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PSICOSSOMÁTICA PARADIGMAS E CONCEITOS

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INTRODUÇÃO

A psicossomática é a ciência que estuda as doenças orgânicas com


descarga no corpo, isto é, uma lesão de órgão ou sistema provocado por alguma
disfunção do sistema nervoso. Na psicossomática, pensa-se a realidade na sua
unidade, considerando os aspetos biológicos e psicológicos. Interessa-se pelos
aspetos de interação causa e efeito, a pessoa como um todo na sua perspectiva
biológica e relacional, isto é, pensar a realidade na sua totalidade: a entidade
biológica e a entidade psicológica.’

As doenças psicossomáticas são difíceis de ser detectadas, pois causam


sintomas físicos, porém sem causas orgânicas, se constituindo por causas
emocionais, onde uma angustia (de base psíquica), por exemplo, geraria um mal
estar tão grande que o corpo físico "falasse" para o psíquico "vamos dividir essa
angustia". No entanto, muitos profissionais de saúde descartam a possibilidade
de uma pessoa estar com uma doença psicossomática, pois acreditam somente
em doenças que tenham causa orgânica, porém quando pedem para seus
pacientes realizarem exames clínicos, seus resultados não apresentam
nenhuma alteração orgânica de base para a patologia.

O termo psicossomático, após séculos de estruturação, surgiu no século


passado, através de Heinroth, com a criação das expressões psicossomática
(1918) e somatopsíquica (1928). (Mello Filho, 1992).

No entanto, o movimento consolidou-se somente em meados deste


século, através das contribuições pioneiras de Franz Alexander e da Escola de
Chicago. Contudo, as dúvidas referentes à relação mente corpo continuam
expressas na própria denominação “psicossomática” e ainda continua a ser
usada por muitos estudiosos destes fenômenos.

Para Alexander, o termo psicossomático “deve ser usado apenas para


indicar um método de abordagem, tanto em pesquisa quanto em terapia, ou seja,
o uso simultâneo e coordenado de métodos e conceitos somáticos - de um lado
e métodos e conceitos psicológicos por outro lado”. (Alexander, 1989, p.42).

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A. Dias (1992, p.31), refletindo a relação entre sujeito e linguagem,
começa por criticar o termo psicossomático. Afirma que é um termo gasto, pois
entrou no domínio do psiquiátrico e da medicina com uma tal amplitude que, se
bem que criando um novo espaço de investigação, também o diluiu noutros
espaços afins”. Propõe ainda que, “a partir de algumas indicações deixadas por
Bion”, há necessidade de se interrogar quanto à inespecificidade do termo
psicossomático e sua pertinência.

O termo psicossomático, na expressão mais comum, pode reportar-se


tanto ao quesito da origem psicológica de determinadas doenças orgânicas,
quanto às “repercussões afetivas do estado de doença física no indivíduo, como
até confundir-se com simulação e hipocondria, onde toma um sentido negativo”.
(Cardoso, 1995, p.5).

No sentido mais preciso, o termo circunscreve áreas específicas,


sobreponíveis ou não, quando se refere à medicina psicossomática, doenças
psicossomáticas ou psicossomática.

A denominação de medicina psicossomática, de acordo com seu campo


epistemológico, “é um estudo das relações mente corpo com ênfase na
explicação da patologia somática, uma proposta de assistência integral e uma
transcrição para a linguagem psicológica dos sintomas corporais”. (Ekstermam,
1992, p.77).

Sami-Ali (1992, p.159) ao refletir sobre a ligação entre o orgânico e o


relacional começa por distinguir medicina psicossomática e psicossomática.
Assim, a medicina psicossomática é “uma maneira de introduzir variáveis
psicológicas num domínio que se define como orgânico, adicionando variáveis
psíquicas às variáveis orgânicas”.

A Psicossomática proposta por ele, no entanto, é um modelo teórico e


uma metodologia específica, onde o somático é percebido em sua complexidade
e não na falha psíquica. Desta forma, Sami-Ali inspira-se na psicanálise, mas a
utiliza somente como ponto de partida “para a elaboração de outros conceitos”
(Sami-Ali, loc. cit.), afastando-se, desta forma, dos modelos freudianos.

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O conceito de doença psicossomática, sua classificação e diagnóstico, é
outra questão polêmica. Halliday (1943,1945,1946,1948, cit. Alexander, 1989,
p.43) propõe que a úlcera péptica, a artrite reumatoide, a hipertensão, o
hipertireoidismo essencial e outras estariam inclusos nas doenças
psicossomáticas. O ponto de partida deste autor firma-se na hipótese de que o
fator etiológico proeminente nestas doenças é o fator psicológico.

No entanto, Alexander2 (1989) diz que, teoricamente, “cada doença é


psicossomática, uma vez que fatores emocionais influenciam todos os processos
do corpo, através das vias nervosas humorais e que os fenômenos somáticos e
psicológicos ocorrem no mesmo organismo e são apenas dois aspectos do
mesmo processo”.

Portanto, a designação de psicossomática, devido a “seu esforço de


delimitação e rigor no seu objeto e métodos”, foi distanciando-se cada vez mais
da Medicina Psicossomática. No entanto, “isso não significa que se caminhe no
sentido da síntese de um modelo psicossomático”, contudo situa-se numa
perspectiva específica no modo de encarar os fenômenos de doença”. E
tampouco significa que se tenha resolvido antigas questões do impasse das
teorias monistas e dualistas da relação corpo-espírito (Cardoso, 1995, p.5).

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EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DA
PSICOSSOMÁTICA

Se partirmos do pressuposto da unidade funcional soma-psyche, na qual


a psicossomática se funda, “ela constitui, mais uma vez, uma resposta à velha
questão da relação corpo espírito”. (Weiss e English, 1952, cit. Cardoso, 1995,
p.7), assunto provavelmente tão antigo quanto à própria humanidade, uma vez
que a relação entre corpo e espírito foi e continua a ser assunto tão controvertido
e fecundo.

Ao fazer referência a insônia e a influência das paixões na tuberculose,


epilepsia e cancro, J. C. Heinroth, psiquiatra alemão, utiliza pela primeira vez,
em 1818, o termo psicossomática. A medicina psicossomática, a partir do século
passado, como reação à tradição dualista cartesiana, surge com a proposta
holística na maneira de olhar a doença. Somente no século posterior, o termo
psicossomática é retomado, influenciado pelo desenvolvimento da psicanálise e
do modelo freudiano, iniciando, desta forma, sua estruturação.

A medicina, conhecedora “das descobertas e da teorização da


psicanálise, das investigações no campo da reflexiologia por Pavlov (1976), da
neurofisiologia por Cannon (1911) e da conceptualização da noção de stress por
Selye (1956).” (Cardoso, 1995, op. cit.), utiliza destas valiosas contribuições para
fazer uma nova leitura dos fenômenos.

A história da psicossomática, poderia ser dividida em duas grandes


correntes: de um lado, as correntes inspiradas “nas teorias psicanalíticas e com
base no conceito de doença psicossomática”; de outro lado, a “inspiração
biológica, alicerçada no conceito de stress”. (Dantzer, 1989 cit. Cardoso, 1995,
op. cit.).

Para Mello Filho (1992), a evolução da psicossomática ocorreu em fases.


A primeira, denominada de fase inicial ou psicanalítica, sob a influência das
teorias psicanalíticas, teve seu interesse voltado para os estudos da origem
inconsciente das doenças, das teorias da regressão e dos ganhos secundários
da doença. A segunda, também chamada de fase intermediária, influenciada

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pelo modelo Behaviorista, valorizou as pesquisas tanto em homens como em
animais, deixando assim grande legado aos estudos do stress. A terceira fase,
denominada de atual ou multidisciplinar, valorizou o social, a interação e
interconexão entre os profissionais das várias áreas da saúde.

PRECURSORES CONTRIBUIÇÕES DA PSICANÁLISE

A psicossomática e a psicanálise estão articuladas histórica e


praticamente, mesmo que Freud, em momento algum, tenha se preocupado em
criar uma teoria psicossomática. Devido ao fato de seus conceitos fomentarem
grandes discussões e fundamentarem inúmeros modelos, ele é considerado um
dos percursores mais influentes nesta área (Dejours et al.., 1980; Dejours, 1988,
cit. Cardoso, 1995).

Freud (1895), em seus estudos sobre a histeria, “aborda a componente


somática do sintoma de um ponto de vista econômico e conceitualiza o
fenômeno de conexão, a que atribui o sentido de expressão simbólica do
conflito”. (A. Dias 1976 cit. Cardoso, 1995, op. cit.).

Diferentemente de Janet que “afirmava um valor negativo, fosse para


organização mental subjacente (subconsciente) ou para o sistema neurótico
(astenia)”, Freud propõe um valor positivo à “descompensação neurótica, via o
estudo do fenômeno histérico” (A. Dias, 1992, op. cit.), delimitando, assim, o
pensamento psicanalítico do pensamento psicológico da época.

A noção de complacência somática é introduzida por Freud, constituindo


objeto de controvérsia, ainda hoje, por aqueles que defendem “o assimbolismo
ou estupidez do sintoma e da escolha do órgão, contra os que acreditam no seu
valor simbólico”. (Cardoso, 1995). Ao tentar “articular o somático e o psíquico”,
Freud faz a distinção entre as psiconeuroses e as neuroses atuais, contribuindo
sobremaneira a algumas teorias psicossomática (Sami-Ali, 1992, op. cit.).

Freud introduziu a expressão complacência somática para se referir à


“escolha da neurose histérica e a escolha do órgão ou do aparelho corporal sobre
o qual se dá a conversão”. (Laplanche e Pontalis, 1995, p.69), onde o corpo ou

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um órgão específico facilitaria a expressão simbólica do conflito inconsciente. Ao
questionar a determinação do sintoma, no caso Dora, Freud (1905) levanta a
polêmica questão referente à origem dos sintomas histéricos, ou seja, se seriam
de origem psíquica ou somática. Para ele, no entanto, a questão da origem dos
sintomas histéricos, não está em escolher entre a origem psíquica e a somática,
uma vez que “todo sintoma histérico requer a participação de ambos. Não pode
ocorrer sem a presença de uma certa complacência somática fornecida por
algum processo normal ou patológico no interior de um órgão do corpo ou com
ele relacionado”. (Freud, 1905, Vol. VII, p. 47-48). Portanto, para Freud, é esta
complacência somática que “proporciona aos processos psíquicos inconscientes
uma saída no corporal” (Freud, 1905, loc. cit.).

Nas psiconeuroses os sintomas provêm do recalcado num processo de


insucesso do recalcamento e de retorno do recalcado. Ou seja, o “conflito
intrapsíquico e as tentativas para sua elaboração tomariam o lugar central, com
existência de fantasma e neurose de transfert” (Cardoso, 1995, p.9). Enquanto
que nas neuroses atuais (neurastenia, neurose de angustia e hipocondria) não
há mediação psíquica e a patologia reflete, diretamente, uma economia sexual
perturbada, consequência de um excesso ou insuficiência de descarga, “seria a
realidade a tomar maior importância, ficando o conflito fora do acesso do sujeito”
(Sami-Ali, cit. Cardoso, 1995, p.9).

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Vemos que, os contributos da psicanálise para a teoria psicossomática
são valiosos, uma vez que, “qualquer que seja o momento de sua elaboração, a
teoria psicossomática permanece estreitamente ligada à psicopatologia e mais
especialmente à noção de psiconeurose, o que continua sendo a norma mesmo
quando dela nos afastamos deliberadamente” (Sami-Ali, 1993, p.86).

ESCOLA PSICOSSOMÁTICA AMERICANA

Na América, o interesse pela psicossomática surge por volta dos anos 30,
consolidando-se em meados deste século com Alexander e Dunbar da Escola
de Chicago. Estes autores consideram que os transtornos psicossomáticos
seriam “consequência de estados de tensão crônica, relativa à expressão
inadequada de determinadas vivências, que seriam derivadas para o corpo”.
(Cardoso, 1995, p.10). Defendem ainda a questão da especificidade da doença
psicossomática numa visão psicogenética. De acordo com a hipótese da
especificidade, “as diferentes doenças psicossomáticas corresponderiam
diferentes ‘fatores psicológicos’, que para Dunbar seriam os tipos de
personalidade e para Alexander os conflitos ou ‘situações de vida significantes’”
(Cardoso, 1995, loc. cit.)

A. Dias (1992), criticando os dois grandes ramos da psicossomática


(Escola Americana e Escola de Paris), diz que o modelo de Alexander e os que
dele derivam é um modelo médico “que, entreabindo as portas à ‘neurose de
órgão’, lhes fechara imediatamente pela imposição do anatômico que ‘exigia’
uma explicação do localisacional fisiológico”. ( A.Dias, 1992, p.39). Este autor
ainda salienta que existe “insuficiência epistemológica crucial” no modelo de
Alexander, quando este defende a questão da especificidade, ao tentar acoplar
ao órgão e sua doença diferentes personalidades, onde a cada vivência
emocional corresponderia uma síndrome específica de alterações físicas.

Alexander (1989, p.37), analisando o conceito Freudiano de histeria


conversiva em psicossomática faz uma distinção entre sintoma conversivo e
neurose vegetativa. Para ele, o sintoma conversivo é “uma expressão simbólica
de um conteúdo psicológico emocionalmente definido”, cuja finalidade é

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“expressar e aliviar tensões emocionais”, através dos sistemas neuromuscular
voluntário ou perceptivo. Enquanto a neurose vegetativa é uma resposta
fisiológica dos órgãos vegetativos a estados que podem ser ou não constantes.

Para este autor, apenas no campo das inervações voluntárias pode haver
a expressão simbólica do conteúdo psicológico, enquanto que é pouco provável
que nos órgãos internos haja expressão simbólica. Para explicar este
funcionamento, Alexander cria a noção de “neurose orgânica”, que abrange
todos os “distúrbios funcionais” dos órgãos vegetativos, causados por impulsos
nervosos, originados por processos emocionais “que ocorrem em algum lugar
nas áreas cortical e subcortical do cérebro” (Alexander, 1989, p.37).

Portanto, segundo este autor, a tensão emocional proveniente de conflitos


vivenciados ou afetos específicos reprimidos estimulariam a função de órgãos
específicos, verificando-se, a partir daí, “uma espécie de ‘estase anormal de
energia’, pelo aumento ou persistência da produção dos concomitantes
fisiológicos das emoções, perturbadora do seu funcionamento normal”, isto é, o
que em um primeiro momento “se traduziria por uma alteração da função”
posteriormente se constituiria em “uma transformação orgânica”, ou seja,
“passaria de sintoma funcional a sintoma orgânico” (Cardoso, 1995, p.11).

Do ponto de vista psicodinâmico, Alexander (1989, p.11), divide os


distúrbios emocionais das funções vegetativas em duas categorias, sendo que
correspondem a duas atitudes emocionais específicas. A primeira categoria se
refere às atitudes emocionais de “preparação para luta ou fuga” e a segunda à
“retirada da atividade” dirigida para o exterior. E, do ponto de vista fisiológico, as
atitudes emocionais, da primeira categoria, estão sob o comando do sistema
nervoso simpático; e, a segunda categoria, sob o sistema nervoso
parassimpático. Partindo deste princípio, distingue as doenças relacionadas ao
sistema nervoso simpático como respostas ativas, e as doenças relacionadas ao
sistema nervoso parassimpático como respostas passivas. “O primeiro grupo
incluiria doenças como a hipertensão arterial, a diabetes, a epilepsia, etc...
enquanto do segundo grupo fariam parte afecções como asma, as colites, a
úlcera duodenal, etc...” (Cardoso, 1995, p.11).

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A teoria da especificidade norteia todos os pontos de vista de Alexander.
Para ele, a especificidade orgânica seria responsável pela fragilidade de
determinados órgãos. “Está aliada a constelações emocionais ou
psicodinâmicas dos sujeitos e que a par de conflitos inconscientes específicos
organizaria modos de defesa também específicas, poderia levar ao
aparecimento de determinadas doenças, servindo a situação exterior de
desencadeante” (Cardoso, 1995, loc. cit.).

O conceito de que há uma predisposição para determinadas doenças


conforme o tipo de personalidade é muito antigo e ainda presente no
pensamento médico. Dunbar, a partir da aplicação de “métodos modernos de
diagnóstico psicodinâmico”(Alexander, 1989, p.59) explora este campo fértil e
“desenvolve a noção de perfil de personalidade, enquanto fator pré-mórbido
determinante no aparecimento de certas doenças psicossomáticas” (Cardoso,
1995, op. cit.).

Em seu estudo de perfis, esta autora procura “associar a um perfil


psicológico uma patologia orgânica precisa”(Sami-Ali, 1993, p.86), chegando,
inclusive, a um impressionante perfil do paciente coronariano, dos pacientes
fraturados e propensos a acidentes, dos pacientes diabéticos etc.... Nestes
estudos de perfis, Dunbar (1943, cit. Alexander, 1989) descreve determinadas
“correlações estatísticas entre a doença e o tipo de personalidade”. (Alexander,
1989, p.59). O perfil do paciente coronariano parece ser o mais precioso de seus
perfis. Para ela, este paciente demonstra ser uma pessoa constantemente
batalhadora. Apresenta ter um elevado grau de controle e persistência e,
também, uma aparência distinta, tendo como objetivo primordial o sucesso e a
realização e, para atingir estes objetivos, o mesmo planeja a longo prazo.

Outro perfil estudado por ela se refere ao paciente fraturado. Ao contrário


dos pacientes coronarianos, estes “Tendem a agir sob impulso repentino e,
frequentemente, manifestam hostilidade mal controlada contra pessoas em
posição de autoridade; ao mesmo tempo, seu comportamento é motivado por
sentimentos de culpa e mostra uma tendência a autopunição” (Alexander, 1989,
p.59)

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Através destes estudos de perfis, Dunbar, conclui que determinados tipos
de personalidades tenderiam a assumir ou não ocupações de responsabilidade.

Alvarez (1930, cit. Alexander, 1989), clínico e estudioso de perfis, tem


aperfeiçoado o “conceito de personalidade própria do portador de úlcera péptica”
(Alexander, 1989, p.58), concluindo que estas pessoas demonstram
características do tipo empreendedor, enérgico e agressivo. No entanto, Draper
(1924, cit. Alexander, 1989) diz que um grande número de pacientes com úlcera
péptica demonstram que sob a aparência de empreendedor, enérgico e
agressivo há característica de dependência e, “conforme ele as expressou,
femininas” (Alexander, 1989, loc. cit.).

As doenças endócrinas é outro terreno fecundo para a “correlação de


traços de personalidades com quadros de doença” (Alexander, 1989, p.58). O
paciente com hipertireoidismo demonstra ser “extremamente tenso, irritável e
sensível”, (Alexander, 1989, op. cit.), enquanto que o paciente com
hipotireoidismo demonstra ser uma pessoa “embotada, fleumática e lenta”
(Alexander, 1989, op. cit.).

Alexander, criticando estes perfis psicológicos de Dunbar, afirma que os


mesmos “revelam, primariamente, a defesa do paciente e não os conflitos que
podem estar relacionados especificamente à gênese da doença” (Alexander,
1989, op. cit.) e que os estudos psicodinâmicos têm revelado que determinados
“distúrbios das funções vegetativas podem ser correlacionadas diretamente com
estados emocionais específicos e não com configurações de personalidades
superficiais, como descritas nos perfis de personalidade” (Alexander, 1989, op.
cit.).

Na mesma perspectiva de Dunbar, Friedman e Rosenman, (1959, cit.


Léon, 1993), na década de 50, ao investigarem seus pacientes com doenças
coronarianas, concluem que determinados indivíduos que apresentam uma
acentuada urgência de tempo associada a uma intensa hostilidade, grande
fluência verbal, atividade psicomotora intensa, ambição e competição estariam
mais suscetíveis às doenças coronarianas. A este tipo de padrão de conduta que
predispõe o indivíduo a doenças coronarianas, estes autores denominaram de
Padrão de Conduta tipo A, ou personalidade tipo A .

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Apesar da aceitação e da popularidade desta teoria nos anos 70, alguns
autores (Price, 1982; De Flores e Valdes, 1986; cit. Léon, 1993, op. cit.)
questionam o peso destas características nas doenças coronarianas. “Parece
que somente certas características da personalidade do tipo A, tais como a
agressividade e a cólera, poderiam ser ligadas à aparição de doenças
coronárias. Um outro problema ameaça a validade do tipo A, é o fato de ele não
predizer os riscos coronários em mulheres” (Paulhan, et al. , 1994, p. 34,
tradução nossa).

ESCOLA PSICOSSOMÁTICA DE PARIS

Em uma reversão de perspectiva das escolas americanas, no final dos


anos 50, a França, a partir de nomes com o P. Marty, M de M’Uzan, M. Fain e C.
David, inicia uma investigação em psicossomática.

Para A. Dias (1992), esses autores, ao utilizarem uma “escuta analítica”


destes sujeitos, ao invés de escutar “o sujeito via órgão”, diferenciaram-se
substancialmente da escola psicossomática americana. Ao realizarem esta
forma de escuta, “Marty e seus colegas” se surpreenderam, pois descobriram
que estes sujeitos “não estavam falando de nada”. No entanto, este nada
“possibilitou aos investigadores franceses a formulação de uma gigantesca
negatividade simbólica, aonde o pensamento operatório, a precariedade onírica
e a ausência de fantasia se impunham como esfinges aos decifradores do
enigma psicossomático” (A Dias, 1992, p.40).

Para estes autores, o termo “psicossomática” se refere à designação de


uma “abordagem de pacientes, de uma técnica psicoterápica e de uma teoria”,
(Rocha, 1989, p.104) cujo interesse é a compreensão do que ocorre na mente
dos sujeitos que respondem aos conflitos e aos acontecimentos somatizando.
Esta forma peculiar de organização mental apresenta as seguintes
características: “dificuldade de fantasiar livremente, pobreza de associações
subjetivas, dificuldade de estabelecer uma transferência, pobreza de
investimentos libidinais e ausência de reações afetivas diante de perdas e outros

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acontecimentos traumáticos”, (Rocha, 1989, loc. cit.). A este grupo de
características, nomearam de “relação branca”, “vida operatória”.

Marty e M’Uzan (1983, cit. Silva e Caldeira, 1992, p.113),. a partir dos
estudos realizados por Fain e David, sobre a vida onírica e aplicados à seus
pacientes, perceberam que estes tinham uma forma peculiar de pensar e de lidar
com suas emoções. A esta forma de pensamento, estes autores denominaram
de “pensamento operatório”. Portanto, o conceito de “pensamento operatório”
surgiu nos últimos anos como consequência do desenvolvimento da escola
francesa e americana, para designar a forma de pensar e de lidar com emoções
de pacientes definidos como psicossomáticos.

Esta forma peculiar de pensamento seria para eles um pensamento


consciente que se organizaria por causa da “falha do pré-consciente”,
acarretando assim impossibilidade de comunicação entre o consciente e o
inconsciente. Consequentemente , os sujeitos que apresentam esse estilo
peculiar de pensamento teriam uma pobreza fantasmática e uma precária vida
onírica. Portanto, a capacidade simbólica e o valor de sublimação seriam quase
inexistentes acarretando um prejuízo considerável da capacidade de produção,
quer científica quer artística, desses sujeitos.

Essa estrutura de pensamento apresenta duas características


fundamentais: a primeira se refere a um pensamento consciente que se
manifesta sem vínculo algum com o orgânico e sem atividade fantasmática de
considerável valor; e a segunda diz respeito ao fato do pensamento reproduzir
simplesmente uma ação, ou seja, não há significado para o ato, mas apenas a
palavra ilustrando a ação. Nesse sentido, a palavra seria apenas para
descarregar uma tensão. Ela é vazia, desprovida de qualquer elaboração e sem
nenhuma ligação “con una atividaded fantasmática situado en un grado
apreciable5 ” (Martin y M’Uzan, 1963, p.715); é apenas uma reprodução do ato,
não há distância do significante perante o significado.

Do ponto de vista funcional, Marty e M’Uzan (1963) procuram relacionar


a singularidade do pensamento operatório ao processo primário e secundário.

O fato de se encontrar, nesse tipo de pensamento, orientação para a


realidade sensível, preocupação com o lógico, com a continuidade e com a

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casualidade nos remeteria a uma modalidade do processo secundário, no
entanto a atividade deste estilo de pensamento se fixa, principalmente, às coisas
e não às expressões simbólicas e à imaginação. Quanto à noção de cronologia,
esta se utiliza do processo secundário, no entanto, ocorre, em uma unidade de
tempo limitado.

Para esses autores, em um primeiro momento parece que não há


nenhuma relação entre o pensamento operatório e o processo primário. No
entanto, determinadas manifestações verbais perversas ou agressivas, que
surgem de repente desconectadas do contexto, denunciam uma certa ligação
com o inconsciente. Apesar da existência dessa ligação, o contato estabelecido
entre eles ocorre “en el nível mas boyo, el menos elaborado, mas acá de las
primeiras elaboraciones integradoras de la vida pulsional6 ”. (Marty y M’Uzan,
1963, p.719).

ESCOLA DE BOSTON E CONCEITO DE ALEXITIMIA

Jonhn Nemiah e Peter Sifneos, dois analistas americanos, nos anos 70,
que se propuseram a realizar pesquisas sobre a forma peculiar de se comunicar
dos pacientes psicossomáticos, constataram, por meio do estudo minucioso de
entrevistas psiquiátricas, gravadas com pacientes que apresentavam alguma
doença psicossomática clássica, que dezesseis desses pacientes demonstraram
uma impressionante dificuldade de expressar ou descrever suas emoções
através da palavra, assim como uma acentuada diminuição dos pensamentos
fantasmáticos.

Posteriormente, após repetidas observações, estes autores concluíram


que os pacientes com doenças psicossomáticas clássicas, ao contrário dos
pacientes psiconeuróticos, apresentavam frequentemente uma desordem
específica nas suas funções afetivas e simbólicas, acarretando uma forma de se
comunicar confusa e improdutiva (Taylor, 1990).

A esta maneira peculiar de se comunicar desses pacientes, Sifneos(1972)


denominou de alexitimia, sendo que a etimiologia da palavra alexitimia é de

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origem grega (a = falta de, lexis = palavra, thymos = emoção), significando falta
de palavras para as emoções (Taylor, 1990)

A alexitimia, apesar de inicialmente ter sido relacionada a perturbações


psicossomáticas clássicas, atualmente, pode ser encontrada em um grande
número de sujeitos que padecem de diversas perturbações físicas e
psicopatológicas, quer como um estilo peculiar do funcionamento mental, quer
como resposta do sujeito às “situações vividas como ameaçadoras pela difícil
contenção psíquica das emoções dolorosas” (Teixeira e col., p.381).

Apesar desses estudos atuais demonstrarem que essa maneira peculiar


de se comunicar não é específica dos pacientes com doenças psicossomáticas
clássicas, a contribuição de Nemiah e Sifneos é de importância fundamental,
pois chamaram a atenção para um aspecto do funcionamento psíquico relevante
tanto para a medicina psicossomática quanto para a psicanálise. Apontaram,
principalmente para a psicanálise atual, uma direção a tomar sobre a exploração
da vida intra-psíquica via estudo da comunicação entre paciente e analista.

Embora sejam várias as investigações no sentido de encontrar uma única


explicação etiológica para a alexitimia, Nemiah (1977, cit. Taylor 1990) acredita
na hipótese de que haja múltiplos fatores exercendo influências no
desenvolvimento deste fenômeno tão complexo. Taylor (1988), concorda com
esta hipótese e ressalta que a maneira de se comunicar é influenciada, não
somente por fatores genéticos, neuropsicológicos e intra-psíquicos, mas também
por fatores sócio-culturais, pelo nível intelectual e pelos modelos dos discursos
familiares.

De acordo com Mc Dougall (1974, cit. Taylor 1990), ao contrário do que


acontece na histeria de conversão, onde o corpo se rende à dramatização
simbólica do conflito intra-psíquico, no fenômeno alexitímico o corpo segrega
seus próprios pensamentos. Sendo este corpo sentido como se pertencesse a
alguém (mãe) ou a alguma coisa (mundo externo). Para essa autora, o fenômeno
alexitímico acontece em decorrência de perturbações da relação mãe-filho,
sendo esse fenômeno uma patologia pré-neurótica extremamente precoce
dominada pelos mecanismos de defesa de clivagem e de identificação projetiva
(Mc Dougall, 1980, 1982 cit. Taylor, 1990). Essas perturbações correspondem à

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fase do desenvolvimento simbiótico, onde as representações de si e as
representações do objeto não são nitidamente diferenciadas e também os
símbolos não são utilizados de forma concreta. Portanto, do ponto de vista de
Mc Dougall (1982), a alexitimia é uma “dèfense singulièrement forte contre la
douleur psychique et les anxiétés psychotiques associées aux objtes internes
archaiques7 ” (Taylor, 1990, p. 778).

Krystal (1973, cit. Silva e Caldeira, 1992) realizou estudos em


toxicômanos, vítimas de holocaustos e indivíduos psicossomáticos, e concluiu
que a alexitimia é mais que uma defesa, como postulou Mc Dougall, é uma
parada do desenvolvimento afetivo decorrente de um traumatismo infantil, ou
uma regressão da “fonction affetictive-cognitive après un traumatisme
catastrophique à l’agê adulte8 ”(Krystal, 1979,1982-1983 cit. Taylor, 1990, p.
778). Portanto, a concepção de alexitimia de Krystal se aproxima da noção de
Bion (1977) de “d’une fonction alpha déficente9 ” e também da concepção
Kleiniana de “fixation ou de régression par rapport à la position paranóide-
schizóide” (Taylor, 1990, p. 779).

De acordo com o exposto anteriormente, a alexitimia é um constructo


derivado da clínica baseado em observações e minuciosos estudos das
entrevistas de consultas psiquiátricas em pacientes com doenças
psicossomáticas clássicas.

Nemiah e Sifneos (1970, cit. Taylor, 1990) perceberam, através desses


estudos que havia uma nítida diferença na maneira como se queixavam os
pacientes alexitímicos dos pacientes neuróticos. Enquanto os pacientes
neuróticos se queixavam de sintomas emocionais e dificuldades psicológicas, os
pacientes alexitímicos se queixavam de sintomas somáticos, onde na maioria
das vezes não havia qualquer ligação entre os sintomas e qualquer doença física
que pudessem ter. A maneira como esses pacientes se comunicavam se
caracterizava por um pensamento simbólico em que as pulsões, os sentimentos
e os desejos não apareciam. Sendo esse um pensamento vulgar, particular,
preocupado com detalhes e acontecimentos externos, ou seja, voltado para o
mundo exterior em detrimento do mundo interior.

15
Outra característica, apontada por esses autores, se refere a uma
extraordinária dificuldade desses sujeitos em reconhecer e descrever seus
próprios sentimentos, assim como, em diferenciar as sensações corporais dos
estados emocionais. (Nemiah, Freyberger e Sifneos, 1976, cit. Taylor, 1990).
Ainda, nessa concepção, esses sujeitos demonstraram ser hiperadaptados e
com elevado grau de “conformismo social”, aparentando ser às vezes um
neurótico com “une personnalité hystérique ou un caractére obsessionnel11 ”
(Taylor, 1990, p. 771). No entanto, Nemiah (1973) faz uma distinção, dizendo
que as personalidades alexitímicas apresentam uma ausência de pensamento
fantasmático associados ao conflito psicológico (Taylor, 1990).

A EXPLICAÇÃO BIOLÓGICA E NEUROFISIOLÓGICA EM


PSICOSSOMÁTICA

Chrousos e Gold (1993) definem estresse “como um estado de


desarmonia ou de homeostase ameaçada”. (Chrousos e Gold, 1993, p. 479).
Para estes autores, Heracleitus foi o primeiro a sugerir que um “estado estático,
sem alteração, não era condição natural” (Chrousos e Gold, 1993, op. cit.) dos
organismos vivos, mas sim a capacidade, de se submeterem a alterações
constantes. Empédocles, logo após esta ideia, propõe que a condição
necessária para a sobrevivência dos seres vivos consiste no equilíbrio e
harmonia dos elementos em oposição dinâmica.

Partindo desta concepção, Hipócrates, cem anos depois, define saúde


como sendo um equilíbrio harmonioso dos “elementos e das qualidades de vida”
(Chrousos e Gold, 1993, p.480) e doença como “desarmonia sistemática destes
elementos”. (Chrousos e Gold, 1993, loc. cit.). Hipócrates sugere ainda que as
forças que provocam a desarmonia - a doença - têm sua origem nas “fontes
naturais e não de fontes sobrenaturais e que as forças de contra equilíbrio ou
adaptativas eram também de origem natural” (Chrousos e Gold, 1993, loc. cit.).

Thomas Sydenham, no período da Renascença, amplia o conceito de


doença de Hipócrates quando a define como “uma desarmonia sistemática

16
trazida à tona devido às forças perturbadoras” (Chrousos e Gold, 1993, loc. cit.),
sugerindo que uma resposta adaptativa a estas forças poderia acarretar
alterações patológicas.

No século XIX, ao tornar mais ampla a noção de harmonia ou de estado


de estabilidade, Claude Bernard, introduz o conceito do “milieu interieu, ou o
princípio de um equilíbrio fisiológico interno dinâmico” (Chrousos e Gold, 1993,
loc. cit.).

Posteriomente, Walter Cannon, fisiologista notável criou o termo


homeostase, ampliando-o tanto a parâmetros emocionais quanto a físicos.
Através de suas pesquisas com animais percebeu que, quando estes eram
submetidos a estímulos desequilibradores de sua homeostase, se preparavam
para “a luta ou fuga”, apresentando alterações somáticas12 e que estas
alterações eram desencadeadas “por descargas adrenérgicas da medula da
supra-renal e de noradrenalina em fibras pós-ganglionares” (Rodrigues e
Gasparini, 1992, p.99).

Partindo destas descobertas, Cannon “teorizou em 1934 a relação entre


emoções e alterações fisiológicas e hormonais, enquanto função adaptativa do
organismo às solicitações ou agressões externas” (Luban-Plozza, 1979, cit.
Cardoso, 1995, p.15).

Na década de 30, Hans Selye, endocrinologista, radicado no Canadá,


“pegou emprestado o termo ‘estresse’ da física e o utilizou para significar as
ações mútuas de forças que têm lugar através de qualquer seção do corpo”.
(Chrousos e Gold, 1993, p.480). Através de seus estudos, demonstrou que um
organismo, quando exposto a um esforço provocado por um estímulo que
ameace sua homeostase, reage com o corpo todo e de “forma uniforme e
inespecífica” (Rodrigues e Gasparini, 1992, loc. cit.). A esta forma de reagir,
Selye denominou de Síndrome Geral de Adaptação, “chegando assim a noção
de stress” (Cardoso, 1995, loc. cit.). Portanto, “stress”, para ele, é uma resposta
inespecífica que o organismo “desenvolve ao ser submetido a uma situação que
exige esforço para a adaptação” (Rodrigues e Gasparini, 1992, op. cit.).

Esta síndrome, de acordo com este autor, consiste em três fases: a de


alarme, a de resistência e a fase de exaustão, sucessivamente. No entanto, para

17
que haja o stress, não é necessário que a fase se desenvolva até o final e, se a
“reação ao agressor for muito intensa ou se o agente do estresse for muito
potente e/ou prolongado, poderá haver, como conseqüência, doença ou maior
predisposição ao desenvolvimento da doença” (Rodrigues e Gasparini, 1992,
p.99).

Holmes et Rahe, (1967, cit. Cardoso, 1995), partindo da noção de stress


e interessados em investigá-los, elaboraram um instrumento para medi-lo.
Desenvolveram, desta forma, uma Escala onde os “life events” são pontuados
em função do esforço adaptativo que exigem (Life Change Units ou LCU)
(Cardoso, 1995, op. cit.), “onde haveria limites a partir dos quais se constituiriam
níveis de risco para o aparecimento de doenças, dado que o esforço de
adaptação em causa teria um efeito cumulativo nos sujeitos, em relação a sua
capacidade de resposta. Daí que a pontuação obtida constituiria um bom
indicador preditivo de um adoecer psicossomático” (Villemain, 1989, cit Cardoso,
op. cit.).

Convém acrescentar que o stress é uma resposta radicalmente


inespecífica e apenas descreve o nível orgânico da coisa. Não ajuda
compreender psicologicamente o adoecer psicossomático.

OUTRAS CONCEPÇÕES E MODELOS EM


PSICOSSOMÁTICA

Os princípios psicossomáticos, segundo Dejours (1988), teriam suas


hipóteses alicerçadas na inter-relação entre o corpo fisiológico e o corpo erótico.
Para ele, através da subversão libidinal, o corpo erótico surge do corpo biológico,
mantendo constantemente uma relação de dependência, influenciando e
intervindo “ao nível da relação orgão-junção” (Cardoso, 1995, p.22).

Dejours (1988 cit Cardoso, 1995) utilizou esta designação “subversão


libidinal” para se referir à aquisição de algo que, além de não ser definitivo, não
se completaria jamais, acarretando assim um “confronto constante entre corpo
erótico e corpo biológico” (Cardoso, 1995, op. cit.). De acordo com essa

18
concepção, não faz sentido algum separar doença orgânica e doença mental
uma vez que as somatizações, nas duas, correspondem a uma somatização
cerebral, designada “habitualmente por psicose”. Portanto, a escolha do órgão,
nessa concepção, “dependeria das vicissitudes da subversão libidinal e da
construção do corpo erótico, ancorado nas funções bio-endócrinas como nas
motoras e cognitivas”(Cardoso, 1995, op. cit.).

Sami-Ali (1987, op. cit.), através da investigação clínica e teórica,


desenvolvida há 30 anos, enuncia, em seu livro “Pensar o somático”, um projeto
paradoxal, uma vez que, segundo ele, “pensar o somático e o pensar psíquico
são dois caminhos radicalmente diferentes”.

Ao pensar o somático, Sami-Ali, partindo de uma análise crítica do modelo


psicanalítico, propõe um modelo multidimensional em psicossomática. Para ele,
o “ponto mais fraco da psicanálise de Freud e dos autores que se seguiram é a
extensão, é a extrapolação teórica e especulativa, sem limites, dos modelos da
psicopatologia aos fenômenos orgânicos, biológicos, históricos, sociais, etc...”
(Sami-Ali, 1987, p.158). Diz ainda que é uma ilusão, pensar que seja possível
chegar a uma compreensão de todos os “funcionamentos individuais, grupais,
biológicos e históricos”, partindo de um só e único modelo - a patologia freudiana.
E que para chegarmos a uma compreensão dos fenômenos psicossomáticos é
necessário que nos livremos dessa ilusão.

A patologia orgânica, conforme a perspectiva desse autor, “não pode ser


integrada num modelo histórico, nem no modelo da neurose atual e nem no
modelo da psicose”, uma vez que tudo é relacional, isto é, o problema da
patologia orgânica deve ser visto “globalmente a um funcionamento regido em
primeiro lugar pelos ritmos biológicos”, sendo que nesses ritmos há sempre
“alternância entre dois estados fundamentais, o sonho e a vigília, que são regidos
por qualquer coisa que se encontre além ou aquém do psíquico” (Sami-Ali, 1987,
op. cit.). A partir dessa perspectiva Sami-Ali coloca que toda a questão
psicossomática deve ser considerada na relação onde não haja “dum lado o
psíquico e do outro do orgânico”. O que realmente existe é “qualquer coisa que
reenvia a uma relação original, existente antes do nascimento e depois do
nascimento. Está-se em relação desde a concepção” (Sami-Ali, 1987, op. cit.).

19
Desta forma, Sami-Ali contesta Fairbaim, quando este tenta assentar a
relação precoce à procura do objeto, e também Anzieu ou Bowlby, quando estes
procuram relacionar essa relação aos laços de vinculação, uma vez que, para
ele, a vida psíquica começa muito antes da fase narcísica ou auto-erótica.

Outro aspecto relevante à psicossomática, conforme esse autor, diz


respeito à maneira como vê o sonho. Para ele, o sonho é uma criação da
realidade e não uma realização do desejo como é visto por Freud, sendo que
está ligado aos ritmos biológicos. Paralelamente a esses ritmos, Sami-Ali
considera o espaço e o tempo como “duas dimensões fundamentais na
compreensão da realidade humana” (Sami-Ali, 1987, op. cit.), pois a organização
desse espaço e tempo é parâmetro para “a análise e para a compreensão dos
fenômenos psicossomáticos” (Sami-Ali, 1987, op. cit.).

Quando Sami-Ali articula a questão tempo e espaço, não a reduz a formas


simbólicas. Fala de um tempo e espaço ideais e da transposição de “espaço em
tempo e deste tempo em espaço de representação, em relação com a projeção”
(Sami-Ali, 1987, op. cit.). É no sonho que ocorre a objetivação de um mundo e
na criação de um mundo objetivo, que se torna subjetivo, uma vez que a
“projeção é a alucinação, é o facto de criar um mundo que sou eu, e todos criam
esse mundo” (Sami-Ali, 1987, op. cit.).

Para ele, o esquecimento do sonho é específico da espécie humana e o


que existe é a lembrança do sonho e não o sonho em si, sendo que o
recalcamento ocorre na passagem do sonho à memória dos sonhos. Esse
recalcamento ocorre de tal maneira que a atividade onírica, em certas pessoas,
desaparece completamente. Quando ocorre o desaparecimento total da
atividade onírica, é que Sami-Ali fala de uma possível ligação entre organização
da atividade do sonho e a doença orgânica. A atividade onírica determina o
funcionamento psíquico e, quando há ausência desse funcionamento, aparece
a patologia da adaptação. Desta forma, o que estaria recalcado não são os
conteúdos e sim toda uma função, “algo que apaga o traço das emoções, tanto
na expressão onírica como na expressão do afeto” (Cardoso, 1995, p.25).

Na concepção de A. Dias (1992), o termo psicossomática, devido a sua


inespecificidade, deve ser substituído pela designação “somatopsicose”,

20
utilizada tanto por Bion (III volume de A memoir of the Future cit. A. Dias, 1992,
p.31) quanto por Meltzer (Metapsicologia Ampliada, cit. A. Dias, 1992, p.31). O
termo somatopsicose enuncia um contexto teórico claro, onde o “adoecer
psicossomático é encarado na sua relação com fenômenos psíquicos
determinados”. (Cardoso, 1995, p.35).

A. Dias (1992), ao investigar sobre a somatopsicose, parte de


pressupostos de Bion e coloca como paradigma somatopsicótico a mentira
originária, sendo que o conceito de mentira originária, para ele, é muito mais
amplo que o recalcamento originário de Klein e o falso self de Winnicott e mais
até que a “questão da hipermaturação”. (A. Dias, 1992, p.34). Refere-se,
portanto, a uma hiper-adaptação ao outro, ao meio humano, decorrente da
afirmação omnipresente do outro, onde o sujeito se desanima, não havendo um
único espaço para a identificação projetiva, mas somente “uma forma particular
de identificação adesiva em que o sujeito se condena a uma reduplicação do
outro e do pensamento do outro” (Cardoso, 1995, p.35).

No decorrer deste estudo é perceptível que, apesar de toda a


complexidade e diversidade das principais concepções, houve grandes avanços
nas investigações referentes às doenças psicossomáticas.

CLÍNICA PSICOSSOMÁTICA

“A psicossomática caracteriza-se como uma atitude na promoção de


saúde, postulando uma visão integrada, na sua unidade irredutível corpo-mente”,
com essa definição, Campos e Rodrigues (2005, p. 299) apresentam uma visão
atual em psicossomática e na maneira de se enxergar o ser humano, visto que
corpo e mente representam um contínuo e são inseparáveis anatômica e
funcionalmente.

Ainda que realmente algumas doenças apresentem correlações com


aspectos emocionais e situações de vida, as escolas psicossomaticistas não
mais se referem às expressões “doenças psicossomáticas”, como eram
encaradas a úlcera péptica, a retocolite ulcerativa, a asma brônquica, a

21
hipertensão arterial, entre outras (CAMPOS; RODRIGUES, 2005). Seja qual for
o fator etiológico (de causa) preponderante na doença, ela acontece em um ser
humano detentor de vida mental, social e biológica, portanto, passa a ser um
fenômeno psicossomático, ou seja, segundo a compreensão atual na área, toda
doença é psicossomática. Como apontam Campos e Rodrigues (2005, p. 301):

A Escola de Psicossomática de Paris, que tem como principal autor Pierre


Marty e tem como base a teoria psicanalítica, entende que os seres humanos se
confrontam a todo momento com um afluxo de excitações, pensamentos,
desejos, necessidades e conflitos e que temos a possibilidade de descarregá-los
por três possíveis vias: a orgânica (somática), a ação (comportamento) e o
pensamento (psiquismo, representações psíquicas, fantasias etc.) (VOLICH,
2010).

Uma pessoa que entra em conflito com outra por alguma desavença, por
exemplo, pode conseguir lidar emocionalmente com a situação de briga, elaborar
um diálogo conciliador ou explicar o motivo de estar raivosa (saída pelo
pensamento), ou então agredir fisicamente o outro (ação), entretanto, a
experiência de raiva pode propiciar um aumento momentâneo dos batimentos
cardíacos, da pressão arterial, vermelhidão nas faces, tremor ou até mesmo uma
dor de cabeça posteriormente (descarga pela via somática).

A saída mais complexa e adaptada, pela via do pensamento, envolve o


processo definido como mentalização, explicado por Volich (2010, p. 203) como
um “conjunto de operações de representação e simbolização por meio das quais
o aparelho psíquico busca regular as energias instintivas e pulsionais, libidinais
e agressivas”.

22
Entretanto, falhas no desenvolvimento psíquico ou experiências
perturbadoras (traumáticas) podem comprometer o funcionamento mais
evoluído, temporária ou cronicamente, e essas descargas restam a ocorrer,
então, pela via da ação ou por reações orgânicas, incluídas aqui desordens
funcionais de órgãos, desorganizações psicossomáticas progressivas com
adoecimentos recorrentes e potencialmente graves ou até mesmo o que se
compreende pelas reações fisiológicas da ansiedade/pânico. Essa compreensão
é similar à de McDougall, psicanalista estudiosa do fenômeno psicossomático e
relações corpo-mente, que entende “a somatização como resposta, tanto aos
conflitos internos como às catástrofes externas” (MCDOUGALL, 1991, p. 135
apud CAMPOS; RODRIGUES, 2005).

O foco da clínica psicossomática recai sobre esses momentos em que o


sujeito “não encontra palavras” para descrever suas vivências. A não existência
ou a impossibilidade momentânea de se trabalhar com palavras, componentes
afetivos, metafóricos acerca do que se está vivendo acaba por comprometer
esse funcionamento e deixa o sujeito à mercê de descargas pelo comportamento
ou quadros de somatização. É função do psicólogo “fazer falar” (no sentido de
propiciar a fala), estimular no individuo qualquer manifestação subjetiva de
maneira a integrar na sua história – com palavras – o que pode facilmente ser
vivido como traumático ou intolerável.

23
A psicossomática, como um campo de compreensão, busca um
entendimento na relação mente-corpo e dos processos de adoecimento,
partindo, principalmente, da observação dos distúrbios físicos nos quais
processos emocionais desempenham um papel ou de situações observadas nas
diversas clínicas (hospitalar, psicológica, médica etc.), nas quais uma
perturbação psicológica (estresse, como comumente apontado) aumenta o risco
de se desenvolver ou agravar doenças físicas (CAPITÃO; CARVALHO, 2006).

AS CONCEPÇÕES ACERCA DO CONCEITO DE


SOMATIZAÇÃO

A somatização constitui-se não como o único, mas como um dos objetos


de estudo da Psicossomática, pois as concepções atuais definem essa área de
conhecimento como o campo de estudo que tem como objeto os mecanismos
de integração entre as dimensões mental, corporal e social, ou seja, trata da
integração biopsicossocial (RIECHELMANN, 2009). Nessa perspectiva,
Rodrigues, Campos e Pardini (2010) afirmam que a Psicossomática diz respeito
ao:

A evolução da concepção desse campo deu-se em três fases: a inicial, ou


psicanalítica, marcada pelos estudos sobre a gênese inconsciente das
enfermidades, sobre as teorias da regressão e sobre os benefícios secundários
do adoecer; a intermediária, ou behaviorista, fase em que predominou o estímulo
à pesquisa em homens e animais, buscando enquadrar os achados aos
parâmetros das ciências exatas, e dando um grande estímulo aos estudos sobre
o estresse; a atual ou interdisciplinar, em que se põe em destaque a importância
do social e da interdisciplinaridade (MELLO-FILHO, 2010).

24
A origem do termo somatização, segundo Fortes, Tófoli e Baptista (2010),
remonta à primeira metade do século passado. Como atestam esses autores, o
mencionado termo foi cunhado por Stekel e “[...] tem sido usado de forma muito
variada e imprecisa, um dos principais motivos de existirem tantas formas
diferentes de entender esse processo” (FORTES; TÓFOLI; BAPTISTA, 2010, p.
546).

Em determinados momentos históricos, verifica-se certa ausência de


delimitação entre os conceitos de somatização e doenças psicossomáticas, já
que estas eram associadas a sintomas físicos cuja gênese estaria nos fatores
emocionais, coincidindo, assim, com a ideia que se tinha de somatização.

Como afirmam Fortes, Tófoli e Baptista (2010, p. 547) “a somatização foi,


originalmente, e para muitos ainda o é, considerada um mecanismo de
interferência da mente sobre o corpo [...]”. Desse modo, os conceitos de
“somatização” e “doenças psicossomáticas” se confundiam. Os atuais estudos
concernentes aos fenômenos psicossomáticos, segundo Fortes, Tófoli e Baptista
(2010), construíram um novo modelo de compreensão do processo saúde-
doençacuidado, superando as teorias etiológicas lineares, unicausais e
cartesianas.

Dessa forma, contribuíram para a redefinição do conceito de “doenças


psicossomáticas” e, consequentemente, do conceito de “somatização”. De
acordo com esse novo modelo:

Desse modo, os mencionados autores entendem que toda doença é


psicossomática. Essa visão contribuiu para que se instalassem os modelos
multicausais e integrais, que imperam na fase atual dos estudos
psicossomáticos.

A partir dessa mudança de modelo, “[...] o termo somatização perde seu


caráter genérico de ‘influência da mente sobre o corpo’, e adquire uma
especificidade. Passamos então a falar de sintomas físicos onde não se

25
verificam mecanismos anatomopatológicos que os justifiquem adequadamente”
(FORTES; TÓFOLI; BAPTISTA, 2010, p. 547), também chamados de “sintomas
sem explicação médica (SEM)”. Entretanto, é importante pontuar que esse atual
conceito de somatização causa controvérsias:

Parafraseando Mello-Filho (2002), compactua-se com a ideia de que essa


definição reflete a dificuldade do modelo biomédico em transitar entre o somático
e o psíquico, buscando dar conta apenas dos aspectos anatomopatológicos,
descartando do processo saúde-doençacuidado os aspectos psíquicos e sociais,
que interagem contínua e simultaneamente com o corpo.

Considere-se também que a expressão “sem explicação médica”(SEM)


pode significar um exame mal feito, uma inadequada relação entre médico e
paciente, ou, ainda, formas patológicas cuja evolução científica ainda não
permitiu conhecê-las adequadamente (FORTES; TÓFOLI; BAPTISTA, 2010).

Desse modo, entende-se que o conceito de somatização que tem como


núcleo central “sintomas sem explicação médica” apenas nega a existência de
alterações anatômicas que justifiquem adequadamente os sintomas
apresentados, mas não põe em foco os aspectos psíquicos e sociais implicados
no processo. Com a ratificação dos autores mencionados anteriormente (idem),
considera-se que as representações e os significados que o paciente atribui a
sua sintomatologia somática, bem como suas implicações nos aspectos
funcionais e sociais deveriam ser reconhecidos como núcleo central do conceito
de somatização.

Nesse sentido, a somatização seria entendida como uma forma de illness,


ou seja, como “[...] experiência subjetiva da doença e suas repercussões nas
relações sociais” (ibidem, p. 548). Trata-se, pois, do sentir-se doente, do
acreditar estar doente, aderindo excessivamente ao papel de doente,
valorizando as sensações somáticas anormais e manifestando excessiva

26
preocupação com queixas físicas. Desse modo, os supracitados autores afirmam
textualmente:

A partir disso, entende-se que a ausência de alterações


anatomopatológicas consiste numa evidência clínica importante para o
diagnóstico diferencial da somatização, mas os demais aspectos inerentes a
esse processo, tais como a excessiva preocupação com os sintomas físicos, a
busca por cuidados médicos, o padrão de atribuição adotado pelo paciente,
enfim, a sua experiência subjetiva frente às sensações somáticas são fatores
fundamentais nesse contexto.

Dessa forma, “[...] essas queixas somáticas [ditas] inexplicáveis estão


muito mais relacionadas à forma como o paciente apresenta seu sofrimento para
o profissional, do que se constituem como doença específica” (FORTES;
TÓFOLI; BAPTISTA, 2010, p. 548). Assim, pode-se afirmar que o padrão
explicativo que o paciente adota para apresentar seu sofrimento ao profissional
é determinante na configuração do quadro de somatização.

A FORMAÇÃO DE SINTOMAS NO SUJEITO


BIOPSICOSSOCIAL

A atual fase da Psicossomática compreende o processo de adoecer como


um fenômeno contextualizado, que aponta para a realidade e o modo de ser e
existir de cada sujeito. Nessa perspectiva, a formação de sintomas, sobretudo
nos casos de somatização, é compreendida sob o viés da multicausalidade e
integralidade, levando em consideração o contexto biopsicossocial em que o
sujeito está inserido.

27
Rodrigues, Campos e Pardini (2010) apontam para a importância de
visualizar o paciente em seu contexto, considerando que suas dificuldades em
se ajustar às mudanças do ambiente interno e/ou externo, de modo que o
adoecer não deve ser visto como um evento casual, mas como uma resposta do
sujeito que é parte ativa de uma microestrutura familiar e de uma macroestrutura
social e cultural.

Desse modo, compreende-se que o ser humano está inserido numa rede
muito complexa de relações, que envolve processos de subjetivação
constituídos a partir da confluência de múltiplos fatores, tais como os filosóficos,
políticos, teológicos, biológicos, psicológicos e relacionais como um todo.

As inúmeras interações do sujeito nesse contexto são perpassadas,


naturalmente, pelo conflito. Este é entendido não como um fenômeno de origem
e curso exclusivos da vida psíquica, como se ela fosse algo isolado das outras
dimensões humanas; compreende-se que as demandas orgânicas, sociais e
psíquicas estão em constante e recíproca interação, de modo que, nesse
processo, coexistem sentimentos antagônicos ou forças opostas tais como um
determinado desejo e as prescrições morais que o coíbem.

A esse respeito, Rodrigues, Campos e Pardini (2010) ressaltam que,


quanto mais intoleráveis ou indesejáveis em função das interdições morais são
os sentimentos e/ou desejos, tanto maior é o conflito e o estado de tensão dele
decorrente. Entretanto, é possível ocorrer uma adequada canalização desses
sentimentos e/ou desejos para outros objetos substitutivos, obtendo, assim,
soluções conciliatórias ou de sublimação, conferindo, desse modo, um destino
saudável ou mais adaptativo aos investimentos afetivos.

Homem como ser Biopsicossocial

28
Porém, quando esses mecanismos ou recursos psicológicos estão
ausentes ou são insuficientes, estão postas as condições para o acirramento do
conflito e da tensão psicológica resultantes. Embora não faça uma clara distinção

29
entre os conceitos “somatização” e “doença psicossomática”, é bastante
significativo destacar as considerações de Galdi e Campos (2017).

Esses autores fazem uma diferenciação entre a Escola francesa, ligada à


perspectiva lacaniana, e a Escola Psicossomática de Chicago e autores
franceses não lacanianos. Esta, relaciona a formação de sintomas
psicossomáticos a conflitos inconscientes, que são simbolizados na doença,
porém, de forma mais precária que na histeria. Por outro lado, a Escola francesa
afirma que os sintomas psicossomáticos não se constituem em um
deslocamento representacional, mas traduzem uma falha nos processos de
simbolização.

Os mesmos autores (idem) apontam como direção do tratamento, a


definição de um sentido para o sintoma. Estudos evidenciam elevada relação
entre somatização e procura de cuidados médicos primários. Apontam também
correlação entre somatização e traços de personalidade como a
conscienciosidade, obsessão, sensibilidade, insegurança, ansiedade, alexitimia,
baixa autoestima, vulnerabilidade ao estresse, hostilidade e supervalorização do
tipo físico e da atividade (perfis atléticos). Indicam, ainda, o abuso sexual como
um dos fatores de risco para o desenvolvimento de somatização, e a
“necessidade de estar doente” como fator de manutenção do quadro somático
(FERREIRA; MARTINS; MONTEIRO; PEREIRA, 2014).

Depreende-se disso que os mecanismos de formação de sintomas


somáticos no sujeito biopsicossocial perpassam todo o seu contexto existencial,
revelando, assim, o caráter multifatorial da causalidade do processo de
adoecimento, já atestada por Bécache (2006). Embora não enfatize o aspecto
recíproco das influências entre os diversos fatores implicados no surgimento dos
sintomas, o mencionado autor explica, sinteticamente:

30
Nessa perspectiva, entende-se que a tensão psíquica tende a escoar por
via emocional ou somática. Sabe-se que as queixas físicas recebem maior
reconhecimento, sendo mais legitimadas tanto no contexto social quanto familiar;
as queixas psicológicas não gozam do mesmo grau de aceitação (FORTES;
TÓFOLI; BAPTISTA, 2010).

Assim, já que, ao apresentar queixas somáticas, o sujeito tente a receber


mais atenção, o comportamento somatizador passa a ser uma forte alternativa
de comunicação do sofrimento e da reivindicação de cuidado. Considera-se que
os sintomas corporais apontam para conflitos psíquicos, que permeiam a
existência humana e que são inerentes às relações que o homem estabelece
com o meio social, cultural, espiritual e com suas instâncias psíquicas. Cada
indivíduo, de acordo com as representações que faz dessa experiência conflitual
e conforme seus repertórios biológico, social e cultural, apresenta um modo
específico de lidar com esses conflitos, elaborando diferentes soluções para os
mesmos. Esse modo particular de encarar a experiência conflitual determina o
bem-estar ou o adoecer.

O mesmo autor afirma que “é a partir dessa compreensão que podemos


também entender as circunstâncias que culminam com a cristalização do
sofrimento do sujeito em uma manifestação psíquica ou somática” (VOLICH,
2000, p. 65). Essas considerações pressupõem que, não obstante as nuances
ou a volubilidade da experiência humana, o indivíduo tende a repetir certos
modos de representar e lidar com os conflitos, podendo ou não sedimentar um
estado patológico de sofrimento.

Contribuindo com essa discussão, Rodrigues, Campos e Pardini (2010)


sinalizam que o conflito, a tensão e o estado emocional como um todo
influenciam no surgimento de alterações fisiológicas, ao mesmo tempo em que
são por elas influenciados. As alterações fisiológicas, por sua vez, podem

31
resultar em tensões motoras e do sistema de irrigação, acarretando quebra da
homeostase orgânica, desencadeando, possivelmente, sintomas somáticos.

Dependendo da intensidade e da frequência desses processos, podem


emergir patologias como as cardiopatias. Quanto à intensidade do conflito, da
tensão e do estado emocional como um todo, está diretamente relacionada à
constituição social e cultural do sujeito, e repercute na totalidade humana.

Entende-se, pois, que o mal-estar ou o adoecer percorrem o homem como


um todo. Uma vez que uma vivência conflituosa é capaz de desencadear
emoções no ser humano, que, por sua vez, podem provocar transtornos
funcionais e culminar com alterações orgânicas (resguardado o caráter recíproco
desse processo), não se pode falar de adoecimento humano em uma dimensão
isolada de sua vida.

Assim, considera-se que o homem adoece por inteiro, em outras palavras,


esse processo pressupõe alterações psicoemocionais, sociais, bioquímicas,
endócrinas, neurológicas, imunológicas e somáticas. Assim, reafirma-se que:

A partir dessas considerações, depreende-se: uma vez que, não existindo


o conflito, a emoção ou a tensão, não ocorreriam transtornos funcionais,
alterações da vida celular e processo patológico, entende-se que aqueles fatores
são parte essencial do processo de adoecimento, e, desse modo, tanto quanto
a lesão anatomopatológica devem ser considerados objeto de cuidado.

32
Considerando essa multiplicidade de fatores e a complexidade das
relações que eles estabelecem entre si, das quais depende a configuração de
diferentes formas clínicas, depreende-se que se faz necessário um olhar
interdisciplinar sobre o processo saúde-doença-cuidado, a fim de que se possa
prestar um atendimento mais adequado às demandas do sujeito, cuja
complexidade nenhuma teoria, isoladamente, comporta.

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