquele 
dinheiro  em  sua  bolsa.  Esse  vício  abominável  levou-o  de 
excesso  em  excesso  até  vender  o  seu  Mestre.  Bem  sabia  que 
Jesus  era  Deus,  era  o  Messias,  era  inocente;  presenciara  seus 
estrondosos  milagres  e  tivera  provas  de  amor,  de  predileção. 
Cegou-o,  porém,  a  avareza  e  fê-lo  cometer  o  maior  delito,  que 
causa horror e execração em todos os séculos. 
«Quanto  me  quereis  dar,  se  eu  vo-l’O  entregar?» 
perguntava  aos  príncipes  dos  sacerdotes  e  aos fariseus. Recebeu 
trinta  dinheiros,  guiou  os  esbirros ao Horto das Oliveiras e traiu 
com  um  ósculo  o  seu  mestre;  mas,  depois  foi  assaltado  por 
horríveis  remorsos.  Tivesse  a  menos  imitado  a  Pedro  na 
penitência.  Pronunciou  as  palavras  de  Caim:  «A  minha 
iniquidade  é  grande  demais  para  merecer  perdão»,  e 
desesperou-se.  Atirou  longe  aquelas  moedas  infames,  preço  do 
sangue  inocente  e  pôs  termo  à  sua  vida  com  o  suicídio.  O triste 
fim  do  apóstolo  traidor  previne-nos  salutarmente  a  não  nos 
afeiçoarmos  ao  ouro,  que  cega  o  homem,  levando-o  a 
deploráveis excessos. 
Até  os  pagãos  reconheceram  a  fealdade  da  avareza  e  a 
abjeção  daquele  que  se  deixa  seduzir  pelo  dinheiro.  Virgílio 
descreve  na  sua  Eneida  os  tristes  efeitos  desta paixão e maldiz a 
sede  execrável  do  ouro,  causadora  de  tantos  delitos 
abomináveis.  Sêneca  proclama  que  o  homem  é  superior  à 
matéria  e  é  talhado  para  algo  de  mais  nobre  e  não  deve  ser 
escravo do corpo e dos bens terrenos. 
Veio  depois  Jesus  Cristo  que  verberou  os  ricos avarentos, 
os quais negam socorro ao necessitado.  
Se  nos  fosse  dado  acabar  com  a  avareza  e  fazer  reinar  na 
sociedade  a caridade ensinada no Evangelho, a terra mudaria de 
aspecto  e  tornar-se-ia  a  imagem  do  Paraíso,  onde  todos  se 
amam.  Como  eram  belos  os  primeiros tempos do Cristianismo, 
quando  o  supérfluo  era  entregue  aos  Apóstolos  para  ser 
distribuído  às  viúvas,  aos  órfãos  e  a  todos  os  necessitados 
quando  a  multidão  dos  crentes  formava  um  só  coração  e  uma 
só alma para amar e servir a Deus. 
Podem  aqueles  belos  tempos  voltar e o meio para isso é a 
caridade,  é  a  esmola,  é  a  guerra  à  avareza  e  ao  egoísmo 
individual.   
CAPÍTULO VI – O PRECEITO DA ESMOLA NO ANTIGO 
TESTAMENTO 
A  oração,  o  jejum  e  a  esmola  foram  sempre consideradas 
as  obras  mais  agradáveis  a  Deus  e  mais próprias para merecer a 
sua  graça.  Por  isso  é  que  a  Sagrada  Escritura  as  recomenda 
continuamente no Antigo e no Novo Testamento. 
Deixando  agora  a  oração  e  o  jejum,  para  falar  da  esmola, 
diremos  que  na  lei  Mosaica  os  pobres  eram  tratados  com 
grande  caridade  e  socorrê-los  era  uma  obrigação  dos  Israelitas. 
Para  ver  como  Deus  ama  a  classe  pobre,  leiamos  este  versículo 
do  Exodo:  «Se  emprestares  algum  dinheiro  ao  necessitado  do 
meu  ​pobre  povo​,  que  mora  contigo,  não  o  apertarás  como  um 
exator,  nem  o  oprimirás  com  usuras».  (XXII,  24).  Ameaça 
terrível  dirige  a  quem  vilipendia  a  viúva  e  o  órfão:  «Não  farás 
mal  algum  à  viúva  nem  ao  órfão.  Se  vós  os  ofenderdes,  eles 
recorrerão  a  Mim  e  Eu  ouvirei  os  seus  clamores;  e  o  furor  se 
acenderá  e  vos  ferirei  com  a  espada  e  vossas  esposas  ficarão 
viúvas e vossos filhos órfãos» . (Êxodo XXII, 22).  
De  sete  em  sete  anos  ocorria  o  ano  em  que  se  não 
semeava  e  o  que  os  campos  produziam  espontaneamente  era 
dos  pobres.  «Por  seis  anos  semearás  a  tua  terra  e  colherás  os 
frutos.  Mas  no  sétimo  ano  não  a  cultivarás;  deixá-la-ás 
descansar  para  que  os  pobres do teu povo achem que comer e o 
que  restar  seja  para  as  alimárias  do  campo;  isto  mesmo  farás 
com a tua vinha e com o teu olivedo». (Êxodo, XXIII, 11). 
No  mesmo  ano  sabático  eram  postos  em  liberdade  os 
escravos  presos  por  causa  de  dívidas.  Os  pobres  podiam  andar 
pelos  campos  e  vinhedos  a  respigar  as  sobras  da  ceifa  e  da 
vindima,  era  severamente  proibido  aos  proprietários  trilhá-los 
de  qualquer  modo:  «Quando  cortares  a  messe  de  teus  campos, 
não  segarás  até  a  terra  toda  a  superfície  de  teus  campos,  nem 
colherás  as  espigas  que  ficarem.  Nem  na  tua  vinha  colherás  o 
rabisco  nem  os  bagos  que  caem;  mas  deixarás  que  apanhem  os 
pobres  e  forasteiros».  (Levítico  XIX,  10).  Assim  teve  origem  o 
pio  costume  de  se  deixar  para  os  pobres  a  sexagésima  parte  da 
messe,  da  uva,  de  todos  os  produtos  de  lavoura.  E  se  o  amo 
esquecia  no  campo  inteiros  manípulos,  estes  ficavam  para  os 
pobres:  «Quando  segares  a  messe  no  teu  campo  e  deixares  por 
esquecimento  algum  manípulo,  não  voltes  para  o  levar;  mas 
deixá-lo-ás  tomar  ao  estrangeiro,  e  ao  órfão,  e à viúva, para que 
o  Senhor  teu  Deus  te  abençoe  em  todas as obras das tuas mãos» 
(Deuteronômio,  XXIV,  19).  Era  rigorosamente  proibida  a  usura 
e  havia  sérias  prescrições  a  fim  de  que  os  credores  não 
pusessem  no  olho  da  rua  os  que  estavam  impossibilitados  de 
pagar. 
E  para  mostrar  aos  homens  como  lhe  fosse  querida  a 
misericórdia,  Deus  prescrevera leis de humanidade para com os 
animais.  Era  vedado  açaimar  o boi quando debulhava o trigo na 
eira,  para  que  pudesse  comer  e  participar  dos  frutos  de  seu 
trabalho.  
O  caminheiro  podia  entrar  nos  campos  e  nos  vinhedos  e 
comer  frutos  até  fartar-se,  quando  sentia  necessidade  de  se 
restaurar.  Lemos,  com  efeito,  no  Evangelho  que,  caminhando 
pela  Palestina  os  Apóstolos  com  o  Divino  Redentor  e  sentindo 
os  estímulos  da  fome  entraram  em  um  campo  para  colher  as 
espigas  com  que  se  alimentar.  Os  fariseus  os  reprovaram,  não 
por  terem  tomado  bens  alheios,  pois  era  lícito  em  caso  de 
necessidade,  mas  porque  era  sábado;  como  se  em  tal  dia  não 
fosse lícito comer e se devesse morrer de fome. 
Santo  Jó,  do  leito  de  suas  dores,  para  defender  a  própria 
inocência  contra  seus  caluniadores,  protestou  ter  sempre 
repartido  o  pão  com  o  pobre,  ter  hospedado  o  peregrino,  ter 
sido  luz ao cego, arrimo ao coxo, ter defendido o órfão e a viúva 
contra  os  seus  opressores.  Ele  praticou  todas  as  obras  de 
misericórdia  e  era  saudado  o  pai  dos  pobres.  Desde  a  infância 
teve um coração aberto à compaixão.  
Apraz-me  citar  por  inteiro  as  suas  belas  palavras:  «Quem 
me  via,  falava  bem  de  mim,  porque  eu  livrava  o  pobre  que 
gemia  e  o  órfão  sem  defesa.  Bendizia-me  todo  aquele  que 
perigava,  e  ao  coração  da  viúva  eu  levava  conforto.  Revesti-me 
de  justiça,  e  adornei-me  da  minha  equidade,  como  de  manto  e 
diadema.  Fui  luz  ao  cego  e  arrimo  ao  coxo.  Era  o  pai  dos 
pobres;  e  das  coisas  que  desconhecia  fazia  diligentíssima 
inquisição.  Arrancava  a máscara aos maus, e arrebatava-lhes dos 
dentes  a  presa.  (XXIX).  Chorava  as  aflições  dos  outros  e  minha 
alma  era  compassiva  com  o  pobre».  (XXX,  25).  E  mais  adiante 
acrescenta:  «Se  neguei  aos  pobres  o  que  me  pediam  e  se  iludi  a 
esperança  da viúva; se sozinho comi o pão e não fiz participante 
ao  órfão  «por  isso  que  desde  a  infância  cresceu  comigo  a 
misericórdia  e  comigo  nasceu»;  se  fiz  pouco  caso  do  que 
perecia,  porque  não  tinha  com  que  se  cobrir,  e  o  pobre  que 
estava  nu,  se  me  não  bendisse  ele,  e  se  não  foi  aquecido  com  lã 
de  minhas  ovelhas;  se  levantei  a  mão  contra  o  órfão,  mesmo 
quando  me  via  superior  no  tribunal,  despregue-se  o  meu 
ombro  com  sua  junta  e  se  despedace  o  meu  braço  com  os  seus 
ossos.  Pois  que  temi  sempre  a  Deus,  e  a Sua majestade podia eu 
suster.  Se  o  meu  poder  consistisse  no  ouro  e  ao  ouro  eu  disse  - 
«Confio  em  ti»;  se  a  minha  consolação  repousa  nas  minhas 
muitas  riquezas  e  nas  aquisições feitas com minhas mãos... , se a 
minha  terra  grita  contra  mim  e  se  com  ela  choram os sulcos, se 
sem  pagar-lhe  o  tributo,  comi  de  seus  frutos  e  afligi  a  alma  dos 
que  a  cultivam:  nasçam  para  mim  abrolhos  em  vez  de  trigo  e 
espinhos  em  lugar  de  cevada»  (XXXI).  Felizes  os  ricos  que 
podem  dizer o mesmo e imitam a Jó na prodigalidade para com 
os pobres.  
Era costume entre os hebreus, nos dias de solenidade e de 
alegria,  fazer  os  pobres  participar  de  sua  mesa,  a  fim  de  que  a 
alegria  fosse  geral,  como  se  refere  que  aconteceu  na  festa 
estabelecida  por  Mardoqueu  em  memória  da  libertação  do 
excídio  decretado  por  Aman,  e  nas  solenidades  celebradas  por 
Esdras.  E  o  vate  italiano,  Alexandre  Manzoni,  recordando  esse 
piedoso  costume,  convida os cristãos a fazerem o mesmo no dia 
de Páscoa.1  
Nos  salmos,  David.  recomenda  a  esmola  alegando  a  sua 
utilidade e as vantagens que traz ao homem.  
Já  citamos  as  palavras  do  salmo  40:  ​Beatus  qui  intelligit 
super  egenum  et  pauperem​.  No  salmo  111,  descreve  a  beatitude  do 
homem  que  teme  o  Senhor  e  que  é  misericordioso:  «Feliz  o 
homem  que  é  compassivo  e  dá  a  empréstimo.  A  mancheias  dá 
aos  pobres;  a  sua  justiça  é  perene,  a  sua  galharda  virtude  será 
exaltada na glória». 
No  salmo  81,  exorta  os  juízes  a  fazerem  justiça  ao  pobre, 
dizendo:  «Até  quando  fareis  juízos  injustos  e  tereis  respeitos 
humanos?  Fazei  justiça  ao  pobre  e  ao  órfão;  dai  razão  ao 
pequeno  e  ao  pobre.  Defendei  o  pobre  e  arrebatai  o  mendigo 
das mãos do pecador».  
Todo  livro  da  Sagrada  Escritura  inculca  o  dever  da 
esmola,  repetindo-o  sob  mil  conceitos,  para  gravá-lo  na  mente. 
Ouçamos  os  Provérbios:  «Não  te  desamparem  a  misericórdia  e 
a  verdade;  põe-nas  à  roda  de  teu  pescoço,  e  grava-as  nas tábuas 
do  teu  coração»  (III,  3). «Honra o Senhor com as tuas faculdades 
e dá-lhe as primícias de todos os teus frutos. E os teus celeiros se 
encherão  de  quanto  podes  desejar  e  em  tuas  adegas  haverá 
vinho em barda». (III, 9 e 10). 
Deus  recompensa  sempre  tão  fielmente  a  esmola feita ao 
culto  divino  e  aos  pobres,  que  entre  os  hebreus  corria  este 
provérbio: ​o dízimo enriquece e é manancial de bênção​.  

1
Sia frugal del ricco il pasto; 
Ogni mensa abbia i suoi doni; 
E il tesor negato al fasto 
Di superbe imbandigioni 
Scorra amico all’umil tetto; 
Faccia il desco poveretto 
Più ridente oggi apparir. 
«Não  impeças  a  quem  pode  fazer  o  bem,  e  se  poderes, 
também  tu  pratica-o.  Não  digas  a  teu  amigo:  —  Vai  e  volta; 
amanhã  dar-te-ei;  —  quando  podes  dá  logo».  (III,  28).  «A 
clemência  é  o  caminho  da  vida».  (XI,  19).  «A  alma  que  faz  bem 
será  farta;  e  o  que  embriaga,  também  ele  mesmo  será 
embriagado». (XI, 25). 
«Peca  quem  despreza  o  seu  próximo  e  quem  se 
compadece  do  pobre  será  feliz.  Quem  crê  no  Senhor  ama  a 
misericórdia.  Estão  no  erro  os  que  fazem  o  mal;  a  misericórdia 
e  a  verdade  preparam  os  bens».  (XIV,  21  e  seg.).  «Quem  oprime 
o  mendigo  injuria  ao  seu  Criador;  agrada-lhe,  porém,  o  que  se 
compadece  do  pobre».  (XIV,  31).  «Quem  fecha  os  ouvidos  aos 
gritos  dos pobres, gritará também ele sem ser ouvido». (XXI, 13). 
«Quem  exercita  a  misericórdia,  achará  vida,  justiça  e  glória». 
(XXI,  21).  «Quem  é  inclinado  à  compaixão,  será  abençoado; 
porque  do  seu  pão  se  servirá  o  pobre.  Quem  usa  de  liberdade, 
alcançará  vitória  e  honra;  e  ele  cativa  o  coração  dos  que  os 
recebe».  (XXII,  9).  «Quem  dá  ao  pobre  jamais  estará  em 
necessidade;  mas  quem  despreza  aquele  que  pede,  sofrerá 
privações».  (XXVII,  27).  No  descrever  a  mulher  forte,  o  Sábio 
dá-lhe  o  atributo  da  misericórdia para com o próximo: «Abre as 
mãos  aos  míseros  e  estende  as  palmas  aos  pobrezinhos».  (XXI, 
20). 
O  Eclesiastes  convida  a  distribuir  o  pão  aos  necessitados, 
figurados  na  água  que  passa,  prometendo  que  receberá  o 
prêmio  na  outra  vida.  «Lança  o  teu  pão  sobre  as  águas  que 
passam, porque depois de muito tempo, o acharás», (XI, 1).  
O  Eclesiástico  se  compraz  em  inculcar  a  caridade  para 
com  os  pobres:  «Filho,  não  defraudes  a  esmola  do  pobre,  e  não 
apartes  dele  os  teus  olhos.  Não  desprezes  a  alma  esfaimada,  e 
não  exacerbes  o  pobre  na  sua  necessidade. Não aflijas o coração 
do  pobre  e  não  defiras  o  auxílio  a  quem  está  angustiado.  Não 
rejeites  a  petição do atribulado e não voltes a face ao pobre. Não 
apartes  os  teus  olhos  do  necessitado,  irritando-o;  não  dês 
ocasião  aos  que  te  pedem  de  te  amaldiçoar  por  detrás,  porque 
será  atendida  a  imprecação  do  que  amaldiçoa  na  amargura  de 
sua  alma  e  atendê-lo-á  Aquele  que  o  criou».  (Cap.  IV). 
«Oferecerás ao Senhor as espáduas das tuas vítimas e o sacrifício 
de  santificação  e  as  primícias  das  coisas  santas;  e  estende  ao 
pobre  a  tua  mão,  a  fim de que seja perfeita a tua propiciação e a 
tua  bênção».  (VII,  35).  «Faze  o  bem  ao  teu  amigo,  antes  de  tua 
morte e estende a mão liberal ao pobre, segundo as tuas posses». 
(XIV,  13).  «Emprega  o  teu  tesouro  em  cumprir  os  preceitos  do 
Altíssimo  e  isto  te  aproveitará  mais  que  o  ouro.  Deita  a  esmola 
no  seio  do  pobre  e  ele  rogará  por  ti  contra  toda  espécie  de 
males.  Ela  combaterá  o  teu  inimigo  muito  melhor que a lança e 
o escudo dum campeão». (XXIV, 14). 
Os  Profetas  levantam-se  para  estigmatizar  as  usuras  e  a 
opressão  dos  pobres,  inculcando  com  palavras  enérgicas  a 
esmola.  Isaías  exclama:  «Reparte  com  o  faminto  o  teu  pão;  e  os 
pobres  e  os  peregrinos  leva-os  para  tua  casa;  se  vires  um  nu, 
veste-o  e  não  desdenhes  a  tua  própria  carne.  Então,  como  após 
a  aurora,  despontará  a  tua  luz  e  logo  virá  a  tua  salvação;  a  tua 
justiça  te  precederá  e  a  glória  do  Senhor  te  acolherá.  Então  tu 
invocarás  o  Senhor  e  Ele  te  ouvirá;  levantarás  a  tua  voz  e Ele te 
dirá:  Eis-me.  Quando  abrires  as  tuas  entranhas  ao  faminto  e 
consolares  a  alma  aflita,  nascer-te-á  nas  trevas  a  luz  e  as  tuas 
trevas  se  mudarão  em  meio-dia.  O  Senhor  dar-te-á  sempre 
repouso  e  a  tua  alma  encherá  de  esplendores  e  confortará  os 
teus  ossos  e  tu  serás  como  um  jardim  regado  e  como  fonte  à 
qual não vem a faltar água.» (Cap. LVIII).   
A  isaías  fazem  eco  Jeremias  e  Ezequiel.  Daniel,  depois  de 
ter  feito  ciente  a  Nabucodonosor  do  próximo  castigo  do  Céu,  o 
exorta  a  resgatar  com  esmolas  os  seus  pecados  e  iniquidades, 
dando-lhe  esperança  de  perdão.  Miqueas  diz  da  parte  do 
Senhor:  «Eu  te  ensinarei,  ó  homem,  o  que  é  bom  e  o  que  o 
Senhor  deseja  de  ti,  isto  é,  que  sejas  criterioso,  ames  a 
misericórdia e andes com solicitude diante de Deus». (VI, 8). 
Zacarias  escreve:  «Estas  coisas  diz  o  Senhor  Deus  dos 
exércitos:  Julgai  segundo  a  verdade  e  fazei  frequentes  obras  de 
misericórdia  aos  vossos  próximos.  E  guardai-vos  de  oprimir  a 
viúva,  o  órfão,  o  forasteiro  e  o  pobre,  e  ninguém  trame  no  seu 
coração contra o próximo». (VII, 9 ​e 10).  
Como é que os judeus esqueceram tantos ensinos? Hoje, o 
nome  de  judeu,  é  sinônimo  de  usurário,  fona,  opressor  dos 
pobres; e todavia eles leem, mesmo presentemente, com grande 
atenção  e  constância,  a  Sagrada  Escritura  e  os  trechos  em  que 
Deus  recomenda  a  esmola.  Nós,  porém,  sequazes  de  Jesus 
Cristo,  sejamos  coerentes  conosco  mesmos  e  pratiquemos  os 
ensinos  salutares  dos  Livros  Santos,  fazendo  os  pobres 
participantes do bem que Deus nos tem dado.   
CAPÍTULO VII – BELA DOUTRINA DO LIVRO DE TOBIAS 
O  livro  de  Tobias  é  o  livro  da  esmola.  Deus  não  se 
contentou  de  inculcar  essa  virtude  em  todas  as  obras  do  Antigo 
e  Novo  Testamento;  quis  inspirar  um  tratado  especial,  que 
explicasse  a  beleza,  a  eficácia  e  os  frutos  salutares  da  caridade 
para com os pobres, propondo um exemplo luminoso de pessoa 
esmoler no santo velho Tobias.  
Nasceu  Tobias  na  cidade  de Cades de Neftali, no reino de 
Israel;  e  desde  menino  observou  a  lei  de  Moisés,  agindo  com 
critério  superior  à  sua  idade.  Corriam,  então,  dias  tristes  para  a 
religião;  e  enquanto  todos  adornavam  os  vitelos  de  ouro 
levantados  pelo  ímpio Jeroboão, ele soube conservar-se puro da 
idolatria,  indo  a  Jerusalém.  para  adorar  a  Deus  no  templo, 
oferecendo  as  suas  primícias  e  os  seus  dízimos.  Mas  a  virtude 
que  nele  brilhou  e  o  distinguiu  foi  a  caridade  para  com  os 
pobres,  aos  quais  dava  o  supérfluo.  Levado  prisioneiro  para 
Nínive,  com  os  de  sua  tribo,  por  Salmanasar,  rei  dos  Assírios, 
redobrou  a  esmola  para  com  seus  irmãos  que  gemiam  na 
escravidão.  Deus  fez  que  ele  caísse  nas  graças  do  monarca,  o 
qual  o  elevou  ao  cargo  honorífico  de  Provedor  régio.  Tobias 
serviu-se  da  liberdade  e  da  influência  que  tinha  na  corte  para 
auxiliar  os  seus  concidadãos,  visitando-os  e  dando-lhes  auxílio 
material e espiritual.  
Vieram,  porém,  os  dias  de  prova.  Morto  Salmanasar, 
sucedeu-lhe  no  trono  o  filho  Senaqueribe,  o  qual  se  mostrou 
cruel  para  com  os  hebreus,  fazendo  matar  a  muitos,  máxime 
depois  que  perdeu  seu  numeroso  exército,  ao  pé  das  muralhas 
de  Jerusalém,  por  obra  do  Anjo  exterminador.  Tobias  ia  à 
procura  de  cadáveres  para  sepultar,  de  nus  para  vestir,  de 
famintos  para  desalterar,  de  aflitos  para  consolar, 
multiplicando-se  a  si  mesmo  para  fazer  frente  a  tantas 
necessidades.  Disso  teve  conhecimento  o  bárbaro  imperador, 
que  o  condenou  à  morte  e  à  confiscação  dos  seus  bens.  Tobias 
teve  tempo  de  fugir  e  de  se  homiziar,  até  que  o  monarca  foi 
morto  por  seus  próprios  filhos;  foi quando readquiriu os bens e 
o primitivo cargo.  
Deus,  porém,  o  reserva  a  outras  provas  dolorosas  para  o 
purificar.  O  santo  continuava  a  sepultar  os  seus  irmãos  mortos, 
deixando,  às  vezes,  a  refeição  para  fazer  aquela  obra  de 
caridade.  
Cansado,  um  dia,  deitou-se  à  sombra  de  um  muro,  onde 
as  andorinhas  nidificavam,  e  ali  adormeceu;  durante  o  sono 
caiu-lhe  nos  olhos  um  pouco  de  cisco  do  ninho  daquelas 
avezinhas,  e  ficou  cego.  Naquela  desventura  ele  manifestou 
heroica  paciência  e  inteira  resignação  à  vontade  de  Deus 
semelhantes  à  de  santo  Jó,  às  imprecações  dos  parentes  e 
amigos  pela  sua  caridade,  ele  opôs a esperança da vida futura. A 
estulta  mulher  chegou  até  a  exprobar-lhe  as  esmolas,  dizendo: 
«Claro  está  que  se  desfez  em  fumaça  a  tua  esperança  e  agora  se 
vê  o  fruto  das  tuas  esmolas».  Então,  Tobias,  vendo  que  os 
homens  o  afligiam  tanto,  lançou-se  nos  braços  da  bondade 
divina;  e  pediu-lhe  que  o  tirasse  do  mundo.  Supondo  que Deus 
se  dignara  escutar  a  sua  prece,  chamou  o  filho  à sua cabeceira e 
deu-lhe  as  derradeiras  lembranças,  que  são  o  compêndio  da 
mais  santa  e  perfeita  moral.  Entre  outras  coisas  recomenda-lhe 
insistentemente a sua virtude predileta, a esmola.  
«Faze  esmola  dos  teus  bens  e  não  voltes  o  teu  rosto  a 
nenhum pobre, porque desta sorte sucederá que também não se 
afaste  de  ti  a  face  do  Senhor.  Da  maneira  que  puderes,  sê 
caritativo.  Se  tiveres  muito,  dá  muito;  se  tiveres  pouco, procura 
dar  de  boamente  também  esse  pouco;  porque  assim entesouras 
uma  grande  recompensa  para  o  dia  da  necessidade;  porque  a 
esmola  livra  de  todo  o  pecado  e  da  morte;  e  não  deixará  cair  a 
alma  nas  trevas. A esmola servirá duma grande confiança diante 
do sumo Deus, para todos os que a fazem». (Cap. IV).  
Parece  que  se  não  possa  fazer  maior  elogio  da  esmola. 
Depois  de  ter-lhe  dado  estes  e  outros  santos  conselhos, 
manda-o  cobrar  uma  quantia  emprestada  ao  primo  Gabel,  na 
cidade  Rages.  Enquanto  o  filho  procura  um  companheiro  de 
viagem,  Deus,  como  prêmio  da  caridade  daquela  santa  família, 
envia  o  Arcanjo  Rafael,  em  forma  humana, para o acompanhar. 
É  sabido  tudo  o  quanto  aconteceu  no  caminho  e  o  que  fez  o 
guia  celeste.  Às  margens  do  Tibre,  fá-lo  tomar  um  enorme 
peixe  para  conservar  algumas  partes  dele,  dá-lhe  por  esposa  a 
prima  Sara,  filha  de  Raquel;  faz  que  receba  o  dinheiro 
procurado  e  o  reconduz  ileso  aos  seus  genitores,  que  já temiam 
alguma desgraça pela demora.  
O  fel  do  peixe  serve  para  restituir  a  vista ao velho Tobias 
e  a  família  está  no  auge  do  contentamento.  Só  então  é  que  o 
Arcanjo  Rafael  dá-se  a  conhecer;  e  revela  a  Tobias  que  Deus 
operou  todas  aquelas  maravilhas  como  prêmio  de  sua  caridade 
e exalta a esmola e as obras de misericórdia.  
«Boa  é,  disse,  a  oração  com  o  jejum  e  a  esmola;  melhor 
que  amontoar  tesouros;  pois  que  a  esmola  livra  da  morte  e 
limpa  os  pecados  e  faz  achar  a  misericórdia  e  vida  eterna. 
Portanto,  eu  vos  digo  a  verdade  e  não  vos  deixarei  latente  este 
mistério:  —  Quando  fazias  oração,  com  lágrimas,  quando 
deixavas  a  tua  refeição  e de dia escondias os mortos em tua casa 
e  de  noite  os  sepultavas,  eu  te  acompanhava  nas  tuas  ações.  E 
porque  Deus  muito  te  amava,  fez-se  mister  que  a  tentação  te 
experimentasse». (Cap. XII).  
Essas  palavras  do  Arcanjo  merecem  ser  atentamente 
meditadas, porque fecundas de importantes ensinamentos.  
Ele  proclama  a  santidade  e  a  eficácia  da  oração  unida  ao 
jejum  e  à  esmola,  profligando  o  hebetismo  dos  que  só  pensam 
em  ajuntar  tesouros  para  si,  fechando a porta ao pobre faminto. 
O  jejum  e  a  esmola  são  as  duas  asas  com  as  quais  a  oração  se 
eleva  até  ao  Céu.  A  caridade  para  com  o  próximo  livra-nos  da 
morte,  remite  a  pena  temporal  devida  aos  nossos  pecados, 
move  Deus  à  misericórdia  e  faz-nos  conseguir  as  alegrias  do 
Paraíso.  
Quando  Tobias  sepultava  os  cadáveres,  com  risco  da 
própria  vida,  e  espalhava  o  perfume  de  sua  caridade  para  com 
os  irmãos  que  gemiam  sob  o  peso  do  cativeiro  e  eram 
oprimidos  pela  tirania  assíria,  o  Anjo  do  Senhor  recolhia  as 
bagas  de  suor  derramado  e  numerava  todos  os  seus  atos  de 
piedade para oferecê-los a Deus, em odor de suavidade.  
Como  foi  grande  o  poder  da  esmola.  Fez  descer  do  Céu 
um  Anjo  para  acompanhar  o  filho  na  viagem  e  para  operar 
todos os prodígios de que se admirarão os séculos. 
Demos  esmola,  e  seremos  abençoados  por  Deus  como  o 
foi  o santo velho Tobias, que recebeu cem por um nesta vida e a 
glória eterna na outra.   
CAPÍTULO VIII – O PRECEITO DA ESMOLA NO NOVO 
TESTAMENTO 
Nas  suas  pregações  às  margens  do  Jordão,  o  Batista 
precursor  começou  de  inculcar  o  preceito favorito de Jesus — o 
amor  ao  próximo  —  preludiando  ao  grande  ensino  do  Messias. 
Corriam  as  turbas  em  massa  a  ouvi-lo  e  interrogá-lo  sobre  o 
que  era  preciso  fazer  para  subtrair-se  à  ira  de  Deus;  e  ele  lhes 
dizia:  «O  que  tem  duas  túnicas,  dê uma ao que não tem; e o que 
tem o que comer faça o mesmo» (S. Lucas, III, 11).  
Aparece  o  Divino  Redentor,  e  os  seus  lábios  jamais  se 
cansam  de  repetir  a  ​lei  da  caridade  e  o  preceito  da  esmola 
espiritual  e  temporal,  chamando-o  a  característica  de  seu 
Evangelho.  O  Novo  Testamento  é  lei  de  amor,  de  caridade,  de 
misericórdia  e  de  benevolência.  E  Jesus  fala  claro:  «Dai  esmola 
do  que  sobra;  ​quod  superest  date eleemosynam​.» (S. Lucas, XI, 14). E 
note-se  que  não  é  conselho  ou  exortação,  mas  ordem  absoluta, 
expressa em modo imperativo, que não admite réplica.  
Alhures  diz:  «Vendei  o  que  possuis  e  dai  esmola.  Fazei 
para  vós  bolsas  que  se  não  gastam  com  o  tempo,  um  tesouro 
que  se  não  esgota  no  Céu;  ao  qual  não  chega  o  ladrão,  e  que  a 
traça  não  rói.  (S.  Lucas  XII,  33).  —  Néscio,  grita  Ele  a  um  rico, 
esta  noite  serás  chamado  à  eternidade  e  as  coisas  que  ajuntaste 
para  quem  serão?  —  Como  se  dissesse:  aquela  riqueza  ficará no 
mundo,  na  mão  dos  herdeiros,  mas  se  tu  a  tivesses  dado  aos 
necessitados, tê-la-ias encontrado além do túmulo.  
Jesus  ensina  também  o  modo  de  exercer  com  fruto  a 
hospitalidade:  «Quando  deres  jantar,  ou  ceia,  não  chames  teus 
amigos;  nem  teus  irmãos, nem teus parentes, nem teus vizinhos 
que  forem  ricos; para que não te convidem eles por sua vez, e te 
paguem  com  isso;  mas  quando  deres  banquete,  convida  os 
pobres,  os  aleijados,  os  coxos  e  os  cegos;  e  serás  feliz,  porque 
não  têm  com  que  te  retribuir;  porém,  ser-te-á  retribuído  na 
ressurreição  dos  justos».  (S.  Lucas,  XIV,  12  a  14).  Depois  de  ter 
narrado  a  parábola  do  ecônomo  infiel,  acrescenta:  «E  Eu  vos 
digo:  granjeai-vos  amigos  com  as  riquezas  da  iniquidade  para 
que,  quando  necessitardes,  vos  recebam  nos  tabernáculos 
eternos».  (S.  Lucas,  XVI,  9).  Chama  iníquas  as  riquezas  porque 
muitas vezes são adquiridas com fraudes e injustiças.  
Era  costume  dos  fariseus  dar  esmola  unicamente  para 
serem  vistos  e  admirados;  e  o  Divino  Redentor  repreende-os 
severamente,  ensinando-lhes  a  fazer  boas  obras  por  um  fim 
mais  nobre:  «Quando  dás  esmola,  não  faças  tocar  a  trombeta 
diante  de  ti,  como  praticam  os  hipócritas  nas  sinagogas  e  nas 
ruas  para  serem  honrados  pelos  homens.  Em  verdade  vos digo, 
que  eles  já  receberam  a  sua  recompensa.  Mas,  quando  dás 
esmola,  não  saiba  a  tua  esquerda  o  que  faz  a  tua  direita,  para 
que  a  tua  esmola  fique  em segredo, e teu Pai, que vê o oculto, te 
recompensará». (S. Mateus, VI, 2 a 4).  
Para  mais  excitar  à  prática  desta  virtude  Ele  considera 
feito  a  Si  próprio  o  que  se  faz  aos  pobres.  Como  já  ficou  dito, 
Ele  agradecerá  aos  eleitos,  no  dia  do  juízo  final,  de  terem-n’O 
vestido,  saciado,  consolado,  hospedado,  visitado  no  cárcere  ou 
no  leito,  na  pessoa  do  próximo;  ao  passo  que  repreenderá 
acerbamente  os  réprobos  por  terem-n’O  desprezado  na  pessoa 
dos  pobres.  E  tudo  terá  sua  recompensa;  até  o  simples  copo 
d'água  dado  por  seu  amor:  «E  todo  o  que  der  a  beber  a  um 
destes  pequeninos  um  copo  de  água  fria,  a  título  de  esmola, 
digo-vos  em  verdade  que  não  perderá  sua  recompensa».  (S. 
Mateus, 42).  
S.  Pedro,  um  dia,  ousou  perguntar  ao  Divino  Mestre: 
«Eis-nos  aqui,  os  que  deixamos  tudo  e  te  seguimos;  que  haverá 
então  para  nós?  »  E  Jesus  lhe  disse:  «Em  verdade  vos  digo  que, 
na  regeneração,  quando  o Filho do homem se assentar no trono 
de  Sua  Glória,  vós, que me seguistes, sentar-vos-eis também em 
doze  tronos,  e  julgareis  as  doze  tribos  de  Israel.  E  todo  o  que 
deixar por amor de Meu nome a casa, ou os irmãos, ou as irmãs, 
ou  o  pai,  ou  a  mãe,  ou  a  mulher,  ou  os  filhos,  ou  a  herdade, 
receberá  o  cêntuplo,  e  possuirá  a  vida  eterna».  (S.  Mateus,  XIX, 
27 a 29).  
Jesus,  sempre  doce,  sempre  cheio  de  bondade,  assume 
um  tom  terrível  contra  os  ricos  mofinas  e  os  ameaça  de  eterna 
condenação.  Veremos  num  capítulo  à  parte  as  suas  ameaças.  E 
Ele  mesmo praticava o que ia ensinando, para dar-nos exemplo, 
e distribuía aos pobres a sobra do que lhe davam os judeus.  
No  sermão  da  Ceia,  que  pode  chamar-se o testamento de 
Jesus  aos  seus  discípulos,  o  Mestre  recomenda  a  caridade.  «Um 
novo  mandamento  vos  dou:  que  vos  ameis  uns  aos  outros, 
como  Eu  vos  amei»  .  (S.  João,  XIII,  34);  «meu preceito é que vos 
ameis  uns  aos  outros  como  eu  vos  amei».  (XV,  12).  A  caridade, 
pois,  é  o  preceito  principal,  a  lei  caraterística  do  Evangelho  o 
mandamento do Divino Redentor.  
Em  seus  sermões,  Jesus  narrou  a  parábola  do  bom 
Samaritano,  para  mostrar  de  maneira  clara  e  simples  quem 
possui  a  verdadeira  caridade  para  com  o  próximo.  O  primeiro 
mandamento  da  lei  é  o  amor  a  Deus  e  o  segundo  é  o  amor  ao 
próximo.  Qual  há  de  ser  a  medida  do  amor  ao  próximo?  —  O 
amor  a  nós  mesmos, isto é, nós devemos amar o próximo como 
a nós mesmos.  
Os  apóstolos  aprenderam  do  Divino  Mestre  a  lição  do 
amor,  e  em  suas  cartas  recomendam  sempre  a  caridade 
espiritual  e temporal. S. João fala dela tantas vezes, que mereceu 
a  antonomásia  de  ​apóstolo  da  caridade.​  «Aquele que tem riquezas 
deste  mundo,  e  vê  a  seu  irmão  em  necessidade,  e  lhe  cerra  as 
suas  entranhas:  como  está  nele  o  amor  de  Deus?»  (I  S  . João, III, 
17).  Nos  últimos  anos  de  sua  vida  era levado à igreja, e não sabia 
dizer  outra  coisa:  «Meus  filhinhos,  amai-vos  reciprocamente». 
Enfadados  os  discípulos  de  ouvir  sempre  a  mesma  coisa, 
perguntaram-lhe  porque  lhes  não  falava  dos  outros  preceitos, 
ele  que,  tendo-se  inclinado  ao  peito  de  Jesus,  conjecturara  os 
mistérios  sublimes;  e  o  apóstolo  respondeu:  «Outras  coisas  vos 
não  direi,  pois  isto  é  o  que  nos  manda  especialmente  o Senhor; 
e isto perfeitamente executado basta para fazer-nos santos».  
O  Apóstolo  S.  Paulo  ordena coletas em várias Igrejas para 
socorrer  os  irmãos  de  Jerusalém,  desolados  pela  carestia,  e 
exorta  os  fiéis  a  porem  semanalmente  no  gazofilácio  algum 
dinheiro.  «Aquele  que  semeia  pouco, também segará pouco; e o 
que  semeia  com  abundância,  também  segará  com  abundância». 
(II  Cor.  IX,  6).  E  os  exorta  a  não  temer  a  inópia,  que  Deus  os 
proverá:  «Poderoso  é  Deus  para  fazer  abundar  em  vós  toda  a 
graça;  para  que  em  todas  as  coisas  tendo  sempre  o  suficiente, 
tenhais  abundância  para  toda  sorte  de  obras  boas».  (Id.,  8).  São 
dignas  de  nota  as  palavras  da  epístola  aos  Hebreus:  «E  não 
esqueçais  de  fazer  o  bem  e  de  repartir  com  os  outros;  porque 
com tais sacrifícios se agrada a Deus». (XIII, 16).  
Santo  Tiago  diz:  «A  religião  pura  e  imaculada  aos  olhos 
de  Deus  e  nosso  Pai  é  esta:  Visitar  os  órfãos  e  as  viúvas nas suas 
tribulações,  e  conservar-se  sem  ser  contaminado  deste  século». 
(I,  27).  Alhures  increpa  os  que  ficam  só  nas  palavras  e  não 
socorrem  os  pobres:  «Porém,  se  um  irmão  ou  irmã  estiverem 
nus,  e  necessitarem  do  alimento  cotidiano,  e  lhes  disser  algum 
de  vós:  Ide  em  paz,  aquentai-vos  e  fartai-vos,  e  não  lhes  derdes 
o  que  hão  mister  para  o  corpo,  que  lhes  aproveitará?».  (II,  15  e 
16).  
Os  primeiros  cristãos  eram  observantes  do  preceito  da 
caridade  e  entregavam  aos  Apóstolos  o  supérfluo,  para  que 
distribuíssem  aos  necessitados.  Os  Atos  dos  Apóstolos  lembram 
com  reconhecimento  a  Tabita,  senhora  piedosíssima,  que 
empregava  em  boas  obras  tudo  quanto  tinha,  socorrendo  os 
indigentes;  e  foi  ressuscitada  por  S. Pedro como prêmio de suas 
virtudes.  Os  pagãos  pasmavam  ao  ver  a  união  e  a  caridade  que 
reinavam  entre  os  cristãos  e  diziam  uns  aos  outros:  —  Vede 
como se amam!2  

2
  É  célebre  o  exemplo  de  S.  Pacômio,  o  qual  se  converteu  ao 
cristianismo  admirando  a  caridade  fraterna  que  reinava  soberana 
Vieram  os  santos  da  Igreja  e  todos,  às  rebatinhas, 
recomendam  a  esmola,  mostrando  a  sua  necessidade,  beleza  e 
utilidade.  S.  João  Crisóstomo  foi  um  verdadeiro  apóstolo  da 
esmola;  ao  terminar  os  seus  sermões,  as  matronas  tiravam  das 
orelhas  as  arrecadas  para  dá-las  aos  pobres.  S.  João  de 
Alexandria,  chamado  o  Esmoler,  tinha consigo uma lista de oito 
mil  pobres  para  socorrer  diariamente.  Houve santos que depois 
de  terem  dado  todos  os  seus  haveres,  ficaram  escravos  para 
libertar  o  próximo.  Mais.  A  Igreja  teve  uma  Ordem  Religiosa 
que  fazia  profissão  de  livrar  os  escravos  dos  turcos  e  tais 
religiosos  ficavam  em  lugar  dos  escravos  quando  não  podiam 
diversamente  livrar  os  que  tiveram  a  infelicidade  de  cair  nas 
mãos  dos  infiéis.  Valham  esses  exemplos  e  as  palavras  do 
Divino Redentor para fazer-nos amar a caridade e a esmola. 

entre  os  prosélitos  de  Jesus  Cristo.  —  “Uma  religião  que  dá  tais 
preceitos, disse ele, por certo que é divina” — e abraçou-a. 
CAPÍTULO IX – QUE É O RICO? É O TESOUREIRO E O 
PROVEDOR DO POBRE 
Na  ordem  da  criação,  o  rico  é  o  tesoureiro  do  pobre, 
obrigado  a  prover  às  suas  necessidades.  Deus  o  favoreceu  com 
riquezas,  não  para  que  as  malbaratasse  e  gozasse  a  seu  talante, 
mas  para  que  socorresse  os  infelizes.  Jesus  Cristo  ordenava  que 
o  supérfluo  seja  dado  de  esmola.  Deve,  pois,  o  rico  dar  muita 
esmola.  Podia  Deus  distribuir  igualmente  os  bens  da  terra  e 
sustentar  todos  os  homens  como  faz  com  a  erva  do  prado,  o 
lírio  do  campo,  a  árvore da floresta; invés, quis as desigualdades 
sociais,  ordenando  que  uns  auxiliassem  os  outros.  Esta  é  uma 
verdade  pouco  entendida  de  muitos  ricos,  que  se  fecham  no 
círculo  estreito  do  próprio  eu  e  não  pensam  senão  em  gozar, 
expulsando  de  sua  porta  ao  pobre,  como  a  um  importuno. 
Contra  esses,  o  Divino  Redentor,  sempre  brando,  sempre  doce, 
tomou  um  tom  terrível,  ameaçando-os  de  eterna  condenação: 
«Ai  de  vós,  ó  ricos,  porque tende já recebido a vossa consolação. 
Ai  de  vós  que  sois  saciados,  porque  sofrereis  fome.  Ai  de  vós 
que rides, porque chorareis e gemereis», (S. Lucas V, 24).  
Na  parábola  do  epulão  mostrou  claramente  o  triste  fim 
dos ricos que pensam só em gozar, desprezando os pobres.  
É  Jesus  quem  nos  conta:  Havia  um  homem  muito  rico, 
que  andava  luxuosamente  vestido e vivia vida regalada e ociosa, 
oferecendo  aos  amigos  lautos  banquetes.  Havia  também  um 
mendigo  chamado  Lázaro,  que  inutilmente  suplicava  lhe 
mitigassem  a  fome  com  as  migalhas  que caíam da mesa. Algum 
tempo  depois, morreram ambos. O pobre foi levado pelos anjos 
ao  seio  de  Abraão.  Morreu  o  rico  e  foi  sepultado  nas 
profundezas  do  inferno.  Por  qual  culpa?  Talvez  porque  era 
blasfemo?  desonesto?  injusto  ou  ladrão?  Nada  disso.  Foi 
condenado às penas somente porque se mostrou cruel para com 
o pobre Lázaro e só pensou em gozar.  
É  impossível  salvar-se  um  rico  que  põe  a  sua  esperança 
nos  bens  da  terra  e  não  é  caridoso.  É  mais  fácil  passar  uma 
corda no fundo de uma agulha, que tal pessoa vá ao Céu. Não há 
tergiversar.  O  rico  que  deseja  salvar  a  alma  deve  dar  esmola, 
desapegar  o  coração  dos bens terrenos e conservar a pobreza de 
espírito,  tão  recomendada  pelo  Divino  Redentor.  Se  o  rico  está 
obrigado  a  dar  o  supérfluo  ao  pobre,  segue-se  que,  não  o 
fazendo, é um ladrão que retém o alheio.  
S.  João  Crisóstomo  discorre  deste  modo:  —  Rico, 
ouve-me:  são  teus  este  dinheiro,  estas  terras,  diz  o  mundo;  não 
assim  a  fé:  o  senhor  de  tudo  é  Deus;  tu  não  passas  de  simples 
administrador;  hás  de  prestar  conta  ao  Senhor  até  de  uma 
courela.  E  se  Deus  é  o  Senhor,  tem  direito  de  discriminar  o 
emprego  das  tuas  rendas.  Pois  bem,  vês  aquele  pobre  que  te 
espera  à  porta?  veio  para  exigir  em  nome  d’Ele;  Deus  o 
mandou,  e  aqueles  andrajos  que  o  cobrem  são  a  libré  que  to 
indicam  tal.  Vamos,  sê  pronto  em  o  socorrer;  não  é  um  favor 
que fazes, é um tributo que pagas.  
Cuidado!  —  assim  diz  o  grande  Santo  Ambrósio  —  não 
recuses  uma  esmola,  porque  tanto  é  pecado  tirar  o  alheio, 
quanto negar o que lhe é devido.  
Causa  asco  ver  certos  ricos  criarem  uma  matilha  de  cães 
de  caça  ou  soberba  tropa  de  cavalos  e  negar  a  um  esfarrapado 
um  naco  de  pão  ou  um  abrigo.  Como  é  doloroso  ver  certas 
senhoras  criarem  um  cachorrinho,  levarem-no  ao  braço, 
cobrirem-no  de  carícias,  e afastarem com indignação o olhar de 
um  pobre  que  lhes  estende  a  mão  súplice,  julgando-se 
rebaixadas  com  a  sua  presença.  No  entanto  o  pobre  é  filho  de 
Deus, é uma alma remida pelo sangue de Jesus Cristo.  
Há  ricos  que  se  julgam  seres  privilegiados;  nascidos  para 
gozar,  veem  no  pobre  o  pária  da  sociedade,  como  se  fosse  de 
natureza inferior, digna tão só de desprezo. Mas quão outros são 
os  juízos  de  Deus.  Deus  ama  o  pobre  e,  para  honrá-lo,  quis 
nascer  de  pais  pobres  e  na  mais  esquálida  miséria.  Escolheu 
para  seus  Apóstolos,  não  os  magnatas  de  Herodes  ou  de 
Augusto,  mas  doze  pobres  pescadores;  e  viveu  sempre  rodeado 
pelo  povo  simples,  protestando ter vindo evangelizar os pobres, 
por  ter  sido  essa  a  missão  de  que  fora  incumbido.  ​Evangelizare 
pauperibus  misit  me​.  Jesus  subiu ao Céu, mas continua a morar na 
terra  no  Santíssimo  Sacramento  e  no  tugúrio  do  pobre. Através 
dos  andrajos que cobrem os membros descarnados dos míseros, 
os santos contemplam sempre a Jesus sofredor. 
É  célebre  o  fato  sucedido  a  S.  Martinho.  Quando  era 
soldado  da  cavalaria,  encontrou  um  pobre  seminu,  que  lhe 
pediu  esmola,  em  nome de Deus. Martinho, não tendo dinheiro 
naquela  ocasião,  arrancou  do  manto,  dividiu-o  ao  meio  e  deu 
uma  parte  ao  pedinte.  De  noite  apareceu-lhe  Jesus  Cristo 
vestido  com  o  manto  dado  de  esmola,  e  lhe  agradeceu  por 
tê-l’O  socorrido  na  pessoa  daquele  pobre.  Imitem  os  ricos  este 
exemplo  e  sejam  pródigos  para  com  os  representantes  de  Jesus 
sofredor.  
O  apóstolo  Santo  Tiago  tem  palavras  mais  graves  aos 
ricos  que  esquecem  os  seus  deveres  de  caridade:  «Eis,  pois, 
ricos,  agora  chorai bem alto pelas desgraças que virão sobre vós. 
As  vossas  riquezas  se  putrefizeram,  e  as  vossas  vestes  são 
comidas  pelas  traças.  O  vosso  ouro  e  prata se corromperam, e a 
sua  corrupção  dará  testemunho  contra  vós,  e  devorará  a  vossa 
carne  com  o  fogo.  Entesourastes  para  vós a ira nos últimos dias. 
Eis  que  o  salário  dos  trabalhadores  que  ceifaram  os  vossos 
campos,  o  qual  pela  fraude  lhes  tirastes,  está  a  clamar;  e  o 
clamor  deles  chegou  até  aos  ouvidos  do  Senhor  dos  exércitos. 
Tendes  vivido  em  festins  sobre  a  terra,  e  na  luxúria  cevastes  os 
vossos corações, como em dia de imolação». (Cap. V).  
Para  evitar  ameaças  tão  terríveis  o  rico  deve  de  imitar  o 
bom  samaritano  e  prover  às  necessidades  dos  pobres.  Então,  as 
maldições  cominadas  se  trocarão  em  bênçãos.  Deus  ouve 
sempre  a  oração  do  pobre;  e  quando  ele  for  ajudado  por  vós, 
fará  chover  sobre  vossa  cabeça,  sobre  vossas  famílias,  copiosas 
graças.  Os  pobres  agraciados  pelo  centurião  Cornélio,  lhe 
obtiveram  ao  Céu  a  conversão.  Um  mensageiro  celeste  o  pôs 
em relação com S . Pedro, a fim de ser instruído na fé e batizado 
com toda a família.  
Quando  se  celebra  um  matrimônio,  um  batizado,  o 
verdadeiro  meio  para  atrair  os  favores  do  Céu  sobre  os esposos 
ou  sobre  a  criança  é  socorrer  os  pobres.  Experimentem-no  as 
famílias, que se alegrarão com os salutares efeitos.   
CAPÍTULO X – LUMINOSOS EXEMPLOS DOS SANTOS 
Os  santos  patriarcas  do  Antigo  Testamento  foram 
modelos  de  amor  ao  próximo,  exercitando  sobretudo  a 
hospitalidade  aos  peregrinos.  Abraão  recebeu  um  dia  em  sua 
terra  três  anjos  em  forma  humana  e  os  tratou  com  todo  o 
carinho  como  se  fossem  irmãos seus. Jó era chamado «o pai dos 
pobres,  dos  órfãos  e  das  viúvas,  como  já  vimos  atrás,  e  passava 
os  seus  dias  fazendo  o bem aos necessitados. Como são tocantes 
as  cenas  de  caridade  narradas  no  livro  de  Rute!  Booz  ordena 
expressamente  aos  segadores  que  deixem  cair  espigas,  a  fim  de 
que  a  pobre  respigadora  possa  recolher  abundantes  provisões  e 
dá-lhe  permissão  de  comer  e  beber  à sua mesa. Não faço alusão 
a  Tobias,  porque  já  narramos  mais  detalhadamente  as  suas 
esmolas  e  obras  de  misericórdia  aos  irmãos  cativos.  A  viúva  de 
Sarepta  não  tinha  mais  que  um  pouco  de  farinha  e  algumas 
gotas  de  óleo,  pois  a  carestia  flagelava  o  reino  pelos  pecados do 
ímpio  Acab;  e  todavia  ofereceu  aquele  bem  de  Deus  ao  profeta 
Elias,  perseguido  pelo  rei;  em  recompensa  nunca  lhe  faltou 
farinha e óleo.  
Muito  depois,  apareceu  o  Salvador  para  regenerar  a 
sociedade  com  o  preceito  da  caridade  fraterna,  abolindo  a 
escravidão  e  ensinando  que  os  homens  são  todos  filhos  do 
mesmo  Pai  celeste,  sem  distinção  de  nacionalidade.  O 
cristianismo  funda  hospitais,  institui  irmãs  de  caridade,  abre 
asilos  para  inválidos,  orfanatos  e  casas  para  crianças 
desamparadas,  albergues  para  peregrinos.  Os  pobres  no 
paganismo  eram  muitas  vezes  sacrificados  barbaramente  como 
inúteis  e  de  peso  à  sociedade;  Jesus  os  nobilitou,  amando-os 
eternamente  e afirmando que eram seus representantes na terra 
e  que  considerava  feito  a  Si  tudo  o  que  os  homens  faziam  para 
eles.  Então  a  pobreza  era  mais  estimada  do  que  a  riqueza  e 
milhares  de  pessoas  de  ambos os sexos abandonavam tudo para 
se tornar pobres por Jesus Cristo. 
Os  santos  todos  da  Igreja  porfiaram  em  socorrer  os 
pobres,  vendo  neles  a  pessoa  de  Jesus  sofredor,  não 
conservando  mais  do  que  o  necessário  à  vida,  segundo  o 
conselho  do  glorioso  apóstolo  S.  Paulo.  S.  Lourenço  Mártir 
distribuiu  todas  as  riquezas  da Igreja aos pobres, de acordo com 
seu  santo  mestre;  e  interrogado  pelo  tirano  onde  escondera  o 
ouro  e  as  riquezas,  deu  uma  resposta  memorável,  que  deveria 
ser  objeto  de  meditação  de  todo  rico:  «As  riquezas  da  Igreja, 
exclamou  o  herói, foram transportadas para os tesouros celestes 
pelas mãos dos pobres».  
Entre  os  exemplos sem número dos santos, escolheremos 
alguns dos mais próprios para excitar o amor à esmola. 

* * 
A  virgem  holandesa  Santa  Ludovina  jazeu  enferma 
durante  trinta  e  oito  anos  num  miserável  catre  em  apertado 
quarto;  vítima  de  muitas  doenças,  ela  as  soube  suportar  com  o 
heroísmo  de  Jó,  bendizendo  sempre  o  Senhor.  Todas  as 
virtudes avultaram na santa, mas de modo particular a paciência 
e  caridade  para  com  os  pobres.  Sua  mãe, ao morrer, deixou-lhe 
alguns  móveis; bem que pobre e necessitada de tudo, vendeu-os 
e  distribuiu  o  dinheiro  aos  pobres.  O  mesmo  fazia  com  as 
esmolas  que  os  fiéis  lhe  davam,  esquecendo-se  de  si  e 
preocupando-se mais com as necessidades alheias.  
Deus  mostrou  com  numerosos  milagres  quanto  amava  a 
caridade  de  Ludovina.  Tinha  uma  bolsa  que  dava  sempre 
dinheiro  sem  jamais  esvaziar;  por  esse  meio  socorria  os  pobres 
da  cidade  e  das  vizinhanças.  No  leito  de  dores,  a  santa  era 
informada  de  todas  as  famílias  necessitadas  e  sobretudo  dos 
enfermos  e  lhes  mandava  dinheiro  e  abundantes  provisões.  No 
princípio  de  um  inverno  mandou  comprar  um  quarto  de  boi  e 
uma  medida  de  legumes  para  dar  de  comer  aos  famintos,  que 
na  estação  rigorosa  costumam  sofrer  mais  que  em  outros 
tempos,  pelo  frio  e  pela  falta  de  trabalho.  Admirável!  Aquela 
carne  e  aqueles  legumes  multiplicaram  de  tal  modo  que  pôde 
distribuí-los duas vezes na semana em todo o inverno.  
Dava  muito,  mas  o  dinheiro  e  as  provisões  não  faltavam. 
Sabendo  os  ricos  do  bom  uso  que  fazia  das  e  molas,  davam-lhe 
de  boamente  dinheiro  e  alimento;  e  a  casa  da  caridosa enferma 
tornou-se  um  verdadeiro  mercado  onde  os  pobres 
encontravam  comestíveis,  roupa  e  o  mais  de  que  necessitavam. 
A  fama  das  virtudes  luminosas  atraia  ao  seu  leito  personagens 
de  alto  coturno;  e  Ludovina  sabia  patrocinar  a  causa  dos  seus 
pobres e conseguia muitos recursos.  
Uma  caridade  tão  heroica  lhe  obteve  de  Deus  dons 
sobrenaturais  de  milagres  e  profecias.  Ludovina  recebia  o 
cêntuplo  nesta  vida,  ao  mesmo  tempo  que  os  anjos  teciam-lhe 
fúlgida coroa no Paraíso.  
Certo  ricaço  queria  preparar  um  suntuoso  banquete  aos 
principais  da  cidade  e  para  isso  comprou  do  que  havia  de 
melhor.  Sabendo  disto,  Ludovina  mandou-lhe  pedir,  por  amor 
de  Deus,  um  pouco  de  banha  de  galinha  para  preparar  um 
emplasto.  Mas  o  novo  epulão  negou-lhe,  alegando  que  as 
galinhas  compradas  não  tinham  gordura  alguma.  A  santa 
conheceu  à  Luz  divina  a  avareza  asquerosa  daquele  rico  e 
mandou-lhe  dizer  que  seria  castigado.  Com  efeito,  na  noite 
precedente  ao  banquete,  os  ratos  penetraram  na  despensa  e 
comeram  uma parte dos acepipes e estragaram o resto. Tal lição 
abriu  os  olhos  ao  nababo,  o  qual  daí  por  diante  guardou-se  de 
negar alguma coisa à santa. 
Em  muitas  visões  Deus  mostrou-lhe  que 
verdadeiramente  a  esmola  transporta  os  nossos  bem,  além  do 
túmulo,  ao  passo  que  a  avareza  os  abandona  no  leito  da  morte. 
O  seu  Anjo  Custódio  apareceu-lhe,  radiante  de  luz,  em  forma 
de  gracioso  jovem  e  a  conduziu  ao  Paraíso,  onde  lhe  mostrou 
uma  mesa  cheia  dos  mesmos  alimentos  que  ela  distribuía  aos 
pobres.  Nosso  Senhor  e  Maria  SS.  com  os  bem-aventurados  se 
assentaram  para  comer  e  convidaram  a  Ludovina  a  fazer  o 
mesmo.  Repetiu-se  a  visão  mais  vezes  e  acendeu  em  Ludovina 
novo  ardor  pela  caridade  e  aos  ricos  que  a  visitavam  só  sabia 
falar da beleza da esmola.  
«Quereis,  dizia,  encontrar  o  vosso  tesouro  depois  da 
morte?  Dai-o  aos  pobres,  que  o  levarão  ao  Céu  e  lá  tereis 
capitais centuplicados». E narrava as revelações tidas. 

* * 
S.  Carlos  Borromeu,  arcebispo  de  Milão,  merece  os 
louvores  de  todos  os  séculos  cristãos,  pela  grande  caridade  que 
o  levou  ao  heroísmo.  Ele  não  possuía  cofre,  nem  bolsa  para 
guardar dinheiro; porque tudo quanto lhe caía nas mãos, dava-o 
logo aos pobres.  
Vendeu  o  seu  principado  por  quarenta  mil  escudos  de 
ouro;  e  em  um  só  dia  distribuiu  toda  aquela  avultada  soma  aos 
pobres, assim que, à noite, já não tinha um ceitil.  
Deram-lhe  uma  pensão  de  vinte  mil  escudos  e  fez  o 
mesmo.  Parecia  que  as  moedas  lhe queimassem as mãos, tal era 
a  presteza  com  que as dava em esmola, impaciente por socorrer 
as  misérias  alheias.  Vivia  como  um  pobre  anacoreta,  muitas 
vezes  contentando-se  com  pão  e  água  e  um  pouco  de  legumes, 
e  o  rendimento  do  arcebispado  que  ficasse  para  os  pobres.  Os 
seus  familiares  lamentavam  sua  prodigalidade,  manifestando  o 
receio de cair na miséria, mas o santo os exortava a confiança na 
Providência.  
Na  terrível  carestia  que  afligiu  Milão,  distribuiu  todas  as 
alfaias  da  casa  e  depois  deu  até  o  leito,  dormindo  de  então  em 
diante  em  tábuas  nuas.  Além  disso,  ele  vivia  para  os  pobres, 
andando pelas casas, visitando os doentes, consolando a todos.  
Milão  e  todo  o  arcebispado  serão  eternamente  gratos  ao 
seu  ilustre  prelado  e  o  honrarão  sempre  como  um  dos  maiores 
benfeitores que teve a cidade e o cristianismo.  

* * 
O  homem  que  personifica  a  caridade  é  S.  Vicente  de 
Paulo.  Ordenado  sacerdote  entregou-se  de  corpo  e  alma  a 
socorrer  os  necessitados,  fundando  hospitais, asilos, toda a sorte 
de  casas de caridade. A ele o mundo deve a instituição das Irmãs 
da  Caridade,  verdadeiros  anjos  enviados  em  socorro  das 
misérias  humanas,  que  assistem  os  doentes  tanto  no  hospital, 
como  em  campo  de  batalha  para  onde  correm  impávidas, 
afrontando  a  morte  com  uma  coragem  superior  ao  seu  sexo. 
Fundou  também  a  Congregação  da  Missão,  composta  de 
sacerdotes  destinados  a  instruir  o  povo  rude.  Foi  tão  grande  a 
sua caridade e zelo, que chegou a dar milhões de francos. 

* * 
  A  Itália  teve  também  seus  heróis  de  caridade,  êmulos  de 
S.  Vicente  de  Paulo.  Para  falar  só  dos  últimos  tempos,  cito  S. 
João Bosco e S. José Cottolengo.  
S.  João  Bosco  fundou  a  Pia  Sociedade  Salesiana  que 
arrebanha  centenas  de  milhões  de  jovens  nos  dois  hemisférios 
para  instruí-los,  educá-los  na  piedade  e  ensinar-lhes  um  ofício 
ou  uma  profissão  e  torná-los  honrados  cidadãos,  úteis  à 
sociedade.  
S.  José  Cottolengo  fundou  a  Casa  da  Divina  Providência, 
onde  são recolhidos milhares de doentes para serem curados no 
corpo  e  na  alma.  Todas  as  enfermidades  da  pobre  humanidade 
lá  se  abrigam,  e a caridade dos fiéis vem diariamente em auxílio 
de tantos infelizes.  
Esses  grandes  benfeitores  da  humanidade  fizeram  coisas 
maravilhosas  com  as  esmolas  dos  bons  cristãos.  Que  esse  belo 
exemplo arraste os ricos à imitação.  
 

* * 
O  Bem-aventurado  Amadeu  de  Savoia  foi  um  grande 
benfeitor  da  classe  pobre  e  o  seu  reino  foi  chamado  o  paraíso 
dos  pobres.  Todo  dia  dava  de  comer  a  muitos  pobres  no  seu 
palácio, servindo-os ele mesmo, com muita reverência.  
Visitando  uma  vez  um  senhor  de  Milão,  este,  que  era 
apaixonado  pela  caça,  mostrou-lhe uma matilha, que ele tratava 
com  muito  cuidado.  Retribuindo  a  visita  ao  Bem-aventurado, 
na  corte,  perguntou-lhe  se  não  criava  cães  de  caça.  Amadeu 
levou-o  a  um  pátio  onde  estavam  reunidos  os  seus  pobres  e 
disse: «Gasto meu dinheiro sustentando estes infelizes».  
Os  ministros  desgostavam-se  de  sua  liberalidade;  um 
deles  lhe  disse  que  muita esmola arruína as finanças: e que seria 
mais  útil  fortificar  as  praças de guerra e criar novos regimentos. 
«Louvo  o  vosso  zelo,  respondeu  o  príncipe  sabáudo;  mas  sabei 
que  as  esmolas  dum  soberano  são  as  fortificações  mais  seguras 
dum Estado e o grande segredo para fazer reinar a abundância.» 

* * 
S.  Paulino,  não  tendo  nenhum  dinheiro  para  dar  a  uma 
pobre  viúva,  que  lhe  pedia  para  resgatar  o  seu  único  filho 
cativo,  ofereceu-se  para  ser  ele  mesmo  vendido  pela  libertação 
do  moço.  A  proposta  foi  aceita,  e  o  Santo,  na  qualidade  de 
escravo  esteve  por  muito  tempo  como  hortelão;  até  que, 
conhecida  a  sua  virtude  heroica,  foi  posto  em  liberdade,  com 
permissão de levar consigo todos os escravos conterrâneos seus. 

* * 
Santo  Tomás  de  Vilanova  era  tão  caritativo  que  deu  aos 
pobres  tudo  o  que  tinha.  Chegou  a  dar  até  o  leito;  e  aquele  no 
qual morreu não lhe pertencia. 

* * 
S.  Nicolau  de  Bari,  que  foi  mais  tarde  Bispo  de  Nissa, 
quando  ainda  simples  padre  em  Patara,  soube  que  um  gentil 
homem,  caído  na  miséria  tencionava  casar  três  filhas  com 
moços  suspeitos;  isso,  por  não  estar  em  grau  de  dotá-las 
suficientemente.  Nicolau  fez  chegar  às  mãos  daquele  senhor 
uma  bolsa  de  dinheiro.  A  quantia  era  bastante  para  dotar  uma 
das  filhas.  Por  mais  duas  vezes  enviou  dinheiro;  assim  foram 
colocadas  as  outras  duas.  O pai, indagando a coisa, foi ter com o 
santo  e,  lançando-se-lhe  aos  pés,  não  cessava  de  agradecer-lhe 
tanta  caridade.  Nicolau  o  levantou  com  afeto,  dizendo-lhe  não 
ter  feito  mais  do  que  o  seu  dever;  e  pediu-lhe  que  a  ninguém o 
dissesse. 

* * 
S.  José  Cottolengo,  quando  não  tinha  dinheiro  para  dar 
aos  pobres,  dava  o  relógio,  os  lençóis  da  cama,  roupa  e  sapatos. 
Várias vezes voltou à casa em peúgas e outras vezes descalço. 

* * 
S  .  Francisco  de  Sales  fazia  muita  esmola,  não  obstante  a 
escassez  de  suas  rendas.  Ele  dava sempre e generosamente, sem 
se  importar  com  os  gastos  da  casa,  a  tal  ponto  que  o  ecônomo 
vendo-se  embaraçado,  ameaçava  abandoná-lo:  «Tendes  razão, 
disse  o  Santo  com  a  costumada  doçura,  eu  sou  incorrigível 
nesse  ponto,  mas  o  que  é  pior,  creio  que o serei sempre». Outra 
vez,  apontando  o crucifixo, dizia: «Pode-se negar alguma coisa a 
um Deus que se reduziu a tal estado por nosso amor?»  
A  princesa  Clotilde  presenteou-o  com  um  diamante 
precioso, pedindo-lhe que o guardasse como lembrança.  
—  Senhora, disse o santo, guardarei até que os pobres não 
precisem dele.  
—  Nesse  caso,  replicou  a  princesa,  daí-o  em  penhor,  que 
o resgatarei.  
—  Temo  que  isso  aconteça  muitas  vezes  e  não  quisera 
abusar de vossa bondade.  
Pouco  depois  a  princesa  o  viu em Turim sem o diamante 
e  entendeu  logo  o  que  tinha  acontecido.  Deu-lhe,  pois,  um 
muito  mais  precioso,  recomendando-lhe  que  não  fizesse  como 
o primeiro.  
—  Senhora,  respondeu-lhe,  não  vos  posso  garantir, 
porque  sei  por  experiência  que  não  sou capaz de guardar coisas 
preciosas.  
Realmente,  ele  nutria  tão  grande  ternura  para  com  os 
pobres, que não sabia recusar-lhes coisa alguma. 

* * 
Santo  Estêvão,  rei  da  Hungria,  providenciou  à 
manutenção  dos  pobres  do  seu  reino,  tomando  especialmente 
sob  sua  proteção  as  viúvas  e  os  órfãos,  dos  quais  se  declarara 
publicamente pai e defensor.  
Mudava  a  roupa  para  não  ser  reconhecido,  andava  pelos 
arrabaldes  da  cidade  a  distribuir  esmolas,  a  oferecer  seus 
préstimos  nos  hospitais,  etc.  Chegou  a  dar  as  alfaias  do  próprio 
palácio  para  socorrer  nas  calamidades  públicas os pobres. Deus, 
para  mostrar  como  se  comprazia  da  caridade  de  seu servo, quis 
que  depois  da  morte  a  sua  mão  direita,  que  tanto  dera  aos 
pobres, permanecesse incorrupta. 

* * 
Santa  Catarina  de  Sena  tendo  obtido  do  pai  a  permissão 
de  dar  esmola,  imitava  a  S.  Nicolau  de  Bari  levando  às  famílias 
necessitadas,  durante  a  noite,  pão,  carne, vinho, colocando tudo 
na janela ou na soleira da porta para não ser vista.  
Um  dia, não tendo nada para dar a um pobre, tirou a cruz 
de  prata  de  seu  rosário  e  deu-lha.  De  noite,  apareceu-lhe  Jesus 
tendo  na  mão  a  cruz  ornada  de  muitas  pedras  preciosas  e 
resplandecentes  como  o  sol,  dizendo-lhe  que  havia  de  lha 
restituir no dia do juízo final, na presença de todos os homens.  
Outra  vez,  não  tendo  dinheiro,  deu  a  um  pobre  o  seu 
manto;  apareceu-lhe,  de  noite,  Jesus  vestido  com  o  mesmo 
manto,  ornado  de pérolas e gemas, e lhe disse: «Catarina, ontem 
me vestiste com este manto na pessoa daquele pobre».   
CAPÍTULO XI – QUE É O POBRE? É A PESSOA DE JESUS 
SOFREDOR 
Jesus  habita  na  terra  oculto  sob  os  véus  eucarísticos e sob 
os  andrajos  do  pobre;  no  santo  Tabernáculo  e  no  pardieiro  do 
mendigo.  E  é  por  isso  que muitos santos serviam aos pobres, de 
joelhos,  com  a  cabeça  descoberta,  com  a  reverência  com  que se 
costuma  servir  a  um  rei.  Apenas  Jesus  declarou  feito  a  si  o  que 
se  faz  ao  próximo,  viram-se  os  soberbos  senadores  romanos  e 
os  sábios  do  areópago,  que  antes  consideravam  os  escravos 
como  animais,  abraçá-los  como  irmãos  e  pô-los  em  liberdade, 
maravilhando  com  isso  os  pagãos.  Quantas  vezes  Jesus  Cristo 
apareceu  andrajoso  ou  enfermo  para  ser  socorrido  por  seus 
eleitos! 

* * 
Santa  Isabel,  duquesa  de  Turíngia,  filha  do  rei  da 
Hungria,  foi  a  heroína  de  caridade  que  edificou  o  século  XIII. 
Dava  aos  pobres  quanto  podia,  mantendo  grande número deles 
em  palácio  e  servindo-os  à  mesa,  com  grande  humildade. 
Abaixava-se  para  lavar  os  seus  pés,  curar  as  suas  chagas, 
beijando-os com afeto e reverência.  
Andava  pelas  casas  a  visitar  os  enfermos,  a  levar-lhes 
alimento  e  remédios;  e  encontrando  crianças  abandonadas, 
Isabel  levava-as  para  sua  casa,  as  lavava  e  penteava  como  se 
fossem  filhos  seus.  Subjugara  de  tal  modo  a natureza que sentia 
até  prazer  no  exercício  daquela  caridade  e  quereria  passar  os 
seus dias entre os pobres e doentes.  
Os  cortesãos  e  principalmente  a  sogra  murmuravam  e 
desaprovavam  abertamente  o  procedimento  da  santa,  dizendo 
que  desonrava  a  dignidade  ducal,  e  que  não  sabia  manter  o 
decoro  de  sua  alta  posição. Mas a Isabel pouco se lhe davam tais 
murmurações; e continuava a fazer obras de misericórdia.  
Deus  interveio  com  muitos  milagres  a  aprovar  o  seu 
procedimento.  Em  um  dia  de  cruel  inverno,  descia  do  castelo 
em  companhia  de  uma  donzela,  com  abundante  recurso  que  ia 
distribuir  aos  pobres.  De  caminho  encontrou  o  marido,  que 
voltava  da  caça;  aquele  senhor,  digno  de  ser  esposo  de  uma 
santa,  quis  ver  o  que  ela  levava  no  avental.  Isabel  o  abriu  para 
mostrar-lhe  o  trigo  que  ia  distribuir  aos  pobres;  e  com 
indescritível  maravilha  o  achou  convertido  em  belíssimas  rosas 
de variegadas cores.  
Nutria  grande  amor  para  com  os  pobres  leprosos,  tão 
numerosos  na  Idade  Média,  lembrando-se  de  que  Jesus  foi 
descrito  pelo  Profeta Isaías como um homem coberto de chagas 
da  cabeça  aos  pés,  à  guisa  de  leproso.  Certo  dia,  acolheu  um no 
palácio  e  o  pôs  na  sua  mesma  cama  para  limpá-lo  e  curá-lo.  A 
sogra  ficou  indignada;  e  correu  a  chamar  o  filho  para 
mostrar-lhe  o  que  Isabel  estava  fazendo.  Vão  ao  leito,  abrem  o 
cortinado  e  invés  do  leproso,  dão  com  Jesus  Cristo  pregado  na 
Cruz. 

* * 
S. Francisco, logo após a sua conversão, percorria a cavalo 
a  planície  de  Assis,  quando  encontrou  um  leproso.  Desceu  logo 
do cavalo, abraçou o doente com ternura e deu-lhe uma esmola. 
Montando  a  cavalo,  voltou-se  para  o  saudar;  mas  não  viu 
ninguém.  Compreendeu,  então,  que  Jesus  lhe  aparecera  sob 
aquela  forma  para  ser  honrado  e  socorrido  por  ele;  e  daí  por 
diante  concebeu  um  amor  terníssimo  para  com  esses  infelizes, 
ao  ponto  de  entrar  nos  leprosários  para  lhes  prestar  os  mais 
humildes serviços. 

* * 
S.  João,  o  esmoler,  tendo  dado muitas vezes bela soma de 
dinheiro a um indivíduo que mudava sempre a roupa e o nome, 
fingindo  ser  grande  necessitado,  ainda  depois  de  perceber  isso, 
continuou  a  fazer-lhe  caridade.  Avisado  dessa  fraude,  disse  ao 
secretário:  «Dá-lhe  o  dinheiro  pedido,  pois  pode  ser  que  Jesus 
Cristo queira experimentar a tua caridade».  

* * 
Na  vida  de  Teobaldo,  conde  de  Chartres,  narra-se  um 
fato  assaz  curioso.  Viajando,  um  dia,  acompanhado  de  muitos 
amigos  no  coração  de  rígido  inverno,  encontrou  um  pobre 
seminu. Teobaldo, liberalíssimo como era, perguntou:   
— Que desejas? 
— Dai-me, respondeu o pobre, o vosso manto. 
Deu-lho o conde, dizendo: 
— Se queres, pede mais alguma coisa. 
— Dai-me o hábito que tendes sobre a túnica.  
Foi-lhe  dado.  Vendo  tanta  generosidade,  o  pobre  ousou 
replicar: 
—  Bem  vedes,  sr.  conde,  que  tenho  a  cabeça  nua... 
dai-me,  pois,  o  chapéu  porque  podereis  logo  arranjar  outro, 
enquanto que eu não tenho dinheiro.  
O conde, que era calvo, não gostou do pedido, e: 
—  Caro  filho,  disse,  és  demasiado importuno e não posso 
satisfazer-te.  
Então  o  pobre  desapareceu,  deixando  tudo  sobre  a  neve. 
O  conde  apeou  incontinente,  ajoelhou-se,  pedindo  a  Deus 
perdão  por  aquela  recusa  e  prometeu  não  mais negar no futuro 
qualquer coisa que lhe pedissem os pobres. 

* * 
Apareceu  um  dia  a  S.  Gregório  Magno,  quando  ainda 
abade  do  mosteiro,  um  Anjo,  disfarçado  em  comerciante  que, 
devido  a  um  naufrágio,  perdera  toda  a  sua  mercadoria;  pelo 
que,  vinha  lhe  pedir  algum  recurso.  Gregório  deu-lhe  seis 
escudos;  mas  o  comerciante  observou-lhe  que  era  pouco;  o 
abade  deu-lhe  outros  seis  escudos.  Alguns  dias  depois,  volta  o 
mesmo  negociante  todo  aflito  a  pedir-lhe  novo  auxílio, 
alegando  a  sua  extrema  miséria.  Como  Gregório  encontrasse 
vazia a bolsa do mosteiro, mandou que lhe dessem uma bandeja 
de prata que Sílvia, sua santa mãe, lhe mandara aquela manhã. 
Elevado  ao  sólio  pontifício,  ordenou  certa  vez  a  um  seu 
capelão,  que  chamasse  à  sua  mesa  doze  pobres,  em  honra  dos 
doze  Apóstolos;  durante  a  refeição  notou  que  eram  treze. 
Perguntou  ao  capelão,  porque  chamara  mais  de  doze;  ele 
protestou  que  não  tinha  convidado  senão  doze.  Mas  Gregório 
via  treze  e  suspeitando  de  algum  mistério  fixou  atentamente  o 
olhar sobre o décimo terceiro; notou que mudava de semblante, 
parecendo  ora  moço,  ora  velho.  Terminada  a  refeição, 
chamou-o à parte e o conjurou a dizer-lhe quem era: 
—  Eu  sou aquele comerciante arruinado pelo naufrágio, a 
quem  vós  destes  doze  escudos  de  esmola  e  a  bandeja  de  prata, 
presente  de  vossa  mãe.  Sabei  que  por  vossa  caridade  quis  Deus 
que fosseis o sucessor de S. Pedro. 
— Como sabes isto? continuou S. Gregório. 
—  Eu  sou  um  Anjo  mandado  por  Deus  para  vos 
experimentar. 
Prostrou-se o santo com grande reverência e exclamou: 
—  Se  por  uma  coisa  tão  pequena  Deus  me  fez  Pastor 
universal  de  Sua  Igreja,  quantos  benefícios  ainda maiores posso 
esperar  d’Ele,  se  O  servir  com  grande  afeto  na  pessoa  dos 
pobres! 
Com  isso,  aumentou  muito  a  sua  liberalidade  para  com 
os necessitados. 
Um  dia,  querendo  servir  com  suas  próprias  mãos  a  um 
pobre,  este  desapareceu.  À  noite,  apareceu-lhe  em  sonho  Jesus 
Cristo  e  lhe  disse:  «Outras  vezes  Me  tens  recebido  nos  meus 
membros;  ontem,  porém,  Me  recebeste  em  Minha  própria 
pessoa». 

* * 
O  venerável  Monsenhor  De  Palatox,  toda  quinta-feira 
dava  jantar  a  doze  pobres.  Lendo  a  vida  de  S.  Martinho,  notou 
que  o  santo  lavava  os  pés  aos  pobres  e  lhes  servia  a  comida;  e 
logo se propôs a fazer o mesmo. Cumpriu à risca a promessa. 
Se  todos  os  ricos  vissem  a  Jesus  nos  pobres,  portiariam 
em  socorrê-los  e a terra não seria mais um vale de lágrimas e de 
dores.  Queira  Nosso  Senhor  iluminá-los  com  a  Sua  santa  graça 
e  fazê-los  compreender  esta  verdade  que, praticada, torná-los-á 
felizes no tempo e na eternidade.3   

  Merece  lembrada  a sentença que tinha sempre na boca S. José 


3

Cottolengo: «São os pobres que nos hão de abrir as portas do Paraíso». 


CAPÍTULO XII - A PREDESTINAÇÃO DO RICO DEPENDE 
DA ESMOLA 
Salva-se  o  rico  se  pratica  o  preceito  da  esmola;  aliás, 
perder-se-á irreparavelmente. A obrigação da caridade é grave e 
se  encerra  no  sétimo  mandamento:  «Não  furtar».  Já  que  o 
supérfluo  pertence  ao  pobre,  comete  um  furto  quem  lho  não 
dá. Não é ladrão o que não quer pagar uma dívida e retém o que 
pertence ao alheio?  
«​Præcipio  tibi,  ut  aperias  manus  fratri tuo egeno ac pauperi qui 
versatur  tecum  in  terra.​   Eu,  disse  o  Senhor  no  Deuteronômio, 
com a plenitude de Minha divina autoridade, ordeno a ti, minha 
criatura,  a  quem enriqueci por mera liberalidade, que, do muito 
que te dei, disponhas de uma parte para o sustento dos pobres».  
Que  diríeis  se  o  sol  retivesse  toda  a  luz  e  não  a 
comunicasse  ao  mundo,  ou  o  mar  detivesse  todas  as  águas  em 
seu  seio,  e  não  as  levantasse  ao  céu  meio  de  vapores,  porque 
descessem  em  chuva  benéfica  para  fecundar  a  terra?  Com 
certeza  vós  lhes  diríeis:  —  Senhor  sol,  e  senhor  mar,  tamanha 
quantidade  de  luz  e  de  água  não  é  exclusivamente  para  vós. 
Estas  coisas  o  Criador  vo-las  deu  a  fim  de  que  repartais  com  o 
mundo,  para  iluminá-lo,  para  fecundá-lo.  As  Escrituras  falam 
claro: — Senhores ricos, ​quod superest, date eleemosynam​.  
Deus  tem  supremo  domínio  sobre  as  riquezas  todas  e  a 
sua  Providência  vela  sobre  todas  as  criaturas;  a  alguns  dá  mais, 
porém, com a obrigação expressa de auxiliar os necessitados.  
E  por  isso,  no  Eclesiástico,  o Espírito Santo adverte o rico 
a  não  negar  esmola  ao  pobre,  porque  lhe  é  devida.  O  rico,  por 
sua  vez,  reflita  seriamente  nisso,  e  se  lembre de que no tribunal 
de  Deus  ser-lhe-á  pedida  conta  severa  do  uso  ou  do  abuso  de 
seus  bens.  O  rico  epulão  sepultado  no  inferno  unicamente 
porque  pensava  em  gozar  das  riquezas,  negando  esmola  ao 
pobre  Lázaro,  para  com  o  qual  foram  mais  compassivo  os  seus 
cães, que lhe lambiam as chagas.  
Não  satisfazem,  por  certo,  os  seus  deveres  os  que  dão 
apenas  uma  moeda  ou  uma  fatia  de  pão.  O  preceito  inclui todo 
o  supérfluo.  Mas,  porque  há  tanta  dificuldade  em  socorrer  os 
pobres,  enquanto  que  se  esbanja  dinheiro  em  festas,  em 
passatempos,  em  vestidos  de  luxo  para  seguir  a  moda?  Melhor 
seria  evitar  despesas  inúteis  e  enxugar  tantas  lágrimas,  saciar  a 
fome  a  tantos  infelizes.  O  rico  que  pratica  durante  a  vida  o 
preceito  de  esmola  tem  um  penhor  seguro  de  predestinação.  S. 
Jerônimo  deixou  escritas  palavras  verdadeiramente 
consoladoras:  «​Non  memini  me  legisse  mala  morte  defunctum,  qui 
liberius  óopera  caritatis  exercuerit4.  Não  me  recordo  de  haver  lido 
que uma pessoa caridosa tenha morrido mal». 

* * 
Na  vida  do  glorioso  Patriarca  de  Assis,  escrita  por  S. 
Boaventura,  conta-se  que o santo estendeu uma vez a mão a um 
militar,  implorando  a  caridade  por  amor  de  Deus.  O  militar 
fê-la  de  boamente,  e  S.  Francisco  se  ajoelhou  logo  para  rezar 
por  ele,  como  soía  fazer  com  os  demais  benfeitores.  Deus  lhe 
revelou  que  aquele  militar,  embora  sadio  e  robusto,  em  breve 
teria morte improvisa. O santo correu-lhe ao encalço e: 
—  Vós,  lhe  disse  com  grande  afeto,  fizestes uma caridade 
temporal  e,  em  troca,  quero  fazer-vos  uma  espiritual;  e  vos 
aviso  da  parte  de  Deus  que  vos  restam  poucos  dias  de  vida. 
Confessai-vos e preparai-vos para o grande passo. 
O  militar  se  preparou  com  muitos  exercícios  de  piedade 
e pouco depois da confissão morreu, dando certeza de salvação.  
Imaginemos  agora,  que  aquele  militar,  invés  de  fazer 
caridade,  tivesse  dito  um  desdenhoso  «ide  trabalhar»,  ou  então 

4
Epistola ad Nepotiam 
«não  tenho».  Francisco  não  teria  rezado  por  ele,  não  teria 
recebido  o  aviso  de  sua  morte  próxima;  e  um  homem  do 
mundo, morrendo improvisadamente, sem confissão, salva-se?  

* * 
Mais  instrutivo  ainda  é  o  fato  seguinte  narrado por Santa 
Teresa  no  capítulo  quinze  do  livro  das  Fundações.  Um  senhor 
de  Valladolid deu à santa a sua casa com amplo jardim, para que 
fizesse  um  mosteiro  das  religiosas  de  sua  Ordem.  Dois  meses 
após  aquela  generosa  oferta,  o  benfeitor  morreu 
improvisadamente,  sem  poder  receber  os  Sacramentos.  Diante 
de  tal  desventura,  Santa  Teresa  doeu-se  profundamente,  tanto 
mais  que  na  cidade  murmurava-se  que  a  vida  desse  senhor não 
tinha sido irrepreensível.  
Pôs-se  então  a  rezar  fervorosamente  pela  alma  de  seu 
benfeitor; e teve revelação de Deus que ele se salvara, e sua alma 
ficaria  no  purgatório  até  que  fosse  celebrada  a  primeira  Missa 
em  sua  casa.  Como  prêmio  de  sua  caridade  para  com  a  santa, 
Deus  lhe  concedera  a  contrição  perfeita  no  momento  em  que a 
apoplexia  o  golpeou.  Se  não  desse  de  presente  a sua casa, talvez 
não  se  salvasse;  pela  caridade,  mereceu  a  contrição  e  com  esta 
uma santa morte. Ele terá dito certamente: 
— Ó feliz esmola, pela qual mereci uma glória eterna!  
E  do  Céu  terá  contemplado  com  satisfação  a  sua  casa 
transformada em convento, causa de sua felicidade eterna. 

* * 
Concluamos,  pois,  com  o  dilema:  «Ou  esmola  ou 
condenação». Para o rico não há meio termo.  
Ele  se  salva,  se  for  fiel à prática do preceito da caridade; e 
terá  o  mesmo  fim  do  epulão  se,  como  este,  fechar  a  porta  ao 
pobre.  O  rico  é  obrigado  a  socorrer  o  pobre;  mas  o  pobre  não 
tem  direito  de  se  apropriar  dos  bens  do  rico,  quando  este  lhe 
nega  esmola.  Ambos  comparecerão  ao  tribunal  de  Deus;  então, 
o  pobre  acusará  o  rico  de  furto  e  de  crueldade  e  pedirá 
vingança.  
Tenho  para  mim  que  os  ricos,  entre  a  esmola  e  a 
condenação,  escolherão  a  esmola  e  serão  pródigos  para  com  os 
necessitados,  os  quais se tornarão seus advogados no dia terrível 
do juízo.5   

  Causam  temor  salutar  aquelas  palavras  do  salmista: 


5

Dormierunt  somnum  suum  et  nihil  invenerunt omnes viri divitiarum 


suarum in manibus suis. (Salmo 75). 
CAPÍTULO XIII — A ESMOLA RESOLVE A QUESTÃO SOCIAL 
A  questão  social,  que  tanto  empolga  os  intelectuais  do 
nosso  século  já  foi resolvida perfeitamente por Jesus Cristo com 
o  preceito  da  caridade.  Se  todos  os  ricos  dessem  esmola,  se 
fossem  os  pais  da  pobreza,  os  provedores  e  tesoureiros  dos 
necessitados,  o  mundo  trocaria  de  aspeto  e  tornar-se-ia  um 
paraíso terrestre. 
— Os filósofos, os jornalistas, os economistas, os governos 
estudam  cuidadosamente  os  males  da  sociedade  e  sugerem  mil 
sistemas  para  pôr  um  dique  a  tantos  desmandos  sociais.  Mas  o 
remédio  já  foi  ensinado  pelo  Divino  Redentor.  Ele  conhecia  a 
fundo  a  humanidade,  as  suas  necessidades,  as  suas  aspirações,  e 
como  bom  médico  que  é,  receitou  o  remédio  da  caridade, 
ordenando  aos  ricos,  que  dessem  esmola,  e  aos  pobres  que 
tivessem paciência, resignação à divina vontade. 
Os  males  que  nos  afligem  nascem  todos  da  violação  do 
preceito  da  caridade.  O  rico  deixa-se  dominar  pelo  egoísmo, 
fecha-se  no  próprio  ​eu​, não pensa senão em gozar e satisfazer às 
paixões,  e  o  pobre, vendo-se defraudado da esmola, maltratado, 
levanta-se  raivoso  e  apodera-se  com  violência  dos  bens alheios. 
Então,  há  furtos,  greves,  revoluções,  que  fazem  tremer  a 
sociedade, ameaçando-a desde o alicerce.  
Nos  primórdios  do  cristianismo,  tais  pechas  não  se 
davam,  porquanto  o  preceito  do  amor  ao  próximo  era 
observado  escrupulosamente.  «Vede  como  se  amam»!  diziam 
estupefatos  os  gentios,  admirando  tanta  caridade  entre  os 
cristãos.  Se  estivesse  ainda  em  voga  a  esmola,  a  misericórdia, 
como  nos  primeiros  tempos,  o  século  vinte  continuaria  sua 
carreira  em  meio  às  bênçãos  dos  povos  e  dissipar-se-iam  os 
furacões que surgem no horizonte das nações para as flagelar, se 
a  caridade dos ricos fosse aumentando com o progresso e com a 
civilização  material  não  haveria  mais  necessidade  de  tantas 
prisões  e  tribunais,  nem  de  tantos  soldados  para  manter  a 
ordem.  
São  tão  puras,  tão  santas  as  alegrias  da  caridade,  que 
superam  de  muito  o  prazer  de  possuir  dinheiro,  honras  e todas 
as  comodidades  que  proporcione  o  século.  Não  experimenta 
talvez  um  gozo  de  paraíso  o  rico  que  entra  num  tugúrio  para 
levar  alimento  ao  pobre?  As  crianças  o  rodeiam,  saudando-o 
como  seu  benfeitor,  o  pai  e  a  mãe  vão-lhe  ao  encontro  e  o 
bendizem;  e  à  tarde,  toda  a  família  reunida  reza  o  terço  por ele 
e  por  seus  caros.  Aquela  oração  sobe  como  incenso  gratíssimo 
ao  trono  de  Deus  e  faz  descer  as  bênção  celestes  sobre  os  seus 
negócios  e  sobre  o  seu  capital;  e  o  rico  recebe  cem  por  um, 
mesmo nesta vida.  
Conta-se  que  Luís  XVI  antes  de  subir  ao  trono, 
disfarçava-se  muitas  vezes  para  visitar  os  pobres  nos  seus 
casebres  e levar-lhes esmola. Descoberto, um dia, por um oficial 
da  corte,  confessou  que  ia  em  pessoa  para  ouvir  as bênçãos que 
sobre  sua  cabeça  invocavam  os  pobres;  e  participar  da  alegria 
inefável  das  mães  e  das  crianças  que  o  abraçavam  em  sinal  de 
reconhecimento.  
Se,  porém,  aquelas  pobres  famílias  veem  o  rico  nadar  na 
abundância  não  fazendo  caso  delas,  se  o  veem  passear  em 
cômodos  carros,  enquanto  elas  morrem  à  míngua,  então, se são 
boas  resignam-se  à  vontade  de  Deus;  mas  se  não  têm 
sentimentos  religiosos,  maldizem  a  sua  crueldade,  planejam 
furtos  e  talvez  assassinatos.  Quando  o  pobre  é  espezinhado,  se 
revolta e facilmente comete delitos.  
Ó  ricos!  sede  generosos  para  com  os  pobres  e  impedireis 
tantos  crimes;  e  sobre  vossa  cabeça  choverão  infinitas  bênçãos 
do Céu.   
CAPÍTULO XIV – A ESMOLA DEVE SER FEITA DURANTE A 
VIDA 
O  preceito  da  esmola  há  de  ser  praticado  durante  a  vida. 
Alguns  há  que  raciocinam  deste  modo:  «Agora  penso  em 
desfrutar  o  meu  capital  e  não  quero  diminuí-lo  com  doações  e 
esmolas;  quando  estiver  à  morte,  deixarei  um  legado  para  os 
pobres,  mandarei  rezar  muitas  Missas...»  Não!  Esses  tais  se 
enganam  crassamente.  Jesus  Cristo  ordena  que  se  dê  esmola do 
supérfluo  dia  a  dia,  toda  a  vida,  porque  se  os  pobres  têm  fome, 
não  podem  esperar  até  a  vossa  morte.  Além  disso,  o  bem  que 
fazemos  durante  a  vida  vale  muito  mais  do  que  na  hora  da 
morte quando somos obrigados a deixar tudo. 
Costumava  dizer  S.  Leonardo  de  Porto  Maurício: 
«Ilumina  mais  um  lume  diante,  que  não  dois  atrás».  E  queria 
dizer  com  isso  que  vale  mais  o  pouco  em  vida  do  que  o  muito 
na morte e depois da morte.  
Ademais,  tendes  certeza  de  que  a  vossa  vontade  será 
executada?  Quantas  vezes  não  se  faz  desaparecer  o  testamento, 
ou é contestado no tribunal ou interpretado em outro sentido!  
Quase  todas  as  obras  pias  se  lamentam  de  alguma 
injustiça  na  execução  de  testamentos  em  seu  favor.  O  bem  que 
se pode fazer hoje não se deve deixar para amanhã, pois a vida é 
incerta e pode chegar improvisadamente a morte. Fazendo bom 
uso  do  nosso  dinheiro,  impedimos  o  mal, salvamos mais almas, 
somos  úteis  à  religião  e à sociedade civil, afastamos as desgraças 
corporais  e  espirituais,  temporais  e  eternas  da  cabeça de muitas 
pessoas, às quais, se tardia, a nossa caridade seria inútil. 
Apraz-me  repetir  ainda  uma  vez,  que  não  se  trata  de 
conveniência  ou  de  conselho,  mas  de  grave  obrigação.  O 
preceito  da  esmola  é  cotidiano,  e  obriga  a  dar  o  supérfluo  aos 
pobres,  vez  por  vez;  se  são  indigentes,  têm  necessidade  de 
alimento  todos  os  dias.  Horroriza  ouvir  contar  que  todos  os 
anos,  principalmente  no  coração  do  inverno,  morrem  de  fome 
e  de  frio  tantos  infelizes!  A  sua  morte  horrível  pede  vingança 
contra  aqueles  ricos  que  talvez  os  tenham  despedido  de  sua 
porta  sem  um  auxílio,  e  quem  sabe  se  com  desdém  os  tenham 
mandado trabalhar se quisessem comer.  
Muito  embora  se  tratasse  de  vadios,  nós  recebemos  do 
mesmo  modo  a  recompensa  prometida  por  Jesus  Cristo,  se 
dermos  esmola.  Se,  às  vezes,  falsos  pobres  nos  enganassem, 
nem  por  isso  nós  deixaremos  de  receber  o  prêmio  temporal  e 
espiritual prometido aos misericordiosos.  
Determinemos,  pois,  dar  esmola  em  vida  enquanto 
temos  tempo,  forças  e  meios  e  não  deixemos  para  o  fazer  na 
hora  da  morte.6  É  agora  que  os pobres pedem o nosso auxílio, é 
agora  que  os  orfanatos  esperam  o  nosso  contributo para educar 
as  crianças  abandonadas;  é  agora  que  os  hospitais  esperam 
víveres,  remédios  para  aumentar  o  bem  que  já  fazem  a  tantos 
doentes;  é  agora  que  as  missões  católicas  têm  necessidade  de 
meios para propagar a religião e a civilização entre os infiéis. 
Santo  Jó  se  alegrava  com  o  pensamento  de  que sobre sua 
cabeça  descesse  a  bênção  do  pobre  que  ele  socorria.  Os  ricos 
que  dão  esmola  experimentarão  a  mesma  alegria  e  os  mesmos 
favores. 
S.  Vicente  de  Paulo,  o  apóstolo da caridade, dizia: «Quem 
ama  os  pobres  durante  a  vida,  nada  tem  a  temer  na  hora  da 
morte;  observei  sempre  isto,  daí  o  insinuar  esta  máxima  às 
pessoas a quem vejo angustiadas pelo pensamento da morte». 

  ​Dum  tempus  habemus  operemur  bonum​,  é  a  palavra  santamente 


6

excitadora de S. Pedro. 
CAPÍTULO XV – VÁRIAS ESPÉCIES DE ESMOLAS 
O  nome  de  esmola  abraça  todas  as  obras  de misericórdia 
espirituais  e  corporais.  A  Igreja  enumera  sete  obras  de  caridade 
que dizem respeito ao corpo e sete ao espírito. 
As  corporais:  Dar  de  comer  a  quem  tem  fome;  dar  de 
beber  a  quem  tem  sede;  vestir  os  nus;  dar  pousada  aos 
peregrinos; visitar os enfermos e encarcerados; remir os cativos; 
enterrar os mortos. 
As  espirituais  são:  Dar  bom  conselho;  ensinar  os 
ignorantes;  castigar  os  que erram; consolar os aflitos; perdoar as 
injúrias;  sofrer  com  paciência  as  fraquezas  do  próximo;  rogar  a 
Deus pelos vivos e defuntos. 
Há  ainda  os  hospitais,  as  obras  pias,  os  orfanatos,  as 
missões  a  socorrer;  e  quem  dá  dinheiro  e  roupa  para  sustentar 
as  benéficas  instituições pratica todas ou quase todas as obras de 
misericórdia,  porquanto  aí  os  infelizes  recebem  remédios, 
alimento, vestuário e tudo de quanto necessitam. 
Colégios  fundados  para  abrigar  órfãos  ou  crianças 
abandonadas,  com  o  fim  de  adestrá-los  em  alguma  arte  ou 
ofício,  merecem  também  ser  ajudados  com a esmola. Jesus ama 
extremamente  os  meninos;  e,  quem  os  acolhe  para  educá-los  e 
instruí-los,  terá  os  seus  favores  mais escolhidos. Quantos jovens 
têm  êxito  esplêndido  e  tornam-se  úteis  à  sociedade;  ao  passo 
que,  se  não  fossem  internados  num  colégio  permaneceriam  no 
ócio e na miséria. 
O  jovem  Hildebrando,  filho  dum  pobre  carpinteiro, 
tornou-se  um  Gregório VII, talvez o mais heroico dos pontífices 
antigos. 
Giotto,  socorrido  por  Cimabue, tornou-se de pastorzinho 
um excelente pintor. 
Canova,  de  modelador  um  escultor  de  nomeada,  com  o 
auxílio do senador João Fallieri. 
O  Papa  Xisto  V  era  filho  de  pobres  pais  que  o 
encarregaram  de  vigiar  a  grei;  mas  um  franciscano  descobriu  o 
seu  engenho,  fê-lo  estudar  e  o  jovem  correspondeu  com 
fidelidade.  Ordenou-se,  foi  elevado  à  púrpura  cardinalícia  e 
finalmente  eleito  Papa,  desenvolvendo  uma  atividade 
maravilhosa,  compreendida  no  seu  mote  favorito:  «Morrer  em 
pé». 
S.  Pedro  Damião  deveu  também  a  sua  grandeza  a  um 
parente que lhe custeou os estudos. 
O  célebre  orador  Massillon  foi  ajudado  pela caridade dos 
fiéis,  pela  qual  pode  fazer  os  seus  estudos  e  tornar-se  um  dos 
príncipes da arte oratória. 
O  rico  que socorre as obras pias, encontrará na outra vida 
uma  messe  abundante  de  obras  santas.  Entrando  no  Céu,  será 
recebido  por  numerosas  almas  que  o  saudarão  como  seu 
benfeitor.  —  «Nós  somos»,  dir-lhe-ão  alguns,  radiantes  de 
alegria,  «órfãos  que  fomos  acolhidos  no  colégio  mantido  com 
vossas  esmolas».  «Nós  somos»  exclamarão  outros,  «selvagens  da 
África  e  a  Oceania,  que  fomos  instruídos  e  batizados  por 
missionários  enviados  com  os  vossos  abundantes socorros, para 
tirar-nos  das  trevas  da  idolatria.  A  vós  devemos  a  nossa  glória 
eterna». 
E  todas  aquelas  almas  formarão  o seu júbilo e a sua coroa 
por  todos  os  séculos.  Então  ele  bendirá  a  caridade  feita  e 
entoará um hino de perene agradecimento ao Altíssimo, que lhe 
outorgou  a  graça  de  converter  as  riquezas  terrenas  em  riquezas 
imarcescíveis do Céu. 
Concluamos.  No  leito de morte devemos abandonar tudo 
e separar-nos do nosso dinheiro; há, porém, um meio de levá-lo 
além  da  sepultura  e  achá-lo  multiplicado  na  outra  vida:  Dá-lo 
aos pobres e às instituições de caridade. 
Quando  um  rico  emigra  para  a  América.  vende  os  seus 
bens  e  o  valor.  o  deposita  em  algum  banco  célebre  de  Paris  ou 
de  Londres,  levando  consigo  um  recibo  mediante  o  qual, 
chegando  ao  Novo  Continente,  lhe  dão  o  mesmo  valor  em 
outro  banco  em  correspondência  com  o  primeiro.  E  nisto  usa 
prudência  finíssima,  porque  se  levasse  consigo  o  dinheiro 
equivalente poderia ser roubado. 
A  vida  presente  é  uma  viagem  para  a  eternidade.  O  rico 
que  deseja  encontrar  os  seus  bens  na  Cidade  do  Paraíso,  dê-os 
aos pobres, que são os banqueiros do Senhor. 
A  esmola  é  o  banco  mais  vantajoso  e  infalível  que  dá  cem  por 
um no mundo e a glória eterna no Céu. 
 
 

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