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A Esmola
Considerações e exemplos pelo Servo de Deus
ANDRÉ BELTRAMI
da Pia Sociedade Salesiana
Non memini me legisse mala morte
defunctum, qui liberius opera caritatis
exercuerit.
S. Jerônimo
Transcrição de LEITURAS CATÓLICAS
ANO XLVIII - DEZEMBRO DE 1938 - nº 583
IMPRIMATUR
Por comissão especial do Exmo. e Revmo.
Sr. Bispo de Niterói, D. JOSÉ PEREIRA ALVES.
Niterói, 29 de Setembro de 1938
P. Orlando Chaves, S. S.
ÍNDICE
PREFÁCIO DOS EDITORES 3
PREFÁCIO DOS EDITORES
Já em outra ocasião foi publicado nas Leituras Católica um
opúsculo sobre a esmola, intitulado «A Esmola segundo Deus.
Esse trabalho foi muito apreciado e estávamos cogitando fazer
nova edição, quando foi traduzido o presente opúsculo da lavra
do Servo de Deus Padre André Beltrami, da Pia Sociedade
Salesiana.
Oh! seja bem-vinda esta voz do virtuoso Sacerdote a
acordar certas pessoas que dormem, a evocar certos mortos.
O glorioso Apóstolo S. Paulo nos exorta a fazermos o
bem, enquanto temos tempo. Outra não é a exortação do Padre
Beltrami neste seu trabalhinho sobre a Esmola.
Hoje a palavra de André Beltrami é mais autorizada,
porque já se introduziu a Causa de sua Beatificação e
Canonização, e esperamos que, dentro em breve, receba na
fronte a auréola dos Bem-aventurados.
Acolhei, pois, esta sua palavra como uma voz vinda do
Céu.
CAPÍTULO I – FREQUENTES FALÊNCIAS DE BANCOS
Todo ano, nas principais cidades da Europa e da América,
os jornais anunciam a falência de algum banco, que arrasta à
miséria muitas famílias e lança na desolação regiões inteiras.
São desgraças terríveis, que, ao invés de diminuírem com o
avançar da civilização e do progresso, aumentam em proporção
espantosa; e dão o que fazer aos homens de Estado, os quais,
debalde, procuram medicar essa chaga social, que assassina o
comércio e flagela os povos. Mal se acalmaram os gritos de dor
pela quebra de um banco, que roubou o patrimônio a inúmeras
famílias, eis logo se divulga a funesta notícia da falência de
outro banco, que renova as mesmas cenas de desventura,
lançando na rua um número grande de pessoas, que da
opulência passam à mais esquálida miséria.
São muitas as causas de tais bancarrotas, que constituem
um estudo sério para os legisladores que tentam impedi-las por
meio de leis.
Algumas vezes é a má administração e a falta de treino no
manejo dos negócios; outras vezes é uma crise que paralisa a
administração, os negócios de toda uma região. Mas, na maior
parte dos casos, a falência provém da fraude ou furto de algum
dos administradores. São aleivosias indignas, que desonram o
homem e mostram até que ponto de baixeza pode levar o amor
ao ouro, o qual bem considerado não é senão um pouco de
terra reluzente.
Eis aqui uma triste história: Um dos diretores do banco
apodera-se do dinheiro, das letras e dos valores e foge para o
estrangeiro, onde a lei o não pode alcançar, a fim de gozar das
riquezas roubadas, que pertencem a inúmeras famílias, as quais
talvez suaram por muitos anos, fazendo economia, mesmo do
necessário, para assim garantir o futuro. Então o banco abre
falência; e o tribunal institui o processo para examinar os
delinquentes. Que deplorável espetáculo não apresenta a sala
judiciária! Aqui, um pobre pai de família, que tinha posto no
banco todo seu dinheiro, reduzido agora à miséria; triste,
rábido, assiste ao processo, pedindo justiça. Ali uma criada que
serviu por muitos lustros, trabalhando da manhã à noite, e
pondo no banco, mês por mês, os frutos de suas economias. Já
possuía um bom capital, aumentado pelos juros, e esperava ter
um arrimo na sua decrepitude, quando fosse impotente para o
trabalho. O pensamento do descanso próximo, após duras
fadigas, fazia saltar de alegria a boa da mulher; de repente o
banco quebra e ela perde tudo. Agora está lá, furiosa, no
tribunal, a dirigir imprecações contra os autores de sua
irreparável desventura. Quem é aquele ancião, que chora qual
uma criança e, de onde em onde, mostra os punhos aos que se
assentam no mocho dos acusados? É um pobre operário que
tinha posto no banco boa parte dos ordenados recebidos desde
os primeiros anos da mocidade. Não podendo mais trabalhar,
vivia dos juros e passava tranquilo os anos da senilidade; mas a
falência do banco o arruinou e o lançou na miséria e, se quer
comer, deve estender a mão e implorar a caridade ao
transeunte. Estais vendo aquele senhor de modos corteses,
vestido de pobre operário? Era um rico proprietário de
palacetes e terras. A falência do banco arrebatou-lhe todo o
capital; agora é coagido a trabalhar para viver.
Felizes aqueles que sabem transmudar em mérito a sua
desgraça, recebendo-a das mãos de Deus e aprendendo à sua
custa a não confiar nos homens, nem nas riquezas terrenas, mas
a depositar a confiança nos bens eternos do Céu. Todavia, são
bem poucas tais pessoas. Quantas, invés, reduzidas à miséria,
não sabem. resignar-se e põem termo aos seus dias com o
suicídio, sem refletir que depois da morte cairão numa miséria
mil vezes pior.
CAPÍTULO II – UM BANCO INFALÍVEL
Há, porém, um banco infalível, no qual deveriam pôr
seus capitais todos os cristãos, certos de que se locupletarão no
tempo e na eternidade, na terra e no Céu. Esse banco conta já
milhares de anos de existência e nunca abriu falência, e temos
firme certeza que há de durar até o fim do mundo. As pessoas
sábias e previdentes, que pensam, seriamente nos seus
verdadeiros interesses, sempre confiaram a ele os seus bens e
dele tiraram riquezas inexauríveis.
Moisés recomenda este banco ao seu povo em
muitíssimos lugares de sua lei e a maior parte dos livros do
Antigo Testamento o exaltam com louvores magníficos. O livro
de Tobias parece escrito unicamente para demonstrar a sua
utilidade, a sua grandeza, as vantagens imensas que traz
consigo; e um Anjo descido do Céu tece-lhe o mais belo elogio,
recomendando-o a todos.
Jesus Cristo, vindo à terra, falou muitas vezes de tal
banco, altamente, e encomiou e o propôs aos seus sequazes.
Mas, que banco misterioso é esse? Os nossos corteses
leitores já adivinharam; esse banco privilegiado é a esmola.
O próprio Deus, criador de todas as coisas, senhor de
todo o ouro do mundo, é o banqueiro, que não pode falir, e é
fiel a pagar os juros. Os agentes do banco são os pobres, que
recebem em nome d’Ele. Tudo quanto damos aos necessitados
para aliviá-los nas suas misérias, em dinheiro, alimento,
vestuário ou abrigo, é como se o déssemos ao mesmo Deus. Os
pobres são uma continuação, uma imagem real, um retrato
perfeito de Jesus sofredor, o qual é honrado e servido na pessoa
deles. Nosso Senhor considera feito a Si mesmo tudo quanto
fazemos em favor dos pobres. Até o copo d’água dado em seu
nome ao sedento terá recompensa. O Divino Redentor repetiu
muitas vezes esta confortadora doutrina, que o pobre é Seu
representante na terra. Na descrição do juízo universal Ele a
tornou óbvia e familiar com um diálogo que vale por um
tratado e contém a mais alta filosofia.
No dia em que os homens deverem dar contas das
riquezas que Deus lhes colocou nas mãos, Ele dirá com ar de
júbilo aos eleitos: «Vinde, benditos de meu Pai, vinde possuir o Reino
que vos está preparado desde o início dos tempos. Pois que, Eu tive fome
e vós Me destes de comer; Eu tive sede e vós Me destes de beber; andava
peregrino e Me destes pousada; estava nu e Me destes de vestir; estava
enfermo e Me visitastes; estava preso e Me consolastes» Admirados de
tal modo de falar, dirão os justos: «Quando vos vimos faminto,
sedento, peregrino, nu, enfermo e preso, e fomos em vosso
socorro?» E responderá Jesus: «Tudo que tendes feito aos pobres, Eu
o considero feito à Minha pessoa» .
Voltando-se depois para os maus, os exprobará por
terem-no desprezado nos pobres, afirmando que todas as vezes
que negaram uma esmola aos necessitados fizeram uma injúria
a Ele.
Os pobres são, pois, os agentes do banco divino, que
recebem os capitais, em nome de Deus; e o que depusermos em
suas mãos será entregue a Jesus Cristo, que nos recompensará
nesta vida e na outra. O nosso bom Anjo da Guarda, à guisa de
fiel secretário, toma nota das esmolas e das obras de caridade
que fazemos.
Ora, se esta é a verdade, porque não pomos os nossos
capitais nesse banco? Deus, que é o banqueiro, pode talvez falir?
Ele que é o Senhor do mundo, que depositou o ouro e os
diamantes nas entranhas das rochas e no seio dos montes, pode
talvez tornar-se pobre e nos arrastar à miséria, como fazem os
banqueiros deste mundo? Não. Ele é infalível e nos enriquecerá
no tempo e na eternidade.
CAPÍTULO III – JUROS VANTAJOSOS NESTA VIDA E A
GLÓRIA ETERNA NA OUTRA
O banco de que falamos, não abriu falência, nem abrirá
jamais; não só, mas também é o mais vantajoso, pois multiplica
os capitais em pouco tempo. Os bancos terrenos dão
ordinariamente cinco ou seis por cento de juros; mas o divino
banco da esmola oferece nada menos que o cêntuplo nesta vida,
como penhor, e depois, na outra, as riquezas do Céu, tesouros
que não podem ser roubados pelos ladrões, nem estragados
pelas traças; pérolas e diamantes que formarão a nossa coroa
para sempre.
Não é exagero para engrandecer a beleza e utilidade da
esmola mas a pura realidade, promessa formal de Jesus Cristo;
de fato, lemos no Evangelho (S. Marcos X, 30): «Quem
abandonar as suas coisas por amor de Mim, diz Ele, receberá
centies tantum nunc in tempore hoc, et in sæculo futuro, vitam
æternam» . Receberá o cêntuplo das bênçãos que Deus enviará à
sua pessoa, a seus bens, a seus negócios; o cêntuplo na paz do
coração; o cêntuplo na concórdia da família; o cêntuplo nas
graças espirituais na vida e na morte. E não é só: os juros do
divino banco da esmola vão além do túmulo e obtêm-nos lá no
Céu uma glória eterna, uma coroa imarcescível, um trono
firme. Este banco, fundado por Deus no tempo, é destinado
principalmente a enriquecer-nos de riquezas imortais, que são
as verdadeiras riquezas, as únicas que merecem ser amadas e
procuradas pelo homem, pois não nos podem ser roubadas.
O Profeta-rei cantava na harpa as alegrias inefáveis da
esmola e dizia no salmo quarenta: «Feliz aquele que vem em auxílio
do pobre e do mísero; o Senhor defendê-lo-á na hora da tribulação,
conservá-lo-á ileso, dar-lhe-á a vida de Sua graça, torná-lo-á feliz na
terra e não o entregará nas mãos de seus inimigos» .
A magnitude dos lucros prometidos não deve causar
maravilha. Nosso Senhor é um banqueiro riquíssimo e embora
dê muito e enriqueça os homens, nunca empobrece. Os seus
haveres são infinitos e não ficam diminuídos, como o mar que
não se esvazia quando os homens lhe tiram as águas.
Todos, os ricos, principalmente, deveriam pensar na
prodigiosa fecundidade do celestial banco da esmola e nele pôr
os seus capitais. Porventura não é melhor receber cem por um,
que seis por cento? Não é melhor ficar rico no tempo e na
eternidade, do que enriquecer-se somente cá na terra? Pondes
os vossos capitais nos bancos da terra e os deixareis quando
tiverdes de deixar a terra. Se, invés, colocais o dinheiro no
banco da esmola, depois de terdes gozado juros centuplicados
nesta vida, levá-lo-eis convosco e sereis ricos por toda a
eternidade. É horripilante pensar a um avaro que passou a vida
ajuntando dinheiro, confiando seus bens ora a este, ora àquele
banco, sem socorrer os pobres, sem enxugar uma lágrima, sem
desalterar a fome a um infeliz, alimentando, quiçá, galgos ou
cavalos de raça, para fazer bela figura diante dos homens. Ei-lo
agora estendido no leito de morte, e em breve deve deixar tudo
e baixar à sepultura, sem poder levar nem um ceitil.
Por outro lado, como não deve consolar o rico no ponto
de morte o pensamento de ter socorrido generosamente os
pobres! Suas riquezas ele as achará na outra vida convertidas
em méritos e glória eterna e morre consolado com a esperança
do Céu.
Procuremos, pois, acertar na escolha do banco e demos
preferência ao divino banco da caridade, pondo nele os nossos
capitais, porque apresenta tais garantias, que torna-se
impossível uma bancarrota, e porque dá rendas vistosas.
Destarte evitaremos a triste sorte do rico epulão e daquele outro
infeliz que, depois de ter enchido os celeiros para gozar da vida,
foi logo chamado ao outro mundo e obrigado a deixar tudo.
Não esqueçamos a promessa do Redentor: «Dai e vos será
dado; e derramar-vos-ão no seio uma boa medida, cheia, e recalcada, e
acogulada; porque com aquela mesma medida que tiverdes medido, se
vos há de medir a vós» (S. Lucas, VI, 38).
Na vida dos santos vemos confirmada retribuição do cem
por um. Quanto mais davam, mais recebiam.
*
* *
S. João, Patriarca de Alexandria, foi chamado o Esmoler
por causa das abundantes e continuadas esmolas que distribuía.
Ele confessou ter-lhe Deus dado a correspondência fiel do
cêntuplo por um. Jovem de quinze anos, tendo dado um manto
a um pobre, no mesmo dia foi-lhe entregue o dinheiro no seu
valor centuplicado.
De outra feita, ordenou ao seu esmoer que desembolsasse
quinze escudos e os desse a um pobre forasteiro espoliado pelos
ladrões; ao mordomo pareceu demasiada aquela soma e deu
apenas cinco. No mesmo dia uma rica senhora mandou
quinhentos escudos para os seus pobres. O santo, que já se
habituara a receber cem por um, e vendo que isto agora não se
verificara, suspeitou do mordomo, e procurou saber como este
cumprira a ordem recebida; confessou sem ambages, que tinha
dado cinco escudos somente.
Foi o santo agradecer à piedosa senhora, e qual não foi a
sua admiração ao saber que ela determinara mandar-lhe mil e
quinhentos escudos e ao dar a ordem ao seu caixa, errara o
número, anotando só quinhentos.
S. João via a Jesus Cristo na pessoa dos pobres e por isso
os chamava seus senhores. Enquanto, certo dia, um dos pobres
por ele socorrido se desabafava nos mais ternos afetos de
reconhecimento, o santo Bispo, lançando-se a seus pés, o
interrompe com estas belas palavras: «Meu caro irmão, eu ainda
não derramei o meu sangue por ti, como fez Jesus Cristo pela
minha salvação e como está obrigado a fazer, se preciso for, um
Pastor fiel» .
*
* *
Reproduzo da vida de S. José Cottolengo o fato seguinte:
Quando lhe pediram em Utelle, que mandasse algumas
Irmãs para atenderem ao hospital e abrirem um educandário,
notou que não só não tinha dinheiro para fornecer o necessário
às religiosas, mas nem ainda um ceitil para a viagem..
Confiando na Divina Providência, sai tranquilo de casa e na rua
Milão dá com o senhor Henry, seu conhecido e amigo. O Santo
foi-lhe logo dizendo:
— Devo ir a Utelle, a fim de erigir uma casa das nossas
Irmãs e não tenho no bolso nem sequer um centésimo
quereríeis emprestar-me mil liras?
— Darei com muito gosto, respondeu o amigo.
Horas após, o Santo tinha a quantia necessária; ao
recebê-la, pronunciou infalível Deo gratias; e sorrindo
acrescentou:
— Recordai-vos caro Henry, cinquenta por um.
Henry não compreendeu.
Cottolengo ao se despedir disse mais uma vez.
— Recordai-vos, Henry, cinquenta por um.
Passaram-se meses. Um belo dia, Henry recebia
cinquenta mil liras por um bilhete de loteria que lhe custara
mil. Só então compreendeu que Deus para premiar a sua
caridade, o recompensava precisamente como lhe fora predito.
*
* *
S. Vicente de Paulo, paupérrimo como era, chegou a
distribuir em esmolas aos pobres milhões de francos. E donde
tirava tanto dinheiro? Deus dera-lhe o cêntuplo por um e, mais
ainda, inspirava aos ricos a proverem-no de dinheiro.
*
* *
Alfredo o Grande, rei da Inglaterra destronado pelos
dinamarqueses e obrigado em tempo de inverno a homiziar-se
no castelo de Athelney, por pouco morria de fome.
Um dia, se lhe apresentou um mendigo pedindo comida;
mandou que lhe dessem alguma coisa. Sua mãe, porém,
advertiu que em casa só havia um pão. Alfredo roga à sua mãe
que dê metade ao pobre, e tenha confiança naquele Senhor que
saciara cinco mil pessoas com cinco pães e dois peixes e
prometera o cêntuplo por um do que fosse dado por seu amor.
A fé viva do monarca foi logo recompensada e a sua caridade
heróica atraiu as bênçãos do Céu sobre si e sua família.
Porquanto, Deus lhe concedeu vitória completa sobre os
dinamarqueses e o restabeleceu no trono.
*
* *
— Mas, objetará alguém, eu dou tanta esmola e não acho
que Deus me de cem por um.
— Vós vos enganais, respondo; a promessa de Jesus Cristo
não pode falir.
Certamente que Deus não manda ter por vez um anjo a
pagar-vos cem por um; mas Ele vo-lo dá abençoando a vossa
família, fazendo prosperar os vossos negócios, dando saúde, e o
que é mais importante, colmando-vos de graças espirituais.
Uma só graça, embora pequena vale mais que todo o ouro do
mundo.
E, se não obstante, virmos pessoas esmoleres visitadas
pela tribulação, é sinal que assim exige a salvação de sua alma.
Quereis um exemplo? Lede:
Santa Teresa de Jesus recebia abundantes esmolas de um
negociante que se recomendava sempre às suas orações; uma
vez a Santa lhe falou assim: «Tenho rogado muito por vós e foi
me revelado que o vosso nome está escrito no livro da vida pela
generosa caridade que haveis usado para comigo; mas, no
entanto, é mister que passeis antes por muitas provações».
Tal aconteceu; uma tempestade pôs a pique as naus
carregadas de mercadoria sua. Abriu falência. Cientes da
desgraça, os seus amigos lhe subministraram o necessário para
continuar o negócio. Novo desastre e nova falência. Pelo que
ele, espontaneamente, fechou-se numa prisão. Seus credores,
conhecendo a magnanimidade de seu coração, libertaram-no.
Reduzido à miséria, deu-se todo ao serviço divino e às
obras de caridade e morreu santamente, cheio de méritos.
Ora, pergunto eu, deixou talvez de se cumprir a palavra
do Divino Redentor neste negociante esmoler? Absolutamente.
Ele recebeu cem por um nas desgraças que lhe deram ampla
ocasião de conseguir méritos, na paciência que Deus lhe
concedeu, nas boas obras que praticou. Do Céu deve certamente
bendizer a caridade para com Santa Teresa e aquelas
desventuras, que, suportadas por amor de Deus, lhe fruíram o
paraíso.
Se tivesse tido prosperidade, apegaria o coração às coisas
desta terra e talvez se condenaria.
Demos pois, esmola, confiados que Deus nos
recompensará largamente nesta vida e na outra e procuremos
imitar os luminosos exemplos que os santos nos deixaram.
CAPÍTULO IV O OURO É TERRA BRILHANTE
Afinal de contas, que é esse ouro ao qual tanto nos
afeiçoamos, ao ponto de nos esquecermos das necessidades da
alma? É um pouco de terra brilhante, lodo reluzente, um metal
que Deus escondeu no seio das rochas e nas entranhas dos
montes, e que os rios levam ao mar com a areia e os cascalhos.
O ouro não serve para alimento, nem remédio; e para nós são
mais úteis e preciosos o trigo da campina, a lenha do bosque, o
carvão mineral.
Referem as fábulas que um rei da antiguidade andava tão
apaixonado pelo ouro que pediu com insistência aos deuses lhe
concedessem o favor de transformar em ouro tudo o que
tocasse. Por desgraça foi ouvido. Ébrio de alegria deu ordens
para que se sacrificasse em agradecimento aos deuses. A sua
alegria, porém, foi breve e converteu-se para logo em amargo
desengano, em profundo desespero. Ele transformara em ouro
brilhante o paço e os móveis, tudo em roda dele luzia daquele
metal que tanto amava. Chegou a hora da refeição e pôs-se à
mesa. Apenas tocava uma iguaria ou bebida, elas se
transformavam em ouro, pelo que não pode mais comer, nem
beber. Só então caiu em si o infeliz rei e maldisse seu amor
desordenado ao vil metal; mas, era tarde. Morreu dias após,
consumido pela fome e pela sede.
Conta-se também de um avaro que juntara muito
dinheiro, e de medo dos ladrões tinha-o escondido no fundo
dum subterrâneo fechado por uma grande porta de ferro. Todo
dia, ele descia sozinho para ver e contar seu tesouro levando
sempre novo dinheiro, que sabia ganhar, trabalhando
assiduamente e comendo mal. Entrando no subterrâneo tinha
sempre o cuidado de tirar a chave da fechadura e levá-la
consigo, porque a porta, uma vez fechada, não se abria senão
com a chave. Um dia, porém, que tinha ganho mais que de
costume, ébrio de alegria, abriu a porta e a fechou para sempre.
Contou o seu tesouro, como sabia fazer, ajuntou os novos
ganhos e, ao ver tanto dinheiro, exultou de alegria, julgando-se
o mais feliz dos mortais. Mas, ai! Dirigindo-se para a porta,
percebe que a chave foi esquecida fora e que a saída está
irrevogavelmente fechada. Que fazer? Pedir socorro? O
subterrâneo é fundo e isolado e nenhuma voz pode ser ouvida.
Arrombar a porta? É de ferro, e dez homens o não fariam. O
infeliz avarento cavara a sua sepultura e nela se fechara para
sempre. Teria com certeza dado todo aquele ouro por uma fatia
de pão ou para ser posto em liberdade; mas só ele conhecia o
esconderijo de sua riqueza. Depois de alguns dias os vizinhos,
tendo ido à procura dele, revistaram toda a casa, desceram ao
subterrâneo e o encontraram cadáver com sinais de desespero
no rosto e com as mãos apertando moedas de ouro...
Portanto, o ouro considerado em si mesmo não tem
nenhuma utilidade e deixar-vos-ia perecer de fome. Se o
considerarmos como metal, não é certamente o mais útil, pois o
homem encontra mais vantagens no ferro, no cobre e no zinco.
A única propriedade que tanto o recomenda é a grande
maleabilidade, pela qual pode ser reduzido a folhas sutilíssimas.
Por que é o ouro tão estimado e procurado? Unicamente
porque os homens convieram que se representassem os valores
pela sua raridade. Suponhamos que um dia fossem descobertas
em quantidade desmesurada camadas de ouro nas entranhas da
terra; o ouro perderia a cotação e os homens iriam procurar
outro objeto mais raro para significar e representar os valores
das coisas.
Quando os espanhóis se atiraram sobre o Novo Mundo,
viram com espanto que os selvagens não apreciavam o ouro, a
prata, as pedras preciosas, porque os havia em abastança.
Quando, porém, os americanos viram que os europeus iam com
avidez à cata de ouro e expunham-se a perigos e fadigas a fim
de o conseguir, também eles começaram a julgá-lo coisa
preciosa. Antes da descoberta do novo continente o ouro tinha
mais valor, porque mais escasso; ao depois, tornou-se menos
precioso pelas muitas minas descobertas.
Eis, pois, o motivo porque tanto amamos o ouro:
representa os valores e com ele podemos procurar
comodidades da vida e os prazeres terrenos; mas é sempre
terra, lodo.
Como são estultos os avaros que amam o dinheiro e
ajuntam ouro unicamente pelo prazer de vê-lo em suas mãos,
fazendo grandes penitências e mortificações para economizar.
Não são menos estultos aqueles homens que amam
desordenadamente o ouro, para viver vida cômoda. Mas, a vida
do homem é tão breve, e o que não vale para a vida futura é
vaidade e estultícia. Prudentes são os que com o ouro e as
riquezas terrenas compram, por meio da esmola, os bens
eternos do Céu. O ouro é terra brilhante, vil metal; mas Deus
em sua bondade permite-nos trocá-lo com as riquezas
imperecíveis do paraíso. Pensemos seriamente nisto; invés de
amar um pouco de terra vistosa, sirvamo-nos dela para merecer
graças e favores que nos levam à santidade. Os pobres devem
ser os vossos maiores amigos, porquanto serão os vossos
defensores no dia do juízo e perorarão a vossa causa,
apresentando à justiça divina o bem que lhes temos feito. Mas,
ai de nós se lhes fechamos a porta e lhes negamos auxílio.
Teremos a mesma sorte do rico epulão e pagaremos no inferno
a truculência usada para com os nossos irmãos.
CAPÍTULO V – A AVAREZA É UM VÍCIO REPUGNANTE
A avareza é um dos vícios mais repugnantes e dos que
mais desonram o homem. O avarento é odiado por todos, e na
sociedade é tido como uma sanguessuga. Quando o amor o
torna egoísta, o embrutece, fá-lo incapaz de pensamentos
nobres e elevados, curva-o para a terra, fá-lo esquecer o Céu.
Ele torna-se cruel para com o próximo, espezinha as leis de
justiça e da caridade, oprime os pobres e só aspira enriquecer-se
de qualquer maneira, justa ou injusta. As moedas que ajunta na
bolsa são muitas vezes o preço das lágrimas e das privações dos
infelizes. Conta-se que S. Francisco de Paula, uma ocasião,
partiu uma moeda e encontrou dentro o sangue do pobre que o
avarento barbaramente confiscara,
O avaro não só é cruel para com os outros como o é
também consigo mesmo, trabalha de manhã à noite, come mal,
veste-se pobremente, priva-se do conforto para economizar...
Quanto sacrifício... para não gastar! Muita vez o avarento jejua
como um anacoreta, veste-se como um pedinte, suporta o frio e
o calor com uma constância igualável à dos santos mais
austeros. O ouro é a sua divindade, à qual sacrifica a saúde, as
comodidades e, às vezes, a mesma vida. Viram-se avarentos
preferem a morte a gastarem dinheiro com médico e remédios!
A paixão pelo ouro, longe de diminuir com a idade,
aumenta e aproximando-se a hora extrema em que se deve
abandonar tudo, maior é o apego às riquezas. O velho é sempre
mais avarento que o moço. Que dor não há de sentir o avaro ao
separar-se de seus tesouros Que tristeza no dever ditar o
testamento e pronunciar aquela palavras: «Deixo...» Ele bem
quisera não deixar.
Conta-se de avaros que morreram desesperados com as
mãos no cofre, como não soubessem separar-se do dinheiro
idolatrado; outros apertavam convulsivamente ao coração o vil
metal e expiraram naquele ato, furiosos por não o poderem
levar consigo. A morte de um avarento, odiado em toda a
cidade por sua paixão repugnante, deu azo a que Santo Antônio
pregasse sobre a avareza e a necessidade da esmola. Depois de
ter comentado as palavras do Evangelho, «onde está o tesouro aí
está o coração» , afirmou que o coração do avarento estava dentro
do cofre. Foram os ouvintes à casa do defunto, abriram o cofre
e encontraram no meio das moedas o coração do avarento.
Quis Deus mostrar com um milagre quão asquerosa é a avareza,
que prende o homem ao lodo da terra.
Judas é um exemplo terrível, que nos mostra como o
ouro cega. Encarregará-o Jesus de guardar as esmolas para
prover às necessidades do colégio apostólico. O mísero
deixou-se levar pelo amor ao dinheiro e acabou ladrão. Quando
Madalena entrou em casa do fariseu e perfumou com bálsamo
os pés do Divino Redentor, enxugando-os com as madeixas, o
discípulo prevaricador lamentou aquele desperdício de
unguento precioso, que, dizia, poderia ser vendido e dado aos
pobres o valor. Não era o amor aos pobres que o fazia falar, mas
a avareza acobertada com tal pretexto. Judas queria ter aquele
dinheiro em sua bolsa. Esse vício abominável levou-o de
excesso em excesso até vender o seu Mestre. Bem sabia que
Jesus era Deus, era o Messias, era inocente; presenciara seus
estrondosos milagres e tivera provas de amor, de predileção.
Cegou-o, porém, a avareza e fê-lo cometer o maior delito, que
causa horror e execração em todos os séculos.
«Quanto me quereis dar, se eu vo-l’O entregar?»
perguntava aos príncipes dos sacerdotes e aos fariseus. Recebeu
trinta dinheiros, guiou os esbirros ao Horto das Oliveiras e traiu
com um ósculo o seu mestre; mas, depois foi assaltado por
horríveis remorsos. Tivesse a menos imitado a Pedro na
penitência. Pronunciou as palavras de Caim: «A minha
iniquidade é grande demais para merecer perdão», e
desesperou-se. Atirou longe aquelas moedas infames, preço do
sangue inocente e pôs termo à sua vida com o suicídio. O triste
fim do apóstolo traidor previne-nos salutarmente a não nos
afeiçoarmos ao ouro, que cega o homem, levando-o a
deploráveis excessos.
Até os pagãos reconheceram a fealdade da avareza e a
abjeção daquele que se deixa seduzir pelo dinheiro. Virgílio
descreve na sua Eneida os tristes efeitos desta paixão e maldiz a
sede execrável do ouro, causadora de tantos delitos
abomináveis. Sêneca proclama que o homem é superior à
matéria e é talhado para algo de mais nobre e não deve ser
escravo do corpo e dos bens terrenos.
Veio depois Jesus Cristo que verberou os ricos avarentos,
os quais negam socorro ao necessitado.
Se nos fosse dado acabar com a avareza e fazer reinar na
sociedade a caridade ensinada no Evangelho, a terra mudaria de
aspecto e tornar-se-ia a imagem do Paraíso, onde todos se
amam. Como eram belos os primeiros tempos do Cristianismo,
quando o supérfluo era entregue aos Apóstolos para ser
distribuído às viúvas, aos órfãos e a todos os necessitados
quando a multidão dos crentes formava um só coração e uma
só alma para amar e servir a Deus.
Podem aqueles belos tempos voltar e o meio para isso é a
caridade, é a esmola, é a guerra à avareza e ao egoísmo
individual.
CAPÍTULO VI – O PRECEITO DA ESMOLA NO ANTIGO
TESTAMENTO
A oração, o jejum e a esmola foram sempre consideradas
as obras mais agradáveis a Deus e mais próprias para merecer a
sua graça. Por isso é que a Sagrada Escritura as recomenda
continuamente no Antigo e no Novo Testamento.
Deixando agora a oração e o jejum, para falar da esmola,
diremos que na lei Mosaica os pobres eram tratados com
grande caridade e socorrê-los era uma obrigação dos Israelitas.
Para ver como Deus ama a classe pobre, leiamos este versículo
do Exodo: «Se emprestares algum dinheiro ao necessitado do
meu pobre povo, que mora contigo, não o apertarás como um
exator, nem o oprimirás com usuras». (XXII, 24). Ameaça
terrível dirige a quem vilipendia a viúva e o órfão: «Não farás
mal algum à viúva nem ao órfão. Se vós os ofenderdes, eles
recorrerão a Mim e Eu ouvirei os seus clamores; e o furor se
acenderá e vos ferirei com a espada e vossas esposas ficarão
viúvas e vossos filhos órfãos» . (Êxodo XXII, 22).
De sete em sete anos ocorria o ano em que se não
semeava e o que os campos produziam espontaneamente era
dos pobres. «Por seis anos semearás a tua terra e colherás os
frutos. Mas no sétimo ano não a cultivarás; deixá-la-ás
descansar para que os pobres do teu povo achem que comer e o
que restar seja para as alimárias do campo; isto mesmo farás
com a tua vinha e com o teu olivedo». (Êxodo, XXIII, 11).
No mesmo ano sabático eram postos em liberdade os
escravos presos por causa de dívidas. Os pobres podiam andar
pelos campos e vinhedos a respigar as sobras da ceifa e da
vindima, era severamente proibido aos proprietários trilhá-los
de qualquer modo: «Quando cortares a messe de teus campos,
não segarás até a terra toda a superfície de teus campos, nem
colherás as espigas que ficarem. Nem na tua vinha colherás o
rabisco nem os bagos que caem; mas deixarás que apanhem os
pobres e forasteiros». (Levítico XIX, 10). Assim teve origem o
pio costume de se deixar para os pobres a sexagésima parte da
messe, da uva, de todos os produtos de lavoura. E se o amo
esquecia no campo inteiros manípulos, estes ficavam para os
pobres: «Quando segares a messe no teu campo e deixares por
esquecimento algum manípulo, não voltes para o levar; mas
deixá-lo-ás tomar ao estrangeiro, e ao órfão, e à viúva, para que
o Senhor teu Deus te abençoe em todas as obras das tuas mãos»
(Deuteronômio, XXIV, 19). Era rigorosamente proibida a usura
e havia sérias prescrições a fim de que os credores não
pusessem no olho da rua os que estavam impossibilitados de
pagar.
E para mostrar aos homens como lhe fosse querida a
misericórdia, Deus prescrevera leis de humanidade para com os
animais. Era vedado açaimar o boi quando debulhava o trigo na
eira, para que pudesse comer e participar dos frutos de seu
trabalho.
O caminheiro podia entrar nos campos e nos vinhedos e
comer frutos até fartar-se, quando sentia necessidade de se
restaurar. Lemos, com efeito, no Evangelho que, caminhando
pela Palestina os Apóstolos com o Divino Redentor e sentindo
os estímulos da fome entraram em um campo para colher as
espigas com que se alimentar. Os fariseus os reprovaram, não
por terem tomado bens alheios, pois era lícito em caso de
necessidade, mas porque era sábado; como se em tal dia não
fosse lícito comer e se devesse morrer de fome.
Santo Jó, do leito de suas dores, para defender a própria
inocência contra seus caluniadores, protestou ter sempre
repartido o pão com o pobre, ter hospedado o peregrino, ter
sido luz ao cego, arrimo ao coxo, ter defendido o órfão e a viúva
contra os seus opressores. Ele praticou todas as obras de
misericórdia e era saudado o pai dos pobres. Desde a infância
teve um coração aberto à compaixão.
Apraz-me citar por inteiro as suas belas palavras: «Quem
me via, falava bem de mim, porque eu livrava o pobre que
gemia e o órfão sem defesa. Bendizia-me todo aquele que
perigava, e ao coração da viúva eu levava conforto. Revesti-me
de justiça, e adornei-me da minha equidade, como de manto e
diadema. Fui luz ao cego e arrimo ao coxo. Era o pai dos
pobres; e das coisas que desconhecia fazia diligentíssima
inquisição. Arrancava a máscara aos maus, e arrebatava-lhes dos
dentes a presa. (XXIX). Chorava as aflições dos outros e minha
alma era compassiva com o pobre». (XXX, 25). E mais adiante
acrescenta: «Se neguei aos pobres o que me pediam e se iludi a
esperança da viúva; se sozinho comi o pão e não fiz participante
ao órfão «por isso que desde a infância cresceu comigo a
misericórdia e comigo nasceu»; se fiz pouco caso do que
perecia, porque não tinha com que se cobrir, e o pobre que
estava nu, se me não bendisse ele, e se não foi aquecido com lã
de minhas ovelhas; se levantei a mão contra o órfão, mesmo
quando me via superior no tribunal, despregue-se o meu
ombro com sua junta e se despedace o meu braço com os seus
ossos. Pois que temi sempre a Deus, e a Sua majestade podia eu
suster. Se o meu poder consistisse no ouro e ao ouro eu disse -
«Confio em ti»; se a minha consolação repousa nas minhas
muitas riquezas e nas aquisições feitas com minhas mãos... , se a
minha terra grita contra mim e se com ela choram os sulcos, se
sem pagar-lhe o tributo, comi de seus frutos e afligi a alma dos
que a cultivam: nasçam para mim abrolhos em vez de trigo e
espinhos em lugar de cevada» (XXXI). Felizes os ricos que
podem dizer o mesmo e imitam a Jó na prodigalidade para com
os pobres.
Era costume entre os hebreus, nos dias de solenidade e de
alegria, fazer os pobres participar de sua mesa, a fim de que a
alegria fosse geral, como se refere que aconteceu na festa
estabelecida por Mardoqueu em memória da libertação do
excídio decretado por Aman, e nas solenidades celebradas por
Esdras. E o vate italiano, Alexandre Manzoni, recordando esse
piedoso costume, convida os cristãos a fazerem o mesmo no dia
de Páscoa.1
Nos salmos, David. recomenda a esmola alegando a sua
utilidade e as vantagens que traz ao homem.
Já citamos as palavras do salmo 40: Beatus qui intelligit
super egenum et pauperem. No salmo 111, descreve a beatitude do
homem que teme o Senhor e que é misericordioso: «Feliz o
homem que é compassivo e dá a empréstimo. A mancheias dá
aos pobres; a sua justiça é perene, a sua galharda virtude será
exaltada na glória».
No salmo 81, exorta os juízes a fazerem justiça ao pobre,
dizendo: «Até quando fareis juízos injustos e tereis respeitos
humanos? Fazei justiça ao pobre e ao órfão; dai razão ao
pequeno e ao pobre. Defendei o pobre e arrebatai o mendigo
das mãos do pecador».
Todo livro da Sagrada Escritura inculca o dever da
esmola, repetindo-o sob mil conceitos, para gravá-lo na mente.
Ouçamos os Provérbios: «Não te desamparem a misericórdia e
a verdade; põe-nas à roda de teu pescoço, e grava-as nas tábuas
do teu coração» (III, 3). «Honra o Senhor com as tuas faculdades
e dá-lhe as primícias de todos os teus frutos. E os teus celeiros se
encherão de quanto podes desejar e em tuas adegas haverá
vinho em barda». (III, 9 e 10).
Deus recompensa sempre tão fielmente a esmola feita ao
culto divino e aos pobres, que entre os hebreus corria este
provérbio: o dízimo enriquece e é manancial de bênção.
1
Sia frugal del ricco il pasto;
Ogni mensa abbia i suoi doni;
E il tesor negato al fasto
Di superbe imbandigioni
Scorra amico all’umil tetto;
Faccia il desco poveretto
Più ridente oggi apparir.
«Não impeças a quem pode fazer o bem, e se poderes,
também tu pratica-o. Não digas a teu amigo: — Vai e volta;
amanhã dar-te-ei; — quando podes dá logo». (III, 28). «A
clemência é o caminho da vida». (XI, 19). «A alma que faz bem
será farta; e o que embriaga, também ele mesmo será
embriagado». (XI, 25).
«Peca quem despreza o seu próximo e quem se
compadece do pobre será feliz. Quem crê no Senhor ama a
misericórdia. Estão no erro os que fazem o mal; a misericórdia
e a verdade preparam os bens». (XIV, 21 e seg.). «Quem oprime
o mendigo injuria ao seu Criador; agrada-lhe, porém, o que se
compadece do pobre». (XIV, 31). «Quem fecha os ouvidos aos
gritos dos pobres, gritará também ele sem ser ouvido». (XXI, 13).
«Quem exercita a misericórdia, achará vida, justiça e glória».
(XXI, 21). «Quem é inclinado à compaixão, será abençoado;
porque do seu pão se servirá o pobre. Quem usa de liberdade,
alcançará vitória e honra; e ele cativa o coração dos que os
recebe». (XXII, 9). «Quem dá ao pobre jamais estará em
necessidade; mas quem despreza aquele que pede, sofrerá
privações». (XXVII, 27). No descrever a mulher forte, o Sábio
dá-lhe o atributo da misericórdia para com o próximo: «Abre as
mãos aos míseros e estende as palmas aos pobrezinhos». (XXI,
20).
O Eclesiastes convida a distribuir o pão aos necessitados,
figurados na água que passa, prometendo que receberá o
prêmio na outra vida. «Lança o teu pão sobre as águas que
passam, porque depois de muito tempo, o acharás», (XI, 1).
O Eclesiástico se compraz em inculcar a caridade para
com os pobres: «Filho, não defraudes a esmola do pobre, e não
apartes dele os teus olhos. Não desprezes a alma esfaimada, e
não exacerbes o pobre na sua necessidade. Não aflijas o coração
do pobre e não defiras o auxílio a quem está angustiado. Não
rejeites a petição do atribulado e não voltes a face ao pobre. Não
apartes os teus olhos do necessitado, irritando-o; não dês
ocasião aos que te pedem de te amaldiçoar por detrás, porque
será atendida a imprecação do que amaldiçoa na amargura de
sua alma e atendê-lo-á Aquele que o criou». (Cap. IV).
«Oferecerás ao Senhor as espáduas das tuas vítimas e o sacrifício
de santificação e as primícias das coisas santas; e estende ao
pobre a tua mão, a fim de que seja perfeita a tua propiciação e a
tua bênção». (VII, 35). «Faze o bem ao teu amigo, antes de tua
morte e estende a mão liberal ao pobre, segundo as tuas posses».
(XIV, 13). «Emprega o teu tesouro em cumprir os preceitos do
Altíssimo e isto te aproveitará mais que o ouro. Deita a esmola
no seio do pobre e ele rogará por ti contra toda espécie de
males. Ela combaterá o teu inimigo muito melhor que a lança e
o escudo dum campeão». (XXIV, 14).
Os Profetas levantam-se para estigmatizar as usuras e a
opressão dos pobres, inculcando com palavras enérgicas a
esmola. Isaías exclama: «Reparte com o faminto o teu pão; e os
pobres e os peregrinos leva-os para tua casa; se vires um nu,
veste-o e não desdenhes a tua própria carne. Então, como após
a aurora, despontará a tua luz e logo virá a tua salvação; a tua
justiça te precederá e a glória do Senhor te acolherá. Então tu
invocarás o Senhor e Ele te ouvirá; levantarás a tua voz e Ele te
dirá: Eis-me. Quando abrires as tuas entranhas ao faminto e
consolares a alma aflita, nascer-te-á nas trevas a luz e as tuas
trevas se mudarão em meio-dia. O Senhor dar-te-á sempre
repouso e a tua alma encherá de esplendores e confortará os
teus ossos e tu serás como um jardim regado e como fonte à
qual não vem a faltar água.» (Cap. LVIII).
A isaías fazem eco Jeremias e Ezequiel. Daniel, depois de
ter feito ciente a Nabucodonosor do próximo castigo do Céu, o
exorta a resgatar com esmolas os seus pecados e iniquidades,
dando-lhe esperança de perdão. Miqueas diz da parte do
Senhor: «Eu te ensinarei, ó homem, o que é bom e o que o
Senhor deseja de ti, isto é, que sejas criterioso, ames a
misericórdia e andes com solicitude diante de Deus». (VI, 8).
Zacarias escreve: «Estas coisas diz o Senhor Deus dos
exércitos: Julgai segundo a verdade e fazei frequentes obras de
misericórdia aos vossos próximos. E guardai-vos de oprimir a
viúva, o órfão, o forasteiro e o pobre, e ninguém trame no seu
coração contra o próximo». (VII, 9 e 10).
Como é que os judeus esqueceram tantos ensinos? Hoje, o
nome de judeu, é sinônimo de usurário, fona, opressor dos
pobres; e todavia eles leem, mesmo presentemente, com grande
atenção e constância, a Sagrada Escritura e os trechos em que
Deus recomenda a esmola. Nós, porém, sequazes de Jesus
Cristo, sejamos coerentes conosco mesmos e pratiquemos os
ensinos salutares dos Livros Santos, fazendo os pobres
participantes do bem que Deus nos tem dado.
CAPÍTULO VII – BELA DOUTRINA DO LIVRO DE TOBIAS
O livro de Tobias é o livro da esmola. Deus não se
contentou de inculcar essa virtude em todas as obras do Antigo
e Novo Testamento; quis inspirar um tratado especial, que
explicasse a beleza, a eficácia e os frutos salutares da caridade
para com os pobres, propondo um exemplo luminoso de pessoa
esmoler no santo velho Tobias.
Nasceu Tobias na cidade de Cades de Neftali, no reino de
Israel; e desde menino observou a lei de Moisés, agindo com
critério superior à sua idade. Corriam, então, dias tristes para a
religião; e enquanto todos adornavam os vitelos de ouro
levantados pelo ímpio Jeroboão, ele soube conservar-se puro da
idolatria, indo a Jerusalém. para adorar a Deus no templo,
oferecendo as suas primícias e os seus dízimos. Mas a virtude
que nele brilhou e o distinguiu foi a caridade para com os
pobres, aos quais dava o supérfluo. Levado prisioneiro para
Nínive, com os de sua tribo, por Salmanasar, rei dos Assírios,
redobrou a esmola para com seus irmãos que gemiam na
escravidão. Deus fez que ele caísse nas graças do monarca, o
qual o elevou ao cargo honorífico de Provedor régio. Tobias
serviu-se da liberdade e da influência que tinha na corte para
auxiliar os seus concidadãos, visitando-os e dando-lhes auxílio
material e espiritual.
Vieram, porém, os dias de prova. Morto Salmanasar,
sucedeu-lhe no trono o filho Senaqueribe, o qual se mostrou
cruel para com os hebreus, fazendo matar a muitos, máxime
depois que perdeu seu numeroso exército, ao pé das muralhas
de Jerusalém, por obra do Anjo exterminador. Tobias ia à
procura de cadáveres para sepultar, de nus para vestir, de
famintos para desalterar, de aflitos para consolar,
multiplicando-se a si mesmo para fazer frente a tantas
necessidades. Disso teve conhecimento o bárbaro imperador,
que o condenou à morte e à confiscação dos seus bens. Tobias
teve tempo de fugir e de se homiziar, até que o monarca foi
morto por seus próprios filhos; foi quando readquiriu os bens e
o primitivo cargo.
Deus, porém, o reserva a outras provas dolorosas para o
purificar. O santo continuava a sepultar os seus irmãos mortos,
deixando, às vezes, a refeição para fazer aquela obra de
caridade.
Cansado, um dia, deitou-se à sombra de um muro, onde
as andorinhas nidificavam, e ali adormeceu; durante o sono
caiu-lhe nos olhos um pouco de cisco do ninho daquelas
avezinhas, e ficou cego. Naquela desventura ele manifestou
heroica paciência e inteira resignação à vontade de Deus
semelhantes à de santo Jó, às imprecações dos parentes e
amigos pela sua caridade, ele opôs a esperança da vida futura. A
estulta mulher chegou até a exprobar-lhe as esmolas, dizendo:
«Claro está que se desfez em fumaça a tua esperança e agora se
vê o fruto das tuas esmolas». Então, Tobias, vendo que os
homens o afligiam tanto, lançou-se nos braços da bondade
divina; e pediu-lhe que o tirasse do mundo. Supondo que Deus
se dignara escutar a sua prece, chamou o filho à sua cabeceira e
deu-lhe as derradeiras lembranças, que são o compêndio da
mais santa e perfeita moral. Entre outras coisas recomenda-lhe
insistentemente a sua virtude predileta, a esmola.
«Faze esmola dos teus bens e não voltes o teu rosto a
nenhum pobre, porque desta sorte sucederá que também não se
afaste de ti a face do Senhor. Da maneira que puderes, sê
caritativo. Se tiveres muito, dá muito; se tiveres pouco, procura
dar de boamente também esse pouco; porque assim entesouras
uma grande recompensa para o dia da necessidade; porque a
esmola livra de todo o pecado e da morte; e não deixará cair a
alma nas trevas. A esmola servirá duma grande confiança diante
do sumo Deus, para todos os que a fazem». (Cap. IV).
Parece que se não possa fazer maior elogio da esmola.
Depois de ter-lhe dado estes e outros santos conselhos,
manda-o cobrar uma quantia emprestada ao primo Gabel, na
cidade Rages. Enquanto o filho procura um companheiro de
viagem, Deus, como prêmio da caridade daquela santa família,
envia o Arcanjo Rafael, em forma humana, para o acompanhar.
É sabido tudo o quanto aconteceu no caminho e o que fez o
guia celeste. Às margens do Tibre, fá-lo tomar um enorme
peixe para conservar algumas partes dele, dá-lhe por esposa a
prima Sara, filha de Raquel; faz que receba o dinheiro
procurado e o reconduz ileso aos seus genitores, que já temiam
alguma desgraça pela demora.
O fel do peixe serve para restituir a vista ao velho Tobias
e a família está no auge do contentamento. Só então é que o
Arcanjo Rafael dá-se a conhecer; e revela a Tobias que Deus
operou todas aquelas maravilhas como prêmio de sua caridade
e exalta a esmola e as obras de misericórdia.
«Boa é, disse, a oração com o jejum e a esmola; melhor
que amontoar tesouros; pois que a esmola livra da morte e
limpa os pecados e faz achar a misericórdia e vida eterna.
Portanto, eu vos digo a verdade e não vos deixarei latente este
mistério: — Quando fazias oração, com lágrimas, quando
deixavas a tua refeição e de dia escondias os mortos em tua casa
e de noite os sepultavas, eu te acompanhava nas tuas ações. E
porque Deus muito te amava, fez-se mister que a tentação te
experimentasse». (Cap. XII).
Essas palavras do Arcanjo merecem ser atentamente
meditadas, porque fecundas de importantes ensinamentos.
Ele proclama a santidade e a eficácia da oração unida ao
jejum e à esmola, profligando o hebetismo dos que só pensam
em ajuntar tesouros para si, fechando a porta ao pobre faminto.
O jejum e a esmola são as duas asas com as quais a oração se
eleva até ao Céu. A caridade para com o próximo livra-nos da
morte, remite a pena temporal devida aos nossos pecados,
move Deus à misericórdia e faz-nos conseguir as alegrias do
Paraíso.
Quando Tobias sepultava os cadáveres, com risco da
própria vida, e espalhava o perfume de sua caridade para com
os irmãos que gemiam sob o peso do cativeiro e eram
oprimidos pela tirania assíria, o Anjo do Senhor recolhia as
bagas de suor derramado e numerava todos os seus atos de
piedade para oferecê-los a Deus, em odor de suavidade.
Como foi grande o poder da esmola. Fez descer do Céu
um Anjo para acompanhar o filho na viagem e para operar
todos os prodígios de que se admirarão os séculos.
Demos esmola, e seremos abençoados por Deus como o
foi o santo velho Tobias, que recebeu cem por um nesta vida e a
glória eterna na outra.
CAPÍTULO VIII – O PRECEITO DA ESMOLA NO NOVO
TESTAMENTO
Nas suas pregações às margens do Jordão, o Batista
precursor começou de inculcar o preceito favorito de Jesus — o
amor ao próximo — preludiando ao grande ensino do Messias.
Corriam as turbas em massa a ouvi-lo e interrogá-lo sobre o
que era preciso fazer para subtrair-se à ira de Deus; e ele lhes
dizia: «O que tem duas túnicas, dê uma ao que não tem; e o que
tem o que comer faça o mesmo» (S. Lucas, III, 11).
Aparece o Divino Redentor, e os seus lábios jamais se
cansam de repetir a lei da caridade e o preceito da esmola
espiritual e temporal, chamando-o a característica de seu
Evangelho. O Novo Testamento é lei de amor, de caridade, de
misericórdia e de benevolência. E Jesus fala claro: «Dai esmola
do que sobra; quod superest date eleemosynam.» (S. Lucas, XI, 14). E
note-se que não é conselho ou exortação, mas ordem absoluta,
expressa em modo imperativo, que não admite réplica.
Alhures diz: «Vendei o que possuis e dai esmola. Fazei
para vós bolsas que se não gastam com o tempo, um tesouro
que se não esgota no Céu; ao qual não chega o ladrão, e que a
traça não rói. (S. Lucas XII, 33). — Néscio, grita Ele a um rico,
esta noite serás chamado à eternidade e as coisas que ajuntaste
para quem serão? — Como se dissesse: aquela riqueza ficará no
mundo, na mão dos herdeiros, mas se tu a tivesses dado aos
necessitados, tê-la-ias encontrado além do túmulo.
Jesus ensina também o modo de exercer com fruto a
hospitalidade: «Quando deres jantar, ou ceia, não chames teus
amigos; nem teus irmãos, nem teus parentes, nem teus vizinhos
que forem ricos; para que não te convidem eles por sua vez, e te
paguem com isso; mas quando deres banquete, convida os
pobres, os aleijados, os coxos e os cegos; e serás feliz, porque
não têm com que te retribuir; porém, ser-te-á retribuído na
ressurreição dos justos». (S. Lucas, XIV, 12 a 14). Depois de ter
narrado a parábola do ecônomo infiel, acrescenta: «E Eu vos
digo: granjeai-vos amigos com as riquezas da iniquidade para
que, quando necessitardes, vos recebam nos tabernáculos
eternos». (S. Lucas, XVI, 9). Chama iníquas as riquezas porque
muitas vezes são adquiridas com fraudes e injustiças.
Era costume dos fariseus dar esmola unicamente para
serem vistos e admirados; e o Divino Redentor repreende-os
severamente, ensinando-lhes a fazer boas obras por um fim
mais nobre: «Quando dás esmola, não faças tocar a trombeta
diante de ti, como praticam os hipócritas nas sinagogas e nas
ruas para serem honrados pelos homens. Em verdade vos digo,
que eles já receberam a sua recompensa. Mas, quando dás
esmola, não saiba a tua esquerda o que faz a tua direita, para
que a tua esmola fique em segredo, e teu Pai, que vê o oculto, te
recompensará». (S. Mateus, VI, 2 a 4).
Para mais excitar à prática desta virtude Ele considera
feito a Si próprio o que se faz aos pobres. Como já ficou dito,
Ele agradecerá aos eleitos, no dia do juízo final, de terem-n’O
vestido, saciado, consolado, hospedado, visitado no cárcere ou
no leito, na pessoa do próximo; ao passo que repreenderá
acerbamente os réprobos por terem-n’O desprezado na pessoa
dos pobres. E tudo terá sua recompensa; até o simples copo
d'água dado por seu amor: «E todo o que der a beber a um
destes pequeninos um copo de água fria, a título de esmola,
digo-vos em verdade que não perderá sua recompensa». (S.
Mateus, 42).
S. Pedro, um dia, ousou perguntar ao Divino Mestre:
«Eis-nos aqui, os que deixamos tudo e te seguimos; que haverá
então para nós? » E Jesus lhe disse: «Em verdade vos digo que,
na regeneração, quando o Filho do homem se assentar no trono
de Sua Glória, vós, que me seguistes, sentar-vos-eis também em
doze tronos, e julgareis as doze tribos de Israel. E todo o que
deixar por amor de Meu nome a casa, ou os irmãos, ou as irmãs,
ou o pai, ou a mãe, ou a mulher, ou os filhos, ou a herdade,
receberá o cêntuplo, e possuirá a vida eterna». (S. Mateus, XIX,
27 a 29).
Jesus, sempre doce, sempre cheio de bondade, assume
um tom terrível contra os ricos mofinas e os ameaça de eterna
condenação. Veremos num capítulo à parte as suas ameaças. E
Ele mesmo praticava o que ia ensinando, para dar-nos exemplo,
e distribuía aos pobres a sobra do que lhe davam os judeus.
No sermão da Ceia, que pode chamar-se o testamento de
Jesus aos seus discípulos, o Mestre recomenda a caridade. «Um
novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros,
como Eu vos amei» . (S. João, XIII, 34); «meu preceito é que vos
ameis uns aos outros como eu vos amei». (XV, 12). A caridade,
pois, é o preceito principal, a lei caraterística do Evangelho o
mandamento do Divino Redentor.
Em seus sermões, Jesus narrou a parábola do bom
Samaritano, para mostrar de maneira clara e simples quem
possui a verdadeira caridade para com o próximo. O primeiro
mandamento da lei é o amor a Deus e o segundo é o amor ao
próximo. Qual há de ser a medida do amor ao próximo? — O
amor a nós mesmos, isto é, nós devemos amar o próximo como
a nós mesmos.
Os apóstolos aprenderam do Divino Mestre a lição do
amor, e em suas cartas recomendam sempre a caridade
espiritual e temporal. S. João fala dela tantas vezes, que mereceu
a antonomásia de apóstolo da caridade. «Aquele que tem riquezas
deste mundo, e vê a seu irmão em necessidade, e lhe cerra as
suas entranhas: como está nele o amor de Deus?» (I S . João, III,
17). Nos últimos anos de sua vida era levado à igreja, e não sabia
dizer outra coisa: «Meus filhinhos, amai-vos reciprocamente».
Enfadados os discípulos de ouvir sempre a mesma coisa,
perguntaram-lhe porque lhes não falava dos outros preceitos,
ele que, tendo-se inclinado ao peito de Jesus, conjecturara os
mistérios sublimes; e o apóstolo respondeu: «Outras coisas vos
não direi, pois isto é o que nos manda especialmente o Senhor;
e isto perfeitamente executado basta para fazer-nos santos».
O Apóstolo S. Paulo ordena coletas em várias Igrejas para
socorrer os irmãos de Jerusalém, desolados pela carestia, e
exorta os fiéis a porem semanalmente no gazofilácio algum
dinheiro. «Aquele que semeia pouco, também segará pouco; e o
que semeia com abundância, também segará com abundância».
(II Cor. IX, 6). E os exorta a não temer a inópia, que Deus os
proverá: «Poderoso é Deus para fazer abundar em vós toda a
graça; para que em todas as coisas tendo sempre o suficiente,
tenhais abundância para toda sorte de obras boas». (Id., 8). São
dignas de nota as palavras da epístola aos Hebreus: «E não
esqueçais de fazer o bem e de repartir com os outros; porque
com tais sacrifícios se agrada a Deus». (XIII, 16).
Santo Tiago diz: «A religião pura e imaculada aos olhos
de Deus e nosso Pai é esta: Visitar os órfãos e as viúvas nas suas
tribulações, e conservar-se sem ser contaminado deste século».
(I, 27). Alhures increpa os que ficam só nas palavras e não
socorrem os pobres: «Porém, se um irmão ou irmã estiverem
nus, e necessitarem do alimento cotidiano, e lhes disser algum
de vós: Ide em paz, aquentai-vos e fartai-vos, e não lhes derdes
o que hão mister para o corpo, que lhes aproveitará?». (II, 15 e
16).
Os primeiros cristãos eram observantes do preceito da
caridade e entregavam aos Apóstolos o supérfluo, para que
distribuíssem aos necessitados. Os Atos dos Apóstolos lembram
com reconhecimento a Tabita, senhora piedosíssima, que
empregava em boas obras tudo quanto tinha, socorrendo os
indigentes; e foi ressuscitada por S. Pedro como prêmio de suas
virtudes. Os pagãos pasmavam ao ver a união e a caridade que
reinavam entre os cristãos e diziam uns aos outros: — Vede
como se amam!2
2
É célebre o exemplo de S. Pacômio, o qual se converteu ao
cristianismo admirando a caridade fraterna que reinava soberana
Vieram os santos da Igreja e todos, às rebatinhas,
recomendam a esmola, mostrando a sua necessidade, beleza e
utilidade. S. João Crisóstomo foi um verdadeiro apóstolo da
esmola; ao terminar os seus sermões, as matronas tiravam das
orelhas as arrecadas para dá-las aos pobres. S. João de
Alexandria, chamado o Esmoler, tinha consigo uma lista de oito
mil pobres para socorrer diariamente. Houve santos que depois
de terem dado todos os seus haveres, ficaram escravos para
libertar o próximo. Mais. A Igreja teve uma Ordem Religiosa
que fazia profissão de livrar os escravos dos turcos e tais
religiosos ficavam em lugar dos escravos quando não podiam
diversamente livrar os que tiveram a infelicidade de cair nas
mãos dos infiéis. Valham esses exemplos e as palavras do
Divino Redentor para fazer-nos amar a caridade e a esmola.
entre os prosélitos de Jesus Cristo. — “Uma religião que dá tais
preceitos, disse ele, por certo que é divina” — e abraçou-a.
CAPÍTULO IX – QUE É O RICO? É O TESOUREIRO E O
PROVEDOR DO POBRE
Na ordem da criação, o rico é o tesoureiro do pobre,
obrigado a prover às suas necessidades. Deus o favoreceu com
riquezas, não para que as malbaratasse e gozasse a seu talante,
mas para que socorresse os infelizes. Jesus Cristo ordenava que
o supérfluo seja dado de esmola. Deve, pois, o rico dar muita
esmola. Podia Deus distribuir igualmente os bens da terra e
sustentar todos os homens como faz com a erva do prado, o
lírio do campo, a árvore da floresta; invés, quis as desigualdades
sociais, ordenando que uns auxiliassem os outros. Esta é uma
verdade pouco entendida de muitos ricos, que se fecham no
círculo estreito do próprio eu e não pensam senão em gozar,
expulsando de sua porta ao pobre, como a um importuno.
Contra esses, o Divino Redentor, sempre brando, sempre doce,
tomou um tom terrível, ameaçando-os de eterna condenação:
«Ai de vós, ó ricos, porque tende já recebido a vossa consolação.
Ai de vós que sois saciados, porque sofrereis fome. Ai de vós
que rides, porque chorareis e gemereis», (S. Lucas V, 24).
Na parábola do epulão mostrou claramente o triste fim
dos ricos que pensam só em gozar, desprezando os pobres.
É Jesus quem nos conta: Havia um homem muito rico,
que andava luxuosamente vestido e vivia vida regalada e ociosa,
oferecendo aos amigos lautos banquetes. Havia também um
mendigo chamado Lázaro, que inutilmente suplicava lhe
mitigassem a fome com as migalhas que caíam da mesa. Algum
tempo depois, morreram ambos. O pobre foi levado pelos anjos
ao seio de Abraão. Morreu o rico e foi sepultado nas
profundezas do inferno. Por qual culpa? Talvez porque era
blasfemo? desonesto? injusto ou ladrão? Nada disso. Foi
condenado às penas somente porque se mostrou cruel para com
o pobre Lázaro e só pensou em gozar.
É impossível salvar-se um rico que põe a sua esperança
nos bens da terra e não é caridoso. É mais fácil passar uma
corda no fundo de uma agulha, que tal pessoa vá ao Céu. Não há
tergiversar. O rico que deseja salvar a alma deve dar esmola,
desapegar o coração dos bens terrenos e conservar a pobreza de
espírito, tão recomendada pelo Divino Redentor. Se o rico está
obrigado a dar o supérfluo ao pobre, segue-se que, não o
fazendo, é um ladrão que retém o alheio.
S. João Crisóstomo discorre deste modo: — Rico,
ouve-me: são teus este dinheiro, estas terras, diz o mundo; não
assim a fé: o senhor de tudo é Deus; tu não passas de simples
administrador; hás de prestar conta ao Senhor até de uma
courela. E se Deus é o Senhor, tem direito de discriminar o
emprego das tuas rendas. Pois bem, vês aquele pobre que te
espera à porta? veio para exigir em nome d’Ele; Deus o
mandou, e aqueles andrajos que o cobrem são a libré que to
indicam tal. Vamos, sê pronto em o socorrer; não é um favor
que fazes, é um tributo que pagas.
Cuidado! — assim diz o grande Santo Ambrósio — não
recuses uma esmola, porque tanto é pecado tirar o alheio,
quanto negar o que lhe é devido.
Causa asco ver certos ricos criarem uma matilha de cães
de caça ou soberba tropa de cavalos e negar a um esfarrapado
um naco de pão ou um abrigo. Como é doloroso ver certas
senhoras criarem um cachorrinho, levarem-no ao braço,
cobrirem-no de carícias, e afastarem com indignação o olhar de
um pobre que lhes estende a mão súplice, julgando-se
rebaixadas com a sua presença. No entanto o pobre é filho de
Deus, é uma alma remida pelo sangue de Jesus Cristo.
Há ricos que se julgam seres privilegiados; nascidos para
gozar, veem no pobre o pária da sociedade, como se fosse de
natureza inferior, digna tão só de desprezo. Mas quão outros são
os juízos de Deus. Deus ama o pobre e, para honrá-lo, quis
nascer de pais pobres e na mais esquálida miséria. Escolheu
para seus Apóstolos, não os magnatas de Herodes ou de
Augusto, mas doze pobres pescadores; e viveu sempre rodeado
pelo povo simples, protestando ter vindo evangelizar os pobres,
por ter sido essa a missão de que fora incumbido. Evangelizare
pauperibus misit me. Jesus subiu ao Céu, mas continua a morar na
terra no Santíssimo Sacramento e no tugúrio do pobre. Através
dos andrajos que cobrem os membros descarnados dos míseros,
os santos contemplam sempre a Jesus sofredor.
É célebre o fato sucedido a S. Martinho. Quando era
soldado da cavalaria, encontrou um pobre seminu, que lhe
pediu esmola, em nome de Deus. Martinho, não tendo dinheiro
naquela ocasião, arrancou do manto, dividiu-o ao meio e deu
uma parte ao pedinte. De noite apareceu-lhe Jesus Cristo
vestido com o manto dado de esmola, e lhe agradeceu por
tê-l’O socorrido na pessoa daquele pobre. Imitem os ricos este
exemplo e sejam pródigos para com os representantes de Jesus
sofredor.
O apóstolo Santo Tiago tem palavras mais graves aos
ricos que esquecem os seus deveres de caridade: «Eis, pois,
ricos, agora chorai bem alto pelas desgraças que virão sobre vós.
As vossas riquezas se putrefizeram, e as vossas vestes são
comidas pelas traças. O vosso ouro e prata se corromperam, e a
sua corrupção dará testemunho contra vós, e devorará a vossa
carne com o fogo. Entesourastes para vós a ira nos últimos dias.
Eis que o salário dos trabalhadores que ceifaram os vossos
campos, o qual pela fraude lhes tirastes, está a clamar; e o
clamor deles chegou até aos ouvidos do Senhor dos exércitos.
Tendes vivido em festins sobre a terra, e na luxúria cevastes os
vossos corações, como em dia de imolação». (Cap. V).
Para evitar ameaças tão terríveis o rico deve de imitar o
bom samaritano e prover às necessidades dos pobres. Então, as
maldições cominadas se trocarão em bênçãos. Deus ouve
sempre a oração do pobre; e quando ele for ajudado por vós,
fará chover sobre vossa cabeça, sobre vossas famílias, copiosas
graças. Os pobres agraciados pelo centurião Cornélio, lhe
obtiveram ao Céu a conversão. Um mensageiro celeste o pôs
em relação com S . Pedro, a fim de ser instruído na fé e batizado
com toda a família.
Quando se celebra um matrimônio, um batizado, o
verdadeiro meio para atrair os favores do Céu sobre os esposos
ou sobre a criança é socorrer os pobres. Experimentem-no as
famílias, que se alegrarão com os salutares efeitos.
CAPÍTULO X – LUMINOSOS EXEMPLOS DOS SANTOS
Os santos patriarcas do Antigo Testamento foram
modelos de amor ao próximo, exercitando sobretudo a
hospitalidade aos peregrinos. Abraão recebeu um dia em sua
terra três anjos em forma humana e os tratou com todo o
carinho como se fossem irmãos seus. Jó era chamado «o pai dos
pobres, dos órfãos e das viúvas, como já vimos atrás, e passava
os seus dias fazendo o bem aos necessitados. Como são tocantes
as cenas de caridade narradas no livro de Rute! Booz ordena
expressamente aos segadores que deixem cair espigas, a fim de
que a pobre respigadora possa recolher abundantes provisões e
dá-lhe permissão de comer e beber à sua mesa. Não faço alusão
a Tobias, porque já narramos mais detalhadamente as suas
esmolas e obras de misericórdia aos irmãos cativos. A viúva de
Sarepta não tinha mais que um pouco de farinha e algumas
gotas de óleo, pois a carestia flagelava o reino pelos pecados do
ímpio Acab; e todavia ofereceu aquele bem de Deus ao profeta
Elias, perseguido pelo rei; em recompensa nunca lhe faltou
farinha e óleo.
Muito depois, apareceu o Salvador para regenerar a
sociedade com o preceito da caridade fraterna, abolindo a
escravidão e ensinando que os homens são todos filhos do
mesmo Pai celeste, sem distinção de nacionalidade. O
cristianismo funda hospitais, institui irmãs de caridade, abre
asilos para inválidos, orfanatos e casas para crianças
desamparadas, albergues para peregrinos. Os pobres no
paganismo eram muitas vezes sacrificados barbaramente como
inúteis e de peso à sociedade; Jesus os nobilitou, amando-os
eternamente e afirmando que eram seus representantes na terra
e que considerava feito a Si tudo o que os homens faziam para
eles. Então a pobreza era mais estimada do que a riqueza e
milhares de pessoas de ambos os sexos abandonavam tudo para
se tornar pobres por Jesus Cristo.
Os santos todos da Igreja porfiaram em socorrer os
pobres, vendo neles a pessoa de Jesus sofredor, não
conservando mais do que o necessário à vida, segundo o
conselho do glorioso apóstolo S. Paulo. S. Lourenço Mártir
distribuiu todas as riquezas da Igreja aos pobres, de acordo com
seu santo mestre; e interrogado pelo tirano onde escondera o
ouro e as riquezas, deu uma resposta memorável, que deveria
ser objeto de meditação de todo rico: «As riquezas da Igreja,
exclamou o herói, foram transportadas para os tesouros celestes
pelas mãos dos pobres».
Entre os exemplos sem número dos santos, escolheremos
alguns dos mais próprios para excitar o amor à esmola.
*
* *
A virgem holandesa Santa Ludovina jazeu enferma
durante trinta e oito anos num miserável catre em apertado
quarto; vítima de muitas doenças, ela as soube suportar com o
heroísmo de Jó, bendizendo sempre o Senhor. Todas as
virtudes avultaram na santa, mas de modo particular a paciência
e caridade para com os pobres. Sua mãe, ao morrer, deixou-lhe
alguns móveis; bem que pobre e necessitada de tudo, vendeu-os
e distribuiu o dinheiro aos pobres. O mesmo fazia com as
esmolas que os fiéis lhe davam, esquecendo-se de si e
preocupando-se mais com as necessidades alheias.
Deus mostrou com numerosos milagres quanto amava a
caridade de Ludovina. Tinha uma bolsa que dava sempre
dinheiro sem jamais esvaziar; por esse meio socorria os pobres
da cidade e das vizinhanças. No leito de dores, a santa era
informada de todas as famílias necessitadas e sobretudo dos
enfermos e lhes mandava dinheiro e abundantes provisões. No
princípio de um inverno mandou comprar um quarto de boi e
uma medida de legumes para dar de comer aos famintos, que
na estação rigorosa costumam sofrer mais que em outros
tempos, pelo frio e pela falta de trabalho. Admirável! Aquela
carne e aqueles legumes multiplicaram de tal modo que pôde
distribuí-los duas vezes na semana em todo o inverno.
Dava muito, mas o dinheiro e as provisões não faltavam.
Sabendo os ricos do bom uso que fazia das e molas, davam-lhe
de boamente dinheiro e alimento; e a casa da caridosa enferma
tornou-se um verdadeiro mercado onde os pobres
encontravam comestíveis, roupa e o mais de que necessitavam.
A fama das virtudes luminosas atraia ao seu leito personagens
de alto coturno; e Ludovina sabia patrocinar a causa dos seus
pobres e conseguia muitos recursos.
Uma caridade tão heroica lhe obteve de Deus dons
sobrenaturais de milagres e profecias. Ludovina recebia o
cêntuplo nesta vida, ao mesmo tempo que os anjos teciam-lhe
fúlgida coroa no Paraíso.
Certo ricaço queria preparar um suntuoso banquete aos
principais da cidade e para isso comprou do que havia de
melhor. Sabendo disto, Ludovina mandou-lhe pedir, por amor
de Deus, um pouco de banha de galinha para preparar um
emplasto. Mas o novo epulão negou-lhe, alegando que as
galinhas compradas não tinham gordura alguma. A santa
conheceu à Luz divina a avareza asquerosa daquele rico e
mandou-lhe dizer que seria castigado. Com efeito, na noite
precedente ao banquete, os ratos penetraram na despensa e
comeram uma parte dos acepipes e estragaram o resto. Tal lição
abriu os olhos ao nababo, o qual daí por diante guardou-se de
negar alguma coisa à santa.
Em muitas visões Deus mostrou-lhe que
verdadeiramente a esmola transporta os nossos bem, além do
túmulo, ao passo que a avareza os abandona no leito da morte.
O seu Anjo Custódio apareceu-lhe, radiante de luz, em forma
de gracioso jovem e a conduziu ao Paraíso, onde lhe mostrou
uma mesa cheia dos mesmos alimentos que ela distribuía aos
pobres. Nosso Senhor e Maria SS. com os bem-aventurados se
assentaram para comer e convidaram a Ludovina a fazer o
mesmo. Repetiu-se a visão mais vezes e acendeu em Ludovina
novo ardor pela caridade e aos ricos que a visitavam só sabia
falar da beleza da esmola.
«Quereis, dizia, encontrar o vosso tesouro depois da
morte? Dai-o aos pobres, que o levarão ao Céu e lá tereis
capitais centuplicados». E narrava as revelações tidas.
*
* *
S. Carlos Borromeu, arcebispo de Milão, merece os
louvores de todos os séculos cristãos, pela grande caridade que
o levou ao heroísmo. Ele não possuía cofre, nem bolsa para
guardar dinheiro; porque tudo quanto lhe caía nas mãos, dava-o
logo aos pobres.
Vendeu o seu principado por quarenta mil escudos de
ouro; e em um só dia distribuiu toda aquela avultada soma aos
pobres, assim que, à noite, já não tinha um ceitil.
Deram-lhe uma pensão de vinte mil escudos e fez o
mesmo. Parecia que as moedas lhe queimassem as mãos, tal era
a presteza com que as dava em esmola, impaciente por socorrer
as misérias alheias. Vivia como um pobre anacoreta, muitas
vezes contentando-se com pão e água e um pouco de legumes,
e o rendimento do arcebispado que ficasse para os pobres. Os
seus familiares lamentavam sua prodigalidade, manifestando o
receio de cair na miséria, mas o santo os exortava a confiança na
Providência.
Na terrível carestia que afligiu Milão, distribuiu todas as
alfaias da casa e depois deu até o leito, dormindo de então em
diante em tábuas nuas. Além disso, ele vivia para os pobres,
andando pelas casas, visitando os doentes, consolando a todos.
Milão e todo o arcebispado serão eternamente gratos ao
seu ilustre prelado e o honrarão sempre como um dos maiores
benfeitores que teve a cidade e o cristianismo.
*
* *
O homem que personifica a caridade é S. Vicente de
Paulo. Ordenado sacerdote entregou-se de corpo e alma a
socorrer os necessitados, fundando hospitais, asilos, toda a sorte
de casas de caridade. A ele o mundo deve a instituição das Irmãs
da Caridade, verdadeiros anjos enviados em socorro das
misérias humanas, que assistem os doentes tanto no hospital,
como em campo de batalha para onde correm impávidas,
afrontando a morte com uma coragem superior ao seu sexo.
Fundou também a Congregação da Missão, composta de
sacerdotes destinados a instruir o povo rude. Foi tão grande a
sua caridade e zelo, que chegou a dar milhões de francos.
*
* *
A Itália teve também seus heróis de caridade, êmulos de
S. Vicente de Paulo. Para falar só dos últimos tempos, cito S.
João Bosco e S. José Cottolengo.
S. João Bosco fundou a Pia Sociedade Salesiana que
arrebanha centenas de milhões de jovens nos dois hemisférios
para instruí-los, educá-los na piedade e ensinar-lhes um ofício
ou uma profissão e torná-los honrados cidadãos, úteis à
sociedade.
S. José Cottolengo fundou a Casa da Divina Providência,
onde são recolhidos milhares de doentes para serem curados no
corpo e na alma. Todas as enfermidades da pobre humanidade
lá se abrigam, e a caridade dos fiéis vem diariamente em auxílio
de tantos infelizes.
Esses grandes benfeitores da humanidade fizeram coisas
maravilhosas com as esmolas dos bons cristãos. Que esse belo
exemplo arraste os ricos à imitação.
*
* *
O Bem-aventurado Amadeu de Savoia foi um grande
benfeitor da classe pobre e o seu reino foi chamado o paraíso
dos pobres. Todo dia dava de comer a muitos pobres no seu
palácio, servindo-os ele mesmo, com muita reverência.
Visitando uma vez um senhor de Milão, este, que era
apaixonado pela caça, mostrou-lhe uma matilha, que ele tratava
com muito cuidado. Retribuindo a visita ao Bem-aventurado,
na corte, perguntou-lhe se não criava cães de caça. Amadeu
levou-o a um pátio onde estavam reunidos os seus pobres e
disse: «Gasto meu dinheiro sustentando estes infelizes».
Os ministros desgostavam-se de sua liberalidade; um
deles lhe disse que muita esmola arruína as finanças: e que seria
mais útil fortificar as praças de guerra e criar novos regimentos.
«Louvo o vosso zelo, respondeu o príncipe sabáudo; mas sabei
que as esmolas dum soberano são as fortificações mais seguras
dum Estado e o grande segredo para fazer reinar a abundância.»
*
* *
S. Paulino, não tendo nenhum dinheiro para dar a uma
pobre viúva, que lhe pedia para resgatar o seu único filho
cativo, ofereceu-se para ser ele mesmo vendido pela libertação
do moço. A proposta foi aceita, e o Santo, na qualidade de
escravo esteve por muito tempo como hortelão; até que,
conhecida a sua virtude heroica, foi posto em liberdade, com
permissão de levar consigo todos os escravos conterrâneos seus.
*
* *
Santo Tomás de Vilanova era tão caritativo que deu aos
pobres tudo o que tinha. Chegou a dar até o leito; e aquele no
qual morreu não lhe pertencia.
*
* *
S. Nicolau de Bari, que foi mais tarde Bispo de Nissa,
quando ainda simples padre em Patara, soube que um gentil
homem, caído na miséria tencionava casar três filhas com
moços suspeitos; isso, por não estar em grau de dotá-las
suficientemente. Nicolau fez chegar às mãos daquele senhor
uma bolsa de dinheiro. A quantia era bastante para dotar uma
das filhas. Por mais duas vezes enviou dinheiro; assim foram
colocadas as outras duas. O pai, indagando a coisa, foi ter com o
santo e, lançando-se-lhe aos pés, não cessava de agradecer-lhe
tanta caridade. Nicolau o levantou com afeto, dizendo-lhe não
ter feito mais do que o seu dever; e pediu-lhe que a ninguém o
dissesse.
*
* *
S. José Cottolengo, quando não tinha dinheiro para dar
aos pobres, dava o relógio, os lençóis da cama, roupa e sapatos.
Várias vezes voltou à casa em peúgas e outras vezes descalço.
*
* *
S . Francisco de Sales fazia muita esmola, não obstante a
escassez de suas rendas. Ele dava sempre e generosamente, sem
se importar com os gastos da casa, a tal ponto que o ecônomo
vendo-se embaraçado, ameaçava abandoná-lo: «Tendes razão,
disse o Santo com a costumada doçura, eu sou incorrigível
nesse ponto, mas o que é pior, creio que o serei sempre». Outra
vez, apontando o crucifixo, dizia: «Pode-se negar alguma coisa a
um Deus que se reduziu a tal estado por nosso amor?»
A princesa Clotilde presenteou-o com um diamante
precioso, pedindo-lhe que o guardasse como lembrança.
— Senhora, disse o santo, guardarei até que os pobres não
precisem dele.
— Nesse caso, replicou a princesa, daí-o em penhor, que
o resgatarei.
— Temo que isso aconteça muitas vezes e não quisera
abusar de vossa bondade.
Pouco depois a princesa o viu em Turim sem o diamante
e entendeu logo o que tinha acontecido. Deu-lhe, pois, um
muito mais precioso, recomendando-lhe que não fizesse como
o primeiro.
— Senhora, respondeu-lhe, não vos posso garantir,
porque sei por experiência que não sou capaz de guardar coisas
preciosas.
Realmente, ele nutria tão grande ternura para com os
pobres, que não sabia recusar-lhes coisa alguma.
*
* *
Santo Estêvão, rei da Hungria, providenciou à
manutenção dos pobres do seu reino, tomando especialmente
sob sua proteção as viúvas e os órfãos, dos quais se declarara
publicamente pai e defensor.
Mudava a roupa para não ser reconhecido, andava pelos
arrabaldes da cidade a distribuir esmolas, a oferecer seus
préstimos nos hospitais, etc. Chegou a dar as alfaias do próprio
palácio para socorrer nas calamidades públicas os pobres. Deus,
para mostrar como se comprazia da caridade de seu servo, quis
que depois da morte a sua mão direita, que tanto dera aos
pobres, permanecesse incorrupta.
*
* *
Santa Catarina de Sena tendo obtido do pai a permissão
de dar esmola, imitava a S. Nicolau de Bari levando às famílias
necessitadas, durante a noite, pão, carne, vinho, colocando tudo
na janela ou na soleira da porta para não ser vista.
Um dia, não tendo nada para dar a um pobre, tirou a cruz
de prata de seu rosário e deu-lha. De noite, apareceu-lhe Jesus
tendo na mão a cruz ornada de muitas pedras preciosas e
resplandecentes como o sol, dizendo-lhe que havia de lha
restituir no dia do juízo final, na presença de todos os homens.
Outra vez, não tendo dinheiro, deu a um pobre o seu
manto; apareceu-lhe, de noite, Jesus vestido com o mesmo
manto, ornado de pérolas e gemas, e lhe disse: «Catarina, ontem
me vestiste com este manto na pessoa daquele pobre».
CAPÍTULO XI – QUE É O POBRE? É A PESSOA DE JESUS
SOFREDOR
Jesus habita na terra oculto sob os véus eucarísticos e sob
os andrajos do pobre; no santo Tabernáculo e no pardieiro do
mendigo. E é por isso que muitos santos serviam aos pobres, de
joelhos, com a cabeça descoberta, com a reverência com que se
costuma servir a um rei. Apenas Jesus declarou feito a si o que
se faz ao próximo, viram-se os soberbos senadores romanos e
os sábios do areópago, que antes consideravam os escravos
como animais, abraçá-los como irmãos e pô-los em liberdade,
maravilhando com isso os pagãos. Quantas vezes Jesus Cristo
apareceu andrajoso ou enfermo para ser socorrido por seus
eleitos!
*
* *
Santa Isabel, duquesa de Turíngia, filha do rei da
Hungria, foi a heroína de caridade que edificou o século XIII.
Dava aos pobres quanto podia, mantendo grande número deles
em palácio e servindo-os à mesa, com grande humildade.
Abaixava-se para lavar os seus pés, curar as suas chagas,
beijando-os com afeto e reverência.
Andava pelas casas a visitar os enfermos, a levar-lhes
alimento e remédios; e encontrando crianças abandonadas,
Isabel levava-as para sua casa, as lavava e penteava como se
fossem filhos seus. Subjugara de tal modo a natureza que sentia
até prazer no exercício daquela caridade e quereria passar os
seus dias entre os pobres e doentes.
Os cortesãos e principalmente a sogra murmuravam e
desaprovavam abertamente o procedimento da santa, dizendo
que desonrava a dignidade ducal, e que não sabia manter o
decoro de sua alta posição. Mas a Isabel pouco se lhe davam tais
murmurações; e continuava a fazer obras de misericórdia.
Deus interveio com muitos milagres a aprovar o seu
procedimento. Em um dia de cruel inverno, descia do castelo
em companhia de uma donzela, com abundante recurso que ia
distribuir aos pobres. De caminho encontrou o marido, que
voltava da caça; aquele senhor, digno de ser esposo de uma
santa, quis ver o que ela levava no avental. Isabel o abriu para
mostrar-lhe o trigo que ia distribuir aos pobres; e com
indescritível maravilha o achou convertido em belíssimas rosas
de variegadas cores.
Nutria grande amor para com os pobres leprosos, tão
numerosos na Idade Média, lembrando-se de que Jesus foi
descrito pelo Profeta Isaías como um homem coberto de chagas
da cabeça aos pés, à guisa de leproso. Certo dia, acolheu um no
palácio e o pôs na sua mesma cama para limpá-lo e curá-lo. A
sogra ficou indignada; e correu a chamar o filho para
mostrar-lhe o que Isabel estava fazendo. Vão ao leito, abrem o
cortinado e invés do leproso, dão com Jesus Cristo pregado na
Cruz.
*
* *
S. Francisco, logo após a sua conversão, percorria a cavalo
a planície de Assis, quando encontrou um leproso. Desceu logo
do cavalo, abraçou o doente com ternura e deu-lhe uma esmola.
Montando a cavalo, voltou-se para o saudar; mas não viu
ninguém. Compreendeu, então, que Jesus lhe aparecera sob
aquela forma para ser honrado e socorrido por ele; e daí por
diante concebeu um amor terníssimo para com esses infelizes,
ao ponto de entrar nos leprosários para lhes prestar os mais
humildes serviços.
*
* *
S. João, o esmoler, tendo dado muitas vezes bela soma de
dinheiro a um indivíduo que mudava sempre a roupa e o nome,
fingindo ser grande necessitado, ainda depois de perceber isso,
continuou a fazer-lhe caridade. Avisado dessa fraude, disse ao
secretário: «Dá-lhe o dinheiro pedido, pois pode ser que Jesus
Cristo queira experimentar a tua caridade».
*
* *
Na vida de Teobaldo, conde de Chartres, narra-se um
fato assaz curioso. Viajando, um dia, acompanhado de muitos
amigos no coração de rígido inverno, encontrou um pobre
seminu. Teobaldo, liberalíssimo como era, perguntou:
— Que desejas?
— Dai-me, respondeu o pobre, o vosso manto.
Deu-lho o conde, dizendo:
— Se queres, pede mais alguma coisa.
— Dai-me o hábito que tendes sobre a túnica.
Foi-lhe dado. Vendo tanta generosidade, o pobre ousou
replicar:
— Bem vedes, sr. conde, que tenho a cabeça nua...
dai-me, pois, o chapéu porque podereis logo arranjar outro,
enquanto que eu não tenho dinheiro.
O conde, que era calvo, não gostou do pedido, e:
— Caro filho, disse, és demasiado importuno e não posso
satisfazer-te.
Então o pobre desapareceu, deixando tudo sobre a neve.
O conde apeou incontinente, ajoelhou-se, pedindo a Deus
perdão por aquela recusa e prometeu não mais negar no futuro
qualquer coisa que lhe pedissem os pobres.
*
* *
Apareceu um dia a S. Gregório Magno, quando ainda
abade do mosteiro, um Anjo, disfarçado em comerciante que,
devido a um naufrágio, perdera toda a sua mercadoria; pelo
que, vinha lhe pedir algum recurso. Gregório deu-lhe seis
escudos; mas o comerciante observou-lhe que era pouco; o
abade deu-lhe outros seis escudos. Alguns dias depois, volta o
mesmo negociante todo aflito a pedir-lhe novo auxílio,
alegando a sua extrema miséria. Como Gregório encontrasse
vazia a bolsa do mosteiro, mandou que lhe dessem uma bandeja
de prata que Sílvia, sua santa mãe, lhe mandara aquela manhã.
Elevado ao sólio pontifício, ordenou certa vez a um seu
capelão, que chamasse à sua mesa doze pobres, em honra dos
doze Apóstolos; durante a refeição notou que eram treze.
Perguntou ao capelão, porque chamara mais de doze; ele
protestou que não tinha convidado senão doze. Mas Gregório
via treze e suspeitando de algum mistério fixou atentamente o
olhar sobre o décimo terceiro; notou que mudava de semblante,
parecendo ora moço, ora velho. Terminada a refeição,
chamou-o à parte e o conjurou a dizer-lhe quem era:
— Eu sou aquele comerciante arruinado pelo naufrágio, a
quem vós destes doze escudos de esmola e a bandeja de prata,
presente de vossa mãe. Sabei que por vossa caridade quis Deus
que fosseis o sucessor de S. Pedro.
— Como sabes isto? continuou S. Gregório.
— Eu sou um Anjo mandado por Deus para vos
experimentar.
Prostrou-se o santo com grande reverência e exclamou:
— Se por uma coisa tão pequena Deus me fez Pastor
universal de Sua Igreja, quantos benefícios ainda maiores posso
esperar d’Ele, se O servir com grande afeto na pessoa dos
pobres!
Com isso, aumentou muito a sua liberalidade para com
os necessitados.
Um dia, querendo servir com suas próprias mãos a um
pobre, este desapareceu. À noite, apareceu-lhe em sonho Jesus
Cristo e lhe disse: «Outras vezes Me tens recebido nos meus
membros; ontem, porém, Me recebeste em Minha própria
pessoa».
*
* *
O venerável Monsenhor De Palatox, toda quinta-feira
dava jantar a doze pobres. Lendo a vida de S. Martinho, notou
que o santo lavava os pés aos pobres e lhes servia a comida; e
logo se propôs a fazer o mesmo. Cumpriu à risca a promessa.
Se todos os ricos vissem a Jesus nos pobres, portiariam
em socorrê-los e a terra não seria mais um vale de lágrimas e de
dores. Queira Nosso Senhor iluminá-los com a Sua santa graça
e fazê-los compreender esta verdade que, praticada, torná-los-á
felizes no tempo e na eternidade.3
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Epistola ad Nepotiam
«não tenho». Francisco não teria rezado por ele, não teria
recebido o aviso de sua morte próxima; e um homem do
mundo, morrendo improvisadamente, sem confissão, salva-se?
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Mais instrutivo ainda é o fato seguinte narrado por Santa
Teresa no capítulo quinze do livro das Fundações. Um senhor
de Valladolid deu à santa a sua casa com amplo jardim, para que
fizesse um mosteiro das religiosas de sua Ordem. Dois meses
após aquela generosa oferta, o benfeitor morreu
improvisadamente, sem poder receber os Sacramentos. Diante
de tal desventura, Santa Teresa doeu-se profundamente, tanto
mais que na cidade murmurava-se que a vida desse senhor não
tinha sido irrepreensível.
Pôs-se então a rezar fervorosamente pela alma de seu
benfeitor; e teve revelação de Deus que ele se salvara, e sua alma
ficaria no purgatório até que fosse celebrada a primeira Missa
em sua casa. Como prêmio de sua caridade para com a santa,
Deus lhe concedera a contrição perfeita no momento em que a
apoplexia o golpeou. Se não desse de presente a sua casa, talvez
não se salvasse; pela caridade, mereceu a contrição e com esta
uma santa morte. Ele terá dito certamente:
— Ó feliz esmola, pela qual mereci uma glória eterna!
E do Céu terá contemplado com satisfação a sua casa
transformada em convento, causa de sua felicidade eterna.
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Concluamos, pois, com o dilema: «Ou esmola ou
condenação». Para o rico não há meio termo.
Ele se salva, se for fiel à prática do preceito da caridade; e
terá o mesmo fim do epulão se, como este, fechar a porta ao
pobre. O rico é obrigado a socorrer o pobre; mas o pobre não
tem direito de se apropriar dos bens do rico, quando este lhe
nega esmola. Ambos comparecerão ao tribunal de Deus; então,
o pobre acusará o rico de furto e de crueldade e pedirá
vingança.
Tenho para mim que os ricos, entre a esmola e a
condenação, escolherão a esmola e serão pródigos para com os
necessitados, os quais se tornarão seus advogados no dia terrível
do juízo.5
excitadora de S. Pedro.
CAPÍTULO XV – VÁRIAS ESPÉCIES DE ESMOLAS
O nome de esmola abraça todas as obras de misericórdia
espirituais e corporais. A Igreja enumera sete obras de caridade
que dizem respeito ao corpo e sete ao espírito.
As corporais: Dar de comer a quem tem fome; dar de
beber a quem tem sede; vestir os nus; dar pousada aos
peregrinos; visitar os enfermos e encarcerados; remir os cativos;
enterrar os mortos.
As espirituais são: Dar bom conselho; ensinar os
ignorantes; castigar os que erram; consolar os aflitos; perdoar as
injúrias; sofrer com paciência as fraquezas do próximo; rogar a
Deus pelos vivos e defuntos.
Há ainda os hospitais, as obras pias, os orfanatos, as
missões a socorrer; e quem dá dinheiro e roupa para sustentar
as benéficas instituições pratica todas ou quase todas as obras de
misericórdia, porquanto aí os infelizes recebem remédios,
alimento, vestuário e tudo de quanto necessitam.
Colégios fundados para abrigar órfãos ou crianças
abandonadas, com o fim de adestrá-los em alguma arte ou
ofício, merecem também ser ajudados com a esmola. Jesus ama
extremamente os meninos; e, quem os acolhe para educá-los e
instruí-los, terá os seus favores mais escolhidos. Quantos jovens
têm êxito esplêndido e tornam-se úteis à sociedade; ao passo
que, se não fossem internados num colégio permaneceriam no
ócio e na miséria.
O jovem Hildebrando, filho dum pobre carpinteiro,
tornou-se um Gregório VII, talvez o mais heroico dos pontífices
antigos.
Giotto, socorrido por Cimabue, tornou-se de pastorzinho
um excelente pintor.
Canova, de modelador um escultor de nomeada, com o
auxílio do senador João Fallieri.
O Papa Xisto V era filho de pobres pais que o
encarregaram de vigiar a grei; mas um franciscano descobriu o
seu engenho, fê-lo estudar e o jovem correspondeu com
fidelidade. Ordenou-se, foi elevado à púrpura cardinalícia e
finalmente eleito Papa, desenvolvendo uma atividade
maravilhosa, compreendida no seu mote favorito: «Morrer em
pé».
S. Pedro Damião deveu também a sua grandeza a um
parente que lhe custeou os estudos.
O célebre orador Massillon foi ajudado pela caridade dos
fiéis, pela qual pode fazer os seus estudos e tornar-se um dos
príncipes da arte oratória.
O rico que socorre as obras pias, encontrará na outra vida
uma messe abundante de obras santas. Entrando no Céu, será
recebido por numerosas almas que o saudarão como seu
benfeitor. — «Nós somos», dir-lhe-ão alguns, radiantes de
alegria, «órfãos que fomos acolhidos no colégio mantido com
vossas esmolas». «Nós somos» exclamarão outros, «selvagens da
África e a Oceania, que fomos instruídos e batizados por
missionários enviados com os vossos abundantes socorros, para
tirar-nos das trevas da idolatria. A vós devemos a nossa glória
eterna».
E todas aquelas almas formarão o seu júbilo e a sua coroa
por todos os séculos. Então ele bendirá a caridade feita e
entoará um hino de perene agradecimento ao Altíssimo, que lhe
outorgou a graça de converter as riquezas terrenas em riquezas
imarcescíveis do Céu.
Concluamos. No leito de morte devemos abandonar tudo
e separar-nos do nosso dinheiro; há, porém, um meio de levá-lo
além da sepultura e achá-lo multiplicado na outra vida: Dá-lo
aos pobres e às instituições de caridade.
Quando um rico emigra para a América. vende os seus
bens e o valor. o deposita em algum banco célebre de Paris ou
de Londres, levando consigo um recibo mediante o qual,
chegando ao Novo Continente, lhe dão o mesmo valor em
outro banco em correspondência com o primeiro. E nisto usa
prudência finíssima, porque se levasse consigo o dinheiro
equivalente poderia ser roubado.
A vida presente é uma viagem para a eternidade. O rico
que deseja encontrar os seus bens na Cidade do Paraíso, dê-os
aos pobres, que são os banqueiros do Senhor.
A esmola é o banco mais vantajoso e infalível que dá cem por
um no mundo e a glória eterna no Céu.