Você está na página 1de 6

As práticas em Psicoterapias Breves e a clínica psicanalítica atual

Prof. Alessandro Euzébio1

Quando observamos o curso das ciências, em especial as que tratam acerca das questões psíquicas,
observamos que sofreram em seu curso variável uma evolução das correntes e surgimentos de novos
pensamentos teóricos. Como não poderia ser diferente, a teoria psicanalítica de Sigmund Freud sofreu uma
drástica mutação em seu decurso histórico. Podemos considerar o abandono da hipnose um sinal do começo
dessa transformação. Aliás, vale frisar de que os estudos sobre hipnose de Breuer e Freud ainda não
consistiam em Psicanálise, essa que temos como um método investigativo psicoterápico. Esta começou
somente após a noção e uso da técnica de Associação Livre e da Interpretação dos Sonhos. A mudança da
chamada Teoria da Sedução para a metapsicologia com base nas teorias da sexualidade infantil e das
questões inconscientes representaram uma grande reviravolta na teoria freudiana.

Em termos de vivência prática, o que se pode observar é que Freud começou praticando tratamentos
mais abreviados, a exemplo, os casos relatados no texto Estudos sobre Histeria (1895). Os primeiros casos
de Freud foram “breves”. A obra Estudos sobre a Histeria (1895) descreve terapias de curta duração, que
oscilam entre uma única sessão e alguns meses.

Em 1900, o atendimento do caso Dora durou 11 semanas; o do pequeno Hans, dois meses; em 1906,
o atendimento do maestro Bruno Walter e a “cura” de uma paralisia em seu braço direito deram-se em seis
sessões; em 1908, uma única conversa de quatro horas à beira de um penhasco “curou” a impotência sexual
de Gustav Mahler (Dantas, 2005). Outro tratamento célebre, o do Homem dos Ratos, que conseguiu bons
resultados, e cujo histórico clínico foi publicado em 1909, durou tão-somente 11 meses (Braier, 1997). Temos
na psicanálise sempre

Ainda segundo Braier (1997), e tendo em vista estes pressupostos, houve um repensar sobre os
processos psicoterápicos existentes e deu-se início então a formulação de uma melhor adequação da
Psicanálise a nova realidade social. Dessa análise, surgiu a Psicoterapia Breve Psicanalítica. Podemos
identificar três estágios diferentes da evolução da psicoterapia breve. São eles: estágio psicanalítico, cujos
principais autores são: Freud, Ferenczi e Ranck, viabilizaram o aparecimento das atuais psicoterapias breves
de orientação psicanalíticas.

A proposta da psicanálise de Sándor Ferenczi

Psicanalista húngaro nascido na cidade de Miskolc, um dos mais íntimos colaboradores de Freud.
Formado em medicina pela Universidade de Viena (1894), especializou-se em neurologia e neuropatologia
e adquiriu experiência com a hipnose. Após conhecer Freud (1908), com quem estabeleceu uma grande
amizade pessoal, logo passou a integrar a Sociedade de Psicanálise de Viena, que reunia os mais próximos
colaboradores do criador da psicanálise. Com o tempo suas pesquisas acabaram por afastá-lo da ortodoxia
psicanalítica e de Freud e, nos últimos anos de vida, modificou suas posições e adotou a tese de que o
terapeuta deve ser livre para manifestar afeição pelo paciente e encorajá-lo a reviver experiências
traumáticas da infância. Morreu em Budapeste e suas experiências em clínica psicanalítica viriam a se

1 Professor Universitário, Psicanalista, Psicólogo, Doutorando em Psicologia, Mestre em Educação (Pesquisa em Formação Psicanalítica e Educação).
Foi fundador e Coordenador do Núcleo de Formação de Psicanalistas e Mestres em Psicanálise de 2014 à 2020, fundador da Clínica Social de
Psicanálise – Instituto GAIO em 2018. Atualmente Diretor Geral do Instituto GAIO Ensino Superior e Interlocutor da FGE-SP (Unifatec) em São Paulo
capital e como psicanalista em consultório particular e supervisor de psicanalistas em percurso. Contato: consultoriodr.aeuzebio@gmail.com ou
Instagram: https://www.instagram.com/aeuzebio.psi
constituir nas bases do psicodrama e da análise de grupo. Seu mais conhecido livro foi The Development of
Psychoanalysis (1924), escrito em colaboração com Otto Rank."

Um dos grandes percursos da psicoterapia breve Ferenczi preconiza em seu texto Análise
Descontínua que, bem como assinalado por Freud, os pacientes que obtém alívio de seus sintomas mais
marcantes tendem inclusive por motivos financeiros a abandonar o processo terapêutico, tendo em vista
ser o tratamento psicanalítico um tanto sofrido. Os sintomas mórbidos ainda não resolvidos tornam-se,
segundo o que percebem tais indivíduos, menos penosos.

há um movimento por parte dos pacientes em abandonarem antes do fim do tratamento


estabelecido pelo analista, dado o grande dispêndio exigido pela psicanálise. Embora Ferenczi apregoe em
certa medida atendimentos breves, ele reconhecia que “a análise contínua é sempre preferível à análise
descontínua”.

A despeito da discordância entre Freud e Ferenczi, a relação de intensa amizade entre os dois era
capaz de sustentar a relação — seja de amizade, seja epistemológica — entre eles e evitar conflitos
pessoais. Segundo o que conta Falzeder (1995), havia certas proposições técnicas de Ferenczi com as quais
Freud não concordava, não obstante, incentivava-o a continuar a discutir. A amizade entre os dois
obliterava quaisquer movimentos no sentido de demérito ao pensamento de um ou de outro. Ademais,
Ferenczi fez importantes contribuições à psicanálise, como o conceito de introjeção que subsidiou a
descoberta do mecanismo de identificação por Freud.

Talvez, a inclinação de Ferenczi para a abreviação do tratamento tenha se dado por conta de suas
experiências anteriores. Toda ciência advém da — e, por conseguinte remete à — vida do pesquisador.
Deste modo, Ferenczi e Freud, pessoas diferentes, desenvolveram olhares divergentes sobre a psicanálise,
cada um a partir do referencial que tinha e do que já tinha vivido. Ferenczi, como bom médico de família
da pequena e cosmopolita Budapeste, sempre foi muito envolvido pela responsabilidade da cura. Freud,
na capital do Império, teve a oportunidade de ser ainda muito mais cosmopolita e isto incidiu em suas
teorias (Mautner, 1996).

De acordo com Braier (2000), para se adotar uma técnica breve de base psicanalítica, é necessário
fazer uma comparação com o modelo original, o tratamento psicanalítico para esta finalidade, serão
considerados três aspectos essenciais: os fins terapêuticos, a temporalidade e a técnica.

Ainda segundo Mautner (1996), Ferenczi tentou também promover a análise mútua e o
relaxamento este último influenciado por Groddeck. O que se percebe, então, é que Ferenczi, em busca da
cura, transitava por técnicas diversas, enquanto Freud manteve-se mais atido a seu pensamento e à
pertinência de sua teoria, muito embora esta tenha sofrido drásticas mudanças em seu curso histórico.
Dantas (2005) corrobora o que se disse anteriormente: “Tendo como preocupação fundamental a situação
do paciente em seu sofrimento, em sua urgência de ‘curar-se’, e pouco satisfeito com as práticas lentas e
intelectuais da psicanálise oficial, Ferenczi não hesitava em buscar novas formas de atender”.

A técnica de Ferenczi de relaxamento buscava facilitar as lembranças. Aparentemente, a técnica


aproxima-se da já na época abandonada — pela psicanálise — hipnose. Talvez o que se tenha por resultado
seja o simples abono das resistências outrora criticado por Freud.

(...) Levei os pacientes a um “relaxamento” mais profundo, a um abandono total às


impressões, tendências e emoções internas que surgissem de maneira totalmente
espontânea. Então, quanto mais a associação se tornava realmente livre, mais as palavras
e outras manifestações do paciente tornavam-se ingênuas — infantis, diríamos; com mais
e mais freqüência, vinham misturar-se aos pensamentos e representações imajados
alguns ligeiros movimentos de expressão, às vezes até “sintomas passageiros” (Ferenczi,
1931 apud This, 1995, p. 89).

Pinheiro (1995, p. 112) cita que “a técnica ativa, a elasticidade da técnica, o princípio de
relaxamento e neocatarse forneceram a Ferenczi os subsídios necessários para a construção da teoria do
trauma”.

O trabalho do psicanalista com a psicoterapias breve de orientação psicanalítica – PBOP

Existem alguns conceitos de especial aplicação em PBOPs (situação-problema, foco, ponto de


urgência e hipótese psicodinâmica inicial) que tem gerado uma certa confusão no terreno teórico da PBOPs,
e que merecem atenção especial por parte do psicanalista.

Tabela: Diferenças entre psicanálise e psicoterapias breves de orientação psicanalítica - Alessandro Euzébio

Psicanálise PBOP´s

A exploração das questões Limitados (começo, meio e fim).


FINS TERAPÊUTICOS inconscientes. Resolução de Superação de
conflitos básicos infantis e sintomas/angústias e problemas
demais questões. atuais.
Reestruturação da personalidade
do sujeito.

TEMPORALIDADE Prolongada. Indeterminada Limitada em sessões (planejada


baseadas num processo de acordo com questões
contínuo. emergentes e focais).
Habitualmente de acordo em
situações focais nos conflitos
derivados.

DEMANDAS Questões inconscientes, Questões emergentes, no geral


desordens psíquicas de um que necessita de um tratamento
modo em geral. rápido e focal.

Segundo Amorim (2005), a situação-problema pode ser chamada de situação crítica, situação
obstáculo, situação desencadeante e de acordo com Braier (2000), trata-se de uma situação que se torna
presente na vida do indivíduo, e por motivo de ações descompensadoras surgem ou podem surgir
dificuldades de natureza psíquica que operam como obstáculo para o alcance de um desenvolvimento
adequado. Esta situação-problema descrita por Amorim pode ser provocada por ocorrências tais como um
processo seletivo, uma viagem ou uma intervenção cirúrgica próxima, a perda de um ente querido, um fim
de relacionamento, dificuldade de falar em público, uma gravidez, e diversas questões emergentes que
surgem. Essa situação diz respeito aos fatos que são manifestos e objetivos.
Na prática clínica psicanalítica em PBOP

a) As entrevistas preliminares iniciais: Uma boa entrevista inicial é garantia de grande parte do
sucesso do tratamento, lembrando que “entrevista inicial” não significa que deva ser feita
completamente na primeira sessão, pode ocorrer em demais sessões. Não se trata de um
interrogatório monótono e técnico, mas de uma (BERGERET, 2006). O paciente deve ser deixado à
vontade, inicialmente, para falar de seu sofrimento, e aos poucos direciona-lo dentro do foco. A
duração pode ir de alguns minutos (mas podendo-se repetir as entrevistas, quando a angústia é
muito acentuada e parece insuperável) há uma hora, mas não convém jamais ultrapassar esse
limite. Não se pode esquecer a importância, para o analista, de observar, além do conteúdo falado,
o modo de expressão verbal, o nível de evolução afetiva, o grau de adaptação às realidades, a
densidade do discurso, a flexibilidade ou rigidez da atitude, os silêncios, entre outros.
Após este primeiro contato o analista procura investigar o que não foi dito espontaneamente e que
precisa saber, sem, todavia, submeter o paciente a questões invasivas e constrangedoras logo na
primeira sessão.

Os estudos (BRAIER, 2000) apontam que as principais finalidades de tais entrevistas são: (1) O
estabelecimento da relação terapêutica; (2) A elaboração da história clínica; (3) A avaliação
diagnóstica e prognóstica; (4) A devolução diagnóstico-prognóstica; (5) O contrato sobre metas
terapêuticas e duração do tratamento; (6)A explicitação do método de trabalho e a fixação das
demais normas contratuais.

b) O foco da PBOPs: Na psicoterapia breve o foco indica a direção e o fio condutor do trabalho
psicoterapêutico por parte do analista. É o sinal indicativo para a terapia. O conflito focal contém
um conflito pré-consciente e superficial que explica a maior parte do material clínico. Em princípio,
o foco não deveria apenas permitir uma compreensão psicológica da situação desencadeadora,
mas deveria também incluir os acontecimentos traumáticos da biografia do sujeito que fazem com
que a dificuldade interna atual surja como repetição de um conflito infantil. É preciso ressaltar que
os detalhes e as raízes biográficas dos distúrbios geralmente só se esclarecem durante a terapia
breve ou já no seu final.” (GILLIERON,2004) Depois de estabelecer o foco, é importante conhecer
qual a interpretação que o paciente dá a seus sintomas. Quase todos os pacientes criam, para si
mesmos, uma explicação sobre a origem de seus problemas. Essa concepção pessoal esclarece
consideravelmente o analista a respeito do grau da capacidade de introspecção e de defesa do
conflito inconsciente. Embora a formulação precoce do foco, feita já nas primeiras entrevistas, seja
decisiva na psicoterapia breve, a formulação interior é constantemente completada, tornando-se
precisa e ampliada durante o tratamento. Aspectos menos claros no começo ganham importância
posteriormente.

c) Hipóteses psicodinâmicas na PBOPs: A(s) hipótese(s) psicodinâmica(s) se referem a elaboração do


psicanalista a respeito do que pode estar acontecendo com o paciente, a respeito do que lhe está
causando sofrimento. É a teoria do analista sobre o conflito psíquico de seu paciente. Para elaborar
sua hipótese psicodinâmica o psicanalista deve estar atento às seguintes questões: (1) qual o
desejo que está reprimido e que não consegue ser realizado; (2) qual a ansiedade envolvida; (3)
onde está a objeto; (5) qual a verdade que não consegue ser conhecida ou sustentada pelo
analisando; (6) qual é o padrão de repetição; (7) existe algo que não foi dito e por que. O analista
percorre os pontos levantados na entrevista e é bom que fique atento à contratransferência como
sinal de alerta e de comunicação. Tanto quanto a determinação do foco, a hipótese psicodinâmica
também vai sofrendo confirmações, modificações, acréscimos e negações. Com a prática, porém a
escuta analítica se aperfeiçoa e a hipótese sofre menos possibilidades de alterações. O manejo
clínico deve chegar a uma hipótese psicodinâmica, com base nos sinais percebidos na história do
paciente durante as entrevistas que explique a natureza das questões.

d) Avaliação dos resultados e o término da PBOP: É mediante a avaliação dos resultados que será
possível recolocar a situação do paciente e determinar os passos a serem seguidos a partir desse
momento. Braier (2000) destaca a conveniência de que a tarefa avaliatória não fique
exclusivamente a cargo do terapeuta, mas que haja participação ativa do paciente. Isso permitirá
que a apreciação dos resultados seja enriquecida e possa na maioria das vezes aproximar-se mais
da realidade A avaliação conjunta deixa no paciente a impressão de que se levou a cabo uma tarefa
em comum, a qual tem assim um encerramento cuidadoso, planejado, no qual se aprecia sua
opinião. Este último passo inclui a confirmação, por parte do paciente, de suas impressões a
respeito dos progressos obtidos, sendo estas ratificadas pelo julgamento do terapeuta, criando-lhe
uma sensação de reasseguramento. A avaliação é, dentro do possível, anunciada e ajustada de
antemão com o paciente ao efetuar-se o contrato terapêutico; explica-se quais são seus motivos,
como se fará e quais serão as datas de realização das entrevistas de avaliação.

Por fim, no que concerne a indicações e contraindicações para as psicoterapias breves de


orientação psicanalítica, renunciamos a fornecer critérios precisos que se assentem em bases
psicopatológicas nitidamente delimitadas, tais como alcoolismo crônico, a toxicomania, as neuroses mais
ou menos bem estruturadas, etc. Preferimos mostrar os elementos dinâmicos passíveis de impedir o
engajamento em uma psicoterapia analítica breve, esboçando em traços genéricos a natureza das relações
do paciente no enquadre que lhe é proposto.

A indicação para qualquer forma de psicoterapia é um processo dinâmico que implica uma tomada
de consciência, partilhada tanto pelo terapeuta quanto pelo paciente (Gilliéron, 1986).

Pelo que se pode perceber, a depender dos critérios para aceitação do paciente, cai-se, mesmo
que, em última instância, em um caráter plenamente pessoal, subjetivo. Do mesmo modo, o é o
posicionamento frente à plausibilidade da psicoterapia breve psicanalítica, puramente individual. De certo,
somente que todos aqueles que optam por praticar a psicoterapia breve psicanalítica estão indo de embate
contra os postulados de Freud.
Referências

BRAIER, E. A. Psicoterapia Breve de Orientação Psicanalítica. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
________, E. A. Psicoterapia breve de orientação psicanalítica. São Paulo, 2000.
DANTAS, M. Sintonia em Foco. Em Viver Mente & Cérebro. Coleção Memória da Psicanálise, n° 6, pp. 80-91.
2005.
FERENCZI, S. Psicanálise II. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
_________. Psicanálise IV. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
GIDDENS, A. A Transformação da Intimidade: Sexualidade, Amor e Erotismo nas Sociedades Modernas. São
Paulo: Editora Unesp, 1992.
GILLIÉRON, E. As Psicoterapias Breves. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1986.
GILLIÉRON, E. Manual de Psicoterapias Breves. Lisboa: Climepsi Editores, 1998.
KAHTUNI, H. C. Psicoterapia Breve Psicanalítica: Compreensão e Cuidados da Alma Humana. São Paulo:
Editora Escuta, 1996.
MAUTNER, A. V. Férenczi: Cultura e História. In: KATZ, C. S. (ORG.). Férenczi: História, Teoria, Técnica, São
Paulo: Editora 34, 1996.
ZIMERMAN, D. Fundamentos Psicanalíticos. Porto Alegre: Artmed, 1999.

Você também pode gostar