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A formação do conselheiro
Ismênia de Camargo
No entanto, tal premissa não foi incorporada, não faz parte de seu
jeito de ser. É apenas constructo intelectual.
Ao iniciar sua prática clínica, atende um cliente com forte depres
são — não quer comer, trabalhar, distrair-se; só quer dormir. Uma
possível atitude é incitar o cliente a sair desse marasmo e exercer
algumas atividades. Por isso, o aluno pode até vir a “prescrever”
um programa inteiro de atividades. Supondo que o cliente obedeça
e faça tudo que lhe foi sugerido (com esforço, é verdade), o que
acontecerá quando o aluno não mais estiver por perto? Tal interven
ção terá sido benéfica? Acreditamos que não, porque o poder, o
saber, o pensar ficaram externos ao cliente. Ficaram com o aluno.
Ao cliente só restou obedecer. E justamente a premissa fundamental
da teoria centrada na pessoa ficou só fictícia. Não foi absolutamente
vivenciada. As atitudes básicas decorrentes desta maneira de se rela
cionar com o outro (acreditando em suas potencialidades) não pu
deram ser experienciadas.
A teoria ainda proporciona pontos de referências para observações
sistemáticas e propicia o aparecimento de novas idéias em Acon
selhamento.
O futuro conselheiro poderá se armar de todos os testes, estra
tégias, conhecimentos, mas é através da prática que ele se conhecerá
e possibilitará ao outro se conhecer.
A princípio, como são muito intensos o medo, a insegurança e a
necessidade de acertar ou ter respostas, o aprendiz precisa de cons
tantes supervisões, onde profissionais mais experientes possam aju-
dá-lo a refletir sobre sua prática.
Nestas supervisões, muitos esperam que com a aquisição de alguma
técnica possam tornar-se terapeutas competentes. Ledo engano. A
prática os coloca nus frente a seus próprios sentimentos e aos senti-
mentos do outro. E as supervisões embasadas na Abordagem Centrada
na Pessoa visam justamente facilitar ao estudante, mais do que a
obtenção de modelos ou técnicas, o encontro do seu próprio caminho.
Visam também torná-lo próximo de seu mundo interior, consciente
de seu próprio ponto de vista e de seus próprios sentimentos. Tais
supervisões ajudam-no a ser mais genuíno e sincero consigo, aumen
tando a possibilidade de empatia com o outro, aceitando-o e fazendo
com que ele também possa aceitar-se. Talvez um pequeno trecho
comentado de uma supervisão possa ilustrar melhor o que estamos
dizendo.
A supervisionanda é uma aluna do 4.° ano do Curso de Psicologia
e está começando suas atividades práticas. Anteriormente já havia
trazido o relato de uma entrevista na qual o cliente se queixava
intensamente da esposa.
Comentários
a) Quando a aluna diz “ainda” percebemos que ela espera, em
algum momento, ter uma resposta para a sua pergunta. Será isso
possível? Poderíamos mesmo saber o que é melhor para ele? É um
bom exemplo que viola a premissa da teoria centrada na pessoa;
aqui a aluna procura ter respostas e não auxiliar ao cliente a obten
ção das suas.
b) Neste trecho, a aluna parece se identificar com o cliente, mas
não se dá conta disso — até aumenta o tom de voz. Começa então
uma “torcida” para que ele faça o que ela provavelmente faria.
c) Sem notar seus sentimentos, a aluna emite juízo de valor. Dis
farçada em forma de pergunta, a mensagem é clara: “você deve se
separar porque ficará mais feliz” .
d) Aqui começa a intervenção do supervisor no sentido de aproxi
mar a aluna de seus próprios sentimentos e valores.
Uma vez percebidos, poderão deixar de ser obstáculos à compreen
são mais empática em relação a seu cliente.
Neste processo, o supervisor desempenha a função de professor:
é aquele que informa, sugere, comenta etc. Além disso, está muito
presente também a função de conselheiro, pois, mais do que ninguém,
deve ser continente das angústias e ansiedades; deve identificar obje
tivos, necessidades e conflitos do aluno, aproximando-o de sua
própria percepção e sentimentos. Por outro lado, alguns autores como
G rinberg2 preferem concentrar-se mais na relação que é estabelecida
entre o supervisionando e seu cliente. O objetivo é esclarecer aspectos
afetivos mobilizados nesta relação e também prepará-lo para o en
contro consigo, o que facilita o encontro com o outro.
Supervisão em ambos os casos é um “fazer saber e não um saber
fazer” (como dizia Regina Schneiderman em suas aulas). E a preo
cupação maior é que o aprendiz seja fiel a sua experiência.